ESTADOS UNIDOS: IDENTIDADE NACIONAL E PERMANÊNCIA DOS MITOS FUNDACIONAISpdf
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Possuindo uma cultura poltica que toma como base de seus valores e de sua
identidade o momento fundacional da nao, os Estados Unidos se utilizam dos mitos que
cercaram sua fundao para justificar sua prosperidade ou decadncia, fazendo-os persistirem
1 Carolina Silva Horta Machado graduanda em Histria pela UFMG e extensionista PROEX no Grupo
Stima Arte de Cinema e Educao UFMG, atuando no projeto: Ver e filosofar. Produo de materiais
didticos para professores do ensino mdio de Instituies de Educao Tcnica.
Anais do XIV Simpsio Nacional da ABHR
Juiz de Fora, MG, 15 a 17 de abril de 2015
Essas mudanas geraram impactos sociais, como o crescimento da populao pobre nos
centros urbanos e os problemas causados com a fome e a disseminao da peste. Outro
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aspecto desse perodo era que com a Reforma Protestante, surgiram varias vertentes religiosas,
resultando assim em uma perseguio daqueles que no seguiam a religio do Estado. Dessa
forma a colonizao da Amrica se deu como uma soluo para tais problemas resultaria em
se livrar dos indivduos que eram indesejveis na Inglaterra, ao mesmo tempo em que surgia
como um lugar de prosperidade e liberdade, que atraia essas massas.
Porm, ao se referir ao mito dos pais peregrinos, os americanos tem em mente apenas
um pequeno grupo de europeus religiosos que possuam uma significativa formao escolar, e
que ao embarcarem no navio Mayflower, estabeleceram um pacto de formarem uma
comunidade firmada sobre os preceitos bblicos, com leis justas e iguais. Tal documento ficou
conhecido como Mayflower Compact e foi utilizado como exemplo para a formao de
diversas colnias na Amrica do Norte.
divina escolhida por Deus para que fosse povoada por esse grupo especial. Portanto, os
colonizadores reclamam uma terra que j era deles por direito, subjugando os nativos e
justificando sua ocupao. Ao selecionar a vertente puritana para ser identificada com os pais
peregrinos e tomando-os como os fundadores dos Estados Unidos, o mito passa a abranger
somente a parte denominada WASP (White Anglo-Saxon Protestant) do pas e a transforma-
los em herdeiros dos hebreus. Assim a histria dos Estados Unidos passou a determina-los
como uma nao exclusiva e excludente, j que no vieram da Inglaterra apenas religiosos
puritanos brancos, e sim uma vasta e heterognea populao.
Outro aspecto essencial do mito dos pais peregrinos que eles, ao firmarem o
Mayflower Compact, pretendiam criar no s uma sociedade nica, mas um modelo de
organizao universal, que deveria ser seguido por todos; qualquer outra alternativa estaria
caminhando na direo errada. (JUNQUEIRA, 2003, P. 167). De tal forma que a colnia
estabelecida por eles tinha como objetivo ser uma cidade sobre uma colina, que santificada por
Deus tinha a misso histrica de ser exemplo transformador para o mundo. Derivava-se ento
outro mito norte americano, j que a cidade sobre uma colina se tornou uma expresso ritual
que fornecia ordem e coerncia a uma comunidade que buscava se firmar sobre o progresso, 418
servindo tambm como um modelo de identidade que definia esses emigrantes como o povo
de Israel na nova Cana, e no como estrangeiros europeus.
A firmao dessa comunidade tem como base a retrica bblica fornecida pelo protestantismo
puritano, denominada de teologia do Pacto. Assim, Deus havia firmado um pacto com todo o
povo de Israel, em que as bnos e prosperidades estariam condicionadas a uma vida de
verdadeira f, de acordo com os preceitos morais descritos na bblia e que deveria ser seguido
por todos os indivduos em prol da comunidade. Dessa forma a sociedade puritana marcada
por exercer um forte controle na vida privada e pblica das pessoas, fazendo com que aqueles
que no mantinham a moral fossem severamente punidos, j que os pecados individuais eram
responsveis pelo infortnio de toda a coletividade.
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A teologia do pacto tambm pode ser interpretada como sendo um acordo que se d
apenas entre Deus e o individuo, tomando um carter individual. Partindo dessa perspectiva o
pacto estaria na raiz da ideologia do destino manifesto, outra caracterstica presente na
identidade americana. Por ser uma nao excepcional, os Estados Unidos eram os eleitos, que
receberam a misso divina de Deus de levar os princpios morais da civilizao ocidental para
os povos brbaros e inferiores. Na qual, o expansionismo norte americano, as intervenes
politicas e econmicas externas e a transformao em uma superpotncia mundial, seriam
apenas a manifestao de um destino j reservado aos Estados Unidos. O mito do povo eleito
j continha a ideologia do destino manifesto, que teve o termo cunhado apenas em 1840,
quando a doutrina do destino manifesto foi elevada ao status da explicao oficial para o
sucesso dos Estados Unidos at aquele momento, e como uma profecia de um grande futuro
esperando para ser cumprida. (DOMINGUES, 2012, P. 98) Assim,
possvel perceber que ao longo da histria dos Estados Unidos, esses valores e ideais
do momento fundacional da nao foram diversas vezes recuperados nos discursos de
importantes representantes, principalmente em momentos de crise, a fim de mobilizar a
populao em prol de algum objetivo, relembrando-a do pertencimento a uma comunidade
excepcional que possui uma misso. Mary A. Junqueira, em seu trabalho: Os discursos de
George W. Bush e o excepcionalismo norte-americano, pontua que esses mitos fundacionais
foram diversas vezes, ao longo dos sculos, utilizados como forma de explicar o sucesso
econmico dos Estados Unidos, alm de j terem sido empregados tambm nos discursos de
resistncia.
A autora faz uma analise do resgate do mito da Amrica empreendido nos discursos
do presidente George W. Bush, como meio de justificar as aes externas realizadas perante a
sociedade, principalmente a interveno no Iraque depois dos atentados de 11 de setembro.
Ela recupera frases do discurso do presidente, pronunciado horas aps o ataque, onde ele
afirma que A liberdade foi atacada! A democracia foi atacada! e ainda frases dos discursos
anteriores dos ataques ao Iraque, Mais uma vez somos chamados para defender a segurana
de nosso povo, e as esperanas de toda a espcie humana(JUNQUEIRA, 2003, P. 164). A 420
partir de tais frases o presidente recuperava os mitos fundacionais da nao, que afirmavam
que os EUA eram os guardies da democracia e da liberdade e que atacar os EUA era atacar
toda a cultura ocidental. Ele tambm conclama a populao a relembrar seu lugar de
excepcionalidade para se unir em defesa da manuteno dessa nao nica. Como a autora
pontua, a sociedade norte americana poderia no concordar com o presidente, mais com
certeza entenderam o significado de seus discursos, j que foram pautados na origem da
identidade nacional.
Outro exemplo da recuperao dos mitos fundacionais pode ser encontrado na luta
pela expanso dos direitos civis dos negros, empreendida por Martim Luther King na dcada
de 60. Em seus discursos, pautados em grande maioria por uma retrica religiosa, h tambm
a evocao do mito da Amrica e de um sentindo de misso, buscando a incluso do negro
nesse pas que supostamente o representante da liberdade e igualdade, afirmando que a
nao s possuir verdadeiramente esse significado com o fim do preconceito.
Assim, pode-se afirmar que esse mito da Amrica tornou-se, ento, uma espcie de bem
simblico da nao, influindo nos imaginrios sociais, pois foi referncia para os
conservadores e os progressistas dependendo do momento histrico. (JUNQUEIRA, 2003,
P. 170).
Dessa forma esses mitos fundacionais esto constantemente sendo retomados pelos norte
americanos, seja atravs da retorica jeremiad ou do mito da Amrica, como uma forma de
justificar sua situao atual e suas aes, ou conclamar a populao para busca de um objetivo,
j que tais discursos tero reconhecimento e/ou legitimidade perante a sociedade.
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Referncias Bibliogrficas
- KING, Martin Luther. Eu tenho um sonho. In: CARSON, Clayborne; SHEPARD, Kris
(Orgs.). Um apelo conscincia: os melhores discursos de Martin Luther King. Rio de Janeiro:
J. Zahar Ed., 2006, p. 75.