Processamento Bottom-Up Na Leitura
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RESUMO: Nesse trabalho nos propomos apresentar as evidncias mais recentes sobre os processos bottom-up
em leitura, provindas das neurocincias, sem ignorar, contudo, que tais processos so em paralelo, distribudos
por vastas regies do sistema nervoso central, partindo do pressuposto de que os neurnios simultaneamente
enviam informao atravs dos axnios (output) e a recebem atravs dos dendritos (input). Demonstraremos,
agora com provas mais robustas, que a leitura depende da aprendizagem, mais precisamente, da reciclagem dos
neurnios situados na regio occpito-temporal ventral esquerda, graas a sua plasticidade para aprender a
articular diminutos traos invariantes em letras, uma, duas ou mais (dependendo das lnguas), ou seja, os
grafemas, correspondendo a fonemas e ambos com a funo de distinguir significados. Dentre as reciclagens
mais difceis, citemos a de ir de encontro simetrizao da informao visual, que um dos mecanismos
naturais de tratamento do sinal luminoso. Os dados provm em grande parte de Dehaene (2007).
1. O processamento na fvea
Como qualquer ato de comunicao, a leitura comea por um ato voluntrio, com
vistas a um determinado fim, no qual a ateno desempenha um grande papel, processos esses
comandados pela regio frontal.
Antes de tratarmos mais especificamente do processamento da palavra escrita,
preciso esclarecer que ele precedido por um processamento menos especfico nas reas
visuais primrias da regio occipital. No se trata de um processamento global: nos primatas,
o estmulo visual se desmembra em milhares de fragmentos, reconhecidos cada um por um
foto-receptor distinto que, por sntese, o crebro recompe em traos invariantes:
didaticamente, utilizamos a metfora de pxel para cada fragmento. Num lapso de tempo de
50 milissegundos, as imagens dos rostos e das palavras no se distinguem: s depois que
ocorre uma triagem, quando o tratamento analtico passa a ser efetuado pela regio occpito-
temporal ventral esquerda (TARKIAINEN; CORNELISSEN SALMELIN, 2002).
Somente a parte mais central da retina, que ocupa 15, denominada fvea, por ser rica
em clulas foto-receptoras, de resoluo muito alta, chamadas cones, apta a processar as
letras.
J a encontramos uma limitao, que obriga o globo ocular a efetuar de quatro a cinco
movimentos por segundo em sacada (quando no se consegue ler absolutamente nada) e o
movimento de fixao, quando a fvea consegue abarcar de 10 a 12 letras: 3 ou 4 esquerda
do centro do olhar, e 7 ou 8 direita, se a direo da escrita for da esquerda para a direita,
como o caso do portugus e, inversamente, se a escrita for da direita para a esquerda, como
o caso do rabe e do hebraico. Conclui-se, pois, que o mbito (spam) em cada fixao no
depende do tamanho das letras e sim de quantas so. Um experimento muito engenhoso foi
desenhado por George W. McConkie e Keith Rayner (1975), denominado janela mvel.
Trata-se de um aparelho acoplado a um computador, que acusa os movimentos dos olhos on
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line, de modo que possvel detectar quantas letras esquerda e direita a fvea consegue
abarcar, sendo o resto preenchido por x. Adaptamos o instrumento primeira pgina de Os
Maias de Ea de Queiroz, para que se tenha uma idia do experimento:
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reas temporais contguas que processam a sua contra-partida sonora e, ainda, graas s
projees a todas as reas responsveis pelo processamento verbal, em particular, as reas que
processam o significado, est demonstrado que a regio occpito-temporal ventral do
hemisfrio esquerdo a rea responsvel pelo reconhecimento especfico da palavra
escrita. Como possvel?
A primeira tcnica, a IRM funcional, parte do princpio de que as reas mais ativadas
durante o processamento apresentam uma vazo sangunea maior. Os sujeitos recebem uma
dose fraca de gua radioativa, cujo tomo de oxignio foi substitudo pelo do oxignio 15:
acompanhando-se a imagem da distribuio da radioatividade mais intensa, podem-se
rastrear, camada por camada, as regies ativadas no processamento de estmulos controlados.
O eletro-encefalograma consiste em mensurar, com um voltmetro muito sensvel, as
diferenas de potencial da ordem de um microvolt que as correntes neuroniais induzem at a
superfcie do escalpo, enquanto a magneto-encefalografia detecta as variaes minsculas do
campo magntico induzidas pelas correntes neuroniais. Tais instrumentos permitiram
comprovar empiricamente e on-line vrios aspectos no processamento bottom-up da leitura.
3. As invarincias
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espessura dos traos, gordos, ou em negrito, a inclinao dos caracteres, em itlico, o
sublinhado, ou em combinao. As variantes na escrita manuscrita so idiossincrticas, a tal
ponto que possvel identificar uma pessoa por sua caligrafia.
Trata-se, pois, de uma operao mais abstrata efetuada pelos neurnios e os autores j
mencionados, McConkie e Rayner, demonstraram que, alternando uma LeTrA mAisCuLa
com uma minscula, os sujeitos nem perceberam quando a alterao apareceu na tela.
Uma das aplicaes dessas evidncias mostrar que o reconhecimento das letras no
se d por configurao, uma das premissas do mtodo global de alfabetizao.
importante enfatizar que, embora os neurnios desprezem diferenas aparentemente
grandes entre letras, como as j assinaladas entre A e a, em que no h nenhum trao
compartilhado, eles tm que atentar para diferenas diminutas entre as letras, algumas
dificlimas, como a direo para a direita ou para esquerda, para cima ou para baixo, dos
traos, conforme explicaremos, exemplificando com a matriz das letras de imprensa:
ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ
abcdefghijklmnopqrstuvwxyz
A utilizao de uns poucos traos articulados para formar uma letra, de modo a
diferenci-la das demais, se insere nos princpios que governam o processamento dos sistemas
verbais, que passo a enumerar:
1. Quanto mais baixo o nvel de processamento, tanto mais ele dever ser
automatizado durante a aprendizagem e, portanto, menor o nmero de traos que compem o
paradigma (lista dos traos que so utilizados) e de cada feixe (no caso, uma dada letra), para
no sobrecarregar a memria.
Os traos mais elementares que constituem as letras so as retas e as curvas, cujo
reconhecimento, em suas formas invariantes, no privilgio da espcie humana, conforme
demonstrou Tanaka com macacos (2003). Porm, o que caracteriza a utilizao dessas formas
invariantes na estruturao de um sistema alfabtico o desdobramento em pequenas
diferenas, o modo como se articulam e o acrscimo de outros traos diferenciais, que so: a
relao com uma linha real ou imaginria (somente nas minsculas), a direo para cima ou
para baixo, e para a direita ou para a esquerda (esse ltimo, o mais complexo dos traos que
diferenciam as letras entre si, pois vai de encontro programao natural dos neurnios para
buscar a simetria na informao visual).
- posio da reta: vertical, horizontal ou inclinada. Por ex., na letra E, observamos uma reta
vertical e trs horizontais, enquanto na letra V, observamos duas retas inclinadas;
- tamanho da reta. Voc pode notar que os traos horizontais so sempre menores que os
verticais (sempre do mesmo tamanho, numa mesma fonte). Compare, por exemplo, esses
tamanhos nas letras E, F, H, L e T.
- relaes entre os traos numa mesma letra. As relaes podem ser entre retas (em
qualquer das posies), entre curvas ou mistas, variando o local onde os traos menores se
colocam em relao ao eixo principal e quantos so. Assim, a nica diferena entre E e F est
no fato de E ter um trao horizontal a mais na base, e de ambos se diferenciarem de L porque
esse s possui um trao horizontal na base. J na letra T, o trao vertical tange bem ao meio o
trao horizontal que est no topo, enquanto no H, o trao horizontal que liga no meio as
duas retas paralelas. Observe, pois, que essas cinco letras maisculas articulam exatamente os
mesmos traos, diferenciando-se apenas pelas relaes que estabelecem entre si: L T F E H.
Um exemplo de relao entre curvas encontramos na letra maiscula S e minscula s,
mas, como se pode observar, essa letra, alm das grandes dificuldades do grafema, por
apresentar valores fonolgicos diferentes, conforme o contexto grfico, possui uma
dificuldade ainda maior, pelo fato do duplo espelhamento da curva c de cima para baixo e da
esquerda para a direita. Voltaremos a tratar desse impasse.
O que ocorre mais so as relaes mistas. Uma pequena curva articulada com o trao
vertical (na verdade, seu prolongamento), ou o inverso, aparece em letras maisculas e
minsculas, como G, J, a, e, f, g, h, j, m, n, r, t e u. Uma outra articulao mista ocorre
entre a curva c e a reta, acrescida de uma das dificuldades maiores no reconhecimento das
letras que a direo para a direita ou para esquerda, e para cima ou para baixo
(espelhamento), conforme as letras: B, D, P e R, nas maisculas, e b, d, p e q, nas
minsculas.
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- direo para a direita ou para esquerda, e para cima ou para baixo (espelhamento):
deixamos para o final o que constitui a maior dificuldade para o reconhecimento das letras, ou
seja, a diferena entre a direo do trao para a esquerda ou para a direita e, em menor escala,
a diferena entre o trao de cima para baixo ou o inverso: o espelhamento. Como j afirmado
vrias vezes, a percepo dessa diferena vai de encontro programao natural dos
neurnios para buscar a simetria na informao visual, da a grande dificuldade de
aprendizagem. Essa diferena a nica que existe entre os seguintes pares: b/d, p/q
(diferena para a direita ou para a esquerda) e entre M/W, n/u, b/p e d/q (diferena de cima
para baixo ou o inverso) e, em menor grau, entre A/V, S/Z, a/e, s/z e f/j.
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uma modificao na distribuio das slabas: [ma|awtu] (pronncia carioca) de mar alto.
Observe que o apstrofo, na transcrio entre barras ou colchetes se refere slaba de maior
intensidade, vinda logo a seguir.
No existe, porm, uma letra para cada som. Uma, ou duas letras, os grafemas,
representam os fonemas. Assim, enquanto existe uma variedade muito grande de sons, s
existem 26 letras, para representar a lngua portuguesa escrita.
A utilizao dos sistemas alfabticos se, por um lado, representa uma grande
economia, por outro, constitui uma grande dificuldade quando o indivduo vai se alfabetizar,
porque ele percebe a sua fala como um contnuo. por isto que a criana, depois de descobrir
a diferena entre o desenho e a escrita, passa por uma fase em que escreve uma poro de
smbolos sem espaos entre si; passa, depois, a atribuir um smbolo para cada slaba, porque
consegue, ento, a nvel consciente, dividir a cadeia da fala em slabas. A dificuldade maior
est em compreender que uma ou mais letras no se referem a uma slaba (a no ser quando
ela constituda de uma s vogal) e sim a uma unidade menor. Esta dificuldade em
desmembrar uma slaba a nvel consciente maior quando temos uma slaba onde entram as
oclusivas /p t k b d g/, porque elas no podem ser pronunciadas isoladamente, sem apoio de
uma vogal.
As regras que os neurnios devero aprender para atribuir os valores fonolgicos aos
grafemas so:
(4) Valores dependentes exclusivamente do lxico mental ortogrfico: trs dos cinco valores
atribudos letra x dependem exclusivamente da internalizao do lxico mental ortogrfico e
de suas relaes com o lxico fonolgico mental: /S/, /s/ e /kis/ ~ /kiS/ e a nasalizao de u
em muito. Com o Novo Acordo Ortogrfico, vai ser necessrio sobrecarregar o lxico
mental para desambiguar as letras qu e gu, seguidas de e ou i, uma vez que, com a queda do
trema, no se sabe se qu e gu so dgrafos ou no; o mesmo em relao s letras ei e oi,
quando no figurarem em posio oxtona.
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Uma discusso que tem dividido os pesquisadores no que diz respeito ao
processamento da palavra escrita a que se refere obrigatoriedade da via fonolgica, mesmo
em sistemas opacos, como o ingls. o que veremos a seguir.
Voc pode observar que, embora no conhea muitas das palavras, consegue l-las,
atribuindo aos grafemas os valores que eles tm no sistema ortogrfico do PB, embora leve
mais tempo para faz-lo do que o empregado numa palavra conhecida. Evidentemente, voc
no pode atribuir-lhes nenhum sentido, uma vez que elas no o tm. No entanto, consegue
decodific-las e isto s possvel se tiver acesso via fonolgica. O que acontece com as
palavras conhecidas que o processo to rpido que no nos damos conta do uso da via
fonolgica. Isso fica provado quando nos experimentos so colocadas palavras que podem ter
uma correlata homfona no homgrafa, como sela, cena, sesso e assim por diante. Embora
tais palavras sejam conhecidas e at bastante freqentes, o sujeito demora mais em process-
las, pois elas apresentam o que denominamos de contextos competitivos e comprovam a
passagem pela via fonolgica.
Os experimentos com o paradigma priming, que consiste em verificar quais e por que
determinados estmulos servem como facilitadores para uma dada resposta, levam aos
mesmos resultados. Por exemplo, a palavra CRUZ permite um reconhecimento muito mais
rpido da palavra CRUS, do que se em seguida for mostrado o estmulo TAVE.
Os experimentos comprovam que, primeiro, se d o reconhecimento da forma escrita
para, em seguida, evocar a pronncia.
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Evidentemente, h o efeito do respectivo sistema ortogrfico de cada lngua, havendo
disparidade entre sistemas mais opacos como o ingls e o francs e sistemas transparentes
como o italiano, o espanhol e o portugus.
Uma coisa certa: quando nos defrontamos com uma palavra regular pela primeira
vez (e isto cada vez mais freqente, em virtude da exploso cientfica e tecnolgica), a via
fonolgica absolutamente necessria. Nesses casos, o sentido tem que ser construdo na base
do cruzamento da informao textual (processo bottom up) com o conhecimento prvio sobre
o tpico (processo top down).
Como no incio da neurolingstica e da neuropsicologia, ainda hoje, muitas
evidncias provm de lesionados cerebrais e, no que diz respeito ao que estamos discutindo,
h leses que provocam a dislexia profunda ou fonolgica, ou seja, a incapacidade de realizar
a converso dos grafemas em fonemas em palavras raras, embora regulares, como sextante,
enquanto conseguem, compreendendo-as, pronunciar palavras freqentes, mesmo irregulares
como muito. Ocorre tambm a leitura de um sinnimo, por exemplo, carne ao invs de bife,
porque o acesso significao est inalterado. Em outros, o que est alterada a via lexical,
tambm chamada de dislexia de superfcie: somente pronunciando a palavra conseguem
compreend-la, contudo, no decodificam palavras irregulares.
Pode-se concluir que a arquitetura do crtex obedece a uma organizao em vias
mltiplas e paralelas e as duas vias se complementam. Tanto as regras de converso grafemas-
fonemas so utilizadas, quanto o acesso ao dicionrio mental, no qual qualquer pessoa possui
arrolados, no mnimo, de 40.000 a 50.000 itens.
Concluses
Nesse artigo, procuramos explicar processos bottom up que operam na leitura, desde a
decomposio em mirades de fragmentos pelas regies primrias, at o tratamento na regio
occpito-temporal ventral esquerda das invarincias dos diminutos traos que se articulam em
letras, essas em grafemas, associados aos valores fonolgicos, ambos com a funo de
distinguir significados.
cada vez mais evidente a especificidade dos neurnios que tm que se reciclar para a
aprendizagem que analtica e no global.
ABSTRACT: In this paper we present recent evidence given by neurosciences about bottom up processes in
reading, without ignoring, however, that they perform in parallel, since neurons actually send and receive
information through axons and dendrites respectively. We will demonstrate with more robust proofs that reading
depends upon learning, namely, upon recycling neurons on the left ventral occipital-temporal brain region,
thanks to their plasticity for learning how to articulate small invariant visual features into one, two or more
letters, (depending upon each language), the so called graphemes, linked to its corresponding phonemes, both
distinguishing meaning. One of the most difficult recycling goes against the natural symmetrical treatment of the
luminous waves. Date are mostly reviewed by Dehaene (2007).
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Referncias
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