Passeio Literário Cândido Guerreiro: O Poeta de Alte

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Este passeio d a conhecer alguns episdios da vida e da obra do poeta Cndido


Guerreiro. A proposta uma visita ao seu local de nascimento, aos locais da infncia
e de inspirao potica, na companhia da sua poesia.

Pontos de paragem:
1. Fonte Grande
2. Fonte Pequena
3. Rua dos Pisadoiros
4. Casa de Cndido Guerreiro
5. Igreja de Nossa Senhora da Assuno
6. Polo Museolgico Cndido Guerreiro e Condes de Alte
7. Cemitrio

Este passeio literrio centra-se na vida e obra de Francisco Xavier de Cndido


Guerreiro (3 dezembro 1871 - 11 abril 1953) e decorre em Alte, aldeia da beira-serra
algarvia: local de nascimento do poeta, de afeio e de regresso, aps a sua morte.
Propomos-lhe, assim, um passeio com sete pontos de paragem, cujo fio condutor
so os lugares e as palavras de um dos mais notveis escritores algarvios do incio

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do sculo XX, no obstante a ausncia dos seus textos nas escolas e nas livrarias do
nosso pas.

esta a nossa proposta, quer esteja no litoral ou no interior, quer tenha sido o mar, o
sol, a natureza ou a cultura a traz-lo ao Algarve, deixe-se guiar pela literatura e pela
vida de um homem que amou o Algarve e nele encontrou inspirao.

1. Fonte Grande
Do meu pequeno quarto de estudante
Olho os campos de Coimbra Todavia,
Num estranho claro de nostalgia,
Eu vejo outra paisagem mais distante

Saudade evocadora! Deslumbrante,


Maravilhoso, numa ferea,
O meu pas fantstico radia
Nas pompas gloriosas do Levante!

E vejo a fonte-grande, o stio lindo


Onde eu compuz os meus primeiros versos
E de que o povo conta ingnuas lendas.

Janeiro. As amendoeiras vo florindo


Da serra at ao mar fluem, difusos,
Sonhos, noivas. Luar e espmeas rendas

Alte uma freguesia algarvia situada no concelho de Loul, distrito de Faro, e


por muitos considerada a mais tpica e a mais pitoresca do Algarve. Estes eptetos

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devem-se beleza caracteristicamente algarvia das casas brancas, das suas
chamins, das ruas estreitas pavimentadas com a tpica calada portuguesa mas,
seguramente, tambm ao facto de, em 1938, Alte ter participado no concurso da
Aldeia mais Portuguesa, promovido pelo Estado Novo, tendo, no entanto, o ttulo
oficial sido entregue Aldeia de Monsanto.

na FONTE GRANDE, nas nascentes da ribeira de Alte, que comea este passeio,
pois ter sido ao som destas guas que Cndido escreveu os seus primeiros versos.
o prprio poeta quem nos revela este segredo num poema quando diz: E vejo a
fonte-grande, o stio lindo / Onde eu compus os meus primeiros versos. Ainda neste
poema, Cndido Guerreiro confessa que Alte e o Algarve esto sempre presentes no
seu pensamento e, consequentemente, na sua poesia, inclusive quando a distncia
geogrfica o afasta desta terra. Por isso, mesmo quando se encontra longe, a estudar
na Universidade de Coimbra, o amor pela sua aldeia e pelo Algarve acompanha-o.

De resto, as fontes da nascente de Alte, a ribeira da aldeia e os montes que a rodeiam


so motivos recorrentes nos seus poemas, normalmente associados figura de Deus
como sujeito criador de todas as maravilhas do Algarve.

Comecemos, ento, por conhecer um pouco da vida deste homem, cuja figura de
tal forma nica e carismtica que imediatamente desperta a curiosidade e a vontade
de saber mais sobre o poeta.

Apontamentos biogrficos

Primeiro filho de Jos Cndido Guerreiro da Franca e de Carlota Augusta Landeiro


Guerreiro, Cndido Guerreiro nasceu em Alte em 3 de dezembro de 1871, onde foi
batizado na Igreja Matriz da aldeia: a Igreja de Nossa Senhora da Assuno (paragem
nmero 5 deste passeio).

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Em 1880, quando o poeta frequentava ainda a instruo primria, a famlia
mudou-se para Estoi, pois o pai fora a nomeado Juiz de Paz. Tambm se diz que
as seculares rvores do Palcio de Estoi tero inspirado alguns dos seus primeiros
poemas. Cndido Guerreiro iniciou os estudos liceais em So Brs de Alportel e,
posteriormente, continuou-os em Faro. Em 1889, por sugesto dos pais, abandonou
o liceu e matriculou-se no Seminrio Diocesano de So Jos, na mesma cidade.

Em 1891, o pai de Cndido Guerreiro faleceu e o poeta regressou a Alte para ajudar
a me, a tia e a av, abandonando assim o Seminrio sem ter terminado os estudos.
Nesta fase da sua vida, a necessidade levou-o a comear a trabalhar. Dessa forma,
em 1892, mudou-se para Loul, por acreditar que a seria mais fcil encontrar
trabalho. De facto, assim foi e, enquanto viveu em Loul, Cndido Guerreiro recorreu
a diversos expedientes: escreveu para jornais alentejanos e algarvios, foi escrivo do
Juiz de Paz em Estoi, foi correspondente em casas comerciais louletanas, deu aulas
particulares de francs e, graciosamente, ensinou os mais pobres a ler.

Quando ainda estudava no Seminrio, em 1889, Cndido Guerreiro conheceu Maria


Veleda, por quem se apaixonou. Maria Veleda o pseudnimo de Maria Carolina
Frederico Crispim (1871-1955), professora, jornalista, republicana e livre pensadora
farense, que foi pioneira na luta pela educao das crianas e pelos direitos das
mulheres.

Em 1899, o poeta foi para Beja dirigir a Casa Pia. Nessa altura, Maria Veleda lecionava
em Odivelas, Ferreira do Alentejo, onde nasceu o filho de ambos: Cndido Xavier
Guerreiro da Franca (perfilhado pelo poeta). No entanto, o poeta e Maria Veleda
nunca chegaram a casar, pois a professora estava convicta de que o seu amor no
era correspondido na mesma medida.

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No ano seguinte, Cndido Guerreiro regressou a Faro, onde trabalhou como fiscal de
impostos; porm, por sugesto de Joo Lcio (1880-1918) outro poeta algarvio
concluiu o liceu e, em 1902, j com 30 anos, matriculou-se como trabalhador-
-estudante na Universidade de Coimbra, onde se formou em Direito.

Durante os anos em que viveu na cidade do Mondego, conheceu Margarida de


Sousa Costa, natural do Porto, com quem casou, em 1909, e a quem dedicou o
seguinte poema apaixonado:

Este nome da mulher


Que brilha na minha vida,
Como sobre a noite negra,
Brilha uma estrela perdida.
Com este nome de lenda
Eu enobreo estas bandas,
Enchendo-as de sonho e aromas
E a graa das rosas brancas.
sim, de uma huri ardente
Que linda sem pedrarias
Ela guia no deserto
As caravanas sombrias
Dos meus desejos, mais altos
Que as regies do luar,
E mais inquietos que as ondas
Do mar.
Ela mais que favorita
a sultana ideal
E eu sou escravo exilado,
Fingindo-me advogado,
Porm seu escravo, afinal

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Depois do casamento, o casal regressou ao Algarve. Diz-se que na sua chegada a
Alte a populao recebeu o poeta em ambiente de festa, com a presena da banda
filarmnica, em homenagem ao primeiro doutor da aldeia.

Nesta fase, Cndido Guerreiro foi viver para Loul, onde, em 1910, foi nomeado
notrio da Comarca e iniciou o seu percurso poltico. Em 1912-1913, 1918 e 1919-
1922 foi presidente da Comisso Executiva, da Comisso Administrativa e da Cmara
Municipal de Loul. Republicano convicto, no seu primeiro mandato incluiu na
toponmia da cidade inmeras referncias Repblica em diversas ruas e praas.
Durante os seus trs mandatos, levou a cabo projetos estruturais fundamentais para
o progresso da localidade, como a construo da Avenida Jos da Costa Mealha, a
avenida central da cidade de Loul, e a instalao de luz eltrica.

Nesta cidade, que poca era vila, nasceram os seus dois filhos: Othman Guerreiro
da Franca e Agar Guerreiro da Franca.

O fascnio pela cultura rabe fez de Cndido Guerreiro um poeta de corao


meridional, como afirmou um jornalista do Dirio Illustrado (15 maro 1898),
sendo frequente na sua poesia a confluncia das culturas rabe e catlica/
crist, como confirma, por exemplo, o poema De Bordo (1930): Nas aoteias
ardem os gernios,/ E o Algarve todo um lindo minarete/ Sobre o mais belo dos
Mediterrneos.

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DE BORDO

Costa Algarvia! Pelas enseadas


Flamejam cactus e erguem-se mirantes
Com seus casais, alvssimos turbantes,
Acenam para o mar as cumeadas

E erguidos contra a fria das nortadas,


Monchique e So Miguel, os dois gigantes,
Guardam ciosamente e vigilantes
Este jardim de moiras encantadas

De bronze e sinople, a Rocha de Alte


Recorta em campo azul num cu de esmalte
O herldico perfil de capacete

Nas aoteias ardem os gernios,


E o Algarve todo um lindo minarete
Sobre o mais belo dos Mediterrneos

Em 1923, aceitou o cargo de notrio, em Faro, funo que desempenhou at 1941.


Nesta cidade morava no Alto de Santo Antnio, e era frequente receber a visita de
alunos do Liceu, que lhe chamavam o poeta. Entre eles encontrava-se Teresa Rita
Lopes (nascida em 1937), que partilhava com Cndido Guerreiro os poemas que
escrevia e de quem recebia conselhos para os melhorar.

Neste perodo da sua vida, tinha o estatuto de poeta da cidade, e frequentava


assiduamente o Ginsio Clube de Faro e o Caf Aliana, conhecidos locais de tertlia
nesta cidade.

Este local em que nos encontramos, a Fonte Grande, bem como a etapa seguinte do
nosso passeio, a FONTE PEQUENA, assumiram-se, durante o Estado Novo, e de modo

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particular, a partir da dcada de 1950, como cenrio de convvio na aldeia que, ainda
hoje, se mantm.

A Fonte Grande constitui tambm local de chegada dos caminhantes que percorrem
o setor 7 da Via Algarviana que se inicia em Salir e termina em Alte (16,2km). A Via
Algarviana um percurso pedestre com cerca de 300 km, pelo corao da serra
algarvia que liga o Rio Guadiana (na vila de Alcoutim) ao Oceano Atlntico (no Cabo
de So Vicente).

2. Fonte Pequena
Cndido Guerreiro soube entender e refletir, na sua poesia, a serra, o barrocal e o
litoral algarvios, com as especificidades e contrastes que conferem a esta regio uma
identidade to distinta. O soneto escolhido para marcar esta etapa do passeio a
expresso mxima deste facto:

Porque nasci ao p de quatro montes,


Por onde as guas passam a cantar
As canes dos moinhos e das pontes,
Ensinaram-me as guas a falar

Eu sei a vossa lngua, guas das fontes


Podeis falar comigo, guas do mar
E ouo, tarde, os longnquos horizontes
Chorar uma saudade singular

E porque entendo bem aquelas mguas,


E compreendo os ntimos segredos
Da voz do mar ou do rochedo mudo,

Sinto-me irmo da luz, do ar, das guas


Sinto-me irmo dos ngremes penedos,
E sinto que sou Deus, pois Deus tudo!...

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O elemento central da FONTE PEQUENA o memorial de homenagem a Cndido
Guerreiro. Neste jardim, so os diversos painis de azulejos com os seus poemas
que do as boas vindas e acolhem os visitantes, durante todo o ano, e de modo
particular, nas longas tardes de vero.

Neste momento do passeio, chamamos a ateno para o retrato do poeta exibido


num dos painis de azulejo, onde Cndido Guerreiro representado com as
suas longas barbas, o chapu e o seu ar aristocrtico, que so provavelmente os
elementos que mais facilmente o identificam.

neste local, propcio reflexo e ao silncio, que o convidamos a ler alguns dos
poemas de Cndido Guerreiro. Entendemos tambm ser este o lugar para apresentar
o Algarve, sobretudo se esta a primeira vez que pisa esta terra, pois conhecer
a poesia de Cndido Guerreiro , em ltima instncia, tocar e compreender a
identidade algarvia. Conscientes, porm, de que esta descrio tem de ser breve,
passamos a apresentar apenas alguns dados sobre a regio. O Algarve divide-se
em trs sub-regies naturais: Serra (Alto Algarve), onde nos encontramos, Barrocal
(Algarve Calcrio), onde se concentra a capacidade agrcola da regio e Litoral (Baixo
Algarve), no qual se situam os principais centros urbanos.

Desde o sculo XX, em particular a partir de 1960, o Algarve assumiu o papel


de principal destino turstico portugus, com uma oferta centrada nos recursos
naturais: mar, sol e praia. A componente de oferta cultural e de natureza tem-se
consolidado nos ltimos anos, fruto dos esforos desenvolvidos pelas entidades
pblicas e pelo setor associativo ligado cultura e ao desenvolvimento local. Sobre
a histria do Algarve quase tudo fica por desvendar, por esse motivo deixamos-lhe
o convite para descobrir mais sobre esta regio e, aqui na Fonte Pequena, para ler
alguns dos poemas de Cndido Guerreiro expostos neste jardim.

Agora, vamos deixar a Fonte Pequena e caminhar em frente, um pouco para a


direita, em direo Rua Cndido Guerreiro, na qual podemos apreciar a fachada da

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casa do poeta. Porm, antes mesmo de entrar nessa rua, chamamos a sua ateno
para a Capela de So Lus (sculo XV), que se encontra do lado esquerdo. J a meio
da Rua Cndido Guerreiro sugerimos que faa um desvio direita, e entre na Rua
dos Pisadoiros, ao fundo da qual pode apreciar o mural, tambm do lado direito,
alusivo ao papel da mulher no trabalho do esparto.

3. Rua dos Pisadoiros


A incluso deste local no passeio justifica-se como expresso da identidade
econmica e social de Alte, e tambm pelo facto de estas dimenses da vida
na aldeia no terem escapado ao olhar atento de Cndido Guerreiro, conforme
podemos ler no seu poema Paisagem Rstica:

PAISAGEM RSTICA

Desdobram-se do aude arruinado


Franjas de espuma trmulas. Trigueira,
Gentil e moa, lava na ribeira
Uma mulher de brao arregaado.

Um lavrador, na terra sobranceira.


Cercada de piteiras e valado,
Fala alto aos bois e inclina-se ao arado:
O filho, atrs, espalha a sementeira.

Branquejam, a enxugar, roupas de linho,


E na ladeira prxima reluz
Uma enxada a cavar. Passam em bando

Abibes, e um rapaz, sobre o caminho,


Malicioso, espreita os braos nus
Da lavadeira, a trabalhar, cantando

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As palavras do poeta captam assim o quotidiano dos habitantes e o trabalho na
terra. No obstante a no referncia especfica ao esparto, era nesta RUA DOS
PISADOIROS que, como podemos ler nas palavras de Hlder Raimundo, ecoou
durante muito tempo, o som das moas de pisar o esparto []. Demolhado nas
levadas da ribeira e enxuto nas suas margens, o esparto era depois pisado horas a
fio, nas ruas e largos da aldeia e sobretudo na Rua dos Pisadoiros []. noite [] as
mulheres torciam-no entre as suas mos calosas, numa delicada e fina baracinha. O
resultado do seu labor seria depois comerciado pelos donos do esparto, em Benafim
e Loul, como objetos funcionais do nosso quotidiano: ceires, cabos, sacos de rede,
alcofas, tapetes.

Sobre a vida na aldeia, sabe-se que, at meados do sculo XX, os habitantes de Alte
eram na sua maioria agricultores e artfices (ferreiros, sapateiros, barbeiros, alfaiates,
entre outros). A forte presena do trabalho agrcola espelhada tambm nos versos
de Cndido Guerreiro, nos quais h referncias aos olivais e aos amendoeirais.
Porm, aqui gostaramos de destacar o esparto, no porque seja retratado nos versos
do poeta de Alte, mas porque foi uma planta de grande importncia econmica para
os habitantes da aldeia, j que a partir dos caules desta planta abundante no Algarve
se fabricavam cordas, tapetes e diversos outros objetos, que eram vendidos para
outras regies do pas, para Espanha e para os pases do Norte da Europa.

Vamos sair da Rua dos Pisadoiros virando esquerda, na Travessa dos Pisadoiros,
frente ao mural alusivo ao esparto, e descendo novamente em direo Rua
Cndido Guerreiro, na qual se encontra a casa onde viveu o poeta.

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4. Casa de Cndido Guerreiro
Neste ponto de paragem do passeio, pode apreciar a fachada exterior da CASA onde
nasceu Cndido Guerreiro e imaginar o modo como o poeta, na sua infncia, vivia na
aldeia que o viu crescer.

Sobre o seu nascimento escreveu este poema 3-XII-1871, no qual sobressai


um tom de pressgio funesto e, ao mesmo tempo, uma admirao pela fora e
intensidade dos elementos naturais, como a gua das fontes, o vento, a trovoada ou
simplesmente revela alguma ironia, associada ao seu sentido de humor.

3 - XII - 1871

Mais alto que o rumor da grande cheia


Que a ribeira trazia, era o lamento
E o galopar das legies do vento
Pelas vielas lbregas da aldeia

Era em Dezembro noite, s onze e meia,


Quando isso aconteceu Nesse momento
Entrou em casa um pssaro agoirento
E apagou com as asas a candeia.

Bateu o vento com mais fora s portas,


E conta a minha me que, sobre o leito,
Da telha v caram pingas mortas

Ao mundo vim assim to malfadado


De tarde houvera um temporal desfeito;
Nasceu noite mais um desgraado
Muito prximo, no final da rua, est a Igreja de Nossa Senhora da Assuno, na qual
o poeta foi batizado, em 16 de dezembro de 1871.

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Pontos de paragem:
1. Fonte Grande
2. Fonte Pequena
3. Rua dos Pisadoiros
4. Casa de Cndido Guerreiro
5. Igreja de Nossa Senhora da Assuno
6. Polo Museolgico Cndido Guerreiro e Condes de Alte
7. Cemitrio

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5. Igreja de Nossa Senhora da Assuno
(segunda a sexta 10h-13h, 14h-17h; missa domingo s 12h; encerrado ao sbado)

Assenta a minha aldeia sobre os flancos


Duma linda montanha, onde o olival
Faz destacar os seus casais to brancos
Que nem as pombas de qualquer pombal.

profundos e trgicos barrancos,


canas verdes, branco amendoeiral,
E ribeira que espumas entre arrancos
De monstruoso e indmito animal;

Ao p de vs, natureza rude,


minha aldeia abenoada, eu vivo
Numa to grande paz, em tal sade,

Em tanta luz. Em tanto amor e calma,


Que me julgo um homem primitivo,
De corpo um cavador e santo nalma

Alte desenvolveu-se em torno da IGREJA DE NOSSA SENHORA DA ASSUNO, o


monumento de maior envergadura da aldeia, e que mereceu destaque no texto
Viagem a Portugal de Jos Saramago, no qual se l que apesar de o manuelino,
como este o caso, suport[ar] dificilmente as aplicaes azulejares, por mais que
estas tentem obedecer peculiar repartio dos volumes numa arquitetura afinal
gtica [...] tolo ser quem a Alte no vier e visitar esta igreja, pois perder os
maviosos anjos msicos setecentistas, os outros com aafates de flores cabea, e
os rarssimos azulejos da Capela de Nossa Senhora de Lourdes, esses sim, porque de
diferente esprito, harmoniosos com o envolvimento arquitetnico imediato.

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A entrada na igreja faz-se pela porta lateral, do lado direito. possvel fazer uma
visita orientada.

Na origem da igreja ter estado uma capela particular dedicada a Nossa Senhora da
Assuno, construda no sculo XIII, por ordem de Dona Bona, rica senhora feudal do
Algarve, como agradecimento pelo regresso do seu esposo o 2. Senhor de Alte
das Cruzadas.

O edifcio foi objeto de remodelaes diversas ao longo dos sculos. Atualmente, no


interior da igreja destacamos a capela-mor de estilo manuelino (gtico tardio). Os
motivos mais frequentes deste estilo que se desenvolveu durante o reinado de Dom
Manuel (1495-1521) so a esfera armilar, smbolo do poder rgio, e elementos como
as conchas, os corais, as cordas, as algas, seres imaginrios e exticos inspirados pela
epopeia martima dos Descobrimentos.

Os altares laterais so de estilo barroco, num deles o das almas, esquerda da pia
batismal podemos apreciar uma imagem singular do Menino Jesus acompanhado
pela Virgem Maria e pela av, Santa Ana.

Foi aqui, porta da igreja, que ocorreu um episdio invulgar: Joo de Deus
(o jornalista de Alte, diretor do jornal O Aldeo, e no Joo de Deus, o poeta e
pedagogo nascido em Messines) tentou esfaquear Cndido Guerreiro. Ao que
pudemos apurar, o jornalista escreveu um artigo no qual criticava a atuao de
Cndido Guerreiro a propsito da construo da estrada para Alte. Um dia, em Loul,
encontraram-se e Cndido Guerreiro ter-lhe- perguntado por que motivo Joo
de Deus lhe havia sido to pouco elogioso. Joo de Deus ter-lhe- virado as costas
e no lhe respondeu. Ento, abusando da sua posio de presidente da Cmara, o
poeta das Fontes de Alte mandou prender Joo de Deus (que ficou preso durante
um dia). Mais tarde, quando Cndido Guerreiro foi a Alte, ver as obras da sacristia
da igreja, Joo de Deus t-lo- apanhado desprevenido sada da igreja e deu-lhe

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uma facada. Apesar destas peripcias, Cndido Guerreiro escapou ileso, mas Joo de
Deus teve de fugir para o Brasil.

Diz-se que o jornalista, em 12 de novembro de 1913, ter escrito uma carta ao poeta
de Alte, enquanto responsvel da administrao do Concelho, pedindo-lhe perdo.

sada da igreja deve virar esquerda e dirigir-se Rua Condes de Alte,


seguindo pela Rua do Prior, na qual encontra a placa que o encaminha para o
POLO MUSEOLGICO CNDIDO GUERREIRO E CONDES DE ALTE. Este edifcio
destaca-se pelo carter contemporneo da sua arquitetura.

6. Polo Museolgico Cndido Guerreiro


e Condes de Alte
(segunda a sexta 9h-17h, encerrado aos fins de semana e feriados)

Percorrer os lugares que marcaram a vida do poeta refora certamente o interesse


e a vontade de o conhecer. Assim sendo, este polo aproxima-nos do quotidiano do
poeta, na medida em que permite o contacto, no espao e no tempo, com alguns
dos objetos que acompanharam a sua vida os culos, a carteira e, acima de tudo,
alguns originais dos poemas que nos revelam a sua grafia. Ao olharmos para este
esplio, no ser difcil adivinharmos os segredos que guardam da sua vida e que s
o poeta poderia revelar. Neste conjunto de objetos encontramos tambm cartas e
fotografias que atestam as amizades que Cndido Guerreiro fez ao longo da sua vida
com figuras da cultura e histria portuguesa, tais como Guerra Junqueiro, Manuel
Teixeira Gomes, Emiliano da Costa, Jlio Dantas, Antnio Botto, Aristides de Sousa
Mendes e Manuel de Arriaga.

Na exposio, destacamos dois poemas. O primeiro intitula-se Balada, foi escrito


a pedido dos finalistas do curso de Direito de Coimbra, e capta, na perfeio, o
sentimento de um estudante que termina esta etapa da sua vida.

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(excerto da Balada)

Luar de Coimbra, lrios de neve


Que o cu entorna, pelas noitadas,
Chuva de prata, tomba de leve,
Tomba de manso nas guitarradas

Choupos sagrados, que em prantos de ouro


Ao ouvir Outubro, vos desfolhais,
Quantas saudades h nesse choro,
Que os que partiram no voltam mais

Passam ao longe capas ao vento


Morrem os cantos ai, que saudade!
Flori, oh sonhos, inda um momento
Neste poente de mocidade!

O outro poema em destaque intitula-se Ptalas e ter sido escrito a pedido de


alguns louletanos, para ser lido por uma criana (Delmira Amlia Carapeto), aquando
da visita da Rainha Dona Amlia ao Algarve, em 1897.

Ptalas (A Sua Majestade a Rainha)

Senhora! Majestade! Excelsa Criatura!


Em torno a vossa fronte espalha-se e fulgura
Uma aurola bendita, uma suave luz,
Fazendo-nos lembrar a fronte de Jesus,
Quando falava aos bons e s tmidas crianas
Do Pai do Cu, do Amor, da F, das coisas mansas

que Ele era Homem-Deus, e vos Rainha-Me


Vs sabeis cultivar com Ele a flor de Bem,
E lanais Desgraa o vosso olhar bendito

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- Estrela a derramar do trono infinito
As ptalas de luz num rido areal.
Me do nosso povo! Me de Portugal!
E o nimbo que vos doira, anglica princesa,
a condensao das bnos da pobreza
E os risos da orfandade, em derredor de vs

E assim, mulher augusta, assim, Rainha, ns


Vimos aqui lanar aos vossos ps, Senhora,
Os risos da inocncia estrofes cor de aurora
Dignai-vos, pois, pisar a alfombra lirial
Que tecemos de amor, Me de Portugal,
S para alcatifar toda aridez dos trilhos
Por onde conduzis os vossos meigos filhos
- Botes da flor da Glria, a heroica flor do Bem,
Egrgia Alma de luz, doce Rainha-Me!...

Os sonetos dedicados figura feminina so abundantes na escrita de Cndido


Guerreiro. O soneto abaixo dedicado a Maria, no se podendo confirmar se
dedicado a Maria Veleda ou a outra mulher, tambm com este nome. Efetivamente
so diversos os nomes de mulheres (Catarina, Madalena, Francisca, Raquel ou
Virgnia) nos seus poemas.

Mal imaginas tu, doce Maria,


O que me faz sentir um teu sorriso!
como se baixasse o paraso,
Em noite de procela, serrania!

Nem eu podia, ainda que distante,


Dar-te uma ideia do que sinto nalma,
Embora o gnio me entregasse a palma,
Embora em mim ressuscitasse Dante

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O teu sorriso, como o beijo terno,
Que o sol envia a cada sepultura,
Desce minhalma funda noite escura
E nela muda em Primavera o Inverno!

Como podia eu deixar de amar-te,


Se tu, sorrindo e solta a longa trana,
s a radiosa imagem da Esperana,
A encarnao do ideal da Arte?

Plida virgem de sorrir celeste,


No h nos mares uma tal sereia,
Rosa que o cu fez despontar naldeia,
branca rosa, minha rosa agreste!

O POLO MUSEOLGICO cumpre tambm a funo de posto de informao turstica


de Alte, onde os visitantes podem obter informao mais detalhada sobre a aldeia e
o concelho de Loul, bem como outras propostas de atividades de lazer.

Sugerimos agora que sada do polo vire direita e entrando no Largo Jos
da Graa note o edifcio que outrora foi a penso na qual Cndido Guerreiro
se hospedou aquando das visitas a Alte, aps a morte dos seus familiares mais
prximos.

Para continuar este Passeio, deve retomar o caminho em direo Igreja de Nossa
Senhora da Assuno. Antes porm de a chegar, vire no cruzamento esquerda no
sentido do Largo Jos Cavaco Vieira. Vai passar pelo mercadinho da aldeia de Alte,
onde pode comprar ou simplesmente apreciar os produtos frescos locais. Adiante,
do seu lado esquerdo, encontra a esttua de uma das figuras que marcou a histria
de Alte: Jos Cavaco Vieira, presidente da Junta de Alte entre 1936 e 1975, Juiz de
Paz, tal como o pai de Cndido Guerreiro, fundador do Grupo de Amigos de Alte,
da Casa do Povo, da Academia de Msica e presidente do Grupo Folclrico de Alte,

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durante meio sculo.

Continue a caminhar e, num espao curto de tempo, chega a uma rotunda, a partir
da qual consegue vislumbrar o cemitrio da aldeia.

7. Cemitrio
(8h-17h, aberto todos os dias)

Cndido Guerreiro faleceu no dia 11 de abril de 1953, em Lisboa, tendo sido


sepultado em Faro. Se vida chegou numa noite de inverno, o poeta partiu, assim,
em plena primavera. O seu corpo foi posteriormente trasladado para o CEMITRIO
DE ALTE, em 4 de dezembro de 2000.

Percorra cerca de metade do passeio central do cemitrio, at primeira fila de


jazigos virados para a entrada. A, olhe para a sua esquerda e ver ao fundo, junto
ao muro, o tmulo encimado por uma lpide negra, na qual a figura de Cndido
Guerreiro se ergue por cima do muro do cemitrio, contemplando a serra e a aldeia.

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difcil encontrarmos palavras que exprimam a serenidade que se sente frente
sepultura de Cndido Guerreiro: um espao de silncio no qual se percebe o amor,
que se sabe eterno, entre o poeta e a sua aldeia. Neste silncio constatamos ainda
que na sua sepultura no constam nem a data de nascimento, nem a data da sua
morte. Sentimos que esta ausncia no ser um acaso, significando que o poeta est
para sempre presente em Alte, conforme nos sugere a leitura do seguinte poema:

MINHA TERRA

Minha terra embalada pelas ondas,


Lindo pas de moiras encantadas,
Onde o amor tece lendas e onde as fadas
Em castelos de lua danam rodas

meu Algarve, quero que me escondas


Que na treva da morte haja alvoradas!
Hei-de sonhar com moiras encantadas,
Se eu dormir embalado pelas ondas

Quando o sol emergir detrs da serra,


Sempre ser o sol da minha terra
A fecundar-me o cho da sepultura

Ao p dos meus, na minha aldeia querida,


A morte ser quase uma ventura,
A morte ser quase como a vida

Durante a sua vida, Cndido Guerreiro teve a amizade e admirao de muitos


escritores e artistas portugueses, tal como referimos. Os poemas que apresentamos
de seguida, escritos em sua homenagem, constituem testemunhos dessa amizade,
admirao e respeito: o primeiro da autoria de Ary dos Santos (1937-1984) e o
segundo de Emiliano da Costa (1884-1968).

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Viagem
ao Dr. Cndido Guerreiro

Vai!
Segue o teu rumo sem parar
Que te importa o mundo?
Bastam-te o Cu
E o mar
Vai!
Porque depois de tanto caminhar
Ainda podes cingir o Infinito
Na expanso do seu grito.
Vai!
Despe o teu manto de majestade
E de poder
S pobre como as cigarras
E alegre como as papoilas.
Vai!
Sem chorar nem sofrer
Vai!
Que te importa a cadncia dos instantes
E o tempo que passou
Vai!
Pelos caminhos que seguias dantes
E que a vida apagou.
Vai!
Segura em tuas mos
Os teus cantos dispersos.
Vai!
E chama ao Sol, ao mar e terra teus irmos
Pois so da mesma carne dos teus versos.

(Ary dos Santos)

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Descansas: sobre o mundo transitrio,
Tudo crescendo-se, entropicamente
Se acumulando no repositrio
Da natureza, e indefinidamente

Descansas: sobre a vaga aleatria


Do grande mar, onde se afunda a gente;
- Nos filhos, nos sonetos, na memria,
No mais que desta vida se consente

Um dia coincidiu Trs de Dezembro


O que no mais esquece, o que relembro
Agora E, frescas de imortalidade,

As flores, cada qual uma lembrana,


Esto caindo sobre ti, Descansa
Est caindo o orvalho da saudade.

(Emiliano da Costa)

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Informaes teis:
Durao mdia do passeio: duas horas.
Distncia: 1,5km.
Grau de dificuldade: fcil.

Polo Museolgico Cndido Guerreiro e Condes de Alte (informao turstica)


9:00-17:00, encerrado aos fins de semana e feriados.

De seguida oferecemos-lhe um conjunto de sugestes para tornar ainda mais


agradvel o seu Passeio.

Locais de interesse na natureza


Queda do Vigrio (a cerca de 5 minutos a p a partir do cemitrio)
Via Algarviana setor 7 (Alte-Salir; 16,2km) e setor 8 (Alte-So Bartolomeu de
Messines; 19,3km); ambos a partir da Fonte Grande.
Fonte da Benmola, Paisagem Protegida, (a cerca de 20 minutos de carro no
sentido Loul)
Rocha da Pena, Paisagem Protegida, (a cerca de 20 minutos de carro no sentido
Loul)
Outros percursos pedestres (solicitar informao no Polo Museolgico)

Experincias tursticas
Loul Criativo (para mais informaes visite www.loulecriativo.pt)

Eventos
Festa das Chourias em Honra de S. Lus (fevereiro); Carnaval Tradicional de Alte;
Semana Cultural de Alte (25 de abril a 1 de maio); Festa em Honra de N. Sr. das
Dores (setembro); Halloween (31 outubro); Roteiro de Prespios de Alte (dezembro/
janeiro).

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