Racismo e Sartre
Racismo e Sartre
Racismo e Sartre
Resumo: Em Reflexes Sobre o Racismo de Jean Paul Sartre o filsofo desenvolve uma
anlise psicolgica do preconceito antissemita que possibilita a compreenso de alguns
aspectos relevantes do desenvolvimento de sentimentos preconceituosos. Atravs de
uma desconstruo do comportamento e da postura psicolgica do tipo antissemita,
aliada a uma anlise de aspectos relevantes da histria recente da Europa dcadas de
50/60, Sartre tenta provar a incoerncia das ideias racistas contra o povo judeu. A anlise
de Sartre ultrapassa o embate panfletrio racista como no caso dos libelos apcrifos (Os
protocolos dos sbios de Sio), e o registro ideolgico e adentra num territrio de anlise
psicolgica do antissemita. As ideias de Sartre, sobretudo no ncleo interpretativo do
texto no so as de um especialista no tema da histria do antissemitismo, seu texto se
situa mais na classificao ensastica que propriamente resultado de longa investigao
1 Professor de filosofia da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicao / Unesp, campus de Bauru-SP. elivagner@
faac.unesp.br
sobre o tema, mas nos conduz questes importantes, que podem, a meu ver, ser apli-
cadas a todo tipo de racismo e de pensamento predisposto ao dio e xenofobia.
Palavras-chave: Antissemitismo. Preconceito. Racismo. Psicologia. Nazismo.
Abstract: In Reflections on Racism by Jean Paul Sartre the philosopher develops a psy-
chological analysis of anti-Semitic prejudice that furthers our understanding of some
relevant aspects of the development of prejudiced feelings. Through a deconstruction
of behavior and psychological stance of anti-Semitic type, together with an analysis of
relevant aspects of recent European history decades of 50/60, Sartre tries to prove the
inconsistency of racist ideas against the Jewish people. Sartres analysis goes beyond the
racist pamphlet clash as in the case of the apocryphal libels (Protocols of the Elders of
Zion), and the ideological record and enters a territory analysis psychological of anti-
Semitic. The Sartres ideas, especially in interpretive core of the text is not an expert on
the subject of the history of anti-Semitism, your text is located more in the essay clas-
sification properly result of long research on the topic, but leads to important questions
which can, in my view, be applied to all kinds of racism and predisposed thought to
hatred and xenophobia.
Keywords: Antisemitism . Preconception. Racism. Psychology. Nazism
Introduo
Para o filsofo, o antissemitismo parece ser uma espcie de gosto subjetivo, que
se compe com outros gostos, a fim de formar a pessoa do antissemita.
Toda a argumentao de Sartre neste escrito caminha no sentido de provar que
o antissemitismo muito diferente de um pensamento coerente e que , antes de tudo,
uma paixo. Aqui a palavra paixo, como o prprio Sartre explica, usada no sentido
2 O conceito de raa usado aqui ainda no contexto pr-cientfico que tentava determinar diferenas essenciais
entre os povos; portanto, sem o esclarecimento que posteriormente a biologia conferiu ao tema e que marca o uso
pseudocientfico do termo pelos grupos antissemitas da poca em questo.
3 O nacionalismo seria uma paixo popular baseada na necessidade de autoafirmao e de identidade cultural. A
partir de sentimentos nacionalistas a lgica da alteridade, o sentimento de oposio ao que no igual a identidade
prpria passa a ser um foco de conflitos.
da verdade, sobre a qual nem sequer suspeitam, porm, a prpria forma do verdadeiro,
este objeto de indefinida aproximao. O antissemita no quer opinies adquiridas, ele
as quer inatas, pois tem medo do raciocnio e do emprico.
Sartre conclui que, para o antissemita, o judeu, alvo de toda sua ira e revolta, no
seno um pretexto, em outra parte seria utilizado o negro, o amarelo, o homossexual.
A concepo da diferena de difcil aceitao para o racista em geral. A diversidade cul-
tural e a multiplicidade racial de certa forma agridem as ideias daqueles que concebem
a pureza da raa como uma virtude e a miscigenao como degenerao. Neste sentido
pode-se afirmar, com Sartre, que o racismo o medo da diante da prpria condio
humana que inevitavelmente vive o fenmeno da confluncia biolgica e cultural. O an-
tissemitismo um tipo de medo da vida, um medo transformado em dio, sentimentos
irmos.
Neste contexto o democrata seria uma figura que, segundo Sartre, agiria, a
princpio, como um amigo dos judeus. Trata-se, porm, de um pobre defensor de ideias,
pois na sua universalidade de pensamento (todos devem ter os mesmos direitos), ele no
conhece o judeu, nem o negro, nem o rabe. No tem olhos para as snteses concretas
que a histria lhe apresenta. Para o democrata todas as coletividades so uma soma
de indivduos e por indivduo ele entende uma encarnao singular dos traos univer-
sais que constituem a natureza humana. A discusso entre o democrata e o antissemita
se torna um dilogo de surdos, pois ambos no falam das mesmas coisas. O que o an-
tissemita pode encarar como um vcio judeu o democrata considera uma caracterstica
universal, isto , algo que est presente em todo ser humano. O democrata suprime o
judeu em favor do homem.
Sartre concorda com o antissemita num ponto: no acreditamos que uma socie-
dade seja uma soma de molculas isoladas ou isolveis; cremos que cumpre considerar
os fenmenos biolgicos, psquicos ou sociais com um esprito sinttico. No entanto,
ele discorda do modo de aplicao deste esprito sinttico. Sartre afirma no conhecer
nenhum princpio judeu pejorativo. Alm de no defender um maniquesmo como faz
o antissemita e de no admitir, tampouco, que o verdadeiro francs se beneficie das
tradies legadas por seus antepassados. A crtica do filsofo, neste aspecto, recai no s
sobre o antissemita, mas tambm sobre o francs conservador apegado tradio pelo
simples fato de ser uma tradio, no questionando se benfica ou no.
Concluses
com o surgimento de entidades de defesa dos direitos humanos que atuam nos dias de
hoje.
A anlise de Sartre parte, a meu ver, de um princpio terico bem determinado:
a concepo do tipo antissemita como um indivduo incapaz de assimilar a realidade
na sua complexidade. A caracterizao psicolgica feita por Sartre e a anlise de fatos
histricos da histria da Frana serve de fundo terico para a desconstruo do dis-
curso antissemita efetuada com lucidez pelo filsofo. A estratgia de Sartre funciona
no s pela fragilidade das teses antissemitas, mas sobretudo pela opo de apresen-
tar as fraquezas da personalidade racista diante da necessidade de convivermos com as
diferenas raciais e polticas. Tal necessidade se comprova no apenas como ponto de
convergncia terica ao qual Sartre declaradamente se filia como por tendncia poltica
verificvel no sculo XX e XXI. Ao final a desconstruo efetuada por Sartre toma a forma
de manifesto ou mesmo de um panfleto, sem que este ttulo desmerea a sua anlise,
em favor da tolerncia.
Como afirmamos no incio desta anlise, a desconstruo psicolgica efetuada
pelo filsofo da tipologia antissemita pode ser considerada como modelo para a anlise
de outros tipos de racismo. No caso do antissemitismo, observa Sartre, h o perigo do
homem de bem antissemita.
Referncias