493 1874 1 PB
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6
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8 6
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5
1236351668512356
Histria
da Historiografia
issn 1983-9928
Conselho Executivo (2011-2013)
Arthur Alfaix Assis (UnB . Braslia . DF . Brasil)
Julio Bentivoglio (UFES . Vitria . ES . Brasil)
Rebeca Gontijo (UFRRJ . Seropdica . RJ . Brasil)
Conselho Editorial
Arthur Alfaix Assis (UnB . Braslia . DF . Brasil)
Claudia Beltro (UNIRIO . Rio de Janeiro . RJ . Brasil)
Durval Muniz de Albuquerque (UFRN . Natal . RN . Brasil)
Estevo de Rezende Martins (UnB . Braslia . DF . Brasil)
Helena Mollo (UFOP . Mariana . MG . Brasil)
Julio Bentivoglio (UFES . Vitria . ES . Brasil)
Lucia Maria Paschoal Guimares (UERJ . Rio de Janeiro . RJ . Brasil)
Pedro Spinola Pereira Caldas (UNIRIO . Rio de Janeiro . RJ . Brasil)
Raquel Glezer (USP . So Paulo . SP . Brasil)
Rebeca Gontijo (UFRRJ . Seropdica . RJ . Brasil)
Ricardo Salles (UNIRIO . Rio de Janeiro . RJ . Brasil)
Srgio da Mata (UFOP . Mariana . MG . Brasil)
Temstocles Cezar (UFRGS . Porto Alegre . RS . Brasil)
Valdei Lopes de Araujo (UFOP . Mariana . MG . Brasil)
Conselho Consultivo
Astor Diehl (UPF . Passo Fundo . RS . Brasil)
Carlos Fico (UFRJ . Rio de Janeiro . RJ . Brasil)
Carlos Oiti (UFG . Gois . GO . Brasil)
Cssio Fernandes (UNIFESP . Guarulhos . SP . Brasil)
Denis Bernardes (UFPE . Recife . PE . Brasil)
Edgar De Decca (UNICAMP . Campinas . SP . Brasil)
Eliana Dutra (UFMG . Belo Horizonte . MG . Brasil)
Ewa Domanska (Adam Mickiewicz University . Pozna . Polnia)
Fabio Wasserman (UBA . Buenos Aires . Argentina)
Fernando Catroga (Universidade de Coimbra . Coimbra . Portugal)
Fernando Nicolazzi (UFRGS . Porto Alegre . RS . Brasil)
Francisco Murari Pires (USP . So Paulo . SP . Brasil)
Franois Hartog (EHESS . Paris . Frana)
Frederico de Castro Neves (UFC . Fortaleza . CE . Brasil)
Guillermo Zermeo Padilla (Colegio del Mxico . Cidade do Mxico . Mxico)
Hans Ulrich Gumbrecht (Stanford University . Stanford . Estados Unidos)
Hayden White (Stanford University . Stanford . Estados Unidos)
Iris Kantor (USP . So Paulo . SP . Brasil)
Jos Carlos Reis (UFMG . Belo Horizonte . MG . Brasil)
Jrn Rsen (KI/ UWH . Witten . Alemanha)
Jurandir Malerba (PUC-RS . Porto Alegre . RS . Brasil)
Keila Grinberg (UNIRIO . Rio de Janeiro . RJ . Brasil)
Luiz Costa Lima (PUC-Rio/UERJ . Rio de Janeiro . RJ . Brasil)
Manoel Salgado Guimares - in memoriam (UFRJ . Rio de Janeiro . RJ . Brasil)
Marco Morel (UERJ . Rio de Janeiro . RJ . Brasil)
Marlon Salomon (UFG . Goinia . GO . Brasil)
Pascal Payen (Universit de Toulouse II - Le Mirail . Toulouse . Frana)
Pedro Meira Monteiro (Princeton University . Princeton . Estados Unidos)
Sanjay Seth (University of London . Londres . Reino Unido)
Srgio Campos Matos (Universidade de Lisboa . Lisboa . Portugal)
Silvia Petersen (UFRGS . Porto Alegre . RS . Brasil)
Secretaria
Flvia Florentino Varella (UFRGS . Porto Alegre . RS . Brasil)
Realizao
Sociedade Brasileira de Teoria e Histria da Historiografia (SBTHH)
Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade Estadual Federal do Rio de Janeiro (UNIRIO)
Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)
Apoio
Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG)
Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)
Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA)
Conselho Nacional de Desenvolvimento Cintifico e Tecnolgico/ Coodenao de Aperfeioamento de
Pessoal de Nvel Superior (CNPq/CAPES)
Fundao Carlos Chagas Filho de Amparo Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ)
Contato
Avenida Ipiranga, 8799/307 - Jardim Botnico Porto Alegre - RS 91530-001 Brasil
www.ichs.ufop.br/rhh [email protected] (31) 3557-9400
Misso
Histria da Historiografia publica artigos, resenhas, entrevistas, textos e documentos historiogrficos
de interesse para os campos da histria da historiografia, teoria da histria e reas afins. Tem por
misses divulgar textos de teoria da histria e histria da historiografia, e promover o intercmbio de
ideias e resultados de pesquisas entre investigadores dessas duas reas correlatas. Num momento em
que, no cenrio brasileiro, o crescimento do nmero de peridicos cientficos apenas espelha (se bem
que de forma algo distorcida) a ampliao dos programas de ps-graduao, consenso que o prximo
passo a ser dado o da verticalizao e especializao do perfil das publicaes. HH foi fundada em
2008 exatamente a partir desse diagnstico, e pretende estabelecer-se como uma referncia para
os estudiosos das reas de teoria da histria e histria da historiografia no mundo de lngua
portuguesa. O peridico uma publicao da Sociedade Brasileira de Teoria e Histria da
Historiografia, do Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade Federal do Estado do Rio
de Janeiro e do Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade Federal de Ouro Preto.
Ficha Catalogrfica
Quadrimestral
ISSN 1983-9928
1. Histria - Peridicos
CDU 930(05)
EDITORIAL 7
EDITORIAL
DOSSI
DOSSIER
Histria e biografia: aproximaes, desafios e implicaes tericas no campo historiogrfico
History and biography: approaches, challenges and theoretical implications in the
historiographical field
Apresentao
Introduction
Mrcia de Almeida Gonalves e Maria da Glria de Oliveira
10
Entretien avec Sabina Loriga: la biographie comme un problme
Interview with Sabina Loriga: the biography as a problem
Adriana Barreto de Souza e Fbio Henrique Lopes
14
Entrevista com Sabina Loriga: a biografia como problema
Interview with Sabina Loriga: the biography as a problem
Adriana Barreto de Souza e Fbio Henrique Lopes
26
A escrita da histria e os ensaios biogrficos em Hannah Arendt
The writing of history and the biographical essays in Hannah Arendt
Renata Torres Schittino
38
O retorno do indivduo como objeto da histria:
reflexes luz da teoria semitica
The return of the individual as object of history: reflections from the semiotic perspective
57
Eliane Misiak
Historiador do imediato
Historian of the immediate
BLOCH, Marc. A estranha derrota. Rio de Janeiro: Zahar, 2011, 170 p.
255
Jorge Lucas Simes Minella
As intenes hobbesianas:
Quentin Skinner e o estudo da poltica
The Hobbesian intentions: Quentin Skinner and the study of politics
SKINNER, Quentin. Hobbes e a liberdade republicana. So Paulo: Editora Unesp, 2010, 214 p.
Thiago Rodrigo Nappi
272
A atualidade de Garrett
Garretts modernity
MONTEIRO, Oflia Paiva. Estudos garrettianos. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2010, 279 p.
Maria de Ftima Marinho
278
Um outro intelectual:
perspectivas historiogrficas contemporneas
Another intellectual: contemporary historiographical perspectives
AZEVEDO, Ceclia; ROLLEMBERG, Denise; KAUSS, Paulo; BICALHO, Maria Fernanda Baptista;
284
QUADRAT, Samantha Viz (orgs). Cultura poltica, memria e historiografia. Rio de Janeiro:
Fundao Getlio Vargas, 2009, 544 p.
Francisco Martinho
Os editores
Arthur Alfaix Assis (UnB)
Julio Bentivoglio (UFES)
Rebeca Gontijo (UFRRJ)
Introduction
Mrcia de Almeida Gonalves
[email protected]
Professora adjunta
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Rua So Francisco Xavier, 524 Maracan
20550-900 Rio de Janeiro RJ
Brasil
Maria da Glria de Oliveira
[email protected]
Professora adjunta
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
BR 465, Km 7 Seropdica
23890-000 Seropdica RJ
Brasil
Referncias bibliogrficas
ARFUCH, Leonor. O espao biogrfico: dilemas da subjetividade
contempornea. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2010.
CARLYLE, Thomas. Os heris. 2 ed. So Paulo: Melhoramentos, 1963.
MOMIGLIANO, Arnaldo. Les origines de la biographie em Grce ancienne.
Paris: Strasburg: Circ, 1971.
REVEL, Jacques. A biografia como problema historiogrfico. In:_____. Histria e
historiografia: exerccios crticos. Curitiba: Ed. UFPR, 2010, p. 235-248. 13
SARLO, Beatriz. Tiempo pasado: cultura de la memria y giro subjetivo. Buenos
Aires: Siglo XXI Editores Argentina, 2005.
WOOLF, Virginia. The art of biography. Atlantic Monthly, April, 1939.
Mots-cls
Biographie; Histoire; Historiographie.
Keywords
14 Biography; History; Historiography.
*
Lentretien a t traduite du franais par Clinio de Oliveira Amaral (UFRRJ) et par Ana Carolina Lima
Almeida (UFF). Les notes ont t faites par Rebeca Gontijo (UFRRJ) et par Maria da Glria de Oliveira
(UFRRJ).
1
Le film Rashomn, dont le ralisateur est Akira Kurosawa qui avait aussi adapt le scnario, a t
lanc au Japon en 1950.
2
Sabina Loriga fait allusion la confrence quelle a ralise lUniversit Fdral Rural du Rio de
Janeiro, Seropdica, le 6 octobre 2011, dont le titre avait t Le moi de lhistorien, puis prononc
le 10 octobre lUniversit Fdral do Rio Grande do Sul.
3
Il sagit de larticle (indit) de Loriga, Le moi de lhistorien, il y en aura une version en franais et
une version en portugais. On le trouvera dans la section livre de la revue Histria da Historiografia
dans le n 10, dcembre 2012, [ paratre].
apparat bien pauvre, car il sagit, dans la plupart des cas, de pices uniques qui
ne relvent ni dune cole ni dun courant. Il ny a pas de continuit ou de
cohrence entre eux, mais ils partagent au moins deux convictions. Ils croient
avant tout que le monde historique est cratif, productif, et que cette qualit ne
repose pas sur un principe absolu, transcendant ou immanent laction humaine,
mais quelle procde de laction rciproque des individus. Par voie de consquence,
ils ne prsentent pas la socit comme une totalit sociale indpendante (un
systme ou une structure impersonnelle suprieure aux individus et qui les
domine), mais comme une uvre commune. On pourrait parler dinteraction,
mais je tiens prciser que, pour ces auteurs, linteraction nest pas seulement
forme de ces mortels de chair et dos parents, voisins de palier, collgues de
travail , ce que le jargon sociologique dnomme lautre situationnel et qui
peuplent aujourdhui tant de commentaires sur le network analysis. Elle se nourrit
galement de figures idales, voire imaginaires, comme le sont Promthe,
Antigone, Hamlet, Faust et Sancho Pana, Tartuffe ou M. Pickwick. De figures
historiques aussi: Luther, Frdric le Grand ou Goethe.
5. Fbio Henrique Lopes: Nous savons que cest au cours du XIXe et XXe sicles
que la biographie a t condamne et mme considre marginale parce quelle
privilgiait lindividuel au lieu du collectif. votre avis, aujourdhui, comment le
dbat historiographique peut-il rsoudre cette question? Dautre part, peut-on
continuer mettre en vidence lopposition existante entre lindividuel et le
collectif puis les faits de rptitions, les rgularits et limpersonnel, lunique
ds lors que lon se penche sur la recherche, la rflexion et la narrative
biographiques?
6. FHL: Nous savons que cest au cours du XIXe et XXe sicles que la biographie
a t condamne et mme considre marginale parce quelle privilgiait
lindividuel au lieu du collectif. votre avis, aujourdhui, comment le dbat
historiographique peut-il rsoudre cette question?
Sabina Loriga: Je ne suis pas sre quon puisse la rsoudre, mais il faut
commencer y rflchir. Jai ouvert une rflexion sur les raisons qui ont amen
la dpersonnalisation de lhistoire et la dsertification du pass.
Personnellement, jai travaill sur le paysage intellectuel, mais je pense quon
doit sinterroger davantage sur les raisons sociales et politiques qui ont produit
cette dpersonnalisation. Dans mon livre, je suggre quelle a faire des
transformations politiques importantes, comme limpact du bonapartisme ou
19
laffirmation politique des masses, mais ces ne sont que des suggestions. Cest
une vraie lacune qui sera, je lespre, bientt comble par dautres recherches.
maturit, le dclin et la mort. Mais cela nimplique pas que la biographie doive
ncessairement reposer sur une trame chronologique. Il suffit de penser
Plutarque qui met avant tout laccent sur le caractre et les qualits morales du
personnage plutt que sur sa vie. Pour sa part, au dbut du XXe sicle, le grand
biographe Lytton Strachey prfre une narration symptomatique, sappuyant
essentiellement sur des moments cls (les conversions, les traumatismes, les
crises conomiques, les sparations affectives). Il nexiste aucune rgle formelle
en ce domaine, pas mme lgard des caractristiques individuelles. Des
nombreux biographes les exaltent; mais quelques-uns les minorent au profit
des ressemblances, dans lespoir de reprsenter un type moyen, ordinaire (dans
le domaine de la biographie littraire, tel est le cas de Giuseppe Pontiggia qui
corrige les individualits et les met mme en sries). Je veux dire quune rponse
fonde sur les disciplines ou les genres (histoire, littrature et biographie) me
semble insuffisante. Peut-tre serait-il convenable de rflchir davantage sur
les changes, les transferts existant entre ces disciplines et ces genres.
20 pas t envisages en tant que documents biographiques qui peuvent tre trs
riches dun point de vue biographique par exemple, les procs, les sources du
tribunal. Il suffit de penser Carlo Ginzburg, qui a utilis la documentation de
lInquisition pour comprendre la manire de penser dun meunier frioulan du
XVIe sicle (GINZBURG 1980) ou au Retour de Martin Guerre, de Natalie Zemon
Davis (DAVIS 1983).
9. ABS: Jai pens maintenant votre doctorat: est-ce que vous pourriez
dvelopper des rapports entre vos tudes sur la biographie et la notion
dexprience militaire que vous avez utilise dans votre thse?
Sabina Loriga: Oui, sans aucun doute lide dexprience a jou un rle
fondamental dans mes recherches. Je suis assez infidle en ce qui concerne les
thmes de recherche, par contre il y a une forte continuit en ce qui concerne
les interrogations. Donc, je crois quil y a beaucoup de thmes et de questions
qui traversent le livre sur larme et celui sur la biographie et lhistoire. Deux
questions, en particulier, y reviennent. Dune part, celle de la dpendance: dans
Soldats (LORIGA 2007), javais dvelopp lide de formules de dpendance ,
partir de luvre de Norbert Elias, pour souligner la ncessit de comprendre
les raisons pour lesquelles les individus avaient besoin et dpendaient de
linstitution militaire; dans Le Petit X (LORIGA 2010), je me suis appuye sur la
rflexion de Humboldt, Dilthey ou Otto Hintze pour mettre en lumire les liens
existant entre la dpendance et lautonomie personnelle. Une autre continuit
10. FHL: votre avis, la biographie est-elle ncessairement une forme dcriture
et dexplication historique?
Sabina Loriga: En effet, jai du mal rpondre cette question, car je nai
jamais crit de biographie et peut-tre je nen crirais pas. Je dois dire que je
suis intresse lhistoire biographique, plutt qu la biographie. Dans les
dernires annes, il y a eu une redcouverte importante de la biographie. Cest
un phnomne positif, mais je pense quil y a un danger. Le danger cest de
penser que la biographie peut tre une solution pour lhistoire. Je ny crois
absolument pas, cest--dire, je ne cherche pas dans la biographie une rponse
lhistoire. Dans lintroduction de mon livre, je dis que, si je devais rsumer en
quelques mots ce que jai fait au cours de ces dernires annes, peut-tre
pourrais-je dire que jai recueilli des penses pour peupler le pass. Ma question
de fond concernait les manires pour restituer la pluralit du pass. Cest
seulement en peuplant le pass, en lui restituant ses diffrentes voix, que nous
pouvons cultiver la dimension thique de lhistoire. Je parle dthique, pas de
morale. Je ne suis pas intresse donner des jugements moraux. Il me semble
important de saisir les angoisses et les incertitudes du choix. Cest le ct
dramatique de lhistoire le drame de la libert . Cest une dimension
laquelle je tiens normment et il me semble que la dimension biographique
peut aider introduire cette tension dramatique.
21
11. ABS: Dans votre livre, vous soulignez comment le pril du relativisme en
gnral associ lhistoriographie dite postmoderne, dinspiration nietzschenne
est galement inhrent une lecture impersonnelle de lhistoire qui a
lintention de dcrire la ralit par le biais des rapports de pouvoir anonymes.
Pourriez-vous dvelopper cette ide?
Sabina Loriga: Oui, beaucoup. Je ne sais pas si jai russi exprimer combien
cette exprience ma chang. Cest lun des doutes que jai a posteriori par
rapport mon livre: je sais quen lcrivant jai beaucoup chang; mais je ne
sais pas si jai t capable de restituer tout ce que jai pu comprendre pendant
cette exprience. Elle ma donn, en mme temps, un sentiment de libert et
de limitation. De libert, car, grce elle, jai pu dpasser les deux utopies dont
jai parl au dbut de notre conversation, celle de la reprsentativit et celle
naturaliste. Je pourrais dire que, grce Humboldt et Dilthey, jai compris que
lenjeu pour lhistorien ne rside ni dans le gnral ni dans le particulier, mais bien
dans leur connexion. savoir que lhistoire est une connaissance hermneutique,
fonde sur la circulation, pas forcement vicieuse, entre les parties et le tout. Le
savoir gnral ne peut tre difi qu partir de la comprhension des lments
singuliers. Toutefois, ces lments sont loin de soffrir une lecture directe:
lintelligence intgrale du particulier suppose toujours la connaissance du gnral
sous lequel il est compris. Entre les deux lments le singulier et le gnral il
y a une relation de construction et de comprhension rciproque. Mais la rflexion
sur lhistoriographie du XIXe sicle a t aussi un travail sur les limites de la
connaissance historique, une manire pour faire le deuil de lide de rsurrection
du pass. On ne peut accder au pass que dune manire indirecte, travers des
22 images forcment fragmentaires et inacheves. De ce point de vue, le travail de
lhistoire est interminable et perptuellement ouvert le doute est indpassable.
Sabina Loriga: Jai deux projets diffrents. Dune part, sur le plan individuel, jai
entam une recherche sur les transformations de larchitecture temporelle
dans la seconde moiti du XIXe sicle. Loin dtre un phnomne neutre, le
temps demeure toujours une cl essentielle de la confrontation politique et
culturelle, quil sagisse des faons de le scander, des manires de le concevoir,
des rgimes de temporalits. Ceci est davantage vrai durant cette priode, au
cours de laquelle une srie de processus dintensit diverse ont soumis lindividu
une discipline temporelle. La mcanisation du travail en usine, qui a induit une
rglementation plus stricte du temps ( commencer par le partage entre le
temps de travail et le temps libre et, par la suite, le temps pour soi), et le
chronomtrage (avec linjonction de la prcision horaire et lassignation de chaque
squence temporelle une activit dsigne) ont t lobjet de nombreuses
tudes. Je suis intresse davantage la standardisation et la globalisation
progressive du temps, ralise avec lintroduction du Standard time, qui a tabli
lactuel systme des fuseaux horaires centr sur le mridien de Greenwich. Il
sagit dun phnomne majeur de la politique du temps (aprs linvention de
lhorloge mcanique au XIVe sicle), car le temps-monde a pris le pas sur une
myriade de temps locaux: on pourrait dire quun grand temps unique a envelopp
toute la ralit. Cette nouvelle organisation institutionnelle du temps nest en
rien neutre politiquement. Forte de sa fonction dintgration et de coordination,
elle a jou un rle hirarchisant dans les rapports sociaux et dans les relations
entre les tats et les aires culturelles.
Dautre part, depuis dix ans, janime, avec Olivier Abel et dautres collgues,
un sminaire visant tisser un dialogue entre les philosophes et les historiens.
Notre rflexion commune a commenc, en dcembre 2000, lorsque nous avons
organis un colloque autour du livre de Paul Ricur, La mmoire, lhistoire,
loubli (RICOEUR 2000). Ensuite, nous avons approfondi ce dialogue, dans la
conviction que le pass ne concerne pas seulement les historiens, et ne peut
pas tre un objet monopolis par eux, et quil est indispensable dinterroger
ensemble la dimension thique du rapport au pass, car cest une condition du
lien social et, en mme temps, du dissensus civique.
Dans le cadre de ce projet collectif, nous avons cr un atelier
international sur les usages publics du pass. Notre programme de recherche
se fonde, en particulier, sur trois considrations complmentaires. La premire
concerne ce quon pourrait appeler la gographie des affaires: il nous semble
essentiel daller au del de la dimension nationale et denvisager des formes
dinternationalisation, voire de globalisation. La deuxime considration touche
la conformation de lespace public: les rflexions rcentes sur les usages
politiques du pass ont souvent t marques par la nostalgie dun prtendu
ge dor (sans doute largement surestim) dans lequel le pass aurait t
rserv aux seuls historiens; il serait convenable de dpasser ce point de
23
vue et de se donner les moyens danalyser les processus de communication
et les transformations contemporaines de lespace public. La dernire
considration concerne la confrontation avec dautres formes de connaissance
du pass: il nous semble quil serait utile denvisager de manire plus
systmatique dautres vecteurs de la mmoire sociale, tels que la littrature
et le cinma. Afin davoir un espace de rflexion commun, nous avons conu
un web site, qui a t ouvert en novembre 2010.4
Nous comptons galement dorganiser chaque anne, deux ou trois
journes dtude sur un thme spcifique. Les journes prvues en juin 2012
sappellent: La question du trauma dans linterprtation du pass . Le concept
de trauma, ou de traumatisme, qui a toujours t central au sein de lappareil
thorique de la psychanalyse, survient de plus en plus hors du champ clinique,
dans les tentatives de transmettre lexprience des survivants ainsi que des
victimes indirectes des expriences gnocidaires du XXe sicle. Accept par les
sciences sociales, le concept de trauma nourrit galement de nombreux textes
littraires ainsi que des uvres darts. Sans doute, est-on devenu plus sensible
la manire dont certains vnements historiques perturbent gravement les
capacits de symbolisation des individus, attaquant leur capacit de pense.
4
Cf.: http://ehess.dynamiques.fr/usagesdupasse.
Bibliographie
BERLIN, Isaiah. De la ncessit historique. In: _____. loge de la libert. Paris:
Calmann-Lvy, 1988.
BOURDIEU, Pierre. Lillusion biographique. Actes de la Recherche en Sciences
Sociales, vol. 62/63, p. 69-72, juin, 1986.
CARLYLE, Thomas. Les Hros. Paris: Maisonneuve & Larose; Paris: ditions de
Deux Mondes, 1998.
DAVIS, Nathalie Zemon. Le retour de Martin Guerre. Prface de Carlo Ginzburg.
[Paris]: Jai Lu, 1983.
DELACROIX, Christian. Linguistic turn. In: _____ et al (dir.). Historiographies
24 I: concepts et dbats. Paris: ditions Gallimard, 2010, p. 476-490.
GINZBURG, Carlo. Le fromage et les vers: lunivers dun meunier du XVIe
sicle. Trad. Monique Aymard. Paris: Flammarion, 1980.
LORIGA, Sabina. Lpreuve militaire. In: LEVI, Giovanni; SCHMITT, Jean-Claude
(dir.). Histoire des Jeunes en Occident. Paris: Seuil, 1996a.
________. In: REVEL, Jacques. Jeux dchelles: la micro-analyse lexprience.
Paris: Gallimard;Paris: ditions du Seuil, 1996b, p. 15-36.
________. Ser historiador hoje. Traduo de Eliane Cezar. Histria: debates e
tendncias, vol. 4, n. 1, julho 2003a, p. 23-35.
________. Entrevista com Sabina Loriga: a histria biogrfica, realizada por
Benito Bisso Schmidt em junho de 2002. Traduo de Benito Bisso Schmidt,
reviso de Flvio Heinz. Mtis: histria e cultura, vol. 2, n. 3, jan./jun.
2003b, p. 11-22.
________. Soldats: un laboratoire interdisciplinaire: larme pimontaise au
XVIIIe sicle. Paris: Les Belles Lettres, 2007.
________. A imagem do historiador, entre erudio e impostura. In: PATRIOTA,
Rosangela; PESAVENTO, Sandra Jatahy (orgs.). Imagens na histria.
So Paulo: Hucitec, 2008.
25
Palavras-chave
Biografia; Histria; Historiografia.
Keywords
Biography; History; Historiography.
26
J conhecida no Brasil, com destacada produo bibliogrfica, Sabina Loriga
diretora de estudos na cole des Hautes tudes en Sciences Sociales (EHESS-
Paris) e responsvel pelo Atelier internacional de recherches sur les usages
publics du pass. Atualmente, dirige com Jacques Revel um programa de
investigao sobre a Linguistic turn. Alm disso, ela e outros pesquisadores
ministram o seminrio Tempo, memrias e histria na EHESS.
Sabina Loriga orientadora de vrios temas de pesquisa, isto , acerca
das relaes entre a histria e a biografia, a histria e a memria, o uso pblico
do passado e a construo do tempo histrico. Parte de seus estudos foi
traduzida para outros idiomas alemo, ingls, italiano e portugus. Da sua
produo recente, destacamos o livro Le Petit x: de la biographie lhistoire
(LORIGA 2010a), que foi traduzido em portugus com o ttulo O pequeno x:
da biografia histria. O livro integra a coleo Histria e historiografia, da
editora Autntica (LORIGA 2011).
*
A entrevista foi traduzida do francs por Clinio de Oliveira Amaral (UFRRJ) e por Ana Carolina Almeida
(UFF). As notas so de Rebeca Gontijo (UFRRJ) e Maria da Glria de Oliveira (UFRRJ).
1
O filme Rashomon, dirigido por Akira Kurosawa que tambm fez a adaptao do texto para transform-
-lo em roteiro, foi lanado em 1950 no Japo.
curso das ltimas dcadas. No entanto, acredito que uma relao mais profunda
com a tradio s pode enriquecer nossas possibilidades de experimentao.
Sabina Loriga: A fronteira que separa a histria da biografia foi sempre bastante
contrastada, e ns podemos encontrar, em todas as pocas, historiadores que
esperaram uma separao definitiva entre elas. Mas, na realidade, o fosso
entre os dois gneros se aprofundou, sobretudo, ao longo do sculo XIX, quando
o pensamento histrico atinge seu apogeu. Eu gostaria de sublinhar dois
momentos-chave que encorajaram uma separao definitiva. O primeiro remonta
ao fim do sculo XVIII e ao incio do sculo XIX e est ligado, sobretudo, ao
sucesso e ao impacto da histria filosfica, enquanto que o segundo momento,
que foi desencadeado nas ltimas dcadas do sculo XIX pelos historiadores,
atinge o seio da histria e coincide com o divrcio entre a histria social e a
histria poltica. Nessa poca, alguns historiadores desejaram abandonar as
vestes da reflexo moral para endossar aquelas, mais novas e mais brilhantes,
das cincias sociais, modeladas no exemplo das cincias da natureza. Na tentativa
de aplicar o princpio da causalidade aos fenmenos sociais, sacrificaram tudo
aquilo que singular ou nico: os indivduos no so pensados como seres
particulares, dotados de um carter singular, distinto, nem mesmo como seres
29
capazes de agir sobre o curso da histria, mas como exemplares equivalentes
entre si, submissos apenas dominao do grupo (classe, nao etc). Eu
acrescentaria a propsito do seminrio de ontem2 que a desertificao do
passado implicava, ainda, a ideia de que o historiador deveria apagar a sua
prpria subjetividade. Houve, ento, uma dupla despersonalizao: a do passado
e a do historiador, que pode falar como especialista, como perito, nunca como
autor. Felizmente, tambm houve vrias resistncias a esse processo de
despersonalizao. Foi por essa razo que me pareceu importante voltar a
alguns autores, os quais, durante o sculo XIX, se esforaram para salvaguardar
a dimenso individual da histria. Os autores que eu estudei durante muito
tempo so: historiadores (alm de Thomas Carlyle, principalmente autores
alemes, de Wilhelm von Humboldt a Friedrich Meinecke), um historiador da
arte (Jakob Burckhardt), um filsofo (Wilhelm Dilthey) e um escritor (Lon Tolsto).3
Na realidade, a definio disciplinar aparece bem pobre, porque se trata, na maior
parte dos casos, de peas nicas, que no se constituem nem como uma
2
Sabina Loriga refere-se conferncia que ministrou na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro,
em Seropdica, no dia 6 de outubro de 2011, intitulada Le moi de lhistorien, tambm proferida no
dia 10 de outubro do mesmo ano, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
3
Trata-se do artigo indito de Sabina Loriga, O eu do historiador, com verses em francs e em
portugus que sero incluidas na seo livre do nmero 10 da revista Histria da Historiografia, a ser
lanado em dezembro de 2012.
5. Fbio Henrique Lopes: Ns sabemos que foi no curso dos sculos XIX e XX
que a biografia foi condenada e mesmo considerada marginal, porque
privilegiava o individual em vez do coletivo. Em sua opinio, como atualmente
o debate historiogrfico pode resolver essa questo? De outro lado, podemos
continuar a evidenciar a oposio existente entre o indivduo e o coletivo,
depois entre os fatos de repeties, as regularidades e o impessoal, o nico
uma vez que nos voltamos para a pesquisa, a reflexo e a narrativa biogrficas?
Sabina Loriga: Eu comeo pelo fim de sua questo. Parece-me que, na reflexo
do sculo XIX, h entendimentos capazes de nos ajudar a ultrapassar o
pensamento dicotmico (a expresso de Norbert Elias), opondo o indivduo
sociedade. No decorrer do sculo XX, o contraste entre o individual e o social,
frequentemente, foi fixado, mumificado, em duas no verdades opostas: uma
escolha deve ser feita em favor seja do indivduo, seja do coletivo. Em
contrapartida, na reflexo precedente, eu cruzei com figuras complexas,
ambivalentes e sensveis tais como o eu que aspira ao tu, de Humboldt, a
pessoa tica, de Droysen, o homem patolgico, de Burckhardt; cada uma,
sua maneira, preserva-nos de uma viso individualista do indivduo , e da
biografia. Porm, esqueci, talvez, a primeira parte de sua questo
6. FHL: Ns sabemos que foi no curso dos sculos XIX e XX que a biografia foi
condenada e mesmo considerada marginal, porque privilegiava o individual em
vez do coletivo. Em sua opinio, como atualmente o debate historiogrfico
pode resolver essa questo?
Sabina Loriga: Sim, sem dvida alguma, a ideia de experincia teve um papel
fundamental nas minhas pesquisas. Eu sou bastante infiel em relao aos temas
de pesquisa, no entanto, h uma forte continuidade no que diz respeito s
interrrogaes. Por isso, creio que existam muitos temas e questes que
perpassam o livro sobre o exrcito e este sobre a biografia e a histria. Em
particular, duas questes so retomadas neste livro. De um lado, a da
dependncia: em Soldats (LORIGA 2007), havia desenvolvido a ideia de frmulas
de dependncia, com base na obra de Norbert Elias, para sublinhar a necessidade
de compreender as razes pelas quais os indivduos tinham necessidade e
dependiam da instituio militar. Em O pequeno x (LORIGA 2011), eu me apoiei
na reflexo de Humboldt, Dilthey ou Otto Hintze para evidenciar as ligaes
existentes entre a dependncia e a autonomia pessoal. Uma outra continuidade
diz respeito ao tema da experincia: no primeiro livro, tratava-se da experincia
militar, no segundo, trata-se simplesmente da ideia de experincia histrica.
De outro lado, h dez anos, eu ministro, com Olivier Abel e outros colegas,
um seminrio que visa a estabelecer um dilogo entre os filsofos e os
historiadores. Nossa reflexo comum comeou em dezembro de 2000, quando
organizamos um colquio em torno do livro de Paul Ricur, A memria, a
histria, o esquecimento (RICOEUR 2007). Em seguida, aprofundamos esse
dilogo convictos de que o passado no diz respeito apenas aos historiadores,
que no pode ser um objeto monopolizado por eles e que indispensvel
interrogar, conjuntamente, a dimenso tica da relao com o passado, porque
uma condio do elo social e, ao mesmo tempo, da dissenso cvica.
No quadro desse projeto coletivo, criamos um ateli internacional sobre
os usos pblicos do passado. Nosso programa de pesquisa funda-se, em particular,
sobre trs consideraes complementares. A primeira diz respeito ao que
poderamos chamar de geografia dos negcios. Parece-nos essencial ir alm da
dimenso nacional e considerar as formas de internacionalizao, e mesmo de
globalizao. A segunda considerao trata da disposio do espao pblico. As
reflexes recentes sobre as utilizaes polticas do passado foram, frequentemente,
marcadas pela nostalgia de uma pretensa idade de ouro (sem dvida, largamente,
superestimada) na qual o passado teria sido reservado apenas aos historiadores.
Seria conveniente ultrapassar esse ponto de vista e promover meios de analisar
os processos de comunicao e as transformaes contemporneas do espao
pblico. A ltima considerao diz respeito confrontao com outras formas de
conhecimento do passado. Parece-nos que seria til considerar, de maneira mais
sistemtica, outros vetores da memria social, tais como a literatura e o cinema.
A fim de ter um espao de reflexo comum, concebemos um web site que foi
35
colocado na rede em novembro de 2010.4
Temos, igualmente, a inteno de organizar, anualmente, duas ou trs
jornadas de estudos sobre um tema especfico. O ttulo das jornadas previstas
para junho de 2012 : La question du trauma dans linterprtation du pass. O
conceito de trauma, ou de traumatismo, que sempre foi central no seio do
aparelho terico da psicanlise, aparece, cada vez mais, fora do campo clnico
nas tentativas de transmitir a experincia dos sobreviventes assim como das
vtimas indiretas das experincias dos genocdios do sculo XX. Aceito pelas
cincias sociais, o conceito de trauma alimenta, igualmente, numerosos textos
literrios assim como obras de arte. Sem dvida, tornamo-nos mais sensveis
maneira como alguns acontecimentos histricos pertubam, gravemente, as
capacidades de simbolizao dos indivduos, atacando a capacidade de
pensamento deles. No entanto, ao se evidenciar, rapidamente, as ocorrncias
recentes nas cincias sociais, temos, s vezes, a impresso que utilizamos a
noo de trauma (assim como os termos que lhe so, massivamente, ligados:
vtima, luto e resistncia) como se ela fosse portadora de sua prpria explicao.
No teria ocorrido um processo de ampliao impreciso do termo, uma espcie
de banalizao? A fim de abordar essa questo, haver uma srie de
4
Cf.: http://ehess.dynamiques.fr/usagesdupasse
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37
Resumo
A proposta do artigo refletir sobre os ensaios biogrficos produzidos por Hannah Arendt. Trata-se
de buscar compreender porque a autora escreve biografias, e no apenas textos argumentativos,
como usual na prtica filosfica. Teremos em vista, sobretudo, dois de seus esforos mais
contundentes, seu texto sobre Rahel Varnhagen: a vida de uma judia alem na poca do Romantismo
e os ensaios reunidos em Homens em tempos sombrios. A suposio a de que a narrativa de
vidas em Arendt configura-se menos como um mtodo de pesquisa e mais como a elaborao de
uma teoria da histria, a qual parte de uma refutao do conceito moderno de Histria para
defender um novo lao entre ao e narrao.
Palavras-chave
38 Hannah Arendt; Biografia; Narrativas.
Abstract
The aim of this paper is to reflect on the biographical essays written by Hannah Arendt. Its focus
is to understand the reason why the author chose the biographical genre, instead of working
only with the argumentative text, as it is usual in the philosophical practice. We will work with two
of her leading texts on the subject, Rahel Varnhagen: the life of a Jewess, and Men in dark times.
The hypothesis that guides the work is that biographical writing in Arendt means the elaboration
of a theory of history that is incompatible with the modern conception of History, while arguing
about a new connection between action and narration.
Keywords
Hannah Arendt; Biography; Narratives.
Talvez possa surpreender que Hannah Arendt, agora uma filsofa de grande
prestgio, tenha se dedicado a escrever narrativas biogrficas. As mais famosas
delas, reunidas em Homens em tempos sombrios, foram publicadas nos Estados
Unidos em 1968. O livro , na verdade, uma coletnea de artigos de Arendt
sobre vidas de homens e mulheres, figuras pblicas de proeminncia
internacional, como Rosa Luxemburgo, Walter Benjamin, Martin Heidegger, Karl
Jaspers, Giuseppe Rocalli o papa Joo XXIII, Lessing, Bertolt Brecht. Conta
tambm com perfis de autores talvez menos conhecidos no mbito brasileiro,
como a escritora dinamarquesa Isak Dinesen, o poeta Randall Jarell e o crtico
literrio Hermann Broch.
No incio de sua carreira, ainda na Berlim da dcada de 1930, Arendt
trabalhou tambm numa grande pesquisa biogrfica sobre Rahel Varnhagen,
que s seria publicada na dcada de 1970, sob o ttulo, conforme a edio
brasileira mais recente, Rahel Varnhagen: a vida de uma judia alem na poca
do Romantismo.1
Levando em considerao o volume e a importncia do material biogrfico
produzido por Hannah Arendt, parece relevante indagar qual o sentido desse
tipo de escrita na sua obra e no seu pensamento. Pelo menos duas questes
permeiam este trabalho sobre histria e biografia em Arendt. De um lado,
pretende-se entender por que ela escreve biografias, por que narra histrias de
vidas, e no simplesmente, como a maioria dos filsofos, sobretudo os filsofos
alemes de sua gerao, produz textos argumentativos ou tericos. De outro
lado, o presente texto perpassado por questes sobre a construo dos
ensaios biogrficos arendtianos. Pretende, assim, considerar tambm a
39
especificidade do seu estilo biogrfico.
Nunca foi minha inteno escrever um livro sobre Rahel, sobre sua
personalidade, que se poderia emprestar a vrias interpretaes de acordo
com os padres e categorias psicolgicos adotados pelo autor; nem sobre
sua posio no Romantismo e o efeito do culto a Goethe em Berlim, do
qual ela foi verdadeiramente a iniciadora; nem sobre a significao de seu
salo para a histria social do perodo, nem sobre as suas ideias e sua
concepo de mundo (ARENDT 1994, p. 11).
1
possvel notar que em diversos de seus textos, Arendt usa o recurso do ensaio biogrfico e traa
perfis de vida. Um dos seus textos mais importantes, Eichmann em Jerusalm tambm procura
apresentar uma trajetria da vida do ru nazista (ARENDT 1999). Em Origens do totalitarismo,
encontramos, nesse sentido, passagens sobre Disraeli, T. H. Lawrence, Marcel Proust, por exemplo
(ARENDT 2004). Em grande parte de seus ensaios escritos antes de Origens do totalitarismo tambm
encontramos esse anseio (ARENDT 2008).
Viver a vida como se esta fosse uma obra de arte, esse foi o grande erro que
Rahel partilhou com seus contemporneos, ou talvez apenas o autoengano,
que era inevitvel, porque ela desejava compreender e expressar nas categorias
de seu tempo a sua sensao de vida a resoluo de considerar a vida e a
histria que esta impe ao indivduo como mais importantes e mais srias que
a prpria pessoa (ARENDT 1994, p. 12).
2
Sobre a temtica dos sales em Arendt tambm cf. ARENDT 2008, p. 85-92.
3
Pode-se notar que a noo de perda da realidade perpassa toda a obra arendtiana. No estudo sobre
Rahel a autora no havia ainda traado a conceituao mais especfica que aparece na Condio
humana sob a expresso perda do mundo. Nesse ltimo trabalho, Arendt analisa a filosofia cartesiana
e mostra como, na modernidade, o sujeito pensante afasta-se do mundo. O telescpio, instrumento
que marca o advento do moderno aos olhos de Arendt, retira do homem sua certeza sensvel. Para
ver o mundo, o homem precisa olhar atravs do aparato tcnico. O instrumento, por sua vez,
elaborado pelo prprio homem. Seu cerne mais a mente humana que a possibilidade de contato com
o mundo exterior, por isso a tcnica que propicia a capacidade de ver como se estivesse fora do
homem, estaria levando-o mais para longe do mundo e para perto de si mesmo. Sobre a inaugurao
da filosofia da dvida, a autora entende que, o filsofo j no volta as costas a um mundo de
enganosa perecibilidade para encarar outro de verdade eterna, mas volta s costas a ambos e se
recolhe para dentro de si mesmo (ARENDT 2000, p. 306). Na Condio humana, onde traa um
decaimento do poltico desde a Antiguidade tardia at a Modernidade, vemos ainda que o subjugo dos
assuntos humanos a rejeio ou a subvalorao j est em jogo na tradio ocidental pelo menos
desde Plato. Como entende Arendt, a famosa alegoria da caverna, deixa ver muito claramente a
distino e a hierarquizao entre o mundo dos assuntos humanos, um mundo de sombras, e o mundo
das ideias, mundo verdadeiro. Deve-se sublinhar que um ponto fundamental da argumentao
arendtiana sobre a perdada realidade ou sobre a perda do mundo a preocupao com a manuteno
do poltico, do mundo compartilhado pelos homens, mundo que se abre entre eles. Sem o
compartilhamento da realidade, a verdade perde todo o sentido e pode se tornar perigosa, como
Arendt vai perceber ao estudar a perda da realidade no caso totalitrio. Assim, em Rahel, a autora sustenta
que a antecipao de experincias, o conhecimento que precipitada e pretensiosamente converte o futuro
em passado est colocado mais uma vez, parte da histria; no previne nada e se desvanece assim que
a pessoa se rende novamente vida, capitula diante da vida (ARENDT 1994, p. 21-22).
4
Para Arendt, o totalitarismo advm de um declnio do poltico, mas configura-se como uma nova
forma de governo. Nesse sentido, no possvel dizer que o totalitarismo o perodo mais sombrio,
como se fosse simplesmente uma questo de gradao, pois, na concepo arendtiana, no possvel
entender o totalitarismo pela distino de grau de com relao s tiranias e ditaduras (ARENDT 2004).
tal iluminao pode provir, menos das teorias e conceitos, e mais da luz
incerta, bruxuleante e frequentemente fraca que alguns homens e mulheres,
nas suas vidas e obras faro brilhar em quase todas as circunstncias e
irradiaro pelo tempo que lhes foi dado na Terra essa convico se
constitui como o pano de fundo implcito contra o qual se delinearam
esses perfis (ARENDT 2003, p. 9).
Parece que essa iluminao levou Celso Lafer a concluir que as narrativas
reunidas no livro se configuravam como histrias exemplares (LAFER 2003, p.
234). A sugesto pode ser til se ser exemplar no for entendido no sentido de
modelar, pois, em Arendt, a biografia no diz o que fazer. No dita um padro a
ser seguido. No comunga de uma historia magistra vitae tanto quanto no
pretende abarcar a verso moderna do Zietgeist.
Com intuito de entender o que pode significar essa iluminao e essa
exemplaridade, se ficarmos com o termo de Lafer, retomaremos as diretivas
arendtianas sobre a revelao de uma pessoa no mundo.
Na verdade, falar em mundo pblico, em Arendt, quase um pleonasmo.
Para ela, mundo o espao que se abre entre os homens. o que se passa
entre os homens. Mundo, portanto, j comporta uma caracterstica
eminentemente pblica. Por toda a sua obra, a autora insiste em afirmar a
pluralidade de homens e mulheres em contraste com a nfase na Humanidade
ou no mundo como coisa/objeto, cuja existncia independe dos homens. Na
perspectiva arendtiana, o espao pblico que o mundo um espao de
aparncias, onde os homens aparecem uns aos outros, podem ver e ser vistos
44 (ARENDT 2008, p. 35). O espao pblico tem um significado que certamente
vai alm do que se entende normalmente como poltica.
interessante frisar a distino entre os dois grandes marcos histricos
que a autora estuda para demarcarmos as possibilidades da revelao das
pessoas. De um lado, teramos a experincia da plis, como espao de liberdade
e realizao poltica, espao no qual os homens podem se relacionar entre si
como iguais e diferentes. So iguais porque esto livres das necessidades
biolgicas e sociais. A diferena, por sua vez, provm da possibilidade de demarcar
quem so, revelando-se uns aos outros. De outro lado, no extremo oposto,
h a terrvel experincia do totalitarismo, que, na configurao arendtiana, surge
como a tentativa de eliminao da prpria poltica. Se atentarmos para a
especificidade do totalitarismo, entrevista pela autora na sua distino entre
tiranias, ditaduras e totalitarismos, veremos que, nessa ltima forma de
governo, h no apenas o anseio de limitar as liberdades polticas/pblicas dos
indivduos, retirando-lhes o papel da cidadania, mas tambm o projeto de
exterminar a prpria espontaneidade do homem. No regime totalitrio no
h apenas a separao entre pblico e privado, segundo a qual um ditador,
rei ou tirano funda seu poder poltico. Na concepo arendtiana, o totalitarismo
ergue-se tambm sobre a instncia privada, avanando mesmo sobre a
capacidade de pensar dos homens.
O que podemos perceber que, em Arendt, a existncia de um espao
pblico estruturado permite a realizao do aparecimento das pessoas, a
revelao dos homens uns aos outros. Em outras palavras, permite o acontecer
do mundo o contato plural dos homens. Sob esse aspecto, pode-se supor
que, no totalitarismo, esse aparecimento torna-se invivel. De certo modo,
com o decaimento do poltico, que para Arendt se mostra de diversos modos
ao longo da histria ocidental, restringe-se realmente a possibilidade de revelao
dos homens, do aparecimento das pessoas no mundo, qual seja, restringe-se
o prprio mundo.5 No entanto, esse declnio no se mostra como uma perda
total. Apesar de trabalhar com a noo de totalitarismo, Arendt no supe que
a dominao totalitria tenha extirpado a possibilidade da revelao do homem
por completo. Para faz-lo deveria abarcar todo o globo. Essa seria de fato a
pretenso totalitria, embora no tenha se concretizado. isso que parece se
confirmar com a iluminao entrevista pela autora na vida de homens e mulheres
em tempos sombrios. Como poderia a iluminao se manter em perodos obscuros?
Essa uma das principais questes que Arendt responde com suas biografias.
Vale a pena analisar o que a autora discute em um dos seus ensaios sobre
Jaspers acerca da revelao da pessoa no mundo. Ao explicar o fato do seu
texto ser uma laudatio, faz importantes consideraes sobre a relao entre
pblico/privado. A prpria noo antiga de laudatio, segundo ela, j indica como
um louvor se refere dignidade que pertence a um homem, na medida em
que ele mais que tudo o que faz ou cria (ARENDT 2003, p. 67). Trata-se de
uma homenagem pessoa que tenha se destacado na vida.6 De modo que, o
mrito pela revelao da pessoa no mbito pblico e no pela sua obra.
Ao retomar o sentido que designa como novo-antigo a laudatio, Arendt
mostra que parece compartilhar com a classe livreira alem, que concede o
45
Prmio a Jaspers, o anseio de compreender a validade da trajetria da vida de
uma pessoa sem partir da distino moderna entre pblico e privado, entre o
conjunto de uma obra pblica e a vida privada. Com a ideia da laudatio, a
autora deixa ver o que pressupe ser uma diferenciao entre indivduo e pessoa,
e no, entre objetividade e subjetividade. Nessa distino,
5
Arendt refere-se perda do mundo no cristianismo, cuja proeminncia recai no no mundo dos
assuntos humanos, mas na vida eterna. Trata, no mesmo sentido, da perda do mundo na Modernidade
quando o homem volta-se para dentro de si mesmo. Alm disso, a configurao platnica da separao
entre mundo das ideias e mundo das sombras se lhe apresenta como uma depreciao dos assuntos
humanos pela teoria. Ver ARENDT 2000.
6
O discurso de Arendt integrado em Homens em tempos sombrios foi pronunciado quando K. Jaspers
recebeu o Prmio da Paz da Classe Livreira Alem (ARENDT 2003, p. 67).
7
Vale a pena destacar um comentrio sobre as biografias definitivas de Hitler e Stalin (Alan Bullock e
Isaac Deutscher com as quais, alis, Arendt trabalha bastante em Origens do totalitarismo) Segundo
ela, tais chefes de Estado, foram honrados imerecidamente com biografias definitivas teses impessoais
biografias tcnicas, muito bem elaboradas, mas que no deixam as pessoas ver a histria sob a luz
de teses impessoais apenas resulta na promoo falsa respeitabilidade e em uma distoro ainda
mais sutil dos eventos. Quando queremos ver os eventos e as pessoas em sua proporo correta,
temos ainda de ir s biografias ainda muito menos documentadas e factualmente incompletas de Hitler
e Stalin, escritas respectivamente por Konrad Heiden e Boris Souvarine (ARENDT 2003, p. 37).
8
No discurso arendtiano, a noo romana de humanitas est prxima da noo grega de daimon.
Indica a qualidade de uma personalidade sem constituir um valor objetivo (ARENDT 2003, p. 68-69).
9
Nas palavras de Arendt, lemos que, com Heidegger, o pensamento tornou a ser vivo, ele faz com que
falem os tesouros culturais do passado considerados mortos e eis que eles propem coisas totalmente
diferentes do que desconfiadamente se julgava (ARENDT 2003, p. 223).
10
Ora, sabemos todos que Heidegger tambm cedeu uma vez tentao de mudar de morada e de
se inserir no mundo dos afazeres humanos [...] a tendncia ao tirnico pode se constatar nas teorias
de quase todos os grandes pensadores (Kant a grande exceo) (ARENDT 2003, p. 230).
11
Sobre Jaspers, a autora indica que em termos psicolgicos e biogrficos talvez seja relevante
relacionar sua inviolabilidade ao lar de onde proveio. Seus pais estavam ligado ao campesinato frsio
(ARENDT 2008, p. 71). Assim como no caso de Rosa menciona o grupos de iguais judaico-polons.
12
No texto sobre Brecht, Arendt retoma os versos do prprio poeta quando jovem e supe que Der
Herr der Fische configura um retrato do autor na figura do senhor e mestre da terra dos peixes, a
terra do silncio. O retrato na verdade um nada ter a dizer de si mesmo, enquanto subjetividade,
intimidade (So, auf Hin- und Widerreden/Hat mit ihnen er verkehrt/Immer kam er ungebetten/Doch
sein Essen war er wert). Na concepo arendtiana, trata-se de um auto-retrato, no qual se apresenta
um estranho e amigo de todos, portanto rejeitado e bem-vindo, bom s para Hin-und Widerreden
[conversa e rplica], intil para a vida cotidiana, silencioso sobre si prprio, como se no tivesse
nada a comentar [...] (ARENDT 2003, p. 189).
50 2004, p. 135).
A busca de Arendt pelo quem tambm sugere um anseio de sair da
duplicidade subjetividade/objetividade. O quem no nem uma inteno, como
se fosse uma conscincia interior que pudesse ser controlada pelo homem,
nem o que algum , como se a vida pudesse ser vista de fora, como realizao
de uma qualidade objetiva. A noo arendtiana do quem est relacionada ao
anseio de conceber o fluxo vivo da ao, e, em alguma medida, comporta a
semelhana com a concepo merleau-pontyana de que o sentido no est
em parte alguma, mas se compe no prprio ato de expresso, de criao.
Apenas uma vez pronto, o sentido se deixa ver porque se tornou possvel.
O elemento pessoal que Arendt busca na elaborao dos seus perfis
biogrficos alguma coisa como o prprio fluxo vivo da ao, a espontaneidade
da pessoa. Em A condio humana, a autora indica uma diferenciao entre
quem algum e o que algum . Nessa diferenciao, defende que qualquer
adjetivao sobre a pessoa s vem a mostrar o que algum ou o que algum
foi comunista, nervoso, pobre etc. O quem s se manifesta aos outros
durante a ao. como o daimon que est por cima dos ombros de cada um e
no pode ser visualizado pelo ator, mas apenas por aqueles que comungam o
espao pblico com ele. Uma forma de se aproximar do quem, na verdade, a
nica maneira possvel do ator compreend-lo e encontrar o significado de sua
ao, pela reificao da histria. O problema que, sempre que se tenta dizer
quem algum , so evocados adjetivos que no tm a capacidade de conceber
a singularidade de cada um e generalizam o quem pela determinao do que.
Compreenso e narrativa
A suposio sobre a possibilidade de entrever a revelao do quem est, na
concepo arendtiana, intimamente relacionada escrita da histria. Deve-se
observar, no entanto, que quando a autora se refere a tal empreendimento
narrativo, ela no tem como pressuposto a noo moderna de um processo da
Histria que subjaz representao escrita. J indicvamos isso ao mencionar
que, nos ensaios biogrficos, Arendt no compartilha da ideia segundo a qual a
pessoa pode ser entendida como encarnao do esprito do tempo. A rejeio do
Zeitgeist no apenas um questionamento da concepo hegeliana da histria.
Trata-se de uma crtica radical da noo moderna de Histria.
Em seu texto sobre O conceito de histria: antigo e moderno, Arendt fala do
surgimento da histria na Grcia com Herdoto e de seu nascimento metafrico
com Homero. A experincia de Ulisses, ao ouvir sua prpria histria a histria da
sua vida na corte dos Fecios, consiste na cena primordial da histria e da
poesia. O encontro entre ator e espectador da histria propiciaria a possibilidade da
reconciliao entre ao e compreenso. Franois Hartog retomaria a proposio
arendtiana para indicar, na mesma cena de Ulisses, o aparecimento da historicidade
51
como elemento fundamental para o desenvolvimento da escrita historiogrfica.13
Em Homens em tempos sombrios, no seu trabalho sobre Lessing, a autora
tambm menciona essa potencialidade da palavra se entender com a ao. Arendt
afirma que, depois da Primeira Guerra Mundial, a tentativa de dominar o passado
atravs de descries e explicaes no encontrou sucesso. Segundo ela,
deveriam se passar quase trinta anos antes que surgisse uma obra de arte
que apresentasse a verdade ntima do acontecimento de um modo to
transparente que se podia dizer: Sim, como foi. E nessa novela, A Fable
(Uma Fbula), de William Faulkner, descreve-se muito pouco, explica-se
menos ainda e no se domina absolutamente nada; seu final so lgrimas,
pranteadas tambm pelo leitor, e o que permanece alm disso o efeito
trgico ou o prazer trgico, a emoo em estilhaos que permite a pessoa
aceitar o fato de que realmente poderia ter ocorrido algo como aquela
guerra. Menciono deliberadamente a tragdia porque, mais que as outras
formas literrias, representa um processo de reconhecimento. O heri
trgico se torna cognoscvel por reexperimentar o que se fez sob o
sofrimento, e nesse pathos, ao novamente sofrer o passado, a rede de
atos individuais se transforma num acontecimento, num todo significativo
(ARENDT 2003, p. 27).
13
Em Hartog lemos que: Do ponto de vista de Ulisses, esse curto momento de entre-dois, em que no
mais Ulisses e que ainda no Ulisses, no traduziria tambm a descoberta dolorosa da no
coincidncia de si consigo mesmo? Uma descoberta que no exprimvel em palavras, mas que
Homero torna visvel pelas lgrimas de Ulisses [...] o choque da diferena temporal de si consigo
mesmo: o encontro com a historicidade (HARTOG 2003).
Uma coisa pode ter acontecido bastante ao acaso, mas uma vez que
tenha vindo a ser e que tenha assumido realidade, perde seu aspecto de
contingncia e apresenta-se a ns com aspecto de necessidade. [...]
Uma vez que o contingente aconteceu, no podemos mais desembaraar
os fios que o enredaram at que se tornasse um evento como se pudesse
ainda ser ou no ser (ARENDT 2008, p. 403).
14
A biografia despontou no cenrio historiogrfico do fim do sculo como possibilidade de desvencilhar
a escrita histrica da anlise das estruturas que estivera em vigor at ento. A chamada terceira
gerao dos Annales e a micro-histria italiana apresentaram vertentes metodolgicas para a nova
composio indivduo-sociedade. Cf. LE GOFF 1999.
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56
Resumo
A partir do final dos anos 1970 e incio dos anos 1980, o mtodo biogrfico, nunca esquecido,
retomou um lugar de prestgio na produo historiogrfica francesa. Vrios so os estudos realizados
a fim de explicar as condies desse retorno. O presente artigo pretende, luz da teoria semitica,
contribuir para tal compreenso a partir da anlise da construo e investimento de valores nesse
objeto histrico, o indivduo, que retorna cena historiogrfica. Inicialmente, em oposio ao ponto
de vista adotado pelo modelo historiogrfico quantitativo e, em um segundo momento, como o
resultado de uma mudana paradigmtica no seio do prprio mtodo biogrfico.
Palavras-chave
Historiografia; Biografia; Semitica.
57
Abstract
From the late 1970s and early 1980s on, the biographical method - which had never been fully
forgotten - regained a place of prestige in the French production of historiography. A variety of
studies have been carried out to explain the conditions of this return. This article intends to
contribute to the investigation of such field of study from a semiotic perspective, with a focus on
the analysis of the construction and investment of values in the so-called historical object,
namely the individual, who has reappeared in the historiographical scene - at first, in opposition
to the quantitative historiographical model and, then, as a result of the paradigmatic shift of the
biographical method itself.
Keywords
Historiography; Biography; Semiotics.
1
O percurso epistemolgico da teoria semitica apresenta trs espaos ligados por procedimentos diferentes
e no lineares: o espao tensivo, o espao semionarrativo e o espao discursivo. Ao invs de tratar os
problemas tericos e metodolgicos como problemas lgicos, de acordo com o percurso generativo da
significao proposto na dcada de 1960, a teoria semitica passa a trat-los sob o ngulo fenomenal. Ela
passa a examiner la formation des diffrences significatives et des positions axiologiques partir de la
perception et de la prsence sensible de ce phnomne (FONTANILLE 2004, p. 15).
2
O quadrado semitico, um dos pilares da teoria semitica, responsvel pela definio das operaes
lgico-semnticas do percurso epistemolgico.
projets sur les valences deviennent les frontires dune catgorie stabilise et
discrtisable (FONTANILLE; ZILBERBERG 1998, p. 21). Na sequncia, o sujeito
sensvel, do espao tensivo, torna-se sujeito semionarrativo, responsvel pela
diviso axiolgica do seu universo, isto , pela polarizao entre euforia e disforia.3
Assim surge, semioticamente, o conceito de valor: la valeur comme diffrence qui
organise cognitivement le monde vis, et la valeur comme enjeu axiologique qui
polarise la vise elle-mme (FONTANILLE ; ZILBERBERG 1998, p. 22).
3
Euforia, disforia e aforia correspondem, respectivamente, s verses positiva, negativa e neutra
da foria.
T R IA G E M M IST U R A
T NIC O U n ida de /n u lida de U ni v e rs a l id a d e
T O N O T o t a l id a d e D i v e r si d a d e
ABERTURA / M IS T U R A / T R IA G E M
63
FECH AM ENTO ( p ro fu n d id a d e e x t e n s iv a )
( p ro fu n d id a d e in te n siv a )
VALO R ES D E ABERTO = LIVR E M IS T U R A D O = C O M P L E T O
U N IV E R S O FEC H A D O = E X C L U D O PURO = IN CO M PLETO
VALO R ES D E ABERTO = CO M U M M IS T U R A D O = D I S P A R A T A D O
ABSO LU TO FEC H A D O = D IS T IN T O PURO = A BSO LU TO
gera a figura do livre. Os quatro termos reunidos indicam, como nas operaes
anteriores, a existncia de uma variao no interior de cada ordem (de absoluto
e de universal), de acordo com a tonicidade da abertura e do fechamento.
Com efeito, as duas ordens de valores, de absoluto e de universo,
definem-se a partir das duas profundidades, cada qual com seus prprios
operadores. Pode-se, ento, observar o desdobramento que ocorre em cada
uma das ordens e, consequentemente, a emergncia de uma segunda dixis,
agora interna. Alm disso, os termos assim desdobrados criam, no interior
de cada ordem, novas possibilidades sintticas, s vezes opostas, que tornam
mais complexa a tipologia inicial. Se isolarmos os valores de absoluto, e
refazendo-se a distribuio dos operadores e das figuras, observaremos com
maior clareza as distines internas da ordem, conforme o quadro que segue:
VALOR ES DE ABSOLUTO
Profundidade Intensiva Fechamento Abertura
DISTINTO COMUM
Profundidade Extensiva Triagem Mistura
ABSOLUTO DISPARATADO
Da direo e do limite
Para uma anlise sintagmtica dos valores, devem ser levadas em
considerao tambm as noes de direo e de limite, pois elas so
responsveis pelo seu dinamismo.
No caso da direo, o regime que indica o ponto de vista adotado pelo
65
enunciador definir tambm a dixis, positiva ou negativa. Quando se tratar
de um regime que visa os valores de absoluto, a escolha das grandezas ir,
invariavelmente, na direo de um mximo de intensidade associada unidade
e suas grandezas sero avaliadas positivamente. Em um regime que visa os
valores de universo, onde as grandezas sero escolhidas em funo de sua
extenso, apenas a grandeza que tem por sentido a universalizao ser
avaliada positivamente. Essa oposio evidente quando so opostas duas
ordens diferentes, aquela dos valores de universo e aquela dos valores de
absoluto. Tem-se, assim, o par excluso-concentrao para os valores de
absoluto e o par participao-extenso para os valores de universo. Quando,
entretanto, a distino se apresenta no interior de uma mesma ordem, deve-
-se acrescentar e avaliar a noo de limite.
Segundo elemento responsvel pelo dinamismo sinttico, o limite pode
ser entendido como a aspectualizao dos regimes de valor. Isto , as noes
de excluso e participao passam a se apresentar como uma configurao
total ou uma configurao parcial. Na configurao total, evidentemente,
no existe gradao possvel entre os princpios de excluso e de participao.
Entretanto, no caso da configurao parcial, possvel vislumbrar a
participao dos excludos no regime de excluso e a excluso dos
participantes no caso do regime de participao.
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Resumo
Este artigo contempla alguns aspectos que ligam o Dialogo della pittura intitolato lAretino (1557),
do Homem de Letras veneziano Lodovico Dolce, obra do historiador Florentino, Giorgio Vasari,
Le vite depi eccellenti architetti, pittori et scultori italiani, da Cimabue, insino atempi nostri (1550).
Procura-se demonstrar ao longo do texto que Dolce apoiou-se em conceitos tericos expostos
nas Vite, revertendo-os em seus prprios argumentos com o propsito de exaltar a pintura veneziana
enquanto patrimnio cultural do Cinquecento, equiparando-a arte da Tosco-romana, bem como
buscou salientar a relevncia da pintura de Ticiano, ausente da primeira edio da obra.
Palavras-chave
Historiografia humanista; Renascimento; Crtica.
72 Abstract
This paper considers some aspects that link the Dialogo della pittura intitolato lAretino (1557), of the
Venetian man of letters Lodovico Dolce, to the work Le Vite de pi eccellente architetti, pittori et
scultori italiani, da Cimabue, insino a tempi nostri (1550), of the Florentine historian Giorgio Vasari. It
seeks to demonstrate along its lines that Dolces work was based on theoretical concepts exposed
in the Vite, while reverting them to his own arguments in order to exalt the Venetian Cinquecento
painting as cultural heritage, by matching it with the Tosco-Roman art, and stressing the importance
of Titians painting, which was absent in the first edition of Vasaris work.
Keywords
Humanist historiography; Renaissance; Criticism.
1
preciso salientar que o termo artista no era utilizado ainda no sculo XVI, todos aqueles que
lidavam com as belas artes: arquitetura, pintura e escultura, eram denominados artfices.
2
A primeira publicao do Aretino surgiu em 1557(DOLCE 1557) pela Imprensa Giolito de Ferrari.
Nos sculos posteriores surgiram vrias outras edies crticas, tanto italianas quanto em outros
idiomas. Entre elas encontram-se uma segunda impresso italiana em 1735, curada pelo diretor
da Academia Francesa de Roma. Outra holandesa, surgida em 1756, uma alem (1757), uma
inglesa (1770) outra ainda em Viena (1871) com uma segunda edio em 1888 (DOLCE 1888), e
numerosas outras edies italianas. Mais recentemente, uma francesa (1996), uma americana
(1968), uma alem (DOLCE 2008) e uma espanhola (DOLCE 2010). Algumas delas so aqui
elencadas: DOLCE (1910; 1960; 1996); ROSKILL (2000).
74 399). Em vinte e seis anos de intenso trabalho junto quela editora, publicou
cento e oitenta e quatro textos, e aproximadamente setecentos ttulos que
compunham o catlogo da Giolito de Ferrari (DOLCE 2010, p. 17). Sua produo
ecltica e compe-se de peas teatrais, tragdias e comdias, escritos
filolgicos e tratados que versam sobre temas diversos: um deles discorrendo
sobre a conduta das mulheres, outro sobre a conservao da memria, um
escrito acerca de pedras preciosas e outro referente s cores. O tratado sobre
a pintura denominado Aretino acabou se tornando o seu melhor escrito e o
mais rico de implicaes (ROMEI 1991, p. 401). Entre as inmeras edies
das quais foi responsvel, encontram-se obras de autores do sculo XIV como
Dante Alighieri (1265-1321), Francesco Petrarca (1304-1374) e Giovanni
Boccaccio (1313-1375), e contemporneos, como Lodovico Ariosto (1474-
1533), Pietro Bembo (1470-1547) e Baldassare Castiglione (1478-1529).
Possua um conhecimento erudito na rea das belas letras e no campo da
filologia, arguindo com maior pertinncia no que se referia s discusses em
torno da consolidao da lngua italiana.
Com o propsito de desenvolver um tratado sobre pintura, e, destitudo
de um conhecimento aprofundado do tema devido sua formao literria, a
despeito de toda sua erudio, Dolce tomou por base um amplo nmero de
fontes sobre teoria pictrica. Entre elas: a correspondncia de Pietro Aretino e
outros escritos sobre pintura, editados em anos anteriores: o Lezzione nella
quale se disputa della maggioranza delle arti e quale sia pi nobile, la scultura o
la pittura (1549), de Benedetto Varchi, o Da Pintura, de Leon Battista Alberti
3
Entre os vrios estudos sobre a retrica, cf. VICKERS (2002), minucioso histrico do percurso da arte
oratria desde a Antiguidade.
4
Entre as muitas obras descobertas pelos humanistas italianos encontravam-se:
ANNIMO (1962; 2001; 2005); CICERO (1932). Alm do De oratore (tambm de Ccero) e as Institutio
oratoria (de Quintiliano) j mencionados.
5
Por meio principalmente de seus dois tratados: VINCI (1995). Vrias so as edies desse tratado
ALBERTI (1950; 1989).
6
No que diz respeito a um histrico da doutrina do ut pictura poesis, cf. LEE (1940).
Dolce, por sua vez, prope as trs fases da pintura veneziana. A primeira
corresponderia a Giovanni Bellini, a segunda caberia a Giorgione e a terceira
que representaria o pice de maturidade e progresso da arte pictrica vneta,
seria personificada por Ticiano:
O mito Rafael
Dolce critica implicitamente Vasari por sua viso parcial, considerando a
excelncia de um nico artfice, Michelangelo e ao desmerecer outros, to ou
mais valorosos do que ele. E Rafael de Urbino o pintor que lhe surge enquanto
representante da tradio clssica para confrontar a divindade de Buonarroti.
Segundo Paola Barocchi, o crescente mito de Michelangelo, sancionado
com entusiasmo nas Vite, deveria revelar-se um argumento um tanto ameaador
s aspiraes de um ambiente artstico como o veneziano. A terribilit
caracterstica do florentino, que parecia monopolizar a expresso artstica, no
poderia deixar de suscitar uma polmica que fez de Rafael, j falecido, o protetor
7
A carta de Dolce endereada a Gasparo Ballini consta na edio crtica de Mark W. Roskill
(ROSKILL 2000).
[Os artfices] creiam, tanto mais por si devem ser por sua fadiga louvados,
por quanto mais s antigas obras fizerem por semelhana se reaproximar
s suas novas; pois que sabem e veem que as antigas mais perfeio da
arte se acercam, do que aquelas criadas daquele tempo em diante. Esses
artfices, Monsenhor M. Giulio, realizaram mais do que outros, como os
vossos Michelangelo florentino e Rafaello da Urbino, um pintor, escultor e
arquiteto igualmente, o outro, pintor e arquiteto outrossim; e tm-no
assim diligentemente feito, de modo que ambos so ora to excelentes e
to esclarecidos, que mais fcil dizer o quanto eles aos antigos bons
mestres so prximos, do que dizer qual deles seja do outro superior e
melhor mestre (BEMBO 1931, p. 79-80).
80 Muitas coisas mais agradam igualmente a nossos olhos, tanto que difcil
julgar quais lhes so mais gratas. Eis que na pintura so excelentssimos
Leonardo da Vinci, Mantegna, Rafael, Michelangelo, Georgio da Castel
Franco; todavia todos so diferentes entre si no fazer; de modo que a
nenhum deles parece faltar coisa alguma naquela maneira, porque se
reconhece que cada um mais que perfeito em seu estilo. Respondeu
ento Ioan Cristoforo (ao Conde Lodovico da Canossa): Creio
verdadeiramente que falais contra aquilo que tendes no corao, e tudo
isso fazeis em favor do vosso Rafael, e talvez vos parea tambm que a
excelncia que reconheceis na pintura dele to superior, que a escultura
marmrea no capaz de atingir esse grau [...]. No falo em prol de
Rafael (respondeu o Conde); nem deveis me reputar to ignorante que
no conhea a excelncia de Michelangelo, a vossa e de outros nos
trabalhos de mrmore, mas falo da arte e no dos artfices (CASTIGLIONE
1997, p. 58-76).
8
Edies de 1516, 1521 e 1532.
[...] Porm, mais (do que todos os outros pintores) o graciosssimo Raffaello
da Urbino, que, estudando as fadigas dos velhos mestres, tanto quanto a
dos modernos, apreendeu de todos as melhores partes. E tendo feito
delas uma colheita, enriqueceu a arte da pintura com uma ntegra perfeio,
como a que obtiveram antigamente as figuras de Apeles e de Zuxis e
mais alm, se se pudesse colocar as obras de tais pintores antigos junto
s de Raffaello num cotejo (VASARI 2010, p. 542).
9
preciso salientar que a composio de biografias no perodo do Renascimento representava, assim
como havia sido para a Antiguidade greco-romana, uma maneira de registrar e exaltar os feitos do
biografado para a posteridade, com o propsito subsequente de incitar as pessoas a se lhe igualar em
proeza. Havia entre os humanistas a noo de que a histria tinha a funo de instruir e encorajar os
homens a concretizar grandes aes, por meio do relato de notveis carreiras e realizaes gloriosas
daqueles que haviam, por esse motivo, se tornado ilustres. Um dos primeiros bigrafos foi Vespasiano
da Bisticci (1421-1498) que, no sculo XV, produziu sua obra denominada Vidas. Toda construo da
narrativa apoiava-se em categorias da arte retrica de cunho encomistico.
10
A primeira edio das Vite, publicada em 1550, abrangeu a vida de artfices pertencentes em sua
grande maioria regio Tosco-romana, salvo algumas poucas excees. A segunda edio da obra
surgida em 1568 foi substancialmente revista e aumentada. No apenas incorporou a biografia de
Ticiano, e outros pintores venezianos, como tambm incluiu a vida de outros artfices pertencentes a
diferentes regies da Itlia.
11
preciso salientar que os pressupostos aqui colocados, foram levantados pelo Prof. Luiz Marques
em sua notvel palestra Giorgio Vasari e a Escola de Florena, por ocasio do Colquio Internacional
Giorgio Vasari no Quinto Centenrio do Nascimento.
Concluso
Procuramos nesse artigo, pontuar, de modo sucinto, o quanto a teoria
artstica de Vasari teve importante papel na argumentao criada por Dolce
em seu dilogo, sendo apropriada por ele em muitos aspectos e revertida
no sentido de faz-lo atingir seus propsitos. Alm de todas as similitudes
argumentativas entre as duas obras expostas ao longo do artigo, h ainda a
estrutura do texto, construda com base no cotejo entre os artfices Rafael,
Michelangelo e Ticiano, a qual sugere uma evoluo da pintura, tanto quanto
Vasari havia criado a noo de progresso das artes. Segundo Dolce, Rafael
representa o ideal clssico, Michelangelo corresponde excelncia do
desenho, e Ticiano, a proeminncia da cor e sumo avano da arte pictrica.
Esta estrutura tripartida assemelha-se proposio do historiador florentino,
quando ele definiu o Renascimento como uma era de progresso como j
mencionado acima resultante de trs fases que caminharam para uma
evoluo, cujo pice, acima de todos os outros artfices, personificou para
ele Michelangelo.
Ao tecer uma crtica indireta a Vasari por sua opinio unilateral acerca
de Michelangelo, Dolce no apenas defendeu Veneza, mas igualmente colocou 85
luz na trajetria e na produo de artfices proeminentes de outras regies,
exaltando a grandiosidade da arte produzida nas vrias cidades-estados da
Itlia do perodo. E a defesa de Dolce tornou-se um dos motivos, entre
outros vrios, que despertaram no historiador florentino a necessidade de
uma reviso de sua obra mxima, o que resultou na nova edio de 1568.
Alm do que, o Dialogo contribuiu para chamar a ateno sobre a relevncia
da cor na composio pictrica, algo que at ento no havia sido abordado
pelos tericos-artfices que haviam escrito sobre pintura.
Segundo Esteban (DOLCE 2010) a fortuna editorial e crtica do Dialogo
della pittura nos ltimos anos tem contribudo para criar um perfil de Lodovico
Dolce como terico da arte, muito mais evidente do que o fora h cerca
de meio sculo atrs. E isso talvez se deva particular ateno com que
Rensselaer W. Lee dedicou ao terico veneziano, em seu importante ensaio
sobre o ut pictura poesis (LEE 1940, p. 197-292), posteriormente convertido
em livro. Desde ento, vem surgindo uma srie de estudos modernos desse
texto, tais como as vrias edies citadas na nota 2, que se tm encarregado
de avaliar a doutrina crtica de Dolce, que de fato, por tudo j exposto no
artigo, ilumina a profunda relevncia que este tratado representou, no s
para o Renascimento, como tambm para a historiografia humanista vneta.
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Resumo
O artigo analisa, de modo sinttico, aspectos da incorporao da biografia na economia do
texto da principal obra do diplomata e historiador nascido no Brasil Francisco Adolfo de Varnhagen
(1816-1878), qual seja, sua Histria geral do Brasil, publicada em dois volumes, nos anos de
1854 e 1857. O foco recai sobre a parte final da obra, momento em que o historiador aproxima-se
temporalmente dos acontecimentos histricos narrados, o que remete a interferncias especficas
tanto no que tange figura do historiador no Oitocentos como ao carter que definiria o texto de
histria e sua credibilidade.
88 Palavras-chave
Biografia; Historiografia; Francisco Adolfo de Varnhagen.
Abstract
The article briefly analyses aspects of the incorporation of the biography-genre in the text structure
of the main work of the diplomat and historian Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878), born
in Brazil and author of the work Historia geral do Brazil, published in two volumes, in the years of
1854 and 1857. The article is focused on the final part of his work, namely on the moment when
the historian comes temporally closer to the narrated events, which refer to specific interferences,
not only regarding the figure of the historian in the 19th century, but also the character that
would come to define the history-text and its credibility.
Keywords
Biography; Historiography; Francisco Adolfo de Varnhagen.
*
Este artigo uma parte modificada de minha dissertao de mestrado, intitulada Tempos da pesquisa,
tempos da escrita: a biografia em Francisco Adolfo de Varnhagen (1840-1873), defendida junto ao Programa
de Ps-Graduao em Histria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 2009. Ela contou com
apoio financeiro do CNPq.
Falar por si, falar de outros: a escrita da histria entre antigos e modernos
Este artigo pretende examinar brevemente alguns aspectos da presena
de pesquisas biogrficas na principal obra do diplomata e historiador nascido no
Brasil Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878). Sua Histria geral do Brasil
foi publicada em dois volumes, nos anos de 1854 e 1857, com reedio revista,
aos cuidados do autor, em 1877.1 Atentando parte final da obra, momento
em que o historiador aproxima-se temporalmente dos acontecimentos por ele
narrados, esta anlise tem como escopo central apontar relaes entre a
operao historiogrfica varnhagueniana e as participaes biogrficas presentes
no referido trecho da obra. A partir da leitura de outros textos do mesmo autor
objetiva-se, ainda, identificar caractersticas do ofcio historiogrfico em meados
do sculo XIX, tendo por ensejo as marcas polticas e histricas coadunadas e
passveis de verificao no conjunto de escritos selecionado dentre o vasto
legado associado a Varnhagen.
O historiador aqui tratado, entre muitas produes, escreveu biografias.
So elas que o ligavam mais fortemente, pela profuso, ao Instituto Histrico e
Geogrfico Brasileiro (IHGB), espao financiado pelo poder imperial, sediado no
Rio de Janeiro desde 1838. A Revista do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro,
peridico do citado rgo, foi um importante divulgador de notcias biogrficas
(OLIVEIRA 2011). Nessa esfera, Varnhagen foi um dos mais profcuos
colaboradores, tido por Jos Honrio Rodrigues como o iniciador da biografia
no Brasil oitocentista (RODRIGUES 1957, p. 277). Sua rubrica na seo biogrfica
da Revista, no conjunto, constitui 25 biografados e 31 textos, que mesclam
biografias por ele elaboradas, pequenas reescrituras dessas com correes e
89
informaes complementares e reedies comentadas de estudos editados
em outras publicaes, embora nem todos de autoria do historiador, datados
entre 1840 e 1873.2
Tanto a histria como a biografia estavam sujeitas, naquele lugar,
concepo exemplar do conhecimento do passado: A historia magistra vitae
no apenas um adgio erudito, ela tambm um princpio organizador que
justifica e ao mesmo tempo orienta as investigaes do IHGB. Eternizar, salvar
os fatos so frmulas que provm desse princpio (CEZAR 2011a, p. 97).
Seguindo o modelo retrico associado a Ccero e que poderia ser expandido ao
contexto helenstico em geral, o regime de historicidade antigo convertia a
opo pela narrao de vidas em instrumento pedaggico (HARTOG 2006, p.
16). O elogio e o culto dos grandes homens estavam grafados como tarefas
de grande valor nos textos que fundamentavam o discurso no rgo ento
ocupado da formao de um panteo que expressasse um tempo nacional
inexistente at a sua instaurao (ENDERS 2000).
1
Para um estudo das edies pstumas e dos trabalhos de anotao da Histria geral, sobretudo a
cargo de Capistrano de Abreu e de Rodolfo Garcia, ver BATALHONE JUNIOR (2011).
2
Merece meno a significativa concentrao de notas biogrficas assinadas por Varnhagen publicadas
na dcada que antecedeu s publicaes da Histria geral do Brasil e de seu Florilgio da poesia
brasileira, compndio de poesias editado em trs volumes nos anos de 1850 e 1853, obra igualmente
acompanhada de pesquisas biogrficas (VARNHAGEN 1946).
No poderia aqui explicar uma a uma todas as razes que tive para dar
certos toques, para empregar tais ou tais frases na Histria geral. Assim
v. gr. na pag. 412 (do Tomo 2) h duas palavras que parecem desfavorecer,
e sem embargo esto a de intento e depois de muita reflexo. Era
necessrio comear por no me constituir adulador, para melhor encaminhar
comigo o leitor a crer o que logo depois digo em tpicos mais melindrosos
e essncias heroicidade. Como cronista poderei ser mais adulador ou
panegirista, como historiador produziria efeitos negativos. Creio que fao
justia ao Sr. D. Pedro I (VARNHAGEN 1961, p. 246-247).4
90 3
Em 1857, ano de publicao do segundo tomo de sua Histria geral do Brasil, em carta enviada ao
Imperador, comentando acerca do Memorial Orgnico, um de seus textos polticos, escreve Varnhagen:
Sobre este ponto nada mais digo quando V. M. I. sabe tudo, e quando no desconhece que o empenho
principal que me guiou a pena do Memorial orgnico foi o de promover desde j com a maior segurana
possvel a unidade e a integridade do Imprio futuro, objeto constante do meu cogitar. Carta a D.
Pedro II, Madrid, 14 de julho de 1857 (VARNHAGEN 1961, p. 246). Para um estudo dedicado anlise
centrada no Memorial, ver JANKE (2009). A expresso futuro passado uma parfrase quela do
historiador alemo Reinhart Koselleck. Ao explicitar sua tese sobre o movimento de temporalizao
da histria que, segundo ele, pode ser percebido em uma anlise que compreende os sculos XVI e
XIX, verifica que as mudanas na hierarquia entre religio e poltica influenciaram uma nova
temporalidade, por sua vez, prpria da modernidade. Seguindo o autor, foi-se das profecias ideia de
prognstico. Se as profecias apocalpticas destruam o tempo, com os prognsticos o tempo ganha
configuraes diversas, cabendo queles capturar este ltimo (KOSELLECK 2006, p. 21-39). Em todas
as citaes de fontes coevas, a grafia original foi preservada. Para uma recente proposta de discusso
acerca do uso da expresso na historiografia brasileira do Oitocentos ver ARAUJO (2011).
4
Carta a D. Pedro II, Madrid, 14 de julho de 1857.
5
A preocupao de Varnhagen com relao imagem de D. Pedro I, em meados da dcada de 1850,
pode ser tambm pensada como pertencente aos debates acerca da conformao da memria do
primeiro imperador, retrabalhada pelos representantes Saquaremas, esforos que atravessaram trs
dcadas e, no perodo, assumiam feies de projeto concretizado. Como lembra Zina Argollo Valdetaro,
ao examinar os planos para a construo da esttua equestre de Pedro I, o IHGB e Varnhagen
caminhavam juntos rumo monumentalizao imperial e nacional: essa era, tambm, uma das mais
expressivas preocupaes e relevantes misses a serem cumpridas pelo IHGB, centro irradiador de
estmulos para a construo de monumentos histricos, quer sob a forma de letras, como a primeira
histria geral do Brasil, elaborada por Varnhagen, quer sob a forma de qualquer iniciativa que captasse
e projetasse o Brasil e suas diversas especificidades. Um museu ou uma revista, uma obra literria ou
um monumento, quaisquer obras que se revestissem de um carter instrutivo a respeito do pas eram
vistas como dotadas de relevncia. (ARGOLLO VALDETARO 2008, p. 51). Para a anlise da mencionada
proposta de construo da esttua equestre, ver especialmente o segundo captulo do trabalho.
6
De acordo com Paul Ricoeur: Com efeito, do autor que parte a estratgia de persuaso que tem
como alvo o leitor. a essa estratgia de persuaso que o leitor responde acompanhando a configurao
e apropriando-se da proposta do mundo do texto. Deve ser mencionado: Ricoeur destaca que, do
mundo do texto ao mundo do leitor, so as variantes da comunicao que se estabelece do autor
quele que l os fatores que determinam, por exemplo, a distino da narrativa histrica (RICOEUR
1997, p. 277).
disso, cabe lembrar as consideraes de Luiz Costa Lima que, retomando Luciano
de Samsata e seu tratado intitulado Como se deve escrever a histria (165
d.C.), ocupa-se dos ntimos contatos da retrica com a historiografia antiga. A
partir de passagens em que Luciano defendia aquela noo de que deveria o
historiador conhecer a diferena entre o que escreve e o panegrico, afirma
Costa Lima: A crtica veemente a que Luciano submetia os historiadores se
tornava mais freqente porque outra vez, com a exceo da Potica aristotlica
os antigos se contentavam em caracterizar os gneros poticos pelo
ornamento e pelo seu excesso (LIMA 2006, p. 96).7 No Oitocentos, o lugar da
escrita histrica e os esforos para caminhar da eloquncia crtica convocavam
discusso e agregavam outros pontos abertos pelo suposto ocaso da historia
magistra vitae (LIMA 2006, p. 120-125).8
Trs anos antes, em 1854, em contrapartida, Varnhagen retomava outra
definio (atenta no ao executor, mas justamente resoluo formal do seu
trabalho) atravs de um post editum uma nota tardia de edio publicado
ao final do primeiro tomo da sua Histria geral do Brasil:
7
O autor prope uma leitura da questo retrica tendo por base, alm do texto de Luciano, escritos de
Ccero, Aristteles, Dionsio e Quintiliano, alm de leituras modernas.
8
No demais citar o comentrio de Varnhagen, no prlogo segunda edio da Histria geral, em
1877: Cada dia nos convencemos mais de que a histria um ramo da critica, no da eloquncia
[...] (VARNHAGEN s/d, p. XII). Sobre a permanncia da retrica para alm do sculo XIX, no Brasil,
ver SOUZA 1999.
9
De acordo com Jos Honrio Rodrigues, ao inventariar os gneros histricos na histria do Brasil: A
histria geral desde Frei Vicente do Salvador, Rocha Pitta, Abreu e Lima, Rio Branco, Galanti, Rocha
Pombo at Pedro Calmon, afora as estrangeiras e a didtica (especialmente os mais representativos,
Jos Pedro Xavier Pinheiro, J. M. de Macedo e Joo Ribeiro) constitui captulo da nossa histria da
historiografia brasileira (RODRIGUES 1957, p. 190). Entendo a noo de retrica da nacionalidade tal
como formulada por Cezar: conjunto de estratgias discursivas aparentemente caracterizadas pela
disperso de seus elementos constituintes, utilizadas com vistas a persuadir os brasileiros de que, a
despeito da natureza heterognea e compsita de sua formao social, partilhavam de um mesmo
passado, e por consequncia de uma mesma origem e uma mesma identidade (CEZAR 2011b, p. 48,
traduo nossa). Esta noo ser a chave de leitura na segunda parte deste artigo.
10
Tal qual ressalta Tase Silva: Como paradigma dos problemas que envolvem a tarefa historiadora
no sculo XIX Varnhagen alude problemtica da indefinio do estatuto de suas prticas, estando ele
como historiador mais prximo do que chamaramos contemporaneamente de literato ou erudito. [...]
Sua Histria geral configuraria uma narrativa caleidoscpica, a partir da qual possvel agrupar e
reagrupar diversos elementos, formando imagens de uma Histria, a cada leitura, diversa de si mesma
(SILVA 2006, p. 115).
11
Em Do orador, redigido em 55 a.C., falava Ccero: Pois a histria no era mais que a confeco de
anais. Com esse objetivo e para guardar a memria oficial que, do comeo dos acontecimentos e
Roma at o pontfice mximo Pblio Mcio, o pontfice mximo punha por escrito todos os acontecimentos
de cada ano e escrevia-os numa tbua branca que expunha em sua casa, para dar ao povo a
possibilidade de conhec-los: o que ainda se chama de grandes anais (apud HARTOG 2001a, p.
145). Conforme Hartog, A histria sai dos anais, que no so mais que o desenvolvimento da
primeirssima crnica elaborada pelo pontfice mximo. [...] Porque o pontfice? Porque ele era, por
sua funo, um mestre do tempo: do mesmo modo que fixava o calendrio, tinha o poder de preservar
em sua tabula a memria dos acontecimentos [...] (HARTOG 2001a, p. 180; ver tambm LE GOFF
1994, p. 485-533).
12
Carta ao Cnego Janurio da Cunha Barbosa. Lisboa, 14 de maro de 1843. O peridico mencionado
por Varnhagen a Revista do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro.
13
Ver o interessante estudo de Eduardo Sinkevisque sobre a obra de Rocha Pita, onde busca escapar
e fazer a crtica da recepo romntica oitocentista desse autor (SINKEVISQUE 2000).
14
Esta anlise da crtica de Capistrano de Abreu escrita varnhageniana constitui uma excelente
abordagem historiogrfica dessa questo. Sobre o plano de escrita da histria elaborado pelo bvaro
Carl Friedrich Phillip von Martius, mencionado pela historiadora, ver CEZAR 2003.
15
Para uma anlise das disputas polticas prprias do perodo a obra de Varnhagen interrompida, ver
MATTOS 2004.
16
Nesta passagem, Varnhagen anuncia que se prepara para a redao de uma histria geral dos
primeiros anos do imprio, que se confirmou com sua pstuma Histria da Independncia, s publicada
pela primeira vez no ano de 1916, na Revista do IHGB (VARNHAGEN 1916/1917, p. 5-598). As
caractersticas particulares relativas aos testemunhos que serviram ao historiador na elaborao dessa
obra merecem uma anlise particular. Eliete Tiburski defendeu recentemente, no Programa de Ps-
Graduao em Histria da UFRGS, uma dissertao de mestrado intitulada Escrita da histria e tempo
presente no Brasil oitocentista na qual se dedica a analisar o referido trabalho pstumo atentando,
entre outros aspectos, s peculiaridades da produo de uma histria do tempo presente e suas
implicaes no Brasil do sculo XIX. interessante observar, ainda, que no prefcio da Histria da
Independncia Varnhagen pontua novamente a diferena de gnero narrativo que tomei como fio
condutor parcial para chegar s inseres biogrficas na Histria geral. Nesse prefcio, escreve o
autor: Quanto ao mtodo adotado na exposio, foi a prpria experincia que no-lo aconselhou. No
escrevemos anais, escrevemos uma Histria, e os saltos continuados a uma e outra provncia, deixando
interrompido o fio dos sucessos importantes e capites, produzia confuso e no permitia que os
prprios das provncias fossem convenientemente explicados (VARNHAGEN 1916/1917, p. 28).
17
Estes biografados, presentes sobremaneira no primeiro volume da Histria geral, sero analisados
em artigo a ser publicado posteriormente.
18
Carta a D. Pedro II, Madrid, 2 de dezembro de 1852. interessante observar que Varnhagen faria
comentrio semelhante na prpria Histria geral, citando depois, em nota de rodap, a referncia
indireta a Guizot: Dora em diante os nossos anais vo sendo mais copiosos em fatos, e comearemos
a ser mais concisos; seguindo a mxima de um dos primeiros escritores de nossos dias de que
principalmente junto ao bero das naes que mais cumpre ao historiador demorar-se, contemplando-
as (VARNHAGEN 1854, p. 357).
O maior pecado que tinha Bagnuolo (sejamos francos) era ser estrangeiro,
para os brasileiros e portugueses, e tambm para os Castelhanos. j tempo
de sermos mais generosos com esse italiano que, com poucos recursos,
tantas vezes exps a sua vida pela nossa ptria (VARNHAGEN 1854, p. 379).
19
O monge beneditino a quem se refere Varnhagen Frei Gaspar de Madre Deus, como o mesmo
indica em nota de rodap.
20
Houve uma segunda edio da obra j no ano de 1872.
21
Sobre o assunto, para o sculo XIX, ver JANCS; PIMENTA 2000, p. 129-175.
Fazendo meno de tantos escritores que ilustram ento o Brasil, fora grave
falta no tributar neste lugar homenagem a um ilustre brasileiro, que seguindo,
por via diferente, os passos de Jos Baslio, presenteou a sua ptria com a
epopeia do descobrimento e colonizao do Brasil, a qual poder com razo
haver intitulado Brasiliada. Fr. Jos de Santa Rita Duro foi o poeta pico a
que nos referimos, e Caramuru o nome por ele escolhido para a sua epopeia,
que publicou em Lisboa em 1781, trs anos depois de haver recolhido a
Portugal; donde, ao doutorar-se em Coimbra, tivera que fugar-se para evitar
a perseguio, por haver-se envolvido em assumptos polticos, sendo alis
regrante de Santo Agostinho (VARNHAGEN 1857, p. 262).
22
Para uma avaliao um pouco diferente do conjunto da obra de Plutarco, ver SILVA 2006.
23
Sobre a elaborao de algumas das biografias assinadas por Varnhagen publicadas na Revista do
IHGB, ver SANTOS 2008.
24
Ver, em especial, GUIMARES 1995, p. 522.
Seu heri galgara o posto que lhe era merecido atravs de sua obra. Para
alm da longa e detalhada investigao desenvolvida por sobre a obra de
Plutarco, citada anteriormente, pode-se afirmar que as pontuaes supracitadas
descrevem um pouco o desenho das apropriaes da escrita biogrfica, em um
caso especfico, no Brasil do Oitocentos. Na precisa apropriao aqui trabalhada,
com seus heris do presente e de guerras do passado, tal como alude Hartog
para o sculo XIX, no grande homem h necessariamente um grande patriota,
grande por ter escrito uma pgina gloriosa da biografia da nao (HARTOG
2005a, p. 138). Varnhagen, em sua concepo pragmtica da histria, no
esperaria que os grandes homens do Oitocentos tomassem a iniciativa de
escrever suas pginas e, por isso, l estava ele, disposto a lembr-los de que
no estavam ss no campo de batalha, fosse no passado, fosse no presente.
25
Carta a Jos Carlos Rodrigues. Viena, [?] de abril de 1877.
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vitae no sculo XIX brasileiro. In: NICOLAZZI, Fernando; MOLLO, Helena
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7Letras, 2006, p. 15-25.
105
Resumo
Nesse artigo pretendo pensar sobre o conceito de experincia e seus vnculos com a produo de
conhecimento em histria, a partir de uma reflexo sobre o percurso, as escolhas e intervenes
metodolgicas realizadas por mim ao deparar-me com a tarefa de escrever uma tese biogrfica, e
as experincias vividas durante a prpria pesquisa. Por meio de um dilogo estreito com Reinhart
Koselleck e uma tradio historiogrfica italiana fundada na micro-histria, procuro refletir sobre
dois conjuntos de problemas que estruturaram a pesquisa. O primeiro deles o peso poltico e
histrico da memria na qual pretendia interferir: a do duque de Caxias. O outro mais propriamente
106 terico, sobre como escrever uma tese de histria a partir da singularidade de uma vida.
Palavras-chave
Biografia; Experincia; Escrita da histria.
Abstract
In this article, I intend to work with the concept of experience and its links with the production of
knowledge in history, based on a reflection on the course, the choices and the methodological
interventions I had to make while writing a biographical thesis, and also on the experiences I have
lived during my researches. Through a close dialogue with Reinhart Koselleck and an Italian
historiographical tradition based on micro-history, I intend to reflect on two sets of issues that
shaped the research. The first is the political and historical importance of the memory in which I
intended to interfere with: the memory of the Duke of Caxias. The other is more theoretical, about
writing a thesis in history based on the uniqueness of a characters life.
Keywords
Biography; Experience; History writing.
Cest pourquoi il nest pas absurde dtablir un lien entre les interventions
mthodologiques des historiens et les expriences tout fait personnelles
par lesquelles ils ont un jour t concerns (KOSELLECK 1997, p. 208).
1
Originalmente foi publicado com o ttulo Erfahrungswandel und Methodenwechsel. Ein historisch-
anthropologische Skizze. Trabalho aqui com a edio francesa, publicada no livro Lexprience de
lhistoire (KOSELLECK 1997).
2
Aproprio-me aqui de uma frase de Viveiros de Castro (CASTRO 2002, p. 113), relacionando-a com
as reflexes realizadas Michael Werner sobre a relao de Koselleck com a antropologia (KOSELLECK
1997, p. 9).
3
O projeto foi coordenado por Celso Castro, tendo resultado posteriormente na publicao de um livro
(CASTRO 2002). Deparando-se com a imagem do duque de Caxias patrono do Exrcito brasileiro em suas
pesquisas, Celso Castro tentava me convencer a transformar a trajetria do duque em objeto de pesquisa.
Foi ele quem me apresentou biografia de Pinto de Campos, presenteando-me com o livro.
Ernest Cassirer procura definir, assim, por meio dos escritos de Carlyle,
esse grande homem elaborado pelo XIX a partir das Luzes do XVIII. O heri
clssico cuja fora advinha do fato de no ser humano substitudo por um
homem heri de valores naturalizados, impressos em certa interioridade ou,
em alguns casos, materializados no prprio corpo. Os bigrafos responsveis
por erguer os novos monumentos nacionais deveriam por em relevo essa sua
natureza especial, a originalidade desse eu.4
No houve como verificar se o padre Pinto de Campos leu a obra de Carlyle.
Uma caracterstica dos trabalhos memorialistas no incluir referncias bibliogrficas.
Vale destacar, porm, que ao definir biografia como monumento, o padre compartilha
da mesma equao narrativa que sustenta o trabalho de Carlyle, e que relaciona
histria, biografia e heroicidade na criao dessa figura do grande homem nacional.
No por acaso, ao escrever Vida do grande cidado brasileiro, Pinto de
Campos promoveu duas operaes de silenciamento: apagou cuidadosamente
a imagem anterior do chefe poltico, centrando sua narrativa na descrio de
batalhas, e deixou de contar a histria dos primeiros anos da vida do duque, de
sua formao, condensando essa narrativa em apenas 24 das 496 pginas da
obra. Da surgiria, na luz sem sombra da primeira manh, direto das mos do
criador e, portanto, imune a todas as influncias do meio, o duque de Caxias
heri militar, vocacionado desde o bero para a guerra.5
Foi a partir dessas operaes, propriamente historiogrficas, realizadas sobre
o campo das biografias dedicadas trajetria do duque de Caxias, que constru as
duas regies de interesse que orientariam toda minha pesquisa. A primeira delas,
estabelecida em oposio ideia de vocao inata, recaiu sobre os primeiros anos
111
da vida do duque, quando ele era apenas o jovem Luiz Alves. A segunda regio de
interesse correspondeu carreira e s relaes polticas de Luiz Alves de Lima.
Dialogando com a temtica da coerncia e unidade interior, e operando com um
sentido bem ampliado de poltica, procurei ir alm da anlise de sua atuao no
exerccio de cargos polticos.6 Dediquei-me a recompor o quanto me foi possvel
a rede poltico-social em que Luiz Alves se achava inscrito em diferentes
momentos de sua vida, mesmo quando frente de foras militares. A inteno
era, inserindo-o nesse jogo de foras reticulares, por em destaque os vnculos
sociais a partir dos quais ele veio a se tornar o duque de Caxias.
Por meio dessas opes, mantinha dilogo com a matriz discursiva dos
bigrafos de Caxias, invertendo-a. Alm de nos legar uma imagem
exclusivamente militar do duque de Caxias, essa matriz a ancorou na Guerra
do Paraguai. Entretanto, nessa guerra, Luiz Alves j era Caxias, no o duque,
mas um marqus e general bem sucedido, alm de uma liderana do Partido
Conservador. No foi proposital, mas sem dvida sintoma dessas escolhas, o
fato de no ter chegado, em minha tese, Guerra do Paraguai.
4
Referncia importante para pensar as transformaes na noo de heri e heroicidade, includa aqui
nessa breve meno antiguidade, o livro de Nicole Loraux (LOURAUX 1994).
5
Aproprio-me aqui, na metfora utilizada, do texto de Nietzsche citado por Foucault (FOUCAULT 1979).
6
Esse debate foi construdo no brilhante curso A construo social da pessoa, ministrado pelo professor
Luiz Fernando Dias Duarte no Museu Nacional/ UFRJ. Inclusive, foi no trabalho final realizado para
esse curso, e publicado em seguida, que sistematizei boa parte dessas ideias (SOUZA 2001).
7
No pretendo aqui negar a larga produo historiogrfica brasileira organizada a partir de narrativas
biogrficas, apenas recupero o debate no seu formato acadmico, vinculado aos espaos profissionais
de pesquisa e escrita da histria. Sobre a referida tradio brasileira, ver GONALVES 2009.
expectativas de que um deles, mais audacioso, viesse a por abaixo essas longas
dcadas de pusilanimidade.8
Olhando em retrospectiva, possvel dizer que o evento alcanou seu objetivo.
O debate se instalou de fato, e com virulncia, na Frana. Historiadores montaram
suas trincheiras e se dividiram entre partidrios e opositores entrada da biografia
ainda recorrendo a Touati e Trebitisch no panteo historiogrfico. Novos
eventos foram organizados, e o tema pautado por editoriais de tradicionais revistas
francesas. Algumas acusaes se tornaram paradigmticas, e conhecidas. Para
muitos, recuperava-se o que havia de pior na historiografia do sculo XIX um
modelo de histria linear, superficial e anedtico. Da a consagrao do termo le
retour. A biografia retornava e, com ela, o fantasma da histoire vnementielle,
que tambm se expressava nas novas experincias da histria poltica e de
investigaes organizadas a partir de tcnicas narrativas.
Tal reao foi, contudo, um fato francs, e hoje sabemos que deve ser
entendida nos quadros das intensas disputas polticas que fundaram a memria
disciplinar naquele pas.9 Sabina Loriga, mais recentemente, depois de examinar a
obra de pensadores que, ao longo do sculo XIX, procuraram restituir a dimenso
individual da histria, afirmou que foi na Frana que a biografia ficou mais prejudicada.
A batalha contra a histria historizante, iniciada nas pginas da Revue de synthse
historique, foi incorporada na dcada de 1930 pelos historiadores dos Annales e,
em pouco tempo, a biografia tornou-se um dos maiores smbolos da histria
tradicional, mais interessada na cronologia que nas estruturas, mais nos grandes
homens que nas massas (LORIGA 2010, p. 51).
Esse era o debate a que se voltava em 1985, no mbito do colquio
113
Problmes et Mthodes de la Biographie, e tambm no interior dessa polmica
que se situam os artigos de Pierre Bourdieu e Giovanni Levi, ambos publicados
em dossis de revistas prestigiadas, dedicados ao tema. O artigo de Bourdieu
saiu um ano aps o colquio, e deu ttulo ao nmero dos Actes de la recherche
en sciences sociales de junho de 1986 A iluso biogrfica.10 Sem dvida tratava-
-se da crtica mais severa de todo o debate. O socilogo francs definia como
ilusria um tipo de retrica, com tradio consolidada na historia, que faz associao
direta entre uma cronologia unidirecional, um eu coerente e constante e aes
que excluem as noes de risco e incerteza. Essa crena, difundida em certo senso
comum histrico, de que a vida em si uma histria um caminho que percorremos
e que deve ser percorrido constituiu o cerne da iluso retrica definida por
Bourdieu, e seu elemento fundador o nome prprio. Este seria na avaliao do
autor o melhor exemplo de uma imposio arbitrria, que assegura uma
constncia atravs do tempo e uma unidade atravs de diversos espaos sociais.
8
Trata-se aqui de traduo livre. No original, l-se: Tout apprenti biographe a um marteau sa
porte. On attend que quelque audacieux vienne rompre de longues dcennies de pusillanimit, et
frapp. Puisse-t-il servir doutil! (TOUATI; TREBITSCH 1985).
9
Krzysztof Pomian escreveu para a obra coletiva organizada por Pierre Nora Les lieux de mmoire um
importante ensaio no qual analisa os comprometimentos da escrita dos Annales com um projeto de memria
nacional francesa. Ver POMIAN (1986. p. 377-429). Essa leitura de Pomian a partir de uma memria disciplinar
seguem as orientaes de Manoel Salgado, que viria a sistematizar suas ideias alguns anos depois em A
cultura histrica oitocentista: a constituio de uma memria disciplinar (GUIMARAES 2003).
10
Este e outros nmeros da revista j se encontram on-line.
114 abordagens biogrficas. E nesse ponto tambm que Levi volta a dialogar com
Bourdieu, estabelecendo uma primeira crtica ao socilogo francs. Entendendo
suas reflexes sobre as relaes entre habitus de grupo e habitus individual
como exemplo do que classificou de biografia modal, reconhece nelas um limite
claro para o tratamento das biografias individuais, que ficam reduzidas condio
de ilustraes do estilo de uma poca ou de uma classe. Ou seja, nesses
casos, a biografia no a de uma pessoa singular, mas a de um indivduo que
aps algumas operaes de mensurao e de seleo tem atestada sua
capacidade de concentrar as caractersticas de um grupo (FERREIRA; AMADO
1996, p. 175).
H aqui dois pontos importantes. O primeiro deles a que retornarei mais
adiante essa crtica a Pierre Bourdieu. Ao recuperar, por meio de citaes, o
conceito de homologia e de diversidade na homogeneidade, desenvolvidos por
Bourdieu no livro Esboo de uma teoria da prtica, para mostrar o quanto sua
argumentao se constri a partir de uma concepo modal do biogrfico, Giovanni
Levi situa sua crtica alm dos limites historiogrficos. H uma maneira francesa de
pensar a biografia enraizada nos Annales, mas que ultrapassa suas fronteiras
que deve ser afastada (FERREIRA; AMADO 1996, p. 179).
No por acaso, na tipologia do historiador italiano, Pierre Bourdieu figura ao
lado de Michel Vovelle como exemplos de escrita modal do biogrfico.
Comprometidos com uma perspectiva macroanaltica do social, e com um
determinado projeto de cincia social, em suas pesquisas, a biografia s
considerada analiticamente legtima se tomada como representativa de uma forma
11
Uma sntese desse projeto de cincia social, que funda tambm a histria social francesa,
apresentada por Jacques Revel em artigo publicado no livro Jogos de escalas, intitulado Microanlise
e construo do social (REVEL 1998, p. 17). Sobre a maneira francesa de pensar a biografia, e que se
define como cientfica, Sabina Loriga j a reconhece em certa tradio do sculo XIX francs (LORIGA
2010, p. 22).
12
A noo de experincia comea a erodir a de estrutura ainda na dcada de 1960 com o importante
debate aberto por Edward Thompson sobre a dignidade pessoal dos vencidos e das vtimas da histria.
13
Um bom balano do debate sobre a escrita biogrfica em fins da dcada de 1990 encontra-se no
artigo de Benito Bisso Schimidt (1997). Chamo ateno para o fato, sensvel no artigo, de que a
produo de biografias no Brasil nesse perodo se concentra ainda no mbito do jornalismo. No por
coincidncia, esse o debate proposto pelo artigo, e que abre o nmero da revista Estudos histricos
dedicado ao tema. Ver volume 10 intitulado Indivduo, biografia e histria (Vol. 10, n 19, 1997).
dos rumos da pesquisa, das primeiras respostas que tinha obtido ao propor
como problema, ainda durante o mestrado, uma reflexo sobre o lugar ocupado
pelo Exrcito na poltica conservadora de consolidao do Estado imperial
(SOUZA 1999). O modelo a que, ento, cheguei era o de uma instituio
inteiramente aberta, regida por valores e por um sistema de hierarquias amplos,
os mesmos da sociedade poltica. O corpo de oficiais generais como procurei
mostrar em outra ocasio era heterogneo, herdeiro de uma tradio militar
portuguesa estranha ao modelo atual que associa a carreira aquisio de
conhecimentos tcnicos especficos, incorporao de valores orientados por
uma disciplina rigorosa e a uma forte unidade corporativa. O nico ponto comum
ao grupo era a dependncia da Coroa, que detinha o monoplio das patentes
militares, podendo regular sua distribuio tal como fazia com outros bens
simblicos (SOUZA 2004).
Dada essa ausncia de uma formao burocrtica mais complexa e
impessoal, o nvel de formalizao das trajetrias dos oficiais militares era baixo.
Para se obter uma patente de general, havia vrios caminhos possveis, alguns
dos quais sequer exigiam do pretendente experincia institucional, o que explica,
por exemplo, um fenmeno comum at a dcada de 1850: a presena de
homens de carreira notadamente poltica em postos de comando do Exrcito,
distinguidos com altas patentes militares.14
Desse modo, era invivel propor uma abordagem sobre esse grupo
social os oficiais generais a partir de prosopografias, da ideia de biografia
14
No texto acima referido, proponho um esboo de tipologia para pensar, ainda que de forma bem geral,
possveis modelos de carreira militar na primeira metade do XIX (SOUZA 2004, p. 171).
15
Para os diferentes tipos de retrica que organizam as abordagens macro e microanalticas, ver o livro
organizado por Jacque Revel (1998), especialmente os textos de Maurizio Gribaudi e Simona Cerutti.
Povoando o passado
Mas como formular a experincia de um indivduo, a singularidade de uma
vida, como problema de uma tese de histria? Essa pergunta continuava me
acompanhando, e s consegui me movimentar no debate, elaborando uma
proposta biogrfica, quando me aproximei de outra tradio intelectual,
empenhada em salvaguardar uma dimenso individual na histria e enraizada
nas historiografias alem e italiana oitocentistas.
O contato com essa tradio s ocorreu quando, durante o estgio
sanduche, acompanhei um dos cursos que Sabina Loriga vinha consagrando
releitura de clssicos dessa tradio para entender o que considerava ser um
movimento de despersonalizao da historia.16 O sculo XIX na avaliao de
Loriga havia produzido uma reflexo rica e complexa sobre as relaes entre
indivduo e histria, sendo possvel encontrar, principalmente na Alemanha, vrios
historiadores que se perguntavam sobre o que um indivduo, como se opera sua
constituio e quais as relaes que ele guarda com o mundo histrico. Como
117
afirmaria na introduo de seu livro, Loriga pretendia recolher, por meio da anlise
das motivaes polticas e sociais das obras desses vrios autores oitocentistas,
pensamentos capazes de povoar o passado (LORIGA 2010, p. 14).
Povoar o passado significava abandonar a prtica, necessria pela estratgia
de mxima agregao da histria social tradicional, de operar com conceitos
abstratos. A ideia provm em parte da leitura dos clssicos de Jacob Burckhardt
sobre histria da arte. Desde a dcada de 1850, quando publicou Le cicrone,
guide de lart antique et de lart moderne en Italie, o historiador suo afirmava
o carter fragmentrio da histria, reconhecendo o papel da imaginao na
escrita historiogrfica.17 Perspectiva que j se encontrava presente em um
texto anterior, de Wilhelm Von Humboldt, intitulado Sobre a tarefa do historiador.18
Ambos nos lembram que, dedicando-se anlise das runas e rastros do
passado, o ofcio do historiador se define como um trabalho propriamente
16
Devo destacar aqui a importncia da orientao de Manoel Luiz Salgado Guimares. Devo a ele
no apenas a do problema como a mediao na relao com Sabina Loriga, que viria a ser minha
orientadora durante o estgio sanduche. Aps o estgio, tive ainda o privilgio de ajudar Manoel
Salgado a organizar e manter o grupo de estudos Abordagens tericas da cultura oitocentista,
onde por dois anos pude dar sequncia a essas leituras, discutindo-as em um grupo plural, que
pensava teoria a partir de temticas, recortes cronolgicos e abordagens as mais variadas. Um
espao privilegiado de reflexo.
17
No original: Der Cicerone: Eine Einleitung, zum Genub der Kunstwerke Italiens.
18
O texto traduzido para o portugus pode ser encontrado em HUMBOLDT 2001.
19
Atualmente, Sabina Loriga tem oferecido, em parceria com Jacques Revel, um curso dedicado a
pensar a linguistic turn. Ver no site da cole des Hautes tudes en Sciences Sociales, os seminrios do
ano 2011-2012: http://www.ehess.fr/fr/enseignement/enseignements/2011/ue/804/
20
Uma srie de pesquisas vinculadas ao que se convencionou chamar micro-histria tem operado com
a ideia de que cada ator histrico se inscreve em contextos de dimenses e de nveis variados, do
mais local ao mais global. Com isso, tentam mostrar que no existe um hiato, menos ainda uma
oposio entre essas dimenses. Ver: LEVI (1989; 1998), GRIBAUDI (1987; 1998a), LORIGA (1991;
1998; 2010) e CERUTTI (1995).
21
Refiro-me aqui, como dito anteriormente, s pesquisas vinculadas micro-histria italiana. Ver
principalmente: LEVI (1989; 1998), GRIBAUDI (1987; 1998a), LORIGA (1991; 1998; 2010), CERUTTI
(1995) e CAVALLO (2006).
22
Em 2007 realizei um primeiro esboo dessa discusso mais conceitual em artigo publicado na
Revista da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Para as reflexes sobre o conceito de
configurao e para a leitura de Max Gluckman, destaco como chave o livro de Maurizio Gribaudi
(GRIBAUDI 1998a).
Certamente seria possvel listar vrios outros autores (e escolas) que teriam
dado continuidade a essas reflexes de Gluckman, mas vou me limitar aqui
seguindo as orientaes de Maurizio Gribaudi a destacar alguns aspectos desse
debate que marcam ainda hoje as discusses sobre o conceito de configurao
social (GRIBAUDI 1998a).
Primeiro, preciso considerar que a importncia atribuda ideia de conflito
produziu novas possibilidades de interpretao. Os comportamentos observados
dos atores sociais, e as relaes que mantm entre si, so lidos no mais como
resultado da reproduo bem sucedida de normas estveis e homogneas, mas
como produto de interaes sociais, definidas pela ao de indivduos no mundo.
Como consequncia, as anlises do social deslocam-se do plano das abstraes
para o dos mecanismos de interao. A tarefa do pesquisador no mais descrever
as formas das prticas sociais para, a partir delas, deduzir modelos fortes. Tambm
no se espera dele a elaborao de grandes quadros explicativos fundados em
vastos levantamentos estatsticos. No lugar das tipologias, temos a elaborao de
repertrios de regras e imagens normativas atravs das quais os indivduos negociam
concretamente suas prticas. Por fim, como ltimo aspecto dessa tradio das
cincias sociais, vale destacar a centralidade conferida as redes egocentradas. A
opo pela anlise de comportamentos individuais no expressa dificuldades de
formalizaes estatsticas. Ela explicita antes uma posio terica. Todo indivduo
ocupa um lugar em uma teia humana composta por relaes que no lhe permitido
modificar seno dentro de certos limites. Escrever um trabalho biogrfico , desse
modo, pensar essas relaes que se precipitam sobre os indivduos no momento
do nascimento e atravs das quais eles se colocam no mundo (ELIAS 1994).
121
O conceito de configurao torna-se, assim, central. Ele expressa essa rede
de dependncias de forma plstica, como inter-relaes em constante adaptao.
Os lugares por onde um indivduo circulou, o modo como agia em relao s
pessoas e o que decidia, lhe permitiam dar continuidade, reelaborar ou romper
com relaes herdadas, alm de lhe dar a chance de tecer novas alianas. nesse
jogo relacional que vai se desenhando o que passei a entender como biografia.
Cada indivduo acha-se inscrito em redes especficas de dependncia, estando sujeito
s contingncias da experincia. Essas redes constituem uma conduta um modo
de articular e expressar interesses, aspiraes e sentimentos e engendram prticas
concretamente negociadas frente a um campo de possibilidades (VELHO 1994).
Da tambm a rediscusso da noo de contexto.
A noo foi por muito tempo utilizada para usar uma expresso de Jacques
Revel de forma preguiosa pelos historiadores. Uso puramente retrico:
apresentado no incio dos textos, o contexto gerava um efeito de realidade em
torno do objeto de pesquisa. Alguns historiadores iam um pouco alm, e
apresentavam as condies gerais nas quais uma realidade particular achava seu
lugar. O problema, nesse caso, que o historiador limitava-se a uma simples descrio
dos dois nveis de observao, que seguiam paralelos durante todo o texto. No
mximo o que tambm era problemtico extraa-se do contexto as razes
gerais que permitiam explicar o particular, e geralmente predominava o
determinismo (REVEL 1998, p. 27). Mas h ainda outra forma de se pensar o
23
Aproprio-me aqui de algumas reflexes de Michael Werner na apresentao do livro Lexperince
de lhistoire (KOSELLECK 1997, p. 9).
124 de me colocar como observadora imparcial dos fatos. Sem a pretenso de restituir
cada coisa a seu lugar, abandonando a ideia de que restituiria, ao final, a verdade,
adotei a estratgia de explicitar todas as operaes historiogrficas que realizava,
das selees s contextualizaes, demarcando a lacunas e mapeando os debates
memorialistas de cada poca. E foi assim que essa explicitao de critrios, bem
como a formulao clara das hipteses, tornou-se para mim condio necessria
para elaborar a tese a partir da singularidade de uma vida.
Certamente trata-se de outro regime de escrita biogrfica e, nesse movimento
de ressignificao do gnero, a interlocuo com a micro-histria foi igualmente
importante. Esta como destacou Manoel Salgado produziu uma mutao
importante no campo apontando na direo de uma valorizao do eu, quer
como sujeito da escrita, quer como ator reivindicando seu lugar numa narrativa da
histria (GUIMARES 2008).
A imagem da histria elaborada por seus praticantes a de um sistema
aberto, em perptua transformao e determinado por mecanismos e dinmicas
interativas. O resultado de uma ao individual depende de outras aes e das
reaes de outros indivduos. Essa interdependncia, definida como prpria do
mundo social, impede que os atores disponham de um sistema de normas para
tentar prever sem ambiguidades os efeitos de seus atos. Ainda que cada indivduo
tenha diante de si um campo de possibilidades limitado, com margens definidas
cultural e socialmente, nenhum sistema normativo suficientemente estruturado
para eliminar todas as possibilidades de escolha, interpretao, manipulao e
negociao dessas normas e regras sociais.
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125
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24
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1998b.
128
Resumo
Em finais do sculo XX, a biografia retomou seu lugar de prestgio nas reflexes dos historiadores,
superando a desconfiana que lhe fora imputada pelo marxismo e pela historiografia dos Annales.
Atualmente, bastante expressiva a proliferao de estudos sobre trajetrias individuais, sejam
elas de homens ilustres ou comuns. Por outro lado, vrias das problemticas do gnero j foram
enfrentadas pela historiografia do sculo XIX. O objetivo deste artigo ser de recuperar as
importantes formulaes de Wilhelm Dilthey sobre a biografia. Com esta proposta, pretende-se
demonstrar como o filsofo alemo enfrentou, em seu tempo, questes cruciais, tais como a
subjetividade do bigrafo, os limites da representao narrativa da vida de um indivduo e a
oposio entre liberdade e determinismo.
Palavras-chave
Biografia; Wilhelm Dilthey; Histria.
129
Abstract
By the late twentieth century, the biography-genre recovered its place of prestige in the reflections
of historians, overcoming the distrust that had been imputed by Marxism and the historiography of
the Annales. Nowadays, the proliferation of the studies on individual trajectories, whether of common
or illustrious men, is a quite expressive phenomenon. On the other hand, several gender issues
have already been faced by the nineteenth-century historiography. The aim of this paper is to
recover the important formulations of Wilhelm Dilthey on biography. With this proposal, we intend to
demonstrate how the German philosopher faced, in his time, crucial questions for biographical writing,
such as the subjectivity of the biographer, the limits of narrative representation regarding an
individuals life, and the opposition between freedom and determinism.
Keywords
Biography; Wilhelm Dilthey; History.
Toda vida pode ser descrita, tanto a pequena quanto a poderosa, tanto
a vida cotidiana quanto a extraordinria
(DILTHEY 2010).
130 1997, p. 23). Esta tarefa pensava Schwob, no estava ao alcance dos historiadores,
preocupados que estavam com os grandes personagens e seus atos heroicos. A
arte desconhece essa mania de grandeza. Para ela, o retrato de um indivduo
medocre por isso mesmo capaz de revelar o diferente tem tanto valor quanto
a vida de um homem laureado pela glria.
A todos razoavelmente familiarizados com os debates historiogrficos
contemporneos sobre a biografia, as observaes de Schwob soam claramente
datadas. Uma das incorporaes mais notveis aos trabalhos biogrficos recentes
situa-se justamente na ampliao dos personagens enfocados, com aberturas
cada vez mais significativas em direo aos indivduos comuns, aqueles
aparentemente destitudos de interesse. Por outro lado, interessam-nos, em
particular, as consideraes de Schwob a respeito da biografia como uma escrita
da diferena. A narrativa da individualidade constituiu, no sculo XIX, ponto
nevrlgico no debate em torno da edificao das cincias humanas e da histria
como campos autnomos do conhecimento. Dentre os autores desse sculo,
Dilthey se destacou entre os que se dedicaram a refletir sobre o lugar da biografia
como possibilidade de compreenso da histria.
1
A diversidade de usos e de apropriaes da noo de historicismo tem produzido um intenso debate
no campo historiogrfico. Damos, neste aspecto, razo a Srgio da Mata quando este afirma que no
existe qualquer definio consensual do que , ou do que seria, ou do que foi o historicismo (MATA
2008). De um modo geral, tomamos o historicismo como a forma de pensamento histrico que postula
a histria como cincia a partir da considerao da historicidade de todos os fenmenos e do seu
carter dinmico e mutvel.
A biografia impe certas condies, e estas implicam que ela deve se fundar
nos fatos. E, por fatos, entendemos fatos que podem ser controlados por
outras pessoas alm do artista. Se o bigrafo inventa fatos como os inventa
um artista fatos que nenhuma outra pessoa pode controlar e tenta
combin-los com fatos de outro tipo, eles se destroem reciprocamente.
[...] Uma vez que o personagem inventado vive num mundo livre onde os
fatos so controlados por uma nica pessoa o prprio artista , sua
autenticidade reside na verdade de sua viso. O mundo criado por essa viso
mais raro, mais intenso, inteirio em relao ao mundo que em grande
parte feito de informaes autnticas fornecidas por outros. Por causa dessa
diferena, os dois tipos de fatos no se misturam; se eles se tocam, se
destroem. Ningum, parece ser a concluso, pode obter o melhor dos dois
mundos (apud LORIGA 2011, p. 32).
esse homem concreto que tomado por Dilthey como fio condutor de
toda sua explanao sobre as cincias humanas. O indivduo apreendido, em
sua ntegra, como uma totalidade psicofsica, feita de representao, de desejo
e de vontade. H uma distino entre o eu e o mundo. Se a realidade pode ser
representada, ela continua sendo um dado insupervel. Segundo Dilthey:
Uma riqueza vital infinita desdobra-se na existncia singular das pessoas por
fora de suas ligaes com o seu meio, com os outros homens e com as
coisas. Todavia, cada indivduo ao mesmo tempo um ponto de cruzamento
de conexes que atravessam os indivduos, que subsistem neles, mas que se
estendem para alm de suas vidas e que possuem, por meio do contedo, do
valor e da finalidade que neles se realiza, uma existncia autnoma e um
desenvolvimento prprio (DILTHEY 2010, p. 94).
2
Para Plutarco, a biografia tinha sua legitimidade assegurada pela possibilidade de fornecer exemplos gerais
por trs da desordem dos destinos individuais. So suas palavras: se ns no relatamos todos os fatos
clebres, no indo a fundo, ou talvez abreviando a maior parte deles, que o leitor no nos faa um mau juzo.
Pois, de um lado, no so histrias que ns escrevemos, mas vidas; de outro lado, no de nenhum modo nas
aes mais clebres que se mostra uma virtude ou um vcio, pois frequentemente um fato diminuto, uma
palavra, um gracejo manifestam mais o carter do que combates mortferos, grandes batalhas ou cercos.
Ento, como os pintores apreendem as semelhanas a partir da fisionomia e das formas visveis, pelas quais se
deixa ver o carter, do mesmo modo, deve nos ser permitido penetrar preferencialmente nos sinais da alma e,
por ser seu intrprete, desenhar a vida de cada um (apud REVEL 2010).
3
Ver, entre outros trabalhos, FEBVRE 2009; LE GOFF 1999.
4
Ver BOURDIEU 1996.
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DOSSE, Franois. O desafio biogrfico: escrever uma vida. So Paulo:
Edusp, 2009.
5
Deve-se mencionar, entretanto, a grande influncia que os conceitos e concepes historicistas de Dilthey
exerceram sobre Octvio Tarqunio de Sousa, bigrafo-historiador que teve, entre 1930-1950, como grande
projeto intelectual a escrita de uma Histria dos fundadores do Imprio no Brasil. Ver GONALVES 2009.
Resumo
Este artigo pretende esboar uma breve trajetria do conceito de prudncia, sem a pretenso de
localizar sua suposta origem. Busca-se, ao contrrio, questionar esta terminologia a partir de vrias
de suas apropriaes, o que implica dizer que o contedo ao qual este termo se baseia constan-
temente atualizado. Este exerccio ajuda-nos a perscrutar diferentes noes de tempo, uma vez
que o homem prudente deve fazer bom uso de suas experincias e memrias (e, portanto, do
passado), agir retamente perante o contingente (presente) e se basear em expectativas possveis
e provveis, fazendo bom uso das estimativas e previses que domina (futuro).
Palavras-chave
Histria dos conceitos; Genealogia; Prudncia. 145
Abstract
This article seeks to outline a brief history of the concept of prudence, without the intention of
locating its alleged origin. The aim is to question this terminology based on many of its appropriations,
which means to assume that the contents on which this term is based are constantly updated. This
exercise helps us analyze different notions of time, considering that the wise man should make
good use of his experiences and memories (and, therefore, of the past), act rightly before the
contingencies (present) and make good use of estimates and previsions that he may master (future).
Keywords
History of concepts; Genealogy; Prudence.
A phronesis em Aristteles
Em trabalho sobre a prudncia nos escritos de Aristteles (384 a.C. 322
a.C.), Pierre Aubenque afirma que a existncia do homem prudente (phronimos)
precede a determinao da essncia/natureza da prudncia (phronesis), isto ,
o phronimos no apenas o intrprete da reta regra, mas o portador vivo da
norma e, portanto, a personificao da regra. A regra deve ser entendida como
critrio definidor da justa medida que, por sinal, discernvel somente aos
olhos do homem dotado de phronesis. O homem prudente o nico capaz de
fornecer um julgamento reto e, por esse motivo, consegue deliberar bem tendo
em vista aes circunstanciais e contingentes. Em outras palavras, no h prudncia
sem, antes, haver um modelo de conduta a ser seguido. No entanto, no se deve
perder de vista algumas categorias caras s analises de Aristteles: o homem
prudente pode priorizar os bens relativos ao mbito particular ou pode agir em prol
dos homens em geral, em observncia dimenso do bem comum. A vida feliz,
finalidade ltima que tangencia a tica aristotlica, envolve justamente a superao
das finalidades particulares e a priorizao dos bens humanos. Por esta razo,
Aristteles faz do homem o centro de sua tica sem diviniz-lo, como nos lembra
Aubenque. A prudncia, ento, seria o substituto propriamente humano de uma
Providncia que falha (AUBENQUE 2008, p. 155).
Desta forma, a phronesis entendida como uma disposio prtica responsvel
pelo reconhecimento das virtudes morais. A prioridade, no caso, a adoo de
meios oportunos capazes de incidir na consumao de fins almejados. Felipe Charbel
afirma que a escolha (proairesis) central na definio do agir prudente em
Aristteles, pois atravs dela que se recorre aos meios adequados para se atingir
o fim proposto (TEIXEIRA 2008, p. 58). Assim, no basta saber o que justo e
nobilitante. preciso, acima de tudo, saber escolher o justo, transform-lo em
ao e conduta, o que possvel atravs da ponderao de cada acidente, de
cada lance fortuito a que os homens esto sujeitos (TEIXEIRA 2008, p. 60). O
phronimos deve se orientar de acordo com a reta razo, de forma que a prudncia
se configura como faculdade intelectual atrelada parte calculadora da alma racional.
O desejo de ser bom e de ocasionar o bem principia a resoluo acertada e o
clculo racional a ser aplicado perante a contingncia das coisas humanas. de
147
vital importncia, portanto, a considerao das ocasies e das oportunidades (kairos).
Aristteles prescreve certos limites no que se refere phronesis. Ela designa
um saber, embora limitado e consciente de seus limites. Por outro lado, ela
a determinao intelectual enquanto atributo do homem, mas de um homem
consciente de sua condio de homem. Por fim, uma qualificao moral,
pois h algum mrito em limitar seu desejo natural de conhecer, sem tentar
rivalizar com os deuses, e a limitar ao homem e a seus interesses um
pensamento que inspira ou que previne a cada instante a tentao sobre-
-humana (AUBENQUE 2008, p. 256).
Uma das maneiras possveis de entender o conceito de prudncia em Aristteles
retomando a tpica das idades, mencionada pelo autor em diferentes
circunstncias. Aqueles que atingem a fase adulta, por exemplo, no mostraro
nem confiana excessiva oriunda da temeridade, nem temores exagerados, mas
manter-se-o num justo meio relativamente a estes dois exemplos (ARISTTELES
1980, p. 156). Alia-se, a um s tempo, o belo, que geralmente perseguido pelo
jovem, e o til, desejado avidamente pelo velho. Sobre os velhos, o filsofo nos
orienta: como viveram muitos anos, e sofreram muitos desenganos, e cometeram
muitas faltas, e porque, via de regra, os negcios humanos so malsucedidos, em
tudo avanam com cautela e revelam menos fora do que deveriam (ARISTTELES
1980, p. 155). Ainda assim, o acmulo de experincia priva-os do mpeto da
juventude, mas alimenta seu juzo e modela sua temperana, de forma a torn-
-los bons conselheiros. Diferente do velho e movido pelo equilbrio do agir, o homem
que atinge a maturidade concilia o til e o belo, isto , se ajusta coragem prpria
da juventude e temperana comum velhice (ARISTTELES 1980, p. 156).
Para Aristteles, o prudente e o astuto so dois tipos morais. A prudncia
torna possvel a escolha deliberada do meio-termo, enquanto a astcia
geralmente condiciona os excessos. Ambas so habilidades, entendendo que
habilidade o poder de praticar as aes que conduzem a um determinado fim.
Sendo assim, os homens que se deixam levar por um fim nobre so prudentes,
enquanto os astutos visam a finalidades particulares e viciosas. Em outras
palavras, o homem astuto no necessariamente incorreto ou ineficaz, mas
prioriza o bem para si, e no o bem comum. O astuto e o prudente, nesta
leitura, podem muito bem conhecer as circunstncias e os meios adequados
para se atingir um determinado fim, mas s o prudente o faz sem perder de
vista o meio termo, a virtude (ARISTTELES 2009, livro VI, 1140a1-1137a1,
p. 132-144). Esta diferenciao entre o homem astuto e o prudente no pode
ser constatada, por exemplo, na caracterizao do sbio estoico, como veremos
no tpico que se segue.
A phronesis no estoicismo
A phronesis um dos atributos que caracterizam, tambm, o sbio
estoico. Em um texto no mnimo emblemtico, Guy Hamelin questiona a
possibilidade de aproximao entre a prudncia aristotlica e a sabedoria
148 estoica, desenvolvendo sua argumentao a partir de alguns paralelos. A
princpio, o autor percebe que a phronesis constitui uma habilidade para os
estoicos. Aristteles, ao contrrio, distingue habilidade e prudncia. Outro
argumento que sustenta a hiptese de Hamelin o de que, para os estoicos,
no h uma distino categrica entre sophia e phronesis, como aquela
elaborada por Aristteles. Assim, o conhecimento do sbio torna-se infalvel,
enquanto o prudente aristotlico no consegue se livrar inteiramente do
contingente, do fortuito.
Pierre Aubenque julga haver uma grande distncia entre a noo de
phronesis aristotlica e a phronesis estoica, aproximando-se da tese de Hamelin.
O autor lembra que no h na definio da segunda a diviso entre a parte cientfica
e a parte opinativa ou deliberativa ( qual estaria ligada a prudncia) da alma
racional, tampouco a distino entre um bem absoluto, objeto da sabedoria (sophia),
e um bem para o homem, objeto da prudncia (phronesis). No h, portanto, a
atribuio prudncia de um campo distinto do da sabedoria, que era para
Aristteles o contingente (AUBENQUE 2008, p. 294).
quem tem qualquer uma das virtudes, na medida em que todas elas so
atualizaes da prudncia em determinado tipo de contexto, tem todas;
justamente, ter prudncia ter as virtudes morais a serem aplicadas nos
diferentes contextos em que o agente se encontra (SPINELLI 2005, p. 171).
Ccero parece ter sido o primeiro que traduziu phronesis como prudentia e
149
pode ter dado a ideia de uma comparao entre a phronesis aristotlica e
estoica, j que em ambos os casos, o conceito representa a unidade
entre teoria e prtica ou entre conhecimento e virtude para a realizao
da natureza humana e descrita como essencial para a vida moral e
poltica (STANCIU 2011, p. 256, traduo nossa).1
1
Cicero seems to have been the first who translated phronesis as prudentia and may have given the ideia
of a comparison between the Aristotelian phronesis and the Stoic one, since in both cases the concept
represents the unity between theory and practice or between knowledge and virtue towards the fulfillment
of human nature and it is described as essential for both moral and political life.
2
Among these can be counted: the difference between phronesis, working at the level of opinion, and
sophia, working at the level of knowledge; the division of the rational soul into two parts: the scientific and
the opinative or deliberative, sophia being the virtue of the former and phronesis of the latter; and the
A phronesis em Epicuro
De acordo com Markus Silva, a phronesis em Epicuro (341 a.C. 270
a.C.) no deixa de ser uma sabedoria prtica, aproximando-se da concepo
aristotlica. No entanto, Epicuro distancia-se de Aristteles por atribuir
phronesis a primazia sobre outros saberes, definindo a filosofia como um
exerccio e definindo a filosofia em seu sentido mais alto como phronesis, ou
sabedoria no agir (SILVA 2003, p. 74). Nestes termos, a prudncia concede ao
homem a possibilidade de refletir acerca do que natural e necessrio saber, tanto
do ponto de vista prtico quanto terico. da phronesis que provm todas as
outras virtudes, pois no possvel viver de modo justo e prazeroso sem os seus
auxlios. A prudncia, portanto, o exerccio prtico da sabedoria, a sabedoria
no agir, um requisito bsico para o exerccio da filosofia, mas no por isso mais
importante ou mais precioso que a filosofia (SILVA 2003, p. 75).
Para Silva, h no mnimo trs categorias que devem ser revistas para se
entender com clareza a abrangncia da prudncia em Epicuro: o logisms, a
ataraxa e a autrkeia. O logisms uma operao do pensamento, um
clculo ou raciocnio que engendra uma medida, ou ainda uma capacidade de
medir, ponderar, dimensionar (SILVA 2003, p. 74). Phronesis e logisms so
elementos depuradores dos desejos e moduladores da conduta (SILVA 2003, p.
76). A ataraxa designa o equilbrio, a tranquilidade da alma, a imperturbabilidade.
Trata-se de um estado de alma livre dos valores no naturais e desnecessrios.
Nesta direo, a ataraxa a mxima expresso da phronesis, enquanto
150 sabedoria de agir a partir de si mesmo (SILVA 2003, p. 81). Por fim, a autrkeia
o fundamento do thos do sophs, e implica na independncia, na
autossuficincia. necessria uma ao pautada na phronesis e no logisms
para que ela se ajuste autrkeia. Estes trs conceitos definem a possibilidade
de ponderao, de se estabelecer uma medida para o agir e, atravs do exerccio
da autrkeia, o sophs define por si mesmo o bastante para a realizao dos
seus desejos naturais e necessrios (SILVA 2003, p. 86).
Jos Amrico Pessanha afirma que, para compreender a tica epicurista,
faz-se necessrio diferenciar o verdadeiro prazer, que estvel, dos prazeres
que resultam em pesares ou partem de carncias, movendo-se entre
insatisfaes (PESSANHA 2007, p. 104). O primeiro um prazer em repouso
(voluptas in stabilitate) e o segundo um prazer em movimento (voluptas in
motu) (PESSANHA 2007, p. 104-105). O prazer verdadeiro, meta dos
epicuristas, no consiste em satisfazer uma necessidade, mas sim elimin-la,
preceito que permite a efetivao da ataraxa. Uma persona prudente deveria
atender somente aos desejos naturais e necessrios, atingindo a ausncia de
dor (indolentia) e evitando a impulsividade instintiva. Nestes termos, o sbio
epicurista um asceta que utiliza a compreenso racional do mundo e da vida
para racionar os prprios desejos (PESSANHA 2007, p. 106).
difference between the absolute good, the object of wisdom, and the good for humans, the object of
prudence. Moreover, the contingent, the specific field of prudence in Aristotle, has no equivalent in the
Stoics. And in the Stoic universe, animated in all its parts by the same Logos, it was not possible to have
two intellectual virtues, out of which only one coincided with the universal Logos.
Para Epicuro, a direo da vida moral exercida pela razo, pelo raciocnio
e no pelos prazeres. A phronesis, no caso, aquela que governa os prazeres
e os ordena de maneira a estabelecer os que podem e os que no podem ser
praticados (FERREIRA 2000, p. 155). Isto indica uma forte influncia da doutrina
socrtica, que reduzia todas as virtudes prudncia, e esta cincia ou
sabedoria (FERREIRA 2000, p. 154). Epicuro afirma:
O sbio tambm pode estremecer, sofrer, perder a cor, pois tudo isto so
sensaes fisicamente naturais. Onde que est ento a desgraa, quando
que estes sintomas se tornam um mal verdadeiro? apenas quando
causam o abatimento da alma, quando levam o homem a confessar a sua
servido, quando o foram a arrepender-se de si mesmo. O sbio ser
capaz de dominar a fortuna com a virtude, ao passo que muitos adeptos
da filosofia se deixaro assustar por ameaas de somenos importncia.
Neste ponto ser nosso o erro de exigirmos de um principiante aquilo que
exigimos de um sbio (SNECA 2004, p. 281).
3
Trata-se do conceito de autrkeia, que pode ser traduzido como independncia ou bastar-se a si
mesmo. De acordo com Markus Silva, esta categoria, para Epicuro, fundamental e aliada da phrnesis,
na medida em que contribui no estabelecimento de uma medida justa, no que se refere aos desejos
naturais e necessrios. Ver: SILVA 2003, p. 86.
Sennellart conclui:
4
Estas smiles encontram-se presentes em Ccero que, no entanto, adota-as para retratar um ponto
de vista diverso: a fraude (dissimulao) e o uso da fora no so dignos do homem, adverte o autor.
Revestido de teor moral, o texto de Ccero recorre ao bestirio para separar o que prprio da vida
humana e o que inferior, comum aos selvagens. Ver: ADVERSE 2009, p. 84.
5
De acordo com Newton Bignotto, a concluso presente no captulo XVIII, de que no necessrio
ao prncipe possuir todas as qualidades, mas parecer t-las, no exclui a ideia de que essas qualidades
so essenciais ao exerccio do poder, mesmo quando apenas simuladas. Que o prncipe seja levado a
simular virtudes no implica dizer que as virtudes sejam sempre o simulacro de uma natureza
pervertida. Ver: BIGNOTTO 2007, p. 161.
6
A metfora do arqueiro pode ser encontrada em MAQUIAVEL 1996, p. 66.
Assim,
Consideraes finais
Quando problematiza as questes de natureza terica relativas histria
dos conceitos, Koselleck retoma a noo aristotlica de koinonia politike,
posteriormente traduzida como respublica ou societas civilis. Conforme o
autor, Aristteles formulou este conceito tendo diante de si a realidade da
polis e de sua comunidade de cidados. Foi para estes cidados que ele
162 pensou e concebeu sua Poltica. Quando o termo transposto para o latim
(societas civilis), pela pena de Ccero, altera-se o quadro de experincias
histricas que possibilitaram a Aristteles a formulao do seu conceito. A
questo se torna ainda mais complexa se avaliarmos o termo societas civilis
em nossas sociedades modernas. Disso, Koselleck conclui que devemos
considerar a variao temporal dos conceitos, o que acaba definindo seu
carter nico, pois ele se articula ao momento de sua utilizao, ainda que,
posteriormente, possa ser recepcionado de maneiras diversas. Convm
ressalvar, com o autor, que nem todas as palavras existentes em nosso
lxico podem se transformar num conceito. O procedimento de se pensar
uma histria dos conceitos volta-se, geralmente, para palavras com
conotaes polticas mais agudas (ou reconhecidas como tal), tais como
estado, revoluo, histria, sociedade, civilizao etc (KOSELLECK 1992, p.
138-139). Ao voltarmo-nos para a categoria prudncia, realamos uma
nomenclatura que, hoje, caiu em desuso e, por esta razo, pode ser
recepcionada negativamente, se avaliada com as lentes da contemporaneidade.
No entanto, justamente por ter sido muito prestigiada em outros momentos
e circunstncias que um estudo sobre a prudncia mostra-se pertinente e
adequado. Mais do que isso, mostra-se um desafio.
No texto de Carlos Arthur Nascimento que citamos no incio deste artigo,
o autor afirma que -nos completamente estranha a ideia de que a representao
da prudncia requeira trs rostos o da juventude, o da idade madura e o da
velhice (NASCIMENTO 1993, p. 2). Por esta razo, resolvemos concluir este
Referncias bibliogrficas
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Caeiro. So Paulo: Atlas, 2009.
AUBENQUE, Pierre. A prudncia em Aristteles. Traduo de Marisa Lopes.
So Paulo: Discurso Editorial, Paulus, 2008.
165
Resumo
O artigo pretende estudar o conceito do poltico presente nos trabalhos de Pierre Rosanvallon e
de Marcel Gauchet, e, a partir deste, travar contato com os seus objetos de investigao e
metodologias histricas. Em suma, uma pesquisa sobre teoria e metodologia de histria que se
interessa pelos campos da histria dos conceitos e pela renovao da histria poltica. Em desta-
que, uma noo de poder e de poltica que se enraza e se distribui pelo conjunto da sociedade,
diminuindo a dependncia em relao ao poder central e buscando pensar formas de evitar o
absentesmo em nossa sociedade.
166
Palavras-chave
Histria dos conceitos; Historiografia francesa; Cultura poltica.
Abstract
In this article, we aim to analyze the concept of politics in the works of Pierre Rosanvallon and
Marcel Gauchet. Based on it, we intend to discuss the subject of their investigation, as well as the
historical methodologies that they use. This is, in short, a work on the theory and methodology of
history, dealing with the field of history of concepts, and with the renewal of political history. We
highlight a notion of power and politics that is rooted and spread throughout the society as a whole,
reducing the dependency on a central power, while considering possible ways of avoiding the
absenteeism that marks our own society.
Keywords
History of concepts; French historiography; Political culture.
Genealogia
Um tema recorrente nas formulaes sobre o poltico em Pierre
Rosanvallon e Marcel Gauchet era a experincia advinda, na dcada de 1970,
dos debates sobre a experincia sovitica e o totalitarismo. Uma experincia
de desencanto, de insatisfao com promessas no realizadas. Cumpria pensar
uma sociedade que no se identificasse completamente com o Estado e um
poder que no estivesse apenas neste. Por outro lado, era preciso compreender
a defasagem entre discursos e prticas a fim de tentar explicar o porqu da no
realizao de todos os anseios democrticos.
Raymond Aron pode ser pensado como um pioneiro nesta famlia de
espritos evocada por Marcel Gauchet (2003). No foi por acaso que o Institute
Raymond Aron, na cole de Hautes tudes en Sciences Sociales, abrigou Claude
Lefort e Franois Furet, e este ltimo, como diretor, convidou Pierre Rosanvallon
e Marcel Gauchet a ingressarem no Institute.
A sociologia de Aron aproximou-se da poltica a partir do modelo weberiano
a sociologia compreensiva que multiplicava as causalidades (ARON 1981).
Alm de Weber, no entanto, Aron resgatou as figuras de Montesquieu e Alexis
de Tocqueville como legtimos socilogos atentos poltica e a uma abordagem
que se preocupava com as relaes solidrias entre diversos elementos da
Claude Lefort, por sua vez, afirmou ter, desde os anos 1950, comeado a
pensar na inteligibilidade do poltico a partir da ideia de que as sociedades se
definem a partir das relaes entre grupos e pessoas. O ponto de partida em
sua reflexo era a mutao na legitimidade que estava na origem do totalitarismo
sovitico. O que tornava legtimo um Estado democrtico? (LEFORT 1999). O
gradual apagamento das fronteiras entre o pblico e o privado colocava em
questo o social como uma rede de relaes de interdependncias. Cabia
estudar esta rede. Da o recurso ao poltico, um princpio ou um conjunto de
princpios geradores das relaes que os homens mantm entre si e com o
mundo (LEFORT 1986).
Com Franois Furet, o debate alcanou a historiografia. E isto por um
motivo especificamente francs: a Revoluo de 1789 no era simplesmente
um perodo histrico especfico que podia e devia ser estudado a partir de
1
Cabe o esclarecimento que a diviso aqui referida entre o conjunto social e uma instncia humana
de poder. No se trata de imaginar uma sociedade sem conflitos e uniforme. Este ponto ser desenvolvido
adiante a partir da leitura de Marcel Gauchet.
2
Um ponto importante para os historiadores ligados revista dos Annales era a releitura das fontes
documentais a partir de questes atuais, propondo novos problemas de pesquisa.
3
Um exemplo de estudo das discrepncias tericas e prticas existentes na tradio poltica francesa
o trabalho de Marcel Gauchet (1995). Neste h uma investigao sobre a ideia de representao e
seu uso pelos constituintes franceses.
172 a uma histria conceitual que se afastou de uma viso que privilegiava o
econmico como instncia fundamental. O poltico e a noo de cultura poltica
remetiam a um outro tipo de abordagem em que a esfera da poltica era alargada
e abria espao s formas de sociabilidades, s estratgias dos grupos e atores,
tornando-se assim, um modelo diferente de histria total. Seja pelo ponto
especfico da historiografia da Revoluo Francesa ou pelo projeto de
reconstruo do social pelo poltico, pde-se perceber uma teoria bastante
distinta do marxismo convencional, principalmente na Frana.
Alm do componente historiogrfico existia tambm um de tipo poltico.
Este remontava aos debates sobre a democracia moderna e a terceira via
(entre o liberalismo e o socialismo) do republicanismo. O resgate do
republicanismo clssico, mais conhecido a partir dos trabalhos histricos
de John Pocock: The Machiavellian moment (1975) e Quentin Skinner: The
foundations of modern political thought (1978) que, a princpio, diziam
respeito apenas a uma viso da poltica em que as proposies e crticas
eram remetidas ao seu contexto de produo, tornou-se, com o tempo,
um campo terico para estudar e medir a democracia contempornea. O
republicanismo e o humanismo cvico passaram a ser encarados como uma
oportunidade abandonada pelo Ocidente.
4
Pierre Rosanvallon afirma usar o campo do poltico em um sentido weberiano o que implica a
reconstruo do caminho percorrido pelos atores (ROSANVALLON, 2001)
5
A tese de Isaiah Berlin no trabalho citado tratava do socialismo e do jacobinismo como ideias
ultrapassadas de liberdade positiva (liberdade em que o cidado governa). Defendia a liberdade
negativa (civil) mais comum nas democracias ocidentais como sendo a melhor e mais perfeita.
6
Apesar de seguir uma matriz terica distinta, no caso francesa, Rosanvallon realiza uma metodologia
de reconstruo conceitual e lingustica semelhante a de Skinner e Pocock.
7
Como veremos adiante, este ponto ser articulado ao tema da contrademocracia.
8
Rosanvallon fala em um certo antiquarismo skinneriano devido a sua obsesso em negar as tradies
inglesas da filosofia poltica (2001; 2006a).
9
Estou operando com uma distino entre um republicanismo radical (jacobino) e um republicanismo
moderado de origem termidoriana. A questo do sufrgio universal masculino alfabetizado e a
interveno do Estado na economia fazem parte da verso radical ao passo que o voto censitrio
e a livre iniciativa so representativas da verso mais moderada, tendo em vista a sociedade
burguesa do sculo XIX.
10
So eles: La dette du sens et racines de ltat. Politique de la religion primitive, Politique et
socit: la leon des sauvages, LExprience totalitaire et la pense de la politique. Todos presentes
em GAUCHET 2005.
11
No original: Ce que les citoyens ont si volontiers pous dans cette intronisation-restauration de
lindpendance du for prive, cest la promotion de la posture du spectateur ou de lanalyste de celle de
lacteur ou du militant.
12
H uma outra etapa das pesquisas de Gauchet ligadas psicanlise que talvez corroborem sua ideia
freudiana de que no h unidade mesmo no homem (indivduo) devido ao das pulses: Cf. GAUCHET
1980; 1992; 1997.
Concluso
Christian Lynch, em seu artigo introdutrio edio brasileira de um livro
de Rosanvallon, afirma que este autor discorda dos diagnsticos de Gauchet
sobre a democracia:
13
No original: Je crois que ce problme de lidentification du politique et de la place quil occupe dans
nos socits est le problme le plus profond pos la philosophie politique aujourdhui.
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Resumo
Em 1824, o romancista nova-iorquino James Fenimore Cooper empreendeu uma viagem de pesquisa at
a cidade de Boston, Massachusetts, para escrever o romance histrico Lionel Lincoln. A intenso inicial do
autor era publicar uma srie de treze romances, cada um ambientado nas treze colnias que deram
origem aos Estados Unidos da Amrica durante os eventos da Guerra de Independncia (1775-1783)
intitulada Legends of the thirteen republics. No entanto, o fracasso desta obra sepultou a ideia e Lionel
Lincoln ficou sendo o nico de seus trabalhos que Cooper considera uma obra histrica. Apesar de no
ter feito sucesso de crtica ou pblico, Lionel Lincoln no deixa de ser um exerccio em gnero que ainda
no tinha muitos adeptos no continente americano e que mostra a apropriao de diversos tipos de
184 narrativa por parte de seu autor, sobretudo o romance gtico e relatos de campanhas militares. O
objetivo deste trabalho analisar essas apropriaes tendo em vista o estabelecimento de uma forma
de prosa romanesca que ainda estava em desenvolvimento no incio do sculo XIX.
Palavras-chave
Romance histrico; Literatura; James Fenimore Cooper.
Abstract
In 1824, the novelist James Fenimore Cooper set out on a research travel to the city of Boston,
Massachusetts, so that he could write the historical novel Lionel Lincoln. The authors initial intention was
to publish a series of thirteen novels, each one with the setting of one of the thirteen original colonies of
the United States of America during the events of the War of Independence (1775-1783), entitled Legends
of the thirteen republics. However, the failure of this particular work buried the idea, and Lionel Lincoln was
left as the only one of the authors works to be considered by Cooper himself as a historical work.
Despite it not being a success - it neither found an audience, nor critical acclaim - Lionel Lincoln is an
exercise in a literary genre that still did not have many practitioners in the American continent, and shows
the appropriations of multiple kinds of narratives by its author, especially the Gothic romance and accounts
of military campaigns. The aim of this article is to analyze some of these appropriations as they relate to
the establishment of a form of novelistic prose that was still in development in the nineteenth century.
Keywords
Historical novel; Literature; James Fenimore Cooper.
*
Este trabalho faz parte da tese de doutorado da autora, com apoio financeiro da CAPES.
1
John Jay (1745-1829) serviu como delegado nos dois primeiros Congressos Continentais, inicialmente
buscando reconciliao com a Gr-Bretanha. Foi eleito para o Congresso Provincial uma instituio
rebelde que s durou dois anos onde escreveu a Constituio do Estado de Nova York em 1777. Foi
presidente do Congresso Continental entre 1778 1779 e embaixador das colnias na Espanha e Frana.
Depois de terminada a guerra, uniu-se com James Madison e Alexander Hamilton no Partido Federalista,
com quem publicou os Federalist papers de 1788, durante as negociaes para a outorgao da constituio
dos Estados Unidos. Foi governador de Nova York entre 1795 e 1801, recusando candidatar-se a reeleio.
foi uma carreira na marinha mercante nos primeiros anos da dcada de 1800.
Em 1810, Fenimore Cooper mudou novamente de ocupao, casando-se com
Susan DeLancey, de uma famlia de proeminncia poltica no estado de Nova
York, mas que havia tido seus bens confiscados depois da independncia por
conta de sua lealdade Coroa. Cooper tornou-se proprietrio de terras em
Westchester e, quando seus pais e irmos mais velhos faleceram, ficou
encarregado de administrar os negcios (e as dvidas) da famlia. Investiu em
uma variedade de negcios inclusive na indstria baleeira e, em 1820,
decidiu que um modo interessante de obter algum dinheiro poderia ser atravs
de seus escritos. Demoraria quase uma dcada, mas Cooper tornou-se o
primeiro escritor profissional dos Estados Unidos.
Pelas cartas de Cooper ao seu primeiro editor, Andrew T. Goodrich, fica
evidente que a escrita dos romances comeou como uma distrao em momentos
de doena na famlia. Precaution teria sido escrito durante um perodo de
convalescena de Susan; The spy, durante o perodo de enfermidade de uma de
suas filhas. As preocupaes programticas em relao ao aspecto nacional de
The spy ficam claras em uma carta a Goodrich de 20 de junho de 1820.
2
Confesso que sou mais parcial em relao a esse novo trabalho, na medida em que ele um homem
do pas e talvez um filho mais novo no o terminarei, no entanto, por pelo menos esses trs meses
j que pretendo que ele seja mais longo do que o ltimo. A tarefa de transformar costumes americanos
e cenas americanas interessantes a um leitor americano rdua eu no posso dizer se vou ter
sucesso ou no mas minha esposa, que uma excelente avaliadora em todas as coisas, exceto sua
parcialidade, me lisonjeia com xito brilhante [] (traduo nossa).
3
Catharine Maria Sedgwick (1789-1867) publicou nove romances durante sua carreira literria, sendo
o primeiro deles A New-England tale, de 1822, sobre uma rf que vai morar com a tia opressivamente
calvinista em Massachusetts. A opresso religiosa exercida por puritanos na regio uma das temticas
Any future collector of our national tales, would do well to snatch these from
oblivion, and to give them that place among the memorials of other days, which
is due to the early and authentic historians of a country. We say historians we
do not mean to rank the writers of these tales, among the recorder of statutes,
and battles, and party chronicles; but among those true historians which Dr.
Moore says, are wanting, to give us a just notions of what manner of men the
ancient Greeks were, in their domestic affections, and retired deportment; and
with whom Fielding classes himself, nearly in these words: Those dignified authors
who produce what are called true histories, are indeed writers of fictions, while I
am a true historian, a describer of society as it exists, and of men as they are. 187
An historian of this sort, is the author of the New-England tale, whomsoever he
or she may be: a person of fine feelings, and of fine observation, skilled in
interpreting motives of action, well acquainted with that true moral philosophy,
which has ascertained much of the natural influences of habit, example, and
education upon the formation of character, and with this knowledge, possessing
that delicacy of discernment, which produces felicity of manner in literary
composition, and is, in fact, a combination of generous sentiments, wide
intelligence, and enlightened taste; and which, when applied to literature,
communicates whatever it perceives or enjoys with a gracefulness, sensibility,
and simplicity, that vanity mediocrity, and self-assumption, never can attain
(COOPER 1955, p. 97-98).5
mais exploradas por Sedwick em seus romances. Seu romance mais conhecido Hope Leslie, em 1827,
ambientando na Massachusetts de 1643 e que retrata o conflito entre indgenas e colonos britnicos.
Sedgwick era amplamente reconhecida em seu tempo, mas acabou na obscuridade ao final do sculo
XIX, sendo recuperada pela crtica no sculo XX.
4
Dos livros que professam ilustrar a sociedade e os costumes americanos, ns nunca encontramos com
um to que to perfeita e agradavelmente alcana esta meta, at certo ponto, do que o pequeno volume
em nossa frente. Nossas instituies polticas, o estado da nossa educao, e a influncia da religio sobre
o carter nacional tm sido frequentemente discutidos e demonstrados, mas as influncias morais e
sociais, que operam separadamente e em relaes uma com a outra, e a multido de peculiaridades
locais, que formam nossas caractersticas distintas perante os muitos povos do mundo tm sido raramente
exibidas com sucesso na nessa literatura. verdade que o Sr. Washington Irving, em seu Knickerbocker,
Rip Van Winkle e a Lenda do cavaleiro sem cabea tem dado, em burlesco inimitvel, vises muito
naturais, justas e pitorescas de uma classe de gente do pas; mas eles so todos objetos ridculos e pouco
servem para formar uma histria da diversidade de paixes, sentimento e comportamento tais como se
manifestam em qualquer de nossas pequenas comunidades, separadas, por assim dizer, do grande mundo.
(traduo nossa)
5
Qualquer futuro colecionador de nossas histrias nacionais far bem em tir-las do esquecimento e dar
a elas aquele lugar entre as memrias de outros tempos, o que cabe aos primeiros e autnticos historiadores
de um pas. Ao dizer historiadores no estamos colocando os escritores dessas histrias ao lado daqueles
que registram estatutos e batalhas e crnicas partidrias; mas sim entre aqueles verdadeiros
historiadores, os quais Dr. Moore diz que esto faltando para dar-nos uma noo justa de que espcie
de homens eram os gregos antigos em suas afetaes domsticas e porte reservado; e com os quais
Fielding se identifica, quase nestas palavras: aqueles autores dignos que produzem que so chamadas
de verdadeiras histrias so, na verdade, os autores de fico, logo sou um verdadeiro historiador,
que descreve a sociedade como ela existe e ns homens como eles so.
Tal qual um historiador desse tipo o autor do New-England tale, quem quer que seja que ele ou ela
seja; uma pessoa de bons sentimentos e de boa observao, habilidosa em interpretar motivos para
ao, familiarizada com aquela verdadeira filosofia moral, que tem verificado muitas das influncias
naturais do hbito, exemplo e educao sobre a formao do carter e, com esse conhecimento,
possuindo aquela delicadeza que o discernimento, produziu formas apropriadas em composio
literria e , de fato, uma combinao de sentimentos generosos, larga inteligncia e gosto bem
apurado; e os quais quando aplicado literatura, comunica qualquer coisa que perceba ou aprecia
com uma graa, sensibilidade e simplicidade que a vaidade medocre e autopresuno nunca podero
atingir (traduo nossa).
6
Ao ltimo permitido enfeitar uma provvel fico, enquanto est seriamente proibido de se deter
sobre improvveis verdades; mas dever do primeiro registrar os fatos como eles aconteceram sem
uma referncia s consequncias, deixando sua reputao sobre uma fundao firme de realidades e
sustentando sua integrao atravs de suas autoridades (traduo nossa).
7
Waverley um fidalgo ingls de uma famlia que pr-Stuart, mas que no faz nada mais do que
silenciosamente simpatizar de forma ineficaz politicamente. Durante sua estada na Esccia como um
oficial ingls, Waverley, como resultado de amizades pessoais e envolvimentos amorosos entra o
campo dos apoiadores rebeldes dos Stuart. Como resultado de suas antigas relaes familiares e da
natureza incerta de sua participao no levante, o que o permite lutar bravamente, mas nunca se
tornar fanaticamente partidrio, seu elo com o lado Hanoveriano mantido. Dessa forma, a fortuna
de Waverley cria um enredo que no s nos d uma viso pragmtica do conflito de ambos os lados,
mas nos leva humanamente perto aos representantes importantes dos dois lados.
[] Em primeiro lugar, a concepo de Scott da histria inglesa , como ns vimos, aquela de um
meio termo se afirmando atravs de um conflito entre extremos. As figuras centrais do tipo Waverley
representam para Scott a ancestral firmeza do desenvolvimento ingls em meio s mais terrveis
crises. Em segundo lugar, no entanto, Scott, o grande realista, reconhece que nenhuma guerra civil na
histria foi to violenta a ponto de transformar uma populao inteira em partidrios fanticos de um
lado ou de outro. Uma grande parte das pessoas sempre ficou entre as faces opostas com simpatias
flutuantes ora para um lado, ora para outro. E essas simpatias flutuantes tm frequentemente
desempenhado um papel no resultado real da crise. Alm disso, a vida diria da nao ainda prossegue
em meio guerra mais terrvel. Ela precisa seguir no sentimento meramente econmico de que se ela
no o fizer, a nao ir morrer de fome e desaparecer. Mas ela tambm segue em todos os outros
aspectos e essa continuao da vida diria uma fundao importante da continuidade do
desenvolvimento cultural (traduo nossa).
8
Para alm do modelo de Scott, o que Cooper conhecia da Guerra de Independncia tambm fomentava
essa noo de que o conflito dividiu famlias e vizinhos. Mais importante do que os poucos relatos de
seus prprios familiares eram as lembranas colaterais que o romancista acumulou depois de seu
casamento com Susan DeLancey, filha de um oficial do exrcito britnico de Westchester que abandonou
as colnias durante a guerra. Conseguiu retornar ao pas depois da independncia e relatou ao seu
genro alguns episdios de seu servio, inclusive uma anedota sobre Washington na batalha de
Brandywine que Cooper publicou em 1831. A me de Susan tambm vivenciou a guerra de forma
dramtica, como filha do coronel loyalist Richard Floyd, que tambm abandonou sua propriedade e foi
para Nova Scotia, no Canad. Os Floyds foram fisicamente atacados em 1781, quando americanos
incendiaram sua moradia em Manhattan, no que claramente serviu de inspirao para episdios em
The spy. Elizabeth Floyd sobreviveu a esse ataque porque conseguiu fugir com sua irm e se esconder
ao relento durante uma madrugada inteira (FRANKLIN 1997, p. XIII-XV).
9
Lechmere era o nome de uma famlia de proprietrios loyalists de Boston.
10
Meeting houses no so exatamente igrejas; so prdios na Nova Inglaterra cuja finalidade
congregar membros de igrejas no conformistas. A indignao de Lionel tambm advm do fato de
que o prdio um local de culto.
11
No podemos elogiar o Waverley americano nesses dois personagens. Descobrir no final que o
sobrenatural Ralph somente um manaco que escapou de seu cuidador e ainda no s navega da
Inglaterra para Amrica, mas atravessa o pas como tendo algum poder forar demais a andorinha
da imaginao, como se ela fosse uma gaivota qualquer; e o imbecil Job no bem definido uma
cpia pobre dos Naturais das peas escocesas de Shakespeare que cuida para no dar a seus palhaos
mais do que eles podem fazer; enquanto o Sr. Cooper d, ao seu, ubiquidade e uma maravilhosa
quantidade de influncia sobre eventos alm do alcance da possibilidade. Por muito tempo espervamos
que Job Pray fosse revelar-se um Brutus usando a idiotice para encobrir seus verdadeiros motivos e
ficamos surpresos quando ele morreu de varola, no fim, um mero tolo (traduo nossa).
The battles of Lexington and Bunkers Hill, and the movement on Prospect
Hill, are be believed to be as faithfully described as is possible to have
been done by one who was not an eye-witness of those important events.
No pains were spared in examining all the documents, both English and
American; and many private authorities were consulted, with a strong
desire to ascertain the truth. The ground was visited and examined, and
the differing testimony was subjected to a close comparison between the
statements and the probability. Even a journal of the state of the weather
was procured, and its entries were rigidly respected; so that he who feels
sufficient interest in these details may rest assured that he will obtain facts
192 on all these particulars, by reading this book (COOPER 1832, p. VI).12
The composition of the historical novel is encumbered with still another and a
greater embarrassment. The author is obliged to regard, in the invention of
his characters and incidents, all the proprieties of reality, and of that very
reality in which he has placed his scene, with far more strictness here,
12
As batalhas de Lexington e Bunker Hill e o movimento [das tropas] em Prospect Hill so tidas como
as mais fielmente descritas na medida do possvel para algum que no foi uma testemunha ocular
desses eventos importantes. Nenhum sacrifcio foi poupado ao examinar todos os documentos, ambos
ingleses e americanos; e muitas autoridades privadas foram consultadas, com um desejo intenso de
se estabelecer a verdade. O terreno foi visitado e examinado e os testemunhos divergentes foram
submetidos a uma comparao aproximada entre as declaraes e a probabilidade. At um dirio
climtico foi consultado e seus registros foram rigidamente respeitados, assim aquele que sente interesse
suficiente nestes detalhes poder ter certeza que obter fatos em todas essas particularidades atravs
da leitura deste livro (traduo nossa).
Cooper was a writer who needed a certain amount of rapport with a place
and its people before he could recreate it fictionally. His ability to construct
a believable setting and realistic characters, that is to achieve verisimilitude,
depended on his having comfortable familiarity with their originals. Thus
his intimate knowledge of the settings and/or people of The spy, The
pilot, and The pioneers was a contributing factor in their success. In
Lionel Lincoln, Cooper had to try to overcome not just a lack of knowledge
about the area itself, but at bottom, a real lack of sympathy for what he
understood to be the Yankee character. The sharp eye always open for a
bargain, the tendency to cant inherent in Puritanism, perhaps even the
13
A composio do romance histrico sobrecarregada com um outro e ainda maior problema. A
autor obrigado a considerar, na inveno de seus personagens e incidentes, todas as propriedades
da realidade e daquela realidade em que ele depositou sua cena, com mais restries aqui do que
em fices em que nenhuma medida est imediatamente disponvel para detectar e estimar sua
extravagncia. As circunstncias e personagens que so conhecidos tm o efeito de objetos
familiares em uma paisagem, os quais no somente o permitem julgar a perspectiva geral, mas
tambm determinar a magnitude de outros, os quais o artista, na falta destes convenientes testes
da natureza, pode com impunidade exagerar e distorcer (traduo nossa).
14
Cooper, na poca, atravessava srios problemas financeiros, quase perdendo sua casa naquele
ano. Um filho pequeno, Fenimore, faleceu e uma epidemia de febre amarela colocou a famlia em
alerta. Alm disso, Cooper teve problemas de sade naqueles anos: uma crise de insolao e
problemas de ordem gstrica.
194 famlias depois da rendio do forte um dos eventos que formam a espinha
dorsal da narrativa do seu romance seguinte, The last of the mohicans (1826).
Cooper dramatiza os relatos, mas o efeito dos mesmos evidente em
sua prosa. A batalha de Bunker Hill, evento com que ele fecha o primeiro volume
do romance em sua primeira edio, descrita a partir de Copps Hill, de onde
Samuel Swett assistiu aos acontecimentos daquele dia. No romance, Lionel
assiste o incio dos movimentos juntamente com os generais Thomas Gage e
15
Cooper era um escritor que precisava de um certo grau de harmonia com um lugar e seu povo antes
que ele pudesse recri-lo ficcionalmente. Sua habilidade de construir um cenrio crvel e personagens
realistas, ou seja, atingir a verossimilhana dependia de uma familiaridade confortvel com seus
originais. Assim seu conhecimento ntimo dos cenrios/personagens de The spy, The pilot e The pioneers
foi um fator que contribuiu para seu sucesso. Em Lionel Lincoln, Cooper teve de tentar superar no
somente sua falta de conhecimento sobre a rea em si, mas, no fundo, uma real falta de simpatia pelo
que ele compreendia ser o carter yankee. O olhar agudo sempre aberto a uma pechincha, a tendncia
hipocrisia inerente ao puritanismo e talvez at mesmo o sotaque anavalhado lhe causavam repulsa.
Alm disso, ele via os homens de New England como impondo seus costumes sobre o poder poltico e
econmico ao mesmo tempo em que condenavam e tentavam corrigir os modos daqueles diferentes
deles mesmos. (traduo nossa)
O preconceito de Cooper com relao a habitantes da Nova Inglaterra pode ser verificado em The
pioneers, com os personagens de Hiram Doolittle e Dr. Elnathan Todd; o primeiro descrito como um
homem of a tall, gaunt formation, with rather sharp features, and a face that expressed formal
propriety, mingles with low cunning. Dr. Todd, por sua vez, uma figura cmica, alto como geralmente
os yankees so retratados. As caractersticas que definem ambos os personagens como tal os tornam
desagradveis ou bobos. Cooper recebeu crticas de seus amigos da Nova Inglaterra, entre eles o
prprio William Shubrick, que residia em Boston, apesar de no ser um nativo de l. O romancista
defendeu-se das acusaes com os personagens de Richard Barnstable e Long Tom Coffin, de The pilot,
mas como Nichols salienta, alguns personagens de Lionel Lincoln ainda deixam entrever esse preconceito,
j que seus protagonistas so mais britnicos do que americanos. Ver NICHOLS 1972, p. 20.
16
William Shubrick para James Fenimore Cooper em 22 de fevereiro de 1824. MS: Yale Collection of
American Literature, Beinecke Rare and Manuscript Library, Yale University.
Concluso
James Fenimore Cooper iniciou sua carreira em 1821 com a publicao de
um romance histrico ambientado na Guerra de Independncia dos Estados Unidos
da Amrica. Para escrever The spy, no entanto, o nova-iorquino lanou mo de
sua familiaridade com a regio na qual sua narrativa se passa: uma zona neutra
entre os exrcitos americano e britnico nos arrabaldes de Nova York, o condado
de Westchester. Alm disso, havia o histrico loyalist da famlia de sua mulher e as
195
histrias que seus vizinhos lhe contaram sobre a vida neste perodo difcil da histria
da ex-colnia, j que boa parte de sua elite se mantinha fiel Coroa. Seu segundo
romance situado no conflito, The pilot, foi seu primeiro romance naval. Como
Cooper serviu na marinha mercante norte-americana antes de casar-se, esse
territrio tambm lhe era familiar. Assim sendo, quando decidiu-se por escrever
um romance histrico ambientado em Boston, o escritor precisou fazer viagens
de pesquisa e usar diversas referncias para fielmente descrever os eventos que
queria incorporar em sua narrativa.
Lionel Lincoln o nico romance que Cooper considerou uma obra de cunho
histrico. Talvez justamente por no se sentir seguro perante seu objeto, a extensa
pesquisa empreendida pelo autor foi massiva e se evidencia em diversos trechos
dos volumes, em descries de prdios, costumes e batalhas naquele ano de
1775. Apesar de ter sido um romance com o qual nem o prprio Cooper tenha
ficado satisfeito, Lionel Lincoln uma obra que fornece uma oportunidade de se
analisar as diferentes apropriaes textuais empregadas por um escritor em incio
de carreira, em um mercado editorial incipiente quando o assunto eram obras
publicadas por autores nacionais. Apesar de primeira vista parecer uma obra
baseada no romance histrico de Sir Walter Scott Waverley, sobretudo , Lionel
Lincoln tambm possui aspectos retirados do romance gtico do final do sculo
XVIII e incio do XIX, alm de possuir diversas passagens que so elaboraes de
relatos histricos e testemunhos publicados na poca.
On Tuesday evening, 18th instant, The men turned, and rode briskly off,
General Gage dispatched, with as one of their party flashing his piece in a
much secrecy as possible, a vain attempt to give the alarm. A low
detachment consisting of eight or mandate was now passed through the
nine hundred regulars, under the ranks to push on, and in a few moments
command of Lieutenant Col. they entered on a full view of the hamlet,
Smith, for the purpose of the church, and the little green on which
destroying some military stores, it stood. The forms of men were seen
which our people had deposited at moving swiftly across the latter, as a roll
Concord, about eighteen miles of a drum broke the spot; and there were
from Boston. Having arrived at glimpses of a small body of countrymen,
Lexington, six miles short of drawn up in the affectation of military
Concord, they were met by a parade.
company of militia, of about one
hundred men, who having taken [...]
the alarm, began to assemble
from different town before Lionel pressed forward with a beating
daylight. They were assembled heart, for a crowd of horrors rushed
near the church, about sunrise; across his imagination at the moment,
when the British advanced in when the stern voice of the major of the
quick march to within a few rods, marines was heard again, shouting-
Major Pitcairn called out,
Disperse, you Rebels, throw Disperse, ye rebels, disperse! throw
196 down your arms and disperse.
Their small number would not
down your arms and disperse!
[]
17
Traduo nossa.
Referncias bibliogrficas
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RINGE, Donald; RINGE, Lucy. Historical introduction. In: COOPER, James Fenimore.
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University, 1984
THATCHER, James. A military journal during the American revolutionary
war. Boston: Richardson and Lord, 1823.
Resumo
Este trabalho consubstancia-se como uma tentativa palavra que no idioma alemo, Versuch, designa
tambm ensaio de identificar, por meio de um dilogo com parte da recente fortuna crtica de Razes do
Brasil, de Srgio Buarque de Holanda, elementos pontuais que evidenciam as modulaes da historicidade
da escrita e da prpria disciplina histrica na primeira metade do sculo XX brasileiro. Como fio
argumentativo, lanamos a hiptese segundo a qual a escritura daquela histria, configurada pela forma
ensaio, traz, na obra mesma, implicaes que revelam particularidades do contexto nacional. Entre essas
particularidades, encontra-se o fato emblemtico de o prprio autor estudado se constituir como um
autor-ponte de tais modulaes logo aps a publicao do livro de 1936. Destarte, alm de identificar
como as leituras e releituras de Razes do Brasil se modificam na medida em que se alteram as perspectivas
historiogrficas, procuramos esboar, como parte de pesquisa mais ampla, o modo como o prprio livro
se metamorfoseia estruturalmente, num desafiante processo vivo de escritura e reescritura. 201
Palavras-chave
Histria da historiografia; Srgio Buarque de Holanda; Escrita da histria.
Abstract
This work presents itself as an attempt a word that in the German language, Versuch, also means essay
to identify, through a historiographical debate with some of the recent criticisms of Srgio Buarque de
Holandas Razes do Brasil, the modulations of historicity of writing and historical discipline itself in the first
half of the twentieth century in Brazil. The guiding line of our reasoning is the hypothesis that the writing
of that history, set by the essay as form, brings, in the work itself, implications that reveal peculiarities of
the national context. Among these peculiarities, we find the emblematic issue that the author becomes a
kind of bridge-author of these modulations after the publication of the essay in 1936. Thus, in addition
to identifying how the readings and re-readings of the book change vis--vis the changes in the
historiographical perspectives, we draw out, as part of a broader research, the way it morphs itself
structurally, in a challenging and living process of writing and rewriting.
Keywords
History of historiography; Srgio Buarque de Holanda; History writing.
*
O eixo norteador dos problemas aqui delineados parte de uma agenda investigativa mais ampla,
qual seja: a partir da noo de ensaio histrico-sociolgico, proporemos evidenciar as relaes do
gnero ensastico com certa prtica historiogrfica da primeira metade do sculo XX brasileiro,
perscrutando tanto suas intersees com outras formas discursivas quanto com os aspectos crticos
do mtodo histrico. A pesquisa buscar realizar um estudo da obra Razes do Brasil, considerando-a na
202 historicidade que circunscreve a publicao das suas primeiras trs edies (1936, 1947, 1955), pois,
como sabido, o livro sofre transformaes significativas ao longo dos quase vinte anos em que
transcorrem as referidas edies. Sugerimos, portanto, que, nesse percurso, a obra em foco condensa
as principais tenses que caracterizaram o itinerrio do ensasmo como forma de escrita na historiografia
brasileira do perodo, desde o seu vigor, primeiras dcadas do sculo XX, at o suposto declnio,
dcada de 1950, de seu estatuto epistemolgico enquanto forma plausvel de representao do tempo
da nao. Este trabalho, sob orientao do Prof. Dr. Fernando Nicolazzi, integrado ao Ncleo de
Estudos em Histria da Historiografia e Modernidade (NEHM) e apoiado pelo programa de bolsas da
Universidade Federal de Ouro Preto.
1
O comentrio, em si um ato ilocucionrio uma vez que ele indica certa intencionalidade de
produzir certos efeitos , , em certa medida, responsvel pela canonizao dos chamados grandes
textos, pois, segundo a paradoxal anlise de Foucault, uma forma de repetio indita instaurada pelo
comentador, permite construir novos discursos sobre determinada obra. Grosso modo, o que j estava
l mas silenciado trazido tona pela fora ilocucionria daquele. [...] uma mesma e nica obra
literria pode dar lugar, simultaneamente, a tipos de discursos bem distintos [...] o desnvel entre
texto primeiro e texto segundo desempenha dois papeis que so solidrios. Por um lado permite
construir, indefinidamente, novos discursos: o fato de o primeiro texto pairar acima, sua permanncia,
seu estatuto de discurso sempre reatualizvel, o sentido mltiplo ou oculto de que passa por seu
detentor, a reticncia e a riqueza essenciais que lhe atribumos, tudo isso funda uma possibilidade
aberta de falar. Mas, por outro lado, o comentrio no tem outro papel, sejam quais forem as tcnicas
empregadas, seno o de dizer enfim o que estava articulado silenciosamente no texto primeiro. Deve,
conforme um paradoxo que ele desloca sempre, mas ao qual no escapa nunca, dizer pela primeira
vez aquilo que, entretanto, j havia sido dito e repetir incansavelmente aquilo que, no entanto, no
havia jamais sido dito (FOUCAULT 1996, p. 24-25). Para Grard Genette, o prefcio pode ser
compreendido como um exemplo de paratexto, dispositivo localizado dentro e fora dos livros, que,
por meio de recursos discursivos tais como ttulos, epgrafes, notas, alm dos variegados tipos de
prefcio, funda uma complexa mediao ilocucionria (implcita ou explcita) entre autor, editores e
leitores, capaz de, s vezes, imprimir na obra uma dada verdade, orientando uma via de leitura
considerada a correta. Ao tratar de um tipo especfico de paratexto, o prefcio alogrfico [allographic
preface], o terico e crtico literrio observa: Basicamente, as funes do prefcio alogrfico coincidem
em parte com mas ao mesmo tempo acrescentam certa especificidade as funes do prefcio
autoral original (promover e orientar a leitura da obra), pois as funes caractersticas dos prefcios
autorais posteriores e atrasados dificilmente caem no terreno de um escritor de prefcios alogrficos
[an allographic preface-writer] (doravante referidos simplesmente como escritores de prefcios). As
especificaes acrescentadas so, obviamente, atribuveis mudana no emissor, pois dois tipos de
pessoas no podem executar exatamente a mesma funo. Aqui, portanto, panegricos ao texto
tornam-se uma recomendao, e informaes sobre o texto tornam-se uma apresentao (GENETTE
1997, p. 264-265, grifo e traduo nossos).
em relao ao passado no qual foi concebido o livro, fazendo com que este se
manifeste como um documento histrico daquele perodo, assim como o registro
de uma determinada viso de mundo. 2 Em suma, uma das maiores
contribuies do texto do crtico literrio foi ter elevado a inflexo intelectual
empreendida naquela obra a um patamar que, somente algumas dcadas depois,
mereceu destaque nos estudos que a complexificariam ainda mais. Por exemplo,
trazer baila o uso que Srgio Buarque de Holanda faz da teoria de Weber, do
qual, nas palavras de Candido, aquele toma de emprstimo para construir a
sua metodologia dos contrrios, bem como empreender reflexes sobre um
estudo que se pautou pela compreenso, em sua acepo terica alem
[Verstehen], foi fundamental para a reabilitao de Razes do Brasil trinta e um
anos depois da publicao de sua primeira edio.3
A partir de meados da dcada de 1980, pois, comea a se delinear certa
ampliao dos estudos crticos e coletneas acerca da produo do autor. Dentre
estas, podemos mencionar a obra Srgio Buarque de Holanda, inserida na
antologia Grandes cientistas sociais (1985), cuja organizao realizada pela
historiadora Maria Odila Leite da Silva Dias, a qual tambm toma a frente do
prefcio ao livro. O mrito da autora est no fato de ter concentrado sua
investigao na trajetria intelectual de Holanda. Extrapolando as fronteiras de
Razes do Brasil, buscou relacion-la com as outras obras do historiador, ao
passo que mapeou o representativo desenvolvimento da sua concepo de
2
Ver CANDIDO 2006, p. 235; 1967; 1969.
203
3
Vale frisar que um estudo das primeiras recepes de Razes do Brasil a certamente uma lacuna
bibliogrfica ser futuramente contemplado na pesquisa que vimos desenvolvendo. Nesse sentido,
alguns estudos tm se debruado sobre a mais recorrente polmica a que suscitou a obra no ato da
publicao de sua segunda edio (1947), qual seja, as querelas entre Srgio Buarque e o poeta
Cassiano Ricardo em torno do conceito de homem cordial. Para tal, ver, entre outros, ROCHA1998;
MONTEIRO 1999, p. 201 e passim; WEGNER 2000, p. 52-67 e DE DECCA 2006, p. 145-159. Convm
pontuar ainda que a afirmao sobre tal reabilitao do livro de Holanda, em alguma medida viabilizada
pelo texto de Antonio Candido no contexto da universidade, est fundamentada no fato de este ter
contribudo para atenuar certa ordem do discurso- que, ao longo das dcadas de 1950 e 1960, registrava
Razes do Brasil e, lato sensu, as obras dos ditos intrpretes do Brasil como liberais; viso de mundo
de setores da classe mdia brasileira. Ora, para alm das fronteiras polticas e ideolgicas, essa
conjurao se impunha ainda no mbito institucional e metodolgico: num obstinado esforo por
estabelecer os parmetros definidores dos pressupostos que, doravante, deveriam alicerar novas
explicaes sobre a realidade brasileira, isto , os da sociologia tal como praticada na Universidade de
So Paulo, autores como Octavio Ianni e Fernando Henrique Cardoso procuraram, por todas as vias,
desviar-se das abordagens postas em curso pelos seus predecessores intrpretes. O segundo autor,
por exemplo, objetiva inserir seu trabalho numa perspectiva de se criar um modelo para a carreira
universitria e para a produo intelectual [na qual emergem] esforos para substituir a tradio
ensastica brasileira pela sociologia [atravs da] feitura de teses de mestrado e doutoramento
(CARDOSO apud NICOLAZZI, 2008b, p. 107). Ao tratar do tema da mestiagem, Octavio Ianni diz:
inicialmente ensastas, historiadores etc., mais ou menos objetivos, preocuparam-se com o assunto,
defendendo, evidentemente, posies distintas em face do problema (IANNI 1966, p. 68, grifo nosso).
Extrapolando o mbito da sociologia, j um pouco mais tarde, uma das crticas mais contundentes, e
no menos problemtica, vem, todavia, do discurso historiogrfico. Em sua tese de livre-docncia
defendida na USP, em 1975, o historiador Carlos Guilherme Mota, ao discorrer sobre a obra de Gilberto
Freyre, afirma que o ensasmo deste se configurava de forma impressionista e sedutora, chegando a
ofuscar mentes brilhantes como a do francs Fernand Braudel. De acordo com Mota, o historiador dos
Annales o considerava [Freyre] de todos os ensastas brasileiros o mais lcido (MOTA 1994, p. 59).
Mais ainda, escrita do autor de Apipucos coube o papel de refletir a lenta modernizao do Nordeste,
conjugada ao mandonismo senhorial: A prpria crise vivida como que lhe impede articular uma
histria e ensaiar a formalizao de uma cronologia, estabelecendo uma periodizao plausvel atravs
da qual se percebam os marcos do processo de decomposio de uma aristocracia rural. Nessa
medida, o ensasmo no surge apenas como o terreno ideal, mas como o discurso possvel. O resultado,
avaliado em termos de produo, se constitui em uma oscilao entre a saga da oligarquia e o
desnudamento da vida interna do estamento ao qual pertence [...] (MOTA 1994, p. 55).
4
A mesma autora aprofunda a questo do estilo buarquiano em DIAS (1988), no qual estabelece
dilogo de alta envergadura terica com autores vinculados a linhas interpretativas da hermenutica
contempornea. Para curioso depoimento sobre a demasiada preocupao com o estilo de escrita
durante toda a vida intelectual, ver texto do prprio historiador, HOLANDA (1979). S aos poucos me
fui compenetrando da necessidade de melhor trabalhar minha linguagem, ao menos a linguagem
escrita (sem dar, no entanto, a impresso de coisa trabalhada), de modo a que a comunicao se
fizesse sem estorvo. Depois disso, a verdade que no faltou quem me acusasse de cuidar em
demasia do bem escrever. Acredito, no entanto, que semelhante preocupao, onde ela existe, pode
ser, em muitos casos, condicionada, e no meu ela o tem sido com certeza, pelas limitaes de quem,
exatamente pelo fato de no se sentir o que se chama um escritor de raa, em outras palavras, por
saber que incapaz de expressar-se, ao correr da pena, nos termos mais adequados, se v obrigado
a procurar suprir essa deficincia pelo exerccio de uma vigilncia constante sobre a prpria dico,
embora sujeitando-se ao perigo de torn-la por vezes artificiosa (HOLANDA 1979, p. 17-18).
5
Ver DIAS 1985, p. 22-23 e passim.
6
Percebe-se na anlise da autora a nfase nos ditos traos historicistas da obra buarquiana. Impactado
pelas propaladas lies do historiador alemo Friedrich Meinecke, afirma Maria Odila: Srgio Buarque
no aceitava uma escala uniforme de desenvolvimento poltico para todos os povos. Reagir contra a
influncia de autores que estimulavam entre ns esta noo mecanicista de progresso, que o levou a
perscrutar, no passado, o devir das formas peculiares e especficas de cada povo (DIAS 1985, p. 10).
Razes do Brasil. Avelino Filho sugere que esta deva ser vista menos como
uma obra de transio, onde o historiador e pesquisador sistemtico ainda
no predominam sobre o jornalista e crtico literrio modernista, do que como
um momento de sntese de todo um perodo rico em atividades (AVELINO
FILHO 1987, p. 33, grifo nosso). guisa de concluso de seu artigo, o autor
chama a ateno, em forma de perguntas, para a relevncia de se recuperar os
trabalhos de Srgio Buarque de Holanda no mbito de pesquisas sistemticas.
Curiosamente, muitas de suas indagaes iro consubstanciar-se em
importantes pesquisas somente algumas dcadas depois.7
O problema da busca de influncias ainda muito patente nos trabalhos
at aqui considerados. Principalmente no que toca Max Weber no famigerado
livro de 1936. Ora, parece-nos que, de fato, nos trabalhos mais recentes,
como veremos, procura-se, sim, sublinhar as comunidades de discurso com as
quais os enunciados dos textos interagem, mas ao mesmo tempo busca-se
clarificar mais sistematicamente como o tomado de emprstimo joga e
negocia com o emprestador.8
Aps consideraes acerca dos trs fundamentais textos sobre o autor
em questo (escritos ao longo de vinte anos!), frisemos, enfim, que ser
somente na dcada de 1990, portanto, que os trabalhos de pesquisa sobre
a sua obra comeam gradativamente a proliferar no meio acadmico
brasileiro, conduzindo toda uma nova gerao s sendas abertas s
possibilidades que tal produo suscita.
7
De que forma a viagem Alemanha e o contato com a chamada tradio culturalista alem
influencia a concepo e realizao de Razes do Brasil? Em que medida as preocupaes do Srgio
modernista encontram nesta tradio a ponte necessria para o Srgio cientista social? A influncia
de Weber, por exemplo, limitar-se-ia utilizao dos tipos ideais? E Meinecke, de quem assiste s
aulas, e profundo conhecedor do historicismo? (AVELINO FILHO 1987, p. 41). Para organizaes
que trazem especificamente alguns dos importantes textos da fase do jovem Srgio Buarque, as
quais contribuem na ampliao de fontes inditas compreendidas no terreno ainda pouco explorado
do momento anterior a Razes do Brasil, ver HOLANDA (1989; 1996).
8
Os estudos da influncia so de menor interesse ao menos que abordem a questo do funcionamento
diferencial de ideias comuns em diferentes textos e corpus, e ainda o intento de destronar a um
grande reinante deve fazer frente ao problema de interpretar suas obras em toda sua complexidade.
Com demasiada frequncia, tomar como ponto central a comunidade de discurso conduz o historiador
a limitar a investigao a figuras menores ou aspectos muito restringidos e fora de situao do
pensamento de uma grande figura, por exemplo, o elitismo em Nietzsche, o utopismo em Marx e o
biologismo em Freud. Ademais, as mesmas comunidades delimitadas nas quais participam importantes
intelectuais modernos podem estar mais constitudas pelos mortos ou os ausentes que pelos vivos ou
os presentes (LACAPRA 1998, p. 270, traduo nossa).
9
Procurei evidenciar a relao entre o primado da cordialidade, a conciliao como cdigo-metfora,
a recepo quase pragmtica, a auditividade, a subordinao da imaginao a dados factuais e o
reinado do bacharel. Em suma, tais elementos representam formas conservadoras de responder
instabilidade das condies oitocentistas. Estas formas obtiveram um xito pragmtico indiscutvel na
constituio de nossa formao social. Menosprez-las em funo de seu carter conservador acarreta
consequncias prticas graves (ROCHA 1998, p. 203).
10
A ausncia de um juzo tico na inteleco da histria, evitando transform-la em tbula rasa para os
desejos e as inclinaes caprichosas do historiador, [...] uma diretriz imprescindvel da teoria weberiana.
E tambm ela, note-se, estaria presente na orientao das investigaes de Sergio Buarque, desde
Razes do Brasil at aos estudos posteriores. Na mais conhecida polmica em torno do homem cordial,
envolvendo o autor de Razes do Brasil e o poeta Cassiano Ricardo, Sergio Buarque procurava esclarecer
que, com a cordialidade, pretendia apenas salientar o imprio dos sentimentos privados ou ntimos na
histria social brasileira, eliminando, deliberadamente, os juzos ticos e as intenes apologticas a que
parece inclinar-se o Sr. Cassiano Ricardo, quando prefere falar de bondade ou em homem bom
(MONTEIRO 1999, p. 201).
11
Ver HOLLANDA 1936, p. 114-115; 1947, p. 228-229.
12
Ver MONTEIRO 1999, p. 39;49; 80; 275 e passim.
13
Cumpre destacar que a ideia de ponte, na qual nos inspiramos aqui e que, como veremos adiante,
ser reelaborada e desenvolvida por outros autores encontra-se aventada no texto da discpula e ex-
-assistente de Holanda na ctedra de Histria de Civilizao Brasileira: H uma ponte na [sua] formao
intelectual [...] entre a militncia modernista e a vocao de historiador, que valeria a pena ser mais
esmiuada (DIAS 1985, p. 11).
14
Essa dupla dimenso constituinte de um texto complexo, qual seja, documentria e ser-obra
oferecida por Dominick LaCapra: enquanto a primeira cumpre a funo essencial da referencialidade, a
segunda, por sua vez, estabelece uma interseo entre uma tradio prolongada e o tempo especfico,
aquele no qual o seu intrprete realiza, numa fuso de horizontes, leituras que vo ao encontro das
continuidades e rupturas com essa mesma tradio. A irredutibilidade do ser-obra diante de outras dimenses
do texto, enquanto apenas referenciais, requer do intrprete capacidade imaginativa e crtica, na medida
para o especfico caso brasileiro, de uma grande teoria desenvolvida por uma
comunidade discursiva distinta, em temporalidades e espacialidades no menos
distantes. No caso de Castro Rocha, investigar a fora histrica do conceito de
cordialidade no tempo presente, sem, contudo, tom-lo aprioristicamente, e
confront-lo com os mltiplos campos discursivos do universo das letras
oitocentista, fez com que o crtico evitasse que sua anlise se limitasse a certos
aspectos bastante restritos se considerados no conjunto dos textos, incluindo
a Razes do Brasil. Ora, se o referido conceito possuiu sua historicidade e
mobilidade diante das configuraes e jogos sociais, por que ento se pretende,
na maioria dos casos, exigir uma tomada de posio, positiva ou negativa, em
relao ao mesmo?15
Outra obra que prope, na esteira de A queda do aventureiro, uma
releitura comparada da obra capital do historiador brasileiro, tendo em vista
as influncias de Weber para alm dos tipos ideais como sugere Avelino
Filho , A conquista do Oeste (2000). Robert Wegner, seu autor, dilata, grosso
modo, o dilema central que percorre todo o pensamento de nosso autor, desde
suas primeiras crnicas, em que discutia a questo do americanismo, at a sua
tese de doutoramento, Viso do paraso, a saber: a tenso caracterizada pela
experincia temporal entre tradio e modernizao. Para o entendimento do
estudo que Holanda realiza a respeito do empreendimento colonizador rumo
ao Oeste brasileiro, Wegner estabelece aproximaes entre a tese da fronteira,
do norte-americano Frederick Jackson Turner, e as reflexes, j inscritas em
208 Razes do Brasil, acerca da colonizao nos trpicos, bem como da adaptao
de uma civilizao adventcia em terras brasilis. Segundo as concluses a que
chega Wegner, os anseios de Srgio Buarque de Holanda no que se referem ao
desenvolvimento estrutural do pas, j nos idos de 1950, estavam em harmonia
com as reflexes que empreendia sobre as formas peculiares da colonizao
ibrica no Novo Mundo. Da forma como havia ocorrido na explorao rumo ao
Oeste brasileiro, onde presenciou-se, em seus primeiros momentos, a adoo
da cultura e das tcnicas indgenas por parte dos adventcios, o historiador
vislumbrava, para o momento no qual escrevia, condies de possibilidade para
que semelhante movimento pudesse efetivar-se, ali onde o americanismo
(sinnimo de modernizao e racionalidade) haveria de realizar-se por
em que, a partir do efeito extrado dessas continuidades e rupturas interpretativas, o texto comprova
seu carter gregrio e ao mesmo tempo conflitante. Pois, como assevera LaCapra, um grande texto
possui tambm sua fora autoimpugnadora, tanto em relao quele tipo de interpretao que deseja
circunscrev-lo em contextos determinados, sem problematiz-los, quanto em relao ao desejo de
fech-los em ideias e estruturas de conscincias, sem ao menos investigar quais os mecanismos de
funcionamento destas na linguagem do prprio texto. Nas palavras do referido autor: O ser-obra
crtico e transformador, porque desconstri e reconstri o dado, em um sentido repetindo-o, mas
tambm trazendo ao mundo, nessa variao, modificao ou transformao significativa, algo que
no existia antes. Com enganosa simplicidade, poderamos dizer que enquanto o documentrio assinala
uma diferena, o ser-obra constitui uma diferena, que compromete o leitor em um dilogo recreativo
com o texto e os problemas que coloca (LACAPRA 1998, p. 246, traduo nossa).
15
Como afirma Castro Rocha: No universo do homem cordial, estamos lidando com esferas autnomas,
embora a esfera privada determine o tom das relaes sociais. Esta ressalva tambm importante
para esclarecer que, em nenhum momento, considero a cordialidade um valor positivo ou negativo a
priori. Independentemente do polo privilegiado, tal perspectiva condena o trabalho crtico a uma
montona confirmao de seus pressupostos (ROCHA 1998, p. 172, grifo no original).
16
Os acrscimos e ressalvas feitos, para a edio seguinte, na mesma nota de rodap podem, de
modo geral, ser encarados como a incluso das reelaboraes que os pensadores no alemes
deram obra de Weber, ausentes da argumentao central de Razes [...] (WEGNER 2000, p. 59).
de extrema relevncia avultar que, com tais consideraes, o autor nos impele a meditar acerca da
probabilidade de Srgio Buarque, nesse momento, estar caminhando para um paulatino processo de
profissionalizao. Poderamos ainda arriscar na sugesto de que o autor pudesse estar ampliando
sua comunidade de discurso a partir do contato com pensadores no alemes ou, no limite, poderia,
como aventou Joo Cezar de Castro Rocha (2004 p. 124), estar passando por um processo de
desgermanizao de sua perspectiva histrica. Lembrando que na altura da segunda edio de
Razes do Brasil, 1947, Holanda tivera j travado contato intenso com a chamada misso francesa,
na extinta Universidade do Distrito Federal, onde fora professor assistente de Henri Hauser.
17
Para atermo-nos a apenas um exemplo, poderamos nesse sentido pensar na tristeza brasileira,
categoria consagrada pelo tambm ensasta e mecenas do modernismo Paulo Prado. Em seu Retrato
do Brasil, tal trao, constituindo-se como uma espcie de caracterstica silenciada do povo brasileiro,
catapultado para os primrdios da colonizao lusa, l onde, se perscrutado historicamente, avultaria
como um diagnstico das mazelas ou dependendo do foco de anlise das potencialidades da
formao social brasileira. Ver PRADO (1928).
18
Para a noo de brecha temporal ver o clebre texto A quebra entre o passado e o futuro, de ARENDT 2001,
p. 28-42. Em excerto definidor afirma a filsofa: Seria, pois, de certa importncia observar que o apelo ao
pensamento surgiu no estranho perodo intermedirio que por vezes se insere no tempo histrico, quando no
somente os historiadores futuros, mas tambm os atores e testemunhas, os vivos mesmos, tornam-se conscientes
de um intervalo de tempo totalmente determinado por coisas que no so mais e por coisas que no so ainda.
Na Histria, esses intervalos mais de uma vez mostraram poder conter o momento da verdade (ARENDT
2001, p. 35-36).
19
Para um pertinente panorama do ambiente das contendas polticas e intelectuais e do clima de belle poque
da Primeira Repblica, ver SEVCENKO (1983).
20
Cumpre destacar que tal hiptese originada de projeto que vem sendo coletivamente desenvolvido a partir
de NICOLAZZI (2009).
21
Para a ideia de trs culturas, ver LEPENIES (1996), o qual prope uma reflexo de flego acerca das
tenses, embora no contexto europeu, entre a literatura, as cincias naturais e a sociologia no que tange a sua
disputa pelo estatuto privilegiado para o conhecimento cientfico da sociedade moderna do sculo XIX.
22
de extrema importncia sublinhar aqui o sentido forte da palavra instrumentalizar, uma vez que a
apropriao, por parte do brasileiro, dos estudos do autor alemo se d de maneira bastante idiossincrtica.
Em outras palavras, a topologia de Curtius passa por um processo de adaptao criativa por parte de
Srgio Buarque de Holanda. Como afirma Nicodemo: Assim os topoi provavelmente incorporados na
leitura de E. R. Curtius perdem seu contedo dogmtico e a-histrico e, como observou o crtico Luiz
Costa Lima, so utilizados como instrumento de investigao histrica (NICODEMO 2008, p. 101).
23
Desde sua modernizao nos anos 1920 e 1930, a tradio historiogrfica francesa, encabeada pelo
grupo fundador da revista Annales dhistoire conomique et sociale, publicada pela primeira vez em 1929,
havia encampado o problema de analisar os fenmenos histricos dentro de contextos mais amplos e
profundos da economia e da sociedade, mobilizando o conhecimento de disciplinas emergentes como a
antropologia e a sociologia. Tais esforos contrapunham-se ao que esses historiadores consideravam
uma histria tradicional, concentrada na narrativa de eventos poltico-militares. A busca por
alternativas de interpretao que compreendessem a anlise dos fenmenos humanos concretos,
articulada a quadros gerais, passou a ser uma das constantes nos trabalhos de histria que
dialogavam com o contexto acadmico francs. Dentre as solues mais correntes podemos citar
uma apropriao da ideia de mentalidade uma espcie de palavra mgica que sem grandes
discusses tericas de fundo poderia sintetizar muito bem o confronto entre individual e coletivo nas
explicaes histricas (NICODEMO 2008, p. 140-141).
24
Nesse sentido, a postura hermenutica de Paul Ricoeur de extremo proveito, pois nos desperta para
a conscincia acerca do quo problemticas so as abordagens dicotmicas que separam experincia e
discurso, isto , ao (por uns compreendida como o dado real) e texto (que para outros apenas a
traduo do pensamento de seu autor). A concepo por Ricoeur ensejada de uma complexa dinmica
entre tempo e narrativa onde a tessitura da intriga, por sua vez constituinte do que ele denomina uma
sntese do heterogneo, a operao mediadora considera a construo do texto segundo o exerccio
da trplice mimese. O texto em si compreendido como momento de configurao da ao, ao qual
precede uma prefigurao do campo prtico e ao qual se segue uma refigurao pela recepo por parte
do leitor. (RICOEUR 1994, p. 85-125). Segundo o filsofo, o tempo torna-se tempo humano na medida
em que est articulado de modo narrativo; em compensao, a narrativa significativa na medida em
que esboa os traos da experincia temporal (RICOEUR 1994, p. 15).
25
O ensaio pensa em fragmentos, uma vez que a prpria realidade fragmentada; ele encontra sua
unidade ao busc-la atravs dessas fraturas, e no ao aplainar a realidade fraturada. [...] por isso
que a lei formal mais profunda do ensaio a heresia. Apenas a infrao ortodoxia do pensamento
torna visvel, na coisa, aquilo que a finalidade objetiva da ortodoxia procurava, secretamente, manter
invisvel (ADORNO 2003, p. 35-45).
26
Ver KOSELLECK 2006, p. 41-60.
27
Ver WEGNER 2008, p. 481-501.
28
nesse ltimo vis, o da escrita propriamente dita, que, atravs dos recursos formais expostos
pelos resultados nela condensados: temporalidades narrativas, aparatos de remisso etc., os quais
evidenciam em certa medida o percurso do autor em sua armao da intriga, podemos investigar as
regras prprias s quais se submeteu e que, por sua vez, exigem ser examinadas por elas mesmas
(CERTEAU 2000, p. 66).
29
Ver, por exemplo, o sugestivo O exlio como eixo: bem sucedidos e desterrados. Ou: por uma
edio crtica de Razes do Brasil (ROCHA 2004, p. 105-141). Neste ensaio o autor empreende
desdobramentos de algumas das teses insinuadas no livro de 1998, j comentado neste trabalho.
Aqui, numa comparao exaustiva entre as mudanas efetuadas no primeiro pargrafo da primeira e
da segunda edio de Razes do Brasil, Castro Rocha intenta dar relevo temtica do exlio na
formao da cultura brasileira. E, como hiptese central, sugere que h um paradoxo no resolvido,
entre a edio de 1936 e 1947, na famigerada assertiva buarquiana de que somos ainda hoje uns
desterrados em nossa terra.
30
A elaborao de Razes do Brasil saldou-se por uma inflexo de estratgia intelectual de Srgio
Buarque. Se ela hoje no parece to evidente assim que o texto que o leitor tem em mos j no
o texto da primeira edio de Razes mas o da segunda, publicada em 1947, e que foi substancialmente
modificado pelo seu autor na esteira de mudana de percurso que efetuara nos dez anos anteriores.
Para perceber todo o escopo desta mudana, ser necessrio proceder a uma criteriosa comparao
entre o texto de 1936 e o de 1947 [...] (MELLO 1995, p.192). O carter artificial desta ciso entre dois
momentos distintos do pensamento do autor, ao longo da trajetria das edies de Razes do Brasil,
questionado, entre outros, por Pedro Meira Monteiro, para quem a preocupao com a histria em
Razes do Brasil deve ser compreendida como uma pedra fundamental na carreira do Srgio Buarque
de Holanda historiador. Ver MONTEIRO 1999, p. 161.
218 crescem sempre juntos para uma validez vital, sem que um e outro cheguem a
se destacar explicitamente por si mesmos. Isso posto ao nosso caso, quais os
elementos da tradio anteriores ao marco 1967 o qual, parece-nos,
destacou-se, em certos momentos de sua recepo, quase que por si mesmo
poderiam ser resgatados do nosso famigerado livro? Quais as possibilidades
nele submergidas poderiam ser assomadas, se lembrarmos com Dominick
LaCapra que a interao entre as tendncias documentria e de ser-obra
provoca uma tenso que s neutralizada atravs de processos de controle e
excluso (LACAPRA 1998, p. 248).
31
Se aceitvel que a questo da cincia, se resolve fora do mbito da forma, eliminar a aspirao
autonomia formal do ensaio, seria submet-lo, como, o prprio Adorno o nota, concepo
positivista. Ou seja, o uso de conceitos e a reivindicao da verdade afasta o ensaio do campo da
arte, sem o dispor no campo da cincia e seu lugar no se esgota nem por um, nem por outro
(COSTA LIMA 2005, p. 96).
32
Dentre as mais recentes produes brasileiras que elegem o discurso histrico como carro-chefe
em suas investigaes, abordando novas possibilidades abertas pelas contemporneas histria da
historiografia e histria intelectual, e cujo recorte abarca as dcadas finais do sculo XIX e as iniciais
do XX, encontram-se, certamente, os trabalhos de OLIVEIRA (2006); VENNCIO (2003); TURIN (2005);
GOMES (2009; 1996); ARAJO ( 2005) e NICOLAZZI (2008b).
33
Ao fim de toda disputa geracional por representao fenmeno mais que comum no universo
acadmico o lado que alcanou a consecutiva glria, torna-se responsvel por silenciar as propostas
da matriz, por assim dizer, vencida; e mais ainda, na nsia de se tornar hegemnica, leva a cabo a
empresa de uma memria disciplinar das formas de representao que se deseja consolidar no mundo.
A historiografia como investigao sistemtica acerca das condies de emergncia dos diferentes
discursos sobre o passado, pressupe, como condio primeira, reconhecer a historicidade do prprio
ato de escrita da histria, reconhecendo-o como inscrito num tempo e lugar. Em seguida, necessrio
reconhecer esta escrita como resultado de disputas entre memrias, de forma a compreend-la como
parte das lutas para dar significado ao mundo. Uma escrita que se impe tende a silenciar sobre o
percurso que levou-a vitria, que aparece ao final como decorrncia natural; perde-se desta forma
sua ancoragem no mundo (GUIMARES 2000, p. 32).
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Resumo
Considerando alguns episdios desde o final do sculo XVII e incio do XVIII at as ltimas dcadas
do XX, este ensaio procura sugerir, primeiramente, a permanente tenso que a prtica historiogrfica,
ao constituir-se em paralelo ao mundo contemporneo, absorveu entre a crescente especializao
exigida pela profissionalizao do campo no Ocidente e o papel que a disciplina adquiriu como
conhecimento destinado a orientar amplos e diversificados estratos da populao para a vida. Em
seguida, pretende discutir o lugar que a histria ocupa hoje em dia no Brasil, diante do crescimento
exponencial, de um lado, dos programas de ps-graduao; e, do outro, da fragilidade da conscincia
histrica que o pas parece ter desenvolvido. Para tanto, recorre em particular aos argumentos de
Philippe Aris, O tempo da histria [1954], livro muito pouco valorizado entre ns.
222 Palavras-chave
Campo historiogrfico; Teoria da histria; Philippe Aris.
Abstract
Considering some episodes from the early 18th to the late 20th century, this essay intends first to
suggest the lasting tension that the historiographical praxis in the process of asserting itself along
with the contemporary world has absorbed between an increasingly high level of specialization
demanded by the professional drive of the field in the West, and the role that the subject has taken
over as knowledge to guide large and diversified strata of the population in life. Secondly, it intends
to discuss the place that history has come to occupy in Brazil, considering on the one hand the
exponential increase in the number of graduate programs and, on the other, the shortcomings of
the historical conscience that the country seems to have developed. In order to attain these goals,
the paper draws heavily upon arguments extracted from Philippe Aris The time of history [1954],
an otherwise underrated book.
Keywords
Historiographical field; Theory of history; Philippe Aris.
*
Agradeo ao CNPq e ao projeto PRONEX de que fao parte, coordenado por Ronaldo Vainfas, o apoio
para as pesquisas que conduziram a este artigo. Sou grato igualmente tanto a Mrcia Gonalves, que o
provocou, quanto aos dois pareceristas, que o aprovaram, pelas observaes inteligentes que fizeram,
embora nem sempre tenha podido aproveit-las.
1
A mesa-redonda ocorreu no XIV Seminrio do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional de
Minas Gerais (CEDEPLAR), em Diamantina, maio de 2010, por iniciativa de Joo Antonio de Paula e
Alexandre Mendes Cunha.
2
Tratou-se do Simpsio Temtico: 096 Metahistria: ao humana e produo do conhecimento histrico.
3
Ver GRAFTON 2009, p. 123-88, para o exame de Francesco Patrizi (1529/30-1597), Reiner Reineck
(1541-1595) e Jean Bodin (1530-1596).
4
A primeira expresso grifada foi usada durante uma aula inaugural do curso de histria da Universidade
Federal Fluminense h muitos anos. A segunda refere-se, claro, conhecida expresso de Leopold
von Ranke.
A crtica da crise
A situao de tenso parece recorrente. No ambiente em que foram
gestados os Annales, a virada do sculo XIX para o XX, conflitos semelhantes
voltam a emergir. De um lado, esto as tenses que perpassam naquela ocasio
226 sonho dos historiadores empiristas e nacionalistas (NOVIK 1988; BEARD 1970).
Em 2010, ao recorrer ao volume inicial da correspondncia entre Febvre e
Bloch, editado por Bertrand Mller em 1994, para abordar a temtica dos Annales,
dois aspectos chamaram minha ateno (cf., entre muitos outros, BURGUIRE
1979; IGGERS 1985; HUPPERT 1997; HRUBEL 2004; MLLER 2003). Primeiro,
ficava claro o enorme investimento intelectual que esses historiadores franceses
fizeram para criar e manter o peridico nos anos iniciais. Do segundo, h muito
desconfiava. Trata-se da grande continuidade entre a srie de trabalhos e
preocupaes que vinham surgindo desde o final do sculo XIX e os prprios
esforos de Febvre e Bloch. J em 1900, fundara-se a Revue de synthse
historique, sob a responsabilidade de Henri Berr, um filsofo, relacionado pelo
casamento a mile Durkheim e cuja maior inquietao voltava-se para a
excessiva compartimentao entre as disciplinas, que ele pretendia superar por
meio da histria, atravs de uma operao de sntese (MANN 1971; MLLER
1994, p. XVI-XVII; SIMIAND 1903; 1987; BRAUDEL 1969; CARDOSO; PREZ
BRIGNOLI 1979; SALMON 1971). Alm disso, os nomes e a atividade de
historiadores franceses como Ferdinand Lot, Henri Hauser, Henri Se e,
sobretudo, Henri Pirenne elevado, posteriormente, a uma espcie de padrinho
dos Annales sugere o quanto, no incio da carreira de Febvre e Bloch, o campo
5
Agradeo a indicao ao colega Mario Grynszpan.
6
Gaetano Salvemini foi um socialista italiano que, refugiado do fascismo, lecionou por muitos anos
nos Estados Unidos, onde publicou um curioso livro em 1939.
7
Sob esse aspecto, tambm PARIS 1997 chama a ateno das boas relaes de Febvre e Bloch com
a Revue historique.
8
A carta de 31 de dezembro de 1930, mas no h cartas de Bloch em 1930, tendo, portanto,
desaparecido aquela a que Febvre faz referncia!
9
Este aspecto totalmente ignorado por PARIS 1997.
das Musas, tem registrado o passado dos outros com aplicao, mas
negligenciou o seu prprio; e aparentemente seus leitores raramente
indagaram-na a respeito. Afinal, at hoje, a expresso histria da histria
pouco significa para a maioria das pessoas, parecendo sugerir algum
suprfluo problema acadmico para o qual o mundo atarefado no deve
desperdiar o seu tempo [...] (SHOTWELL 1936, p. 1, grifo nosso).
Para trs, Shotwell remetia a alguns brotos tempores, sem deixar de serem
robustos, como foram, entre outros, os livros de Eduard Fueter (1911) e de
George P. Gooch (1913), mas no podia imaginar, para diante, o quanto sua
queixa mostrar-se-ia atual.10
Passado o trauma da II Guerra, enquanto os Annales consolidavam-se na
Frana e passavam a estabelecer pontes com o estrangeiro, o final da dcada
de 1940 e o incio da seguinte assistiram a autntico florescimento da reflexo
sobre a ideia de histria, que se multiplicou da em diante de maneira to
surpreendente, talvez no por acaso, quanto sequncia de obras-primas
cinematogrficas dessa poca e das dcadas imediatas. J em 1946, aparecia
postumamente a problemtica edio de The idea of history de R. G. Collingwood
(cf. COLINGWOOD 2001). Trs anos depois, publicava-se a Apologie pour
lhistoire ou mtier dhistorien redigido por Marc Bloch na clandestinidade, antes
de sua morte em 1944 (BLOCH 1949). Em 1950, surgia um dos primeiros
artigos seminais de Arnaldo Momigliano (MOMIGLIANO 1950; 1983). No tardou
a coleo de ensaios de Lucien Febvre, Combats pour lhistoire, em 1953. No
ano seguinte, foi a vez tanto de Henri-Irine Marrou, De la connaissance
historique, retomando muito do que Raymond Aron j apresentara, quanto do
pouco notado Le Temps de lhistoire de Philippe Aris, no calcanhar dos quais
229
Paul Ricoeur apresentou em 1955 o seu Histoire et verit (cf. ARON 1981;
1969; MELLO 2002a; 2002b). Em 1957, com The ancient constitution and the
feudal law, John G. A. Pocock retomava pelo vis historiogrfico os problemas
levantados por Peter Laslett a respeito do pensamento de Filmer e Locke
(POCOCK 1987; LASLETT 1949; 1960). Dois anos depois vinha luz Crtica e
crise de Reinhart Koselleck (1999) e, em 1960, se alguma dvida ainda
subsistisse, no s Verdade e mtodo de Hans-Georg Gadamer (2004), num
polo, como, no outro, esse novo Langlois e Seignobos do sculo XX, o volume
Lhistoire et ses mthodes (SAMARAN 1961) da prestigiosa coleo Pleiade,
para no falar da criao do peridico History and theory (WESLEYAN 2012).
Pouco depois, com a lucidez habitual, E. H. Carr veio a dizer nas George
Macaulay Trevelyan lectures de 1961 que no h indicador mais significativo
do carter de uma sociedade do que o tipo de histria que ela escreve ou deixa
de escrever (CARR 1978, p. 40; cf. tambm MORELLI 1974).11 Tratava-se,
entretanto, essa obra, de uma das possveis excees a certa tendncia de
toda essa atividade historiogrfica, que prosseguia dirigindo-se prioritariamente
10
SHOTWELL 1936, p. 11, acrescenta mais algumas, como GUILLAND 1915, cujo original francs data
muito curiosamente de 1900, e o conhecido CROCE 1916, que julga conter mais teoria do que histria,
embora possa ser considerado estimulante por aqueles com interesses filosficos.
11
A ltima referncia agradeo ao prof. Cayo Garca quando docente da ps-graduao em histria da UFF.
12
A referncia imediata indica trabalho de Marcos Guedes Veneu realizado na cole des Hautes tudes
en Sciences Sociales sob a direo de Franois Hartog, ao qual espero ter acesso em breve.
por seus respectivos pblicos pelo menos tanto quanto pelos mtodos utilizados.
A primeira tinha por leitores a burguesia cultivada e respeitvel, envolvia o
estudo cuidadoso dos documentos, mostrando-se com frequncia erudita,
embora evitasse que a erudio transparecesse, pois se estava entre pessoas
da boa sociedade. Propunha-se a contar e explicar a evoluo poltica dos
governos e Estados, as revolues, as mudanas de regime, as agitaes e as
crises [...], as polticas diplomticas e as guerras. Conservadora, sem ser
reacionria, atravs dela,
13
Em la recherche du temps perdu, Proust traa um pouco o retrato desses universitrios por meio
do professor Brichot. Cf. SERA 2004.
Diante dessa situao, se 1940 revelou a histria pblica que levava todos de
roldo, tambm trouxe de volta a perspectiva particular dos pequenos grupos
233
que se viam ameaados por esse movimento. Como a histria sempre a
conscincia do que nico e particular, assim como das diferenas entre vrias
particularidades, a variao ocorre no tempo, como momentos sucessivos o
que d origem grande histria embora tambm possa situar-se fora do tempo,
na conscincia que uma coletividade tem de si mesma em relao, no a uma
outra poca de sua transformao, mas coletividade vizinha o que eu denominei
de histria particular, de histria das heranas (ARIS 1986, p. 242-244).
No mundo contemporneo, porm, a civilizao da tcnica, sempre
igual a si mesma, que se ope s civilizaes das diferenas. Assim sendo e
trata-se da ltima frase do livro, grifada pelo autor , a uma civilizao que
elimina as diferenas, a histria deve restituir o sentido perdido das
particularidades (ARIS 1986, p. 246-248).
No ambiente inicial de discusso sobre histria da historiografia na dcada
de 1950, que logo ia tornar-se endmica, alcanando, como sugerido no incio,
uma espcie de ponto nevrlgico entre os anos de 1970 e 1990, Philippe Aris
apresentava, dessa maneira, uma reflexo cuja originalidade parece residir
justamente no descentramento do olhar com o qual considerava a atividade
dos historiadores. Em primeiro lugar, como faria mais tarde com a famlia e a
morte, era das atitudes diante da histria de que se dava conta. Embora o
mundo moderno fosse regido por uma mentalidade tcnica que tendia a borrar
14
Essa situao da histria no mundo moderno j estava sendo abordada nessa poca em GADAMER 2007.
15
Num domnio prximo, ver as reflexes de PARKS 2012.
16
O autor o primeiro a ter conscincia do carter ensastico do que se segue e, por isso, pede que
as linhas abaixo sejam tomadas apenas como um convite reflexo.
236 articulada por Octavio Tarqunio de Souza sob o ttulo geral de Histria dos
fundadores do imprio do Brasil, corresponde com notvel semelhana quela
histria acadmica que Aris mencionava como destinada aos grupos dirigentes,
em geral at muito eruditas, mas escondendo tais andaimes sob uma superfcie
literariamente bem polida. Enquanto a produo do meio catlico reunido em
torno de Jackson de Figueiredo e aquela ligada ao Partido Comunista
representam orientaes polticas opostas, igualmente presentes na Frana do
perodo, nenhuma Histria do Brasil nesse intervalo pode equiparar-se ao sucesso
da Histoire de France de Bainville.17 Finalmente, coincidindo com a tendncia
observada acima, na esteira de A verdade da biografia de Luiz Vianna Filho
(1945), ainda aparecia em 1949 A teoria da histria do Brasil de Jos Honrio
Rodrigues (1969), seguida nos anos imediatos por diversos estudos de carter
historiogrfico (RODRIGUES 1965; 1966; GONALVES 2009).
Todavia, sobretudo aps a redemocratizao de 1946, se esse movimento
parece anunciar o surgimento de uma conscincia histrica e a percepo da
grande histria em que todos estavam envolvidos, o golpe militar de 1964,
sucedido pelo AI n 5 e a montagem de violento aparelho repressor, a partir de
1968, esvaziou o movimento. Se a dcada de 1950 assistiu taxa de
alfabetizao do pas ultrapassar a barreira dos 50% destacada por Lawrence
17
Embora, por volta de 1940, Frana (PRESSAT 1971, p. 11) e Brasil (IBGE 1977) tivessem populaes
equivalentes, ao redor de 40 milhes de habitantes, estima-se que, entre 1924 e 1947, tenham sido
vendidos mais de 260 mil exemplares da obra de Bainville (CHARTIER 1986, p. 31).
Stone (STONE 1964; 1969; IBGE 1977), assim como criao em 1951 da
mencionada CAPES e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e
Tecnolgico (CNPq), de olho na importncia estratgica que o conhecimento
adquiria na era atmica, a ditadura militar, sem quebrar essas tendncias, ao
que tudo indica, conseguiu atribuir-lhes dimenses novas. Ingressava-se na
civilizao tcnica. De um lado, o ensino fundamental e mdio perdeu na
qualidade o que passou a adquirir a partir de ento em quantidade,
desvalorizando-se ao mesmo tempo o lugar social do professor primrio e
secundrio e de algumas disciplinas, como histria e geografia, diludas durante
muitos anos em estudos sociais ou entortadas como organizao social e
poltica do Brasil. No ensino superior, a ampliao correspondeu tambm a
critrios tcnicos, embora no seja de desconsiderar o papel que teve na
reduo das tenses sociais ao oferecer, em cursos de pequena exigncia
de ingresso como, mais uma vez, a histria , a obteno a baixo custo
de diploma que o bacharelismo do imprio, no menos do que o da repblica,
tornara relevante smbolo de status. A partir da dcada de 1970, veio ento
a montagem da ps-graduao.
Talvez mais importante, em todos esses momentos como na expulso dos
jesutas em 1759, na reforma pombalina deste ano e de 1772, ao longo do imprio
e da repblica , as decises partiram sempre do poder. As mudanas educacionais
nunca foram reivindicadas pela populao. Alm disso, como a Coroa portuguesa
e o papel estratgico que a Universidade de Coimbra desempenhou na formao
das elites do imprio, o ensino superior e, posteriormente, a ps-graduao
tornou-se esfera de competncia por excelncia do governo central. Ainda que a
237
criao da Universidade de So Paulo em 1934, no rescaldo da malograda Revoluo
de 1932, parea desmentir a afirmao, o surgimento no ano seguinte da
Universidade do Distrito Federal por iniciativa do prefeito Pedro Ernesto e de Ansio
Teixeira na qual veio ensinar Henri Hauser quando deixou a Sorbonne, tendo
Srgio Buarque por assistente gerou imediato mal-estar, que se traduziu na
incorporao dos quadros da instituio recm-constituda Universidade do Brasil,
hoje UFRJ, em 1939 (FERREIRA 2006; VENANCIO FILHO 1997; HAUSER 1937).
Dessa maneira, apesar da generalizao abusiva, para a maior parte da
populao brasileira, majoritariamente analfabeta at 1950, em seguida
desenrazada em grandes nmeros de seus ambientes seculares para buscar
um sonho indefinido nas grandes metrpoles do pas que se industrializava, mal
servida em termos de ensino bsico, ainda mergulhada nas crendices de um
mundo de antigo regime, exposta pouco depois em doses macias s imagens
sedutoras da televiso, qual significado podia ter histria? Como para inmeros
alunos das atuais escolas fundamentais e mdias e seus pais, esses indivduos
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245
Palavras-chave
Histria; Historicidade; Historiografia.
Keywords
History; Historicity; Historiography.
247
1
Os trs primeiros ttulos foram Ensino de histria: conceitos, temticas e metodologia (2003), depois
Culturas polticas: ensaios de histria cultural, histria poltica e ensino de histria (2005), e, em 2007,
Cultura poltica e leituras do passado: historiografia e ensino de histria.
252 de amante das letras e das artes, mecenas, rei filsofo foi sendo firmada pelo
Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro (IHGB) ao longo do sculo XIX e a figura
do soberano foi sendo desatrelada dos signos da realeza para convert-la em
uma figura atemporal e apoltica (SOIHET 2009, p. 82), amenizando os vcios do
regime republicano ao atribuir seus males a heranas e legados. Por muito tempo
repetido por intelectuais, o procedimento de ver o imprio e as duas primeiras
dcadas da repblica como males sistmicos construa a consagrao de Pedro II
no panteo da histria nacional e preparava o marco analtico personalista que
depois justificaria Getlio Vargas e a Revoluo de 30. A autora adverte que a
memria est aberta dialtica da lembrana e do esquecimento, vulnervel a
todas as utilizaes e manipulaes (SOIHET 2009, p. 82).
J Stella Bresciani examina as convergncias e oposies entre os
intrpretes do Brasil (SOIHET 2009, p. 180), contestando posies assumidas
por pesquisadores no debate intelectual quando adotam acriticamente leituras
j fixadas por outros autores como dogmas. A partir da recusa da famosa
Introduo de Antonio Candido 5 edio de Razes do Brasil, a autora no
aceita que intelectuais acatem to passivamente interpretaes datadas de
outros tempos e contextos. Adotar acriticamente concluses ou parte delas
como base de novas pesquisas deixa de lado a importncia do dilogo entre os
autores (SOIHET 2009, p. 181), diz Bresciani, que no v tantas
dessemelhanas entre as obras de Freyre, Buarque de Holanda e Caio Prado
quando comparadas as de Oliveira Vianna e Alberto Torres. O argumento da
autora reclama a anlise crtica da representao do passado que conduz s
254
Palavras-chave
Guerra; Marc Bloch; Histria das mentalidades.
Keywords
War; Marc Bloch; History of mentalities.
255
no local que a sorte lhes [os oficiais] destinou, seu ritmo cotidiano
prolongava a cadncia dos tempos de paz e a atmosfera mental tinha um
odor poeirento de gabinete ou de distrito. Todos estavam convencidos,
sobretudo, de que no estavam no front. Mas o inimigo rompeu o contrato
(BLOCH 2011, p. 101).
260 uma repetio. Embora considere estruturas de longa durao, elementos que
ao longo do tempo se mantm semelhantes, a histria parte do princpio de
que so quase infinitas as combinaes possveis dos eventos e seus
desdobramentos. necessrio um estudo das mudanas, rpidas e lentas,
para que a histria possa lanar alguma luz sobre o futuro, e no esperar nesse
futuro uma repetio. O historiador [...] sabe muito bem que se no intervalo
de duas guerras seguidas a estrutura social, as tcnicas, a mentalidade se
modificaram, as duas guerras jamais sero iguais (BLOCH 2011, p. 111).
Bloch, escrevendo ainda no calor da catstrofe, nos oferece um testemunho
de grande valia. Um testemunho crtico que, enquanto realizado a partir dos
acontecimentos presentes, permite uma reflexo sugestiva sobre o que a
histria e sobre como uma anlise do presente pode e deve levar em conta
uma concepo de tempo histrico. Ele se coloca como um historiador do
imediato, isto , uma testemunha que, ao observar o seu prprio tempo, no
abandona as questes tpicas da sua atividade de historiador, como as
mentalidades e as causas profundas, fornecendo para os colegas da posteridade
uma fonte valiosa para o entendimento daquele tempo, alm de uma questo
relacionada crtica de fontes: afinal, como tratar um testemunho construdo
por e como um historiador?
1
Ao apostar, por exemplo, em defesas estticas ao longo do rio Meuse, que logo caiu e permitiu que
os alemes cercassem o exrcito norte francs. A demora do comando em perceber o significado da
queda do Meuse, tida como fortaleza quase intransponvel, aparece, segundo Bloch, como outra
evidncia da no compreenso da nova guerra.
O livro nos traz, portanto, um tema que parece dominar as grandes mentes
atravs dos sculos: a preocupao com o seu prprio tempo. O historiador
no apenas um sujeito enfurnado em arquivos atrs de documentos de
vrias pocas, mas algum que, por ter uma preocupao constante com
um tempo histrico e seu significado, interessa-se fundamentalmente pela
vida (BLOCH 2011, p. 11).
Foi talvez com esse interesse pela vida e consciente da destruio vital
causada pelo nazismo, que Bloch se juntou Resistncia em 1943, como nos
conta a nota biogrfica no final da edio. Ele foi preso pela Gestapo em maro
de 1944 e fuzilado no dia 16 de junho, beira de um campo em Saint-Didier-
-de-Formans, deixando incompleta a obra O ofcio do historiador.
261
MONTEIRO, Pedro Meira; EUGNIO, Joo Kennedy (orgs.). Srgio Buarque de Holanda:
perspectivas. Campinas: Editora da UNICAMP; Rio de Janeiro: EdUERJ, 2008, 718 p.
Karina Anhezini
[email protected]
Professora assistente Doutora
Universidade Estadual Paulista
Av. Dom Antonio, 2100 Parque Universitrio
19806-900 Assis SP
Brasil
Palavras-chave
Srgio Buarque de Holanda; Historiografia; Expectativas.
262
Keywords
Srgio Buarque de Holanda; Historiography; Expectations.
1
Em dissertao de mestrado na USP em 2006, Thiago Lima Nicodemo analisa a utilizao da tpica
de E. R. Curtius na composio de Viso do paraso estabelecendo um dilogo com o texto de Luiz
Costa Lima (NICODEMO 2008).
2
Cabe destacar as edies de textos de Srgio Buarque de Holanda organizadas por Marcos Costa.
Em 2004, Para uma nova histria, e os dois volumes publicados em 2011, Srgio Buarque de Holanda:
escritos coligidos.
Referncias bibliogrficas
COSTA, Marcos (org.). Para uma nova histria. So Paulo: Editora Fundao
Perseu Abramo, 2004.
Palavras-chave
Estado; Historia magistra vitae; Ideias polticas.
Keywords
State; Historia magistra vitae; Political ideas.
267
1
Conforme livro elaborado pela resenhista, Francesco Guicciardini: o Renascimento da histria,
publicado pela EDUEL em 2004, resultado da dissertao defendida em 1993, pelo PPGHIS da
UFRJ, sob orientao do dr. Arno Wehling. Ainda mais escassos so estudos sobre as obras
fundamentais como metodologia histrica e estruturas do Estado soberano elaboradas pelo jurista
francs Jean Bodin (1530 1596), quase vtima na Noite de So Bartolomeu, marco da deflagrao
das Guerras Religiosas entre catlicos e protestantes.
Antiguidade com Aristteles, Tito Lvio, Sneca, dentre outros, alm de Ccero
que trata do mtodo comparativo, ou seja, da analogia como: [...] um aspecto
da inventio parte da arte retrica responsvel pela busca de argumentos
verossmeis ou verdadeiros capazes de sustentar uma causa determinada
(TEIXEIRA 2010, p. 51).
Por outro lado, as agruras de Maquiavel e Guicciardini, que viveram momentos
de reconhecimento como tambm de isolamento poltico so muito atuais, sujeitas
aos momentos histricos e s tendncias historiogrficas predominantes, conforme
ditada pelas potncias vencedoras durante a Guerra Fria.
Teixeira abre com a introduo intitulada Navegando num mar agitado
pelos ventos, em minha opinio, sentena-chave da obra Storia dItalia de
Guicciardini. Em termos formais, a obra est dividida em trs captulos to
densos que os tornam autnomos entre si, mas tambm complementares.
Cada qual tambm foi dividido em itens consecutivos que seguem e cumprem
a proposta apresentada na introduo. So muitas as notas de rodap, em
geral com a transcrio da fonte original enquanto as demais foram inseridas
para indicar autores, obras afins a especialistas no tema.
No primeiro captulo, O homem e o corpo poltico, o autor remete
representao coletiva da renascena italiana, ou, como dir-se-ia em alemo,
da Weltanschauung dos homens de letras. Ou seja, suas concepes sobre
a natureza humana com seus vcios e virtudes, a funo tica da religio
cvica dos romanos e mesmo da moral crist na vida. Dos desatinos da
Fortuna tanto na vida das pessoas como de cidades, reinos e civilizaes
manifestados em guerras, distrbios polticos ou desastres naturais. Dos
269
humores da medicina de Galeno que caracterizam as pessoas colricas,
sanguneas, fleumticas e melanclicas com sequelas ao corpo poltico
tambm. As influncias da esfera celestial, ou seja, dos astros nomeados
segundo deuses antigos sobre o mundo dos humanos, inclusive em questes
polticas, pois at o Papa consultava os astrlogos. No sculo XVII os
cartesianos separaram de vez o homem do mundo natural e emudeceram a
palavra dos corpos celestes, relegados a objeto de estudo da astronomia,
parte da fsica.
Maquiavel e Guicciardini recorrem ao princpio da analogia com o corpo
para abordar a natureza humana, a vida citadina, a organizao poltica. Teixeira
disserta sobre o conceito de prudncia nos pensadores antigos e em Maquiavel
e Guicciardini, para quem ser prudente: [...] olhar paras as coisas do mundo
de forma penetrante [...], separar o substancial do acidental, mergulhar nas
motivaes dos homens procurando antever [...] as aes e condutas dos
agentes polticos (TEIXEIRA 2010, p. 91).
Teixeira encerra, ento, o captulo ao relacionar a prtica exercida como
cidado, na vida civil e poltico no domnio pblico, e cujas experincias, nem
sempre bem sucedidas, incitaram no s os florentinos, como tantos outros
que sofreram as intempries polticas de seu tempo, a refletir e forjar novas
teorias sobre Estado e Sociedade:
270 a URSS e os EUA, como caracterizou-se como a era dos maiores deslocamentos
populacionais da histria. Pior do que ser banido da vida pblica, como vivenciado
pelos florentinos, ser forado a deixar a terra natal como imigrante ou refugiado
poltico por razes ideolgicas, tnicas, blicas ou mesmo ambientais. Afinal, um
imigrante sempre um exilado no pas de recepo, um amputado psquico que
carrega uma perda irreparvel em si e dedica-se a trabalhar muito, ou recluso no
mundo dos livros, escrever de forma libertria.
No terceiro e ltimo captulo, A histria como arte da prudncia, Teixeira
disserta sobre a historicidade dos fatos e palavras, remetendo a Tucdides e
Polbio. Ele tambm ressalta a tenso entre a vida pblica e o gnero histrico
caracterstico de Ccero assim como o papel da histria em Tito Lvio e Salstio
como um monumento da virtude. A seguir, o autor reflete sobre as concepes
humanistas da histria, com o tom ciceroniano predominante na abordagem
humanista da histria. E cita letrados que escreveram sobre Florena e o novo
gnero histrico a narrativa a partir da pesquisa em arquivos, para alm da
memria pessoal, de crnicas oficiais ou apologticas. Teixeira remete, ento,
aos escritos de Bruni e Braccioli sobre a histria de Florena para ressaltar o
carter convencional da Istorie Florentine elaborada por Maquiavel.
Teixeira ressalta que Guicciardini avalia a realidade como um todo, relacionada
tanto a eventos exteriores como a sua prpria vida com sua conturbada trajetria
poltica. Afinal, ele serviu tanto ao patriciado de Florena como diplomata em Madri
os embaixadores so os olhos e os ouvidos do Estado e tambm ao Papa-
-general, Leo X que expandiu os domnios papais no centro da Itlia:
2
O papa Alexandre VI simplesmente dividiu o domnio mundial entre dois reinos o espanhol e o portugus
para expandir o catolicismo romano, e assim, enriquecer os domnios papais fora da Europa,
principalmente nas Amricas. Afinal, os otomanos, seguidores do Isl, haviam tomado Constantinopla, a
capital da Cristandade Oriental, ou seja, da Igreja Ortodoxa e conquistavam povos catlicos e eslavos no
leste europeu at chegar s portas de Veneza e Viena, baluarte do catolicismo germnico. O Estado Papal,
extinto na ocupao napolenica, restaurado, mas relegado a mero bairro de Roma durante a unificao
italiana, em 1929 foi fundado como Vaticano em comunho com o fascismo de Mussolini. Quatro anos
depois, foi o primeiro Estado, que, sob Pio XII, reconheceu o regime nazista como forma de ampliar o
domnio catlico sobre uma Europa ameaada pelo atesmo comunista.
Palavras-chave
Cultura poltica; Histria intelectual; Histria poltica.
272 Keywords
Political Culture; Intellectual history; Political history.
foi contemporneo, se deu com relao mistura das espcies de governo que
eles julgavam ser essencial. A figura que ele analisou com empenho foi o cardeal
Contarini, e isso por meio dos estudos de Bodin, que j havia tambm combatido
esse pensador italiano. Merece destaque aqui, ainda, segundo Skinner, a presena
de Maquiavel (1469 1527) no cenrio poltico ingls, com uma traduo
realizada por Edward Dacres dos Discorsi, obra na qual prevalecia como melhor
a forma republicana de governo sobre as demais. Hobbes enfatizou que os que
falam tanto em liberdade sob um governo, falam na verdade no da liberdade
em si, mas de algo que se parece com ela, sem efetivamente ser e, ainda mais,
sem tais tericos saberem do que se trata. E terminou por afirmar que liberdade
equivale honra de ser tratado igual aos demais, e nada alm disso.
Skinner avana, e expe toda a turbulncia poltica no contexto ingls
entre o final da dcada de 1620 at fins de 1640. A disputa entre a Coroa e o
Parlamento foi arrebatadora, e os problemas que tal fato causou a alguns
personagens deixou Thomas Hobbes horrorizado e temeroso por sua vida,
isso devido s suas opinies expostas em Os elementos. nessa fase que se
deu o seu exlio na Frana, onde ele permaneceu por mais de onze anos. Foi
tambm o perodo no qual ele se dedicou a revisar Os elementos. Primeiro foi
publicada uma verso em 1642, intitulada Elementorum philosophie sectio tertia
de cive, ttulo que alude ao projeto inicial do filsofo de escrever sua obra em
trs partes. Contudo uma nova verso surgiu em 1647, com o ttulo Do cidado.
Skinner procura estabelecer alguns pontos em que Hobbes mudou radicalmente
sua posio intelectual, assim como tambm outros em que ele deu certa
continuidade s formulaes iniciais.
275
Quentin Skinner afirma que, para essas duas verses finais, Hobbes se
utilizou de uma linguagem mais lmpida, algo mais acessvel aos leitores em
geral. Ele continuou a afirmar que o homem no de forma alguma um ser
apto vida em sociedade e que tambm a democracia no resguarda a liberdade
natural do indivduo, refutando sarcasticamente Aristteles. Desprezou
novamente as teorias das formas mistas de governo, porm, incluindo a o modelo
ingls, o que no havia feito anteriormente. O historiador de Cambridge enfatiza
tambm, a proximidade de Hobbes com os escritores dos livros de emblemas, o
que seria mais uma das caractersticas de um Thomas Hobbes atuando em tom
mais popular. Mas talvez o que mais fica evidente nessa altura da anlise skinneriana
a posio intelectual em que se colocou Hobbes naquilo que se refere
caracterizao de liberdade. Pois agora ele trata do assunto utilizando-se de fatores
como impedimentos arbitrrios, incapacidade de querer e de uma paixo, que se
traduziria no sentimento do medo. E tal fora emocional o que levaria o homem
a prevenir a si prprio de cometer uma ao, com excees, obviamente.
Contudo, Hobbes mudou drasticamente de opinio sobre o conceito de
liberdade no Leviat, e as causas disso, tanto internas quanto externas, o
que Skinner intenta apresentar no penltimo captulo de Hobbes e a liberdade
republicana. Com efeito, o filsofo seiscentista afirmou nesse momento que a
liberdade passaria a ser tirada do homem por impedimentos que seriam capazes
de deix-lo fisicamente impotente, sem poder mover-se. Ou seja, s haveria
Referncias bibliogrficas
LOPES, Marcos A. O problema do sentido histrico em histria das ideias: notas
acerca da interpretao de textos polticos. In: GIANNATTASIO, G.; IVANO,
R. (orgs.). Epistemologias da histria: verdade, linguagem, realidade,
interpretao e sentido na ps-modernidade. Londrina: Eduel, 2011.
LOPES, Marcos A. Quentin Skinner. In: LOPES, M. A.; MUNHOZ, S. J. (orgs.).
Historiadores de nosso tempo. So Paulo: Alameda, 2010.
POCOCK, John G. A. Linguagens do iderio poltico. So Paulo: Editora da
Universidade de So Paulo, 2003.
277
SKINNER, Quentin. As fundaes do pensamento poltico moderno. So
Paulo: Companhia das Letras, 1996.
______. Bedeutung und Verstehen in der Ideengeschichte. In______. Visionen
des Politischen. Frankfurt: Suhrkamp Verlag, 2009.
______. Entrevista. In: PALLARES-BURKE, M. L. (org.). As muitas faces da
histria. So Paulo: Editora Unesp, 2002.
______. Hobbes e a liberdade republicana. So Paulo: Editora Unesp, 2010.
______. Hobbes e a teoria clssica do riso. So Leopoldo: Editora Unisinos, 2004.
______. Interpretation und das Verstehen von Sprechakten. In:______. Visionen
des Politischen. Frankfurt: Suhrkamp Verlag, 2009.
______. Razo e retrica na filosofia de Hobbes. So Paulo: Fundao
Editora da Unesp, 1999.
Garretts modernity
Palavras-chave
Abordagem cultural; Identidade nacional; Modernidade.
Keywords
278 Cultural studies; National identity; Modernity.
283
Palavras-chave
Histria; Historiografia; Intelectual.
284
Keywords
History; Historiography; Intelectual.
286 de distintas experincias de modernidade (BERMANN 1987). Por fim, Pierre Laborie
em Memria e opinio trata de um tema ainda pouco abordado pelos historiadores.
Procurando ir alm da ideia de opinio como expressa pelos institutos de sondagem,
reflete as relaes entre histria, memria e opinio e seu impacto na histria do
tempo presente na Frana. Temas intrigantes, que se correlacionam, e que em
larga medida discutem no apenas entre si, mas tambm com trabalhos de autores
que, no Brasil, vm se dedicando anlise do papel do historiador e do intelectual
no sculo XXI (ALBUQUERQUE JR 2004; CARVALHO 2000).
A parte II intitula-se Memria e historiografia e composta de trs
captulos. O primeiro, Por que Clio retornou a Mnemosine, de Maria Ins
Mudrovcic, procura fazer uma abordagem terica da histria do tempo presente
e sua relao com a memria. Assim, temticas ligadas no apenas histria,
como tambm filosofia, poltica e sociologia, como, por exemplo, a justia,
o campo jurdico e a moral relacionam-se de modo a reaproximar sujeito e
objeto como elementos para a construo do conhecimento. Ismnia de Lima
Martins e Andra Telo da Corte assinam o captulo Imigrao, cidade e
memria. No referido texto, a partir da anlise de uma comunidade de
portugueses em Niteri o texto procura analisar a relao de grupos tnicos
com o outro. Seus processos de integrao e manuteno de identidade. Neste
processo, o espao urbano entendido como um lugar no apenas de uma,
mas de mltiplas memrias. Aqui, percebe-se um imediato e importante dilogo
com as j clssicas e conhecidas obras de Sidney Chalhoub (CHALHOUB 2008)
e de Gladys Sabina Ribeiro (RIBEIRO 2002). Hebe Mattos, em Memria e
faz uma anlise comparativa com o governo do Estado da ndia e reflete sobre
o espao e os limites de poder atribudos ao vice-rei. Em todos os textos,
portanto, abordagens que apontam para uma reviso do conceito de Estado
Absolutista afirmam uma sociedade do Antigo Regime (na metrpole e nas
colnias) marcada pelas disputas e espaos de interveno tanto dos indivduos
como dos grupos sociais. Assim, o modelo caracterizado pela segunda
escolstica, na qual a hierarquia entre os diferentes rgos e grupos sociais era
vista como natural, era realidade passvel de alterao. J h muitos anos que
historiadores modernistas portugueses e brasileiros procuram estabelecer
dilogos e trocas com resultados absolutamente frutferos, particularmente no
tocante reviso do conceito clssico de Estado Absolutista (CARDIM 1998;
CUNHA 2000; HESPANHA 1994; MONTEIRO 2003).
A parte VI intitula-se Cultura e memria do tempo presente e procura
analisar os movimentos sociais e suas relaes com os regimes autoritrios e
democrticos na Amrica Latina, desde a dcada de 1960 at os dias atuais.
Denise Rollemberg em Ditadura, intelectuais e sociedade: O Bem Amado de
Dias Gomes, faz uma anlise das relaes que se estabeleceram no Brasil
entre os intelectuais de esquerda e a ditadura brasileira. Questionando a noo
de resistncia que tanto dominou as intepretaes originrias acerca do regime
civil-militar, Rollemberg procura a partir dos conceitos de ambivalncia e de
zona cinzenta, caros historiografia francesa, entender as formas de expresso
poltica da esquerda por dentro dos mecanismos institucionais e de mercado
existentes quando do regime de exceo. Samantha Quadrat, em Para Tat,
com carinho! a boa memria do pinochetismo discute a permanncia de uma
289
cultura poltica de direita no Chile favorvel ao ex-ditador Augusto Pinochet. Em
sua anlise Quadrat aborda trs momentos de consolidao e ressignificao
de uma memria pr-Pinochet: o golpe de 11 de setembro de 1973, sua
priso em Londres em 1998 e seu falecimento em 2006. Seu texto questiona
a perspectiva de uma sociedade absolutamente contrria ao regime ditatorial.
O texto de Denis Rolland, 1968 do Rio a Paris, histria e memria: registros
de sentido e amnsias locais da histria comparada discute os chamados
movimentos sociais de 1968 e o lugar da experincia latino-americana. Para
Rolland, h um desequilbrio acerca das anlises do perodo na Amrica Latina
que merece e necessita reparao. Enquanto que predomina uma nfase nos
estudos acerca da experincia mexicana, casos como o do Brasil so eclipsados.
Ao mesmo tempo, na busca de sincronias, afirma que no sendo nica, a
experincia francesa necessita ser comparada com outras a fim de que possa
sair do limbo da peculiaridade. Todos os trabalhos apresentados nesta sesso
apontam para as questes aprofundadas por Denise Rollemberg e Samantha
Quadrat em livro acerca das razes e da complexidade do consentimento nas
sociedades autoritrias (ROLLEMBERG; QUADRAT 2010).
Por fim, a parte VII do livro, intitula-se Culturas polticas e lugares de
memria. Em seu texto Cultura poltica e lugares de memria, Ulpiano Bezerra
de Menezes procura estabelecer uma anlise conceitual a respeito da memria da
contemporaneidade. Debate em seu texto o papel de construo de memrias
Referncias bibliogrficas
ALBUQUERQUE JNIOR, Durval Muniz de. Da histria detalhe histria problema:
o erudito e o intelectual na elaborao do ensido e do saber histrico.
Locus: revista de histria, Juiz de Fora, v. 10, n. 2, 2004.
BERMANN, Marshall. Tudo que slido desmancha no ar: a aventura da
Modernidade. So Paulo: Companhia das Letras, 1987.
Palavras-chave
Euclides da Cunha; Estilo; Narrativas.
292 Keywords
Euclides da Cunha; Style; Narratives.
Ou seja, diante de uma situao social marcada pela distoro dos valores
e diante de uma sociedade caracterizada pela fragilidade da organizao poltica,
a histria deve ser percebida pelo seu vis irnico, que a situa antes prxima do
discurso ficcional do que na anlise cientfica. Ronaldes de Melo e Souza claro em
sua posio: a estrutura pressupositiva do historiador euclidiano se reporta arte
da fico narrativa, e no cincia histrica (MELO E SOUZA 2009, p. 84).
Portando estas seis mscaras narrativas, Euclides da Cunha se torna o
inventor de uma potica da terra, tema tratado na segunda parte do livro
voltada justamente para a chamada geopotica euclidiana. Considerando a
dimenso personativa da narrativa de Euclides, o autor sugere que ele
estabelece uma relao de aproximao com a terra, convertida em objeto
primordial da sua potica seja quando se trata da ignota terra do serto baiano,
seja a poro desprovida de histria da Amaznia. A partir desta relao telrica,
Ronaldes de Melo e Souza questiona as aproximaes ao vis naturalista de Os
sertes, defendendo sem meias palavras que a narrativa euclidiana nada tem a
ver com o naturalismo (MELO E SOUZA 2009, p. 110). Seu argumento ampara-
296 -se no que acredita ser menos uma abordagem determinista do meio do que uma
perspectiva em que a terra encarada como entidade orgnica em quase simbiose
com o narrador que procura desvendar e representar seus mistrios.
Assim encarada, a interpretao de Euclides converte-se em uma potica
pois, segundo a anlise do livro, o eixo primordial da sua representao, na fronteira
sempre ambivalente entre arte e cincia, o discurso ficcional. Coerente com o
objeto que se mostra fluido e inapreensvel pelas grades de um discurso puramente
objetivante, o escritor-engenheiro encontrou na singularidade de sua prosa, marcada
pelo movimento narrativo constante e pelas inmeras mscaras assumidas a forma
ideal para dar conta da complexidade de seu objeto.
sua obra. Para Melo e Souza, boa parte do entendimento formado pelo escritor
fluminense a respeito da atividade intelectual encontra-se no contato mantido
com autores de tradio germnica, notadamente situados no movimento
romntico encabeado, entre outros, por Johann Wolfgang von Goethe e a
chamada escola de Jena. Teria sido tal tradio que ofereceu os aspectos mais
fundamentais da compreenso euclidiana da terra, alm da sua maneira bastante
particular de perceber o consrcio da cincia e da arte.
Alm do romantismo alemo, outras tradies tambm alimentaram a
escrita euclidiana. Contrapondo-se ao primado cartesiano da razo matemtica,
a postura de Euclides da Cunha estaria, segundo o livro, em consonncia tambm
com a mitopotica da cincia nova de Giambattista Vico. Em argumento no
mnimo polmico, Ronaldes defende que foi por meio da fantasia filosfica de
Vico, atravs da qual Euclides pde perceber o aspecto central da potica da
terra como fonte primeva de todas as manifestaes culturais e literrias das
antigas civilizaes, que ele encontrou os meios para se contrapor aos valores
artsticos e cientficos dominantes em seu tempo (MELO E SOUZA 2009, p.
148). Tal contraposio, inclusive, faz dele, ao mesmo tempo, um denunciador
do divrcio da cincia e da arte e, como j salientado, um adepto da escola
romntica alem, uma vez que sua forma de encarar o mundo baseia-se
antes na conjuno entre sensvel e inteligvel, alma e corpo, esprito e
natureza do que na dicotomia supostamente empobrecedora de tais elementos.
Irmanado com a terra, geopoeta do serto e da selva, Euclides da Cunha
situar-se-ia, como um narrador na fronteira entre o arcaico e o moderno,
mas tambm entre o cientista e o poeta. Se a mitologia antiga lhe oferece os
297
pressupostos de uma compreenso menos reducionista do meio circundante e
dentro do qual o homem age e interage, parte do ideal cientfico moderno, sobretudo
aquele distante da razo cartesiana, deu a ele condies de pensar um procedimento
de anlise mais em consonncia com a complexidade dos objetos do mundo.
Dessa maneira, a posio ocupada por Euclides no possui equivalente na cultura
de seu contexto. Como salienta Ronaldes de Melo e Souza,
SALOMON, Marlon (org.). Histria, verdade e tempo. Chapec: Argos, 2011, 374 p.
Glaydson Jos da Silva
[email protected]
Professor adjunto
Universidade Federal de So Paulo
Estrada do Caminho Velho, 333 Bairro dos Pimentas
07252-312 Guarulhos SP
Brasil
Palavras-chave
Histria; Verdade; Tempo.
Keywords
History; Truth; Time.
299
Histria, verdade e tempo: trs linhas precisas que podem ser tomadas a
partir de mltiplas perspectivas. Com esta frase Marlon Salomon professor
da Faculdade de Histria da Universidade Federal de Gois d incio
apresentao do volume, precedida por uma elaborada anlise do mesmo feita
por Durval Muniz de Albuquerque Junior, como prefcio. Essas palavras iniciais
resumem, a justo ttulo, no s o contedo tematicamente tratado, mas,
tambm, a diversidade das abordagens, caracterstica comum a muitas
coletneas. Majoritariamente composto por contribuies de filsofos e
historiadores, o que per se j guarda, em nosso contexto, alguma originalidade,
o livro apresenta-se, de fato, como uma importante contribuio para teoria
da histria no Brasil; em seus diferentes captulos seus autores se debruam
sobre questes que secularmente interessam reflexo histrica.
A preocupao com a memria dos eventos passados, o quadro
cronolgico e uma interpretao dos acontecimentos so elementos de
historiografia que so encontrados em muitas civilizaes (MOMIGLIANO 2004,
p. 55), e a aluso a essas primeiras experincias da narrativa histrica, ora
para criticar ou fundamentar-se figura na base do conhecimento histrico
posterior. Da historie herodotiana histria moderna, passando pela historia
romana e medieval, a continuidade parece efetivamente clara (HARTOG 2004,
p. 16, grifos nossos). Desse modo, em uma longa tradio interpretativa, de
um lado tem-se as necessidades de registro, as concepes de tempo, as
ideias de continuidade, a preocupao com o presente, o rompimento com o
300 mtico, com o fantstico, a necessidade de documentos, a impossibilidade de
se tangenciar o real e os limites do conhecimento, a busca pela compreenso
do total, o imperativo da pesquisa e, de outro, os juzos proferidos, a busca
pelas causas e consequncias, a crena no que se repete das aes humanas,
os vnculos com os poderes oficiais, a histria com carter didtico mestra da
vida. Aspectos definidores e presentes, ab origine, no ofcio dos historiadores,
os pontos ora arrolados so de compreenses historicamente variveis.
Presentes na historiografia antiga fundaram a reflexo histrica e perpassam,
ainda hoje, o ofcio e as preocupaes dos historiadores e daqueles que refletem
acerca das possibilidades do conhecimento histrico. A obra aqui apresentada
retoma muitas dessas questes.
A totalidade dos textos que integra a Histria, verdade e tempo se volta
para questes que orbitam o tema do livro, ora privilegiando um, dois, ou
todos os aspectos. Esses aspectos aparecem abordados na obra de trs
diferentes modos: 1) A partir de reflexes nominadamente tericas acerca da
epistemologia da histria: O conceito de anacronismo e a verdade do
historiador, de Jacques Rancire; Histria, verdade e interpretao a partir da
crise dos paradigmas, de Carlos Oiti Jnior; Histria, desconstrucionismo e
relativismo: notas para uma reflexo contempornea, de Aarn Grageda
Bustamante; Pode-se melhorar o ontem? Sobre a transformao do passado
em histria, de Jrn Rsen; Tempo e verdade: proposta de critrio para um
conhecimento histrico confivel, de Estevo de Rezende Martins e A verdade
entre fico e a histria, de Roger Chartier. 2) A partir da obra de autores:
hipteses que podem ser desenhadas a partir disso para um trabalho porvir
(SALOMON 2011, p. 326). Ideias de histria e possibilidades do conhecimento
histrico a partir de Walter Benjamin, Bachelard e Tucdides so objetos dos
captulos de Luiz Srgio Duarte da Silva, Jos Ternes e Mnica Costa Neto.
Silva busca localizar o que, na obra de Walter Benjamin, so as caractersticas
da conduo existencial moderna e da forma de leitura que ela possibilita. As
reflexes acerca do conhecimento histrico em Bachelard, j tratadas en passant
no texto de Dellaporte so desenvolvidas por Ternes, que busca evidenciar, na
obra do autor, sua noo de cincia e o status que nela ocupa a verdade. A
contraposio aristotlica entre filosofia, poesia e histria e o pensamento
histrico de Tucdides, luz das reflexes de Moses Finley, o objeto de anlise
Netto. A riqueza desse conjunto de captulos encontra-se, sobretudo, no fato
de aliar a reflexo terica ao estudo de casos, em analisando a obra dos
diferentes autores arrolados.
Referncias bibliogrficas
HARTOG, Franois (org.). A histria de Homero a Santo Agostinho. Traduo
de Jacynto Lins Brando. Belo Horizonte: EdUFMG, 2004.
MOMIGLIANO, Arnaldo. As razes clssicas da historiografia moderna.
Traduo de Maria Beatriz Borba Florenzano. Bauru: Edusc, 2004.
1.1. Artigo indito e original (entre 28.000 e 54.000 caracteres com espao,
incluindo as notas e as referncias bibliogrficas). Recomenda-se que os autores
dividam o artigo em sees.
1.2. Resenha de livro (mximo de 18.000 caracteres com espao). As
resenhas devem ter ttulo, seguido pela referncia bibliogrfica completa da
obra. Caso seja necessrio, a bibliografia deve vir ao final da resenha, e as
notas devem seguir os padres editoriais da revista. Recomenda-se que as
resenhas de livro escrito por um s autor apresentem uma avaliao crtica do
trabalho luz da literatura previamente existente sobre o tema.
1.3. Textos e documentos historiogrficos. Os documentos devem ser
antecedidos por um pequeno texto de apresentao, escrito pelo autor da
submisso. O conjunto (apresentao + documento) no deve ultrapassar os
80.000 caracteres com espao. Recomenda-se entrar em contato com os
editores antes de preparar a submisso.
1.4. Entrevistas. Devem contar com um texto introdutrio acerca do
entrevistado. O conjunto (apresentao + entrevista) deve conter de 27.000
a 54.000 caracteres com espaos. Recomenda-se entrar em contato com os
editores antes de preparar a submisso.
308 2.1. Resenha resumo: texto que se limita a resumir ou descrever o contedo
de um livro, sem qualquer crtica ou julgamento de valor, sem a preocupao
de relacionar a obra resenhada a outras do mesmo gnero. Objetivo principal
informar o leitor e divulgar a obra.
2.2. Resenha crtica: alm de resumir a obra, faz uma avaliao da mesma,
apontando aspectos positivos e negativos, alm de procurar situ-la em relao
a outras do gnero ou que tratam do mesmo tema. Trata-se de um texto de
opinio, tambm conhecido como recenso crtica. O objetivo da resenha crtica
no apenas informar o leitor sobre a obra, mas guiar o leitor no conjunto da
produo historiogrfica sobre um dado assunto, indicando parmetros para o
estudo de um tema, ao situar a obra em relao aos estudos e apontar suas
contribuies e lacunas. Exige que o resenhista tenha conhecimentos da rea e
erudio suficiente para poder situar a obra em um contexto de estudos.
2.3. Resenha temtica: trata de vrios textos que tenham um assunto comum;
uma espcie de balano bibliogrfico sobre um tema. Tem carter
necessariamente crtico, pois demanda anlise e opinio sobre os estudos
tratados. Assim como no caso da resenha crtica de uma obra, a resenha
temtica tambm tem por objetivo guiar os leitores no conjunto dos estudos
sobre um dado tema.
3) Os artigos devem conter, no incio, resumo (de 700 a 1.050 caracteres com
espao) e trs palavras-chave, ambos seguidos de tradues para lngua inglesa.
8) Todos os artigos sero analisados por, pelo menos, dois membros do Conselho
Consultivo ou assessores ad hoc, que podem, mediante considerao da
temtica abordada, seu tratamento, clareza da redao e concordncia com
as normas da revista, recusar a publicao ou sugerir modificaes. Os pareceres
tm carter sigiloso. Ao Conselho Editorial fica reservado o direito de publicar
ou no os textos enviados de acordo com a pertinncia em relao
programao dos temas da revista.
12) As colaboraes devem ser enviadas em Times New Roman, corpo 12,
espaamento 1,5 e com margens de 3 cm. As citaes com mais de trs linhas
devem ser destacadas do texto, sem aspas, compondo pargrafo com recuo,
direita, de 1,5 cm, corpo 11 e espaamento simples.
310 18) Todas as colaboraes devem ser enviadas exclusivamente pelo site da
revista: www.ichs.ufop.br/rhh.
2) Sobre as palavras-chave