Psicogênese e História Das Ciências - Elementos para Uma Epistemologia Construtivista
Psicogênese e História Das Ciências - Elementos para Uma Epistemologia Construtivista
Psicogênese e História Das Ciências - Elementos para Uma Epistemologia Construtivista
RESUMO: O objetivo deste artigo traar um paralelo entre a obra *Professora Assistente na Universidade
Federal do Paran (UFPR). Doutoranda
Psicognese e Histria das Cincias, de Piaget e Garca, com o ensino no Programa de Ps-Graduao em
de cincias a partir de uma epistemologia construtivista, derivada Educao em Cincias e Matemtica
(PUCRS). Email: [email protected]
essencialmente da epistemologia gentica. A obra, publicada pela
primeira vez em 1983, concretiza a sntese de suas investigaes
epistemolgicas acerca do desenvolvimento das cincias atravs da
histria das cincias com o desenvolvimento da inteligncia por meio
da psicognese. O objetivo do livro, no entanto, no comparar a
histria das cincias com o desenvolvimento psicogentico dos
sujeitos, mas compreender os mecanismos de evoluo das ideias
pr-cientficas nas crianas atravs da epistemologia gentica. Nesse
sentido, os autores apresentam uma epistemologia construtivista, a
qual, no nosso entendimento, pode servir de base para a compreenso
do ensino de cincias, contribuindo com reflexes acerca dos
processos de ensino e de aprendizagem em sala de aula.
Palavras-chave: Psicognese. Histria das cincias. Epistemologia
gentica.
DOI - http://dx.doi.org/10.1590/1983-21172014160208
INTRODUO
Pelo seu contedo, tal epistemologia se insere na Teoria do Conhecimento, tendo em suas
bases as questes mencionadas acima que podem ser comparadas quelas feitas por Kant
na Crtica da Razo Pura: como possvel o conhecimento matemtico puro? e como
possvel a cincia pura da natureza?.
[...] mas o fato fundamental para a epistemologia das cincias que o sujeito, partindo
de nveis muito baixos, composto por estruturas pr-lgicas, alcanar normas racionais
isomorfas, as das cincias em seus primrdios. Compreender o mecanismo dessa evoluo
das normas pr-cientficas at a sua fuso com as do pensamento cientfico incoativo , de
fato, um problema incontestavelmente epistemolgico [...].
Portanto, com o objetivo de compreender os mecanismos de evoluo
que se prope o estudo do desenvolvimento das ideias pr-cientficas nas
crianas, uma vez que conhecimentos (nas crianas e na histria das cincias)
so construdos medida que interagem com outros de nveis mais elementares
(e no apenas com aqueles que os sucederam), no ocorrendo uma evoluo
linear de um conhecimento para outro. Da mesma forma, os autores questionam
[...] um fato ser sempre o produto de composio de uma parte fornecida pelos
objetos e de uma outra construda pelo sujeito. A interveno deste ltimo to im-
portante que pode levar at a uma deformao ou mesmo a um recalque do observvel, o
que desfigura o fato em funo da interpretao (PIAGET; GARCA, p.37, grifo nosso).
A percepo como tal est ela prpria subordinada aos esquemas de ao: estes ltimos,
comportando uma logicizao pelo jogo das suas relaes, encaixes, etc., constituem, por-
tanto, o quadro de qualquer observvel; este em princpio, o produto da unio entre
um contedo dado pelo objeto e uma forma exigida pelo sujeito a ttulo de instrumento
necessrio a qualquer construo (idem, p. 36).
Ele comea com uma observao geral: os corpos caem. Em seguida, tenta inferir como
eles caem, mediante um raciocnio fundamentado em princpios metafsicos. As conclu-
ses a que chega so completamente inverossmeis. Uma observao emprica das mais
elementares teria bastado para invalid-las. Todavia, o fato de ter chegado a tais resultados
menos surpreendente se analisarmos cuidadosamente a lgica interna e o fundamento
epistemolgico do sistema aristotlico (PIAGET, GARCA, 2011, p.72, grifo nosso).
[...] a chave da interpretao da evoluo histrica de uma cincia reside em saber como se
passa de uma etapa seguinte, ou seja, quais so os mecanismos cognitivos em jogo em cada
etapa e quais so aqueles que facilitam a superao que permite chegar no nvel superior
(idem, p.89).
Alm disso,
A sucesso intra, inter e trans tem de notvel trs propriedades fundamentais: 1 est em
todas as disciplinas, 2 no especfico do pensamento cientfico, encontra-se a mesma
ordem de sucesso e em funo dos mesmos mecanismos nas crianas e 3 cada etapa
repete em suas prprias fases o processo total (2011, p. 158).
A histria da mecnica (de Aristteles Newton) poderia ser contada como a histria da
eliminao das pseudonecessidades. O momento mais dramtico e melhor conhecido dessa
histria o protagonizado por Kepler para libertar-se da necessidade do movimento
circular dos planetas, chegando elipse. O prprio Galileu ficou preso a essa exigncia do
movimento circular dos planetas, considerando como o movimento simples mais perfeito.
O movimento circular uniforme foi aceito por mais de 2000 anos na as-
tronomia como sendo o que melhor caracterizaria a rbita de um astro ao redor
de outro (no caso dos planetas ao redor do sol). Kepler, ao propor que as rbitas
dos planetas so elpticas, desorganiza a necessidade de que tudo o que esteja
no mundo supralunar seja perfeito e regular. Vale ressaltar que sua primeira Lei
no foi formulada imediatamente depois que teve contato com os precisos dados
observacionais de Tycho Brahe, seno depois de constantes adaptaes tericas
aos resultados que os dados lhe apresentavam. Disso, podemos dizer, ento, que
Aristteles no foi um bom observador? Para Piaget e Garca (2011, p. 92):
Substituir uma discusso acerca das propriedades caractersticas de um corpo por uma
discusso acerca das suas relaes com outros corpos, significa mudar o tipo de questes
a que se prope responder para explicar o movimento [...] isto supe uma relativizao
dos conceitos que apareciam como absolutos (PIAGET; GARCA, 2011, p.95).
Supera-se, por exemplo, a ideia de que as pedras caem porque seu lugar
natural o solo, uma vez que so compostas por terra, e o elemento terra est
muito prximo ao centro do mundo. Por exemplo, Galileu ir relacionar o tempo
Mas uma terceira forma de equilbrio proceder necessariamente daqui, uma vez que a
multiplicao dos subsistemas ameaa a unidade do todo, enquanto as diferenciaes obri-
gatrias so contrariadas por tendncias integradoras. O equilbrio que se impe entre
as diferenciaes e a integrao s poderia alcanar sistemas de interaes em que as
diferenciaes pudessem ser engendradas em vez de serem submetidas, nico meio de
harmoniz-las sem perturbaes internas ou conflitos entre elas: da as estruturas forma-
doras de conjunto que caracterizam o nvel trans.
Esta terceira forma de equilibrao no se confunde com a segunda, pois acrescenta uma
hierarquia s simples relaes entre colaterais. Na verdade, uma totalidade caracterizada
por suas leis prprias de composio, constituindo um ciclo de operaes interdependentes
e de ordem superior aos caracteres particulares dos subsistemas.
uma das caractersticas mais acentuadas do construtivismo no que diz respeito aos princ-
pios e s finalidades estabelecidas a sua aproximao ao pragmatismo e concepo de
sociedade como organismo social, cujo princpio de liberdade e de sociedade est direcio-
nado reproduo do sistema social vigente. Todavia, outro aspecto se torna ainda mais
polmico: a concepo de que o desenvolvimento cognitivo-psicolgico ocorre como
resultado de um processo interno sem levar em considerao toda a gama de relaes
histrico-sociais presentes na formao dos indivduos, tomando-as simplesmente como
relao entre indivduo e meio ambiente.
de mais de um fator para que ocorram. Eles tambm podem ocorrer de diferentes
maneiras, no entanto, seguindo sempre uma lgica, que ilustrada pelos estdios
do desenvolvimento. Os estdios, no entanto, ao contrrio do que se pensa, no
so passagens de um lugar para outro. So muito mais condies de possibilidade
ou, ainda, um teto que limita at onde o sujeito consegue ir dentro de um mesmo
nvel de desenvolvimento.
H, ainda, mais uma crtica pertinente e atual a respeito da epistemologia
gentica, e que tem implicaes pedaggicas diretas. A teoria da epistemologia
gentica derivou, na educao, de uma das linhas do chamado construtivismo.
Nussbaum (1989), em uma anlise da influncia dos pontos de vista filosficos na
educao em Cincias, aponta Piaget como um seguidor de Kant. Segundo o autor
(traduo nossa):
Vygotsky, de fato, interpreta-me mal ao pensar que, do meu ponto de vista, o pensamento
espontneo deva ser conhecido pelos prprios educadores como se deve conhecer um
inimigo para poder combat-lo com sucesso. Em todos os meus escritos pedaggicos,
velhos ou recentes, ao contrrio, insisti em dizer que a educao formal poderia ser bene-
ficiada, mais do que o agora com os mtodos ordinrios, por uma utilizao sistemtica
do desenvolvimento mental espontneo da criana.
A figura 2 ilustra esse distanciamento do real para compreend-lo,
em que se percebe que quanto mais se afasta e amplia o plano do domnio e da
CONSIDERAES FINAIS
NOTA
1
Ver teoria da equilibrao, de 1975.
REFERNCIAS:
AGUIAR, Orlando Gomes. Modelo de ensino para mudanas cognitivas: instrumento para o planejamento
do ensino e a avaliao da aprendizagem em Cincias. Orientador: Joo Antonio Filocre Saraiva.
2001. 377 f. Tese (Doutorado em educao) - Faculdade de Educao, Universidade Federal de
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