Iurd em Moçambique
Iurd em Moçambique
Iurd em Moçambique
Universidade Pedaggica
Maputo
2016
1
Aro Armindo Come
Supervisor:
Prof. Doutor Bento Rupia Jnior
Universidade Pedaggica
Maputo
2016
1
1
2
Declarao
Declaro que esta Monografia nunca foi apresentada, na sua essncia, para obteno de qualquer
grau e que ela constitui o resultado da minha pesquisa, estando indicadas no texto as referncias
bibliogrficas utilizadas.
________________________
Aro Armindo Come
1
AGRADECIMENTOS
Agradecer uma das tarefas mais complexas e insatisfatrias que um ser socialmente
situado pode realizar perante aos seus prximos. Insatisfatrio porque nos remete a um exerccio
incessante de sufrgio privilegiador: que evidencia alguns e renega a periferia os outros. Esse o
risco que assumo nesta tarefa e desde j, peo a vossa benevolncia.
Agradeo aos meus pais: Armindo Come e Hirondina Cumbe, pela ousadia de me
conceber e me educar num meio espinhoso marcado por intensas metamorfoses e tentaes.
Agradeo a cada um dos meus irmos (Amncio, Amlia, Ldia, Isac, Oflia, Armindo,
Hirondina e Mrio) pelo apoio moral e material. Sem eles este percurso seria eternamente uma
simples utopia; seria um desejo irreal.
Em toda escolha, ou melhor dizendo, para toda escolha existe uma motivao e um
motivador. Neste caso especfico, a ideia duma pesquisa sobre identidade dos zambezianos no
exclusivamente minha. Resulta do convite formulado pelo Professor Dr. Rupia para participar no
projecto de pesquisa no mercado Estrela Vermelha. Pelo que agradeo pela oportunidade que me
concedeu de participar numa experincia repleta de ensinamentos e sugestes construtivas.
Muito obrigado!
Ao meu eterno amigo Leotlio Sitoe pela exigncia silenciosa da minha defesa e
cumplicidade que caracteriza a nossa amizade. Aos meus colegas da Diagonal vai tambm o meu
agradecimento pela ajuda prestada para a realizao desta Monografia.
Todos foram imprescindveis para o que h de relevante neste trabalho. Muito Obrigado todos.
2
Dedicatria
Este trabalho dedicado a todos os zambezianos do Estrela
Vermelha que aceitaram narrar suas histrias de vida para
um estranho. Espero ter consigo traduzir o seu pensamento.
3
Resumo
A presente pesquisa analisa os mecanismos de (re) constituio da identidade social dos
zambezianos no mercado Estrela vermelha. A recolha e anlise de dados foi feita a partir de uma
metodologia mista, baseada em mtodos e tcnicas qualitativas e quantitativas.
4
Abstract
The present research analyzes the mechanisms of (re) constitution of the social identity of the
Zambezians in the red star market (Mercado Estrela Vermelha). Data collection and analysis
were done using a mixed methodology based on qualitative and quantitative methods and
techniques.
In sequential terms, the study starts with a description of the profile of the interviewees, through
an understanding of the process of integration and market territorialization, to have as a point of
departure the identity dynamics of the Zambezians. This analytical course allowed to establish
indicators that determine the process of reconstitution of the social identity in that market, which
are: The use of the proper name to self define and express the essence of the group (being
Zambezian); Shared historical memories of a past or common past; They have a strong
connection with the homeland and elements of common culture. It is possible to verify use of the
common language: chuabo and lmu, importation of gastronomic habits from its area of origin
to the market and participation in religious groups linked to the area of origin and, finally, market
territorialization and a sense of group solidarity.
5
Lista Ilustraes
Tabel
Grficos
Mapas
Mapa 1: Representao da territorializao do mercado Estrela pelos zambezianos...................48
1
CAPTULO I
Introduo
O presente trabalho resultado do desenvolvimento de uma pesquisa mais ampla realizada na
cidade de Maputo, concretamente no mercado Estrela Vermelha pela Faculdade Cincias Sociais
e Filosficas (FCSF) da Universidade Pedaggica, da qual surge o interesse de conhecer e
aprofundar aspectos identitrios dos zambezianos, com o intuito de perceber o processo pelo qual
este grupo social (re) constitui a sua identidade social, no exerccio da sua actividade com os
diferentes grupos culturais no mbito da sua integrao social no lugar de chegada.
Estudos j foram feitos por alguns autores como Lia (2011) e Rodrigues (2012) sobre
vendedores do mercado Estrela Vermelha. Ainda assim, no que diz respeito a aspectos referentes
a dinmica identitria dos zambezianos, pouco foi estudado. A literatura focaliza mais aspectos
atinentes fenmenos migratrios, informalidade e trabalho informal, busca de meios de vida.
Essa focalizao, apesar de nos ajudar a compreender os mbiles subjacentes a migrao de
alguns grupos tnicos da sua zona de origem para a cidade de Maputo, mostram carncia de
estudos sobre os processos identitrios e mecanismos de integrao no local de chegado.
6
A escolha deste espao de anlise foi orientado mormente pelo facto de ser
concomitantemente um mosaico de vrios grupos tnicos e um espao onde pode se encontrar
um nmero considervel de zambezianos, comummente rotulados por Chuabos, a praticar
comrcio de peas de automveis, bebidas alcolicas, recargas para telemveis, aparelhos
domsticos e vesturio.
O comrcio realizado por zambezianos diversificado, mas nos interessou mais o ramo
de vendas de peas de automveis, pelo facto de as relaes entre os vendedores de diferentes
grupos tnicos serem mais intensos, quer sob o ponto de vista de cooperao, quer em termos de
competio pelos clientes e produtos. Este contexto, nos permitiu apreender a dinmica
identitria dos grupos envolvidos naquele comrcio.
7
da identidade social. De forma a atingir tal desiderato, buscamos, de forma especfica conhecer o
perfil scio-biogrfico dos zambezianos que actuam em vrios segmentos do mercado;
Identificar os mecanismos de integrao adoptados pelos zambezianos no Mercado Estrela
Vermelha e, por fim perceber o processo pelo qual os zambezianos constituem ou reconstituem a
sua identidade social.
No quarto e ltimo captulo diz respeito ao tratamento e anlise de dados. Neste captulo
apresentamos consideraes finais e as referncias bibliogrficas usadas no trabalho.
8
Identidade social: revisitando os
clssicos da Sociologia
No mbito das cincias sociais, o conceito de identidade, social se caracteriza por sua
polissemia e fluidez. Na literatura destas cincias, existe uma extensa quantidade de significados
atribudos ao conceito identidade, nomeadamente: identidade individual, identidade nacional,
identidade tnica, identidade profissional, identidade de sexo e idade, so alguns exemplos que
contribuem para a indefinio conceptual e para uma diversa e, por vezes ambgua, utilizao
deste conceito.
Os pressupostos que norteiam debate sobre identidade social constrem-se
historicamente, em sociologia a partir de alguns conceitos operatrios como o de conscincia
colectiva em Durkheim, de comunidade em Tonnies, conscincia de classe em Marx ou de
fechamento social em Weber.[ CITATION MBr952 \l 2070 ]. Tomando esses conceitos de
socilogos clssicos parra contextualizar o debate sobre a identidade social, somos, desde logo,
remetidos ideia de pertena a um grupo, destacando as semelhanas ou atributos volta dos
quais os elementos do grupo se agregam e lhes proporcionam uma experincia estruturante, um
espelho, na qual os actores sociais constroem e visualizam um sentido de si mesmo.
A releitura destes autores num estudo que se quer actual ajuda nos a (re) situar
perspectiva terica sobre identidade numa base slida e, qui, revigorar em conceitos
operatrios antigos uma base analtica singular. Entretanto, no deixa de ser verdade que estes
autores no se tenham debruado sobre este tema de forma explcita, apenas abordaram de forma
ocasional, integrando uma teoria geral.
Em Durkheim, por exemplo, os indcios de uma teoria sobre identidade social podem ser
encontrados no conceito de conscincia colectiva. Durkheim apelida de conscincia colectiva o
conjunto de crenas e de sentimentos que compartilhado pela maioria dos membros de um
grupo. Essa conscincia , por definio, difusa, tendo em conta que h uma conformidade de
todas as conscincias particulares a um tipo comum. Nas sociedades tradicionais o indivduo ,
de alguma forma, absorvido pelo grupo. A conscincia colectiva, isto , o conjunto de crenas
9
e sentimentos comuns mdia dos membros de uma mesma sociedade, particularmente forte e
impe-se s conscincias individuais [CITATION mi98 \p 95-105 \l 2070 ].
A partir da conscincia colectiva, surge uma definio social institucionalizada de uma
sociedade de referncia. O referente passa a ser nos em oposio aos outros. Constitui-se
assim, em Durkheim as bases que possibilitam o entendimento de uma identidade social
especifica.
Nesta perspectiva terica a identidade social remeteria necessariamente ao grupo original
de vinculao do individuo. Em outras palavras a identidade seria preexistente ao individuo que
no teria alternativa seno aderir a ela, sob o risco de se tornar um marginal, um desenraizado.
Em comum com Durkheim, Weber contribuiu para o entendimento do conceito de
identidade social. Essa contribuio pode ser buscada no conceito de fechamento social.
[ CITATION Ped11 \l 2070 ]. Embora, em oposio a Durkheim, Weber assuma como unidade de
anlise os indivduos, precisamente por considerar que so os nicos que podem ter fins ou
intenes (observveis) nos actos (que praticam) as suas concluses caminham em paralelo
quando analisamos processos identitrios.
O conceito de fechamento social foi popularizado na teoria Weberiana de estratificao
social. usado para referir o processo pelo qual as colectividades maximizam as recompensas
econmicas e politicas[CITATION Ped11 \p 146 \l 2070 ]. Este processo implica a construo
de fronteiras simblicas entre ns e os outros, baseadas em racionalidades e atributos
culturais comuns (lngua, religio, profisso, status social). A fronteira que agrega tambm
fronteira que separa, da a sua importncia para entender a identidade social nos tempos actuais.
Esta viso objectivista da identidade , de alguma forma, abandonada pelos tericos tidos
como contemporneos da Sociologia, nomeadamente Anthony Giddens e Zygmunt Brauman.
Ser sobre as fissuras entre as perspectivas clssicas (objectivistas) e as teorias que reduzem a
identidade social a uma questo de escolha individual arbitrria que tentaremos construir o nosso
problema de pesquisa. Neste processo, inclumos tambm questionamentos levantados durante a
nossa imerso no campo: o mercado Estrela Vermelha
10
Construo do Problema De
Pesquisa
Determinar e delimitar problema de pesquisa em pesquisas de natureza social constitui
uma das tarefas complexa para emergentes pesquisadores. Richardson (2012) distingue duas
formas para construo de problemas de pesquisas: na primeira, levantado a priori pelo
pesquisador, com base em pesquisas anteriores, livros, documentos, jornais, etc., enquanto na
segunda forma o problema elaborado a- posterior, o pesquisador insere-se na populao que
deseja estudar e, juntamente com os seus elementos, em constante interaco, tenta levantar os
problemas que sero pesquisados, com objectivo de produzir conhecimento concreto da prtica
que vivencia. Aqui o problema elaborado a partir da relao entre a trade: pesquisador, espao
social e grupo alvo.[CITATION Rob12 \p 56-61 \l 2070 ]
Na presente pesquisa o percurso seguido foi orientado pela segunda forma, na medida em
que, a construo do problema e toda corrente epistemolgica foi delimitado aps a nossa
imerso no mercado Estrela Vermelha e constante interaco que mantemos com indivduos
oriundos da provncia Zambzia. A partir da, foi possvel constatar que aquele grupo social
preserva uma matriz identitria definida atravs do uso constante das lnguas vernculas da
provncia da Zambzia, nomeadamente chuabo, lmu; realizam o comrcio de peas de
automveis e electrodomsticos como actividades preferenciais. um grupo que se caracteriza e
se identifica especificamente pela comum condio de serem emigrantes zambezianos e que se
distinguem de todos outros grupos com quais esto em contacto.
Este grupo, apresenta uma vistosa continuidade cultural com sua zona de origem,
expressada por exemplo, pela importao de algumas prticas alimentares especficas das
respectivas zonas para dentro do mercado; criao de grupos associativistas baseadas no
sentimento comum de pertencer uma identidade comum: o de ser zambeziano. Este sentimento
11
permite tambm manter um mnimo de coeso no grupo que reconhece assim uma origem
comum.
Em outro notvel estudo sobre a vicissitudes que as identidades culturais vem sofrendo
na Ps-modernidade, Hall (1998) advoga nas primeiras pginas da sua obra que as velhas
identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, esto em declnio, fazendo surgir
novas identidades e fragmentando o indivduo moderno, at aqui visto como sujeito
unificado[CITATION Stu98 \p 7 \l 1033 ]. Para ele, as identidades no perodo moderno eram
slidas, bem definidas e localizadas no mundo social e cultural. No entanto, na ps-modernidade,
em consequncia da mudana estrutural das sociedades, as identidades encontram em constante
fragmentao ou deslocao e desprovidas de referncias culturais e sociais.
Hall (1998) distingue trs concepes bastante diferentes de identidade, cada uma
equivalente a um perodo histrico - sendo reflexo de um momento social e de formas de pensar
especficas de sua poca, nomeadamente o sujeito do Iluminismo, o sujeito sociolgico e por fim
sujeito ps-moderno.
O sujeito do Iluminismo era baseado na ideia de ser humano autnomo, nico, centrado,
unificado e coerente. Segundo essa viso todos os homens eram dotados de razo e agiam
racionalmente. E as identidades eram coerentemente e racionalmente construdas. Era tambm
uma viso muito individualista do sujeito e de sua identidade. E, em oposio ao sujeito do
iluminismo, a viso do sujeito sociolgico aquela que o define como no autnomo ou auto-
12
suficiente, mas sim, aquele que constri a sua identidade num dilogo incessante com pessoas da
sociedade em que vive.
A identidade na concepo sociolgica formada e transformada de acordo com as
experiencias do indivduo no meio social, atravs da interaco entre o eu e a sociedade. No
obstante, na ps-modernidade a identidade, qual seja individual, colectiva ou mesmo cultural,
entra em colapso, como resultado das mudanas estruturais e institucionais, dando lugar a novas
identidades hbridas, mveis, incoerentes e deslocadas.[CITATION Stu98 \p 10-13 \l 1033 ]
Na mesma perspectiva Bauman (2005a) advoga que na modernidade lquida 1 as
identidades deixam de ser localizadas, ou relacionadas a grupos locais, elas se tornam globais,
dialogam com o global a todo tempo.
Bauman (2005b), numa entrevista concedida ao jornalista italiano Benedetto Vecchi,
posteriormente publicada num livro intitulado Identidade advoga que no perodo anterior a
modernidade as identidades eram uma atribuio, impossibilitadas de evoluir e sobre a qual o
individuo no tem nenhuma influncia. Com o surgimento da modernidade as identidades
transformam-se em questo de realizao, ou seja, elas a passam a ser produto duma construo
contnua, que culminasse em identidades slidas e coerentes. Entretanto, afirma Bauman, que
hoje esse contexto no mais valido. Num mundo onde tudo transitrio, uma identidade fixa e
bem definida no parece ser muito atractivo. Para ele, em nosso mundo moderno lquido,
identidades coesas, fixas, solidamente construdas, so irreais, pois, o que as caracteriza
volatilidade e hibridez.
Portanto, Giddens, Hall e Bauman evidenciam que uma grande mudana est em curso na
actualidade, e se torna cada vez mais radical a cada deslocamento do tempo e do espao de suas
dimenses tradicionais. E assim, as identidades nesse novo perodo tambm se tornam diferentes
das identidades slidas da primeira modernidade.
Entretanto, no Mercado Vermelha a dinmica identitria entre os zambezianos segue uma
lgica oposta ao processo contemporneo de diluio e fragmentao das identidades individuais
e colectivas defendidas por Giddens, Hall e Bauman. Tem um carcter mais comunitrio, so
pouco diferenciados socialmente; entre eles (zambezianos) apresentam uma estrutura de relaes
1 Liquidez a metfora que Bauman utiliza para explicar o sentido da ps-modernidade. A crise das ideologias
fortes, pesadas, slidas, tpicas da modernidade produziu, do ponto de vista cultural, um clima fluido, lquido,
leve, caracterizado pela precariedade, incerteza, rapidez de movimento. Ver BAUMAN, Zygmunt, Modernidade
Lquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005a
13
de mtua ajuda e concorrencial perante outros grupos sociais, mormente os oriundos do sul de
Moambique, comummente rotulados por machanganas.
As relaes contnuas entre grupos tnicos no levam necessariamente ao
desaparecimento progressivo das diferenas culturais e diluio das identidades sociais. Ao
contrrio, estas relaes so organizadas para manter e acentuar as diferenas atravs do jogo da
defesa simblica das fronteiras de identitrias. H, portanto um exerccio de vislumbrar seus
pertencimentos a heranas culturais para adquirir distino no seio do mercado.
Ora, no mbito destas divergncias entre os axiomas e pressupostos advogados por Hall,
Giddens e Bauman sobre a identidade e a realidade experimentada pelos emigrantes zambezianos
no mercado Estrela Vermelha que formulamos a nossa pergunta de partida:
Linha de Pesquisa
A escolha de uma linha de pesquisa e no de hipteses rgidas cuja validade ou invalidade
pretenderamos verificar empiricamente, movida pela apetncia de elaborar um trabalho de
investigao que no procure, forosamente, ``encaixar`` as nossas observaes e dados de
campo a proposies a priori construdas.
Granjo, (2013), nos chama ateno sobre o risco das hipteses rgidas nos trabalhos
cientficos. Para ele, podem resultar trs diferentes resultados quando delineamos a priori
pressupostos e proposies a priori. Nos interessam aqui dois deles: (1) pode ser que tenhamos a
imensa sorte de o fenmeno que estudamos seja respondida ou explicvel pelas variveis que
escolhemos, sem que outros factores sejam relevantes para a sua cabal compreenso. Entretanto,
nos assegura Granjo que nestas situaes pouco aprendemos para alm do que j sabamos, mas
acontece-nos pelo menos a felicidade de termos acertado; (2) pode acontecer que as hipteses
no se adecuem compreenso daquela realidade, mas faamos um esforo para encaixar ou
interpretar luz da teoria e proposies escolhidas em vez de serem resultantes da observao.
[CITATION Car13 \p 25-49 \l 1033 ].
14
verdade que, essa tentativa de evitar a contaminao dos dados e consequentemente dos
resultados da pesquisa, no nos torna completamente imunes a ou de tais inconvenincias, mas
acreditamos que ao delinearmos uma linha de pesquisa, restringimos as possibilidades de
inferncias tautolgicas influenciadas por variveis pr-estabelecidas.
Nesta ordem de ideia, o percurso analtico que nos propomos seguir reflecte sobre a
constituio da identidade social dos zambezianos numa perspectiva relacional, ou seja no
quadro das mltiplas interaces que os indivduos estabelecem com outros grupos sociais no
espao de acolhimento, qual seja, o mercado Estrela Vermelha, que lhes do existncia e
continuidade. Aqui a identidade pensada enquanto uma categoria colectiva que sustenta a
afirmao de grupos sociais em espaos diferentes quelas de origem. Mais exactamente,
pretendemos desenvolver aqui a ideia segundo a qual as identidades sociais no podem ser vista
de forma diluda (Bauman), segmentada (Hall) ou mesmo como um conjunto de atributos
exclusivamente individuais, mas sim, enquanto colectividade que age em funo do contexto
que se encontra inserido.
Esta proposta analtica uma tentativa de submeter os pressupostos anunciados por
Giddens, Hall e Bauman ao teste da realidade experimentada e reproduzida diariamente pelos
zambezianos naquele mercado. A despeito, adoptamos uma viso intermediria entre
perspectivas essencialistas ou objectivistas2 dos fenmenos identitrios e aqueles que advogam
exclusivamente diluio e fragmentao das identidades sociais. Isso significa que os
zambezianos no se mantm completamente impermeveis a influencias scio-culturais do meio
que os cerca, entretanto, a ligao a vrios crculos ou grupos sociais no exclui, necessariamente
a ideia duma identidade social. No mercado Estrela vermelha, ser zambeziano crculo
aconchegante que permite construir trincheiras de resistncia e de afirmao com base no
sentimento de pertena comum, laos de parentesco, partilha de uma lngua comum e histrias de
vida semelhante. O ser zambeziano usado como um mecanismo de defesa contra ``Eles`` e
integrao para ``Ns``.
2 Nesta perspectiva concebem a identidade como um dado que definiria de uma vez por todas o indivduo ou grupo
e que o marcaria de maneira quase indelvel. Vista desta maneira, a identidade uma essncia impossibilitada de
evoluir e sobre a qual o individuo ou o grupo no tem nenhuma influencia.[CITATION Den02 \p 178 \l 2070 ].
15
Objectivos
Objectivo geral
16
Justificativa
O mercado estrela vermelha j foi alvo de pesquisas sobre os emigrantes zambezianos
que actuam naquele espao. Tais so alguns trabalhos de concluso de curso de [ CITATION
Sil11 \l 2070 ] e [ CITATION Hum12 \l 2070 ]. Todavia, estas pesquisas no mais das vezes
acentuam a dimenso econmica, ou seja, como um espao exclusivamente de trocas de bens de
consumo e de busca melhores condies de vida por parte dos emigrantes zambezianos.
No estudo realizado, por exemplo Lia (2011) sobre o processo de insero social na
Cidade de Maputo, conclui que a permanncia dos zambezianos na Cidade de Maputo, mais
particularmente aqueles que desenvolvem actividades comerciais no mercado Estrela Vermelha,
est relacionado com a vergonha destes em regressar a sua terra natal sem o sucesso desejado.
tambm justificada pela excluso que estariam sujeitos na famlia, nos grupos de amigos se
regressassem para sua zona de origem sem que conseguissem melhorar as suas condies de
vida.
17
presentes nas relaes entre as vendedeiras e so determinantes para integrao social dos
mesmos naquele espao.
Essas pesquisas no so no todo irrelevante para o nosso estudo, elas nos ajudam a
perceber a dimenso social do mercado analisado, procurando explorar elementos relativos s
relaes e interaces sociais entre vendedores naquele mercado. A partir destas pesquisas,
pretende-se, assim, alcanar uma maior compreenso sociolgica dos mecanismos de (re)
constituio da identidade social dos emigrantes zambezianos, vindos principalmente dos
Distritos de Maganja da Costa, Lugela, Mocuba e de Quelimane.
No entanto, no esperamos trazer verdades acabadas, mas nosso intento que os temas
que permeiam a nossa reflexo se comprovem de interesse suficiente para despertar novas
reflexes a respeito de questes identitrios.
18
CAPITULO II
Perspectivas tericas sobre
constituio da Identidade social
Este captulo consagrado ao desenvolvimento e aprofundamento das perspectivas
tericas realizadas no mbito do processo da constituio de identidades sociais e dar uma aluso
da teoria que servir de lente atravs do qual tentaremos compreender o processo de integrao e
(re) constituio de identidade social dos zambezianos.
Tem havido um certo nmero de estudos, inseridos em contexto das cincias sociais e
humanas que analisam a construo da identidade social confrontando dois grupos: Ns e os
Outros. Estas anlises so estruturadas em torno de oposies binrias, isto , em torno de dois
grupos polarizados. Silva T. (2000) no seu estudo sobre a Produo Social da identidade e
diferena refere que estas duas categorias esto em estreita dependncia, so inseparveis. As
afirmaes sobre diferena tambm dependem de uma cadeia, em geral oculta, de declaraes
negativas sobre (outras) identidades. Neste mbito, a ideia duma identidade zambeziana, carrega,
mantm em si mesma, o trao do outro, da diferena - duma identidade Tsonga por exemplo.
19
quadro normativo capaz de integrar socialmente os indivduos, a Misso Sua, segundo o autor,
proporciona aos seus aderentes terra firme a partir da qual eles manipulam e constroem a sua
identidade social. Os crculos concntricos dum aderente tpico da Misso Sua incluem, entre
outros, a raa negra, a pertena a um suposto grupo tnico Tsonga e domnio da lngua e uma
conduta de vida virtuosa. De igual forma, distanciam os seus aderentes de todos quantos no
partilham de certos valores culturais mumificados e proporciona-lhe a oportunidade de
instrumentalizar certos smbolos culturais. A Misso Sua, neste sentido, possibilita a
demarcao de espaos entre os Tsonga e os outros grupos culturais. [CITATION Eli98 \p 35-
49 \l 1033 ]
20
Em oposio aos trabalhos de Macamo e Silva, Liesegang, (1998) advoga que a
identidade se forma com base num territrio social e num recurso, mas que implica outras
semelhanas detectveis, baseadas em caractersticas naturais e experiencias adquiridas. Para o
autor a identidade social dos indivduos marcada pela delimitao e defesa de espaos, de
forma inata ou quase automtica que lhe permite criar ``semforos`` entre diferentes grupos, ou
seja, permite-lhes diferenciar o Ns e Eles no seio dum determinado territrio social. Essa
construo de liames entre os indivduos regida por mitos de fundao e por uma srie de
convenes e regulamentos em vigor. O mito de fundao mencionado pelo o autor no uma
fico pura, mas sim, uma verdade em parte demonstrvel que legitima a existncia de espao,
de regras de comportamento e de poder. Para este, o surgimento de grupos tnicos como Nyanja,
Yao, Mwami, Chuabo, Sena, Nyungwe atentam a sua importncia e influncia que os mitos de
fundao exerceram no surgimento e delimitao de territrios sociais e identidade sociais
inerentes a estes grupos. [CITATION Ger98 \p 79-146 \l 1033 ]
21
sua abordagem evidencia o processo de estigmatizao e etnocentrismo patente nas relaes
entre estes dois grupo.
3A Etnometodologia como uma nova forma de captar o social comea com os trabalhos do Socilogo Herold
Garfinkel.. Nascido em 1917, faz os seus estudos doutorais em 1946, na Universidade de Harverd. Em 1967 publica
o livro fundador, denominado Studies in Ethnomethodology, onde expe os postulados da emergente teoria.
Garfinkel elaborou seus ideais a partir de elementos encontrados no Interaccionismo simblico, na teoria de aco
social proposta por Parsons e na fenomenologia de Hurssel e de Schutz. Idem,: 19:25.
22
estvel, mas o produto da contnua actividade dos homens, que aplicam seus conhecimentos,
processos, regras de comportamento, em suma, uma metodologia leiga cuja anlise constitui a
verdadeira tarefa do socilogo.
Prticas, realizaes
Indicialidade
23
uso de um termo ou de um procedimento laboral, j que estes possuem significados
transituacionais, tendo um sentido distinto em toda situao particular em que usada.
Falar de indicialidade significa igualmente que todas as formas simblicas, como enunciados,
os gestos, as regras, as aces, comportam uma margem de incompletude, pelo que s ganham
seu sentido completo no seu contexto de produo, quando indexadas a uma situao de
intercmbio lingustico. (Ob.cit:34)
Refl exividade
Accountability 4
24
realidades a partir da linguagem em uso, indicando-nos que essa relatabilidade, muito mais do
que meras descries, so contnuas demonstraes de que o mundo um processo incessante de
constituio por meio do uso da linguagem, do senso comum, das realizaes prticas, das
atividades procedurais mais elementares que acabam constituindo os tecidos sociais em
interaces contextualizadas.
Noo de membro
25
Definio de Conceitos
Constituio da Identidade social
Pinto (1991, p. 217) no eixo da perspectiva Relacional5 afirma que a produo das
identidades sociais pressupe a imbricao de dois processos: a identificao e identizao. Estes
dois processos pressupem respectivamente a integrao e diferenciao, ou dito isto de outra
forma, a incluso e a excluso. A identifio o processo pelo qual os actores sociais se integram
em conjuntos mais vastos de pertena ou de referncia, com eles se fundindo de modo
tendencial. Ao passo que identizao o processo atravs do qual os agentes tendem a
autonomizar-se e diferenciar-se socialmente, fixando fronteiras mais ou menos rgidos.
Na mesma ordem de ideia Dubar (1997), advoga que a identidade social constitui a
combinao entre a forma como queremos que as pessoas olhem para ns, neste caso,
5A abordagem defendida aqui, ope-se quela que v a identidade como um atributo original e permanente
que no poderia evoluir, ou seja, esttico; que analisa a identidade social de maneira invarivel e imutvel. A
perspectiva relacional procura situar as identidades dentro das interaces que os indivduos estabelecem num
determinado espao. A identidade visto nesta perspectiva uma construo que se elabora em relao que ope um
grupo aos outros com os quais est em contacto. Trata-se no fundo de uma mudana radical de problemtica que
coloca o estudo da relao no centro da anlise e no mais a pesquisa de uma suposta essncia que definiria a
identidade. (Cfr., Cuche, 2002, pp. 175-188).
26
identidade para os outros, e a maneira como ns prprios nos olhamos, isto , a identidade
para mim. Para este autor, isso depende dos contextos nos quais nos encontramos inseridos.
O mesmo defende que a identidade para mim e a identidade para os outros so em
simultneo inseparveis e ligadas de uma forma problemtica. Existe uma dualidade entre a
nossa identidade construda pelos outros e a nossa identidade construda por ns, sendo por essa
razo que a identidade no definitivamente fixa, podendo em certas circunstncias e condies,
transformar-se ao mesmo tempo que se vai modificando a posio do indivduo ou de um grupo
dentro do espao social de referncia. [CITATION Cla97 \p 103-120 \l 1033 ]
Portanto, Dubar e Pinto consideram a identidade como sendo um sentimento no qual, as
pessoas reconhecem a sua pertena em relao a um determinado grupo social, sendo, no
entanto, diferente dos outros grupos. Para eles, a identidade concerne na necessidade que as
pessoas tm de integrar-se num grupo, pelo facto de estarem conscientes da sua pertena a esse
grupo e que, de certa forma, tal grupo diferente dos outros.
Castels (1999) em oposio a perspectiva relacional aqui apresentada, v a construo das
identidades como fruto das relaes de poder entre os indivduos. Segundo ele a identidade
social tem, de modo geral, trs formas e trs origens, nomeadamente Identidade de resistncia.
Identidade legitimadora e identidade de projecto.
A identidade de resistncia seria aquela produzida pelos atores sociais que se encontram
em condies desvalorizadas ou estigmatizadas pela lgica dominante. Ao passo que a
identidade legitimadora seria fundada pelas instituies dominantes da sociedade, a fim de
racionalizar a sua dominao sobre os atores sociais; por fim, a identidade projecto aquela em
que os atores sociais, com base no material cultural sua disposio, constroem uma nova
identidade que redefine sua posio na sociedade e, consequentemente, se propem a transformar
o conjunto da estrutura social.
Castels afirma ainda que as trs manifestaes ou formas identitrias, no podem ser
vistas de forma estanque e isolada na medida em que variam de acordo com o status e
significado que se pretende alcanar. A ttulo de exemplo a identidades que comeam como
resistncia podem acabar resultando em projectos, ou mesmo tornarem-se dominantes nas
instituies da sociedade, transformando assim em identidades legitimadoras para racionalizar
sua dominao[CITATION Cas99 \p 22-28 \l 1033 ]
27
Integrao social
Pires (2012) define integrao social como sendo o modo como indivduos autnomos
so incorporados num espao social comum atravs dos seus relacionamentos, isto , como so
constitudos os laos e smbolos de pertena colectiva. Ela pressupe a ordenao das relaes
entre indivduos, agrupamentos de indivduos, actos individuais e actos colectivos.
O mesmo autor, advoga que o termo integrao correntemente usado na literatura Sociolgica
para designar, no plano micro, o modo como os actores sociais so incorporados num espao
comum, e, no plano macro, o modo como so compatibilizados diferentes subsistemas sociais
(Pires, 1999, pp. 9-54)
A referncia que Pires faz sobre a incorporao e compatibilidade, no conceito de
integrao social permite-nos apreender os mecanismos pelos quais os zambezianos se afirmam
no Mercado e a estruturao das relaes que estabelecem com os grupos ou sociedade de
acolhimento.
Mariosa (2003, p. 3) advoga que a integrao social diz respeito socializao,
internalizao de crenas, costumes e valores, adaptao, educao, instruo e todo o processo
que tenha por finalidade adestrar o indivduo para ocupar um lugar dentro de uma estrutura pr-
existente a sociedade que, em contrapartida, torna-se capaz de lhe oferecer a necessria
segurana fsica, emocional e psicolgica para que ele possa viver, trabalhar, reproduzir e
desenvolver outras prticas que considere satisfatria e adequada.
Para este trabalho, o conceito de integrao social usado para descrever o processo em
que o indivduo quer por sua prpria iniciativa, quer por iniciativa do grupo social que o recebe,
se incorpora e condicionado, educado ou habilitado para tomar parte no todo social inclusivo.
Territorialidade
28
viver e de pertencer a um territrio, onde haja a mnima possibilidade de se sentir em casa, de
poder efectuar suas trocas materiais e espirituais e de promover o exerccio da vida.
Para Sack apud Santos (2012, p. 75) existem trs pilares para a compreenso da
territorialidade, nomeadamente rea, comunicao e controle. A rea seria a poro geogrfica da
qual se constitui o territrio, ou seja, uma base fsica. A comunicao seria a delimitao de tal
rea para o grupo de indivduos-sujeitos. A definio de uma fronteira pode ser tanto por meios
fsicos (cerca, muro) como por meios no materiais (sinais, smbolos). O importante que esta
fronteira seja comunicada de alguma maneira a ficarem claro os limites que esto subjugados ao
controle. O controle passa a ser exercido sob tal rea para que se definam as questes de acesso e
no-acesso ao territrio.
29
CAPITULO III
Procedimentos Metodolgicos
seguidos na Pesquisa.
A produo do conhecimento que se pretende sociolgico requer, entre outros exerccios,
a escolha de um referencial metodolgico que mais se enquadra nos objectivos da pesquisa.
lugar-comum, nas cincias sociais a diviso antagnica de mtodo quantitativo e qualitativo. O
primeiro conhecido por advogar afastamento entre o pesquisador e a realidade que se pretende
estudar, de maneira a garantir uma aparente objectividade e evitar a prpria interpretao do
investigador. Como tal, esta estratgia usa inquritos/questionrios como principal instrumento
de recolha de informao. Os metodos qualitativos e suas tcnicas so tidos como especulativos
e subjectivas (Richardson R. j., 2012, p. 178)
30
pelos prprios que vo ao encontro dos indicadores que o pesquisador definiu como
necessrios.
O inqurito usado na pesquisa apresenta cinco seces que so sintetizadas nas linhas que se
seguem:
A segunda fase da pesquisa no mercado Estrela Vermelha iniciou no dia 11 de Maro de 2014,
pelas 12: 05 minutos. Esta etapa da pesquisa, foi realizada no intuito de recolher dados
qualitativos, auxiliando-se em entrevistas semi-estruturadas, onde procurou-se explorar o
mximo possvel os nossos entrevistados, dando-lhes espao para se expressar de forma aberta,
sem no entanto perder de vista os aspectos relacionados as formas de integrao e constituio da
identidade social.
31
A problemtica da amostra no mercado Estrela vermelha .
No caso da nossa pesquisa a amostra no foi definida seguindo princpios estatsticos. Tal
procedimento decorre da dificuldade em aceder dados que nos indicassem o nmero total de
vendedores zambezianos que actuam no mercado Estrela Vermelha. Segundo a organizao
administrativa do mesmo mercado, seria impossvel definir o nmero total, pois, os dados seriam
volteis. O nmero de vendedores varia constantemente.
A despeito das dificuldades acima mencionados, adoptamos, numa primeira fase uma
amostragem no probabilstica por bola de neve. Consiste em partir de uma amostra
comportando um nmero restrito de pessoas, s quais se vos acrescendo, at amostra estar
completa, pessoas com as quais as primeiras afirmam estar em relao.[CITATION Ant09 \p 88-
99 \l 2070 ]
A partir desta tcnica de amostragem foi possvel inquirir 100 vendedores oriundos da Provncia
da Zambzia que actuam em vrios segmentos do mercado: vendedores de peas de automveis;
vendedores de bebidas alcolicas; vendedores de recargas de telemveis; Intermedirios 6 e
vendedores de mobilirios para casas.
Na segunda fase a amostra foi definida por saturao terica. O fechamento amostral por
saturao terica operacionalmente definida como suspenso de incluso de novos
participantes quando os dados obtidos passam apresentar uma certa redundncia ou repetio,
no sendo considerado relevante persistir na colecta de dados.[ CITATION Dl12 \l 2070 ].
Portanto, foram entrevistados 15 zambezianos previamente inquiridos na primeira etapa da
pesquisa.
Mtodo de Abordagem
6Intermedirios so indivduos que sem ter necessariamente produtos para comercializar, ficam no mercado com
finalidade de servir de elo entre os clientes e os vendedores- proprietrios dos produtos que se pretendem.
32
A adopo de um ou outro mtodo depende de muitos factores: a natureza do objecto que
se pretende pesquisar, dos recursos materiais disponveis, do nvel de abrangncia do estudo e
sobretudo da inspirao filosfica do pesquisador.[CITATION Ant09 \p 9 \l 2070 ]. Para os fins
pretendidos no presente trabalho, o mtodo indutivo afigurou-se adequado, pois partiu-se da
observao da vida quotidiana dos zambezianos no mercado Estrela Vermelha para se
compreender os mecanismos subjacentes constituio ou reconstituio da sua identidade
social.
Para o tratamento dos dados qualitativos, obtidos com recurso as entrevistas semi-
estruturadas valemo-nos na anlise de contedo. Esta tcnica definida por Krippendorf apud
Vala (1989, p.103) como uma tcnica de investigao que permite fazer inferncias, validas e
replicveis, dos dados para o seu contexto.
33
fidelidade do processo da anlise, pois, onde agrupamos as perguntas e respostas obtidas na
entrevista. Na terceira e ltima unidade quantificamos as respostas em funo da constncia ou
no com as categorias em estudo. Para tal usamos trs sinais opostos: + positivo, negativo e 0
neutro. Ver a tabela abaixo Ilustrada:
+
Autobiografia Pertena Etnica Administrativo de Munhamante. Sou irmo de 10
Pertena Religiosa irmos, neste caso, mas sou nico a residir c na cidade
de Maputo, desde 1996. Fiz o ensino Primrio em 1986
Pertena Profissional na escola Primaria de Alto Lugela, fui fazer o ensino
secundrio em Mocuba, fiz l a 7 e 8 classe. Fui fazer a
10 classe na escola secundria de Samubi em Quelimane
Fale um pouco de forma como chegou aqui No
Mercado Estrela Vermelha.
Conheci este mercado de estrela vermelha em 1998,
atravs dum amigo que perdeu a vida. Ento quando
identidade
cheguei aqui ele me convidou para este mercado, quando
social cheguei aqui tive uma paixo por causa de amigos que
Processo de Actos de pertena: estudaram comigo, quando me viram, cumprimentaram
me,epha,.
Identificao incluso e integracao
Este moo que acabou de falar convosco, o Celestino,
no grupo de pertena
foi um colega meu na 7 classe, estudamos juntos, ele me
encontrou aqui, ele quando me encontro, eu tambm lhe
disse: mano, a vida essa, ns no conseguimos
+
progredir com os estudos, mas pa, a vida essa, ate
hoje estou aqui a fazer esse negcio de venda de peas
de viaturas
2. Como se relaciona com vendedores provenientes de
Zambzia?
(). H bom relacionamento entre os Zambezianos;
veja s agora, s estamos nos entre Zambezianos aqui,
no existe um daqui do sul, estes todos que voc est ver
so todos Zambezianos, ningum irmo de ningum
aqui, s todos somos conterrneos, aqui ningum irmo
de ningum, somos conterrneos, por isso temos
partilhado muito bem ()
34
O primeiro dia de pesquisa foi caracterizado fundamentalmente, por um sentimento de
averso e desconfiana por parte dos entrevistados, pois, conotavam-nos como sendo polcias ou
agentes municipais. Dado que grosso dos produtos comercializados (principalmente peas de
automveis e telemveis) so ilegais, a polcia sempre realiza patrulhamento que em muitos
casos termina com apreenso, por isso qualquer estranho suspeito. Por outro, foi difcil
convencer os zambezianos entrevistados dar depoimento do seu quotidiano no mercado, porque
tinham outras percepes daquilo que era o objectivo do nosso estudo. Pensavam eles que
pretendamos fazer um levantamento estatstico de todos zambezianos que praticam as suas
actividades em vrios segmentos daquele mercado, para posteriormente os repartir segundo as
suas zonas de origem.
Gradualmente uma base de confiana foi construda, entretanto, passaram a exigir alguma
remunerao pelas informaes e pelo tempo que gastavam em sesses de entrevistas, visto que
os resultados da pesquisa s seriam teis para os pesquisadores terminarem os seus estudos e,
consequentemente incrementar o seu nvel acadmico, salrio e prestgio social
O segundo dia pesquisa foi realizado num dia chuvoso, o que de certa forma dificultou a
nossa mobilidade no mercado. Por outro lado, durante as entrevistas, em algum momento
tivemos que interromper, visto que, os entrevistados encontravam-se no seu perodo laboral,
melhor dito, estavam no seu horrio de trabalho
CAPITULO IV
35
Apresentao e Discusso dos
Resultados da Pesquisa
Neste captulo pretende-se apresentar e discutir os dados obtidos a partir dos inquritos
por questionrio e das entrevistas semi-estruturadas dirigidos aos vendedores zambezianos do
mercado Estrela Vermelha. A anlise dos dados obtidos a partir de inquritos foi feita mediante o
uso do programa SPSS For Windows.
Na nossa pesquisa o SPSS (Stastical Package for the Social Science7) foi usado para
indicar frequncia dos zambezianos e estabelecer indicadores que nos permitissem compreender
o processo de (re) constituio da identidade social no quadro da sua integrao no mercado
Estrela Vermelha. Para atingir tal objectivo, procuramos numa primeira fase, conhecer o perfil
scio-biolgico dos zambezianos que actuam em vrios segmentos do mercado. Esta pretenso
permitiu-nos identificar a distribuio etria; o sexo, o estado civil, o local de nascena e a
pertena tnica.
36
a segunda maior provncia do pas e de acordo com o censo populacional de 2007
tambm a segunda mais populosa. O referido censo apontava para um total de 3.849.455
habitantes, depois da provncia de Nampula. Estabelece limites com as provncias de Nampula e
Niassa, a Norte, o Oceano ndico, a Este, a provncia de Sofala, a Sul, e a Oeste, a provncia de
Tete e o Malawi.[ CITATION INE07 \l 2070 ]
Dos dados obtidos a partir dos inquritos constatou-se que 71% dos que ali exercem suas
actividades se consideram Chuabos e 26% se consideram lmu. E apenas, 3% se consideram
pertencentes a etnia Nharinga, Manhaua e da Zambzia.
37
Grfico 1: Distribuio dos entrevistados por Etnia
Afirma ainda Medeiros (2007) que os lmus da Alta Zambzia, em funo das
diferenciaes histricas e especificidades regionais possvel encontrar um conjunto subgrupos
38
que tomaram designaes locais e que se foram subdividindo em numerosas tribos mais ou
menos independentes entre si, distinguindo-se pela forma do penteado, pelo modo de limar os
dentes e, principalmente com lnguas localmente diferenciadas. Entretanto, as diferenas
lingusticas entres estes grupos no so to significativas que acabam, em muitos casos, se
assumindo como sendo membros do grupo mais vasto, os lmus.
() no meu Distrito Lugela nosso dialecto chama-se manhau mas a origem desse
manhau quase posso dizer lngua lmu. Na Zambzia tem muitas lnguas, neste caso
tem o chuabo que expressa-se concretamente ali na capital (Quelimane) da provncia,
exactamente assim! () Mas eu sou do centro da provncia e lngua me lmu por isso
posso me orgulhar que sou lmu exactamente assim. (Celestino, Lugela, 40 anos)
Relativamente aos chuabos, Mendeiros (s/d) refere que este nome de origem Lolo e
designam o povo do litoral zambeziano, entre Pebane e a foz do grande rio Zambeze. O fundo
populacional do grupo etno-lingustico lmu e a mitologia local considera os chuabos
oriundos do monte Limene, Tacuane. Por outro lado, Rita Ferreira, (1982) considera os chuabos
originrios dos Marave, por conseguinte, aparentados aos nianjas e aos chewas de Tete e do
Niassa.
39
Os Maraves ao chegarem no porto de Quelimane encontram os Bororos (grupo local que
controlava o comrcio) governado por um lder forte, conhecido por chuambo ou chuabo. Este
nome acabou por se estender cidade de Quelimane e populao local que, com o passar dos
tempos conquistaram identidade tnica e uma lngua distinta que perduram at hoje,
denominados chuabos. Portanto, os chuabos podem ser considerados um povo autctone da zona
da Cidade de Quelimane.[CITATION Joa12 \p 14-21 \l 2070 ]
No que diz respeito a distribuio etria dos entrevistados, varia dos 17 aos 52 anos de idade. O
grupo que constitui a maioria composto por indivduos com idade compreendida entre os 17
aos 35 anos. Em relao ao estado civil 73 dos inqueridos so solteiros, o que corresponde a 73%
da amostra. Seguidos por 23% que vivem em unio de facto. No conjunto todos, somente dois
porcentos (2%) so vivos.
No que se refere ao estado estado civil denota-se que os indivduos solteiros so mais
propensos a migrar, comparativamente aos indivduos casados ou os que vivem em unio de
facto.
Com base nestes dados possvel inferir que a emigrao dos zambezianos para a cidade
de Maputo e posteriormente para mercado Estrela, est intimamente ligado s etapas do ciclo da
vida que atravessam. A medida que a idade avana, os indivduos vo atravessando etapas do
ciclo de vida que exercem influncia sobre sua deciso de migrar. A busca por melhor
qualificao, por emprego, renda e melhores condies de vida, por residncia junto a familiares
e a busca de suporte so exemplos de estmulos, estreitamente relacionado s etapas do ciclo de
vida, que muitas vezes culminam em migrao entre os zambezianos.
A ideia de migrar est tambm aliada as condies da zona origem, visto que so na sua
maioria, oriundos de reas rurais, com economia baseada no sector agrrio. No grfico a seguir
ilustramos o grfico que sintetiza origem dos zambezianos inqueridos no mercado Estrela.
40
Grfico 2: Distribuio dos Entrevistados segundo a sua provenincia.
Do grfico acima depreende-se que, maioritariamente, os indivduos entrevistados
nasceram no distrito de Maganja da Costa. Dos dezasseis distritos que compem a provncia da
Zambzia, 20% dos nossos entrevistados so oriundos de Maganja da Costa, seguidos por
indivduos provenientes de Quelimane, Lugela e Mocuba, que correspondem a mesma
percentagem, isto 12% da amostra seleccionada. Indivduos de Nante, constituem a menor
percentagem, ocupando simplesmente 1% da amostra. Os restantes, variam dos 8% 3%. Este
o caso dos indivduos oriundos dos Distritos de Namacura, Inhassunge, Maganha, Lima, Gil,
Munhamade, Pebane e Chinde.
Este senrio influi na deciso de migrar. As famlias que tem parentes ou amigos j
estalados em Maputo optam por deslocar da sua zona de origem, j que as oportunidades de
41
emprego formal so reduzidas. A cidade de Maputo aparece como um espao que permitiria os
zambezianos maximizar os seu rendimento e obter emprego no sector formal. Contudo, so
poucos que conseguem lograr os seus intentos, acabando por enquadrarem-se no sector tido
como informal como estratgia de sobrevivncia para si e suas famlias.
Segundo Mabongo (2015) existe no mercado uma estrutura de gesto que compreende o
chefe do mercado e outros dirigentes subdivididos em cinco reas de trabalho, nomeadamente
higiene, segurana, organizao e assuntos sociais. Para alm dos chefes de cada uma destas
reas de trabalho, cada sector de venda existe um chefe que funciona como elo entre os
vendedores desse sector com a direco mxima do mercado.
Nas beiras das avenidas que delimitam o mercado perfilam vendedores que dividem o
espao, uns com bancas feitos d de estacas e chapas zinco, outros expem seus produtos,
mormente roupa usada, no cho e nas paredes dos muros. Abaixo apresentamos imagens que
ilustram a realidade aqui descrita:
8Bancas so pequenas mesas construdas com materiais precrios, nomeadamente retalhos de madeiras e de ferros,
onde os vendedores colocam e comercializam os seus produtos.
42
Figura 1 e 2: Configurao das bancas no mercado Estrela Vermelha
Em paralelo a venda destes produtos, prestam-se servios de gravao das matrculas,
limpeza, reparao de avarias e montagem de peas e acessrios nas viaturas e nas motorizadas.
Estes servios so predominantemente oferecidos por emigrantes zambezianos que actuam em
pequenos grupos solidrios, em todo circuito: assegurar o cliente, negociar os preos e depois
executar o servio, caso seja necessrio.
43
Territorialidades no mercado Estrela Vermelha
9 Este mapa foi elaborado pelo autor com intuito de representar a forma como os zambezianos cristalizam o
sentimento de pertencimento e as relaes de enraizamento que se configuram espacialmente: em forma de
territrios e enclaves tnicos. Numa dimenso maior encontra-se o mesmo mapa na apndice.
44
Os zambezianos ao deslocarem-se para a Cidade de Maputo, mais concretamente para o
mercado Estrela vermelha levam consigo o nome, os smbolos de pertena a um sistema de
valores que so institucionalizados e partilhados pelos membros do grupo, sendo estes
determinantes relevantes da aco. A unidade do grupo criada e reforada atravs da partilha
destes smbolos que so comuns como a lngua, a partilha da mesma religio. A ttulo de
exemplo vejamos o depoimento de um zambeziano que vende peas de automveis no mercado:
(). H bom relacionamento entre os Zambezianos; veja s agora, s estamos nos entre
zambezianos aqui, no existe um daqui do sul, estes todos que voc est ver so todos
zambezianos, ningum irmo de ningum aqui, s todos somos conterrneos, aqui
ningum irmo de ningum, somos conterrneos, por isso temos partilhado muito bem
(). (Neto Ernesto, 46 anos, Distrito de Lugela)
Neste contexto a territorializao do mercado Estrela vermelha por parte dos emigrantes
zambezianos compensa a sua alienao em relao ao novo ambiente em que eles passam a
conviver. Por conseguinte, este processo representa uma possibilidade de resistncia a
fragmentao da sua identidade social e fixao de semforos no novo espao reconstitudo em
funo de sentimento de pertena a um grupo identitrio comum. Assim o mercado participa na
reconstituio identitria dos zambezianos. Aparece como vector de homogeneizao e
diferenciao
A ajuda entre os zambezianos no feita de qualquer maneira, mas nos ajudamos sempre
que necessrio. Vamos supor que aparecem duas pessoas, um de Maputo e outro da
Zambzia, eu claro vou ajudar o meu conterrneo, porque ele percebe o que eu falo, o
que eu gosto e o que eu gosto de comer. Isso no se difere daquilo que vem na bblia, que
diz antes de tirar a sujidade que est na vista do outro, tira a sua. Ento primeiro devo
tirar a sujidade do meu irmo zambeziano e depois tiro a do machangana. (Abel Joo,
Quelimane)
45
Este tipo de ajuda foi denominado por Durkheim apud [CITATION MBr952 \l 2070 ]
como expresso da solidariedade mecnica. Para ele, este tipo ajuda constitui uma solidariedade
construda a partir de semelhanas e apresenta poucas probabilidades de conflito. Implica um
sentido de semelhana do tipo grupal, baseada numa lgica similar da famlia extensa ou de
laos de proximidade real ou virtual. Nesta ordem de ideias, os zambezianos assume um perfil
coerente porque no se diferenciam entre si e partilham um conjunto tacitamente de normas
reguladoras. Aqui define-se quem deve ser ajudado e acolhido no espao onde coexistem vrios
grupos sociais com locais de origem diferentes.
As respostas ao inqurito sugerem que do total dos indivduos includos na pesquisa, 65%
deslocam/migram da sua zona de origem sozinhos e, 20% com os respectivos irmos. Em alguns
casos deslocam acompanhados pelos Pais (5%), Tios (7%) e pelo cnjuge e filhos 1% e 2%
respectivamente. Os indivduos que deslocam-se sozinhos da sua zona de origem contam sempre
com ajuda de um familiar, amigo, vizinho j fixado na cidade de Maputo.
46
(). Aqui no mercado existem macuas e ficam geralmente entre eles a vender
telefones. Ns zambezianos nos concentramos aqui, porque nos entendemos. Viemos de
l Zambzia. Ento bom saber que todos que esto ao seu redor so irmos. Podem no
ser de sangue, mas nascemos na mesma provncia, por isso ficamos entre ns.
()(Agostinho Ribeiro, 26 anos, Maganja da Costa)
47
Grfico 3: Mecanismo de Integrao.
Os zambezianos valem-se tambm das redes de parentesco e redes baseadas na amizade
com indivduos da sua zona de origem j fixadas em Maputo como um dos mecanismos de
integrao. Do grfico 3, depreende-se que 40% dos inqueridos tiveram que ter famlia junto
para garantir a sua integrao em Maputo. Em contrapartida, 35 % consideram que as redes de
amizades com indivduos da sua zona de origem jogaram papel preponderante para a sua
integrao na cidade de Maputo e sua posterior ida ao mercado Estrela vermelha. Portanto a
integrao dos emigrantes zambezianos no mercado Estrela assume formas comunitrias.
Ferdinand Tonnies advonga que esta forma de integrao supe a existncia de um grupo social
que partilha uma identidade social comum, na qual todos membros esto unidos numa ordem
colectiva de relaes: familiares, de parentesco e de vizinhana, partilhando o trabalho e vida
ntimos num territrio comum; cujas regras, valores e acordos sociais resultasse desses laos
claramente vistos e sentidos de forma natural. [CITATION MBr952 \p 511-516 \l 2070 ]
48
Os zambezianos, ao longo das suas actividades no mercado Estrela Vermelha elaboram
categorias particulares que servem para identificar os outros e para se identificar a si mesmos.
Para atingir tal fito, nos apoiamos na noo de indicialidalidade defendida pela
etnometodologia de Garfinkel. O que significa, em termos prticos, dar objectividade as
expresses, gestos que os vendedores zambezianos usam em realizaes prticas da vida
quotidiana. Por exemplo, na expresso ns no somos trabalhadores est subjacente a negao
duma identidade de trabalhador ou profissional. Esta ideia pode ser verificada a partir dos
depoimentos que seguem:
49
de trabalho, quer em termos da sua relao com os seus clientes. A falta de salrio e
reconhecimento no aparelho do Estado coloca-os numa situao de inferioridade em relao a
outros grupos sociais que tem certificado ou diploma que legitime o seu conhecimento e
profisso. Sentem-se excludo no apenas profissionalmente, mas tambm socialmente e no
sistema de educao. Consideram a actividade que realizam uma estratgia de sobrevivncia, um
meio de ganhar a vida uma vez que o seu nvel de escolaridade no lhes permite aceder o sector
de trabalho tido como formal.
50
este individuo a possua, propicia a existncia e uma separao delimitada de dois grupos: ns e
eles. Expresses como xingondo e machangana, usados de forma depreciativa so comuns
naquele mercado. O depoimento abaixo evidencia essa relao marcada por rotulao entre
zambezianos e indivduos do sul de Moambique:
()os Maputenses sempre falam que vocs so machuabos, vocs so xingondo, ta ver
nem! mas p! Como ns estamos aqui em Maputo, estamos a calar assim mesmo, ou
tambm p dissemos voc tambm machangana, voc tambm macua ta ver nem!
No sei se ignorar-nos, ou porque ns no somos pessoas no sei! () Acho que p eles
daqui do sul entendem um pouco mal, acho que talvez v como no pessoa no nada.
Ya, eu estou a ver assim ta ver nem! (Jos Taimo Walaba; 42 anos)
Por exemplo aqui no mercado comemos as nossas comidas da Zambzia: um peixe com
molho de coco, uma carne de gazela seca, peixe seco. Nos distinguimos dos macuas de
Nampula, dos machanganas, porque gostamos de roupas mais florescentes por exemplo;
somos baixinhos e acima de tudo humildes. Nos domingos costumamos ir a igreja de
zambezianos que fica na baixa da cidade () No dia da nossa cidade costumamos nos
ajuntar e danar as nossas msicas em jeito de recordao contnua da nossa terra.
(Douglas, Quelimane)
51
Portanto as relaes contnuas de longa durao entre estes grupos tnicos no levam
necessariamente ao desaparecimento progressivo das diferenas culturas. Ao contrrio, estas
relaes so organizadas para manter a diferena, atravs do jogo da defesa simblica das
fronteiras de identidade. A demarcao de fronteiras e a afirmao da identidade social , grosso
modo feito mediante uma crosta de preconceitos e esteretipos que exteriorizam as diferenas,
regionais, tnicas, religiosas entre os grupos em contacto.
52
Consideraes Finais
O presente estudo visava compreender os mecanismos de reconstituio ou construo da
identidade social dos zambezianos no mercado Estrela vermelha. Esta pesquisa encontra se
inserida no meio de um debate entre paradigmas de investigao distintas, que no essencial se
polarizam em torno do modo como a identidade social assumida como varivel. De um lado,
temos os que a conceptualizam como diluda, fragmentada e fluida e, do outro, os que a
entendem como esttica, essencial, slida. Diferente destas abordagens que se assumem
deliberadamente antagnicas, optamos por uma posio e abordagem intermediria ou
alternativa. O que significa que os zambezianos no se mantem completamente impermeveis,
entretanto constrem e reconstrem a sua identidade social em funo dos imperativos e
necessidade do meio em que se encontram.
Foi uma pesquisa que no se fundamentou em hipteses rgidas. Delineamos uma linha
de pesquisa que nos ajudou (ou esperamos que nos tenha ajudado) a evitar inferncias
forosamente construdas a partir de teorias e ideias pr concebidas. Por conseguinte, em jeito de
consideraes finais, apresentamos alguns indicadores que nos rementem a reconstituio da
identidade social dos zambezianos no mercado Estrela Vermelha:
O uso do nome prprio para se auto definir e expressar a essncia do grupo. Por exemplo,
a expresso Ns somos zambezianos constantemente usado durante as actividades
dirias no mercado. Esta endo-definio funciona como ncora e minimiza as diferenas
no seio dos indivduos oriundos da provncia da Zambzia;
53
Memorias histricas partilhadas de um passado ou passados comuns. So vendedores que
migraram das suas zonas de origem a procura de melhores condies de vida, quer a nvel
da educao, quer a nvel de acesso a um emprego formal;
Apresentam uma ligao forte com a terra natal;
Elementos de cultura comum. possvel constatar uso da lngua comum, importao de
hbitos gastronmicos da sua zona de origem para o mercado e participao de grupos
religiosos ligados a zona de origem
Territorializao do mercado e sentido de solidariedade grupal. H laos fortes de ajuda
entre os zambezianos.
Uma pesquisa scia antropolgica um vir ser constante, por isso, um trabalho
construdo sobre limites, incompleto. Mas certamente trazendo contribuies para o
entendimento contextualizado da teoria sobre identidade social. Uma pesquisa que debate teoria
em funo das realizaes prticas da vida quotidiana.
54
Referncias Bibliogrficas
Bauman, Zygmunt. Identidade: Entrevista Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2005b.
Cuche, Denys. A Noo de Culturas Nas Ciencias Sociais. So Paulo: EDUSC, 2002.
Gil, Antonio Carlos. Mtodos e Tcnicas de Pesquisa Social. So Paulo: Editora Atlas S.A, 2009.
Gis, Pedro Rodrigues. A construao Secular de uma Identidade tnica Transnacional: a Cabo-
Verdianidade. Coimbra: Universidade Coimbra, 2011.
55
Granjo, Paulo. Terreno, Teorias e Complexidade- como no descobrir s o que se espera
descobrir. In O QUE INVESTIGAR, de Carlos Serra, 25-49. Maputo: Escola Editora,
2013.
Medeiros, Eduardo. Os Senhores da Floresta: Ritos de iniciaao dos Rapazes macuas lmus.
Porto: Campo das Letras- Editores, 2007.
Pinto, Jose Madureira. Consideraoes Sobre a Produao social de Identidades. Revista Critica
de ciencias Sociais, 1991: 217-231.
56
Pires, Rui Pina. Uma teoria dos Processos de Integranao: Problemas e Prticas. Revista da
Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1999: 9-54.
Richardson, Roberto jarry. Pesquisa Social: Mtodos e Tcnicas. Sao Paulo: Atlas, 2012.
Rodrigues, Humerto Jamal. O Mercado como Territorio Social: Estudo sobre as Redes Sociais
entre as Vendendeira de Bebidas Alcolicas no Mercado Estrela Vermelha na Cidade de
Maputo. Maputo, 2012.
Santos, Ana Paula Padua. Entre a Teoria e a Realidade: o conceito de Territorio e Terrialidade e
sua Aplicaao no Planejamento Urbano- Uma Breve Aproximaao. Geografar, 7 de
Dezembro de 2012: 69-84.
Silva, Tomaz Tadeu da. Identidade e Diferena: Perpectivas dos Estudos Culturais. Rio de
Janeiro: Vozes, 2000.
Teixieira, Ivan Manoel Ribeiro. O Conceito de Territorio e seu Emprego nos Estudos sobre
Migraes: Contribuies Geogrficas para a Sociologia. DIALOGUS, 20 de 02 de
2008: 243-260.
Vala, Jorge. A Anlise de Contedo. In Metododlogia das Ciencias Sociais, de Augusto Santos
Silva & Jose Madureira Pinto, 100-128. Porto: Edies Afrontamento, 1989.
Vieira, Joana Lopes. Viagem entre Ser e Estar como Educadora em Moambique.(Mestrado em
literatura) Lisboa: Universidade de Lisboa: Instituto de Educao, 2012.
57
Apndice
Questes orientadoras
I. Dados pessoais
Nome__________________________________________________
Idade _____________________________________________________
Estado civil_________________________________________________
1. Qual a sua origem na Zambzia (donde vem)
2. Fale um pouco de forma como chegou aqui no mercado Estrela Vermelha
3. Porque escolheu Maputo?
4. Acha que foi bem recebido pelas pessoas desta terra?
5. Que dificuldades enfrentam vivendo em Maputo e trabalhando mercado Estrela
Vermelha?
6. Tem havido problemas para trabalhar aqui?
7. J tiveram problemas com o municpio?
8. Tem medo de alguma coisa que possa dificultar sua estadia aqui em Maputo
9. Como tm-se relacionado com outros vendedores daqui (Maputo) e doutras partes do
pas.
10. Como se relaciona com vendedores provenientes de Zambzia?
11. O facto de ser da Zambzia constitui um problema para ti na actividade que pratica aqui?
Se sim, Porqu?
12. O que faz nos teus tempos livres?
58
Representao da territorializao do mercado Estrela pelos zambezianos.
59