Genero e Historia Um Dialogo Possivel
Genero e Historia Um Dialogo Possivel
Genero e Historia Um Dialogo Possivel
Um dilogo possvel?
Resumo
C o n t e x t o e E d u c a o - E d i t o r a U N I J U - A n o 1 9 - n 71/72 - J a n. / D e z . 2 0 0 4 - P. 29 - 43
GENDER AND HISTORY. A possible dialogue?
QUESTES PARA
PENSAR O FEMININO
Representao do feminino. Entendendo representao como os
diferentes grupos culturais e sociais que so apresentados nas di-
ferentes formas de inscrio cultural, nos discursos e nas imagens
pelos quais a cultura representa o mundo social.
Virginia Woolf, ao falar sobre Profisses para Mulheres, em
um discurso de 1931, conta que a paz familiar no foi quebrada
pelo arranho de uma caneta, mas que se quisesse resenhar livros,
precisaria travar uma batalha com um fantasma feminino que apa-
recia entre ela e o papel enquanto estava escrevendo. O fantasma
era compassivo, encantador, abnegado e sacrificava-se diariamen-
te. Era to condescendente que nunca tinha uma idia ou desejo
prprio e a pureza era considerada sua maior beleza. Ele incomoda-
ANO 19
va tanto que foi preciso mat-lo: Tive que mat-lo seno ele teria
me matado. Teria arrancado o corao de meu texto. Ele demorou
JAN./DEZ. a morrer, ele era o Anjo do Lar. mais difcil matar um fantasma
que uma realidade. Matar o Anjo da Casa era parte das tarefas de
2004 uma escritora. Creio que ainda passar um longo tempo antes que
uma mulher possa sentar para escrever um livro sem encontrar um
fantasma para ser assassinado, uma rocha para ser golpeada (Woolf,
1996). 36
Este conto de Virginia Woolf retrata a dificuldade das mulhe-
res em ultrapassar as barreiras do espao privado, marcadas em sua
identidade pela fora da representao. Se os discursos esto locali-
zados entre relaes de poder que definem o que eles dizem e como
dizem, quem fala pelo outro, quem o representa, controla as formas
de falar do outro.
A representao produz sujeitos, mas para ser eficiente preci-
sa apagar as marcas de sua construo. Deve parecer natural e sem-
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pre dado, portanto imutvel.
Desmerecimento. As mulheres desmerecem-se, atribuindo-se pou-
ca importncia, assumindo o discurso masculino segundo o qual o
lugar do poder no mundo poltico reservado aos homens. A questo
do consentimento central no funcionamento de um sistema de
poder, seja social ou sexual, devendo ser objeto de estudo a domi-
nao masculina tambm como dominao simblica, que supe a
adeso das prprias dominadas a categorias e sistemas que esta-
belecem a sujeio. Sem falar em consentimento no possvel
falar em relao de gnero, pois ele inculcou-se profundamente na
vida das mulheres.
A mulher internaliza a naturalidade da discriminao, tornando-se
difcil para ela romper com esta imagem de desvalorizao de si mesma.
Ela acaba aceitando como natural sua condio de subordinada, vendo-
se atravs dos olhos masculinos, incorporando e retransmitindo a ima-
gem de si mesma criada pela cultura que a discrimina.
Por este motivo Pierre Bourdieu lembra que no basta ser do
sexo feminino para ter uma viso da histria das mulheres, porque a
viso feminina uma viso colonizada, dominada, que no v a si
prpria. Recomenda ele que o objeto maior da histria das mulheres
deve ser o estudo dos discursos e das prticas que garantem que as
mulheres consintam nas representaes dominantes da diferena entre
os sexos (1995). Se no fosse assim, como explicar que meninos e
meninas, gerados e criados em seus primeiros anos de vida por ANO 19
NOTAS
1
Em sua obra O contrato sexual, Pateman elabora uma crtica teoria
poltica liberal e reinterpreta numa tica feminista os textos de autores
clssicos, como Rousseau, que teorizaram sobre o contrato social.
Segundo ela, o contrato sexual o elemento fundamental para compre-
ender a formao do patriarcado.
2
No de surpreender que em pases desenvolvidos as mulheres no
queiram mais ter filhos. A taxa de natalidade tem diminudo a cada ano,
transformando-se em negativa. Vrios governos tm oferecido polti-
cas pblicas diferenciadas para casais que procriem, como licena ma-
ternidade e paternidade ampliada, creches, abonos, etc.
3
Sobre este tema, h inmeras obras, mas destaco A Revoluo das
Mulheres. Um balano do feminismo no Brasil de Moema Toscano e
Mirian Goldenberg (1992).
4
Sobre o tema ver Aristteles (1957, 1961) e Plato (1986).
5
A capacidade feminina de gerir no mito da criao capturada pelo
masculino. Ado o primeiro a dar luz, retirando de seu corpo o ANO 19
segundo ente.
6
interessante o discurso europeu por ocasio da 1 Guerra Mundial. As JAN./DEZ.
mulheres, porque so fracas, doentes, meigas, no podem trabalhar
fora do lar. Precisam ficar enclausuradas sob o olhar prescritivo de seu 2004
senhor. Quando inicia-se a guerra, os homens foram chamados ao cam-
po de batalha e as minas, fbricas, etc., precisavam continuar produ-
41 zindo riquezas para o pas. As mulheres so chamadas e desempenham
o papel nas minas de carvo, indstrias blicas, dirigem bondes, trens,
etc. Quando termina a guerra os homens voltam e repetem: mulheres,
vocs so meigas, doces, fracas, seu fsico no compatvel com ser-
vios desta natureza. Voltem para seus lares E elas voltam. Na 2 Guerra
repete-se o mesmo discurso, mas elas j haviam tirado as anquinhas,
os espartilhos e desfeito os coques dos longos cabelos.
7
O caso mais notrio o da histria francesa. Olympe de Gouges, acusa-
da de trair a natureza de seu sexo e querer ser homem, ao escrever a
Declarao dos Direitos da Cidad foi guilhotinada pelas mesmas mos
que instituram Marianne como deusa da Liberdade, Igualdade,
Fraternidade.
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