Silva - Biografia - Memória PDF
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RECONSTRUO DA MEMRIA
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O Poema em Linha Reta tem um narrador que se mostra tanto reflexivo quanto irnico
e crtico a respeito de si e do mundo, apontando para a necessidade social da manuteno da
auto-imagem e de proteo da intimidade e desencantando-se com o cinismo social.
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CAEIRO, Alberto. Poemas inconjuntos. In: Revista Atena, n. 5, fev. 1925. Os versos
teriam sido escritos entre 1913-1915,em uma Europa de tempos sombrios.
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BOAS (2006, p. 21) cita a forma de classificao das biografias de Luis Viana Filho as
dividindo entre simples relao cronolgica de fatos relativos algum, trabalhos no
quais, ao par duma (sic) vida, se estuda determinada poca, trabalhos nos quais descri-
o duma (sic) existncia se conjugam apreciaes crticas sobre a obra do biografado; e
trabalhos em que a narrao da vida constitui o objetivo primacial e a convenes e
pressupostos ocidentais do gnero para Norman Denzin 1) textos biogrficos devem
ser escritos tendo-se outros textos biogrficos em mente; 2) dar importncia s influncias
de gnero e classe; 3) estabelecer origens familiares como o ponto zero da histria da
pessoa em foco; 4) o autor deve interpretar a histria da pessoa; 5) demarcar momentos da
vida em questo a fim de atingirem uma coerncia; e 6) pessoas so reais e possuem vidas
reais que podem ser mapeadas e significadas.
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Uma revista semanal, em 1995, j apontava o crescimento desse segmento no mercado
editorial, que s perdia para as publicaes de auto-ajuda tanto que entre julho de 1994
e julho de 1995 haviam sido lanados 181 biografias, o que significa uma a cada dois dias,
e quatro a cada semana. (VEJA, 26/07/1995)
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CONSIDE R AE S FINAIS
A biografia como objeto de estudo permite a discusso sobre os
vnculos sociais e histricos que se relacionam com a forma como o
personagem teve sua obra e sua trajetria lembrada ou esquecida ao longo
do tempo, sua vinculao com diferentes grupos e movimentos, a pro-
duo editorial, acadmica e jornalstica, o envolvimento de instituies, da
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Outro socilogo francs tambm chamou a ateno para esse campo de luta, utilizando-
se do conceito de capital simblico uma das dimenses da memria: As diferentes
classes e fraes de classe esto envolvidas numa luta propriamente simblica para impo-
rem a definio do mundo social mais conforme os seus interesses, e imporem o campo das
tomadas de posies ideolgicas reproduzindo em forma transfigurada o campo das posi-
es sociais. Elas podem conduzir esta luta quer diretamente, nos conflitos simblicos da
vida quotidiana, quer por procurao, por meio da luta travada pelos especialistas da
produo simblica (produtores a tempo inteiro) e na qual est em jogo o monoplio da
violncia simblica legtima [...], quer dizer, do poder de impor e mesmo inculcar -
instrumentos de conhecimento e de expresso (taxionomias) arbitrrios embora ignora-
dos como tais da realidade social. (BOURDIEU, 1998, p. 11-12).
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Pollak (1989, p. 205) relaciona a construo da identidade aos critrios de aceitabilidade,
de admissibilidade, de credibilidade, e atravs da constante negociao direta com os
outros.
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O artigo j clssico de BOURDIEU (1986) sobre as construes da narrativa biogrfica
e do peso da trajetria no percurso individual lembrana obrigatria quando nos referi-
mos aos vcios do gnero, ao falar de iluso biogrfica e criao artificial de sentido.
Mas Bourdieu, original em seu argumento, no nico ou pioneiro em sua crtica Freud,
em carta-resposta a Arnold Zweig, ex-paciente, amigo e correspondente do psicanalista,
que lhe pedia autorizao para escrever uma biografia do pai da psicanlise recusa de forma
enftica o pedido: Aquele que empreende uma biografia est comprometido com menti-
ras, dissimulao, hipocrisia, disfarces, bajulao... A verdade biogrfica no existe... (Car-
ta de Freud a Arnold Zweig, citada por Ernest Jones, bigrafo oficial do psicanalista, apud
YORKE, Clifford. Review: Anna Freud: A Biography By Elisabeth Young-Bruehl, In:
The International Journal of Psychoanalys, n. 71, p. 167, 1990).
mesmo contradies.
E, finalmente, em terceiro, a percepo de que o biografismo um
objeto propcio para se constatar a multiplicidade de significados e expec-
tativas que uma mesma matria narrativa, uma trajetria individual, pode
assumir em diferente obras/ autores/ pocas.
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