A Memória Vegetal

Fazer download em docx, pdf ou txt
Fazer download em docx, pdf ou txt
Você está na página 1de 2

A Memria Vegetal

RREECCOORRTTEE revista eletrnica ISSN 1807-8591 Mestrado em Letras: Linguagem,


Discurso e Cultura / UNINCOR ANO 9 - N. 1 RESENHA ECO, Umberto & CARRIRE, Jean-
Claude. No contem com o fim do livro. Rio de Janeiro, Record, 2010. ECO, Umberto. A
Memria Vegetal e Outros Escritos sobre Bibliofilia. Rio de Janeiro, Record, 2010. Maurcio
Silva1 Atualmente, com o advento das novas mdias eletrnicas, discute-se exaustivamente o
futuro que estaria destinado ao livro, objeto que na histria das civilizaes teria
provocado, sem dvida, uma das mais intensas revolues culturais. H tanto os que,
entusiastas dos avanos tecnolgicos, vem os suportes eletrnicos da escrita como uma
evoluo natural e necessria do mundo contemporneo quanto aqueles que, mais refratrios
s novidades da tecnologia, consideram o livro algo insubstituvel e perene. Com a autoridade
de quem se destacou como um dos mais importantes semioticistas da atualidade e, alm
disso, um dos grandes biblifilos contemporneos, Umberto Eco discute estas e outras
questes em duas de suas mais recentes obras traduzidas para o portugus: trata-se de No
contem com o fim do livro (Rio de Janeiro, Record, 2010) e A Memria Vegetal e Outros
Escritos sobre Bibliofilia (Rio de Janeiro, Record, 2010). Colocando-se ao lado daqueles que
vem no livro um objeto avesso aos avanos tecnolgicos ao menos aos avanos que
prognosticam o desaparecimento do livro , Umberto Eco trata, em suas primeira obra (No
contem com o fim do livro), como alis o prprio ttulo j sugere, das relaes entre o livro e os
novos suportes eletrnicos da escrita. Produzido no formato de uma longa conversa com o
cineasta e biblifilo francs Jean-Claude Carrire, trata-se de um texto em que ambos os
autores comeam defendendo a ideia de que, ao contrrio do que se pensa, com o
computador retornamos era alfabtica (em oposio a uma suposta era das imagens),
fazendo com que todos retomem a leitura. Contudo, completam os autores, a questo que se
1 Doutor em Letras Clssicas e Vernculas; Professor da Universidade Nove de Julho. E-mail:
[email protected]. RREECCOORRTTEE revista eletrnica ISSN 1807-8591 Mestrado em
Letras: Linguagem, Discurso e Cultura / UNINCOR ANO 9 - N. 1 coloca a do suporte da
leitura: para eles, o computador traz algumas desvantagens em relao ao livro (por exemplo,
depende da eletricidade), o qual dever, assim, permanecer ainda como suporte principal da
leitura. Alm disso, dizem os autores, os suportes eletrnicos, feitos para durar eternamente,
tm-se mostrado impressionantemente efmeros: enquanto um livro de quinhentos anos
ainda pode ser lido sem problemas, no se pode mais ler a no ser que se tenha um aparelho
especial um texto em cassete eletrnico ou CD-ROM. Assim, para eles, o sculo XX o
primeiro sculo a deixar imagens em movimento de si mesmo, de sua prpria histria, e sons
gravados mas em suportes ainda mal consolidados (p. 30). Outra questo que se discute,
acerca desse assunto, a questo da memria. Se por um lado as novas tecnologias
aumentaram nossa capacidade de armazenar dados sobretudo em espaos menores, como
em um pendrive , por outro lado elas nos inundam de dados inteis, como comprova o
exemplo da internet. Os autores lembram, contudo, que o papel da cultura no apenas
preservar a memria, mas tambm selecion-la, descartando o que for excessivo (a cultura
um cemitrio de livros e outros objetos desaparecidos para sempre, p. 59). E completam: o
que a Internet nos fornece na realidade uma informao bruta, sem nenhum discernimento,
ou quase isso, sem controle das fontes nem hierarquizao (p. 71). Os autores destacam
finalmente, numa abordagem particularmente pessoal do assunto, outros aspectos presentes
no livro e que, com os suportes eletrnicos, acabam se perdendo, como os rascunhos, as
correes, a marginlia etc. E como seu livro no trata apenas das relaes entre os livros e as
mdias eletrnicas, falam ainda das bibliotecas, dos manuscritos, da crtica, dos
colecionadores, enfim de um amplo universo relacionado ao livro, seja como objeto, seja como
fenmeno cultural, dando a ele, last but not least, uma indefectvel aura mstica: o livro, por
ser um livro, contm uma verdade que escapa aos homens (p. 236). Lembrando que, com a
inveno da escrita, passamos da situao de uma memria orgnica (de natureza oral,
passada de gerao para gerao) para uma memria mineral (ou seja, escrita e grafada em
pedras) e, posteriormente, para uma memria vegetal (grafada em papiros e papis), Umberto
Eco, em A Memria Vegetal e Outros Escritos sobre Bibliofilia afirma, no mesmo sentido que
seu livro anterior, que, com o advento do livro, passamos a ter outra relao com a escrita e
com a leitura e, por extenso, com o mundo nossa volta. Nesse sentido, o autor
RREECCOORRTTEE revista eletrnica ISSN 1807-8591 Mestrado em Letras: Linguagem,
Discurso e Cultura / UNINCOR ANO 9 - N. 1 faz uma srie de reflexes acerca do livro,
tratando tanto de seus amigos e inimigos e do hbito do colecionismo quanto de sua relao
com as novas tecnologias e da bibliofilia. E, num tom entre peremptrio e exortativo: como
belo um livro, que foi pensado para ser tomado nas mos, at na cama, at num barco, at
onde no existem tomadas eltricas, at onde e quando qualquer bateria se descarregou, e
suporta marcadores e cantos dobrados, e pode ser derrubado no cho ou abandonado sobre o
peito ou sobre os joelhos quando a gente cai no sono, e fica no bolso, e se consome, registra a
intensidade, a assiduidade ou a regularidade das nossas leituras e nos recorda (se parecer
muito fresco ou intenso) que ainda no o lemos (p. 54). Para aqueles que se interessam pelas
sempre polmicas questes acerca da sobrevivncia ou no do livro como suporte de leitura
nos limites da modernidade tardia, os dois textos citados podem ser um bom comeo de
discusso. Resenha recebida em maio de 2012. Resenha aceita em junho de 2012.

Você também pode gostar