Os Arcanos Profundos Do Criptojudaísmo: o Papel Da Cabala Na Resistência Cultural Dos Sefarditas À Perseguição Inquisitorial
Os Arcanos Profundos Do Criptojudaísmo: o Papel Da Cabala Na Resistência Cultural Dos Sefarditas À Perseguição Inquisitorial
Os Arcanos Profundos Do Criptojudaísmo: o Papel Da Cabala Na Resistência Cultural Dos Sefarditas À Perseguição Inquisitorial
do Criptojudasmo
O Papel da Cabala na Resistncia Cultural dos
Sefarditas Perseguio Inquisitorial
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
REITOR
Angelo Roberto Antoniolli
VICE-REITOR
Andr Maurcio Conceio de Souza
Os Arcanos Profundos
do Criptojudasmo
O Papel da Cabala na Resistncia Cultural dos
Sefarditas Perseguio Inquisitorial
So Cristvo - SE/2015
FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
Silva, Marcos
Os arcanos profundos do criptojudasmo : o
papel da cabala na resistncia cultural dos sefarditas
586e
perseguio inquisitorial / Marcos Silva, Isis Carolina
Garcia Bispo. So Cristovo : Editora UFS, 2015.
156 p.
ISBN 978-85-7822-520-9
Introduo 11
Captulo 1 19
Captulo 2 31
Captulo 3 43
Captulo 4 53
Captulo 5 67
Captulo 7 86
Captulo 8 101
Captulo 9 110
Concluso 120
Referncias 122
PREFCIO 11
Prefcio
mesmo de si. Produziram uma penumbra entre mil sis, numa luta
incansvel para manter a crena pela qual lutaram e o direito de ser
quem queriam ser.
Angelo Adriano Faria de Assis
Professor da Universidade Federal de Viosa
Minas Gerais, Agosto de 2014.
Introduo
4 Academicamente j foi sugerido que a expresso utilizada para a sada dos judeus sefarditas da
Pennsula Ibrica, a partir do final do sculo XV, deveria ser migraes. Portanto, importante entender o fe-
nmeno em sua especificidade. Segundo explicitao de Haesbaert (2014) deve-se caracterizar uma dispora
a partir dos seguintes elementos: uma origem a partir de catstrofes, conflitos ou crises muito agudas; uma
forte organizao dos grupos dispersos em forma de rede; uma longa durao dos vnculos (vrias geraes)
na disperso; uma identidade tnica ou nacional reivindicada pelo grupo (conscincia identitria, mesmo
quando integrados e aculturados mas jamais assimilados); uma organizao poltica, econmica, religiosa
ou cultural (manifestando, assim, uma rica vida associativa); contatos reais ou imaginrios com o territrio
ou pas de origem (que se transforma em um espao de referncia identitria). Portanto, consideramos tratar
a disperso dos sefarditas da Pennsula Ibrica como migrao, pura e simplesmente, uma generalizao
que no faz justia realidade histrica desse povo, ignorando sua resistncia secular e dando por certo,
tacitamente, a destruio dessa cultura.
16 INTRODUO
de Dispora
Uma Civilizao
26 CAPTULO 1
5 Construdo pelo Rei Salomo o Primeiro Templo Sagrado (Beit Hamicdash) foi destrudo em
422 (AEC) pelos exrcitos de Nabucodonosor, rei da Babilnia.
28 CAPTULO 1
9 Hasdai Ibn Shaprut contribuiu na traduo do grego para o rabe do tratado de botnica e farma-
cologia Matria mdica (Peri hyles iatrikes) de Dioscrides Pedaneo.
10 Seus escritos influenciaram judeus, rabes e cristos de Al-Andaluz Medieval com destaque para
as obras A fonte da vida (de teor filosfico), o clebre poema Keter Malkhut e o primeiro tratado sistem-
tico de tica.
11 Foi importante no Ocidente para a transmisso da matemtica greco-arbica em especial a geo-
metria e astronomia. Suas obras foram traduzidas para vrios idiomas, com destaque para: Yesodey ha-Tevuna
u-Migdal ha-Emuna (primeira enciclopdia escrita em hebraico sobre matemtica, msica e ptica) e Hibbur
ha-Meshiha we-ha-Tishboret (uma obra sobre geometria prtica).
12 Filsofo e poeta espanhol, considerado um dos maiores poetas nacionalistas do judasmo medieval.
13 Autor do clebre Almanach perpetuum (Leiria, 1496). Estudou e foi professor na Universida-
de de Salamanca. Saiu da Espanha em 1492 rumo a terras lusitanas onde foi nomeado Astrnomo Real.
14 Autor do renomado Dilogos de Amor. (Roma, 1535).
30 CAPTULO 1
15 Diz respeito compilao das leis judaicas, a partir da Torah e consubstanciada sobretudo no
Talmude. No original significa caminhada, querendo significar o caminho que algum deve conduzir a si
mesmo. Outros atribuem uma etimologia legal mais formal, transmitindo um sentido maior de obrigao do
que meramente regras aceitveis de conduta humana. De modo geral, halach no significa o mesmo que lei.
Ela envolve um escopo amplo, a lei civil e criminal e tambm as regulamentaes religiosas e os preceitos
que guiam a existncia humana em um sentido menos legal. (LANGE, 2008).
16 O Zohar (Livro do Esplendor) a representao mxima da cabala clssica, criado por Moiss
de Leon, na Espanha, no final do sculo XIII.
32 CAPTULO 1
17 Este decreto de expulso foi publicado na cidade de Granada em 31 de maro de 1492, forando
os judeu espanhis a optarem por deixar a Espanha ou converterem-se ao cristianismo.
UMA CIVILIZAO DE DISPORA 35
18 Expresso utilizada por Samuel Usque, em meados do sculo XVI, para se referir aos sefarditas
de origem portuguesa que se destacaram na dispora que se seguiu expulso desse povo da Pennsula Ibri-
ca ao final do sculo XV.
36 CAPTULO 1
sefardita
resistncia cultural
basties da
Safede e Ferrara,
42 CAPTULO 2
22 Outros importantes humanistas e cabalistas foram: Marslio Ficino (1433-1499); Johannes Reu-
chlin (1455-1522); Francesco Giorgio Veneto (1466-1540); Paolo Ricci (1480-1541) e Balthasar Walther
(1558-1631).
46 CAPTULO 2
23 Existe um debate acadmico sobre se realmente Israel Sarug foi discpulo de Isaac Luria. Al-
guns afirmam que ele manteve contato com Luria no Egito, antes do mesmo mudar-se para Safed. Outros
asseguram que ele encontrou-se com Isaac Luria, mesmo que por um curto espao de tempo, em Safed.
SAFEDE E FERRARA, BASTIES DA RESISTNCIA CULTURAL SEFARDITA 47
24 Sabatai Tsev, em meados do sculo XVII, aps agitar as comunidades da dispora com um mes-
sianismo mstico, incluindo os judeus-novos do Recife, foi preso pelo vizir de Istambul em 1666 e, diante de
uma ameaa de morte, converteu-se ao islamismo.
SAFEDE E FERRARA, BASTIES DA RESISTNCIA CULTURAL SEFARDITA 49
25 Segundo Samuel Usque, Ferrara constitua para os sefarditas outrora forados converso o
mais seguro porto da Itlia (ANDRADE, 2011).
SAFEDE E FERRARA, BASTIES DA RESISTNCIA CULTURAL SEFARDITA 53
26 A partir de 1288, Ferrara, Modena e Reggio Emilia eram conhecidas como Estados Estenses por
serem governados pela Casa DEste.
54 CAPTULO 2
cultural
Resistncia
Pioneiros da
56 CAPTULO 3
27 Apesar disso, no houve uma poltica uniforme nos casamentos dos sefarditas na dispora, ten-
do em vista que muitas vezes o esforo de algumas famlias era exatamente o oposto, casar suas filhas com
cristos velhos a fim de fugirem dos estigmas da sociedade. Porm, conforme Gitlitz (2002), os dados de
levantamentos estatsticos feitos no Mxico colonial, entre os condenados no Tribunal do Santo Ofcio de
Lisboa no perodo que vai do sculo XVII ao XVIII, entre os criptojudeus de Mrcia e de Maiorca, indicam
que a esmagadora maioria das famlias sefarditas adotou a prtica da endogamia.
60 CAPTULO 3
judeus do preconceito por parte dos cristos velhos, bem como para
despistar os olhares dos inquisidores.
Havia, sem dvida, no poeta Bento Teixeira uma esperana
muito grande em ver estabelecida na colnia uma ptria judaica onde
enfim lanariam fora os trajes falsos de cristo e poderiam viver aber-
tamente as suas tradies.
Tal esperana por uma ptria permanente, que por fim tirar
o povo judeu da condio de peregrinos no mar bravssimo, traz
memria o anseio judaico pelo mundo vindouro anunciado pelos
profetas. Nesse, a paz, justia e prosperidade viriam em um reinado
messinico sobre o povo israelita.
A literatura era uma forma segura de se transmitir uma mensa-
gem de preservao e resistncia entre os criptojudeus, em uma lingua-
gem compreensvel a eles e somente entre eles, j que, em se tratando
dos simbolismos da Cabala, nenhum outro grupo era mais versado.
Fica claro que a Prosopopia possui uma mensagem oculta direcio-
nada conscincia histrica judaica, escrita por um criptojudeu e com-
preendida em sua profundidade apenas por aqueles que teriam sensibi-
lidade o suficiente para captar a alma judaica (nefesh yehud) do texto.
O exemplo de Bento Teixeira um forte argumento contra a te-
oria do historiador portugus Antnio Jos Saraiva (1917-1993) se-
gundo o qual o judasmo dos sefarditas conversos, designados por ele
de cristos-novos, foi um mito inventado pela Inquisio para, em
aliana com a classe dominante senhorial, enfraquecer a burguesia
mercantil em asceno.
Segundo ele, apesar de muitos membros dessa minoria perse-
guida haverem emigrado para a Amrica portuguesa, onde viviam
muito mais solta e com menos cautela que em Portugal, depois de
um sculo de quase completa liberdade, por ocasio da primeira vi-
sitao inquisitorial de 1591, as denncias conhecidas quase no se
referem a prticas do criptojudasmo. Para ele, os defensores do mito
do cristo-novo judaizante, interpretando esses dados com parcia-
lidade, explicam que essa pouca incidncia de casos de mosasmo se
justificam pela extrema cautela dos mesmos em suas observncias re-
ligiosoas. E, contrariando essa possibilidade, arremata: mais sim-
66 CAPTULO 3
Judaica
Prosa Crptica
Um Exemplo de
68 CAPTULO 4
Os Problemas de Significado
de Menina e Moa
28 Segundo o Dicionrio de lngua portuguesa Michaelis Tea uma penso vitalcia que os reis
davam aos cavaleiros, por servios prestados.
UM EXEMPLO DE PROSA CRPTICA JUDAICA 73
29 Editio princeps corresponde primeira edio impressa de uma obra antiga ou medieval copila-
da de um manuscrito.
30 As clogas so composies buclicas de origem greco-latina que exaltam os encantos da vida
rural. Foram introduzidas em Portugal por intermdio de Bernardim Ribeiro e S Miranda com a cloga
Passional e a cloga Polmica.
31 Andr Burgos era espanhol, natural de Granada, e imprimiu primeiramente em Sevilha (1542-
49), aonde porventura o Cardeal-infante D. Henrique o mandou convidar para vir se estabelecer em vora,
cidade em que o infante era arcebispo e que teve em Andr Burgos o seu primeiro impressor. (ANSELMO,
1926, p. 102).
32 BIRCKMAN (ARNOLD), livreiro em Londres, era naural de Colnia, e pertencia a uma grande
famlia de livreiros que tinha estabelecimentos em vrias cidades. (DUFF, 1905, p. 13).
33 Este cdice miscelado (conhecido como manuscrito de Asensio) encontrado na dcada de 70
por Eugenio Asensio contm, entre outros, textos literrios em prosa e verso, cartas rgias e de altas perso-
nalidades, discursos, linhagem de famlias de Portugal, e dois obiturios entre os anos de 1501-1550. Este
manuscrito foi adquirido em 1983 pela Biblioteca Nacional de Lisboa apresentando cpia da novela intitulada
Saudades de Bernardim Ribeiro como tambm deste autor algumas clogas e diversas poesias, varias cantigas
e duas comdias de S Miranda, poemas de Boscn, Garcilaso de la Veja, Jorge Manrique e de outros poetas
do crculo literrio de S de Miranda.
74 CAPTULO 4
34 O Ms. da Real Academia de la Historia de Madrid composto por 245 pginas, das quais 76
desse cdice so destinadas a obra de Bernardim Ribeiro, assim designado: Tratado de Bernardim Ribeiro.
UM EXEMPLO DE PROSA CRPTICA JUDAICA 75
35 A proibio da Menina e Moa no Index Expurgatrio de 1581, FL.21, parecia obstar revela-
o de alguma intriga de corte. Ao sculo XVII chegou a lenda de que fora a infanta D. Beatriz, filha do rei D.
Manoel, a eleita dos pensamentos de Bernardim Ribeiro; consignou esta lenda com a mxima boa f Manoel
de Faria e Sousa, na Europa portuguesa no Discurso dos Sonetos, da Fuente de Aganipe. (BRAGA, 1897, p.
269).
76 CAPTULO 4
36 Solilquio significa uma forma dramtica ou literria em que o personagem fala sozinho, como
que consigo mesmo, expressando de maneira lgica o que se passa em seu esprito, em sua conscincia.
78 CAPTULO 4
39 Algumas vezes encontramos meno festa da rainha Ester com a qual os cristos-novos se
identificavam de maneira especial, pois Ester teve, como os cristos-novos, de manter secreta a sua origem.
(NOVINSKY, 1995).
40 Conforme est no livro de Ester o Purim a festividade que celebra a libertao do povo mosai-
co do genocdio arquitetado pelo ministro Haman.
80 CAPTULO 4
42 Segundo as Ordenaes Filipinas (1603), Livro V, Ttulo 82: Defendemos que pessoa alguma,
de qualquer qualidade que seja, em nossos reinos e senhorios no jogue cartas, nem as tenha em sua casa e
pousada, nem as traga consigo, nem as faa, nem traga de fora nem as venda.E a pessoa a que for provado que
jogou com cartas qualquer jogo, ou lhe forem achadas em casa ou as trouxer consigo, pague da cadeia, se for
peo, dois mil ris, e se for de maior condio, pague dez cruzados e mais perca todo o dinheiro que se provar
que no dito jogo ganhou, ou que lhe no dito jogo for achado. [...]1. Quem fizer, ou trouxer de fora do Reino,
ou vender em alguma parte de nossos reinos e senhorios, seja preso, e da Cadeia pague vinte cruzados, se for
peo, e seja aoitado publicamente. E se for de maior condio, pague quarenta cruzados, e seja degredado
por um ano para frica. (LARA, 1999, pp. 259-260).
43 A Menina e Moa sobreviveu intacta censura inquisitorial, exceto por uma breve incluso no
Index de 1581 e alguns cortes menores nas edies subsequentes. (MACEDO, 1977, p.125).
44 Incipit um fragmento do incio de uma composio.
45 Menina e Moa me levaram de casa de minha me para muito longe [...] (RIBEIRO, 1554, p. III).
82 CAPTULO 4
46 A nostalgia do tempo passado e da terra perdida talvez seja o sentimento mais fundo da alma judia
em exlio metafsico, ansiando por recuperar o bem originrio e regressar ao pai. (SALOMON, 2004, p. 216).
UM EXEMPLO DE PROSA CRPTICA JUDAICA 83
Literatura
A Mstica Judaica na
86 CAPTULO 5
47 Mas, este termo s passa a ter um carter esotrico na Idade Mdia, especialmente no sc. XII na
escola de Isaac l Aveugle, onde ir ser definido o campo da mstica teosfica. (GOETSCHEL, 2009).
48 Bahir significa Luminoso.
49 A Cabala, ento, difundiu-se muito na Espanha. Entre as obras mais representativas dessa cor-
rente, deve-se citar o Sfer ha-Zohar (Livro da luz), composto por Mos ben Sem Tob de Leo, entre 1280 e
1286. (TELLO, 1992, p. 120).
50 No menos notvel foi a irrupo de criatividade na esfera da halakhah (lei rabnica) e na esfera
da Cabala (misticismo judaico) que geraram outro perodo ureo (sefaradim) do judasmo espanhol. (RI-
VKIN, 1996, p. 268).
A MSTICA JUDAICA NA LITERATURA 87
51 Um dos campos da cultura judaica que atingiu maior florescimento a mstica da Cabala, que
havia sido muito cultivado na pennsula Ibrica, e aps a expulso se desenvolveu especialmente na cidade
palestina de Safed. (DIAZ MAS, 1993, p. 63, traduo nossa).
88 CAPTULO 5
53 o desterro ou exlio que est na base das tristezas, dor e saudade que, alm de serem sen-
timentos, representam uma condio ou qualidade primordial que imediatamente identificvel por aqueles
que partilham logo se reconhecem amigos ou aliados, como a Menina e a Dona do Tempo Antigo se reconhe-
ceram. (MACEDO, 1977).
Captulo 6
Criptojudasmo
Olvidada do
A Dimenso
94 CAPTULO 6
Um trabalho que pode lanar luz sobre esta relao entre a Ca-
bala e a cultura dos sefarditas na dispora Inquisicin, Brujera y
criptojudasmo, de Julio Caro Baroja, cuja primeira edio foi lana-
da em 1970 na Espanha.
Na Amrica portuguesa, alm do exemplo de Bento Teixeira,
acima mencionado, a possvel influncia da Cabala sobre as prticas
de magia e feitiaria no perodo colonial tem sido percebida apenas
de forma implcita, como pode ser exemplificado pela obra seminal de
Laura de Mello e Souza: O Diabo e a Terra de Santa Cruz: Feitiaria
e religiosidade popular no Brasil colonial.
Apesar de reconhecer que traos catlicos, negros, indgenas e
judaicos misturaram-se pois na colnia, tecendo uma religio sinc-
rtica e especificamente colonial (MELLO E SOUZA, 1995, p. 97), e
analisar casos de cristos-novos pegos em prticas de feitiaria, a ex-
plicao geral do fenmeno na colnia que a escritora faz a seguinte:
A DIMENSO OLVIDADA DO CRIPTOJUDASMO 97
54 Isto o meu corpo. Palavras em latim, pronunciadas na consagrao do po, durante a missa.
98 CAPTULO 6
Por outro lado, seja qual for o motivo, ou mesmo uma juno de
motivos para escamotear-se o cabalismo da cultura dos sefarditas na
dispora atlntica dos tempos modernos, estudos sobre esse aspecto
ainda demandam pesquisas e aprofundamentos.
Captulo 7
Magia cerimonial
Criptojudasmo e
110 CAPTULO 7
Perfil do Denunciado
e Motivos da Denncia
Dentre outros crimes, Joo Baptista Laroca foi acusado pelo pa-
dre Miguel Mileti e por Caetano Barrilaso de ser judeu e fugitivo dos
crceres da Inquisio na Ilha de Ceuta. O genovs sexagenrio, aps
ver o vizinho ser preso pelos representantes do Santo Ofcio, se diri-
giu ao Tribunal para entregar uns papis que encontrou nos aposen-
tos do acusado. Nada mais acrescentou sobre ele.
Para entender os bastidores da denncia que os dois sicilianos
fizeram contra o piemonts necessrio levar em considerao as es-
pecificidades e diferenas entre essas regies.
Historicamente, a relao dos estados italianos do norte com
os judeus foi bastante diferente da relao que os territrios do sul
mantinham com os mesmos. A partir da formao do Reino das Duas
Siclias, em 1442, a regio esteve sob domnio Espanhol. At que o
Tratado de Utrecht, em 1713, determinou que a Siclia deixasse de
pertencer Espanha e passasse ao domnio do Piemonte.
Dessa forma, quando em 1492 os Reis Catlicos, Fernando de
Arago e Isabel de Castela, expulsaram os Judeus do territrio espa-
nhol, a comunidade judaica da Siclia tambm foi desalojada. No nor-
te e centro da Itlia a situao era diferente. As cidades, constitudas
em Estados, preservando sua independncia atravs do governo de
famlias nobres locais, mantinham interesses comerciais que implica-
vam numa poltica de maior tolerncia para com os judeus.
Portanto, cidades como Ferrara, Gnova, Livorno e Veneza se
notabilizaram por permitirem que os Judeus residissem em seu ter-
ritrio. No episdio da dispora dos judeus da Pennsula Ibrica, a
CRIPTOJUDASMO E MAGIA CERIMONIAL 115
annos, alto de corpo, magro, feio de rosto e negro, barba negra, ca-
bello preto e comprido, mal vestido.58 Antnio Hugo, terceiro denun-
ciante, confirma algumas dessas caractersticas: falei nome o qual he
alto, e magro e estava asseito em hum dos Navios da Companhia da
Crsega, no se sabe em que ocupao.59
Porm, chama ateno a nfase constante sua ocupao. Via
de regra, ele foi descrito como sendo artilheiro em um veleiro que
viajava para a ilha de Crsega. Quando o prprio Joo Baptista Laro-
ca foi interrogado na sesso de Genealogia, ele pde esclarecer que
trabalhava nos navios dessa companhia. A esse respeito, uma infor-
mao importante aparece na denncia do padre Miguel Mileti. Ele
afirmou que Joo Baptista Laroca era contratador em um Navio
para a referida ilha.
Eis um indcio que merece ser explorado. Ao considerar-se o
principal destino das viagens de Joo Baptista Laroca, a ilha de Cr-
sega, est se tratando de uma regio geopoltica complexa, chama-
da por Fernand Braudel de mundo tirreno. Na sua anlise, o Mar
Tirreno sempre foi sujeito s influncias dos mundos vizinhos e s
contingncias de uma histria movimentada. Com portos importan-
tes, nunca foi dominado, de forma exclusiva, por um poder poltico ou
civilizao, excetuando a hegemonia romana na antiguidade. (BRAU-
DEL, 1995, pp. 138, 139).
Em um caso especfico a hegemonia foi secular, ainda nos tempos
modernos. No perodo compreendido entre o sculo XIII e meados do
sculo XVIII a Crsega esteve sob o domnio da cidade-estado italiana
de Gnova, que transformou a ilha numa zona de produo de cereais.
Ora, alm da proximidade geogrfica de Gnova com o Piemonte, re-
gio de origem de Joo Baptista Laroca, e de suas viagens de trabalho
citada ilha, outros detalhes revelados no Processo da Inquisio liga-
vam Joo Baptista Laroca Genva e sua possesso insular.
Percebe-se que os laos de Joo Baptista Laroca com Gnova
no so propriamente casuais. A relao se intensifica quando se es-
tuda a histria da cidade e se descobre que Gnova foi administrada
durante os tempos modernos pela Casa de San Giorgio (1407-1805),
banco controlado pelas famlias genovesas Grimaldi e Serra e que,
e Criptojudasmo
Cabala Prtica
128 CAPTULO 8
Interpretao do Ritual
e Criptojudasmo
Cabala, maonaria
140 CAPTULO 9
67 The Israelite. Published by Bloch & CO. N 43, East Third Street, Corner of Sycamore Street.
Isaac M. Wise, Editor. Rev. Dr. Lilienthal, Assoc. Editor. Cincinnati, Friday. August 17, 1855. Isaac Mayer
Wise. Digital Archive. American Jewish Archives. Disponvel: americanjewisharchives,org. Acesso: Mai.
2014.
144 CAPTULO 9
71 Plural de Mezuzah. Mezuzah uma palavra hebraica que significa umbral. Consiste em um
objeto ritual utilizado no judasmo. Um pequeno recipiente que deve ser postado no umbral direito das resi-
dncias, no limiar entre o lar e a rua, contendo um pergaminho escrito com a reza que consiste na profisso
de f bsica do judasmo, a Shemah, que corresponde ao texto da Torah encontrado em Deuteronmio 6: 4 a
9. um smbolo de proteo.
72 Existem diferenas nessa classificao, variando de acordo com o rito praticado.
CABALA, MAONARIA E CRIPTOJUDASMO 149
A guerra cultural multisecular dos sefarditas contra o etnocdio
intentado pelo integralismo Catlico Apostlico Romano, de certa
forma, continua. Na poca contempornea se transformou numa ba-
talha pela memria e interpretao histrica do significado dos cha-
mados cristos-novos, nome atribudo na historiografia hegemni-
ca aos sefarditas conversos, e da realidade do que foi a atuao do
Tribunal do Santo Ofcio da Inquisio.
Nos dois casos, esforos pararevisionistas tm distorcido os fa-
tos histricos com o duplo objetivo de, por um lado, negar a existncia
de um movimento de resistncia cultural multisecular mantido inin-
terruptamente pelos sefarditas conversos e judaizantes e, por outro
lado, amenizar a imagem das atrocidades cometidas pelo Tribunal do
Santo Ofcio da Inquisio.
Em funo disso, lembramos a afirmao de Ginzburg (1991, p.
24) quando tratou da violncia histrica perpetrada contra feiticei-
ras ou bruxos durante os tempos modernos: Mediante a introje-
o (parcial ou total, lenta ou imediata, violenta ou aparentemente
espontnea) do esteretipo hostil proposto pelos perseguidores, as
vtimas acabavam perdendo a prpria identidade cultural.
No caso dos sefarditas conversos e judaizantes a violncia sim-
blica intenta um ardil mais perverso ainda, qual seja; o de negar a
existncia histrica de um segmento tnico-cultural enquanto expres-
so de uma resistncia, consciente e planejada, assimilao cultural.
Aqui, trata-se da afirmao descabida de que um grupo significativo
de indivduos, oriundos de uma cultura milenar altamente evoluda,
foi capaz de perder coletivamente sua conscincia histrico-religiosa.
Os indcios reunidos nesse livro demonstram sobejamente que
o criptojudasmo encontrou no cabalismo uma forma to criativa de
sobreviver, incorporando metforas, smbolos, mitos e prticas eso-
tricas que, muitas vezes, foi capaz de ludibriar a inquirio dos per-
seguidores.
Os elementos constituintes dessa camuflagem cultural, os ver-
dadeiros arcanos profundos do criptojudasmo esto representados
por uma cosmoviso peculiar, assentada em uma metafsica conforme
se consolidou na Cabala de Isaac Luria, cujo ponto de partida era ex-
plicar a razo do exlio dos judeus e a sua vocao neste mundo. Alm
disso, incorporou uma expectativa messinica irreprimvel que se
materializou em diversos movimentos histricos ao longo dos tempos
modernos. Ou seja, os sefarditas conversos e judaizantes passaram a
vivenciar o mito do exlio e redeno. Para tanto, se organizaram em
comunidades de saber esotrico que compartilhavam um conjunto de
smbolos, mitos, rituais, amuletos, supersties e prticas msticas
constantes tanto da Cabala terica, quanto da Cabala prtica.
Em funo disso, a cultura dos sefarditas conversos e judaizan-
tes sobreviveu despercebida no somente pelos que tentaram destru-
-la, mas at mesmo pelo relato histrico hegemnico.
Referncias
156 REFERNCIAS
_____. The Curious History of the Six Pointed Star: How the Ma-
gen David Became the Jewish Symbol, Commentary, September,
1949. pp. 243-251.
The Israelite. Published by Bloch & CO. N 43, East Third Street, Cor-
ner of Sycamore Street. Isaac M. Wise, Editor. Rev. Dr. Lilienthal,
Assoc. Editor. Cincinnati, Friday. August 17, 1855. Isaac Mayer Wise.
Digital Archive. American Jewish Archives. Disponvel: americanjew-
isharchives,org. Acesso: Mai. 2014.