NeuroSemNeura Ebook PDF
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Voc que est entrando no curso de gra- ciente vive, tambm algo fundamental. Atravs
duao em Psicologia ir saber, logo, logo, que de todas essas informaes, o neuropsiclogo
nossa profisso tem vrias especialidades. Uma busca identificar as funes que esto deficit-
delas a Neuropsicologia, rea do conhecimen- rias e as preservadas, inferindo sobre potenciais
to interessada em estudar a relao entre o sis- comprometimentos no sistema nervoso.
tema nervoso, a cognio e o comportamento, No entanto, realmente curioso que mui-
tanto em situaes normais quanto nos casos tos profissionais da rea, apesar de lidarem co-
em que existe alguma doena. tidianamente com processos como memria,
Seja atravs da entrevista, da observao ateno, emoes e comportamentos dos mais
do paciente, de tarefas que o paciente realiza diversos, manifestam desmotivao e/ou mes-
a partir do comando clnico ou da utilizao de mo desinteresse em estudar neurocincia.
testes e escalas de avaliao, o neuropsiclogo Ouvimos colegas dizerem coisas do tipo:
avalia o funcionamento de diferentes sistemas Eu amo neuropsicologia, mas quando comea a
neurobiolgicos de um indivduo. Como dito, falar sobre os mecanismos cerebrais no entendo
essa avaliao neuropsicolgica tanto fenome- nada e nem consigo me concentrar. Ora, isso
nolgica (identificando, pela observao direta quase como querer entender fsica, sem qual-
ou indireta, como o paciente se comporta, ex- quer aprofundamento em matemtica.
pressa sua cognio e emoes) e psicomtrica Longe de tentar esgotar esse tema super
(comparando o desempenho do paciente com o amplo e que exigir muitas horas de estudo (ali-
de grupos de pessoas com caractersticas seme- s, poder conferir uma sugesto de literatura
lhantes). O neuropsiclogo tambm usa a hist- bastante til ao final desse ebook), o objetivo
ria do paciente at o momento do exame para aqui apresentar, de maneira sucinta, dicas de
verificar como os sintomas evoluram at ento. neurocincias que visam minimizar alguma re-
Coletar outras informaes, como resultados de sistncia inicial ao estudo dessa rea.
exames e a opinio de pessoas com quem o pa-
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DICA N 1:
O encfalo a base dos processos mentais e do comportamento
N.A. era um jovem de 22 anos membro da que muitas alteraes cardiorrespiratrias, gas-
fora area americana em misso no Arquiplo- trointestinais, imunolgicas, endocrinolgicas,
go de Aores. Em uma de suas folgas, enquanto etc., tambm iro afetar a forma como o indiv-
montava uma miniatura de avio, seu colega de duo se comporta ou processa informaes. Os
quarto estava brincando com um florete em mi- sistemas biolgicos do organismo so integrados
niatura. Em meio a brincadeira, um improvvel e essa interao fundamental para compreen-
acidente ocorreu e a miniatura do florete pene- dermos como nosso comportamento funciona.
trou a narina do jovem N.A., atingindo de forma Conhecer as interaes entre os diversos siste-
caprichosa uma pequena regio de seu encfalo mas corporais pode deixar mais claro para voc
chamada ncleo dorsolateral do tlamo. O que o porqu de um paciente com hipotireoidismo
veio em seguida deu origem a um dos mais es- apresentar dficits de ateno, ser mais lento e
tudados casos em neurocincias clnicas. N.A. apresentar sintomas depressivos!
desenvolveu uma incapacidade gigantesca de Mas enfim chegada ento a hora de es-
aprender novas coisas (amnsia antergrada) tudar o sistema nervoso, uma subdisciplina que
praticamente parando no tempo. H centenas tem at nome especfico: neuroanatomia. No-
de casos bizarros como este descritos na litera- -surpreendentemente, o professor ento utiliza
tura cientfica, os quais nos mostram de forma um mtodo absolutamente idntico ao utilizado
inequvoca a relao entre o encfalo, compor- para abordar os sistemas anteriores: apresen-
tamento e processos mentais. tando vrios mapas muito bem desenhados ou
Embora a carga horria de disciplinas bio- fotografias muito bem tiradas.
lgicas nos cursos de Psicologia seja muito pe- Porm, apesar disso, agora algo diferen-
quena, boa parte de ns psiclogos estudou te. Dessa vez, ele explica que determinadas es-
anatomia geral em algum momento (ainda que truturas esto associadas nossa memria. Ou-
muitos dos nossos colegas no se lembrem dos tras, s nossas emoes. Outras, nossa tomada
detalhes). Se voc est iniciando seus estudos de deciso... E isso tudo muito legal!
de Psicologia, provavelmente ter algumas aulas Mas, apesar da empolgao, parece ha-
de anatomia. Quando estamos vendo sobre a es- ver um descompasso entre conhecimento e
trutura do corao, dos pulmes, do intestino, ou conscincia. Isso porque, se voc for questio-
de qualquer outro rgo, somos apresentados a nado no seguinte sentido: a mente vem do cre-
mapas muito bem desenhados, ou fotografias bro? possvel que titubeie e d uma resposta
muito bem tiradas, com vrias setas (o nmero evasiva. Mesmo tendo visto, aula aps aula, as
delas diretamente proporcional profundi- associaes entre estruturas e funes, na hora
dade do estudo) indicando o nome e funo de de concluir que aquilo que voc entende por
cada regio. eu fruto dessa complexa interao entre os
Ainda que, devido forte interao entre neurnios, brota uma relutncia que talvez pre-
todos os sistemas do nosso organismo, esse es- judique o seu estudo da rea.
tudo seja tambm fundamental, a maioria dos Ainda que existam profissionais e tericos
estudantes decora o contedo e aguarda ansio- que continuam resistentes, assim como ns, um
samente pelo momento em que o crebro ser nmero significativo e crescente de cientistas
finalmente a matria da aula. Alis, este um de nossa rea j tem plena convico de que a
dos erros fatais a no se cometer: o desprezo chamada dicotomia mente-crebro est ul-
pelo estudo dos outros captulos da anatomo- trapassada. Apesar da neurocincia no ter to-
fisiologia geral. O Psiclogo deve ter uma boa das as respostas, no resta muita dvida sobre
compreenso do organismo at para entender a relao entre crebro, comportamento e emo-
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es. As evidncias so provenientes de diversas quem somos. Por isso, consideramos que este
reas como: seja o primeiro passo, ainda que o mais polmi-
co.
- estudos clnicos com pacientes neuro- Alguns de vocs, mesmo estudando essas
lgicos (pacientes com leses cerebrais evidncias, se posicionaro contra a ideia de
mudam seu comportamento, cognio, que a mente vem do crebro, e isso no um pro-
emoes) blema. As escolas tericas em psicologia geral-
- neuroimagem funcional (que permitem mente assumem uma posio bem definida no
verificar o crebro em funcionamento, tocante ao chamado problema mente-crebro.
em tempo real, enquanto o indivduo re- H os que achem que uma coisa uma coisa
aliza atividades) e outra coisa outra coisa. Esses so os dualis-
- neuromodulao (que permitem, por tas, que acreditam na dissociao entre mente
exemplo, diminuir a atividade de um de- e crebro. H os dualistas paralelistas (mente e
terminado sistema neural, avaliando o crebro atuam de forma paralela e sem intera-
efeito sobre alguma tarefa que o indiv- o), os interacionistas (mente e crebro so in-
duo est realizando). dependentes mas podem interagir entre si), os
animistas (a mente anima o corpo) entre outros.
Essa ltima, alis, possibilita inferir relao Voc certamente conhecer vrias dessas esco-
de causalidade entre estrutura e funo, uma las tericas ao longo do curso.
vez que a reduo da atividade de determinada Por outro lado h os monistas, que podem
regio cerebral ir implicar automaticamente ser de dois tipos: mentalistas e os materialistas.
na perda da funo que ela responsvel por Os primeiros acreditam na supremacia da men-
produzir. Os resultados desses estudos so im- te, sendo que todas as outras coisas materiais
portantes indicativos de que somos o que somos so uma iluso, inclusive o prprio crebro. Os
porque nosso sistema nervoso o que . segundos somos ns, os neurocientistas que
Esse tipo de conscincia, ou senso de acreditamos que a mente um produto da ativi-
origem da mente, pode nos deixar ainda mais dade cerebral.
curiosos para entender como o crebro funcio- Quanto mais voc estudar, melhor ser a
na, aumentando assim a motivao para decorar sua capacidade de se posicionar teoricamente.
aqueles nomes esquisitos e compreender como Mas cuidado: no tente conciliar o inconcilivel.
aquela estrutura contribui para a definio de No d para ser ora monista, ora dualista.
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DICA N 2:
No se assuste com o nome das estruturas
Muitos alunos acham que o nome das es- ta relao com esse idioma clssico. Cerebelo,
truturas bastante complicado e isso dificulta a por exemplo, vem de Cerebellum que significa,
memorizao. De fato, h nomes assustadores, literalmente, pequeno crebro. O que mais
como o Trgono das Habnulas. Quando nos de- curioso que evidncias recentes1 esto de-
paramos com esses nomes, ficamos to choca- monstrando que o cerebelo realmente participa
dos que nos preocupamos mais em dar um jei- de processos motores, cognitivos e emocionais
to de memoriz-los do que com sua estrutura e que outrora era atribudo apenas ao crebro.
funo. A tarefa fica mais aversiva, pois passa a Ou seja, em ltima anlise, possvel realmente
impresso de que neuroanatomia apenas uma consider-lo como uma miniatura do crebro,
decoreba de nomes horrorosos. ainda que com limitaes.
Pois bem, os nomes de estruturas podem O fundamental aqui avisar que h alguns
ter vrios motivos. H aquelas que homena- termos que precisam ser aprendidos e cujo
geiam uma pessoa, geralmente um grande neu- aprendizado ser fundamental para entender
rocientista. Temos, por exemplo, as reas de uma srie de conceitos importantes, tais como:
Broca, Wernicke e os ncleos basais de Meynert.
H outros casos em que o nome dado pela se- Lobos: so regies bem delimitadas da
melhana entre a estrutura e alguma outra coi- superfcie do crebro que apresentam diversas
sa, como o caso do Hipocampo (hippocampus subdivises e formam sistemas neurais bem es-
= cavalo marinho), porque ele, adivinhe, se asse- pecializados. Temos 5 lobos: occipital, temporal,
melha muito a cavalos marinhos. parietal, frontal e nsula. Cada hemisfrio cere-
H ainda aqueles casos em que o nome bral tem os mesmos lobos, nas mesmas regies,
de uma estrutura tem a ver com sua posio em ainda que possam ter especialidades um pouco
relao a outra estrutura. Por exemplo, o epi- diferentes.
tlamo est alm (epi = alm) do tlamo e o sub-
tlamo est abaixo (sub = abaixo) do tlamo. Os Giros: so aquelas pequenas dobrinhas ou
prefixos para e peri tambm so muito usa- protuberncias que formam cada um dos lobos
dos em neuroanatomia. Para se referirem a algo do nosso crebro.
que est prximo de (ex.: parahipocampal =
regio do crebro que est prximo ao hipocam- Sulcos: so pequenas depresses que
po) e peri se refere a algo que est em torno de delimitam a diviso entre os giros. Quando um
(regio perisilviana = est ao redor da fissura de sulco bem aprofundado, ele recebe o nome
Sylvius). de fissura. Assim como as estruturas do sistema
No se esquea que tambm h estruturas nervoso, um sulco ou uma fissura pode receber
cujo nome pode variar de livro para livro. Por o nome de algum cientista, como a fissura de
exemplo, aquilo que aqui chamamos de hipfi- Sylvius que, que separa o lobo temporal do lobo
se, em outros lugares conhecida por pituit- frontal (homenageando o anatomista Franciscus
ria. Mas isso mais exceo do que regra em ter- Sylvius), ou relacionado sua posio topogrfi-
mos dos nomes de estruturas, no se preocupe. ca, como o sulco central, que separa a parte an-
Por fim, importante notar que muitas das terior e posterior do crebro.
estruturas foram descritas ao longo de sculos
em que era comum o uso do latim. Assim, no Na prxima pgina voc encontrar figuras
raro termos nomes de estruturas com estrei- que ilustram melhor essas divises.
1
Vide: Van Overwalle, F., Baetens, K., Marin, P., &Vandekerckhove, M. (2014). Social cognition and the cerebellum: a meta-
-analysis of over 350 fMRI studies. Neuroimage, 86, 554-572.
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aps uma leso.
Substncia cinzenta: ainda que voc veja
nos livros-texto o neurnio desenhado de ma-
neira bastante colorida, aquela diversidade de
cores um recurso meramente didtico, para
facilitar a discriminao das organelas especfi-
cas (acredite, eles realmente tentam facilitar as
coisas para o leitor!). Vejamos algumas informa-
es importantes sobre isso. Os neurnios so
geralmente formados por uma parte chamada
corpo (aonde est o ncleo da clula) e prolon-
gamentos capazes de receber e passar informa-
es (dendritos e axnio). O corpo do neurnio,
na verdade, no tem cor. Ento, quando voc ler
ou ouvir o termo substncia cinzenta, no pen-
se se tratar de um lquido cinza, mas entenda
que se refere massa de corpos de neurnios.
Simples assim!
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lipdios que elas contm. Por isso, chamamos de e, por isso, adivinhe a cor que ele tem? ... Exa-
substncia branca os axnios revestidos com to, cinza. Entenda o crtex cerebral como uma
essa tal de bainha de mielina. espcie de sacola prstica. Estrutura subcorti-
cal tudo aquilo que est dentro dessa sacola
Cortical x Subcortical: o crtex cerebral plstica. Ou seja, estruturas cerebrais que esto
a camada mais externa do nosso crebro, for- abaixo do crtex, e que tambm so fundamen-
mada principalmente por corpos de neurnios tais para o processamento de informaes.
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DICA N 3:
Os vrios sistemas nervosos
Ainda que a maioria das pessoas chame do organismo, controlando sua funo, desde a
de crebro todo o contedo que est dentro frequncia respiratria e cardaca, at o contro-
do nosso crnio, anatomicamente isso no le postural e a marcha. Alm dessa classificao
verdade. O Crebro uma das partes do nosso anatmica, podemos tambm realizar uma clas-
Encfalo, juntamente com o Tronco Enceflico sificao funcional do Sistema Nervoso, dividin-
e o Cerebelo. Em conjunto com a Medula, eles do entre Visceral e Somtico.
formam o Sistema Nervoso Central, porque so Ainda, ele pode ser dividido entre Simpti-
realmente o centro de comando para todas as co e Parassimptico.
funes do nosso corpo. Voltando s divises do Sistema Nervo-
so Perifrico, alm do Visceral existe tambm o
Somtico (soma = corpo). Diferente do primei-
ro, esse segundo responsvel por controlar
as aes voluntrias dos nossos msculos. Por
exemplo, quando decidimos caminhar, escrever,
dirigir, expressar emoes atravs da face, tudo
isso obra do SNP Somtico.
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DICA N 4:
As clulas nervosas comunicam entre si e isso fcil de entender!
Um dos assuntos que mais arrepia os ca- axnio, empurrados por uma enzima chamada
belos de qualquer estudante de neurocincia cinesina. Quando ela chega at o final do ax-
a neurotransmisso. E isso, de certa forma, faz nio, que chamado de terminal axonal, ocorre
muito sentido, afinal, no estamos acostuma- uma inundao de clcio naquela regio, que
dos a pensar em escala molecular. Ou seja, ao empurra a vescula contra a parede desse termi-
falar sobre neurotransmissores e coisas do tipo, nal, at que ela se funde com a parede e se abre,
isso soa muito abstrato e de difcil compreenso. liberando os neurotransmissores na fenda sinp-
Mas, ainda que seja realmente um assunto com- tica, que o espao entre os dois neurnios que
plexo, nosso objetivo nos prximos pargrafos esto se comunicando. Por isso, alis, o neurnio
ser demonstrar uma maneira de voc encarar que envia os neurotransmissores chamado de
esse tpico sem tanto estresse. pr-sinptico e o que recebe de ps-sinpti-
A neurotransmisso o que o prprio co.
nome sugere, a maneira pela qual as clulas do
sistema nervoso transmitem informaes umas
para as outras. Dizemos clulas do sistema ner-
voso, porque no so apenas os neurnios que
realizam neurotransmisso, mas tambm as c-
lulas gliais (ou neurglias), principalmente os
astrcitos. Alis, a neurotransmisso dos astrci-
tos um dos temas mais interessantes em neu-
rocincia bsica, porque ela est se revelando
como fundamental para manter a integridade
do sistema nervoso como um todo, prximo de
desbancar os neurnios, que durante dcadas
ocuparam o posto de principal unidade de pro-
cessamento de informao do sistema nervoso.
Porm, utilizaremos o neurnio como exemplo
para explicar essa neurotransmisso, por uma
questo didtica.
Tudo comea no ncleo, pois l que fica
o material gentico da clula. Logo, neurotrans- Tenha sempre em mente que na natureza
missores especficos so criados a partir de ge- no h necessidade de economistas. Afinal, os
nes especficos que esto todos dentro do ncleo economistas so aqueles profissionais respon-
do neurnio. Explicar os detalhes desse processo sveis por nos ensinar como poupar o dinheiro,
de sntese proteica algo que est alm do bojo ou investi-lo da melhor maneira. Na natureza,
desse e-book, porm, recomendamos que voc isso j a regra. Tudo sempre poupado, porque
procure por Dogma Central da Biologia Molecu- tudo custa energia para ser produzido, e se no
lar, para entender melhor como isso funciona. puder ser utilizado da primeira vez, ser reutili-
H vrios sites na internet muito bons sobre isso. zado mais tarde. Isso significa que o neurnio ir
Assim que os neurotransmissores termi- querer economizar os neurotransmissores, de
nam de ser produzidos, eles so encapsulados maneira que existem mecanismos pelos quais
dentro de uma bolsa (chamada vescula) ele recapta aqueles que j fizeram sua funo,
e, dentro dela, so levados atravs de trilhos antes que uma enzima responsvel por devorar
(chamados microtbulos) ao longo de todo o os retardatrios da sinapse faa seu trabalho.
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Ento, existem os receptores, que so canais ro que ela no entra na clula. A ideia que
especficos pelos quais os neurnios engolem boa parte dos estudantes nutre que o neuro-
boa parte daqueles neurotransmissores, aps transmissor passa de um neurnio para o outro,
terem se conectado aos receptores ps-sinpti- literalmente. Isso no verdade. O neurotrans-
cos, antes que a COMT os destrua. missor sai do terminal pr-sinptico, mas ele
Agora voc conseguir entender o me- apenas se liga no ps-sinptico, abrindo uma
canismo de ao principal de um dos medica- passagem para que ons adentrem nesse neur-
mentos psiquitricos mais utilizados: os anti- nio e iniciem ou no o chamado potencial de
depressivos da classe dos Inibidores Seletivos ao, que, caso ocorra, ir engatilhar um novo
da Recaptao de Serotonina. Como o prprio processo de neurotransmisso no qual o atual
nome sugere, a ao desse frmaco consiste em neurnio ps-sinptico passar a ser pr-sinp-
inibir parte desses receptores de recaptao do tico.
neurotransmissor serotonina no neurnio pr- O potencial ps-sinptico um fenme-
-sinptico. Ao fazer isso, como se ele fechasse no categrico, seguindo a regra do tudo-ou-na-
a porta de retorno da serotonina, de maneira da. Isso significa que no existe meio potencial
que ela ficar na fenda sinptica por mais tem- de ao. Ele ir ocorrer se e apenas se esses
po. Esse tempo a mais (oferta maior) aumentar ons que entraram na clula devido ao neuro-
a possibilidade de ela se ligar ao neurnio ps- transmissor que abriu a porteira forem suficien-
-sinptico, e isso tem um efeito de potencializar tes para ultrapassar um determinado limiar de
a sinapse que envolve esse neurotransmissor: a excitao. Se esse limiar ultrapassado, ocorre
serotonina. Sabemos hoje que isso tem como re- o potencial, se no, no ocorre. Preto no branco.
sultado, entre outras coisas, o efeito teraputico Simples assim!
de melhorar os sintomas da depresso. Contudo, bvio que nunca existe apenas
chegado o momento de compreender a um neurnio realizando sinapse no outro. Isso
participao do neurnio ps-sinptico, na neuro- uma mera demonstrao didtica. Na verdade,
transmisso. cada neurnio pode realizar sinapses com ou-
Quando os neurotransmissores, principal- tras centenas simultaneamente. Sim, isso faz a
mente no caso das aminas biognicas, chegam bolsa de valores de New York parecer brincadei-
na fenda sinptica eles tem 2 caminhos poss- ra de criana!
veis: 1) ser degradado pela COMT; 2) se conectar Alm disso, nem toda sinapse excitatria
ao neurnio ps-sinptico, ligando-se a recepto- (com o objetivo de produzir potencial de mem-
res especficos dele. Os receptores so sempre brana). Boa parte delas inibitria (com o obje-
anlogos fechadura, sendo que apenas um tivo de reduzir o potencial de ao). Esse equil-
tipo de chave abre um tipo de fechadura. De brio entre excitao e inibio, a nvel molecular,
igual maneira, os receptores so altamente es- em resposta ao ambiente, o que verdadeira-
pecficos. Por exemplo, receptores serotoninr- mente define nossos pensamentos. Talvez, an-
gicos s sero acionados pela serotonina (salvo tes de tudo, sejamos poeira das estrelas, como
os casos de substncias que a imitem, mas esse dizia Carl Sagan. Mas certo que essas poeiras
assunto para outro momento). criaram as clulas que, atravs de um processo
Isso significa que a serotonina se ligar a fsico-qumico chamado de neurotransmisso,
esses receptores, mas importante deixar cla- cria nossa mente.
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DICA N 5:
Aprenda a ler o encfalo
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DICA N 6:
Entenda a lgica das inferncias do tipo estrutura-funo.
Dizer que o nosso encfalo uma coisa giram na nossa histria h muito pouco tempo
s, uma iluso ou, na melhor das hipteses, (h 6 mil anos), e por isso dependem da intera-
uma mera conveno. o complexa entre vrios sistemas neurais.
Na verdade, a neurocincia cognitiva en- como os tomos de hidrognio e o oxignio, que
tende e demonstra que nosso crebro formado apesar de terem suas eficincias prprias, po-
por centenas de milhares de microsistemas de dem se juntar para formar a gua. Alis, h um
processamento de informao, que desempe- fato bem curioso com relao neurobiologia
nham uma funo especfica, mas que tambm da leitura. Stanislas Dehaene, um dos principais
podem interagir entre si para gerar resultados neurocientistas dedicados a esta linha de inves-
diferentes e cada vez mais complexos, seguindo tigao, publicou um artigo em 20032 demons-
uma regra computacional. trando que uma das principais regies cerebrais
Por exemplo, nosso crtex occipital , na envolvidas na decodificao das letras justa-
verdade, um aglomerado de dezenas de reas mente o giro fusiforme. Talvez seja por isso que
j mapeadas, cada uma responsvel por um as- o A tem cara de A.
pecto diferente do processamento visual (uma Apesar de parecer complexa, preciso en-
delas interpreta cores, outra interpreta movi- tender que aquela diviso bsica da neuroana-
mento, outra, formatos especficos etc). tomia, que divide o crebro em 5 lobos (frontal,
Ter isso muito claro em mente nos permite temporal, parietal, occipital e insular) , na ver-
entender a relao causal entre estrutura e fun- dade, bastante rasa. Sab-la j um excelente
o. Por exemplo, uma das condies clnicas comeo e ser bastante til para voc fazer as
neuropsicolgicas mais curiosas a prosopag- primeiras inferncias sobre estrutura e funo,
nosia, na qual o indivduo, mesmo tendo todas mas preciso ir mais alm. Veja, por exemplo, a
as demais funes preservadas, apresenta uma seguinte metfora: os lobos cerebrais so como
bizarra incapacidade de processar o rosto das continentes, os mdulos cognitivos so como
pessoas. como se ele fosse analfabeto para pases, e as funes mais globais so como o
rostos. J foi descoberto que uma das princi- clima e as relaes sociais. H ainda os hemis-
pais regies cerebrais comprometidas nesses frios direito e esquerdo. S que aqui, ao con-
pacientes chamada de giro fusiforme, e fica trrio de nossa geografia, para cada hemisfrio
localizada bem na fronteira entre o crtex occi- teremos sempre um exemplar de cada lobo,
pital e temporal, cuja funo justamente pro- ainda que haja determinadas especialidades de
cessar o estmulo rosto. cada lado.
Claro que nem tudo que pensamos ou sen- Se te dissermos o nome de um pas do qual
timos hoje tem um mdulo especfico, pois isso voc nunca ouviu falar, mas informarmos que
tem a ver com a evoluo da nossa espcie, ou ele fica na Europa, provavelmente voc ir in-
seja, a maneira como respondemos diante dos ferir que o clima l frio (pois o clima europeu
problemas adaptativos com os quais nos depa- tende a ser frio). De igual maneira, se falamos o
ramos ao longo de milhares de anos. nome de uma estrutura, que fica no lobo occi-
Por exemplo, processar e identificar rostos pital, provavelmente voc concluir que ela est
humanos algo fundamental, tanto para a so- relacionada viso. Ainda, o caminho inverso
brevivncia, quanto para a reproduo, e parece tambm vale. Ou seja, suponha que a avaliao
depender de estruturas bem especficas. Porm, neuropsicolgica mostrou uma alterao impor-
outras habilidades, como a leitura e escrita, sur- tante na compreenso da linguagem. possvel
2
McCandliss, B. D., Cohen, L., &Dehaene, S. (2003). The visual word form area: expertise for reading in the fusiform gyrus.
Trends in cognitive sciences, 7(7), 293-299.
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ento inferir que algo no est correndo bem no climatologia, h excees que devem ser consi-
lobo (continente) temporal do hemisfrio es- deradas, porm, esse um raciocnio que tende
querdo do paciente. Claro que, assim como em a dar certo em muitas ocasies.
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DICA N 7:
No nascemos prontos, tampouco uma tbula rasa.
3
Song, H., Zou, Z., Kou, J., Liu, Y., Yang, L., Zilverstand, A., ... & Zhang, X. (2015). Love-related changes in the brain: a resting-
-state functional magnetic resonance imaging study. Frontiers in human neuroscience, 9.
4
https://www.iluminaneurociencias.com.br/artigos/a-pobreza-custa-caro-e-o-cerebro-paga-o-preco/
23
pobreza e o desenvolvimento cerebral, atravs Durante toda vida modificamos nosso crebro,
de um texto publicado no blog do ILumina Neu- aprendendo novas coisas e formando novas si-
rocincias, seguindo o seguinte link de rodap4. napses. Alm disso, com o avanar das dca-
De certa forma, a nossa vida repete o hist- das, alguns processos naturais iro diminuir a
rico evolutivo da nossa espcie, j que, ao longo eficincia de nossos sistemas neurobiolgicos.
do desenvolvimento, as ltimas estruturas que Novamente, o ritmo em que isso vai acontecer
atingem a maturidade so justamente aquelas ir depender bastante do nosso comportamen-
que apareceram por ltimo em termos de nos- to, interesses, estimulao ao longo da vida e do
sa histria evolutiva. Ao que tudo indica, para a quanto cuidamos de nossa sade. Assim, o am-
neurocincia, se tudo correr bem, s nos torna- biente um ingrediente fundamental ao longo
mos adultos aps duas dcadas de vida. de toda nossa vida para a estruturao e funcio-
Isso no significa que o crebro para de se namento do nosso sistema nervoso.
modificar quando chegamos sua maturidade.
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DICA N 8:
Aplicando a neurocincia na prtica.
A grande pergunta que fica : por que voc nhecimento razovel de neurocincia, at para
deve estudar neurocincia? Ser que como no no cair em armadilhas publicitrias que utilizam
ensino fundamental, quando vemos matrias o prefixo neuro com o nico objetivo de embu-
que sabemos ser de pouca relevncia para o tir valor no produto, ainda que de fato no tenha
nosso futuro (ainda que sejam para outras pes- qualquer comprovao neurocientfica de efici-
soas)? ncia.
No, a neurocincia, para psiclogos, no Outra situao comum em que o conhe-
uma questo de identificao, mas de necessida- cimento de neurocincia se faz necessrio diz
de. um fundamento que servir para embasar respeito rea educacional. Muitas vezes, o pa-
toda e qualquer prtica que for feita enquanto ciente que passou pela avaliao apresentou
profissional, j que lidamos com comportamen- dficits significativos em funes que so neces-
to e processos mentais que derivam do crebro. srias para o aprendizado normal, o que signi-
Por exemplo, na clnica. Durante a realiza- fica que precisar de uma ateno especial em
o de uma reabilitao neuropsicolgica, recor- sala de aula. Saber fundamentar seus achados
rer a tcnicas que no tenham eficcia demons- luz da neurocincia, no cometendo erros, far
trada no sentido de reestruturar os circuitos com que seu relatrio ganhe mais peso na hora
neurais do paciente, ainda que no seja um fator da instituio decidir sobre a necessidade des-
decisivo para escolh-la (pois algumas estrat- te cuidado especial, que mudar para melhor o
gias ainda no produziram esse tipo de evidn- rumo da trajetria escolar do paciente.
cia), deve contar bastante. Ou seja, preciso dar H, entretanto, uma srie de outros con-
preferncia quilo que j demonstrou ser eficaz textos em que conhecer bem o funcionamento
para o melhoramento do funcionamento cere- cerebral far diferena para voc, como a eco-
bral. Porm, para isso, voc tem que ter um co- nomia, o marketing e os esportes.
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DICA N 9:
Como se proteger contra as neurobobagens?
5
Link: https://www.youtube.com/watch?v=b64qvG2Jgro
6
McCabe, D. P., &Castel, A. D. (2008). Seeing is believing: The effect of brain images on judgments of scientific reasoning.
Cognition, 107(1), 343-352.
7
Weisberg, D. S., Keil, F. C., Goodstein, J., Rawson, E., & Gray, J. R. (2008). The seductive allure of neuroscience explanations.
Journal of cognitive neuroscience, 20(3), 470-477.
28
29
DICA N 10:
Como sobreviver aos crticos desinformados?
Ento, vamos supor que voc sobreviveu reduzir um fenmeno complexo a um conjunto
aos primeiros passos na neuroanatomia e se en- de regras bsicas para estud-lo de maneira efi-
cantou com as neurocincias. Prepare-se para ciente. Possivelmente, o exemplo mais clssico
tempos difceis. Os psiclogos, muitas vezes, se disso, em cincias naturais, o mecanismo res-
autoproclamam defensores da diversidade. No ponsvel pela Teoria da Evoluo, que Charles
entanto justamente em boa parte dos cursos Darwin chamou de Seleo Natural. O conceito
de Psicologia que voc ver comentrios total- de seleo natural super bsico e simples, no
mente arbitrrios, intolerantes e preconceituo- entanto, ele d conta de explicar a toda a com-
sos em relao qualquer tentativa de incluir a plexidade da vida, ou, de um jeito mais potico
biologia nas explicaes sobre comportamento e citando o prprio Darwin, s infinitas formas
e cognio. Os principais ataques, traduzindo de beleza. Ou seja, no porque todo o proces-
para uma linguagem educada, incluiro as afir- so de evoluo das espcies foi reduzido a um
mativas: conceito bsico, que isso perde o encanto ou
mesmo a profundidade cientfica. Para o filso-
1 A neurocincia reducionista. fo da cincia Daniel Dennett8, o problema est
2 A neurocincia justifica preconceitos. no extremo reducionismo, ou seja, quando o
3 A neurocincia despreza o ambiente. cientista reduz um fenmeno complexo (como
4 A neurocincia despreza a subjetividade. a mente humana) no apenas a um conjunto de
sistemas e princpios em si, mas a um conjunto
Com relao primeira crtica, talvez quem de sistemas e princpios que no conseguem
a argumente tenha uma grande dificuldade de responder s perguntas. No caso da neurocin-
compreender que um determinado fenmeno cia isso no ocorre, porque ela prpria reconhe-
complexo pode ser explicado a partir da inte- ce que ainda no tem propriedade suficiente
grao entre diferentes fatores biolgicos e so- para explicar todos os processos mentais huma-
ciais. De fato, explicar comportamento apenas nos (no se outorga o grau de detentora de todo
do ponto de vista gentico ou ambiental uma o conhecimento), mas aqueles que ela j conse-
forma simplria e fadada a grandes equvocos. guiu investigar e reduzir a reaes qumicas do
Um determinado comportamento s deve ser organismo, ela tem capacidade de explicar.
compreendido a partir de uma perspectiva que A segunda crtica , talvez, o reflexo da no-
integre nveis de anlise como: -compreenso de todas as demais. Por exemplo,
quando a neurocincia demonstra que h dife-
Gentico/molecular renas de gnero tanto na morfologia, quanto no
Morfolgico/Fisiolgico funcionamento cerebral, ela no est, de manei-
Individual ra nenhuma, defendendo que essas diferenas
Familiar justifiquem qualquer tipo de discriminao. Ou
Social seja, ainda que seja um fato que as mulheres, em
Cultural mdia, apresentem maior substncia cinzenta
Histrico (que voc j aprendeu que so corpos de neu-
rnio) numa regio chamada Juno Temporo-
Alm disso, h um problema inerente parietal Direita (que fica bem na juno entre o
maneira como as pessoas tendem a utilizar o crtex temporal e parietal do hemisfrio direi-
termo reducionismo. Muitas vezes, a cincia to... viu como no difcil deduzir localizao
(inclusive outras alm da neurocincia) precisa pelo nome?), e que isso lhes confere uma capa-
Dennett, D. C. (1998). A perigosa idia de Darwin: a evoluo e os significados da vida. Rocco.
8
30
cidade maior de Teoria da Mente (capacida- riveis ambientais que so necessrias para que
de de inferir estados mentais alheios com base nossas funes cognitivas e comportamentais
em sinais visuais, auditivos e mesmo olfatrio, e atinjam sua maturidade e pleno funcionamento.
usar esse conhecimento para prever o compor- Alm do texto que j referenciamos, escri-
tamento da pessoa); alm de mais substncia to pela psicloga Isabela Sallum, sobre o efeito
branca (que voc j aprendeu que so axnios de uma m condio econmica sobre o desen-
mielinizados) no lobo frontal, que lhes confere volvimento cerebral, h outros tantos exemplos
uma maior capacidade de controlar os impulsos, que deixam claro como a neurocincia se pre-
isso no significa que todas as mulheres sero ocupa exaustivamente com o impacto do am-
excelentes mentalistas, nem super controladas. biente, e mesmo da cultura.
Significa apenas que, em mdia, as mulheres Por exemplo, o Simon Baron-Cohen (ci-
tero um desempenho superior nessas habili- tado logo acima) desenvolveu um dos instru-
dades, em relao aos homens. Porm, isso no mentos mais utilizados no mundo inteiro para
diz nada sobre uma mulher especfica. Citando avaliar teoria da mente, principalmente (mas
um dos principais neuropsiclogos responsveis no somente) com o objetivo de discriminar en-
pelo estudo das diferenas de gnero na cogni- tre sujeitos normais e pacientes com transtorno
o, Simon Baron-Cohen: do espectro autista. Esse instrumento chama-
do de Reading the Mind in the Eyes Test (Teste da
Quando falo em diferenas na mente Leitura da Mente atravs dos Olhos), ou simples-
ligadas ao sexo, estou me referindo mente RMET, e consiste em 36 imagens preto-e-
apenas a mdias estatsticas. E se h -branco apenas da regio dos olhos, com quatro
um ponto a deixar claro desde o incio, possibilidades de escolha sobre o que aquela
este: procurar diferenas entre os se- pessoa da imagem estava pensando ou sentindo
xos no criar esteretipos. O estudo no momento da fotografia. Ele um instrumento
das diferenas nos permite descobrir domnio-pblico, e voc pode fazer o download
as diferentes influncias sociais e bio- dele no site do Autism Research Centre10.
lgicas sobre o sexo, mas no nos diz Existem estudos de traduo, adaptao e
nada sobre indivduos. [...] O estere- validao em vrias culturas diferentes (inclusi-
tipo reduz os indivduos mdia, en- ve, no Brasil11), mas em 2010 foi realizada uma
quanto a cincia reconhece que muita pesquisa12 muito interessante, que consistiu em
gente se afasta do que considerado a aplicar o RMET a sujeitos caucasianos e asiti-
faixa mdia do grupo a que pertence. cos, avaliando no apenas o desempenho em
(Baron-Cohen, 2004, p. 239). si, como tambm o padro de atividade cerebral
durante a testagem. Descobriram que h uma
Ou seja, ao ver uma moa desconhecida vantagem para a identificao do estado mental
caminhando pela rua, voc no tem a menor de pessoas que pertencem sua prpria etnia/
condio de inferir que ela tenha altas habilida- cultura (no caso, japoneses reconheciam me-
des sociais e muita capacidade de controlar os lhor o que fotos de olhares japoneses queriam
impulsos, a menos que faa uma entrevista ou dizer, enquanto que caucasianos reconheciam
uma avaliao completa com ela. melhor o que olhares caucasianos queriam di-
Com relao terceira crtica, basta res- zer), e essa vantagem poderia ser explicada em
ponder com os conceitos de desenvolvimento funo de uma maior ativao do sulco temporal
e plasticidade. O crebro no uma estrutura superior posterior.
isolada cujo desenvolvimento totalmente pr- Se o indivduo no se convencer diante
-determinado pelos nossos genes. Ao contrrio, disso, informe gentilmente que j existe inclusi-
nosso crebro se desenvolve em resposta s va- ve um ramo especfico, chamado neurocincia
9
Baron-Cohen, S. (2004). Diferena essencial. Editora Objetiva.
10
Link: https://www.autismresearchcentre.com/arc_tests
11
Miguel, F. K., Caramanico, R. B., Huss, E. Y., &Zuanazzi, A. C. (2017). Validity of the Reading the Mind in the Eyes Test in a
Brazilian Sample. Paidia (RibeiroPreto), 27(66), 16-23.
12
Adams Jr, R. B., Rule, N. O., Franklin Jr, R. G., Wang, E., Stevenson, M. T., Yoshikawa, S., ... &Ambady, N. (2010). Cross-cultu-
ral reading the mind in the eyes: an fMRI investigation. Journal of cognitive neuroscience, 22(1), 97-108.
31
cultural13, que se dedica unicamente a analisar crebro das pessoas, principalmente de uma
essas diferenas no padro de atividade cere- menor espessura das regies corticais envolvi-
bral diante de uma mesma tarefa, mas em cultu- das no controle dos impulsos. Voc j viu ante-
ras diferentes. riormente que o crtex (que uma substncia
A quarta crtica quase sempre feita por cinza) formado por corpos de neurnios. Uma
aqueles (geralmente dualistas) que acham que menor espessura cortical significa uma menor
subjetividade algo impossvel de ser compre- concentrao de neurnios, ou que eles esto
endido se focarmos no organismo. No entanto, com seu tamanho reduzido. De qualquer manei-
o ramo de investigao acerca das diferenas ra, isso implica num funcionamento prejudicado
individuais bastante frtil nas neurocincias. e, por serem reas envolvidas no controle inibi-
Por exemplo, voc j deve ter reparado que algu- trio, isso explica a dificuldade desses indivdu-
mas pessoas so mais impulsivas, e outras me- os em pensar antes de agir. Esse apenas um
nos impulsivas. Isso porque a tendncia a agir exemplo sobre como a neurocincia considera,
sem pensar uma caracterstica que varia de sim, que pessoas diferentes iro responder de
indivduo para indivduo. Um estudo recente14 maneira diferenciada s situaes cotidianas,
demonstrou que essa diferena pode (tambm) reflexo da interao entre biologia e ambiente.
ser explicada luz de diferenas estruturais no
13
Han, S., Northoff, G., Vogeley, K., Wexler, B. E., Kitayama, S., &Varnum, M. E. (2013). A cultural neuroscience approach to
the biosocial nature of the human brain. Annual review of psychology, 64, 335-359.
14
Holmes, A. J., Hollinshead, M. O., Roffman, J. L., Smoller, J. W., & Buckner, R. L. (2016). Individual differences in cognitive
control circuit anatomy link sensation seeking, impulsivity, and substance use. JournalofNeuroscience, 36(14), 4038-4049.
32
CONSIDERAES FINAIS
Estudar neurocincia no fcil, mas tam- duas fontes diferentes e, logo na sequncia,
bm no h razo para se ficar neurado com procure responder a questes sobre o assunto,
isso. Pondo em prtica essas dicas aqui descri- como se realmente estivesse fazendo uma pro-
tas, voc provavelmente amenizar o choque va. Quanto mais perguntas voc responder, me-
inicial, desmistificar preconceitos e descobrir lhor ser a qualidade do seu aprendizado. No
um mundo maravilhoso e instigante que a neu- se esquea nunca de corrigir as respostas, para
rocincia. perceber onde errou, e qual a resposta certa.
Algumas vezes, precisamos realizar tare- Para estudar a localizao das estruturas,
fas no nosso dia a dia que no gostamos, mas tente pegar uma imagem do crebro com as se-
que precisam ser feitas. Porm, inegvel que tas indicativas, apagar o nome que est escrito
quando consideramos a atividade uma fonte de em cada uma delas, e tentar acertar.
prazer, sentimos maior motivao para conclu- Esta cartilha teve um objetivo bem espec-
-la da maneira mais eficiente possvel. Estudar fico: tirar o medo inicial de estudar neurocin-
neurocincias no diferente! Por isso, alis, cias de modo geral, o que ser crucial para sua
que a primeira dica foi sobre a valorizao do formao como psiclogo, ou mesmo atuao
crebro como sede de quem somos. Essa com- na rea. Perdendo o medo inicial, voc estar
preenso, se introjetada, despertar um inte- preparado para os prximos passos, que sero
resse to grande pelo assunto, quanto o de al- maravilhosos. Alis, pensando em estimular
gum prestes a fazer uma viagem internacional voc a dar os prximos passos, na sequncia
e que quer aprender tudo sobre o pas de des- voc poder conferir uma srie de referncias
tino. comentadas, que esperamos que voc busque
Feito isso, uma das maneiras mais eficien- para aprofundar o conhecimento.
tes de aprender neurocincia fazendo exerc- Que a fora esteja com voc!
cios. Estude cada tema utilizando pelo menos
33
REFERNCIAS COMENTADAS
Para construir a base necessria ao en- obra uma leitura fundamental a todo aspirante
tendimento dos processos neurolgicos e da neuropsicologia.
neuropsicolgicos:
Gazzaniga, M. S., Ivry, R. B., & Mangun, G. R. (2006).
Neurocincia cognitiva: a biologia da mente. Art-
Cosenza, R. M. (2000). Fundamentos de Neuroana-
med.
tomia . Grupo Gen-Guanabara Koogan.
Livro organizado por um dos principais neuro-
A fim de compreender o funcionamento de nos-
cientistas cognitivos da atualidade (Gazzaniga),
so crebro, fundamental que conheamos
esta obra bastante ampla e rica em imagens
cada uma de suas partes, os sistemas formados
coloridas muito didticas, contendo captulos
pelo agrupamento de algumas delas, bem como
tanto de neuroanatomia funcional, quanto vol-
suas funes bsicas e formas de interao. Este
tados compreenso de diferentes comporta-
livro, escrito pelo Professor Ramon Cosenza, um
mentos humanos luz dos estudos do crebro.
dos principais nomes das neurocincias no Bra-
Com certeza uma das principais referncias na
sil, um dos mais adotados em cursos de gradu-
rea para se ler e consultar.
ao de diversas reas. A abrangncia do conte-
do e a tima didtica fazem com que este seja
Herculano-Houzel, S. (2005). Crebro Em Transfor-
um exemplar ideal para consultas recorrentes
mao, O. Editora Objetiva.
em momentos de dvidas. Em psicologia existem muitas teorias sobre de-
senvolvimento humano, mas poucas delas esto
aliceradas em evidncias. Por outro lado, os
Para se apaixonar pelas neurocincias: estudos sobre neurocincia do desenvolvimen-
to so muitas vezes complexos demais para al-
Damsio, A. R. (2009). O erro de Descartes: emoo, gum que est iniciando na rea compreender
razo e o crebro humano. Editora Companhia das em sua totalidade. Por isso, recomendamos
Letras. fortemente a leitura desse livro, na qual a neu-
Quem nunca ouviu falar no famoso caso de Phi- rocientista brasileira Suzana Herculano-Houzel
neas Gage? O casal Antonio e Hanna Damsio foi apresenta, de maneira extremamente didtica e
responsvel por desvendar esse grande enigma confortvel, o passo a passo do desenvolvimen-
da neuropsicologia, no trabalho publicado em to humano luz da neurocincia, com um foco
1994. Alguns anos mais tarde, ele decidiu popu- maior na adolescncia, utilizando sempre mui-
larizar o feito e escreveu esse livro que se tornou tos exemplos cotidianos curiosos. Vale muito a
um clssico na rea desde ento. Sua descrio pena a leitura.
quase roteirizada dos relatos do dr. Harlow, que
primeiro atendeu o Phineas Gage aps o aciden- Pinker, S. (1998). Como a mente funciona. Editora
te e anotou suas mudanas de comportamento, Companhia das Letras.
numa poca em que sequer se conhecia a estru- No se assuste com o tamanho desse livro, nem
tura do neurnio, conferem um aspecto artsti- com a complexidade da primeira parte, voc
co obra. Alm disso, sua descrio do novo consegue! Esse possivelmente um dos livros
Phineas Gage, paciente que o prprio Antonio de divulgao cientfica mais amplos sobre o
atendeu, bem como do processo de criao e funcionamento da mente, escrito por aquele
aplicao do Iowa Gambling Task (uma das prin- que talvez seja o principal psiclogo da atualida-
cipais tarefas neuropsicolgicas empregadas de, o professor Steven Pinker. Inicialmente, ele
para avaliar tomada de deciso) fazem dessa apresentar a chamada teoria computacional
34
da mente, e na sequncia explicar as origens Nesses livros voc encontrar uma exce-
evolutivas de diferentes padres de pensamen- lente introduo Neuropsicologia:
to e comportamento humano. O livro no apenas
explica como a mente funciona, mas tambm Fuentes, D., Malloy-Diniz, L., Camargos, C. H. P. &
por que funcionamos dessa maneira. eviden- Cosenza, R. (2012) Neuropsicologia: teoria e prti-
te que nesses ltimos 20 anos muitos novos es- ca. Porto Alegre: Grupo A.
tudos foram conduzidos, mas praticamente tudo Esse um dos mais adotados livros-texto na rea
que ele coloca na obra ainda vlido. de Neuropsicologia em cursos de graduao.
Trazendo captulos de importantes clnicos e
Pinker, S. (2002). Tbula rasa: a negao contem- pesquisadores da rea de neuropsicologia, o li-
pornea da natureza humana. Editora Companhia vro apresenta os processos neuropsicolgicos
das Letras. bsicos, as alteraes neuropsicolgicas em pa-
Outro livro do Steven Pinker, dessa vez tratando tologias psiquitricas e neurolgicas, bem como
de um tema que tem muito a ver com esse e- fundamentos para a prtica de avaliao e inter-
-book inclusive: a negao da natureza humana. venes.
de especial interesse que voc preste bastante
ateno quando ele fala sobre o fantasma da Santos, F. H., Andrade, V., Bueno, O. (2015) Neurop-
mquina. Vale muito a pena a leitura, pois voc sicologia Hoje. Porto Alegre: Grupo A.
abrir bastante seus horizontes conceituais. Este importante livro inaugurou a tradio de li-
vros de neuropsicologia organizados e escritos
por autores brasileiros. Em sua segunda edio,
Ramachandran, V. S., & Blakeslee, S. (2004). Fan- traz o estado da arte do conhecimento sobre
tasmas no crebro. Rio de Janeiro: Record. funes cognitivas e perfis neuropsicolgicos
Ramachandran um dos mais famosos neuro- em transtornos mentais.
logistas, responsvel por desenvolver um mto-
do bastante eficaz para lidar com a extino do
membro fantasma atravs de espelhos. Nesse
Se voc quiser conhecer mais sobre neu-
livro muito bem escrito e humorado (porque hu-
mor sempre bom) ele apresenta uma srie de ropsicologia clnica voc deve procurar
casos clnicos bastante curiosos, como a Sndro- informaes na coleo Neuropsicologia
me de Capgras, na qual o paciente nutre a certe- na Prtica Clnica. Ela editada pelos
za de que determinado indivduo do seu convvio Professores Paulo Mattos (UFRJ) e Le-
social no ele prprio, mas um impostor que andro Fernandes Malloy-Diniz (UFMG) e
assumiu seu corpo. Livros como este nos fazem
rene diversos ttulos escritos ou orga-
refletir mais sobre como nosso crebro define
quem somos. nizados por grandes neuropsiclogos e
neurocientistas. A coleo j conta com
Sacks, O. (2016). O homem que confundiu sua mu- os ttulos:
lher com um chapu: e outras histrias clinicas.
Editora Companhia das Letras. Gonalves, O., Boggio, P. (2016) Neuromodulao
Este o mais conhecido livro do famoso neurolo- Autorregulatria. So Paulo, Pearson.
gista Oliver Sacks, que infelizmente faleceu em Com o avano do conhecimento sobre o cre-
2015. Digo infelizmente no apenas pela pes- bro, cada vez mais estamos tendo acesso s
soa que ele foi, mas porque agora no seremos tecnologias que podem modificar o padro de
mais brindados com suas descries de casos atividade cerebral e modular comportamentos.
clnicos que so quase romances (alis, alguns Nesse livro, de forma extremamente didtica, os
deles chegaram a virar filmes e peas de teatro). autores apresentam exemplos prticos de neu-
Juntamente com o livro do Ramachandran, essa romodulao que auxiliam o indivduo a regular,
obra refora que devemos cuidar bem do nosso por si s, sua atividade cerebral.
crebro, para que possamos ter uma boa sade
mental.
35
Teixeira, A. L., Diniz, B. S. O. e Malloy-Diniz, L. F. dade, um quadro chamado Discalculia do De-
(2017) Psicogeriatria na Prtica Clnica. So Paulo: senvolvimento. Flvia Heloisa dos Santos traz,
Pearson. nesse livro, uma explanao aprofundada sobre
O Envelhecimento populacional trouxe tambm este transtorno de aprendizagem, descrevendo
consequncias importantes para as prticas questes importantes para avaliao e interven-
na rea da sade. Os transtornos neuropsiqui- es. De interesse para Neuropsiclogos, Neuro-
tricos acometem um nmero substancial de logistas, Psiquiatras, Fonoaudilogos, Terapeu-
idosos, sendo necessrio que profissionais de tas Ocupacionais e profissionais de educao, o
sade refinem suas prticas de diagnstico e livro traz uma oportunidade mpar de atualiza-
tratamento direcionados populao geritrica. o sobre o tema.
De interesse para Neuropsiclogos, Psiquiatras,
Neurologistas e Geriatras, no livro h contribui- Julio-Costa, A. Antunes, A. M. (2016) Transtorno do
es de diversos autores, vindos das mais diver- Espectro Autista na Prtica Clnica. So Paulo: Pe-
sas disciplinas da rea de sade. arson.
Os mitos e tabus encontrados por profissio-
Zimmermann, N., Kochhann, R., Gonalves, H., nais de sade e educao no tocante ao tema
Fonseca, R. P. (2016) Como Escrever um Laudo Neu- Autismo trazem dificuldades importantes na
ropsicolgico? So Paulo: Pearson. abordagem clnica do transtorno. A despeito
Escrito por um dos grupos mais experientes em disso, os avanos nos ltimos anos na compre-
neuropsicologia clnica no Brasil, esse livro in- enso daqueles quadros abarcados sob o con-
dispensvel para o neuropsiclogo. O livro apre- ceito de Espectro Autista trazem, a pacientes e
senta de forma didtica, com exemplos prticos, familiares, novas oportunidades de tratamento
o caminho das pedras para a elaborao de lau- e maximizao funcional. No livro Transtorno do
dos informativos e bem fundamentados, repor- Espectro Autista na Prtica Clnica, as autoras
tando os achados de um exame neuropsicolgi- apresentam o estado da arte sobre diagnstico
co. Como elaborar um laudo neuropsicolgico? e intervenes com pacientes que apresentam
indicado tanto para os profissionais que esto esse diagnstico.
iniciando a carreira, como para aqueles que j
atuam na rea.
Antdoto contra as pseudoneurocincias:
Serafim, A. P., Saffi, F., Marques, N., Ach, M. F. & Oli-
veira, M. Avaliao Neuropsicolgica no Contexto Ekuni, R., Zeggio, L., Bueno, O. F. A., editors. Caa-
Forense. So Paulo: Pearson. dores de Neuromitos: o que voc sabe sobre seu c-
Uma das reas mais importantes da neuropsi- rebro verdade? So Paulo: Editora Memnon.
cologia a sua vertente forense. Como avaliar a Com o avano das neurocincias, tudo o que diz
cognio e o comportamento para fins judiciais, respeito a elas passou a exercer grande fascnio
respondendo de forma tcnica s perguntas ela- sobre as pessoas. O problema que, dentre os
boradas pelos profissionais do Direito? Determi- achados cientificamente legtimos, muitas bo-
nar responsabilidade, competncias, identificar bagens tambm passaram a ser divulgadas equi-
prejuzos funcionais decorrentes de prticas la- vocadamente como fruto de pesquisas acerca
borais dentre vrios outros temas, muitas vezes do funcionamento do nosso crebro. Algumas
requer o exame neuropsicolgico como ferra- dessas falcias tornaram-se amplamente co-
menta protagonista. Organizado pelos pioneiros nhecidas e so aqui chamadas de neuromitos.
na rea de Neuropsicologia Forense no Brasil, o Nesse livro, a verdade sobre eles revelada de
livro pea fundamental na formao de todo es- forma acessvel e divertida.
pecialista na rea.
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