O Nascimento Da Estética

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 186

O nascimento da esttica no sculo

xviii

Oliver Tolle
O nascimento da esttica no sculo
xviii

Oliver Tolle

***

Prefcio de

Mrcio Suzuki

Editora Clandestina Ltda.


Editora Clandestina
So Paulo, SP
e-mail: [email protected]
site: aclandestina.com.br

Corpo Editorial
Juliana Ferraci Martone
Lus Fernandes dos Santos Nascimento
Mrcio Suzuki
Oliver Tolle

Projeto Grfico:
Editora Clandestina Ltda.

Reviso:
Mariana Lins Costa

T 651n
Tolle, Oliver (1969- )
O nascimento da esttica no sculo XVIII /Oliver
Tolle. Prefcio, por Mrcio Suzuki. So Paulo:
Editora Clandestina, 2015. 188 p.

ISBN 978-85-5666-000-8

1. Filosofia. 2. Esttica.
1. Ttulo

CDD: 190
Sumrio

Prefcio 7

Introduo 13

Uma nova cincia 19

O conhecimento sensvel 47

A expresso do belo 77

Talento natural 93

O reino da luz 119

Concluso 145

Glossrio 151

5
6 SUMRIO

Bibliografia 175
Prefcio
por Mrcio Suzuki

O que um leitor interessado em filosofia, artes e li-


teratura pode esperar hoje da leitura da obra de Ale-
xander Gottlieb Baumgarten, filsofo tido como menor
e s geralmente mencionado por ter sido o fundador da-
quela disciplina filosfica que ficou conhecida pelo nome
de esttica? O livro que o leitor tem em mos procura
dar uma resposta precisa a esta questo: Baumgarten
no foi o criador um tanto por acaso da esttica, no
apenas aquele que lhe deu fortuitamente o nome, mas
sim quem que lhe proporcionou as credenciais com que
ela se apresentar ao mundo letrado a partir de meados
do sculo XVIII. Claro, a esttica no uma disciplina
fechada, nem tampouco unvoca em sua abordagem, em
seus elementos e objetivos. Difcil dizer em que consis-
tem as suas linhas gerais, e justamente neste ponto
que o estudo de Oliver Tolle extrapola a demarcao de

7
8 Prefcio

uma monografia acadmica: pois ler seu trabalho sobre


Baumgarten , como diz com preciso o ttulo do livro,
uma maneira de presenciar o nascimento da esttica do
sculo XVIII.
Distanciando-se da perspectiva paradoxal de Alfred
Baeumler, que viu na esttica racionalista a matriz do
irracionalismo contemporneo, mas afastando-se tam-
bm um pouco da posio adotada por Ernst Cassirer,
que a considerou principalmente como uma antecipao
da filosofia kantiana, a leitura aqui empreendida pro-
cura antes de mais nada concentrar seu foco naquela
que a dificuldade maior para a interpretao, a saber,
a de examinar a relao que Baumgarten estipulou exis-
tir entre sensibilidade e razo. Como enxergar na aisthe-
sis um mbito que ao mesmo tempo independente e
complementar razo? Explorar os labirintos da sen-
sibilidade significa percorrer um terreno diferente, mas
ao mesmo tempo anlogo ao da razo. O que torna o
percurso tanto mais fascinante que, ao se embrenhar
no campo da clareza extensiva, o esteta no encon-
tra um reino de obscuridade, mas de luz, que no deve
certamente ser confundida com a luz da razo, mas que
, ainda assim, uma forma de iluminao. Como mos-
trou acertadamente Stefanie Buchenau, num livro que
deve ser lido em paralelo a este,1 a metfora da luz
1 Stefanie Buchenau. The Founding of Aesthetics in the
German Enlightenment. The Art of Invention and the Invention
of Art. Cambridge: Cambridge University Press, 2013.
O nascimento da esttica 9

tanto mais iluminadora por remeter no s Ilustrao,


Aufklrung que est surgindo neste mesmo perodo,
mas tambm tradio retrica na qual, desde Ccero,
a claridade ou perspicuidade do discurso uma das no-
es centrais. Esse entroncamento da esttica nascente
com a retrica antiga um dos ganhos conceituais mais
importantes da obra de Buchenau, ensinamento parti-
lhado pelo livro de Oliver Tolle. Esse um dos fatores
que permitem reconstruir o nascimento da esttica no
sculo XVIII sob um prisma bastante novo, de implica-
o e cumplicidade com a tradio, ao contrrio do que
se poderia imaginar a respeito do Iluminismo como mo-
mento caracterizado essencialmente pela ruptura com a
potica clssica.
A articulao do pensamento sobre a retrica e sobre
as artes com a metafsica , sem dvida, a proeza que
Baumgarten procurou realizar. A maioria das inter-
pretaes anteriores costumava mostrar como em seu
intento se mantm uma hierarquia em que a sensibi-
lidade permanece submetida razo. Assim como faz
Buchenau, Oliver Tolle escolhe outro caminho: uma lei-
tura mais corpo a corpo com os textos baumgartianos
permite vislumbrar que a esttica coloca uma questo
de mtodo bastante diferente daquela que pauta a in-
vestigao racional: a determinao completa, a sntese
totalizada e fechada , na verdade, como diz o autor,
uma iluso cultuada pelo procedimento analtico. A
compreenso de que s pouqussimos conceitos permi-
tem uma anlise completa de seus predicados j est
10 Prefcio

por certo presente em Leibniz. Mas, ento, o que fa-


zer com a imensa maioria de representaes que habi-
tam a alma humana? Deveriam eles permanecer para
sempre fechados ao olhar dos homens? Esse imenso
fundo da alma o campo de explorao metodol-
gica da esttica e da antropologia baumgartianas. Esse
mbito que a anlise no pode penetrar s pode ser
explorado pela comparao e reflexo, num processo
bastante complexo em que as snteses so comandadas
por totalidades abertas, possveis, uma vez que subor-
dinadas no a uma unidade racional, mas a um tema,
como na msica e na pintura. Sem dvida, os princi-
pais elementos do juzo reflexionante kantiano j esto
em jogo nesse mtodo de iluminao conceitual, que
busca, no o esgotamento de notas caractersticas de
uma representao, mas a ampliao do conhecimento
pela reflexo e comparao de notas caractersticas do
maior nmero possvel de representaes. A garantia
de que o conhecimento sensvel ocorre no depende da
evidncia racional conhecida como clareza e distino,
mas de uma evidncia diferente, que Oliver Tolle chama
de luz esttica, a qual uma certeza dos sentidos, e
tal certituto sensitiva no outra seno o sentimento
esttico diante de uma poesia ou uma obra de arte ou
o pathos a que o orador sabe elevar o seu pblico.
A comparao da emoo esttica com a evidncia
metafsica poderia, sem dvida, parecer artificial. Am-
bas se do, por certo, em planos distintos, inconfun-
dveis, e Baumgarten mantm a diviso (que tambm
O nascimento da esttica 11

ser respeitada por Kant), entre faculdades cognitivas


superiores e inferiores. O mais interessante, porm,
a verdadeira guinada que tal comparao implica, j
que, como mostra agudamente o autor, a unidade e
evidncia racionais no constituem garantias para que
o indivduo possa se guiar na vida. Esta mais coman-
dada pela certeza sensvel do que por certeza racional,
ideia que ser central para toda a antropologia e est-
tica posterior, como ficar claro na discusso que Schil-
ler faz da moral kantiana: enquanto o filsofo moral s
trabalha com uma parte do homem, a sua parte raci-
onal, o artista deve contemplar o homem inteiro, der
ganze Mensch, expresso criada por Christian Thoma-
sius, mas que Baumgarten tambm explica de modo se-
melhante dizendo que o filsofo permanece um homem
algo incompleto se omite o cultivo de sua sensibilidade.
O livro faz, assim, mais uma vez jus ao ttulo: no
s prope que o nascimento da esttica est de algum
modo vinculado potica clssica, mas tambm que
o racionalismo baumgartiano, ao vincular metafsica e
sensibilidade, trabalha com uma ligao entre esttica
e antropologia que ao mesmo tempo avatar da ligao
entre moral e potica no pensamento clssico e prenn-
cio da relao entre arte e vida no romantismo. No
preciso mais razes para ler este belo livro.
Introduo

A muitos se d o nome de artistas quando, na


verdade, so propriamente obras de arte da
natureza.

Friedrich Schlegel

Atribui-se normalmente a Alexander Gottlieb Baum-


garten o feito de trazer, na primeira metade do sculo
xviii, o problema da arte e do belo de volta ao centro
da discusso filosfica. Como avaliar o sentido preciso
desse movimento? Organizada desde a Antigidade sob
a forma de poticas e retricas que visavam pr a desco-
berto as possibilidades de expresso do belo, a experi-
ncia artstica esteve com maior ou menor regularidade
entre os objetos de investigao da filosofia. Aristteles
e Plato so apenas exemplos maiores da apropriao
do belo pelo pensamento. na continuidade histrica
dessa relao entre a filosofia e a arte que Baumgarten

13
14 Introduo

situa sua prpria obra. Ele compartilha da crena ime-


morial de que a manifestao do belo, na vida e na obra,
constitui a aspirao mais elevada que pode pretender
um homem de conhecimento.
A proposta do presente trabalho, realizada dentro
de limites bastante modestos, examinar em que me-
dida a filosofia de Baumgarten cumpre com a expecta-
tiva de articular sob um mesmo conjunto de princpios
a especulao racional e a experincia sensvel do belo,
de tal maneira que da juno de seus extremos resulte
uma viso coerente da totalidade dos aspectos da vida
humana. Pois nos parece que ao mesmo tempo em que
correto dizer que Baumgarten conferiu legitimidade
investigao cientfica da expresso artstica, no su-
ficiente a suposio de que com ele a arte veio apenas
se juntar como um novo elemento aos diversos objetos
dignos de serem tratados pela filosofia. Um exame me-
nos comprometido da obra baumgartiana pode revelar
que nela est contido mais do que a indicao de uma
certa proximidade entre razo e sensibilidade, domnios
que na verdade so compreendidos no como entidades
heterogneas que medem o seu alcance pela contrapo-
sio de seus contedos, e sim como conhecimentos que
esto articulados dentro de um nico sistema de tal
modo que a ausncia de uma resposta para as ques-
tes relativas sensibilidade ameaa a estabilidade do
sistema como um todo.
Ora, seja com que formas se procurou compreender
o pensamento de Baumgarten fundamentao metaf-
O nascimento da esttica 15

sica para as categorias da retrica antiga, ponto de par-


tida para as estticas do gnio e das filosofias de arte do
idealismo alemo ou ainda como exemplo final do dog-
matismo que foi duramente criticado por Kant , ele foi
poucas vezes considerado em seu prprio terreno. sa-
lutar a concepo historiogrfica de que uma filosofia se
mede antes de tudo pelos objetivos por ela mesma esti-
pulados. Pela sua adeso tese da harmonia preestabe-
lecida, a inteno do nosso autor foi identificada prefe-
rencialmente como representante tardia daquele mesmo
tipo de racionalismo responsvel por tolher a expresso
da sensibilidade com base numa pretensa superioridade
da investigao intelectual sobre as demais reas do sa-
ber. No resulta todavia contraditrio que o estabele-
cimento de condies universais para o conhecimento
da totalidade do mundo abrigue no seu interior tam-
bm a possibilidade de um desenvolvimento do sujeito
cognoscente para alm da malha rgida de pressupostos
criada pela razo lgica. A novidade, se podemos dizer
assim, da cincia baumgartiana consiste justamente em
definir rigorosamente os campos de atuao da razo
e da sensibilidade, j que v na confuso entre eles a
causa da maioria das dificuldades que so enfrentadas
quando se aborda diretamente a experincia do mundo
e a sua infinita variedade.
Acreditamos assim que pode ser frutfero examinar
inicialmente a fundamentao metafsica e epistemol-
gica que Baumgarten apresenta com o intuito de so-
lucionar paradoxos inerentes ao conhecimento mediado
16 Introduo

pelos rgos sensveis quando confrontado com as exi-


gncias da racionalidade, para s ento submeter aos
seus princpios a possibilidade de uma teoria da arte.
Por conseguinte, no se deve esperar, pelo menos de
imediato, que se revele a verdadeira posio que a ex-
presso artstica ocupa no interior da cincia baumgar-
tiana. Embora claramente comprometida com a forma-
o do artista e do crtico, os quais igualmente devem se
beneficiar de um sistema capaz de articular e legitimar
no seu interior a beleza sensvel e a beleza do pensa-
mento, a esttica de Baumgarten est comprometida
antes de tudo com as condies universais em que se
manifesta o belo. Oculta-se no percurso que adotamos
uma outra questo, talvez ainda mais promissora. Por
que Baumgarten confere arte uma posio to privile-
giada? A resposta, ao mesmo tempo que simples, exige
uma nova ordem no saber: a arte constitui uma refe-
rncia externa da unidade da multiplicidade, a qual s
encontra correlatos na mnada e na harmonia do uni-
verso, cujo acesso permanece todavia restrito ao campo
da investigao metafsica. Realizao mxima do indi-
vduo na exterioridade, a arte aponta para a possibili-
dade de obteno de semelhante unidade na vida, coisa
que o desenvolvimento unilateral da razo no poderia
garantir. Essa inusitada inverso produz conseqncias
igualmente surpreendentes. Pois no bem o pensa-
mento que deve inicialmente fornecer parmetros para
a arte, mas esta ltima que deve ser usada para me-
dir o xito dos esforos da atividade intelectual em se
O nascimento da esttica 17

apropriar dos diversos aspectos da vida.


Ficaramos satisfeitos se o nosso estudo conseguir
atrair a ateno do leitor para o projeto esttico de
Baumgarten. No nos parece que a promessa de uma
vida harmoniosa e iluminada, na perspectiva de uma ex-
perincia intelectual e sensvel da totalidade do mundo,
contenha motivo suficiente para a rejeio apressada do
que est contido em suas pginas, por mais estranha que
ela seja a um certa viso de mundo contempornea que
opera sob o signo da ruptura. Embora considerado um
autor menor (o ltimo expoente da Escola de Wol),
no se pode negar que Baumgarten recebeu bastante
ateno por parte da crtica especializada. So famosos
os estudos de Baeumler e de Cassirer sobre a posio
de sua esttica no perodo que antecede o nascimento
da crtica kantiana. A intuio essencial deles, de que
Baumgarten definiu os limites da apreenso racional do
sensvel, perdura na forma de ideia condutora para os
trabalhos posteriores que se debruaram sobre o autor
e sua nova cincia. Mas a ltima dcada foi particular-
mente generosa em propiciar um aprofundamento dos
estudos sobre a unidade sistemtica das obras capitais
de Baumgarten. Alm de um esforo igualmente vali-
oso para o estabelecimento dos originais de seus prin-
cipais textos filosficos,1 veio recentemente a lume a
1 Vale destacar as publicaes eletrnicas a cargo da Universi-
dade de Bonn, Alemanha, dos textos originais da Metaphysica (3a
edio de 1757) e da Initia Philosophicae Practicae (1760), que
compe a publicao online das obras completas de Kant, e da
18 Introduo

primeira traduo integral dos dois volumes da Esttica


(sthetik i/ii; Meiner, 2007), que ocorreu a cuidados
da estudiosa Dagmar Mirbach. Tambm importante
uma referncia tese de doutorado de Stefanie Buche-
nau (Art of Invention and Invention of Art; University
of Yale, 2004), que apresenta uma reconstruo cons-
cienciosa dos vnculos existentes entre a esttica e as
retricas clssicas.

traduo alem (edio bilinge) da Universidade de Duisburg das


Meditationes philosophicae de nonnullis ad poema pertinentibus
(1735), projeto ainda inconcluso. A traduo para o alemo da
Metafsica realizada em 1783 por Meier tambm recebeu uma nova
edio e foi publicada em 2004 pela editora Dietrich Scheglmann
Reprints, sob a superviso de Dagmar Mirbach.
Uma nova cincia

Os poetas so verdadeiros visionrios.

Ariano Suassuna

Potica e retrica
Baumgarten demonstrou no final de sua vida certo
desconforto ao constatar que a sua esttica era conside-
rada por seus contemporneos como uma potica: um
conjunto de preceitos com a finalidade de estipular a
atividade criadora do artista e de seu juiz. Pois, a rigor,
a potica era apenas uma dentre as vrias artes liberais
contempladas por esta cincia: filologia, hermenutica,
exegtica, retrica, homiltica, potica, msica etc. 1
Ora, se verdadeiro que, comparativamente, o objeto
da potica permanecer sempre mais elevado que o das
1 Esttica, 4.

19
20 Uma nova cincia

outras artes a poesia o discurso sensvel perfeito,


ao passo que a retrica, por exemplo, em vista de sua
relao problemtica com a totalidade, ser relativa-
mente um discurso sensvel imperfeito 2 , no horizonte
mais amplo da esttica as artes liberais se colocam em
igual condio como gneros de conhecimentos diversos
compreendidos por um fundamento nico, cuja univer-
salidade estaria justamente em ser capaz de agrup-las
sob um denominador comum.
Ora, a interpretao que motivou no seu sculo esta
metafsica do belo de Baumgarten no inteiramente
destituda de motivo. O projeto de uma poesia naci-
onal alem, em grande parte tomado de emprstimo
a movimentos poticos franceses e ingleses, reconheceu
com alguma razo no pequeno tratado de juventude de
Baumgarten, Meditationes philosophicae de nonnullis
ad poema pertinentibus (1735),3 um empreendimento de
fundamentao filosfica da Carta aos Pises de Hor-
cio, lida e relida desde o Renascimento como um manual
de preceptivas para a inveno potica. Gottsched, edi-
tor e organizador das obras de Wol e Leibniz, abre por
exemplo a sua Proposta aos alemes de uma arte potica
2 O modo imperfeito de expor seus pensamentos ensinado
pela retrica geral, que vem a ser a cincia do modo imperfeito
de expor as representaes sensveis em geral; a perfeio da
exposio o objeto da potica geral, que a cincia do modelo
perfeito de expor as representaes sensveis em geral (Algumas
consideraes filosficas sobre o poema, 117).
3 Algumas consideraes sobre o poema, citado doravante
apenas como Consideraes.
O nascimento da esttica 21

crtica, de 1730, com uma traduo comentada desta


Arte potica horaciana.4 Embora no encontremos em
Baumgarten semelhante preocupao com o futuro da
poesia nacional, evidente j pela ausncia quase com-
pleta de referncias em seus textos a poetas contempo-
rneos, ele compartilha com a sua poca certa concep-
o moral de arte, que v na poesia o medium adequado
para a educao das paixes.
O que em Gottsched se coloca como reivindicao de
unidade do povo resulta todavia em Baumgarten numa
questo essencialmente cognitiva, por direito prpria a
uma filosofia da subjetividade, circunscrita s condi-
es de validade do conhecimento do belo. Assim, para
Baumgarten no se mostra suficiente reconhecer a vali-
dade da potica como agente moral ou como conjunto
de regras, exercitada pela comparao das mesmas com
poemas. Ela precisa tambm ser fundamentada a par-
tir dos princpios que a tornam expresso do sensvel, o
que significa que deve ser demonstrada no a partir de
seu objeto, o poema propriamente dito, mas segundo
as etapas que a constituem como conhecimento do sen-
svel.
Disso se segue que a tarefa das Consideraes de
constituir uma potica filosfica no est ligada dire-
tamente ao poema, mas apenas se relaciona com ele
4 Gottsched, J.C. Versuch einer critischen Dichtkunst (un-
vernderter photomechanischer Nachdruck der 4. vermehrten Au-
flage, Leipzig, 1751). Wissenschaftliche Buchgesellschaft Darms-
tadt, Darmstadt, 1962.
22 Uma nova cincia

mediante uma potica.

O discurso sensvel perfeito o poema; o


conjunto das regras s quais o poema deve
se submeter a potica; a cincia da potica
a potica filosfica; a aptido para elaborar
um poema a arte da poesia; aquele que
possui essa aptido um poeta.5

Uma questo se coloca imediatamente aqui. O que


confere validade potica? Principalmente nas Consi-
deraes, Baumgarten procede segundo o princpio de
autoridade [autorictas] das poticas clssicas. Mas se
interpret-las seria uma tarefa meramente exegtica, a
fundamentao delas torna o reconhecimento de sua va-
lidade um problema filosfico:

[. . . ] no passei um nico dia sem me dedi-


car poesia. medida que avanava pouco
a pouco em anos, embora tivesse sido for-
ado, desde o tempo da escola, a voltar cada
vez mais meus pensamentos mais austeros,
e a vida acadmica no final parecesse exi-
gir outros trabalhos e outras preocupaes,
dediquei-me no obstante s belas letras,
que me eram necessrias; assim nunca pude
me obrigar realmente a renunciar poesia,
que considerava inteiramente recomendvel,
5 Consideraes, introduo.
O nascimento da esttica 23

tanto por sua pura beleza, quanto por sua


evidente utilidade. Entrementes, pela von-
tade divina, que venero, ocorreu que me
fosse conferido o encargo de ensinar a po-
tica, justamente com a assim chamada filo-
sofia racional, juventude que devia se for-
mar para as universidades. O que haveria
de mais propcio neste momento, exceto pr
em prtica os preceitos da filosofia quando
a primeira ocasio se oferecia?6

Como se v, pouco provvel que as Consideraes


no tenham, pelo menos na sua inteno, um compro-
misso com o exerccio de uma potica, entendida de um
modo geral como apresentao de regras para a compo-
sio do poema. No todavia o problema da potica
como doutrina modelar ou como dispositivo crtico para
a investigao do poema, uma das principais querelas
do perodo, que est em questo aqui.7 Logo saberemos
6 Consideraes, introduo.
7 Baeumler afirma a esse respeito: Com efeito, Baumgarten
chegou a descrever o procedimento do artista (pulcre cogitaturus).
Mas ele no disse jamais que por meio dessa descrio aprende-se
a fazer ou julgar poemas. Sem dvida, a esttica uma cincia
da bela apresentao; mas Baumgarten forneceu exemplos e no
regras. Baeumler, Kants Kritik der Urteilskraft Das Irrationa-
littsproblem in der sthetik und Logik des 18. Jahrhunderts bis
zur Kritik der Urteilskraft. Max Niemeyer Verlag, Halle, 1923,
p. 270 (nota 3). Ora, o argumento razovel, porque para
Baumgarten o xito do poeta depende de um talento natural, que
dificilmente pode ser adquirido pela prtica. Mas no tem sentido,
24 Uma nova cincia

que a tarefa terica se concilia com a prtica no mbito


do sbio e no do poeta propriamente dito. O teor do
problema antes outro. Ele diz respeito a certa aproxi-
mao de filosofia e potica que, embora no incomum
na histria da filosofia, ainda no tinha sido realizada
dentro das pretenses de uma certa escola racionalista
posterior a Leibniz e qual se filiava Baumgarten.8

tanto no que diz respeito s Consideraes quanto Esttica, pre-


tender que essas obras no tenham tambm um carter modelar.
De nada serviria uma fundamentao filosfica da potica se a
primeira no reconhecesse a validade das regras desta ltima.
8 Queremos evitar aqui a desginao Escola de Wol, nem
sempre apropriada para o Baumgarten da Esttica. Pois se v em
Wol um certo platonismo que incompatvel com o princpio
baumgartiano de que a arte supera a natureza, uma vez que a
organiza significativamente. Leia-se a seguinte passagem de Wol:
Uma obra de arte, a saber, uma vez que foi fundada na arte,
possui somente uma essncia: mas nenhuma arte, a qual pertence
natureza das coisas. Ela tem uma essncia, pois ela composta
de um determinado modo a partir de uma matria. O modo da
composio, todavia, a essncia de um corpo. Essa composio
realizada pelo artista, e portanto a essncia vem da arte. Ao
contrrio, nenhum artista pode introduzir uma fora a partir da
qual resultassem certas alteraes em sua obra. Muito mais todas
as alteraes, dentre as quais tambm est includa, so fundadas
na natureza. (Wol, C; Metafisica Tedesca. Introduzione, traduzi-
one, note e appararti a cura di Raaele Ciafardone (testo tedesco a
fronte). Rusconi, Chieti, 1998. p. 232). Salta aos olhos aqui certa
interpretao de inspirao platnica da arte, que v na natureza
uma estrutura maquinal que, ao ser reorganizada artificialmente,
perde sua mobilidade natural e, portanto, no se torna uma outra
essncia, mas apenas aquela de modo fragmentado. importante
observar aqui que Baumgarten nunca reconheceu completamente
a filiao Escola de Wol que lhe foi imputada.
O nascimento da esttica 25

De fato, desejo demonstrar que possvel,


a partir do conceito nico de poema (que
h muito me est gravado na alma), provar
numerosas afirmaes sustentadas cem ve-
zes, mas que mal foram comprovadas uma
s vez: desejo, pois, mostrar claramente que
a filosofia e a cincia da composio do po-
ema, freqentemente consideradas muito afas-
tadas uma da outra, constituem um casal
cuja unio totalmente amigvel.9

A passagem da abordagem prescritiva para uma in-


vestigao das razes do engenho [ingeniuum] potico
permitida pelo princpio aristotlico e neoplatnico da
imitao para a arte. No se deve ler imitao aqui to-
davia no registro daquela disputa de Gottsched contra
Bodmer e Breitinger, que s eclodir na dcada seguinte
e que se tornar um tema recorrente na segunda metade
do sculo. Gottsched acusou os amigos suos de sub-
verterem o princpio da imitao, que numa certa lei-
tura da Arte Potica de Horcio deveria ser imitao da
natureza ou imitao dos antigos, e no uma liberdade
fundada na natureza criadora do poeta. Baumgarten,
ao contrrio, se vale do princpio da imitao princi-
palmente porque ele permite transitar entre uma regra
enunciada por Horcio esforar-me-ei em inventar o
meu poema a partir do que se conhece 10 e um as-
9 Consideraes, introduo.
10 Citado em Consideraes, 56.
26 Uma nova cincia

pecto da teoria do conhecimento que se preocupa com a


apropriao racional do sensvel. Se a poesia imitao
da natureza, posto que obedece a uma ordem natural
e sem a qual degeneraria em uma aberrao, ento ela
pode ser conhecida tal como se conhece a natureza. H
pouco de novo aqui. Afinal, era essa a frmula com que
desde Plato e Aristteles a arte deixou de ser mero
produto de inspirao e se tornou, para aqum do ta-
lento, algo compreensvel.
Como conciliar, portanto, mbitos aparentemente
to antagnicos como filosofia e potica?11 No esta-
ria uma no domnio da razo e a outra no do sensvel
ou, o que ainda mais grave, no dependeria esta l-
tima principalmente do talento, algo para alm de toda
e qualquer explicao filosfica? A isso se junta ainda
o fato de que, na esteira do racionalismo cartesiano,
a facultas sensus se faz acompanhar de um mau au-
grio para a investigao: o seu objeto no pode ser
pensado a no ser por uma longa cadeia de razes, as
quais conduzem ao final to longe da origem sensvel,
11 Alis, temos aqui a principal razo pela qual se considera
quase impossvel a filosofia e a poesia permanecerem no mesmo
nvel: de fato, a primeira procura com extrema obstinao a
distino dos conceitos, enquanto a segunda no se preocupa com
a mesma, que se situa alm da esfera potica. Supondo porm que
um indivduo muito competente em ambas as partes da faculdade
de conhecer e que saiba usar cada uma no devido tempo, de tal
modo que se dedique a afinar uma sem prejudicar a outra; este
indivduo perceber que Leibniz, Aristteles e outros tantos, que
uniram a toga dos filsofos aos louros do poeta, eram prodgios e
no miragens. (Consideraes, 56.)
O nascimento da esttica 27

que acabam por se tornar estranhas a ela. Embora as


Consideraes se recusem a entrar neste problema da
irracionalidade do sensvel, tratado convenientemente
apenas a partir da Metafsica, essa obra de juventude
prefigura as principais dificuldades decorrentes da con-
ciliao entre expresso do sensvel, quando tomado em
sua imediatez, e considerao filosfica.
Em grande parte essa conciliao possvel aqui gra-
as natureza do poema. Os termos do discurso potico
referem-se a representaes sensveis tanto na sua sin-
gularidade quanto na sua associao. Um nome prprio
assim um recurso altamente potico, porque ele com-
preende mais representaes sensveis do que um termo
genrico.

As determinaes especficas que se juntam


ao gnero constituem a espcie; e as deter-
minaes genricas juntadas ao gnero su-
perior constituem o gnero inferior; logo, as
representaes do gnero inferior e da esp-
cie so mais poticas que aquelas do gnero
ou do gnero superior.12

Portanto, quando mais determinado for o discurso


potico, mais apto ele estar a suscitar representaes
sensveis no leitor. a determinao da particulari-
dade, alis, a marca caracterstica do discurso que se
12 Consideraes, 20.
28 Uma nova cincia

pretende sensvel. Sem dvida, o discurso racional tam-


bm almeja determinar as relaes, mas em todas as
suas etapas ele deve permanecer na generalidade: ao
tentar capturar o que torna um objeto distinto de ou-
tro, ele sacrifica justamente toda a diferena contida
nele. Ambos os discursos se opem, portanto, no pela
sua capacidade em fornecer claramente representaes
para os seus objetos, e sim por aquilo que seu conheci-
mento obrigado a excluir. Assim, inevitvel que eles
se meam um pelo outro. Um conhecimento intelectual
suprime a particularidade de um objeto, ao passo que
o sensvel exige que ela seja enfatizada.
O atributo da clareza se desdobra no segundo a di-
ferena do objeto conhecido em relao a outros. Com-
parar a atividade por excelncia do conhecimento, no
sendo exclusiva a conhecimentos racionais, isto , dis-
tintos. Tambm reconhecemos uma representao sen-
svel porque a delimitamos em face de outras represen-
taes. A clareza decorre antes do foco segundo o qual
uma representao tomada: uma clareza extensiva ou
uma clareza intensiva.

Se uma representao A representar um n-


mero maior de coisas que outras represen-
taes b, c, d, etc., mas se apesar disso as
representaes que ela contm forem todas
confusas, nesse caso a mais clara que as
outras sob o ponto de vista extensivo. Tive-
mos de acrescentar essa restrio para dis-
O nascimento da esttica 29

tinguir estes graus extensivos da clareza da-


queles outros graus muito conhecidos que,
pela distino das marcas da percepo, le-
vam profundeza do conhecimento e acar-
retam a uma representao mais clara que
a outra, sob o ponto de vista intensivo.13

A conscincia tem a faculdade de fazer a sua aten-


o abstrair, na totalidade perceptiva, contedos que
so do seu interesse. Nas representaes intelectuais,
a abstrao exclui tudo a no ser um nico elemento,
para ento lig-lo a outros elementos igualmente abs-
trados. Tambm a representao sensvel o resultado
dessa operao, mas em vez de se deter em um elemento
a cada vez, recorta uma unidade mais ampla do que se-
ria capaz de reconhecer em seus elementos isolados.
prprio ao conhecimento sensvel, portanto, lidar com
clarezas extensivas.
A relao entre epistemologia e potica reafirmada
pelo princpio horaciano da proximidade entre pintura
e poesia. Como discurso sensvel, a poesia deve agregar
elementos compostos, que se traduzem na terminologia
racionalista em confuso, constraposta distino, mais
prpria s cincias racionais. A pintura o melhor
13 Consideraes, 16. Central aqui, o conceito de extenso
reaparecer mais tarde apenas como um dos vrios aspectos do
conhecimento sensvel. Conferir o 531 da Metafsica: Uma
clareza maior que repousa sobre a clareza das caractersticas pode
ser denominada de intensivamente maior e aquela que repousa na
quantidade das caractersticas de extensivamente maior.
30 Uma nova cincia

exemplo para a vocao sensvel da poesia, porque ela,


como produto acabado, rene em si elementos que per-
mitem aferir se o objeto artstico corresponde s ideias
que temos no encontro com a natureza.

prprio da pintura representar o que


composto; e este procedimento um pro-
cedimento potico. A representao pict-
rica deve ser muito semelhante ideia sen-
svel do objeto que queremos pintar; e esta
mesma tarefa cabe poesia. Logo, um po-
ema e uma pintura so semelhantes.14

Ora, o discurso potico ento sensvel porque ele se


dedica a expressar ideias sensveis, as quais so an-
logas s ideias que so fornecidas pelo objeto pictrico.
No horizonte mais amplo do princpio da imitao,
a arte, como conhecimento, representao da natu-
reza. A verdade de um conhecimento, seja ele expresso
14 Consideraes, 39. O ut pictura poesis interpretado aqui
como comparao de dois produtos, o poema e a pintura, e no
de duas artes, a arte de pintar e a arte de compor poemas.
A distino importante porque ela afasta os procedimentos de
composio artsticas das duas artes. O poeta no deve compor
como se estivesse pintando, porque a sua arte, alm de estar no
domnio do movimento, em contraposio ao esttico do pict-
rico, opera sobre signos do discurso, obedecendo, portanto, s
peculiaridades da oratio. A poesia, por poder expressar o sensvel
mais completamente do que a pintura, a arte mais elevada: nas
imagens poticas h mais elementos contribuindo para a unidade
das mesmas que nas imagens pictricas. Conseqentemente, uma
poema mais perfeito que uma pintura. (Consideraes, 40.)
O nascimento da esttica 31

por um objeto artstico ou um conjunto de sinais,


medida pela capacidade da representao de expressar
o representado. Se h coincidncia entre a representa-
o e o representado, a representao se mostra como
verdadeira. A representao, portanto, imita o repre-
sentado e tanto mais completa quanto mais elementos
essenciais do representado estiverem contidos na repre-
sentao. Ao princpio da imitao como representa-
o da natureza se contrape a tese de que a natureza
bem como a arte so totalidades complexas fechadas
em si mesmas. Segundo essa tese, uma totalidade, de-
vido sua condio de unidade na multiplicidade, no
pode ser apreendida ao ser substituda por uma outra
representao; como totalidade, ela s pode ser contem-
plada.15

Princpio de razo suficiente


Se a arte opera por imitao, o que possibilita que
as partes organizadas pela inveno potica constituam
uma totalidade? Para responder a essa pergunta, o
princpio leibniziano de razo suficiente invocado como
regulador da atividade criadora. O poeta rene as re-
presentaes sensveis de modo que elas sejam poss-
veis, sem dvida, mas de tal modo que a sua possibili-
dade seja restringida pelas relaes que so postas em
15 Um tema que, historicamente, remonta ao Do sublime de
Longino.
32 Uma nova cincia

jogo. Um belo exemplo das Consideraes, que prefi-


gura grande parte das preocupaes do captulo Psico-
logia da Metafsica, demonstra como esse princpio de
razo suficiente se torna dispositivo engenhoso de com-
posio. Trata-se do uso da divinao na literatura. A
divinao vlida como recurso potico quando h ra-
zo suficiente na passagem de uma predio para a sua
realizao:

Particularmente ao poeta convm vaticinar;


por isso, a prpria Escritura ama a poesia
em muitos dos seus profetas. Mas no
menos perigoso predizer coisas, quando se
ignora como as mesmas se realizaro; pois
se o vaticnio for desmentido pelo aconteci-
mento, ser miseravelmente ridicularizado.
Por conseguinte, o que devem fazer os poe-
tas? Os mais sensatos vaticinam, em nome
dos outros, acontecimentos que j ocorre-
ram no momento em que falam, atuando
como se estas predies tivessem sido feitas
antes da ocorrncia destes mesmos aconte-
cimentos. Tomemos a Enida de Virglio.
Quanto profetiza Helena! Quanto profetiza
Aniquises nos Campos Elseos! [. . . ] Hor-
cio impe a Nereu predizer o fim da guerra
de Tria, sabendo de fato que podia inven-
tar vaticnios j confirmados ante a presena
O nascimento da esttica 33

do acontecimento.16

O poeta, por saber o futuro da ao, constri o pas-


sado de modo que ele contenha o seu devir. Dotado de
uma potncia que lhe permite ligar tanto o passado ao
futuro como o futuro s suas causas e que s encontra
par na fora criadora divina, o poeta age a partir da
necessidade que conecta os acontecimentos uns aos ou-
tros. O princpio de razo suficiente deve, portanto, ser
interpretado aqui no seu aspecto negativo. To logo um
tema definido, ele cerceia as possibilidades da inven-
o, porque os elementos que compem o poema devem
se orientar nica e somente com vistas realizao do
tema, isto , do vaticnio. Isso explica que como o
futuro o que ser, ento ele pode ser absolutamente
determinado.17
A composio falhar na medida em que ela se des-
viar da razo inerente s coisas, que esto relacionadas
por que contm umas s outras em si mesmas. Sem d-
vida, o poeta livre para escolher de que modo far a
transio do passado para o futuro, e nisso reside o seu
engenho, mas ele dever se submeter a essa regra de que
o passado prenhe do futuro, sem a qual a organizao
das partes de seu arranjo trair a ordem natural das
coisas. Isso pode ser expresso formalmente do seguinte
modo:

16 Consideraes, 64.
17 Consideraes, 61.
34 Uma nova cincia

Com efeito, suponhamos que a seja um tema


e b um outro; se forem associados entre si,
isto significa que a razo suficiente de a est
em b, ou ento que a razo suficiente de b
est em a; logo, ou b no um tema ou a
no um tema.18

Ao mesmo tempo em que prope o enigma, o poema


deve conclu-lo e resolv-lo. A partir do momento em
que um tema escolhido, imediatamente se colocam
as possibilidades de realiz-lo. Esse poder do artfice
exige uma unidade e simplicidade s comparvel a uma
demonstrao geomtrica. A analogia deve correspon-
der quela mesma ordem que vai dos postulados aos
teoremas: uma necessidade que exclui tudo o que no
pertence realizao do que j est contido nos postu-
lados. Mas assim como necessria a consumao da
demonstrao, tambm o poeta deve percorrer todos os
momentos para demonstrar ou persuadir da necessidade
da ao.
A limitao das Consideraes reside no seu ob-
jeto. Mas no apenas por tomar a poesia como a
arte mais elevada que ela se aproxima de uma potica,
o que permanece todavia sempre uma interpretao le-
gtima deste pequeno tratado. A redao da Esttica
em 1750/58, cujo objeto abarcar todo o domnio do
sensvel, demandar um empreendimento prvio de fun-
18 Consideraes, 67.
O nascimento da esttica 35

damentao. Baumgarten redige em 1739 a sua Me-


tafsica, que, pelo menos no que nos interessa, tem o
seu ponto central no captulo Psicologia, no qual se-
ro apresentados, como se ver adiante, os princpios
da ateno, a partir do princpio leibniziano de que a
alma uma fora representativa.

O belo conhecimento
Qual a precisa delimitao do conhecimento deno-
minado amplamente de sensvel a partir da Metafsica
e que vai constituir o mbito propriamente dito da Es-
ttica? Afinal, a inteno de desenvolver essa cincia
j se encontra indicada no seguinte pargrafo da Meta-
fsica: A cincia do conhecimento e da apresentao
[proponendi ] do sensvel a esttica (como lgica da
faculdade cognitiva inferior, como filosofia das Graas
e das Musas, como gnoseologia inferior, como arte do
belo pensamento e como arte do anlogo da razo).19
Como se v, o termo sensvel conserva proximidade
tanto com o domnio artstico, enquanto produto sen-
svel organizado segundo uma finalidade determinada,
quanto com o contedo sensorial em geral. Mas o cri-
trio de demarcao desta cincia, que, segundo certa
interpretao do princpio arcaico de imitao, postula
a continuidade entre natureza e arte, est longe de ser
destituda de dificuldade. Deve-se procurar, portanto,
19 Metafsica, 533.
36 Uma nova cincia

na ordem mesma das obras o critrio que separa o sen-


svel em geral do conhecimento especfico das artes li-
berais. Mas tambm a linearidade desse percurso se
mostra muitas vezes problemtica, j que a consuma-
o do projeto da Esttica est antes de tudo calcada
num alargamento do conceito de metafsica, como ar-
quitetnica de princpios, para a totalidade da vida do
indivduo, o que frustra em grande parte a expectativa
de encontrar aqui uma articulao entre arte e sistema
naquele sentido que s se tornar corrente a partir das
filosofias da arte do comeo do sculo xix. Contudo,
se conservada certa distncia em relao ao objeto
artstico como instncia autnoma, a conciliao entre
metafsica e sensibilidade antecipa em grande parte a
pretenso romntica de aproximar arte e vida como re-
alizao mxima de um esprito esclarecido.
A cincia do sensvel trata, por definio, daquilo
que se situa abaixo do limiar da distino,20 o que
nos conduz imediatamente a um conjunto de concei-
tos caractersticos da histria do racionalismo e que
tem a funo de servir como parmetro para diferen-
ciar conhecimentos estritamente racionais daqueles que
dependem da experincia. Foi Leibniz todavia quem
conduziu essa oposio forma que encontramos na
base dos argumentos baumgartianos. Para ele, distin-
o no exatamente um critrio de identificao de
verdades evidentes, ao contrrio do que pretendia Des-

20 Metafsica, 523.
O nascimento da esttica 37

cartes, mas apenas um recurso racional que permite


isolar, pelo menos no aspecto que assinala, uma coisa
de outras, apresentem-se elas como objetos, percepes
ou questes. Assim, distino se resume pura e sim-
plesmente a um critrio de diferenciao, independente
de sua origem emprica ou racional.
Quando Baumgarten estipula o conhecimento sens-
vel como um mbito situado abaixo do limiar da distin-
o, ele no quer dizer apenas que esse conhecimento
no atinge certo grau de diferenciao, que ele ainda
no conhecimento, posto que confuso. Ao contr-
rio, a confuso justamente um atributo da riqueza
do conhecimento sensvel, pois, apesar de assinalar co-
nhecimentos ainda no apreendidos distintamente pela
razo, ressalta esses conhecimentos em sua condio de
imediatez, aspecto inerente a contedos perceptivos
quando acessados diretamente pelos rgos dos senti-
dos.
Confuso e imediatez articulam-se uma outra como
caractersticas possveis da clareza. Ora, essas carac-
terstas se tornam compreensveis apenas se evitarmos
empregar aquele enfoque epistemolgico que toma a ra-
zo como dispositivo exclusivo de apropriao cogni-
tiva, o que supe sempre mediao que se distancia da
especificidade, e o substituirmos pelo plano de intera-
o da conscincia isto , certa capacidade de pres-
tar ateno com a presena perceptiva. A clareza
se apresenta assim como capacidade de identificar no
campo sensorial impresses na mesma medida em que
38 Uma nova cincia

elas se apresentam. Ora, essa clareza delimitada no


campo da imediatez tambm obedece a certos regimes
e disposies que permitem ser considerados em sua
universalidade. Se o conhecimento sensvel no pode
ser reduzido, no seu mbito, s pretenses cientficas
de uma razo apartada em pelo menos um passo do
emprico, ele se relaciona com ela segundo o paren-
tesco da analogia. Assim, o termo analogon rationis
que Baumgarten usa para se referir s faculdades do
conhecimento sensvel (que apreendem as percepes
em sua imediatez) decorre de uma regra estipulada por
Aristteles: H analogia, se, em quatro termos, o se-
gundo est para o primeiro assim como o quarto est
para o terceiro. 21 No h, portanto, equivalncia entre
a regio epistemolgica que circunscreve a capacidade
de prestar ateno e reconhecer contedos sensveis em
sua imediatez e o domnio da razo propriamente dita,
a no ser a de que h conhecimento em ambos, os quais
no podem todavia ser reduzidos a um termo comum.
Assim, a cincia do sensvel no inferior s cincias
racionais porque um estgio anterior de conhecimento,
intermedirio entre a obscuridade do sensvel e a lumi-
nosidade do intelecto, mas porque opera num plano que
no pode fornecer verdades ltimas, permanecendo su-
bordinada a contedos sempre confusos. E, do mesmo
modo que o conhecimento intelectual se desloca entre
os atributos de verdade, justia e beleza, tambm o sen-

21 Aristteles, Potica, 1457b.


O nascimento da esttica 39

svel os toma para si no seu prprio domnio. Ora, se


as verdades intelectuais se caracterizam pelo princpio
de contradio, e exigem ser demonstradas, as verdades
sensveis, ao contrrio, derivam de uma certeza que s
pode ser descrita com o auxlio de um termo tirado da
retrica, ou seja, o de persuaso.22

A certeza sensvel persuaso, a certeza in-


telectual, convico. [Certitudo sensitiva est
persuasio, intellectualis convictio.]23

Se h um lugar para a arte da eloqncia no interior


do sistema para alm daquele que lhe reservado como
arte liberal, ento ele se encontra principalmente na ins-
pirao desta analogia, que toma o sensvel como ver-
dadeiro na medida em que a sua possibilidade no entra
em choque com o contexto em que gerada, tornando-
se assim um tipo de convico indemonstrvel, embora
totalmente necessria, j que ela que garante operar
num plano de confuso em meio obscuridade.

Harmonia universal
A questo do sensvel na trilogia Metafsica, tica
e Esttica que confere sistematicidade metafsica
22 A retrica a faculdade de ver teoricamente o que, em cada
caso, pode ser capaz de gerar a persuaso. Aristteles, Retrica,
355b.
23 Metafsica, 531.
40 Uma nova cincia

do belo j no pode mais ser compreendida de acordo


com a oposio entre potica e retrica que dominava as
Consideraes. Trata-se agora de reunir sob um mesmo
conjunto todas as artes liberais, no mediante a sua di-
ferena, pautada ora pelos seus graus de perfeio na
expresso do sensvel, ora pela diversidade de sua apli-
cao, mas sim segundo o denominador comum a todas
elas. Aquela ausncia nos antigos de uma demonstrao
filosfica da potica ser agora ampliada para todos os
modos de dizer ou exibir o sensvel. A esttica se impe,
portanto, como uma nova cincia:

A esttica como uma cincia ainda algo


novo; sem dvida j procurou-se fornecer
regras para o belo pensamento, mas em po-
cas passadas ainda no se conduziu, na forma
de uma cincia, todo o conjunto de regras
a uma ordem sistemtica, por esse motivo
o nome esttica ainda pode ser desconhe-
cido para muitos.24

necessrio perguntar porque a esttica no assume


na sua base a definio ou reformulao das artes libe-
rais. Afinal, por que fundamentar regras, se elas de-
pendem justamente da demonstrao de seus princpios
para ganhar credibilidade? A explicao epistemolgica
24 Kollegium ber sthetik. In:Texte zur Grundlegung der
sthetik., Traduzido e editado por Hans Rudolf Schweizer. Meiner,
Hamburg, 1983p. 80.
O nascimento da esttica 41

no deveria ter como conseqncia uma outra ordem


dos preceitos, ou pelo menos aguardar a sua consolida-
o para ento submet-los ao exame filosfico? O fato
que em nenhum momento estar ameaada a autori-
dade dos antigos. O exerccio de fundamentao cor-
robora verdades h muito conhecidas, verdades que
advm da experincia e so a representao universal
de ideias transcendentes, mas que s podem ser conhe-
cidas no contato com a experincia. O que separa o
plano maior da Esttica da pretenso didtica das Con-
sideraes no se limita, portanto, passagem de uma
potica filosfica para uma teoria geral das artes libe-
rais. Est em jogo antes de tudo uma concepo de
homem que reivindica o sensvel como seu espao de
atuao propriamente dito. Ora, isso no significa que
o pensamento elevado, prenhe de preocupaes univer-
sais, deriva da experincia, um aristotelismo diante do
qual Baumgarten se mostrar distante, mas que o do-
mnio da interao da conscincia com o mundo exige
uma resposta final da filosofia, que no pode mais se
relacionar com ele como mera oposio entre ideal e
material. O princpio de razo suficiente, como desdo-
bramento do princpio de contradio em verdades de
fato, o que permite transitar entre verdades univer-
sais e verdades contingentes, tornando a metafsica por
direito uma cincia material:

A verdade metafsica dos objetos -nos co-


nhecida como a coincidncia deles com os
42 Uma nova cincia

princpios mais universais do conhecimento.


Entendemos assim o que Leibniz diz na Te-
odicia: pode-se afirmar de certo modo que
os princpios de contradio e de razo su-
ficiente esto contidos na definio do ver-
dadeiro e do falso. Pois a representao da
verdade metafsica em um objeto, na me-
dida que ela se realiza na alma de um deter-
minado sujeito, aquela coincidncia entre
as representaes e os objetos, que se de-
nomina na maioria das vezes como verdade
lgica; outros ainda a denominam de mental,
isto , do ser afetado, da correspondncia e
da conformidade, na medida em que se de-
nomina a verdade metafsica de material.25

A teoria das artes liberais se subordina, portanto, a


uma filosofia do sujeito, que passa necessariamente por
uma abordagem psicolgica, domnio da interao en-
tre sujeito que conhece e objeto conhecido e que abarca
tanto um tratamento metafsico, entendido como a sua
parte formal e segundo o princpio de que o predicado
est contido no sujeito, quanto uma concepo episte-
molgica, derivada do pressuposto da comunho entre
alma e corpo. Assim, com a estipulao de leis para as
artes liberais, a esttica aspira orientar tudo o que se
organiza como belo pensamento:
25 Esttica, 423.
O nascimento da esttica 43

As leis da disciplina esttica se disseminam


por assim dizer, como estrelas-guia para as
artes especficas em todas as artes liberais,
e elas abrangem um mbito ainda mais am-
plo; elas se aplicam sempre que for melhor
conhecer algo de modo belo que feio, algo
para que no necessrio nenhum conheci-
mento cientfico. Por isso, essas leis podem
mais do que qualquer outra lei especfica rei-
vindicar serem conduzidas forma de uma
disciplina esttica. Pois elas so capazes,
com o tempo, de oferecer um sistema mais
completo para o conhecimento que ganha
expresso [exhibitura] do que as artes espe-
cficas que dele se deduzem. No se deve
esperar, portanto, em virtude da variedade
infinita, uma completude nas leis especfi-
cas, a no ser que se desa para a fonte da
beleza e do conhecimento, isto , para a es-
sncia natural de ambos, e se investiguem as
divises iniciais de ambos os conceitos, na
medida em que se obtm a diviso segundo
o princpio do terceiro excludo a partir de
uma oposio contraditria. Com isso, to-
davia, a disciplina esttica assume a forma
de uma cincia.26

26 Esttica, 71.
44 Uma nova cincia

A harmonia resulta no campo expressivo da adequa-


o entre partes, coordenadas segundo uma totalidade
perfeita ou imperfeita e cuja forma mltipla: ima-
gens, sons, signos, alegorias, metforas etc. A impor-
tncia da forma em que a representao ganha sentido
s se mostra na medida em que ela se subordina a uma
finalidade, mas ela , em ltima instncia, indiferente.
A precedncia da linguagem sobre as demais manifesta-
es sensveis se deve mais ao fato de que ela pode agru-
par em si um nmero maior de representaes confusas
e, portanto, ser mais determinada do que outras artes
(o nome seria, assim, a mais determinada das represen-
taes e a poesia, a mais perfeita), do que propriamente
uma decorrncia da superioridade do signo lingstico
sobre o signo imagtico ou mesmo sobre qualquer outra
expresso, seja ela artificial ou natural. Na verdade, o
signo um recurso do pensamento, mas no o nico
e talvez nem mesmo o predominante, uma vez que s
opera plenamente quando j tiver sido previamente ob-
tido um campo de claridade na alma capaz dar susten-
tao a ele. Assim, decisivo principalmente o modo
como uma percepo nova pode conferir significado a
percepes antigas, do que decorre uma teoria dos sig-
nos, mas sem que a mesma seja idntica ou substitutiva
de todas as outras cincias.
A characteristica a cincia dos signos ou semi-
tica. Ela parte de um princpio muito simples, que se
apia numa relao unidirecional entre signo [signum]
e designado [signatum]: o signo uma fonte de conhe-
O nascimento da esttica 45

cimento para a existncia do designado,27 de tal modo


que o designado algo que existe, sendo ou passado ou
presente ou futuro. Na verdade, h apenas transfern-
cia do designado para o signo e, de igual maneira, das
relaes contidas nos designados para as relaes entre
os signos. Essa crueza com que Baumgarten trata da
semitica, contudo, ganha uma outra dimenso quando
se pensa no fato de que a linguagem to somente um
instrumento para se referir ao conhecimento e no o
conhecimento ele mesmo. Para compreender a organi-
cidade do sistema, ser preciso conservar como pano de
fundo um esquema que est muito mais afinado com as
pretenses de uma filosofia que constri a partir de um
ncleo nico toda a estrutura do seu edifcio, do que a
delimitao geogrfica de reas do saber pela contrapo-
sio de seus contedos. Assim, a esttica permanecer
atrelada inspirao metafsica praticamente at o l-
timo momento de sua existncia.

27 Metafsica, 347.
O conhecimento sensvel

Que grande honra e, na verdade, que triunfo


significativo para aqueles sbios que no so
gemetras.

Baumgarten

Comunho de corpo e alma


A psicologia invoca o corpo como centro da alma
neste mundo. No um corpo qualquer, mas aquele que
est mais prximo da alma, isto , que responsvel
pelo maior nmero de modificaes 1 que ela capaz
de perceber. nisso que essa cincia, posposta on-
tologia e cosmologia no plano maior da metafsica,
diferencia-se daquelas que a ela estaro subordinadas
1 Metafsica, 508.

47
48 O conhecimento sensvel

as teologias, a lgica, a esttica e as cincias prticas 2


, pois ainda se recusa a passar para a considerao da
particularidade do fenmeno sensvel. Ela deve, assim,
tratar dos predicados universais da alma 3 , ou seja, o
modo como a alma afetada pelas percepes, o que
naturalmente exclui um tratamento do mundo externo
enquanto realidade autnoma, supostamente isolada da
interferncia da conscincia e dos rgos sensveis. Es-
tes ltimos, na verdade, mais do que um impedimento
ao conhecimento, so o termo mdio que torna possvel
a sua apreenso. justa aqui, no terreno da psicologia,
aquela afirmao empirista de que a alma no detm a
priori o conhecimento do mundo, mas o adquire apenas
medida que se relaciona com ele. Ora, a alma no en-
contra neste mundo um outro apoio seno o seu prprio
corpo e deve, portanto, aceit-lo como mediador nico
entre exterior e interior.
A psicologia opera, portanto, a partir de um prin-
cpio paradoxal: ela precisa afirmar a existncia de um
corpo, quando na verdade a alma s tem diante de si
modificaes, que certamente tambm so suas, mas
que dependem de uma realidade perceptiva para se efe-
tivarem.

Penso alguns corpos deste mundo e as suas


modificaes: de alguns menos, de outros

2 Metafsica, 502.
3 Metafsica, 501.
O nascimento da esttica 49

mais, e de um o maior nmero de modifi-


caes, e este ltimo uma parte de mim.
Portanto, o meu corpo aquele de que penso
mais modificaes do que de qualquer outro
corpo. 4

Assim, em primeiro lugar, temos modificaes que


esto to prximas da alma que ela as reconhece como
provenientes de um corpo que seu e, em segundo lugar,
modificaes que, mediadas por este corpo, se tornam
fonte para a afirmao de corpos alm dele. Ora, cer-
tamente o desenvolvimento de um teoria pautada pela
relao no exclui a possibilidade de estipular e coor-
denar corpos em vez de modificaes, desde que esses
corpos sejam, por assim dizer, tomados como substitu-
tos delas. A psicologia, na verdade, por entrar em um
mbito que se encontra sob os auspcios da comunho
de corpo e alma, isto , no terreno da experincia pro-
priamente dita, no poder se livrar de fazer essa subs-
tituio, apoiando-se na ontologia o que no deixa
de constituir uma fragilidade , para assegurar que os
corpos no sejam tomados como realidades externas.
Se para a cosmologia os nveis alma e corpo po-
dem ser relacionados apenas pelo recurso harmonia
preestabelecida, a psicologia, ao contrrio, opera sob
o registro da proximidade. Isto , espiritual e mate-
rial, essencialmente heterogneos entre si, apresentam-
4 Metafsica, 508.
50 O conhecimento sensvel

se agora como unidade, onde um no pode ser menci-


onado sem que imediatamente seja feita referncia ao
outro. Pensamentos, percepes, ideias: tudo isso
agora modificaes subordinadas ao referencial corp-
reo, as quais podem ser remetidas ao conceito de re-
presentao, termo este que no designa nem ideia nem
percepo, tampouco signo ou imagem, mas um dom-
nio que s pode ser compreendido como o do significado
e do sentido.
Nesse deslocamento para o mbito psicolgico no
podemos mais recorrer pura e simplesmente ao princ-
pio de que o predicado est contido no sujeito, pois a
alma s se conhece justamente quando e se faz afetada.
Toda uma srie de problemas decorrentes da comunho
de corpo e alma foraro agora as verdades do ser a
se adaptarem a uma nova configurao. sem dvida
notvel que o ltimo autor a defender na modernidade
a soberania da metafsica sobre as demais cincias te-
nha de fazer tantas concesses ao emprico. Mas no
seria esta justamente a etapa que faltava ao projeto ra-
cionalista, estender o seu alcance para a totalidade das
questes humanas? Baumgarten sempre soube o risco
que corria ao conduzir o seu sistema para o campo da
obscuridade. manifesto que a considerao do sen-
svel obriga o metafsico a dizer coisas que dificilmente
pode sustentar.
A relao entre sujeito e mundo, pelo menos no
campo da imediatez, isto , da interao entre aten-
o e percepo, que o domnio propriamente dito
O nascimento da esttica 51

da cincia do sensvel, nos obriga, por conseguinte, a


levantar a suspeita de que h, de fato, mais uma co-
munho do que uma separao entre os dois andares
do ser. Foi Descartes, alis, quem chamou a ateno
para o fato de que, na vida, a separao entre corpo e
alma se torna difusa e, talvez, insustentvel: no so-
mente estou alojado em meu corpo, como um piloto
em seu navio, mas que, alm disso, lhe estou conjugado
muito estreitamente e de tal modo confundido e mis-
turado, que componho com ele um nico todo.5 Sem
dvida, a psicologia, ao aproximar-se do sensvel, pre-
cisa incorporar elementos que pertencem ao domnio do
senso comum. Um cuidado necessrio todavia aqui,
para que a aproximao no resulte sem fundamento:
a alma no tem como renunciar presena deste corpo
no porque a sua essncia no seja independente dele,
e sim porque a alma carece do corpo para refletir e me-
ditar sobre si mesma e sobre o mundo. E, de um modo
geral, o pensamento s possvel num substrato sens-
vel. Coloca-se, portanto, certa unio de alma e corpo
que no plano ontolgico e cosmolgico no seria poss-
vel, porque ali eles permaneciam essncias que no se
comunicam e no estabelecem entre si relao de causa
e efeito.6 Por isso, os modos de explicao psicolgi-

5 Descartes, Meditaes Metafsicas, vi 24. Traduo de


Bento Prado Jnior. Coleo Os Pensadores. Abril Cultural,
So Paulo, 1973.
6 Assim como em Leibniz, Baumgarten tambm estipula a
incomunicabilidade das mnadas, mas reconhece a descrio fsica
52 O conhecimento sensvel

cos da comunho da alma humana com o seu corpo so


especiais 7 . Eles atendem necessidade de desdobrar
verdades transcendentais tambm no plano da intera-
o do pensamento com o emprico, sem a qual a filoso-
fia se tornaria apenas abstrata. claro, a psicologia
no obrigada a dizer que a alma afetada causalmente
pelo corpo, este equvoco do senso comum, ou mesmo
sustentar a existncia de objetos externos. A substncia
no , de modo algum, um elemento ou uma questo da
cincia psicolgica. Contudo, ao adotar o corpo como o
lugar pelo qual passam todas as realidades, ela se ver
na iminncia de aceitar certa prevalncia do corpreo
sobre o inteligvel.
Para Baumgarten, a alma , em conformidade com
o princpio da Monadologia de Leibniz, uma fora re-
presentativa [vis representativae].8 Mas, mais do que
isso, ela uma fora que representa o mundo segundo

como legtima no terreno de sua disciplina, que pressupe plena


comunicabilidade: A influncia real de uma substncia, que uma
parte do mundo, em uma outra parte do mundo, a influncia
fsica. Portanto, a influncia fsica universal a concordncia
universal de todas as substncias no mundo, a partir do que
uma influencia a outra de modo real; e quem afirma o mesmo
a respeito do mundo um influxionista universal. O modo de
explicao do mesmo o do influxo fsico universal. Ela no
suprime a concordncia universal das substncias no mundo [. . . ].
Metafsica, 329, aqui segundo a verso de Meier, traduzida para
o alemo entre os anos de 1755 e 59.
7 Metafsica, 564.
8 Metafsica, 516.
O nascimento da esttica 53

a posio de seu corpo,9 o que ao mesmo tempo esta-


belece o limite dessa fora representativa, ou seja, ela
no capaz de representar a totalidade do mundo, mas
apenas uma parte dele. Essa limitao, portanto, no
uma decorrncia direta da alma. O corpo pode adotar
apenas uma determinada posio dentro deste mundo
num momento determinado, o que faz com que a re-
presentao dele seja condicionada, em primeiro lugar,
por este referencial corpreo, que de um modo mais es-
pecfico se reduz aos rgos sensveis (viso, audio,
etc.) privilegiados na representao, mas tambm pela
capacidade limitada da alma em prestar ateno ao
contedo percebido:

[. . . ] tenho a faculdade de dirigir e afastar a


minha ateno de algo, mas finitamente, ou
seja, em ambos os casos apenas num certo
grau, mas no no mximo.10

Ora, se o contato com o mundo mediante a experi-


ncia envolve o corpo, podemos dizer o mesmo quando
passamos para o plano da imaginao [imaginatio]. 11
Persiste nela tambm o mesmo referencial, porque con-
tinua a mesma a origem dos dados. A limitao da
9 Metafsica, 513.
10 Metafsica, 529.
11 Baumgarten usa normalmente imaginao [imaginatio] e
fantasia [fantasia] como sinnimos, embora possa ser identificada
uma certa passividade associada imaginao.
54 O conhecimento sensvel

ateno pode, assim, reconstituir uma totalidade se-


gundo um certo foco, mas no segundo a totalidade da-
quilo que adquiriu pela experincia do mundo. Como
veremos, a imaginao, associada memria, torna-se
predominante em qualquer processo cognitivo, seja ele
interno, relacionando as percepes adquiridas, ou ex-
terno. O que importa, contudo, que a ateno funci-
ona como um divisor entre um campo de obscuridade
e um campo de claridade. Obscuro, portanto, no
necessariamente aquilo que no identifico, mas o que
desprezo quando me atenho a certos aspectos de uma
percepo.
A pergunta que norteia a psicologia a de como
pode ser conferido o mximo de claridade s percep-
es internas e externas. Para poder responder a essa
questo, preciso antes de tudo refazer o caminho que
faz da psicologia uma teoria do conhecimento.

Graus de conhecimento
Contra aqueles que vem nos sentidos a raiz de toda
a confuso que predomina no conhecimento humano,
Baumgarten se vale de um argumento que constrange
pela sua vocao empirista:

[. . . ] [a confuso] a condio sine qua non


para se descobrir a verdade, posto que a na-
tureza no efetua salto das trevas para a
O nascimento da esttica 55

luz. Da noite, atravs dos dedos rseos da


aurora, chega-se ao meio-dia; por esta ra-
zo, devemos nos ocupar da confuso, a fim
de que dela no provenham erros, como os
tantos que ocorrem e a que preo entre
os negligentes.12

Essas palavras, que se dirigem a possveis objees


nova disciplina da esttica, podem bem ser lidas como o
resultado da delimitao da cincia do sensvel que est
na base do projeto baumgartiano. Assim, a pressupo-
sio de uma origem sensorial do conhecimento seria
legtima apenas no domnio da esttica. Contudo, a
ausncia na Metafsica de uma exposio terica vol-
tada para as cincias da natureza, acessveis mediante
a anlise, deveria ser suficiente para lanar a suspeita
de que o posicionamento do ponto de partida na ca-
mada essencialmente confusa do conhecimento, isto ,
o contedo perceptivo, diz respeito unicamente a tudo
aquilo que de algum modo est submetido interao
entre corpo e alma.
necessrio, portanto, fazer um reajuste de pers-
pectiva. O famoso critrio baumgartiano da demarca-
o do conhecimento sensvel, de que ele est situado
abaixo do limiar da distino,13 tem sido interpretado
12 Esttica, 7. No era este afinal o argumento de Locke, de
apagar a diferena entre ideias racionais e sensveis, fazendo-as
remontar origem sensorial?
13 Esttica, 17.
56 O conhecimento sensvel

como uma referncia prematura separao entre cin-


cias da natureza e cincias humanas que proliferou no
cenrio acadmico a partir da segunda metade do sculo
xix. Essa facilitao pouco se presta, todavia, a esta
metafsica do belo, desde as primeiras pginas da Es-
ttica pretendida como belo conhecimento diferena
do belo sensvel, o qual consiste num mero subproduto
do primeiro. Como o termo distino designa no voca-
bulrio cartesiano a evidncia, isto , o estabelecimento
de um conhecimento que no admite contestao, um
atributo prprio s cincias redutveis a relaes ma-
temticas, julgou-se que Baumgarten situava a esttica
no campo do irracional, dada a natureza essencialmente
confusa do seu objeto.14
Ora, a proposta de uma cincia do sensvel nesse
momento seria de pouco valor se Baumgarten estivesse
apenas mais uma vez contrapondo o conhecimento trans-
cendental ao corpreo. Uma regra enunciada logo no
incio do captulo Psicologia revela rapidamente que
se est diante de um nova ordem, na qual reforado
o aspecto, por assim dizer, materialista da abordagem

14 A leitura que Bumler faz do empreendimento esttico, isto ,


de que ela tomou como verdadeiro justamente aquilo que se furta
a uma leitura quantitativa. Se, por um lado, justo o argumento
de que o contedo denominado irracional, de um ponto de vista
cartesiano, obrigou a filosofia do sculo xviii a se voltar ao sensvel,
por outro, deve-se atentar para o fato de que a tese da harmonia
preestabelecida sustenta a absoluta racionalidade do sensvel. Um
conhecimento permanece confuso apenas na medida em que no
foi descoberta a causa que permite distingui-lo de outros.
O nascimento da esttica 57

que ser peculiar esttica:

Da posio do meu corpo neste mundo pode


se conhecer porque me represento alguns cor-
pos mais obscuramente, alguns mais clara-
mente e ainda outros mais distintamente.15

No se trata, portanto, apenas de reorganizar o co-


nhecimento transcendental segundo a realidade senso-
rial, o que sempre poderia ser um recurso didtico para
enfatizar a dependncia em relao experincia. Essa
era, alis, a concesso que Leibniz tinha feito nos Novos
Ensaios ao empirismo de Locke.16 Bem diferente, toda-
via, esta afirmao de que os atributos que definem os
15 Metafsica, 375 (aqui segundo a traduo de Meier).
16 O que Tefilo diz a Filateto: As ideias intelectuais, que
constituem a fonte das verdades necessrias, no procedem dos
sentidos: vs mesmos reconheceis que existem verdades que so
devidas reflexo do esprito, quando este reflete sobre si mesmo.
De resto, verdade que o conhecimento expresso das verdades
posterior ao conhecimento expresso das ideias, como a natureza
das verdades depende da natureza das ideias, antes de formarmos
expressamente umas e outras; e as verdades em que entram as
ideias provenientes dos sentidos dependem dos sentidos, pelo me-
nos em parte. Contudo, as ideias que provm dos sentidos so
confusas, sendo-o tambm as verdades que deles dependem, ao
menos em parte; ao passo que as ideias intelectuais e as verdades
que delas dependem so distintas, sendo que nem as ideias nem
as verdades tm a sua origem nos sentidos, embora permanea
verdade que no seramos jamais capazes de pensar sem os sen-
tidos. Leibniz, Novos Ensaios sobre o Entendimento Humano.
Traduo de Traduo de Luiz Joo Barana. Coleo Pensadores.
Nova cultural, So Paulo, 1988, Livro I, 14.
58 O conhecimento sensvel

graus de evidncia de um conhecimento desde Descartes


sejam o resultado de uma mera relao material. Para o
cartesianismo essa delimitao s poderia ter um valor
negativo. A obscuridade e a confuso so ausncia de
conhecimento; conferir a elas o ponto de partida do co-
nhecimento seria subverter uma ordem que corresponde
prpria essncia do processo cognitivo.
A insistncia em tomar ideia e percepo, um imate-
rial e um material, como estgios diversos do processo
cognitivo, a despeito das diversas indicaes em con-
trrio que se encontram na filosofia leibniziana, torna
invivel a compreenso de que a cincia do sensvel nada
mais do que uma investigao do modo como as per-
cepes so organizadas no interior do corpo como re-
presentaes do mundo. Sim, do corpo, pois o sen-
sorial o referente da ideia, sem o qual ela no teria
realidade nem poderia ser pensada. Faz-se necessrio,
portanto, voltar s implicaes da filosofia leibniziana.
Os graus de evidncia com que a alma se apropria de
um contedo perceptivo depende inteiramente do po-
sicionamento dos rgos dos sentidos diante dos obje-
tos. Por esse motivo, um conhecimento sensvel fala-
cioso apenas porque o rgo do sentido, que opera aqui
como termo mdio, no foi convenientemente disposto.
A obscuridade vencida no numa luta da alma con-
sigo mesma. Em vo ela procurar encontrar a ideia
adequada a este ou aquele objeto. A alma afetada
pelo corpo e cabe a ela no organizar a razo, mas sim
os sentidos; to logo o termo mdio se posiciona ade-
O nascimento da esttica 59

quadamente a ideia se mostra em toda a sua evidncia.


Em Consideraes sobre o conhecimento, a verdade e
as ideias,17 ensaio de 1684, Leibniz apresenta de modo
bastante didtico um diagrama que estabelece os diver-
sos graus de conhecimento, assumindo como princpio
a capacidade de identificar as caractersticas que perfa-
zem o objeto conhecido:

Um conhecimento ou obscuro ou claro; o


conhecimento claro, por sua vez, confuso
ou distinto; o distinto ou inadequado ou
adequado e igualmente ou simblico ou in-
tuitivo. O conhecimento mais completo
aquele que ao mesmo tempo adequado e
intuitivo.18

Um modo de interpretar esse diagrama reside em di-


zer que todo conhecimento uma abstrao de uma per-
cepo ou de um conjunto de percepes inicialmente
obscuras e confusas. Assim, a obteno do conheci-
mento mais completo seria o resultado de um processo
analtico que, pela decomposio de uma totalidade es-
sencialmente complexa, permite chegar s suas menores
partes. Mas rapidamente se percebe a deficincia dessa
interpretao. Os graus de conhecimento apresentados
17 Meditationes de cognitione, veritate et ideis. In: Fnf
Schriften zur Logik und Metaphysik. Traduzido e editado por
Herbert Herring. Reclam, Stuttgart, 1987.
18 Idem, p. 9.
60 O conhecimento sensvel

nas Consideraes de Leibniz no so um guia para a


obteno de verdades adequadas e intuitivas, como se a
mera fragmentao de um contedo perceptivo pudesse
resultar na descoberta do elos que do sustentao ao
seu significado. Eles devem antes ser lidos como uma
diversidade cognitiva, cuja variao determinada pela
capacidade de reconhecer as caractersticas que diferen-
ciam um objeto de outro.
A obscuridade se mostra aqui, portanto, no como
um atributo do sensvel, mas to-somente do conhe-
cimento. Digo que algo obscuro quando no reco-
nheo um objeto colocado minha frente, mas tambm
quando no compreendo o significado de um conceito.
No o sensvel que nega faculdade cognitiva a cla-
reza e sim a incapacidade, pelo menos momentnea,
de distinguir na representao os seus aspectos carac-
tersticos, distino que determinada por um conheci-
mento prvio, sem o qual no seria possvel comparao
alguma. Nesse sentido, um conceito distinto como
aquele que os joalheiros possuem a respeito do ouro,
isto , o de diferenciar um objeto de outros a partir de
caractersticas e investigaes que sejam suficientes.19
No se trata, portanto, de conhecer a coisa em si, mas
apenas de saber quando uma caracterstica atende ao
propsito do conhecimento, que determinar suficien-
temente o objeto diferena de outros.20

19 Idem, p. 10.
20 Como compreender ento o seguinte julgamento de Kant?
O nascimento da esttica 61

A filosofia de Leibniz e de Wol indicou uma perspectiva to-


talmente errada a todas as investigaes acerca da natureza e
origem dos nossos conhecimentos, considerando apenas puramente
lgica a distino entre o sensvel e intelectual, porquanto esta
diferena , manifestamente, transcendental e no se refere to
s sua forma clara ou obscura, mas origem e contedo desses
conhecimentos. Assim, pela sensibilidade no conhecemos apenas
confusamente as coisas em si, porque no as conhecemos mesmo
de modo algum; e se abstrairmos da nossa constituio subjetiva,
no encontraremos nem poderemos encontrar em nenhuma parte
o objeto representado com as qualidades que lhe conferiu a intui-
o sensvel, porquanto essa mesma constituio subjetiva que
determina a forma do objeto enquanto fenmeno. Kant; Crtica
da Razo Pura (A 44). Kant reconhece bem que a diferena entre
conhecimento confuso e distinto apenas lgica, isto , refere-se
ao tipo de predicado. Mas embora seja correto dizer que para
Leibniz a sensibilidade limita a tomada de conscincia do con-
tedo sensorial, ele em nenhum momento se refere coisa em
si, mesmo porque no h propriamente um objeto em separado
dos outros, mas sim relaes que permitem se referir a algo como
um objeto segundo marcas distintivas, relao mediante a qual
a ideia se expressa (caeteris paribus). Foi, alis, nesse objeto
transcendental que Jacobi reconheceu o descaminho tomado pela
filosofia kantiana. Vejamos como o jovem Hegel interpretou esse
problema: Na tarefa de explicar a comunho da alma com o
corpo, Kant se deparou, com razo, com a dificuldade (no de
explicar, mas de conhecer) da pressuposta heterogeneidade da
alma e dos objetos dos sentidos externos; mas se se pensar que
ambas as espcies de objetivos no se distinguem uma da outra
internamente, mas apenas enquanto uma aparece externamente
com a outra, pois o que fundamenta a apario da matria, como
coisa em si mesma [an sich selbst], talvez no devesse ser to
heterogneo, ento desaparece a dificuldade e no permanece mais
nenhuma outra seno a de solucionar como em geral possvel
uma comunho de substncias (seria suprfluo tentar esconder
aqui a dificuldade) a qual, sem dvida, tambm se encontra
fora do conhecimento humano. V-se que, em virtude do amor
62 O conhecimento sensvel

Mas o que garante a clareza de um conhecimento,


se a distino j permite identificar os atributos que
caracterizam um objeto? Falta ao estgio da clareza
a generalidade do conhecimento distinto. Se encontro
em diversos objetos uma caracterstica A, ento esses
objetos se renem sob o mesmo signo que me permite
expressar a relao entre eles. Mas no foi dito o que
o objeto , mesmo porque, para alm da abstrao que
isola dele alguma caracterstica, ele no passa de um
contedo perceptivo que guarda na sua totalidade sem-
pre alguma confuso e obscuridade. A clareza pres-
supe que uma investigao mais detalhada do objeto
resulte na obteno de um sinal caracterstico a ele,
mas a o objeto j no mais a questo e sim apenas o
que a abstrao colheu dele. Disso resulta a dificuldade
de transmitir um conhecimento claro, porque sem as
marcas distintivas a clareza precisa pelo menos de um
referencial perceptivo:

Por isso tambm no podemos explicar aos


outros seno conduzindo-os diante do ob-
por uma humanidade e sua faculdade de conhecer, ocorre que
Kant honra to pouco o seu pensamento de que as substncias
talvez no sejam em si to heterogneas, mas apenas estejam no
fenmeno, e considera esse pensamento como uma mera ocorrn-
cia subjetiva de um talvez e no como um pensamento racional.
Hegel; F e Saber, p. 31. Leibniz resolve a questo da hetero-
geneidade do sensvel radicalizando-a de tal modo que o objeto
externo, seja ele apercebido confusa ou distintamente, permanece
definitivamente perdido para a conscincia, sendo indicado apenas
mediante representaes.
O nascimento da esttica 63

jeto presente, para que o vejam, cheirem ou


provem ou se pelo menos no os fizermos
recordar de uma percepo anterior seme-
lhante; embora seja certo que os conceitos
dessas qualidades so compostos e podem
ser decompostos, j que eles possuem suas
causas.21

H portanto um compromisso da clareza com a to-


talidade do objeto? Sim, porque a distino no traz
a compreenso total do objeto, mas apenas separa dele
algo com que a partir de ento capaz de se referir
a ele. A clareza , em sentido contrrio, o que deli-
mita o poder da abstrao, negando a esta a obteno
de uma definio nominal para objetos externos. Po-
demos acumular inmeros sinais distintivos sobre um
objeto externo, mas no chegaremos jamais s suas cau-
sas ltimas, porque a natureza desses objetos, tomados
em sua totalidade, permanece essencialmente confusa
quando queremos nos dirigir a eles. Da a insistncia
de Baumgarten em se referir aos objetos antes de tudo
como fenmenos ou percepes, porque o objeto cons-
trudo a partir da experincia caminha em direo
completude, completude que no , em ltima instn-
cia a do objeto, mas da totalidade perceptiva, mesmo
sabendo que lhe est de antemo vedado o acesso inte-
gral a ela.
21 Meditationes de cognitione, veritate et ideis. In: Fnf
Schriften zur Logik und Metaphysik.
64 O conhecimento sensvel

Sem dvida, o conhecimento mais elevado seria aquele


em que todas as caractersticas pudessem ser determi-
nadas, ou seja, do qual a definio coincidisse comple-
tamente com o objeto definido. Mas Leibniz bastante
taxativo sobre a vacuidade de tal pretenso:

Se tudo o que participa de um conhecimento


for conhecido distintamente, ou seja, se a
anlise for executada at o fim, ento o co-
nhecimento adequado; se os homens po-
dem fornecer um exemplo completo disso
algo que no sei, mas o seu conhecimento
dos nmeros se aproxima bastante disso.22

Ora, o impedimento consumao do processo ana-


ltico, quando aplicado a contedos sensoriais, reside
na sua divisibilidade ao infinito. Os estgios do co-
nhecimento, como se v, mais do que resultado de um
processo de apropriao do sensvel pela cognio, es-
tabelecem em que grau foi aferido quantos elementos
caractersticos compem o objeto conhecido. Precisa-
mos, portanto, saber agora porque, a despeito de tudo
o que foi falado, ainda necessrio conservar certa hie-
rarquia entre conhecimento racional e sensvel.

22 Idem, p. 11.
O nascimento da esttica 65

Faculdade cognitiva superior e inferior


Tendo sido afastada a possibilidade de se alcanar
completamente uma totalidade sensorial, seja ela co-
locada como objeto ou como outra qualquer unidade
externa, mediante a aplicao da anlise a contedos
perceptivos, ademais invalidada j pelo aspecto feno-
mnico do sensvel, pode-se compreender a necessidade
de uma cincia que trate dos objetos antes que se fa-
am acompanhar da distino. Essa cincia assume que
a clareza, que quando tornada distinta ressaltada em
apenas um de seus aspectos, tambm pode ser avaliada
justamente pela amplitude com que se apropria de um
objeto. Ou seja, assim como a escolha de um aspecto
um conhecimento, a despeito de ignorar todas as outras
caractersticas que compem o objeto, tambm a aper-
cepo23 que compreende, pela sensibilidade, o maior
nmero de aspectos, ainda que confusos, de um objeto
um conhecimento. o que Baumgarten denomina de
clareza extensiva por oposio clareza intensiva, a
qual inerente abstrao da anlise. A clareza ex-
tensiva me permite reconhecer uma msica diferena
de um acorde, uma pintura sem identificar o trao do
pintor, um homem a despeito de sua profisso ou ainda,
segundo o famoso exemplo dos Novos ensaios sobre o
entendimento humano de Leibniz, o marulho do mar

23 A apercepo um conceito leibniziano que serve para


diferenciar uma percepo consciente de uma inconsciente.
66 O conhecimento sensvel

sem a apercepo isolada de cada uma das ondas que o


compem.
O que h de comum entre essas duas formas de co-
nhecimento claro? Elas privilegiam abordagens dife-
rentes de um mesmo objeto, segundo duas faculdades
cognitivas diversas:

A minha alma conhece algumas coisas obs-


curamente, outras confusamente. Quando
ela conhece, sob as mesmas condies, que
uma coisa diferente de outra, ela percebe
mais do que quando ela conhece mas no
distingue. Portanto, sob as mesmas condi-
es um conhecimento claro maior do que
um obscuro. Pela mesma razo, a confu-
so menor ou inferior, a distino maior
ou superior. Por isso, a faculdade de conhe-
cer algo obscura, confusa e indistintamente
chamada de faculdade cognitiva inferior.24

Conhecer algo distintamente, ou seja, reuni-lo sob


uma caracterstica distintiva, resulta, ao contrrio, de
uma faculdade cognitiva superior.25 Mas essas formas
de conhecimento so apenas usos diversos do entendi-
24Metafsica, 520.
25A minha alma conhece algumas coisas distintamente. Por-
tanto, ela tem uma faculdade de conhecimento distinto, isto , o
entendimento, e que denominada de faculdade cognitiva supe-
rior. Metafsica, 462 (aqui segundo a traduo de Meier).
O nascimento da esttica 67

mento quando tomado em seu sentido amplo [intellec-


tum latius dictum].
O que est em jogo aqui? Que a tomada de conscin-
cia irremediavelmente nos conduz a escolhas de conte-
dos perceptivos em detrimento de outros. Como qual-
quer percepo se divide em partes menores ao infinito,
cujo detalhe escapa naturalmente ao poder de foco da
ateno humana, o ato de aperceber-se necessaria-
mente uma restrio. Baumgarten denomina os con-
tedos enfatizados de predominantes; as caractersticas
no enfatizadas, de secundrias. Disso se pode concluir
que toda tomada de conscincia parcialmente confusa
e parcialmente clara. E que toda a percepo tem um
pano de fundo obscuro. Na verdade, as representaes
so criadas justamente de modo a enfatizarem certos
aspectos das percepes.

Concentro a minha ateno naquilo que per-


cebo de modo mais claro que o resto; des-
vio a minha ateno daquilo que percebo
de modo mais obscuro que o resto. Possuo,
pois, a faculdade de fixar ou atenuar a mi-
nha ateno, mas cada uma destas faculda-
des finita. Desta forma, disponho de uma
e de outra em certo grau, mas no no mais
alto. Quanto maior for a subtrao operada
sobre uma quantidade finita, tanto menor
o resto. Quanto mais eu concentro mi-
nha ateno sobre uma coisa, menos posso
68 O conhecimento sensvel

concentr-la no resto. Das duas percepes


portanto a mais forte que, ocupando ex-
clusivamente a minha ateno, obscurece a
mais fraca ou ento impede a ateno de se
afastar da mais fraca.26

Salta aos olhos nessa passagem a possibilidade de


que Baumgarten esteja nivelando as faculdades cogni-
tivas inferior e superior a um mesmo denominador co-
mum, pois reduz os dois tipos de conhecimentos claros,
um confuso e outro distinto, a direes ou aplicaes
diferentes da ateno. Por um lado, a ateno ajusta o
seu foco num certo detalhe, por outro, procura abran-
ger um conjunto ou uma totalidade. Ambos os focos
so determinados pelo significado, e como um detalhe
ou um conjunto no so grandezas mensurveis, mas
sempre um recorte diante de todo um universo con-
tido numa s percepo, a dissoluo entre o distinto
e o confuso se torna iminente. Se concordarmos com
isso, a epistemologia baumgartiana nos conduzir no
s concluso de qualquer cincia emprica pode dizer
pouco sobre o seu objeto, como queria Hume, mas, por
decorrncia, que tambm no h hierarquia, por exem-
plo, entre esttica e fsica, ou entre esttica e lgica,
j que so sempre reas de saber compreendidas pela
psicologia.

26 Metafsica, 529.
O nascimento da esttica 69

H, portanto, duas maneiras de delimitar uma per-


cepo: mediante as faculdades cognitivas superiores e
mediante as inferiores. Em ambas alcana-se clareza, o
que significa que se abarca a totalidade do seu signifi-
cado. Leibniz nos apresenta isso de modo sucinto:

S quando o nosso conhecimento claro nas


noes confusas, ou intuitivo nas distintas
que nele vemos inteiramente a ideia.27

Ora, no que aqui a opo pelo dualismo alma


e corpo redunde no carter representativo do referente
sensorial, o que poderia conduzir novamente a uma po-
larizao sujeito e objeto, a qual justamente a tese da
harmonia preestabelecida tinha por fim dissolver. No
se trata da separao de duas realidades isoladas cada
uma em seu mbito, como no cartesianismo, mas a si-
multaneidade de dois indicadores existenciais completa-
mente heterogneos. Trata-se de uma necessidade im-
posta pela situao mondica desse homem que, como
diria Plato, est imerso em dois mundos unidos apenas
pela relao de modelo e cpia, de ideia imperceptvel
e percepo impensvel.
Resta ainda uma ltima dificuldade. Corresponde
a faculdade cognitiva inferior, quilo que Leibniz deno-
mina de instinto?
27 O grifo nosso. Leibniz, Discurso de Metafsica. Traduo
de Marilena de Souza Chau. In: Coleo Pensadores, p. 141.
Editora Abril, So Paulo, 1983.
70 O conhecimento sensvel

Existem, portanto, em ns verdades de ins-


tinto, que constituem princpios inatos, que
sentimos e aprovamos, embora no tenha-
mos a demonstrao deles, prova que obte-
mos quando procuramos a razo deste ins-
tinto. Assim que utilizamos as leis das
conseqncias segundo um conhecimento con-
fuso e como por instinto, porm os mes-
tres da lgica demonstram a razo delas, da
mesma forma como os matemticos do a
razo daquilo que fazemos sem pensar, ao
andarmos e pularmos.28

Aparentemente no h uma resposta definitiva a


essa questo. Como esto no domnio da imediatez
do sensvel, ao contrrio do conhecimento mediado da
razo, os dados sensoriais dependem, sem dvida, em
maior grau do determinante fisiolgico dos rgos sen-
sveis e a indicao de Baumgarten para a sade dos
mesmos permite a aproximao. Contudo, no se deve
entender imediatez aqui como correlato de inconsci-
ente, para usar um termo anacrnico pelo menos no
domnio da psicologia, j que a cincia do sensvel se
ocupa apenas daqueles contedos sobre os quais pos-
svel voltar a ateno e a atividade consciente do indi-
vduo.
28 Novos ensaios sobre o entendimento humano. Coleo
Pensadores. Traduo de Luiz Joo Barana. Nova Cultural, So
Paulo, 1988 ( Livro I, Cap. ii, p. 45).
O nascimento da esttica 71

Representao do mundo
Como interpretar, portanto, a afirmao central da
psicologia baumgartiana de que todo conhecimento
uma abstrao, portanto uma perda da totalidade do
mundo contida em cada uma das percepes? Leibniz
tinha enunciado na sua Monadologia que

a alma no pode ler nela prpria seno o que


lhe representado distintamente, ela no
poderia desdobrar instantaneamente todos
os seus recnditos, porque se estendem ao
infinito.29

Mas isso no deve ser interpretado do ponto de vista


cosmolgico, da correlao entre as percepes de todas
as mnadas no plenum, que assunto da segunda parte
da Metafsica. A limitao da alma em representar o
universo se deve no ao fato de que ela o representa de
uma certa perspectiva, pois essa perspectiva compre-
ende em si mesma a sua totalidade. Se alma fosse
permitido fazer coincidir completamente a representa-
o com o pano de fundo perceptivo, ela obteria si-
multaneamente uma viso da totalidade do universo, o
que interdito a ela em virtude da natureza dos rgos
sensveis.
Assim, preciso manter em mente que uma per-
cepo essencialmente confusa no apenas porque ela
29 Leibniz, Monadologia, 61.
72 O conhecimento sensvel

se divide ao infinito, e sim porque a alma s pode se


relacionar com ela segundo a dimenso do sentido [sen-
sus]. No h harmonia a priori entre os fenmenos e os
rgos dos sentidos, a no ser que se recorra harmo-
nia de Deus, o sempre ciente da finalidade do arranjo
perceptivo, um recurso ontolgico que s pode vir em
auxlio como promessa de adequao possvel entre eles.
Alis, para evitar uma adeso ao senso comum, que
afirma a imediata correspondncia entre objeto e per-
cepo, legitimada agora pela harmonia divina, que a
psicologia se v obrigada a refazer os caminhos pelos
quais as percepes passam a se constituir em repre-
sentaes do mundo. Mais do que isso, a abstrao
decorrente da anlise, que permite isolar relaes en-
tre percepes, relaes de diferena e igualdade, bem
entendido, e que o empirismo posterior ensinou a in-
terpretar como fundamento da expectativa de que as
mesmas se reproduzam em relaes de fenmenos se-
melhantes futuros, j aparece aqui como negatividade
que se distancia simultaneamente da origem perceptiva
e da representao do objeto. Se legtimo esperar que
haja uma adequao entre o percebido e o fenmeno,
isso s ocorre porque a conscincia se apropriou paulati-
namente dos contedos sensveis de modo a construir a
possibilidade da adequao. A orientao da cincia do
sensvel est, sem dvida, calcada nessa expectativa,
mas deve ao mesmo tempo renunciar ao seu recurso,
posto que precisa legitimar a adequao justamente na
apresentao da passagem de uma obscuridade origin-
O nascimento da esttica 73

ria para a clareza de uma conscincia que solicitada a


representar o mundo.
O grau de evidncia de uma representao corres-
ponde portanto precisa disposio do corpo em rela-
o aos demais corpos, de um corpo que, por no po-
der ser subtrado do processo perceptivo, o que est
mais prximo da conscincia, abrindo para ela as portas
para a percepo dos demais corpos que constituem esse
mundo. Como vimos, ele tambm a fonte do maior n-
mero de modificaes que chegam alma. Por modular
as percepes provenientes do exterior, esse corpo con-
fere a elas um significado justamente por ser um ponto
de apoio para a alma no universo sensorial. A alma
no pode passar diretamente para os corpos exteriores,
como se pudesse apropriar-se deles com um nico golpe
de vista. Mas a natureza mediadora deste corpo tam-
bm no deve ser compreendida como a transio de
um material para um imaterial, de um contedo per-
ceptivo para um inteligvel, uma abordagem que soa
demasiado cartesiana. H mais propriamente uma pas-
sagem de uma percepo para outra, a primeira dos
objetos do mundo entre si e a segunda desses objetos
em relao ao corpo.

A minha alma uma fora que representa o


universo segundo a posio do seu corpo.30

30 Metafsica, 513.
74 O conhecimento sensvel

A percepo do universo rene sob si esses dois as-


pectos simultaneamente, e se certamente h uma per-
cepo interna diferena de outra externa, isto , uma
percepo do prprio corpo consigo mesmo e a percep-
o dele conectado a outros corpos, em sua imediatez
essas percepes so indiscernveis.31
Se as percepes se organizassem apenas pela cor-
relao entre os estados de mundo correspondentes a
cada uma das mnadas, estados desde sempre redut-
veis a relaes matemticas, o universo perderia a sua
natureza orgnica e alma estaria interdita a compre-
enso deste mesmo universo, posto que as percepes
seriam em si mesmas representativas dele, mas um caos
sensorial para a conscincia que em vo tentaria ajus-
tar o seu foco sobre elas. Assim, para que o significado
de representao encontre aqui a sua justa medida,
necessrio assumir que o fato do corpo ser constante-
mente afetado pelos objetos exteriores ou interiores que
torna a mnada um representante factual do universo.

As representaes de meu estado presente


ou as sensaes (aparies) so representa-
es do estado presente do mundo. Por-
tanto, a minha sensao se torna atuante
31 Bergson saber condensar essa verdade na seguinte orao:
Toda imagem interior a certas imagens e exterior a outras;
mas do conjunto das imagens no possvel dizer que ele nos
seja interior ou que nos seja exterior, j que a interioridade e a
exterioridade no so mais que relaes entre imagens. Bergson,
H. Matria e Memria. Martins Fontes, So Paulo, 1999, p. 21.
O nascimento da esttica 75

graas fora representativa da alma se-


gundo a posio do meu corpo. 32

Estaria desse modo superado o mecanicismo? Ora,


era justamente esse o sentido do cuidado de Leibniz em
diferenciar na Monadologia a mquina divina da m-
quina humana.33 O homem no deve pensar o mundo
como uma mquina seno como uma exigncia da har-
monia cosmolgica; ao contrrio, quando aplicado
compreenso dos fenmenos, o modelo da mquina cria
a iluso de uma compreenso completa da realidade, o
que tampouco uma descrio epistemolgica quanto um
lei da fsica podem garantir.

32 Metafsica, 534.
33 Assim, cada corpo orgnico de um vivente uma espcie
de mquina divina, ou de um autmato natural, que ultrapassa
infinitamente todos os autmatos artificiais porque uma mquina
feita pela arte do homem no mquina em cada uma de suas
partes. Por exemplo: o dente de uma roda de lato tem partes
ou fragmentos que j no nos so algo de artificial e no contm
mais nada que indique da mquina relativamente ao uso a que
a roda era destinada. Mas as mquinas da natureza, isto , os
corpos vivos, so ainda mquinas nas suas menores partes, at o
infinito. isso que faz a diferena entre a natureza e a arte, isto
, entre a arte divina e a nossa. Monadologia, 64.
A expresso do belo

A natureza eficiente pelos sentidos e paixes.


Como poder ainda perceber aquele que mutila
os seus instrumentos? Por acaso, msculos
entrevados incitam ao movimento?

Hamann

A constituio do campo de claridade


O que podemos concluir do que foi dito at agora?
No suficiente recorrer aqui quela duplicidade leibni-
ziana entre o andar da alma e do corpo, segundo a qual a
presena de uma percepo, um atributo corpreo, faz-
se acompanhar simultaneamente de uma ideia imate-
rial, j que cada sensao dotada de significado, ainda
que ele seja confuso. Essa verdade metafsica pouco
pode ajudar quando se trata de determinar como a

77
78 A expresso do belo

alma alcana um conhecimento claro dos objetos exter-


nos.A peculiaridade da filosofia leibniziana justamente
situar o problema no lado do corpo, compreendido ba-
sicamente como uma sucesso de percepes. Assim,
ela assume um compromisso maior com o conhecimento
sensvel do que o mero reconhecimento da dependncia
entre ideia e percepo e se permite descer at o andar
inferior das faculdades cognitivas, sem o receio de que a
sua obscuridade e confuso interfira na constituio de
um conhecimento verdadeiro e claro. Na verdade, ela
procura evidenciar um aspecto do conhecimento mui-
tas vezes ignorado pela elevada considerao filosfica,
isto , de que todo o conhecimento sobre o mundo, seja
ele claro ou inclusive distinto, depende da posio dos
rgos dos sentidos diante dos objetos.
Como vimos, a esttica estipulada por Baumgar-
ten como o domnio do conhecimento sensvel, aquele
que se encontra situado abaixo do limiar da distino.
A expresso denuncia aqui, sem dvida, uma submisso
ao vocabulrio prprio ao racionalismo, mas prope ao
mesmo tempo uma nova ordem no arranjo dos concei-
tos. Pois no se trata apenas de abrir espao para a
veracidade do contedo sensorial, e sim refazer o cami-
nho a partir dele. Baumgarten se vale de uma peculi-
aridade da correspondncia analgica entre o andar do
corpo e da alma, a qual permite afirmar a simultanei-
dade das duas realidades essencialmente independentes,
mas tambm traz tona a necessidade da organizao
do contedo sensorial para que a ideia possa se manifes-
O nascimento da esttica 79

tar em sua clareza. Seria um contrassenso exigir que a


ideia fosse primeiro construda para que da resultasse,
por decorrncia, uma compreenso do sensvel.
correto dizer que uma percepo presente se torna
clara na medida em que ela pode ser comparada com
percepes passadas. A clareza nasce da relao en-
tre diversas percepes e no simplesmente da percep-
o presente de um objeto. Uma sensao imediata do
objeto, quando retomada diversas vezes, mais do que
conferir clareza percepo, a priva dela, pois a di-
ferena e no a igualdade entre percepes que torna o
conhecimento claro. Por conseguinte, para que o conhe-
cimento de um objeto cresa, algum aspecto novo deve
ser introduzido, que torne a sua representao ou ideia
mais completa. Quando repetimos diversas vezes a ex-
perincia de um objeto no para fix-lo na memria,
mas para aumentar o nmero de diferenas em relao a
outros objetos, semelhantes ou no, anteriormente per-
cebidos, renovando assim a clareza da percepo. Cada
aspecto novo percebido , por assim dizer, como um fs-
foro que, uma vez riscado, j no se mostra mais apto
para acender novamente a chama da conscincia. ,
portanto, a novidade [novitatis] o atributo da clareza e
no a atualidade de uma sensao. Por isso, o contedo
da imaginao [phantasia] pode ser mais claro do que
uma sensao, e talvez isso seja mesmo uma regra, uma
vez que s um novo contedo ressaltado na sensao
atual, completando as conexes que constituem a ideia
do objeto, construdo no domnio da imaginao.
80 A expresso do belo

A imaginao e a sensao representam coi-


sas singulares deste mundo, portanto coi-
sas que se encontram numa conexo univer-
sal. Disso se segue a lei da imaginao: ao
perceber-se uma ideia parcialmente, retorna
a percepo do todo.1

As percepes organizam-se pela ideia, seja externa


ou internamente, mas de tal modo que a ideia s se
completa quando a srie das percepes que a consti-
tuem so completamente varridas pela conscincia, o
que, sempre necessrio recordar, no possvel no
caso do conhecimento sensvel.
O belo pensamento tem como finalidade tornar o
reino das trevas [renum tenebrarum] em reino da luz
[renum lucis], o que significa, em outras palavras, do-
tar as percepes presentes da luminosidade prpria
conscincia. Sem dvida, o mero ato de iluminar uma
percepo se reduz ao ajuste conveniente entre rgo
do sentido e objeto, que por si s fornece como produto
uma representao clara. A contraposio entre reino
das trevas e reino de luz no , portanto, disjuntiva:
ou reino das trevas ou reino da luz. Baumgarten em-
presta uma concepo bastante particular ao princpio
cabalista de que no h luz sem trevas. A metfora do
olhar, que to adequada para descrever a interao
entre a ateno e a posio dos rgos dos sentidos
1 Metafsica, 561.
O nascimento da esttica 81

medida que olho para uma determinada coisa, deixo


de olhar todas as outras , no , contudo, o nico
aspecto e nem mesmo o de maior participao na medi-
ao entre a luz e as trevas do conhecimento. Pois uma
determinada ateno no dotada de clareza extensiva
apenas mediante o foco instintivo com que suscita uma
determinada ideia. A sua clareza maior se forem ati-
vados os nexos entre essa ateno presente e percepes
passadas semelhantes. Uma vez que no jamais intei-
ramente consciente (apercebida), essa relao unifica o
obscuro com o claro:

Como os sentidos representam coisas singu-


lares deste mundo, ou seja, coisas inteira-
mente determinadas, tal como elas so e nos
seus nexos universais, mas os nexos, princi-
palmente aqueles que produzem as relaes,
no poderiam ser representados sem ambas
as coisas relacionadas, ento em cada sensa-
o representado aquilo que est relacio-
nado, enquanto singular, ao que foi sentido,
e no de modo claro mas obscuro, e na ver-
dade na maioria das vezes assim.2

A expresso do conhecimento sensvel ocorre, por-


tanto, segundo um vnculo que envolve a totalidade do
indivduo. Importa portanto saber qual o valor de um
conhecimento que se materializa na exterioridade.
2 Metafsica, 544.
82 A expresso do belo

As leis do conhecimento sensvel


As faculdades do conhecimento esto de tal modo
imbricadas umas nas outras, que a sua decomposio
s pode ocorrer de maneira algo construda, da mesma
maneira que h uma metafsica artificial diferena
de uma metafsica natural. O homem inteiro certa-
mente no se sente instado a separ-las, j que na lide
com as ocupaes ordinrias recorre a elas como uma
totalidade indivisa. Ele s pode faz-lo dentro de uma
ordem que progride a partir das caractersticas mais
essenciais da alma. Baumgarten soube apresentar as
faculdades de tal maneira que elas se mostram distan-
tes de sua existncia particular. H leis universais para
cada uma das faculdades cognitivas, leis que quando ob-
servadas mais de perto demarcam apenas o limite mais
externo das possibilidades que se abrem ao homem em
sua finitude. O ponto de partida a lei da sensao,
que nos diz que assim como os estados do mundo e o
meu estado se sucedem uns aos outros, igualmente as
representaes atuais dos mesmos se sucedem umas s
outras.3 O plano da sensao, o reino perceptivo, se
confunde com a prpria existncia, no havendo nada
para alm ou aqum dela (isto , h apenas a morte,
que o momento em que a sensao deixa de represen-
tar o seu estado presente, passado e futuro).4 Mesmo

3 Metafsica, 541.
4 Metafsica, 780.
O nascimento da esttica 83

quando a sensao se desdobra em imaginao, ela ape-


nas recupera os estados externos e internos de que um
dia fez experincia. O mesmo ocorre com a perspiccia
(o engenho acurado [acutum ingenium]), a memria, a
faculdade de compor, o juzo, a faculdade de prever e de
designar, que por serem faculdades inferiores podem ser
pensadas apenas enquanto articulaes do pensamento,
isto , segundo a perspectiva da metafsica, que assinala
as suas possibilidades com a absoluta generalidade que
lhe peculiar. Assim, a perspiccia a faculdade de
perceber as diferenas entre as coisas, de modo que
quanto mais diferenas forem observadas, tanto maior
ser o conhecimento que se obtm das coisas. Ela a
soma da lei da identidade e da diferena:

Quando representada uma caracterstica


de A simultaneamente como caracterstica
de B, ento A e B so representados como
coincidentes. [. . . ] Quando uma caracters-
tica de A representada como contraditria
a B, ento A e B so percebidos como di-
versos.5

A memria, por sua vez, segue seguinte lei:

Quando vrias representaes sucessivas so


reportadas at a representao presente e,
5 Metafsica, 574.
84 A expresso do belo

na verdade, representaes que tm pelo me-


nos uma parte em comum, ento a parte
comum representada como contida nas re-
presentaes precedentes e subseqentes. Nesse
sentido, a memria posta em atividade
pela fora da alma de representar a si o
mundo.6

A recordao , portanto, algo inerente a qualquer


percepo, pois to logo se ajusta o foco sobre ela, todas
as outras que lhe esto associadas, passadas ou futuras,
fornecem o apoio necessrio para o seu sentido. claro
que a memria no indica que todas as representaes
associadas retornam como presenas perceptivas, o que
seria impossvel, mas apenas que o seu vnculo recu-
perado.
A faculdade de compor um outro exemplo de como
Baumgarten reduz aspectos da atividade artstica a ca-
pacidades humanas, estendendo-as at o limite de sua
generalidade.

A regra da faculdade de compor : as par-


tes de imaginaes diversas so percebidas
como um todo nico. As percepes que
surgem disso so denominadas coisas feitas
e formadas [fictiones et figmenta] e as fal-

6 Metafsica, 580.
O nascimento da esttica 85

sas dentre elas de quimeras ou imaginaes


vs.7

Compor no s compor poeticamente, mas princi-


palmente reunir, pela imaginao e memria, quaisquer
contedos de modo que deles resulte algo ao mesmo
tempo singular e efetivo [individuum et actuale]. Ora,
a rigor, isso s alcanado pela verdadeira arte, a qual
obedece quela regra da unidade na multiplicidade.
Todos os outros esforos de composio se medem, por-
tanto, pela perfeio potica, sempre guardando em
relao a ela certa incompletude.
importante tambm observar que esse procedi-
mento metafsico de decomposio das faculdades est
longe de se equiparar abstrao inerente ao exerccio
das faculdades cognitivas. A autonomia dos princpios
universais decorre da sua subordinao ao princpio pri-
meiro ou princpio de razo, que garante a totalidade
da metafsica e a necessidade absoluta de suas partes,
ao passo que o emprego das faculdades ocorre na par-
cialidade com que a ateno pode se debruar sobre os
fenmenos. Todas as faculdades cognitivas em conjunto
esgotam as possibilidades de associao de ideias ou re-
presentaes sensveis, fornecendo por decorrncia um
quadro do que o propriamente humano. Por um lado,
h algum sentido em afirmar que so limitadas, pois
como variantes da ateno elas s podem perdurar na-
7 Metafsica, 590.
86 A expresso do belo

quele instante em que reconhecem um aspecto novo e o


somam s representaes anteriores. O conhecimento se
coloca assim como um ato acumulativo, que progressi-
vamente se dirige em relao totalidade externa, como
que querendo faz-la coincidir com a interna. Desde,
claro, que tenha sido construda previamente uma certa
harmonia interna, a qual s pode ser criada pelo inter-
curso da ateno e da experincia.

Figuras e argumentos
Com base no que dissemos anteriormente, a relao
de um artista com a sua obra avaliada pelo modo com
que desdobra um tema no espao e no tempo. A sua
arte reside em delimitar de tal maneira o complexo de
circunstncias que compe o exrdio, que o desenro-
lar do argumento se mostra na trama como a sua con-
seqncia necessria. No que no haja contingncia,
eventos que seriam por assim dizer desnecessrios e que
esto presentes como um adorno [fucus] a que no se
presta muita ateno. Eles so obscurecidos pelo ar-
gumento central na mesma razo com que a ateno
separa algumas percepes das demais para obter foco
e clareza.8 Ora, o artista se orienta pelo mesmo cri-
8 Uma percepo que contm alm das caractersticas a que
dou mais ateno tambm outras caractersticas menos claras
uma percepo complexa. A totalidade das caractersticas
da percepo complexa a que dou mais ateno a percepo
O nascimento da esttica 87

trio do homem comum: representar, a partir da ex-


perincia, a ordem dos eventos para alm do momento
presente. Se quiser escapar a um estado de absoluta in-
determinao, ele precisa ter uma finalidade em vista.
Na verdade, tanto a vida como a arte so feitas de ar-
gumentos, de percepes que sobressaem sobre todas as
outras e que compem o sentido da prpria existncia
em cada um dos seus diferentes momentos:

medida que uma percepo uma causa


determinante, ela um argumento. Exis-
tem, portanto, argumentos que locupletam,
argumentos que enobrecem, argumentos que
louvam, argumentos que do vida e movi-
mento [. . . ].9

Uma percepo que preenche a ateno um pen-


samento, uma modificao da alma que no pode ser
apreendida isoladamente, pois no mesmo momento a
exorta a relacion-la com o passado e o futuro simul-
taneamente. Quando uma percepo um argumento,
ela faz referncia ao tema direta ou indiretamente, mas
sempre por comparao. A conjuno da ateno com
a percepo denominada de reflexo:

principal, e a totalidade das caractersticas menos claras uma


percepo acessria (secundria). Disso se segue que a percepo
complexa a totalidade das percepes principais e acessrias
(Metafsica, 530).
9 Esttica, 26.
88 A expresso do belo

A reflexo a ateno quando dirigida su-


cessivamente para as partes de uma percep-
o. E a ateno ao todo depois da reflexo
a comparao. Reflito, comparo.10

Para Baumgarten, o melhor modo de compreender


essa dependncia entre a percepo atual e as demais
dado pelas figuras da retrica. Pois a relao entre um
argumento e as demais percepes assume basicamente
a forma de uma comparao simples ou ainda de uma
metonmia ou metalepse, na qual da causa j se pode
concluir as conseqncias ou vice-versa,

porque substitui as percepes associadas,


das quais num determinado momento ou am-
bas foram um sentimento ou uma foi uma
imagem de um estado passado e a outra um
sentimento, ou mesmo uma um sentimento
e a outra uma previso de um estado fu-
turo.11

A natureza das percepes que servem de ponto de


apoio sentimentos, sensaes, imagens, figuras, signos
no principalmente o que importa. O fundamental
que elas se articulem ao argumento, que agindo como
um foco centralizador as subordina a si. Por isso, a
mera meno a um sentimento ou imagem suficiente
10 Metafsica, 626.
11 Esttica, 796.
O nascimento da esttica 89

para arrebatar o esprito e lev-lo com mais intensidade


a uma situao que no momento em que foi vivida no
tinha a mesma fora.
Baumgarten consegue assim conservar a exigncia
de unidade essencialmente complexa para a arte sem
sacrificar a comparao, que coloca em igual condies o
conhecimento artstico e o conhecimento sensvel como
um todo. O artista, sem dvida, deve fornecer uma
obra que conduza o espectador pela mo ao tema, mas
isso no exclui que a experincia do mesmo, quanto
mais harmoniosa for, resulte numa fruio ainda mais
completa da obra.

xtase e subjetividade
H um grau singular de clareza em que a preva-
lncia das percepes claras sobre as obscuras obedece
a um equilbrio tal, que ao sujeito ainda possvel re-
conhecer, pela aplicao da ateno, em que medida
ele est separado por contigidade do mundo. Mas se
alguma das percepes se torna to viva que as ou-
tras so visivelmente obscurecidas, ento ele sai fora
de si 12 e se esquece da sua prpria subjetividade, que
no nada mais do que a capacidade de medir o seu
corpo em relao aos outros corpos. Esse estado que
foi to valorizado posteriormente por autores como o

12 Metafsica, 552.
90 A expresso do belo

jovem Goethe e Moritz o do xtase. Nele, as sen-


saes internas se agitam de tal maneira que no h
mais passado ou futuro, suspensa a reflexo sobre o
que estava antes ou vir depois. A violncia desse ar-
rebatamento produz por vezes conhecimentos que num
estado de equilbrio no poderiam jamais ser alcana-
dos:

Os psiclogos sabem que, sob a influncia


de tal entusiasmo, a alma inteira intensi-
fica as suas foras e que, por assim dizer, o
fundo da alma elevado como um todo e
tomado por uma respirao mais profunda;
e que ela ento fornece o que esquecemos
ou ainda no experimentamos, e o que apa-
rentemente jamais seramos capazes de pre-
ver.13

A experincia exttica conduz aniquilao mo-


mentnea da percepo do Eu, mas ao contrrio da-
quele estado de ataraxia preceituado pelos esticos, ela
no se d na supresso das paixes, e sim justamente
no acordo harmonioso de todas as faculdades cogniti-
vas e apetitivas. Se Aristteles viu na admirao e no
entusiasmo a origem de toda a filosofia, faltou dizer que
ela s se d completamente quando o ser como um todo
chamado a conhecer algo novo. Ora, essa experincia
13 Esttica, 80.
O nascimento da esttica 91

de totalidade s suficientemente atendida quando h


o intercurso das faculdades inferiores do conhecimento:

A luz da novidade ilumina as representaes


de um modo incomum. O conhecimento in-
tuitivo da novidade, a admirao, desperta
a curiosidade, a curiosidade a ateno, e a
ateno uma nova luz fornece coisa que
deve ser configurada pictoricamente. Disso
se segue que as coisas que sero pensadas
belamente, quando precisam ser esclareci-
das, devem ser postas de tal modo que por
meio de sua novidade nasa a admirao,
por meio da admirao, o interesse de co-
nhecer claramente e, por fim, por meio do
interesse, a ateno.14

Nas Consideraes, a admirao colocada como


uma espcie de intuio, a qual permite enxergar para
alm da prpria experincia, de um modo quase prodi-
gioso.

Numa representao, a admirao a in-


tuio de um grande nmero de elementos
14 Esttica, 808. O que uma decorrncia do 549 da Meta-
fsica: Pelo mesmo motivo com que uma percepo mais forte
e diferente obscurece uma mais fraca, representaes diferentes
e mais fracas esclarecem [illustrant] a mais forte. Disso se segue
que uma percepo clara, mais forte e diversa, que se segue a
uma percepo mais fraca e diversa, esclarecida pela novidade
[novitatem].
92 A expresso do belo

que muitas sries de nossas percepes no


contm.15

Tal , alis, o que determina o significado nos signos


e estipula uma linha demarcatria entre o conhecimento
lgico e o sensvel. Pois quando a representao do de-
signado mais significativa do que a do signo, ento
h um conhecimento intuitivo, ao contrrio da conhe-
cimento simblico, em que a representao do signo
mais significativa do que a do designado.16 Retorna
aqui a regra da comparao, pois o significado precisa
estar em algum lugar, ou na representao principal ou
na acessria:

De duas representaes associadas, uma o


meio para conhecer a existncia da outra.17

A pergunta que somos levados a formular agora con-


siste em saber em que medida a faculdade de compor
do artista pode ser apreendida pelo conhecimento me-
tafsico. A questo passa a ser a do gnio, este sujeito
que capaz de articular de tal maneira as suas faculda-
des num empreendimento que se manifesta na exterio-
ridade, que ele se torna um modelo, no pela obra ou
pelo feito que resulta disso, mas por indicar as possi-
bilidades de realizao no mundo que esto abertas ao
ser humano.
15 Metafsica, 43.
16 Metafsica, 620.
17 Metafsica, 620.
Talento natural

Gnio e carter so a natureza humana


individual que Deus deu a cada um, nem mais
nem menos.

Herder

A formao esttica
bem conhecida a passagem do Discurso do M-
todo, de Descartes, na qual a poesia e a eloqncia so
caracterizadas como produtos de talento inato, isto ,
dependente de um dom conferido pela providncia di-
vina e que no pode ser obtido pelo ensinamento da
Escola:

Eu apreciava muito a eloqncia e estava


enamorado da poesia; mas pensava que uma
e outra eram dons do esprito, mais do que

93
94 Talento natural

frutos do estudo. Aqueles cujo raciocnio


mais vigoroso e que melhor digerem seus
pensamentos, a fim de torn-los claros e in-
teligveis, podem sempre persuadir melhor
os outros daquilo que propem, ainda que
falem apenas baixo breto e jamais tenham
aprendido retrica. E aqueles cujas inven-
es so mais agradveis e que as sabem ex-
primir com o mximo de ornamento e do-
ura no deixariam de ser os melhores poe-
tas, ainda que a arte potica lhes fosse des-
conhecida.1

Como escapar simplicidade deste argumento? Ele


afirma afinal algo que palpvel a todo aquele que
busca o favor das musas e que causa certo constran-
gimento a qualquer teoria da arte: no h evidncia
de que o estudo e prtica das artes liberais seja ca-
paz de dotar com o engenho e a habilidade de compor
obras belas que, na sua exterioridade, guardem a justa
proporo e harmonia do todo que justamente exi-
gida delas. A mera imitao dos artistas preceituada
por algumas poticas antigas, alm de trazer consigo
imediatamente algumas dificuldades inerentes ao pr-
prio conceito de imitao, parece muito mais ser uma
promessa para a constituio de um repertrio de co-
1 Descartes, Discurso do Mtodo. Traduo de J. Guinsburg
e Bento Prado. Jr. Coleo Os pensadores. Abril Cultural, So
Paulo, 1973, pp. 3940.
O nascimento da esttica 95

nhecimentos sobre textos e objetos de bela natureza,


e portanto a garantia da obteno de erudio, do que
um meio para substituir o que a natureza no forneceu
na forma de talento. Ora, se o engenho ou a disposio
inata no podem ser ensinados ou s podem ser esti-
mulados at os limites por eles mesmos definidos, ento
nasce a dificuldade de localizar o exato lugar e alcance
de uma cincia que justamente se prope a encontrar
as leis universais da atividade criadora.
Alm disso, essa aparente incapacidade de assegurar
o xito na organizao da matria segundo um tema e
torn-la a sua expresso mais adequada revela a fragi-
lidade em que se encontram as diversas artes liberais
na sua posio de guia. Fica ao mesmo tempo tam-
bm ameaado o papel de uma metafsica do belo que
se prope a legitimar um conhecimento que, em certa
medida, arroga-se a desenvolver aptides para um do-
mnio da vida humana onde o conhecimento intelectual
se mostra, como vimos, insuficiente. Pois a esttica
baumgartiana promete no s o favorecimento do ar-
tista, mas do crtico e, por conseguinte, do homem ge-
ral que est presente num mundo que se impe pela
sensibilidade. E no basta aqui afirmar, como artifcio
de escape, que Descartes reivindica da potica e da re-
trica o que, por princpio, permanece consagrado s
foras destinais. Tambm o tipo de idealismo de que
Baumgarten partidrio no permite a infrao da re-
gra que, como que estabelecida por um desgnio trgico,
no assegura quele que conhece as leis universais que
96 Talento natural

regem a produo artstica o xito na prpria atividade


criadora. A esttica no tem vocao de ser um manual
para a confeco de verdadeiras obras de arte.

Estou bastante longe de garantir a mim ou


a qualquer outro um belo talento de espcie
universal ou, especificamente, a um ora-
dor merecedor de seus louros, a um poeta,
a um msico etc. , que graas cincia da
esttica atinja de certo modo a perfeio em
qualquer situao. Por isso, ainda antes de
cada uma das teorias deste tipo, estipulei
os seguintes pressupostos: talento natural,
engenho, carter, exerccios e o refinamento
do gosto [naturam, ingenium, indolem, exer-
citia, culturam ingenii ], refinamento que nos
dias de hoje no poderia atingir certo grau
sem certa erudio, ento o conhecimento
das regras do belo pensamento s pode dar
resultados segundo a minha apresentao se
for uma cincia em sentido estrito.2
2 Esttica, 77. Linn observa a ambigidade com que Baum-
garten trata da questo do talento natural: [. . . ] Baumgarten
no se decide em princpio sobre o predomnio ou do ingenium
ou da ars, embora parea tender levemente para o primeiro. De
certo modo, ele assume o ponto de vista de Ccero, que no De
oratore, depois de muitas ponderaes, conclui o predomnio da
aptido, sem que possa ser negligenciado o cuidado cientfico e
rigoroso (Linn, M.-L. A.G. Baumgartens Aesthetica und die
antike Rhetorik. In Deutsche Vierteljahrschrift fr Literatur und
O nascimento da esttica 97

preciso ainda lembrar que as palavras de Descar-


tes contm em certa medida um pressgio da decadn-
cia que as retricas enfrentaro na modernidade. Pois
h nelas certa rejeio daquele princpio bsico da pe-
dagogia antiga, e que persistir como uma ideia condu-
tora at o humanismo renascentista, de que a habilidade
para a oratria no depende exclusivamente do talento
natural, mas favorecida pela teoria e pela prtica, as
quais podem at mesmo substitu-lo.3 Sem dvida, na

Gestesgeschichte, 41 (1967), p. 433. A ambigidade fica ainda


mais forte se lermos o 11 da Esttica, segundo o qual o engenho
ocupa quase um papel residual: Objeo: Como os poetas, os
estetas no se tornam estetas, eles nascem estetas. Resposta:
Horcio, Ars poetica, 408; Ccero, De oratore, 2,6; Bilfinger, Di-
clucid., 268; Breitinger, Von den Gleichnissen, p. 6: uma teoria
mais completa, mais recomendada pela autoridade da razo, mais
exata, menos confusa, mais fixa e menos inquietante s ajuda
aquele que j nasceu esteta. Ao se ler a passagem de Horcio,
por exemplo, pode nascer a ideia de que o talento at mesmo
dispensvel.
3 Um bom exemplo da relativa independncia da teoria e
da prtica frente ao talento natural a seguinte passagem do
retor Hermgenes (sc. ii d.C.): a capacidade de julgar em que
aspectos so corretas e exatas as obras de outros, e quais no so,
trate-se de um autor antigo ou recente, no se pode conseguir sem
um profundo conhecimento desta matria (a retrica); e se algum
quer inclusive tornar-se mestre de discursos belos, nobres e seme-
lhantes aos dos antigos, esse conhecimento se mostra indispensvel
se no se quiser permanecer muito longe da perfeio. [. . . ] Sem
dvida, com o conhecimento e entendimento nesta matria, se
algum quiser imitar os antigos, no falhar em seus propsitos,
mesmo que as suas qualidades naturais sejam moderadas. ,
portanto, sumamente desejvel que se junte a isso as condies
naturais, pois desse modo o resultado ser melhor; contudo, se
98 Talento natural

retrica antiga se aceita certa identificao entre gnio


e talento, compreendidos principalmente como faculda-
des latentes a espera do seu desabrochamento.4 A for-
mao para as artes liberais, seja para a prtica das
mesmas, seja para a sua crtica, deve obedecer a um
conjunto de critrios que aparecem geralmente redu-
zidos a trs condies: o talento natural (identificado
como natura ou ingenium), a teoria da arte (doctrina
ou ars) e a prtica (exercitatio).5 Disso se segue que
colocar as condies inatas numa posio privilegiada
em relao s demais levaria concluso iminente de

no for assim, ento necessrio tentar conseguir o que oferecem


o aprendizado e o ensinamento, pois isso no depende dos outros,
mas de ns mesmos, e possvel inclusive que, desse modo, aqueles
que no possuem qualidades naturais superem os que possuem,
por meio da prtica e do treino corretos. (Hermgenes. Sobre as
Formas do Estilo. Introduccin, traduccin y notas de Consuelo
Ruiz Montero. Editorial Gredos, Madrid, 1993, pp. 9394.)
4 No haveria uma afinidade entre essa restrio cartesiana
formao pela prtica e pela teoria com aquela separao entre
gnio e talento que ser uma constante entre os romnticos? Afinal,
Baumgarten compreende o ingenium em termos de faculdade
cognitiva, isto , de um modo que ele pode ser racionalmente
definido. Lemos, por exemplo, em Novalis: Gnio a faculdade
de tratar de objetos imaginrios [eingebildeten Gegenstnden]
como se eles fossem reais, e tambm tratar destes como se fossem
aqueles. Trazer tona o talento, observ-lo com preciso, descrever
oportunamente a observao, portanto diferente do gnio. Sem
esse talento s se pode ver parcialmente, e se apenas meio gnio;
pode-se ter uma disposio genial que na falta desse talento nunca
se desenvolver. (Novalis, Spruch (21))
5 Lausberg, H. Manual de retrica literaria. Versin espaola
de Jos Prez Riesco. Gredos, Madrid, 1983, pp. 115117.
O nascimento da esttica 99

que o desenvolvimento da maestria ou virtuosidade em


uma determinada arte teria necessariamente como pres-
suposto o talento natural e dependeria dele para o seu
xito. Ora, compreender satisfatoriamente a vocao
da esttica baumgartiana no possvel sem confront-
la com essas questes que, de acordo com a posio
defendida, definem o limite da aplicabilidade de regras
produo criadora.

Erudio e gnio
Tudo indica que est instalado um hiato entre a fa-
culdade de compor [fingere], que permite reunir o que
foi fornecido pela imaginao, e a faculdade de julgar
[iudicium].6 Pois, apesar de estar de posse dos precei-
tos que permitem julgar o xito em um determinado
gnero, nada garante ao esteta, a no ser que tenha
sido dotado naturalmente de algum talento para isso,
6 Talvez seja necessrio, ainda que um tanto fora de lugar,
chamar a ateno para o fato de que a faculdade de compor pode
ser compreendida exclusivamente como uma faculdade inferior do
conhecimento. o que indica Paetzhold: Enquanto o engenho
(Witz ), a memria, a faculdade de designar e de julgar so tanto
elementos da gnoseologia inferior como da superior, portanto
habilidades que so constitutivas para cada um dos conhecimentos
a facultas fingendi se apresenta apenas no plano do sensvel.
Ela designa uma fronteira rgida entre o conhecimento sensvel e
intelectual. (Paetzold, H. sthetik des deutschen Idealismus Zur
Idee sthetischer Rationalitt bei Baumgarten, Kant, Schelling,
Hegel und Schopenhauer. Franz Steiner Verlag, Wiesbaden, 1983,
p. 31.)
100 Talento natural

enriquecer esse mesmo gnero com os frutos do seu em-


penho. Baumgarten observa que os mesmos pensado-
res latinos, por exemplo, que legaram posteridade um
profundo conhecimento das artes liberais, as quais cer-
tamente contm regras universalmente vlidas, nem por
isso adquiriram a fortuna de se tornarem mestres abso-
lutos naquilo que preceituavam. Afinal, as tentativas
poticas de Ccero, as tentativas picas de Ovdio e de
Horcio no foram muito bem sucedidas. 7
Diante dessa constatao, imediatamente surge a
pergunta sobre a exata relao entre uma arte potica,
uma arte retrica, uma teoria musical e a poesia, a ora-
tria e a msica propriamente ditas, j que a explicao
da interdependncia entre elas por meio da mediao de
modelo e cpia se mostra bastante insatisfatria. Em
primeiro lugar, necessrio separar as formas com que
possvel se apropriar do sensvel. O desenvolvimento do
entendimento, por princpio, como sabemos, no est
em relao direta com a formao do esteta. Tambm
a erudio, que aos olhos do senso comum ainda o
caminho mais fcil para a formao do gosto, no est
associada diretamente ao incremento do talento.

Como algum sem instruo [ineruditus]


quem ou no cuidou do seu gnio [ingenium]
pela disciplina ou no dedicou o seu modo
de vida instruo, ento nem segundo esta
7 Esttica, 61.
O nascimento da esttica 101

primeira definio e muito menos segundo a


ltima todo homem sem instruo rude.
Os no instrudos podem possuir um gnio
em grande medida polido, desperto, razo-
vel e elevado, homens instrudos, ao contr-
rio, podem ter um gnio lento e limitado.8

A vinculao entre erudio e talento no , por-


tanto, inequvoca. Nada garante que a formao pelo
acmulo de conhecimentos resulte num aprimoramento
das faculdades naturais. O problema se repete com o
gnio especificamente esttico:

possvel haver um homem sem instruo


[ineruditis] que tenha um gnio [ingenii ] es-
ttico bastante refinado, assim como um que
disponha de erudio [eruditis] mas parea
rude no que diz respeito beleza.

Se o gnio algum que no se subordina instru-


o, possvel ento afirmar que a natureza se desen-
volve por si mesma e que um talento natural est me-
lhor provido quando abandonado ao seu prprio curso?
Por um momento necessrio caminhar nessa direo.
Isso se deve ao fato de que, para Baumgarten, se h um
conjunto de exerccios que favorece o desenvolvimento
do senso esttico, ele no depende necessariamente de
um estado consciente acerca da finalidade do prprio
8 tica, 405.
102 Talento natural

exerccio. Isso se encontra em conformidade com o que


vimos anteriormente, isto , que incompatvel com a
natureza mesma do conhecimento sensvel no qual h
evidente prevalncia do pano de fundo da alma sobre a
parcela momentnea e possvel de ateno , a exigncia
de uma ateno e reflexo que consiga sustentar, pelas
suas prprias foras, o objeto de seu interesse. Assim,
o talento natural, quando se desdobra de potncia em
ato, no se faz necessariamente acompanhar da cons-
cincia nem da razo de suas aes e nem mesmo de
como elas afetaro as suas faculdades.

Alm disso, um gnio por natureza belo se


exercita e ele se exercita por si mesmo,
tambm quando no sabe o que faz , quando,
por exemplo, um jovem conversa toa ou
narra algo, quando ele brinca, sobretudo quando
cria jogos e se mostra como um inventor de
brincadeiras ldicas, quando se concentra
com grande seriedade em jogos com seus co-
legas, quando est tomado pelo calor do mo-
mento e completamente entretido: quando
v, escuta e l coisas que j capaz de re-
conhecer [. . . ].9

Ora, se a atividade ldica por assim dizer inconsci-


ente extremamente benfica para a manuteno e o
9 Esttica, 55.
O nascimento da esttica 103

estmulo das faculdades cognitivas inferiores, isso no


permite todavia concluir que essas mesmas faculdades
estariam melhor sem a interferncia de uma atividade
disciplinadora. O talento natural no pode ser substi-
tudo pelo talento adquirido, mas tambm no alcana
o seu pice sem ele. A regra determinante aqui a do
aperfeioamento da natureza pelo homem, no de uma
natureza que fosse originariamente falha ou mesmo na-
quele sentido leibniziano de suprimir o intercurso das
paixes,10 mas uma elaborao que ultrapassa a natu-
reza ela mesma:

O talento natural no permanecer por si no


mesmo estgio por breve que seja o perodo.
Por isso, se as faculdades ou habilidades no
forem incrementadas [augeantur ] por cons-
tantes exerccios, por mais alto que tenham

10 A corrupo da luz natural pelas paixes, que um tema


constante em Leibniz, tambm analogamente vlido aqui para as
faculdades inferiores. Ora, mas se para Leibniz a mera supresso
das paixes conduz ao conhecimento claro do sensvel, as paixes
aqui, num mbito to prprio a elas que a esttica, devem ser
entendidas apenas no seu aspecto negativo: Contudo, se o ca-
rter [indole] negligenciado ou se inteiramente corrompido e
decai com uma cupidez irresistvel em tudo no que prevalece a
paixo: hipocrisia, rivalidade, vida extravagante, ambio, licenci-
osidade, orgias, ociosidade, preguia, ganncia ou avareza, ento
transparece por todo lugar a mesquinhez e a misria do carter e
ela corromper tudo o que parece ter sido belamente pensado.
(Esttica, 50)
104 Talento natural

sido colocadas, elas degeneraro e perdero


em fora [torpescit].11

A prtica [exercitium] deve ser entendida, antes de


tudo, como o colocar em atividade as faculdades cogni-
tivas inferiores. Ela se d pela repetio [repetitio] das
aes, que certamente tem a funo de gerar o hbito
[habitus], garantindo alma certa destreza no manejo
do corpo, mas essa repetio tambm tem aquela j
conhecida finalidade de percorrer as diferenas de uma
coisa de modo a completar a sua ideia. Assim, a repeti-
o tem uma finalidade dupla: que se realize uma certa
harmonia tanto no gnio como na disposio do nimo,
e com vistas a um determinado tema, a um pensamento,
a uma coisa.12 O colocar em exerccio os sentidos es-
pontaneamente certamente envolve entendimento, uma
vez que ocorre comparao dos objetos sensveis uns
com os outros, sempre articulando o passado em rela-
o ao futuro, o que , ademais, o pr em atividade a
faculdade da previso, mas essa atividade pode e tal-
vez necessite permanecer inconsciente da finalidade
ltima da formao dos sentidos.13 Pois essa mesma
11 Esttica, 48.
12 Esttica, 47.
13 Assim como Leibniz chamou a msica de um exerccio arit-
mtico da alma que calcula [numerare] inconscientemente, ento
tambm a expectativa de casos semelhantes, e em conseqncia
do primeiro impulso inato de imitao, conduz para o fato de que
a criana, tambm quando no sabe que pensa e ainda menos que
pensa belamente, j exercitada esteticamente. (Esttica, 54)
O nascimento da esttica 105

a natureza das faculdades cognitivas inferiores, isto , a


de estarem abaixo do nvel da razo, de no pressupo-
rem o predomnio da atividade intelectual e at mesmo
rejeitarem a sua interferncia, j que, como nas funes
locomotoras do corpo, dependem mais da memria ci-
ntica dos membros envolvidos do que de uma mem-
ria racionalmente administrada. O ponto de vista do
sujeito esttico sempre o da distncia, ele como que
observa de longe aes a que est intimamente ligado,
pois a proximidade o deteria no meio do movimento, fa-
zendo com que perdesse o prprio sentido do mesmo e o
equilbrio. Ora, justamente quando invertemos a or-
dem das coisas, que o mistrio do talento se torna algo
inteligvel, porque aos olhos da razo ele se mostra ape-
nas como subproduto da faculdade inferior de compor
percepes e representaes umas com as outras:

Pela combinao e separao do contedo


da imaginao [phantasmata], isto , por
meio da capacidade de pr ateno em uma
parte apenas das percepes, componho [fingo].
Portanto, disponho da faculdade de com-
por poeticamente. Porque a combinao
a representao de vrias coisas como uma
nica coisa, ela posta em atividade por
meio da faculdade de conhecer a identidade
das coisas, a faculdade de compor posta
em atividade pela fora da alma de repre-
106 Talento natural

sentar para si o mundo.14

Como vimos anteriormente, todo ato cognitivo nasce


de um ato de comparao. Essa verdade, que as es-
tticas da autonomia posteriores tero dificuldade em
aceitar, coloca como necessrio que haja no sujeito uma
preparao ou formao de suas faculdades inferiores,
sem as quais simplesmente no seria possvel apreen-
der uma totalidade. Ora, a questo de uma cincia
justamente fornecer os princpios que permitiriam veri-
ficar se houve xito em configurar o belo. J que a ela
escapa o poder de conferir talento, ela se concentrar
nos seus aspectos inteligveis. Tampouco ser salutar
a ela passar diretamente para a considerao dos ca-
sos particulares, porque antes de estipular as regras de
apreenso do sensvel ela permaneceria merc do pre-
domnio do engenho. Isso se verifica na prpria diviso
da Esttica: uma parte terica, que visa a formao
das faculdades cognitivas inferiores, e uma parte pr-
tica, onde se passar finalmente para o especfico, isto
, para a aplicao das regras a exemplos concretos.
O objetivo de Baumgarten aqui, portanto, evitar
que a aptido esttica natural seja prejudicada pelo uso
de regras equivocadas: o esteta no deve estimular e
fortalecer as faculdades cognitivas inferiores enquanto
estiverem corrompidas, mas deve conduzi-las correta-
mente, para que no sejam ainda mais corrompidas por
14 Metafsica, 589.
O nascimento da esttica 107

maus exerccios ou para que o uso do talento concedido


por Deus no seja tolhido sob o cmodo pretexto de
evitar um mau uso.15 Pode-se concluir a partir disso
que o talento natural no suficiente para a formao
de um esteta, j que no mesmo momento em que ele
pode ser pensado, se torna subordinado a uma cincia
que o explica.

Para desenvolver as aptides universais do


esteta requer-se uma mathesis [majhsic] e
uma doutrina esttica. Trata-se da teoria
das influncias mais afins matria e forma
do belo conhecimento, que mais perfeita
do que seria possvel por natureza e pelo
mero exerccio do talento natural.16

A disciplina esttica se organiza, por conseguinte,


segundo este princpio moral que v o talento natural
inferior quele que desenvolveu as suas aptides em con-
formidade com a sua prpria natureza, isto , uma na-
tureza que contm harmonia apenas em potncia, pre-
cisando ser estimulada por exerccios dirios para al-
canar sua perfeita expresso.

15 Esttica, 13.
16 Esttica, 62.
108 Talento natural

A universalidade da arte
Enfrenta-se agora o problema de como as leis univer-
sais da esttica se posicionam diante das regras espec-
ficas dos gneros artsticos. Porque a disciplina esttica
no se confunde com a aplicao de preceitos particu-
lares a cada uma das artes liberais, como se a mera
apresentao de exemplos, que poderiam servir de refe-
rncia ou ilustrao no sentido de algo que serve para
elucidar, illustro para as diversas artes, fosse um meio
seguro de obteno das regras universalmente vlidas.
A explicao deriva de uma fragilidade do empirismo e
serve tambm como defesa da metafsica: no possvel
deduzir universais de particulares, uma vez que uma
induo completa algo que jamais pode ser obtido. 17
Isso est em conformidade com a relativa autonomia
do talento natural frente s regras estipuladas, a pos-
teriori, pelas artes especiais. A natureza imaculada se
manifesta segundo leis que se tornam conscientes ape-
nas quando tomadas em seu prprio domnio, ou seja,
numa base metafsica. que se observa aqui a pre-
cedncia do transcendental sobre o material, fazendo
lembrar que o conhecimento do sensvel antes de tudo
um conhecimento que precisa ser racionalmente formu-
lado e validado. Essa toro do contedo sensvel em
forma inteligvel, depois de todo o cuidado que vimos
ser tomado na Psicologia para separar um do outro,

17 Esttica, 73.
O nascimento da esttica 109

a chave que organiza o sistema como um todo, mesmo


que s custas do sacrifcio de uma compreenso inver-
tida da arte.

Como o entendimento e a razo devem con-


duzir todo o belo pensamento com base em
uma necessidade moral, mas isso no pos-
svel sem que as regras do belo pensamento
sejam conhecidas clara e distintamente, en-
to no suficiente coloc-las imediatamente
diante da vista e elucid-las [illustrari ] com
vrios exemplos, sobretudo porque um co-
nhecimento confuso dessas regras pode ser
alcanado tambm sem uma teoria [disci-
plina] por uma disposio esttica natural-
mente adquirida.18

Pode-se explicar assim a ausncia quase que com-


pleta na Esttica ou mesmo nas Consideraes de re-
ferncias concretas a obras de arte? Na verdade, elas
existem apenas quando de algum modo nelas se toma
a palavra para uma meno sobre a prpria natureza
da arte. Essa lacuna pode ser explicada de duas ma-
neiras. Por um lado, como obra inacabada, a Esttica
contm do projeto inicial apenas a heurstica, a arte
da inveno, isto , apenas a primeira parte da est-
tica Terica. Faltam a metodologia, que completaria a
18 Esttica, 62.
110 Talento natural

parte terica19 e a semitica, onde seriam desenvolvi-


dos os aspectos prticos da cincia. A ordem, claro,
obedece tripartio retrica de inventio, dispositio e
elocutio que se encontra em autores latinos como Ccero
e Quintiliano. Que Baumgarten tenha sacrificado a me-
todologia e a semitica parece contudo ser mais do que
a conseqncia de uma limitao circunstancial, j que
ele atribui no prefcio do segundo volume da Esttica
a incompletude da obra a dificuldades de sade.20
A heurstica, de fato, encontra-se mais prxima do
ideal de fundamentao filosfica que orienta o projeto
como um todo. A metodologia e a semitica estariam
progressivamente muito mais no campo do particular
e, portanto, exigiriam um confronto com exemplos, o
que a esttica como cincia do universal certamente no
poderia dispensar, mas que envolveria muito mais um
mapeamento das possibilidades de realizao j alcan-
adas nas diferentes artes com nfase bvia na poesia

19 Buchenau cogita que os pargrafos 65 a 76 das Consideraes


seriam um exemplo de como Baumgarten abordaria a metodologia
(The Art of Invention and the Invention of Art, p. 298).
20 Uma vez que no foi esgotada nem ao menos a matria da
certeza esttica, gostaria de fornecer em poucas palavras o motivo
[certa enfermidade] pelo qual no terei me ocupado da vida, da
beleza mais doce do belo conhecimento, isto, o mtodo claro e a
arte da designao plena de gosto que se costuma denominar de
expresso e atividade nas oratrias, e porque no h nenhuma
esperana de que eu avance para a parte prtica da esttica,
que anteriormente denominei de segunda parte, e do que pude
apresentar algo em apresentaes que algumas oportunidades
ofereceram (Esttica ii, Prefcio).
O nascimento da esttica 111

antiga, o que se pode deduzir da conduta habitual de


Baumgarten , como confirmao dos pressupostos te-
ricos explanados nos volumes publicados.
Procuramos mostrar no captulo anterior como o
repertrio que o esteta tem disposio por meio de
exemplos historicamente datados no pode conferir, pela
simples imitao, as habilidades necessrias para a ob-
teno de uma arte que, na sua essncia, cumpra com
a exigncia da totalidade. A relao dos princpios
universais com os exemplos unilateral, j que des-
tes ltimos no se pode inferir os primeiros. claro,
a compreenso metafsica tampouco confere ao indiv-
duo o engenho artstico, mas no seu mbito ela pode
explicar como refutada aquela noo ingnua de que a
erudio forma o gnio. O problema da relao entre
criatividade e imitao no permanece todavia apenas
uma conseqncia da arquitetnica dos saberes (uma
questo propriamente sistemtica).
Nas prximas pginas veremos que a caracteriza-
o filosfica das circunstncias em que a verdadeira
arte produzida no pode se dar por satisfeita apenas
com os seus aspectos, por assim dizer, epistemolgicos
e que guardam a garantia da universalidade. Elas so a
prova de que Baumgarten pensa a esttica como o do-
mnio em que a racionalidade pode legitimamente falar
da expresso artstica, sem se comprometer de maneira
pressagiosa com os desdobramentos que ela assumiria
no futuro.
112 Talento natural

A liberdade como atributo


propriamente artstico
Articular segundo os mesmos pressupostos as cin-
cias que se subordinam psicologia no exatamente
a finalidade que se oculta sob a pretenso de totali-
dade de uma metafsica da concretude. Na verdade,
o conhecimento lgico permanece na maioria das vezes
incompatvel com o sensvel, a no ser quando possvel
extrair ambos simultaneamente de um mesmo objeto.
Esses so casos raros, mas no revelam a aspirao pri-
meira nem da Lgica, nem da esttica:

[. . . ] a verdade esttica em partes bela-


mente variegadas apresenta muitas vezes a
verdade lgica do todo, e quase no pode-
ria ser diferente, se porventura a enume-
rao das partes for percorrida e levada a
termo. Observamos apenas o seguinte: a
verdade, enquanto ela apreensvel pelo in-
telecto, no diretamente pretendida pelo
esteta. Se, indiretamente, surge como tota-
lidade composta de vrias verdades estticas
ou coincide factualmente com a verdade es-
ttica, ento o esteta que pensa belamente
s pode se congratular.21

21 Esttica, 428.
O nascimento da esttica 113

Pense-se no seguinte caso: um astrnomo que por


anos contemplasse o curso repetitivo do sol, jamais
reivindicaria a beleza sensvel quando quer justamente
descobrir, pela aplicao da fsica e da matemtica, o
verdadeiro movimento do corpo celeste. A verdade
[que esse astrnomo pretende] se encontra para alm
do horizonte da esttica.22 Gottsched, alis, explicara
essa diferena em termos da anterioridade da poesia
sobre a astronomia, duas cincias igualmente antigas e
que remontam origem do prprio conhecimento hu-
mano, mas que se distinguem pela precedncia natural
do conhecimento interior sobre o exterior:

A astronomia tem a sua origem fora do ho-


mem, na beleza muito distante do cu: a
poesia, ao contrrio, tem o seu fundamento
no homem ele mesmo, e portanto est am-
plamente muito mais prxima dele. Ela tem
a sua fonte primeira na inclinaes do nimo
humano [Gemthsneigungen des Menschen].23

Por esse mesmo motivo, a esttica tampouco se de-


brua sobre os detalhes do fenmeno artstico, pois nesse
empreendimento ela contrariaria a sua vocao e se
equipararia investigao lgica, incorrendo no mesmo
absurdo que resultaria se um historiador se lanasse a
22 Esttica, 429.
23 Gottsched, Tentativa de uma potica crtica, p. 68.
114 Talento natural

cobrir com a sua arte todas as mincias dos fatos por


ele abordados.
A verdade propriamente esttica obedece a outras
condies. Certamente ela compartilha com a anlise
lgica o respeito possibilidade dos objetos, de modo
que o anlogo da razo no observe nenhuma contradi-
o, mas, e a ela revela o seu carter distintivo, tam-
bm a possibilidade moral dos objetos, algo que s
pode ser derivado da liberdade.24 Ora, a liberdade
aquele estado de racionalidade [status rationalitatis]
no homem em que as faculdades apetitivas superiores
venceram as inferiores, dotando-o de livre-arbtrio. Eis
um aspecto puramente pessoal, modulado pelo talento,
seja ele natural ou adquirido. Pois na sua base, lgica e
esttica seriam apreenses de realidades com rgos di-
ferenciados, mas subordinados ao mesmo princpio de
contradio que rege a metafsica. O que eleva a ex-
presso artstica para alm da regularidade abstrata da
anlise no s o compromisso com a totalidade indi-
vidualizada em obra, mas o fato de ser algo particu-
larmente humano, isto , de estar relacionado com a
histria determinada do indivduo. A segunda condi-
o da verdade esttica , portanto, que ela parea
ao anlogo da razo ser algo decorrente de uma deter-
minada liberdade, de uma determinada personalidade
e de um carter moral de um determinado homem.25

24 Esttica, 431.
25 Esttica, 433. Kircher sugere no seu Dicionrio dos Con-
O nascimento da esttica 115

S se pode indicar adequadamente o que esta per-


sonalidade se a concebermos dentro daquele conceito
de novidade que tanto custou a ser localizado na Me-
tafsica. A novidade o que torna uma percepo por
assim dizer interessante para a ateno, j que encontra
nela algo que complementa a ideia e ao mesmo tempo
a destaca dentre todas as outras. Para que uma obra
de arte seja produzida como algo novo, ela no pode se
guiar por obras j existentes meramente imitando-as:

O melhor conselho para a obteno da novi-


dade, para aqueles que porventura puderem
fazer uso dele, ser o seguinte: o que quer
que um nimo ricamente provido tenha re-
fletido sobre algo que dever ser pensado e
que ele mesmo j teve diante dos olhos, ele
deve preferentemente pensar, dispor e ex-
pressar em conformidade com as regras na-

ceitos Fundamentais da Filosofia, de 1907, que essa a grande


mudana que Baumgarten introduz no problema da atividade
criadora que, de um modo ou de outro, permanecera constante
desde a Antigidade: Aristteles fornece tanto em sua Retrica
como em sua Potica uma srie de regras empricas sobre o belo.
Ele parte de exemplos particulares do belo, verifica o que geral a
todos e o encontra na ordem, na correta proporo das partes, na
delimitao e na grandeza adequada, na harmonia e na perfeio,
isto , na unidade no mltiplo, na forma das coisas. A essncia
da arte atribui contudo imitao (mimesis). Mas no deduz a
essncia da arte da natureza humana. Isso realizou primeiramente
Baumgarten [. . . ]. Kirchner, F. Wrterbuch der Philosophischen
Grundbegrie, verbete sthetik [esttica].
116 Talento natural

turais da beleza e no seguir o seu arqutipo


como um imitador cego. Ento, a saber,
ela no se torna inepta, e poderia se tornar
exemplo e modelo para pessoas de menos
gnio [minorum gentium ingeniis], na me-
dida em que ela segue o seu gnio natural
e mais prprio, que apenas se encontra res-
trito pelas leis eternas da graciosidade, de
resto sendo livre;

[. . . ] Servil imitador em tal aperto Que vol-


tar pra trs te no permita o temor de um
dezar, ou a lei do escrito,

[. . . ] mas antes obter suficientemente a no-


vidade da natureza, que em todos os sujeitos
e objetos de algum modo diversa, com en-
genho no coagido, no afetado, por assim
dizer parecendo entretido com outra coisa,
sem opresso. Principalmente no a partir
de pinturas da vida humana sobretudo j
fornecidas pela arte, no a partir de exem-
plos de algum sculo passado, apresentados
pelo pincel de no sei quem, mas sobre a
natureza mesma das coisas e do sculo em
que vive,

[. . . ] Coloque tambm uma vida e moral


exemplares Ao douto imitador, para delas
extrair palavras vivas,
O nascimento da esttica 117

[. . . ] as quais no poderiam ser ao mesmo


tempo novas, j que o teatro dos sculos
muda constantemente, enquanto da mesma
maneira
[. . . ] no h nada de novo sob o sol.26

A liberdade do imitador est portanto em descobrir


coisas novas na natureza: uma natureza que ao mesmo
tempo semelhante e dessemelhante. Pois as verdades
metafsicas e psicolgicas permanecero as mesmas ao
longo dos tempos e no podero superar a si mesmas.
Tal o sentido, na verdade, que regula o uso das fa-
culdades cognitivas (furtar-se ao absurdo que resultaria
de uma contradio), sem que com isso esteja compro-
metida a busca pelo novo. Como no h como obter
um conhecimento da natureza que seja definitivamente
determinado, a liberdade consiste justamente em poder
e querer determin-lo circunstancialmente.

26 Esttica, 827.
O reino da luz

Infeliz daquele que ao mesmo tempo uma


mente rigorosa e um belo esprito.

Lessing

O conhecimento filosfico
Poder-se-ia dizer que este um dos ensinamentos
que demandaram maior esforo para serem sedimenta-
dos pela esttica: no invocar a razo para explicar
o que s pode ser conhecido pela sensibilidade e, vice-
versa, evitar que as faculdades cognitivas inferiores bus-
quem se apoderar do que prprio ao inteligvel. H
uma diferena entre o que obscuro para o entendi-
mento (kata` no'hsin) e o que obscuro para o conhe-
cimento sensvel (kat a'sjhsin).1 A razo, pela sua
1 Esttica, 631.

119
120 O reino da luz

prpria natureza, opera pela distino entre as partes


e no descansa at percorrer toda a srie que compe a
totalidade. O conhecimento sensvel, ao contrrio, pre-
cisa permanecer naquele estgio delicado situado entre
a obscuridade sensvel e a obscuridade inteligvel, pois
quem quiser evitar a primeira causa da obscuridade es-
ttica, deve se abster cuidadosamente de distinguir cada
uma das partes que encontra, as quais, na sua singulari-
dade, [. . . ] certamente so plenas de luz e ntidas, mas
que na maioria das vezes so confundidas e misturadas
pelo anlogo da razo.2 Essa advertncia, contudo,
contm mais do que uma indicao da heterogeneidade
das faculdades superiores e inferiores, mas aponta para
a dificuldade que nasce no momento em que a cincia,
um domnio por direito pertencente luz lgica, busca
articular com as mesmas ferramentas o que est para
alm do seu alcance.
Ganha-se algum esclarecimento sobre temas essen-
cialmente circunscritos atividade intelectual quando
alinhamos lado a lado os textos dos mais diversos fi-
lsofos e os temas por eles abordados. Pois se poderia
esperar que tambm o xito de um filsofo em tratar das
questes fosse medido pela adequao do discurso, da
palavra, ao tema. Mas uma rpida incurso na histria

2 Esttica, 642. Como mostra Leibniz, o crculo um bom


exemplo da ambigidade do conhecimento que, quando sensvel,
abarca a sua totalidade sem conhecer cada um dos pontos que o
compe, e, quando inteligvel, conhece um ponto de cada vez sem
chegar jamais totalidade.
O nascimento da esttica 121

mostra que so raros aqueles que conseguiram alcan-


ar uma adequao tal, que todos, do mero leitor ao
erudito, compreendessem o que queriam dizer. Com-
parado a Demcrito, por exemplo, Herclito se mostra
demasiado obscuro:

por esse motivo que talvez que Herclito


seja extremamente obscuro e Demcrito mi-
nimamente. O primeiro, com os seus aforis-
mos, mereceu o nome de o obscuro; o dis-
curso bem composto e ornamentado do se-
gundo, ao contrrio, ganhou tanto o enten-
dimento dos leitores quanto das autorida-
des que bem o avaliaram [. . . ], inclusive dos
poucos leitores filosficos.3

Seria ento uma vantagem para o filsofo ornar o


seu discurso ao modo que postulam os retores antigos?
No se poderia exigir maior contrassenso para a prtica
filosfica. O discurso elevado deve dar conta muitas ve-
zes de questes que simplesmente no se subordinam
ao requisito da adequao e da clareza, pelo menos do
ponto de vista da imediatez. Por isso, tambm Plato,
apesar de toda a sua amplitude, no pode escapar de ser
censurado pela sua obscuridade 4 , o que todavia ape-
nas um equvoco decorrente da insistncia em reduzir os
3 Esttica, 644.
4 Esttica, 646.
122 O reino da luz

atributos da especulao intelectual a exigncias apli-


cveis apenas ao terreno da sensibilidade. Plato causa
a aparncia de ser obscuro porque a compreenso dos
temas por ele tratados acessvel apenas queles que
compartilham do seu interesse por questes elevadas.

e se voc talvez supusesse que Plato, no


Timeu, fala sobre questes obscuras, ento
por esse motivo ele certamente obscuro
sem razo para isso. Na verdade, ele no
falou de modo a no ser compreendido, mas
para que fosse compreendido apenas por aque-
les que, como ele, encontram satisfao em
espiaar a mente ora numa contemplao
mais sria, ora mais solta e agradvel, e a
qual se encontra, em virtude de sua natu-
reza, distante dos sentidos.5

Poder-se-ia concluir que Baumgarten conserva aqui


um espao de jogo demasiado amplo para o discurso
intelectual. Por no estar submetido s regras estti-
cas, ento tudo seria permitido quele que se situa no
andar superior da alma. Houve ainda quem justificasse
a obscuridade dos filsofos com base numa pretensa li-
berdade, no sem aliar justificativa uma certa dose de
censura:

5 Esttica, 673.
O nascimento da esttica 123

Ccero vai longe a ponto de conceder que


apenas em duas situaes no repreensvel
que algum fale de maneira que no seja com-
preendido. Quando o faz intencionalmente,
como Herclito, que falou de modo dema-
siado obscuro sobre a natureza, ou se, em
vez da obscuridade das palavras, a obscuri-
dade da questo que conduz obscuridade do
discurso, como ocorre no Timeu de Plato
(Ccero, De fin. 2, 15).6

Baumgarten no pode concordar com essa defesa


da obscuridade filosfica. Nem a inteno, nem o teor
da questo so motivos suficientes para avaliar o xito
de um filsofo no seu discurso. patente a uma inter-
ferncia do anlogo da razo, que por assim dizer se
insinua em um terreno que lhe estranho e do qual no
pode se assenhorar. A obscuridade que se associa a Pla-
to e a Herclito decorre apenas de uma confuso de fa-
culdades. O conhecimento filosfico j o sabe h muito
tempo: A luz esttica no bem aquela luz que viria
a agradar ao modo do pensamento lgico-dogmtico.7
Dada a incompatibilidade entre ambos os discursos,
que nem ao menos se submetem a um paralelismo es-
pecular, somos obrigados a reconhecer que infundada
aquela suspeita inicial de que o conhecimento sensvel
viria a completar a especulao intelectual, como que
6 Esttica, 672.
7 Esttica, 652.
124 O reino da luz

lhe fornecendo profundidade e suporte. Impe-se aqui


antes uma oposio essencial, que por ora permanece
intransponvel. A circunscrio do campo onde reina a
luz esttica, na verdade, parece ter reafirmado a duali-
dade alma e corpo, instncias por princpio incomunic-
veis, mas agora privadas tambm do recurso explicativo
da analogia. A obteno de clareza sensvel se mostra
antes como um acontecimento isolado de todo o resto,
e por isso mesmo indica a motivao de todo o rep-
dio que sofreu por aqueles que nutriam o conhecimento
lgico.

A intensificao da clareza por meio da dis-


tino, da adequao, da profundidade e,
por assim dizer, da pureza do entendimento
no so absolutamente luz esttica, por con-
seqncia nem uma luz absoluta ou compa-
rativa, mas uma luz lgica. 8

inerente conduta do entendimento no voltar


totalidade de onde ela partiu a sntese completa seria
assim uma iluso cultuada pelo procedimento analtico.
A comparao e a reflexo se mostram muito mais ade-
quadas luz esttica, que por sua prpria natureza se
dirige para totalidades possveis, j que esto subordi-
nadas a um tema que coordena os seus esforos. Em-
bora no se observe mais aquele tom beligerante das
8 Esttica, 617.
O nascimento da esttica 125

Consideraes, onde as cincias abstratas eram conde-


nadas pelo contraste evidente que h entre a sua aridez
e a vivacidade da poesia, a ordem dos argumentos con-
serva praticamente a mesma renitncia.

A retrica redimida
As ltimas pginas da Esttica reservam ao leitor al-
gumas mudanas sutis na formulao de conceitos que
se encontravam, por assim dizer, definitivamente cris-
talizados na articulao das definies que compem
a Metafsica. Elas contm abertamente a inteno de
enfatizar o compromisso da cincia da esttica com a
verdade. Pois o esteta no procura apenas o que se-
melhante verdade, mas a verdade ela mesma.9 Isso se
torna particularmente claro quando observamos a mu-
tao que sofre o conceito de persuaso, cujo papel ti-
nha sido central para indicar o tipo de fora compreen-
dida por trs da evidncia dos sentidos. Por oposio
convico, a persuaso no era obtida diretamente de
um clculo do entendimento, capaz de percorrer com-
pletamente as etapas dos argumentos a partir de seus
postulados, mas por uma conjuno das faculdades in-
feriores do conhecimento, centralizadas pelo juzo, sem-
pre a postos para verificar se a conformidade entre as
partes tinha sido suficientemente cumprida.

9 Esttica, 837.
126 O reino da luz

Como sempre, a convico, isto , a certeza em sen-


tido estrito [certitudo strictus dicta], permanece na mai-
oria das vezes prerrogativa das cincias rigorosamente
situadas no campo do entendimento: a geometria e a
matemtica. Mas como conferir persuaso sensvel
ou esttica o mesmo atributo de certeza sem ao mesmo
tempo desmanchar as diferenas j to bem estabeleci-
das? Para isso, Baumgarten se vale de um artifcio que
tem uma dupla finalidade: livrar o conceito de persu-
aso da carga negativa historicamente associada a ele,
j que est atrelado prpria essncia da retrica, e ao
mesmo tempo reassegurar retrica um lugar entre as
cincias verdadeiras.
Como se sabe, a retrica entendida amplamente
como arte da persuaso, antes mesmo de ser reconhe-
cida como a tcnica dos gneros do discurso.10 Ela seria
assim muito mais um instrumento de que se lana mo
quando h falta de argumentos convincentes ou se quer
dissimul-los pelo apelo s paixes ou falsos silogismos.
Certamente no a essa persuaso que recorre a ver-
dade esttica: reivindicamos daquele que quer pensar
belamente no a persuaso de modo geral [non gene-
ratin persuasionem], mas a persuaso esttica.11 A
persuaso de que Baumgarten fala justamente aquela

10 Vale lembrar que a distino entre a retrica e a potica como


gneros do discurso diferentes daquele do proposicional (lgico)
se encontra nos mesmos termos em Aristteles (Da interpretao,
17a).
11 Esttica, 834.
O nascimento da esttica 127

fornecida pela fora representativa da alma, uma fora


que quando verificada no conhecimento do homem co-
mum se revela como mera doxa, mas elevada s reivin-
dicaes do belo pensamento, se converte em certeza.
A persuaso esttica a certeza do sentidos [certitudo
sensitiva].
Ocorre, portanto, uma inverso de papis que pode
confundir ao leitor menos atento. Dentro das expecta-
tivas de uma cincia do belo pensamento e do seu foco
na verdade, a retrica passa a ser um gnero menor,
que trata exclusivamente da forma do discurso e deve
ser entendida como espcie de arte da oratria, que
solta em comparao com a espcie da poesia, a qual
ligada 12 isto , incapaz de alcanar uma totalidade
como esta ltima.13

A retrica e tampouco a sua me, a esttica,


so uma certa deformidade da arte, isto ,
12 Metafsica, 622.
13 Nesse sentido, Mendelssohn escreve: As belas artes, sob
as quais se compreende comumente a poesia e a eloqncia, ex-
pressam os objetos por meio de signos arbitrrios, palavras e
letras. Como a composio racional de vrias palavras denomi-
nada de discurso, ento chegamos de modo bastante espontneo
explicao baumgartiana: a poesia um discurso sensvel per-
feito; assim essa explicao nos d a oportunidade de atribuir
a essncia das belas artes em geral expresso sensvel. Pela
adio do adjetivo perfeito diferenciada a poesia da eloqncia,
na qual a expresso no to sensivelmente perfeita como na
poesia. (Mendelssohn, M. Betrachtungen ber die Quellen und
die Verbindungen der schnen Knste und Wissenschaften. In:
Gesammelte Schriften (Band 1). Berlin 1929, p. 175.)
128 O reino da luz

kakoteqni'a.14

Baumgarten, na verdade, parece seguir uma tendn-


cia de considerar a retrica apenas como eloqncia,
como se verifica por exemplo em Gottsched, que em
seu Tratado de Oratria a explica como o dom de ex-
pressar os seus sentimentos, pensamentos e estados de
nimo com palavras claras e elegantes.15

A faculdade de julgar
Talvez a maior dificuldade compreenso do lugar
que a esttica ocupa no confronto direto com a expe-
rincia artstica tenha sido causada pela distncia que
ela assume diante da obra de arte. Afinal, o que o leitor
no especializado gostaria de encontrar em uma teoria
de arte o modo como ele deve se orientar diante da
obra. Mas, como Moritz mostrou posteriormente, no
h como preparar convenientemente o espectador pela
erudio ou mesmo pela teoria para a contemplao da
verdadeira arte, pois a sua totalidade s pode ser vi-
venciada se h uma entrega incondicionada ao objeto.
De certo modo, isso permanece vlido tambm para a
14 Esttica, 834.
15 Gottsched, J.C. Ausfrliche Redekunst nach Anleitung der
alten Griechen und Rmer. Breitkopf, Leipzig, 1739, p. 49. Sobre
a ampla questo do fim da retrica conferir tambm: Todorov,
T. Teorias do Smbolo. Traduo de E.A. Dobrnszky. Papirus,
Campinas, 1996.
O nascimento da esttica 129

esttica, pois ela no assume que a compreenso racio-


nal das circunstncias em que se d o fenmeno do belo
possa servir de substituto para o conhecimento que as
faculdades inferiores obtm no seu prprio campo de
atuao.
Observa-se que a metafsica do belo, na sua apre-
sentao e definio, tenha em todos os momentos que
tratamos at agora permanecido no campo formal, isto
, justamente naquilo que se compreende a caracters-
tica mais prpria do exerccio da razo. Mas essa jus-
tamente a barreira que ela levantou ao seu redor para
se proteger da acusao de parcialidade. Como cincia,
ela s pode apreender algo alheio a si mesma se for ca-
paz de adapt-lo aos seus prprios expedientes. Disso
se segue naturalmente que a racionalidade da expresso
artstica deve permanecer estritamente subordinada aos
princpios universais desenvolvidos na Metafsica, o que
implica tambm que a recorrncia a exemplos tomados
das mais diversas pocas de obras isoladas se mostra-
ria legtima apenas se eles mostrarem a concordncia
com o que foi inicialmente demonstrado ou, claro,
se comprometerem a validade dos princpios. A cincia
da esttica realiza justamente aquilo a que se prope:
uma verificao filosfica das poticas e retricas com
base na primazia dos princpios metafsicos.
Como foi mostrado anteriormente, a esttica se apro-
pria das condies do conhecimento, mas no pode dis-
pensar a formao das faculdades inferiores, que pro-
duzem um conhecimento prprio a elas mesmas, um
130 O reino da luz

conhecimento construdo na memria e que se situa no


nvel do corpo. H, portanto, uma histria que s pode
ser obtida se as faculdades inferiores tiverem sido colo-
cadas em ao. O contedo delas algo que o intercurso
solitrio do raciocnio no poderia jamais fornecer. Esse
o contedo que talvez, por um excesso de linguagem,
poderia ser dito irracional, mas o prejuzo de tal con-
seqncia perder de vista exatamente a finalidade da
esttica, isto , de falar sobre o sensvel apenas naquilo
em que ele pode ser tornado racional. Em primeiro lu-
gar, racionalizado de modo distinto, um conhecimento
que j sabemos que no serve ao esteta. Em segundo
lugar, como cincia das condies universais em que
ocorre a expresso do belo, sem todavia que elas se tor-
nassem substitutos da experincia direta do mesmo.
Assim, o elevado objetivo de uma sabedoria do
mundo [Weltweisheit] no pode ser suficientemente al-
canado apenas pelo desenvolvimento das faculdades
superiores do conhecimento. Para ultrapassar o limite
da abstrao, necessrio valorizar o domnio da vida,
que prov o sujeito no com todas as possibilidades de
interao dos fatos que compe o mundo, o que se-
ria impossvel em decorrncia da restrio ao princpio
de bivalncia, mas permite, numa repetio da frmula
leibniziana, que se aproxime dessas possibilidades gra-
dualmente. S quele que aprimorou o uso de seu senso
esttico est aberta a oportunidade de articular os co-
nhecimentos passados em vista dos conhecimentos fu-
turos. A soluo de Baumgarten para a ameaa do ce-
O nascimento da esttica 131

ticismo, que paira sobre qualquer valorizao excessiva


da experincia, se apoia sobre o postulado da harmo-
nia, mas fica um pouco longe daquela passividade to
rudemente criticada por Voltaire.
Para refazer todos os vnculos que ligam a razo
sensibilidade no basta contudo permanecer no mbito
da cincia da esttica. O eixo que permite a Baumgar-
ten reconstruir todo o edifcio, desmembrado por fora
da exposio sistemtica (um prejuzo que decorre da
leitura unilateral da Esttica), localiza-se na caracte-
rizao da faculdade de representar as perfeies e as
imperfeies das coisas, isto , o juzo, que certamente
s pode se realizar pela fora representativa da alma
segundo a condio do corpo no mundo, porque opera
pela reflexo sobre contedos sensveis.

A lei da faculdade de julgar : quando o


mltiplo de um objeto conhecido ou como
concordante ou como discordante, ento
conhecida a sua perfeio ou imperfeio.
J que isso ocorre apenas de modo distinto
ou sensvel, o juzo ou sensvel ou inteli-
gvel. A capacidade de julgar sensivelmente
o gosto em sentido amplo [gustus signifi-
catu latiori ] e a arte de julgar, a crtica no
seu sentido mais amplo. Um crtico em sen-
tido amplo aquele que tem a capacidade
de julgar distintamente sobre as perfeies e
imperfeies. A cincia das regras do juzo
132 O reino da luz

distinto a crtica em sentido geral.16

A crtica rene num s feixe tanto aquela habilidade


que resulta da prtica das faculdades inferiores quanto
o desenvolvimento de uma razo que pode se deslocar
com segurana nos princpios racionais que regulam a
perfeio. Ora, sabemos que a esta razo est restrito
o acesso a todos os detalhes que compe a experin-
cia de uma totalidade sensvel. Para que ela se mostre
capaz de articular o juzo dos sentidos ao juzo inte-
lectual, preciso, por assim dizer, se fazer simultane-
amente discpula da esttica e da filosofia, as quais, a
bem da verdade, desde o incio no estavam separadas.

A unidade tica dos saberes


Se a esttica uma cincia que no se confunde com
o propsito das artes liberais, j que promove uma com-
preenso intelectual do que estas s poderiam compro-
var sensivelmente, ela pode por direito reivindicar que
a finalidade de ambas uma s: o fim da esttica
a perfeio do conhecimento sensvel como tal.17 Tal
conciliao se mostra contudo insuficiente para revelar
a finalidade da esttica como cincia que vem a comple-
tar uma lacuna no sistema da filosofia como um todo.
Ora, claro que, por estar subordinada psicologia
16 Metafsica, 607.
17 Esttica, 14.
O nascimento da esttica 133

e metafsica, que fornecem a ela certos princpios,


e por poder ser demonstrada pelas suas aplicaes,18
ela j teria assegurado o seu lugar na arquitetnica dos
saberes.
Resta ainda saber como se articulam entre si esttica
e lgica. Pois Baumgarten no a localiza apenas como
mais uma pea de encaixe de um grande quebra-cabea
que visaria cobrir a totalidade do territrio da razo,
agora capaz de conferir compreenso no s dos fenme-
nos da natureza, como tambm do conhecimento pro-
priamente humano, subordinado s mudanas de poca
e de gosto.19 A esttica ocupa um lugar no sistema que
vai alm da mera compreenso da passagem do trans-
cendental para o emprico. A compreenso da neces-
sidade do belo na totalidade da vida humana s pode
ocorrer no domnio da tica. Pois s quando dissol-
vida a oposio entre o racional e o sensvel, que em suas
esferas estabelecem domnios essencialmente heterog-

18 Esttica, 10.
19 Baumgarten teve dois grandes pensamentos. Em primeiro
lugar, que o objeto esttico individual (assim como o gosto).
Com isso se reconheceu distintamente a diferena entre a tarefa
da cincia (generalizante) e a arte, o que coloca um grande pro-
blema. Em segundo lugar, Baumgarten indicou na soluo de
seu problema de que nico modo ela possvel: segundo o modo
de uma cincia do anlogo. O objeto esttico, assim podemos
tornar claro esse pensamento, no o objeto da cincia; mas
ele todavia objeto. Bumler, A. Das Irrationalittsproblem in
der sthetik und Logik des 18. Jahrhunderts bis zur Kritik der
Urteilskraft. Wissenschaftliche Buchgesellschaft, Darmstadt, 1967,
pp. 230-231.
134 O reino da luz

neos, abre-se o significado tico, que ocupa a posio


privilegiada de fecho do todo, pois deve livrar tanto o
racional do perigo da abstrao vazia, como o sensvel
da transitoriedade da matria.
A interveno de uma finalidade aparentemente alheia
ao que foi estabelecido at aqui pode causar algum des-
conforto na interpretao, mas preciso recordar que
ela est presente desde o incio da formulao do pro-
blema. A virtude justamente a causa que reside na
base de todo o empreendimento filosfico; to somente
ela fomenta o esforo de reunir, pelo pensamento, as
partes que se mostram contrrias quando submetidas
a um exame unilateral. As primeiras verdades metaf-
sicas, ao final das contas, so a nica maneira de dar
unidade ao que foi cindido:

Comum ao pensamento lgico e esttico a


virtude, que Ccero descreveu de forma ge-
ral, dizendo que ela consiste em perceber o
que pertence verdade da coisa e conforme
a ela (em concordncia com o princpio de
contradio), o que dela decorre (em con-
formidade com o princpio de razo) e, por
fim, de onde as coisas provm (em conformi-
dade com o princpio de razo e o de razo
suficiente). Como qualquer pensamento se
volta para o conhecimento distinto e intelec-
tual dessas coisas, ento no interior do seu
horizonte ele precisa intuir completa e bela-
O nascimento da esttica 135

mente essas mesmas coisas com os sentidos


e com o anlogo da razo.20

A incompatibilidade entre os saberes desaparece uni-


camente no exerccio da filosofia. Pois ela que poder
coordenar a partir de seus princpios o modo correto de
lidar com a fragmentao que impe a dualidade essen-
cial do homem. essa a sua virtude:

Porque toda melhoria do conhecimento pode


ser denominado de esclarecimento [ilumina-
tio], ento ela um esclarecimento tico,
isto , uma melhoria do conhecimento das
coisas, as quais esto mais intimamente li-
gadas com a liberdade do bem e mal ticos,
da virtude e do vcio. 21

A tica definida sucintamente como a cincia das


obrigaes internas ao homem no estado de natureza,22
ou seja, ela dependente temporalmente das condies
em que o indivduo est inserido. No um conjunto
de valores que poderia ser encontrado na solido do su-
jeito, pois pressupe a mediao do corpo e dos corpos
contguos a ele, seja no presente ou no passado. Esses
condicionantes no podem ser desprezados, porque so
20 Esttica, 426.
21 tica, 433.
22 tica, 1.
136 O reino da luz

eles que definem a ao do sujeito no mundo. A inter-


veno nica do pensamento lgico perderia de vista o
referencial externo e seria conduzida a julgar precipita-
damente. Para instaurar o reino da luz, no basta se
ater ao referencial da razo:

Um homem, mesmo que sumamente racio-


nal, que se alegra com o conhecimento rico,
exato, importante, vivo e at mesmo dis-
tinto dos aspectos ticos, at a convico
ou a demonstrao, pode todavia permane-
cer no estado das trevas; apenas o virtuoso
se encontra no estado da luz. A sua obriga-
o contudo ampliar o permetro do reino
da luz e agir de acordo com a luz mesma,
isto , vaguear pela luz tanto quanto lhe for
possvel. 23

Ao indivduo que obrigado a caminhar simultane-


amente pelo andares do corpo e da alma, a negligncia
da parcela obscura do conhecimento resulta numa igno-
rncia to grave quanto aquele que perde o domnio da
alma sobre o corpo ao se entregar aos prazeres senso-
riais e sucumbir fora das paixes, que desde sempre
era a causa do receio daqueles que viam nas faculdades
inferiores a origem de todos os males.

23 tica, 444.
O nascimento da esttica 137

Teologia natural

As Consideraes associaram ao poeta a faculdade


de prever os acontecimentos que necessariamente de-
veriam decorrer do conjunto de possibilidades estipu-
lado pelo tema escolhido. O esteta dotado da mesma
fora, mas necessrio pens-la no crculo mais amplo
da efetividade como um todo. A ele esto dados os
instrumentos para compreender as condies em que a
efetividade se impe no imediato da afetao pelos sen-
tidos. Ora, ele s pode compreender o futuro mediante
a conjuno da verdade metafsica com a articulao da
experincia, de um modo tal que a falta de um compro-
mete a validade do outro. Tal a singularidade das in-
tenes de Baumgarten quando pensamos em conjunto
a Esttica e a Metafsica. Ela nos sugere que a pretenso
maior da racionalidade do sensvel conferir harmonia
ao mundo, uma vocao tradicionalmente atribuda ao
sbio, quem seria capaz de reconhecer no presente e no
passado a gestao dos acontecimentos futuros (o que
se denomina de prudncia). Nesse sentido, a esttica
ultrapassa em seus objetivos a finalidade de formar o
esteta, pois ela almeja a sabedoria.
Pois pensar belamente os fenmenos que compem
o mundo o modo pelo qual se faz com que o corpo
se organize adequadamente em relao s percepes
que lhe apresentam a efetividade. Na verdade, s ele
pode conferir ordem na dimenso humana da experin-
cia ordinria, situada entre aquelas perfeies do co-
138 O reino da luz

nhecimento sensvel 24 que esto acessveis apenas


onipotncia divina ou, penosa e parcialmente, ao escru-
tnio da anlise e a universalidade metafsica. Ora,
todos os homens so dotados em algum grau de uma
esttica natural, que confere a eles certa destreza no
trato do mundo, mas essa habilidade est, por assim
dizer, numa relao perigosa com a fortuna, enquanto o
trip da felicidade o concurso conjunto da alma natu-
ral (talento), dos acontecimentos de sorte e, principal-
mente, da fora que impulsiona o corao dos homens
[prudentia verticordia].25
Dentro dos rgidos limites em que se encontra a exis-
tncia humana, que conduta se mostraria a mais cor-
reta? Baumgarten no mede esforos para provar que
possvel, pela vontade, inclusive corrigir a corrupo
das disposies naturais, mas o seu interesse est vol-
tado principalmente para o aprimoramento das facul-
dades,26 j que por meio dele que se pode instituir
o bem subjetivo. Tal , alis, a condio humana
por oposio divina, pois no h algo com um es-

24 Esttica, 15.
25 Metafsica, 975. Verticordia ainda um dos eptetos de
Vnus, a deusa do amor e da beleza.
26 Se Baumgarten concebe a esttica no apenas como filosofia
do conhecimento sensvel, mas tambm como filosofia da arte,
ento no sentido de que ela deve conter os fundamentos tericos
para todas as possibilidades de configurao produtiva. Schweizer,
H.R. Texte zur Grundlegung der sthetik. Meiner, Hamburg, 1983,
p. xxi.
O nascimento da esttica 139

tado interno em Deus.27 Esse aprimoramento feito


inicialmente luz das verdades metafsicas, orientadas
com vistas concretude. A bondade de Deus, de que
desfruta diretamente o homem, consiste em ter feito
as verdades metafsicas concordarem com a pluralidade
infinita da efetividade. Pode-se dizer que o objetivo do
esteta fazer coincidir, pelo preparo conveniente das
faculdades, o interior com o exterior. Como o que est
ao seu alcance o domnio da subjetividade, consti-
tuda paulatinamente pela experincia submetida raci-
onalmente ao princpio de razo suficiente, o nico re-
mdio [remedium] para lidar com a expectativa de um
futuro que aos homens s dado por Deus na medida
do seu progresso, sem que o possam conhecer comple-
tamente, encontra-se na teologia. Passemos a ela.
De fato, o acabamento do sistema filosfico que per-
mitiu a Baumgarten reunir em um mesmo corpo po-
tica e filosofia deve ser procurado no ltimo captulo da
Metafsica, que trata da teologia natural, isto , a cin-
cia de Deus na medida em que ele pode ser conhecido
sem a interveno da f.28 Ela contm os primeiros
princpios da filosofia prtica e, portanto, deve por de-
corrncia responder questo de qual a conduta ade-
quada ao homem para que instaure um reino de luz
na obscuridade originria dos sentidos.
Em grande parte reproduzindo os mesmos argumen-

27 Metafsica, 836.
28 Metafsica, 800.
140 O reino da luz

tos que sustentam a redao da Teodicia de Leibniz,


a teologia natural retoma a tese de que Deus conhece
todas as determinaes das coisas, sem que com isso
esteja ameaado o livre-arbtrio humano. A sabedoria
divina consiste em saber, pela cincia mdia, o nexo en-
tre os fins e os meios.29 Em comparao com o homem,
ela se encontra no mais alto grau, porque, conhecendo
todas as possibilidades de conexo entre as coisas, Deus
capaz de escolher a melhor combinao dentre todas
as combinaes. O mundo criado por Deus , portanto,
o melhor dos mundos possveis ou, em outros termos,
uma totalidade perfeita com o mximo de complexidade
e diversidade.
A tese da harmonia preestabelecida sabidamente
a soluo final para o problema medieval dos futuros
contingentes.30 Ela nos interessa aqui na medida em
que explica a importncia da faculdade de previso na
articulao das faculdades inferiores do conhecimento
para a obteno de um conhecimento extensivamente
claro do sensvel. Na verdade, sem o pressuposto da
harmonia universal, simplesmente no possvel con-
cluir a necessidade do intercurso das faculdades inferi-
ores para a viabilizao de uma sabedoria humana. A
existncia de uma finalidade que organiza toda a efeti-

29 Metafsica, 882.
30 Sobre a histria do problema dos futuros contingentes de
Aristteles a Leibniz, conferir a introduo de W.S. Piau ao
Comentrio menor ao De Interpretatione 9 de Aristteles da
autoria de Bocio.
O nascimento da esttica 141

vidade a condio de possibilidade do conhecimento


dessa mesma efetividade. O princpio supremo: nada
sem razo 31 aparece formulado de diversas maneiras
ao longo de toda a Metafsica, mas na Psicologia que
ela se mostra na sua forma mais acabada:

Tudo o que possvel est duplamente co-


nectado. Tanto a causa, como o efeito da
mesma, alm do nexo entre elas, podem ser
compreendidos quando considerados por si
mesmos. Portanto, tudo o que possvel
racional, e o que contra a razo pura e
simplesmente impossvel.32

A racionalidade absoluta de todos os eventos uma


ideia com que se lida com alguma facilidade. Dela se
pode extrair a garantia de que h um sentido que co-
necta os fenmenos uns aos outros, mesmo que na su-
perfcie de sua experincia imediata na maioria das ve-
zes ela permanea oculta. Mas afirmar que possvel
alcanar essa mesma racionalidade apenas em alguns
dos seus eventos requer a interveno de uma princ-
pio teleolgico que assegure tambm a harmonia entre
o sujeito e a sua representao do mundo. Baumgar-
ten no poderia recorrer aqui a nenhum outro recurso
seno invocar as criaturas como a finalidade da prpria
criao: a finalidade divina deste mundo a perfeio
31 Leibniz, G.W. Teodicia, 39.
32 Metafsica, 643.
142 O reino da luz

das criaturas, e na verdade tanto quanto possvel no


melhor dos mundos. 33
Estabelecida assim a harmonia tanto entre as cria-
turas do mundo quanto de cada criatura em relao ao
mundo, fica a questo de saber como ela revelada. A
revelao da vontade de Deus ocorre inicialmente pela
prpria experincia do mundo. Trata-se da revelao
natural ou revelao em sentido amplo [revelatio latius
dicta]:

[. . . ] o sentido divino revelado alma hu-


mana por ela mesma, por todas as mnadas
que lhe so contguas, por todos os corpos e
por todos os seus sentidos.34

Mas essa revelao no suficiente. necessrio que


ocorra tambm uma revelao em sentido estrito, pela
palavra, a qual tem a funo de mostrar aquelas coisas
que so possveis e verdadeiras no mais alto grau. 35
Elas certamente no so contraditrias com o que po-
deria ser alcanado pela razo e pelos sentidos, mas se
mostram como um modo mais cmodo de Deus pr a
descoberto a sua vontade aos homens.
J foi notado que Baumgarten associa arte as mes-
mas caractersticas que eram solicitadas do sermo pe-
33 Metafsica, 944.
34 Metafsica, 983.
35 Metafsica, 995.
O nascimento da esttica 143

los pietistas do sculo xvii.36 Pois a arte um modo de


despertar o homem para a harmonia do universo, que
ele pode, por seu prprio esforo, alcanar em sua vida,
ainda que num grau infinitamente menor.

36 Buchenau, S. The Art of Invention and the Invention of


Art, pp. 279-280.
Concluso

Procuramos mostrar quais so os argumentos forne-


cidos por Baumgarten para legitimar a cincia da est-
tica. O caminho que elegemos permitiu confrontar os
princpios universais da metafsica, que se encontram
articulados entre si como desdobramentos do postulado
do princpio de contradio, com as regras universais
que orientam a expresso do belo. Talvez tenha ficado
claro para o leitor que a metafsica do belo procura de-
terminar as condies sob as quais um certo fenmeno
artstico alcana a perfeio, mas no circunscrever as
possibilidades de realizao do mesmo. De fato, no h
nenhuma indicao no texto sobre a conduta particular
que o artista deveria assumir diante de suas criaes.
H um impedimento lgico que veda ao filsofo delimi-
tar a priori as possibilidades de realizao do homem
no mundo. O mesmo impedimento que tira das artes
mecnicas a descoberta da lei precisa que rege o movi-
mento dos corpos. Disso se segue que a generalidade

145
146 Concluso

das regras da esttica garantida apenas porque elas


so extradas diretamente das verdades metafsicas.
Ao mesmo tempo, chegou-se concluso de que a es-
ttica pode muito bem ser interpretada como a cincia
em geral das expresses da sensibilidade. Na verdade,
o distanciamento que ela assume em relao ao objeto
de arte particular exige que se procure a sua finalidade
em outro lugar, a saber, na realizao do homem no
mundo. O desenvolvimento do gosto, que confere ao
sujeito a habilidade de articular adequadamente as fa-
culdades inferiores do conhecimento entre si, tem na
arte apenas uma referncia da perfeio, mas no a sua
realizao ltima. no encontro entre o passado, cons-
titudo pela memria, e o futuro, o qual se abre segundo
um clculo de possibilidades organizadas de um modo
cada vez mais necessrio (porque em conformidade com
as verdades metafsicas e no por uma certa inferncia
indutiva), que se localiza o verdadeiro significado da
esttica.
Esse resultado pode dar o que pensar. Pois no se-
ria justamente essa a caracterstica mais marcante da
segunda metade do sculo xviii, de tentar estabelecer
uma compreenso da arte que no fosse uma restrio
manifestao do gnio? Mas tambm se coloca duvi-
doso o artifcio historicista da ruptura, como se as po-
ticas e retricas antigas preconizassem exatamente nor-
mas modelares a serem imitadas. Pois at mesmo isso
ser posto em jogo. A exegese setecentista das obras an-
tigas tentar reproduzir mesmo retroativamente o valor
O nascimento da esttica 147

que agora lanado sobre a arte. Um exemplo bastante


sugestivo a discusso que Voss, o tradutor alemo da
Carta aos Pises de Horcio, levantar sobre o car-
ter prescritivo desse mesmo texto. Para ele, Horcio
no pretende a mesma universalidade das filosofias, mas
apenas realiza um estudo de caso particular. Por isso,
seria inadequado atribuir ao ttulo da carta o nome de
Arte Potica, mais justamente reservada ao texto aristo-
tlico. Segundo esse critrio, como vimos, Baumgarten
se encontraria no lado oposto: elaborar o conceito de
arte apenas em sua generalidade, isto , no que fosse
possvel extrair dele racionalmente, ainda que s cus-
tas de um silncio quase que completo sobre a histria
da arte. Tambm no se mostra correto o julgamento
apressado de que Baumgarten no teria sido um autor
estudado ou investigado pela posteridade, a qual pre-
tensamente o rejeitara pela obscuridade de seus textos.
Ser principalmente na obra enciclopdica de Sulzer,
Teoria geral das belas artes, que se ver as conseqn-
cias da separao entre o objeto do gosto e uma teoria
do gosto; entre a compreenso do fenmeno artstico e
uma coletnea de regras prticas para o artista:

[. . . ] escrevi sobre as belas artes na condi-


o de filsofo e no na de um assim deno-
minado amante da arte. Aqueles que procu-
ram aqui mais curiosidades do que observa-
es teis sobre artistas e objetos artsticos,
sentir-se-o enganados. Tambm no foi mi-
148 Concluso

nha inteno reunir as regras mecnicas da


arte, e, por assim dizer, conduzir pela mo o
artista em seu trabalho. O lado prtico em
todas as artes obtido pelo exerccio e no
mediante regras. Para isso no sou artista e
tampouco sei sobre os mistrios prticos da
arte.1

Foi talvez Herder aquele que melhor observou que, a


partir da filosofia de Leibniz e de seus herdeiros, j no
mais possvel pensar separadamente razo e sensibi-
lidade, como se a dificuldade de uni-los num s corpo
fosse motivo suficiente para fornecer racionalidade um
lugar privilegiado:

Conhecimento e sensao so em ns se-


res intimamente imbricados; temos cognio
apenas mediante a sensao, e toda sensa-
o sempre acompanhada de um tipo de
cognio. A partir do momento em que a
filosofia abandonou a obscuridade fragmen-
tria e intil dos escolsticos e passou a ten-
tar encontrar unidade em todas as cincias,
tambm foram feitos grandes avanos na ci-
ncia da alma.2
1 Sulzer, J.G. Allgemeine Theorie der Schnen Knste. Edi-
o fac-simile com base nos originais de 1771 e 1774, p. 6.
2 Herder. bers Erkennen und Empfinden der menschlichen
Seele (Vorrede). In Sturm und Drang Weltanschauliche und
sthetische Schriften (Band 1). Berlin und Weimar, 1978, p. 58.
O nascimento da esttica 149

O que Hegel, por exemplo, censurar na obra de


Baumgarten, de ter reduzido a compreenso da arte a
uma teoria da sensao, perdendo portanto o essencial
dela, isto , o fato de que uma filosofia da arte no
se confunde com a abstrao do belo,3 parece na ver-
dade apenas o sintoma tardio da perda do referencial de
uma vida virtuosa como finalidade ltima da filosofia.
Baumgarten, nesse sentido, tem o olhar voltado para o
passado e est particularmente interessado em fornecer
fundamentao para as categorias das retricas latinas,
mas no sem antes tentar expurg-las de seu materia-
lismo. Isso significa adapt-las a um racionalismo onde
sem dvida a razo permanece como a luz primordial,
mas obrigada a reconhecer a aridez de seu papel trans-
cendental. As tores e inverses que implica esse es-
foro escondem apenas as razes da profunda reviso
que o conceito de arte sofrer posteriormente.
possvel tambm dizer o contrrio: ao subordinar
a teoria da arte a pressupostos epistemolgicos, Baum-
garten permitiu uma ampla compreenso do fenmeno
artstico, que comea no na expresso acabada de uma
obra de arte, e sim na experincia rudimentar do belo.
Essa ponte lanada sobre os extremos a mesma que
tambm une o gnio inato ao homem comum, uma vez
que ambos dependem de uma formao, sem a qual s
se processaria de modo natural dentro dos limites pr-

3 Hegel, Cursos de Esttica I. Traduo de M.A. Werle. Edusp,


So Paulo, 2001, p. 1.
150 Concluso

prios s disposies naturais e conjuno fortuita dos


acontecimentos. A articulao do ideal de um ensina-
mento artstico assume aqui muito mais a feio de uma
doutrina que visa espantar o fantasma platnico de que
a arte no seria compatvel com os assuntos elevados da
filosofia.
Ora, preciso por fim observar que o conceito de
crtica, tal como foi concebido por Baumgarten, leva
em considerao o homem universal, o qual tem dis-
posio certas faculdades cognitivas que esto intima-
mente relacionadas umas com as outras segundo as im-
plicaes que decorrem da interao entre alma, corpo e
mundo. A harmonia interna uma promessa possvel se
for mantida a pressuposio de uma harmonia externa,
divina. Ao se tirar esse fundamento, praticamente no
h como sustentar a arquitetura da filosofia baumgarti-
ana. A fruio artstica se torna um mero prazer, sem
o vnculo tico em que Shaftesbury via uma realizao
social. A fragmentao das faculdades produzida pelo
criticismo kantiano talvez tenha colocado um impedi-
mento intransponvel para um retorno unidade entre
a metafsica e a realidade do mundo. Afinal de contas,
como mostrou Merleau-Ponty, ao homem ps-moderno
no resta outra alternativa a no ser pensar a mnada
aberta, sem o porto seguro da absoluta necessidade
que preceituavam os antigos.
Glossrio

O presente glossrio foi concebido originariamente


para ser uma ferramenta de trabalho. Ele no observa,
portanto, uma determinada sistematicidade, nem tem
a pretenso de agrupar toda a gama de variaes que os
termos podem sofrer na obra de Baumgarten. Optou-
se todavia por anex-lo a esse livro porque acreditamos
que ainda assim contm elementos que podem auxiliar
o leitor durante a sua leitura. Para a escolha da melhor
traduo, guiamo-nos principalmente pela quarta edi-
o da Metafsica, na qual Baumgarten inseriu o termo
alemo correspondente para algumas palavras-chave e
pela traduo alem da Metafsica realizada pelo seu
discpulo Meier em 1764. Ainda nos valemos da recente
traduo para o alemo do texto completo da Esttica
de Dagmar Mirbach (sthetik, Meiner, 2007), a qual
acompanhada de um glossrio. Tambm foram uti-
lizados os seguintes dicionrios de latim: Oxford Latin
Dictionary (Oxford University Press, London, 1968) e

151
152 Glossrio

Lateinisch-Deutsch Ausfhrliches Handwrterbuch von


Karl Ernst Georges (Elektronische Ausgabe der 8. Au-
flage, Digitale Bibliothek).

abstractio: abstrao. A faculdade de abstrair est


ligada sempre ateno (ver attentio) e a sua
condio de possibilidade, j que a ateno no
poderia se debruar ao mesmo tempo sobre todo
o contedo da percepo.
aesthetica: esttica. Baumgarten fornece diversos
sinnimos para essa cincia: lgica das
faculdades inferiores do conhecimento, filosofia
das graas e das musas, arte do belo pensar, arte
do anlogo da razo, cincia do belo, metafsica
do belo etc.
allegoria: alegoria. A alegoria uma srie de
metforas ligadas umas s outras. Por um lado,
quando tomadas isoladamente, elas so
representaes poticas; por outro, a sua srie
apresenta uma coerncia maior do que quando
as metforas so heterogneas e conflitantes.
Portanto, a alegoria um recurso altamente
potico (Consideraes, 86).
analogia: analogia.
analogon rationis: anlogo da razo. Conceito que
compreende o conjunto das faculdades inferiores
do conhecimento.
O nascimento da esttica 153

analysis: anlise. Processo cognitivo do


entendimento que se d pela decomposio de
um objeto ou questo em partes menores.
anima: alma. Isto , a alma humana, que uma
fora que representa o universo segundo a
posio do seu corpo (Metafsica, 513).

appetitio: apetio. A faculdade da apetio segue a


seguinte lei: quando tenho a expectativa de que
de que algo me agrade e quando prevejo que
pode ser realizado pelo meu esforo, ento me
esforo para obt-lo (Metafsica, 665).

a posteriori: O que tem origem na experincia.


Refere-se a conhecimentos que so regidos pelo
princpio de razo suficiente.
a priori: O que no tem origem na experincia.
Aplica-se a conhecimentos que so alcanados no
domnio estrito da razo e que so regidos pelo
princpio de contradio.
arbitrium: arbtrio. a faculdade humana de
desejar ao seu bel-prazer.

argumentum: argumento. De um modo geral, a


percepo que sobressai dentre todas as demais e
ocupa a ateno. Na verdade, tudo o que
contribui para a persuaso de um conhecimento
sensvel faz parte do argumento.
154 Glossrio

atomus: tomo. Ver monas.

attentio: ateno. A faculdade sensvel de prestar


ateno em algo. sempre acompanhada da
abstrao, pois toda ateno, ao se fixar em
algo, necessariamente despreza o resto. Tenho a
faculdade de me ater a algo, a ateno, e a
faculdade de abstrair, isto , de separar e
abstrair uma parte do todo (Metafsica, 625).
Concentro a minha ateno naquilo que percebo
de modo mais obscuro que o resto; desvio a
minha ateno daquilo que percebo de modo
mais obscuro que o resto. Possuo, pois, a
faculdade de fixar ou atenuar a minha ateno,
mas cada uma destas faculdades finita. Desta
forma, disponho de uma e de outra em certo
grau, mas no no mais alto. Quanto maior for a
subtrao operada sobre uma quantidade finita,
tanto menor o resto. Quando mais eu
concentro minha ateno sobre uma coisa,
menos posso concentr-la no resto. Das duas
percepes portanto a mais forte a que,
ocupando exclusivamente a minha ateno,
obscurece a mais fraca ou ento impede a
ateno de se afastar da mais fraca (Metafsica,
529).

attributum: atributo, qualidade.


O nascimento da esttica 155

beatitudo: beatitude, bem-aventurana. Estgio que


antecede a felicidade [felicitas].
bonum: o bem. A bondade o atributo divino que
garante a escolha do mundo mais perfeito dentre
todos os mundos possveis. A bondade ,
portanto, uma caracterstica das coisas perfeitas
[bonum methaphysicum] (Metafsica, 147).
brevitas: brevidade, conciso. Um conhecimento
sensvel deve ao mesmo tempo ser marcado pela
riqueza [ubertas] e brevidade na sua expresso.
A brevidade se orienta pelo princpio horaciano
de que tudo o que no diz respeito ao tema deve
ser deixado de fora. Na oratria, ela visa evitar
a verbosidade excessiva. Ver tambm Esttica,
161.
characteristica universallis: caracterstica
universal. A caracterstica a cincia dos signos
(ou ainda semitica, semiologia filosfica,
simblica) e a caracterstica universal a suma
das expresses que podem ser encontradas em
todas as lnguas particulares (Metafsica, 251).
certitudo: certeza. H a certeza sensvel, que se d
pela persuaso, e a certeza intelectual, que
ocorre pelo convencimento (Metafsica, 531).
claritas: clareza. Atributo do conhecimento em se
pode reconhecer pelo menos algumas diferenas
156 Glossrio

de uma percepo ou representao em relao a


outras (Metafsica, 514).

cognitio: conhecimento.

comparatio: comparao. A comparao a


atividade que define a reflexo graas ao
intercurso da ateno. A ateno que se dirige
sucessivamente s partes de uma percepo
completa a reflexo. A ateno sobre a
percepo como um todo depois da reflexo a
comparao. Eu reflito, eu comparo (Metafsica,
626).

conceptio: conceito, concepo. (Metafsica, 632).

concretus: concreto. O oposto de abstrato, isto ,


algo que no foi dividido pela ateno (ver
abstractio).

confirmatio: comprovao. A comprovao so


todos os elementos que permitem enfatizar um
argumento ou conhecimento sensvel e elev-lo
condio de evidncia.

contingentia: contingncia. Contingente aquilo


cujo contrrio possvel (Metafsica, 101). A
distino entre o contingente e o necessrio
corresponde separao leibniziana entre
verdades de razo e verdades de fato.
O nascimento da esttica 157

cosmologia: cosmologia. A cosmologia a cincia


dos nexos que compem o mundo; ela derivada
ou da experincia (cosmologia empirica) ou dos
conceitos abstratos do mundo (cosmologia
rationalis). A cosmologia contm os primeiros
princpios da psicologia, da teologia, da fsica, da
teleologia, e da sabedoria prtica do mundo; e
portanto corretamente atribuda metafsica
(Metafsica, 351-352).

deformitas: feiura, deformidade. [...] a imperfeio


do fenmeno ou daquilo que pode ser percebido
pelo gosto em sentido amplo a feiura
(Metafisica, 662).

eruditio: erudio. Conhecimento adquirido por


meio de instruo e est presente sempre que as
aptides do gnio forem cultivadas e
incrementadas por meio de exerccios (tica,
403). A sua ausncia indica a rudeza [rudis] do
gnio.

espectator: espectador.

ethica: tica. A tica (a doutrina da piedade, da


honestidade, do decoro, a cincia moral, prtica
e austera da virtude) a cincia das obrigaes
internas do homem no estado natural (tica,
1).
158 Glossrio

exercitatio: exerccio. O exerccio o meio pelo qual


as faculdades sensveis, por meio da preparao
os rgos sensveis, se tornam aptos
experincia do belo.

evidentia: evidncia. Quando a compreenso alcana


um estado de certeza ou ausncia de dvida
(Metafsica, 531).

felicitas: felicidade. O conjunto [complexus] das


perfeies do esprito que esto em harmonia a
felicidade. (Metafsica, 787)

fingere: compor. Pela combinao e separao do


contedo da imaginao, isto , por meio da
capacidade de pr ateno em uma parte apenas
das percepes, componho [fingo] (Metafsica,
589).

focus: foco. O foco , de um modo geral ou


ontolgico, aquilo em torno do qual gira o
consenso das coisas (quando h perfeio)
(Metafsica, 94). Mas o foco tambm
simplesmente a capacidade da ateno se deter
em uma pequena ou grande parcela da
percepo.

fucus: adorno. Um adorno algo que no est em


concordncia com o argumento central. Ele pode
ser horrvel ou florido (no sentido de florear algo
O nascimento da esttica 159

sem prejuzo do seu contedo). Ver tambm


Esttica, 704.
gustus: gosto. O gosto em sentido amplo em relao
quilo que se sente, isto , das coisas que so
sentidas, o juzo dos sentidos e atribudo
respectivamente ao rgo dos sentidos por meio
do qual se sente aquilo que julgado. Disso se
segue que existe um juzo dos olhos, dos ouvidos
etc. (Metafsica, 608) O gosto tambm
denominado em sentido amplo o juzo dos
sentidos (ver iudicium).
illustratio: ilustrar, elucidar.
imaginatio: imaginao, imagem. Ver phantasia.
imitatio: imitao. A imitao basicamente o
processo de reproduzir algo novo semelhana
de algo j conhecido: Quando se afirma de uma
pessoa que ela imita, isto significa que a pessoa
que imita uma coisa produz uma coisa
semelhana imitada. Pode-se, portanto,
denominar a imitao como sendo o efeito que
semelhante a outro efeito; a imitao tambm
pode ser o efeito de uma inteno que procede
de uma outra causa (Consideraes, 108). A
atividade criadora, como produto da faculdade
de compor [fingere], opera por imitao, porque
ela se guia pela harmonia entre as partes que
reina na natureza.
160 Glossrio

indierentia: indiferena. A indiferena o estado


em que a faculdade do juzo, que capaz de
reconhecer perfeies ou imperfeies, no
acionada.
indoles: disposio do imo, carter, ndole. O
carter a relao recproca das faculdades
apetitivas em um determinado sujeito
(Metafsica, 732) e pode ser digna ou abjeta. A
disposio do nimo , portanto, uma
conseqncia da nfase que recebem em um
sujeito as faculdades apetitivas superiores e as
inferiores. A proporo de cada uma delas
pode, na maioria das vezes, ser alterada por
exerccios e pelo costume (Metafsica, 732).
inferior: inferior.

ingenium: engenho, gnio, chiste. O gnio uma


denominao ampla para aptides inatas e
adquiridas. Ele compe o conjunto de aptides
de um sujeito em particular, e portanto serve
como um trao distintivo de sua personalidade.
Baumgartem explica na Metafsica ( 649):
porque as faculdades cognitivas, que se
encontram numa certa relao de reciprocidade,
se mostram mais aptas para um certo de gnero
de objetos que outros, o gnio em sentido amplo,
que mais apto para um certo gnero de objetos
do que outro, obtm o seu nome do
O nascimento da esttica 161

conhecimento desse gnero de objetos. Torna-se


patente, portanto, o que um gnio emprico,
histrico, potico, divinatrio, crtico, filosfico,
mecnico, musical etc. Aqueles que se mostram
mais aptos para o conhecimento de todos os
gneros de objetos so gnios universais em
sentido amplo e, na medida em que ultrapassam
em grau a maioria das faculdades cognitivas de
muitos outros gnios, so denominados de gnios
superiores.
intellectus: entendimento, intelecto. O entendimento
a faculdade de conhecer as coisas
distintamente. Ela est, ao lado da razo [ratio],
entre as faculdades superiores do conhecimento.
intuitus: intuio. O conhecimento intuitivo aquele
em que a representao atual diz menos do que a
representao que ela quer expressar. No caso
dos signos, ela um signo que diz menos do que
o designado (Metafsica, 620).
iudicium: juzo, faculdade de julgar. A lei da
faculdade de julgar : quando o mltiplo de um
objeto reconhecido como contendo ou no
concordncia entre as partes, conhecida ou a
sua perfeio ou a sua imperfeio (Metafsica,
607). H um juzo sensvel e um juzo do
entendimento, j que ele pode se dar ou de
modo distinto ou indistinto (idem). Ao juzo
162 Glossrio

sensvel se d o nome de gosto [gustus] em


sentido amplo.
ironie: ironia. Tropo em que se d uma comparao
contrada por contraposio [contracta
antithesis].
libertas: liberdade, livre-arbtrio. A liberdade, de um
ponto de vista da relao do sujeito com o
mundo, a faculdade de desejar ou rejeitar
segundo uma escolha distinta. A liberdade no
sentido mais geral, como o de uma substncia,
por exemplo, expressa nos seguintes termos:
as aes de uma substncia so livres quando se
encontra em seu poder determin-las livremente;
e uma substncia que pode agir livremente
denominada de substncia livre (substantia
libera) (Metafsica, 719).
lingua: linguagem, idioma.
logica: lgica. Conhecimento situado no domnio da
razo e que se guia pela obteno da distino.
lux: luz. Porque cada melhora do conhecimento pode
ser denominada de iluminao [esclarecimento,
iluminatio], ela uma iluminao moral de
coisas que esto mais propriamente ligadas
liberdade, isto , o bem e o mal moral, a virtude
e o vcio. Certamente tambm h vrios graus
de conhecimento simblico no vicioso. Mas
O nascimento da esttica 163

naquilo que se encontra tanto conhecimento


quando exige o estado da virtude por meio de
sua riqueza, importncia, veracidade, clareza e
vivacidade predomina o estado da luz, ou o
reino moral da luz; aquele em que no h
suficiente conhecimento deste tipo se encontra
no estado das trevas, no reino moral das trevas
(tica, 443). Baumgarten indica a palavra
alem Aufklrung [esclarecimento] como opo
de traduo.
magnitudo: magnitude, grandeza. Na Metafsica (
161-163), Baumgarten distingue a magnitude
absoluta, que compreende toda a diversidade
das partes que compe uma coisa ou uma
questo, da magnitude comparativa, onde no
se alcana o todo, mas uma diversidade maior
que outra coisa comparada a ela.

malum: o mal.
materia: matria. O uso que Baumgarten faz do
conceito de matria na cosmologia ocorre na
maioria das vezes no seu sentido negativo,
porque, em conformidade com a tese leibniziana
da harmonia preestabelecida, ele acentua o
aspecto no material das mnadas. Um tomo
material seria um corpsculo indivisvel e
portanto no nada. Uma filosofia atomstica
seria, portanto, aquela que explica os fenmenos
164 Glossrio

corpreos a partir de tomos materiais; disso se


segue que essa filosofia falha (Metafsica,
429). Assim, o materialismo seria uma
concepo de mundo equivocada, porque partiria
da existncia externa de matria, o que decorre
apenas de uma iluso sensorial.
meditatio: meditao, considerao, reflexo.

memoria: memria. A faculdade de reconhecer


percepes passadas por meio de sua reproduo
[facultas reproductas perceptiones recognoscendi
(Metafsica, 579)].

metapher: metfora. Tropo em que ocorre uma


comparao curta por semelhana.
metaphysica: metafsica. A metafsica a cincia
dos primeiros princpios do conhecimento
humano. A ontologia, a cosmologia, a psicologia
e a teologia natural so atribudas metafsica
(Metafsica, 1-2).
metonymie: metonmia. Tropo em que ocorre uma
comparao em sentido estrito.

monas: mnada. Equivalente a tomo. Segundo a


famosa definio da Monadologia de Leibniz, as
mnadas so os verdadeiros tomos da
natureza. Baumgarten o coloca nos seguintes
termos: tomo se diz aquilo que indivisvel
O nascimento da esttica 165

per si. Apenas as mnadas so indivisveis per si.


Ento apenas as mnadas so tomos
(Metafsica, 424).

mundus: mundo. O mundo inteiro (universo, )


a srie (multido, totalidade) das coisas finitas,
efetivas e que no so parte de nenhuma outra
srie (Metafsica, 354).

natura: natureza. A natureza universal [natura


universa, naturata] a suma das naturezas de
todas as partes singulares e compostas do
mundo. Portanto, a natureza deste mundo, o
melhor dos mundos, a suma de todas os
elementos, essncias, possibilidades, capacidades
e foras de todas as suas partes, mnadas,
tomos, espritos, matrias e corpos (Metafsica,
466).

necessitas: necessidade. Necessrio aquilo cujo


contrrio impossvel (Metafsica, 101).

nexus: nexo, conexo, harmonia. O nexo (ligao,


conexo) o predicado em virtude do qual algo
a condio [ratio] ou o condicionado
[rationatum], ou ambos simultaneamente
(Metafsica, 14).

novitatis: novidade. A novidade o que desperta a


ateno. Ver tambm thaumaturgia.
166 Glossrio

ontologia: ontologia. A ontologia a cincia dos


predicados gerais ou abstratos do ente
(Metafsica, 4).
oratoria: oratria. A oratria a arte de bem dizer e
se divide na retrica e na poesia. Ver Metafsica,
622.
particularis: o particular.
passio: passividade. A passividade uma
modificao do estado, o efeito de um acidente
em uma substncia, por meio de uma fora que
lhe estranha (Metafsica, 210).
peccatum: pecado.
phantasia: fantasia, faculdade de imaginar,
imaginao. No possvel fazer em
Baumgarten uma distino precisa entre
phantasia e imaginatio, j que muitas vezes
aparecem como sinnimos. Mas, de um modo
geral, a fantasia principalmente a faculdade de
imaginar e a imaginao o produto desta
faculdade. Assim, a fantasia ocorre tanto quando
h recordao de uma situao passada (passivo)
como quando ocorre composio de imaginaes
com vistas a um objeto novo. A representao
do estado do mundo passado, isto , o meu
estado passado, uma imaginao [phantasma
(imaginatio, visum, visio)] (Metafsica, 557).
O nascimento da esttica 167

perceptio: percepo, representao. a totalidade


das representaes na alma (Metafsica, 514).
perfectio: perfeio. A perfeio o consenso entre
as coisas (Metafsica, 94). Ver tambm focus.
perspicacia: perspiccia. o engenho em sentido
estrito, isto , a capacidade de reconhecer a
concordncia entre as coisas e a capacidade de
reconhecer a diferena entre as coisas
(Metafsica, 573).
possibile: possvel. Ver principium contradictionis.
praevisio: previso. [...] lei da previso : quando
so percebidas uma sensao e uma imaginao
que compartilham uma percepo parcial, ento
disso resulta a representao inteira do estado
futuro, no qual as diversas partes da sensao e
da imaginao esto ligadas. Isso significa que
do presente prenhe do passado gestado o
futuro (Metafsica, 596).
praessagitio: pressgio. O pressgio ocorre toda vez
que uma representao passada coincide com
aquela que se forma no futuro. Na verdade, ela
se manifesta como uma expectativa e no se
confunde com o dom da profecia, que permite
adivinhar os acontecimentos para alm daquilo
que indicam as conjunturas sobre eventos
passados. O pressgio guiado ou apenas pelos
168 Glossrio

sentidos ou sob a interferncia conjunta do


intelecto, que, ao conhecer distintamente os elos
que ligam fenmenos passados, capaz de fazer
conjecturas sobre fenmenos futuros. Esse
ltimo tipo de pressgio ocorre normalmente sob
a forma de signos.
principium exclusi tertii: princpio do terceiro
excludo. Princpio segundo o qual tudo o que
possvel A ou no-A, no sendo possvel uma
outra opo (Metafsica, 10).
principium identitatis: princpio de identidade ou
princpio de determinao. Princpio decorrente
do princpio do terceiro excludo e segundo o
qual algo que no pode simultaneamente
tambm no ser (Metafsica, 11).
principium rationis: princpio de razo. Princpio
segundo o qual nada sem razo, isto , tudo o
que possvel tem uma razo de ser (Metafsica,
20).
principium rationis sucientis: princpio de razo
suficiente. Princpio segundo o qual toda vez que
algo posto, imediatamente tambm posta a
razo suficiente de sua existncia, isto , a
concordncia dela com o todo (Metafsica, 22).
principium utrinque connexorum: princpio de
conexo dupla. Princpio segundo o qual todo
O nascimento da esttica 169

possvel a razo de algo e tem a sua razo em


um outro. Portanto, a sua conexo se encontra
numa relao dupla, conhecida ora a posteriori,
ora a priori (Metafsica, 24).
psychologia: psicologia. A psicologia a cincia dos
predicados abstratos da alma. Porque a
psicologia contm os primeiros princpios das
teologias, da esttica, da lgica e das cincias
prticas, ela com razo atribuda metafsica
(Metafsica, 501-502).
pulcritudo: beleza. A perfeio do fenmeno ou
daquela que pode ser observada pelo gosto em
sentido amplo a beleza [...] (Metafsica, 662).
ratio: razo. Faculdade que resulta da aplicao do
entendimento s faculdades inferiores do
conhecimento, de tal modo que resulta disso um
conhecimento distinto das suas caractersticas e
atributos. A faculdade de conhecer a
concordncia e as diversidades das coisas, por
conseguinte, o engenho e a acuidade do intelecto,
a memria do intelecto ou a personalidade, a
faculdade e a habilidade de julgar algo
distintamente, a previso distinta de coisas
futuras, a prudncia e a faculdade de designar
do intelecto so a razo (Metafsica, 641).
reflexio: reflexo. A reflexo a ateno quando
dirigida sucessivamente para as partes de uma
170 Glossrio

percepo. E a ateno ao todo depois da


reflexo a comparao. Reflito, comparo
(Metafsica, 626).
reprehensio: refutao. A refutao um recurso
para a comprovao de um argumento.
Baumgarten considera que muitas vezes mais
importante refutar ideias sensveis equivocadas
do que tentar enfatizar as corretas.
representatio: representao. Baumgarten
compreende no mbito do sujeito a
representao como sinnimo de pensamento,
isto , aquilo que so os acidentes da alma
(Metafsica, 506), e que se dividem em confusos
ou sensveis e distintos ou intelectuais.
rhetorica: retrica. A retrica identificada na obra
de Baumgarten, ao lado da poesia, como uma
classe subordinada oratria a arte de bem
dizer (die Kunst wohl zu sprechen) e se
distingue da poesia por fornecer discursos que
no almejam a perfeio (o que est reservado
poesia), mas que permanecem incompletos. A
retrica , portanto, expurgada da sua
caracterstica persuasiva, no sentido comum do
termo.
sensus: sentido. A faculdade de perceber pelos rgos
dos sentidos, seja externamente e atualmente,
seja internamente e pelo recurso memria.
O nascimento da esttica 171

signum: signo. O signo expressa o objeto a partir de


uma relao de substituio. Ele o meio pelo
qual se conhece a realidade de uma outra coisa
(Metafsica, 347).
spontaneitas: espontaneidade. Um ato espontneo
quando ele encontra a sua causa suficiente na
coisa que produz esse ato.

sublimis: sublime, elevado.


symbolicus: simblico. Conhecimento em que o
signo diz mais do que o designado (Metafsica,
620).

synekdoche: sindoque. Tropo em que se d um


comparao contrada do grande e do pequeno.
ubertas: riqueza. O grau do conhecimento em que
se conhece mais a sua riqueza (plenitude,
extenso, abundncia, expanso), o qual, quando
limitado, resulta na pobreza do conhecimento
(Metafsica, 515).
thaumaturgia: taumaturgia. Como fora visionria,
a taumaturgia trata do estmulo que gerado
pela novidade: A luz da novidade ilumina as
representaes de um modo incomum. O
conhecimento intuitivo da novidade, a
admirao, desperta a curiosidade, a curiosidade
a ateno, e a ateno uma nova luz fornece
172 Glossrio

coisa que deve ser, por assim dizer, configurada


pictoricamente. Disso se segue que as coisas que
sero pensadas belamente, quando precisam ser
esclarecidas, devem ser postas de tal modo que
por meio de sua novidade nasa a admirao,
por meio da admirao, o interesse de conhecer
claramente e, por fim, por meio do interesse, a
ateno. A introduo de uma novidade e, por
meio dessa, da admirao, da curisoidade e da
ateno gostaramos de denominar, em virtude
da brevidade, de taumaturgia esttica (Esttica,
808).
theologia naturalis: teologia natural. A teologia
natural a cincia de Deus, na medida em que
ele pode ser conhecido sem a crena. A teologia
natural contm os primeiros princpios da
sabedoria prtica do mundo, da teleologia e da
doutrina revelada de Deus. Portanto, ela com
razo atribuda metafsica (Metafsica,
800-801).
tropus: tropo. Cada tropo que defini aqui como tal
uma figura, mas uma figura oculta, cuja forma
autntica no aparece simultaneamente no
fenmeno, porque ela uma figura abreviada
pela substituio (Esttica, 784). Baumgarten
quer evitar desse modo o ensinamento da Escola
que v no tropo uma figura completa e no
apenas um recurso que se vale apenas
O nascimento da esttica 173

parcialmente da figura, j que quer dela


emprestado apenas algo que est no sujeito da
comparao.
veritas: verdade. A verdade metafsica (real,
objetiva, material) a coincidncia de uma coisa
com os princpios universais do conhecimento.
Na medida em que as partes e caractersticas
essenciais de uma coisa ou questo se encontram
em conformidade com os princpios universais do
conhecimento, ento ela possui uma verdade
metafsica necessria (verdade transcendental)
(Metafsica, 89).
vis: fora. A fora, que a causa suficiente da
efetividade de uma modificao ou, em geral, de
um acidente, ou o aspecto substancial que
modificado ou, em geral, o aspecto substancial
em que o acidente efeciente (Metafsica,
210).
vita: vida.
voluntas: vontade. A vontade a apetio
racionalmente deliberada.
voluptas: prazer. O estado da alma quando ela intui
perfeies (Metafsica, 655).
Bibliografia

Obras de Baumgarten

Meditationes philosophicae de nonnullis ad poema perti-


nentibus. Halle, Grunert, 1735.
Metaphysica. Halle, Hemmerde, 1739.
Ethica philosophica. Halle, Hemmerde, 1740.
Philosophische Briee von Aletheophilus. Frankfurth
und Leipzig 1741.
Aesthetica. Frankfurt, Kleyb, 1750/58.
Acroasis logica. In Christianum L.B. de Wol. Halle,
Hemmerde, 1761.
Initia philosophiae practicae primae acroamatice. Halle,
Hemmerde, 1760.

175
176 Bibliografia

Tradues

sthetik. (Band 1: 1-613) Lateinischdeutsch. ber-


setzt, mit einer Einleitung und Anmerkungen hrsg.
von Dagmar Mirbach. Meiner Verlag, Frankfurt, 2007.
sthetik. (Band 2: 614-904) Lateinischdeutsch.
bersetzt, mit einer Einleitung und Anmerkungen
hrsg. von Dagmar Mirbach. Meiner Verlag, Frank-
furt, 2007.
Esttica - A Lgica da Arte e do Poema. Traduo de
Mriam Sutter Medeiros. Vozes, Petrpolis, 1993.
Esthtique prcde des Mditations philosophiques
sur quelques sujets se rapportant lessence du pome
et de la Mtaphysique ( 501 623). Traduction, pr-
sentation et notes par Jean-Yves Pranchere. ditions
de LHerne, Paris, 1988.
Metaphysik [nach der bersetzung von Georg Friedrich
Meier]. Halle im Magdeburgischen, verlegt von Carl
Hermann Hemmerde, 1766. Nachgedruckt nach der
7. Ausgabe Halle von 1779 (3. Nachdruckauflage),
Hildesheim/ New York: Olms, 2005.
Texte zur Grundlegung der sthetik. bersetzt und
hergestellt von Hans Rudolf Schweizer. Meiner, Ham-
burg, 1983.
Theoretische sthetik. Die grundlegende Abschnitte aus
der Aesthetica (1750/58). bersetzt und hergestellt
von Hans Rudolf Schweizer. Meiner, Hamburg, 1983.
Die Vorreden zur Metaphysik. Herausgegeben, ber-
setzt und kommentiert von Ursula Niggli. Vittorio
O nascimento da esttica 177

Klostermannn, Frankfurt am Main, 1998.

Outros autores
Aristteles. Potica. Traduo, prefcio, introdu-
o, comentrio e apndices de Eudoro de Souza. Im-
prensa Nacional/Casa da Moeda, Vila da Maia, 1986.
___Retrica. Introduo de M. Alexandre Jnior e
traduo do grego e notas de M. Alexandre Jnior, P.
F. Alberto e A. N. Pena. INCM, Lisboa, 1998.
Arnauld, A. & Nicole, P. La logique ou lart de
penser. Notes et posface de C. Jourdain. Gallimard,
Paris, 1992.
Bergson, H. Matria e Memria. Traduo de Paulo
Neves da Silva. Martins Fontes, So Paulo, 1999.
Bodmer, J.J. Die poetische Sprache. In: Fr Aeltere
Litteratur und Neuere Lectre, 2.Jg., 2.Qu., 2.H., 1784,
pp. 1-9.
Boileau, N. Arte potica. Traduo de Clia Berret-
tini. Perspectiva, So Paulo, 1979.
Ccero. Sobre el orador. Introduccion, traduccion y
notas de J.J. Iso Echegoyen. Gredos, Madrid, 2002.
Ccero [pseudo]. Retrica a Hernio (edio bilinge).
Traduo e introduo de Ana Paula Celestino Faria
e Adriana Seabra. Hedra, So Paulo, 2005.
Descartes, R. Discurso do Mtodo; Meditaes; Obje-
es e Respostas; As Paixes da Alma; Cartas. Intro-
duo de Gilles-Gaston Granger, prefcio e notas de
178 Bibliografia

Gerard Lebrun e traduo de J. Guinsburg e Bento


Prado Jnior. Coleo Pensadores (capa azul). Edi-
tora Abril, So Paulo, 1973.
Gottsched, J.C. Versuch einer critischen Dischtkunst
(unvernderter photo- mechanischer Nachdruck der 4.
vermehrten Auflage, Leipzig, 1751). Wissenschaftli-
che Buchgesellschaft Darmstadt, Darmstadt, 1962.
___Ausfrliche Redekunst nach Anleitung der alten
Griechen und Rmer. Breitkopf Verlag, Leipzig, 1739.
Hamann, J.G. Aesthetica in nuce. Text nach Johann
Georg Hamann. Mit einem Kommentar herausgege-
ben von Sven-Aage Jrgensen. Reclam-Verlag, Stutt-
gart, 1968.
Herder, J.G. bers Erkennen und Empfinden der
menschlichen Seele. In Sturm und Drang Weltans-
chauliche und sthetische Schriften (Band 1). Berlin
und Weimar, 1978, S. 399-431.
Horcio. A arte potica. In: A potica clssica. Tra-
duo de Jaime Bruna. Editora Cultrix, So Paulo,
2005.
Kant, I. Crtica da razo pura. Traduo de Manu-
ela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujo.
Fundao Calouste Gulbenkina, Lisboa, 1989.
___Crtica da faculdade do juzo. Traduo de Valrio
Rohden e Antnio Marques. Forense Universitria,
Rio de Janeiro, 1995.
___Textos pr-crticos. Seleo e introduo de Rui
Magalhes e traduo de Jos Andrade Reis. Rs,
Porto, 1983.
O nascimento da esttica 179

___Elektronische Edition der Gesammelten Werke Im-


manuel Kants. Bonn, 2005.
Leibniz, G.W. Novos Ensaios sobre o Entendimento
Humano. Coleo Pensadores (capa cinza). Traduo
de Luiz Joo Barana. Nova Cultural, So Paulo,
1988.
___A Monadologia; Discurso de Metafsica; e outros
textos. Coleo Pensadores (capa branca). Tradu-
es de Carlos Lopes de Mattos, Luiz Joo Barana e
Marilena de Souza Chau. Editora Abril, So Paulo,
1983.
___Philosophische Schriften. Hergestellt von H.H.
Holz (4 Bnde). Suhrkamp, Frankfurt am Main, 1996.
Longino. Do sublime. Traduo de Filomena Hirata.
Martins Fontes, So Paulo, 1996.
Lessing, G.E. Werke (Band 3). C. Hanser Verlag,
Mnchen, 1970.
Locke, J. Ensaio Acerca do Entendimento Humano.
Traduo de Anoar Aiex. Coleo Pensadores (1a
ed.). Editora Abril, So Paulo, 1973.
Mendelssohn, M. ber die Empfindungen. In Philo-
sophische Schriften (Erster Theil). Voss, Berlin, 1777.
_Betrachtungen ber die Quellen und die Verbindun-
gen der schnen Knste und Wissenschaften. In Ge-
sammelte Schriften (Band 1). Berlin, 1929.
Merleau-Ponty, M. Fenomenologia da Percepo.
Traduo de Carlos Alberto Ribeiro de Moura. Ed.
Martins Fontes, So Paulo, 1994.
Moritz, K. P. Werke (3 Bnde). Hergestellt von H.
180 Bibliografia

Gnther. Insel, Frankfurt am Main, 1981.


Quintiliano, M.F. Instituies oratrias. Traduo
de Jeronymo Soares Barbosa. Imprensa Real da Uni-
versidade, Coimbra, 1788.=
Shaftesbury (A.A. Cooper). A letter of enthusiasm.
In Characteristics of men, manners, opinions, times
(volume 1). University Press, Oxford, 1999.
Sulzer, J.G. Allgemeine Theorie der Schnen Knste.
Edio fac-smile com base nos originais de 1771 e
1774.
Wolff, C. Metafisica Tedesca. Introduzione, tradu-
zione, note e appararti a cura di Raaele Ciafardone
(testo tedesco a fronte). Rusconi, Chieti, 1998.

Comentrios
Baeumler, A. Kants Kritik der Urteilskraft Das
Irrationalittsproblem in der
___sthetik und Logik des 18. Jahrhunderts bis zur
Kritik der Urteilskraft. Max Niemeyer Verlag, Halle,
1923.
Belaval, Y. tudes Leibniziennes de Leibniz Hegel.
Gallimard, Paris, 1976.
Benoist, J. Limpens de la reprsentation: De Leib-
niz a Kant. In Kant Studien, 89 Jahrgang, S. 300-317.
Buchenau, S. The Art of Invention and the Invention
of Art. A dissertation presented to the Faculty of the
Graduate School of Yale University in candidacy for
O nascimento da esttica 181

the degree of Doctor of Philosophy, december 2004.


Cardoso, A. Leibniz segundo a expresso. Edies
Colibri, Lisboa, 1992.
Cassirer, E. A Filosofia do Iluminismo. Editora da
Unicamp, Campinas, 1992.
___Freiheit und Form. Studien zur deutschen Geis-
tesgeschichte. Wissenschaftliche Buchgesellschaft
Darmstadt, Darmstadt, 1994.
Croce, B. Introduction to Eighteenth-Century Aesthe-
tic. In Philosophy, Vol. 9, No. 34. (Apr., 1934), pp.
157-167.
Deleuze, G. Empirismo e Subjetividade. Traduo de
Luiz B.L. Orlandi. Editora 34, So Paulo, 2004.
___A dobra. Leibniz e o barroco. Traduo de Luiz
B.L. Orlandi. Papirus, Campinas, 2000.
Edelmann, G. Enlightenment and the Intellectual Foun-
dations of Modern Culture. Yale University Press,
New Heaven, 2004.
Erdmann, J.E. Leibnizt und die Entwicklung des Ide-
alismus vor Kant. Wilhelm Vogel Verlag, Leipzig,
1842.
Faltin, P. ber Gegenstand und Sinn der philosophis-
chen sthetik. In International Review of the Aesthe-
tics and Sociology of Music, Vol. 11, No. 2. (Dec.,
1980), pp. 169-195.
Fichant, M. Science et mtaphysique dans Descartes et
Leibniz. Press Universitaires de France, Paris, 1998.
Foucault, M. Die Ordnung der Dinge. Aus dem
franzsichem von U. Kppen. Suhrkamp, Frankfurt
182 Bibliografia

am Main, 1971.
Formigari, L. The History of Language Philosophies.
John Benjamins Publishing, 2004.
Franke, U. Das richtige Leben und die Kunst: Die
schne Seele im Horizont von Leibniz Philosophie.
In MLN, Vol. 103, No. 3 (Apr., 1988), pp. 504-518.
Glaser, H. A (org). Die Wendung der Aufklrung zur
Romantik (1680-1760). John Benjamins Publisher,
Amsterdam/Philadelphia, 2001.
Gross, S.W. The neglected programme of aesthetics.
In British journal of Aesthetics, vol. 43, no 2, october
2004, pp. 403-414.
Hammermeister, K. The German Aesthetic Tradition.
Cambridge University Press, 2003.
Hansen, J. A. Alegoria Construo e interpretao
da metfora. Hedra, So Paulo e Editora da Unicamp,
Campinas, 2006.
Kaufmann, T. C. Antiquarianism, the History of Ob-
jects, and the History of Art before Winckelmann. In
Journal of the History of Ideas, Vol. 62, No. 3. (Jul.,
2001), pp. 523-541.
Kennedy, G.A. Classical Rhetoric & Its Christian
& Secular Tradition from Ancient to Modern Times.
University of North Carolina Press, North Carolina,
1999.
Kirchner, F. Wrterbuch der Grundbegrie der Phi-
losophie. Carl Michaelis, Heilderberg, 1907.
Knabe, P.-E. La Gense de lesthtique moderne 1680-
1760. In LAube de LModernit. dit par Knabe,
O nascimento da esttica 183

P.-E.; Mortier. R.; Moureau, F. John Benjamins Pu-


blishing Company, Amsterdam/ Philadelphia, 2002
Lausberg, H. Manual de retrica literaria. Versin
espanla de Jos Prez Riesco. Gredos, Madrid, 1983.
Lebrun, G. Kant e o fim da metafsica. Traduo
de Carlos Alberto Ribeiro de Moura. Martins Fontes,
So Paulo, 1993.
___A noo de semelhana, de Descartes a Leib-
niz. Traduo de Michel Lahud. In A filosofia e sua
histria. So Paulo: Cosac Naify, 2006.
Linn, M.-L. A.G. Baumgartens Aesthetica und die
antike Rhetorik. In Deutsche Vierteljahrschrift fr
Literatur und Gestesgeschichte, 41 (1967) S. 424-443.
Makkreel, R.A. The Confluence of Aesthetics and
Hermeneutics in Baumgarten, Meier, and Kant. In
The Journal of Aesthetics and Art Criticism, Vol. 54,
No. 1 (Winter, 1996), pp. 65-75.
Moura, C.A.R. Racionalidade e Crise. Discurso Edi-
torial/ Editora UFPR, So Paulo, 2002.
Nemoianu, V. Under the Sign of Leibniz: The Growth
of Aesthetic Power. In New Literary History, Vol. 16,
No. 3, On Writing Histories of Literature. (Spring,
1985), pp. 609-625.
Nuzzo, A. Kant and Herder on Baumgartens Aesthe-
tica. In Journal of the History of Philosophy, vol. 44,
no. 4 (2006) 577597.
Paetzold, H. sthetik des deutschen Idealismus Zur
Idee sthetischer Rationalitt bei Baumgarten, Kant,
Schelling, Hegel und Schopenhauer. Franz Steiner Ver-
184 Bibliografia

lag, Wiesbaden, 1983.


Peres, C. Komplexitt und Mangel sthetischer Zei-
chen Baumgartens (proto)semiotische Theorie und
Goodmans Symptome der Kunst. In: Studia Leibni-
tiana, Band XXXII/2, 2000, pp. 215-236.
Plebe, A. & Emanuele, P. Manual de retrica. Tra-
duo de Eduardo Brando. Martins Fontes, So
Paulo, 1992.
Pimenta, P. P. A linguagem das formas Natureza e
arte em Shaftesbury. Alameda, So Paulo, 2007.
Pombo, O. Leibniz e o problema de uma lngua uni-
versal. Junta Nacional de Investigao Cientfica e
Tecnolgica, Lisboa, 1997.
Reiss, H. The Naturalization of the Term sthe-
tik in Eighteenth- Century German: Alexander Got-
tlieb Baumgarten and His Impact. In The Modern
Language Review, Vol. 89, No. 3, (Jul., 1994), pp.
645-658.
Santos, L.H.L. Leibniz e Os Futuros Contingentes.
In Analytica, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, p. 91-121,
1998.
Schneider, M. Denken und Handeln der Monade.
Leibniz Begrndung der Subjektivitt. In: Studia
Leibnitiana, Band XXV, Heft 1, 1993, pp. 68-82.
Suzuki, M. O gnio romntico. Crtica e histria da
filosofia em Friedrich Schlegel. Iluminuras, So Paulo,
1998.
Schtze, M. The Fundamental Ideas in Herders Thought.
In Modern Philology, Vol. 18, No. 2. (Jun., 1920),
O nascimento da esttica 185

pp. 65-78.
Tatarkiewicz, W. The Great Theory of Beauty and
Its Decline. In The Journal ofAesthetics and Art
Criticism, Vol. 31, No. 2. (Winter, 1972), pp. 165-
180.
Todorov, T. Teorias do smbolo. Traduo de Enid
Abreu Dobrnszky. Papirus Editora, Campinas, 1996.
Wessel Jr., L.P. Alexander Baumgartens contribu-
tion to the development of aesthetics. In The Jour-
nal of Aesthetics and Art Criticism, Vol. 30, No. 3
(Spring, 1972), pp. 333-342.
___Hamanns Philosophy of Aesthetics: Its Meaning
for the Storm and Stress Period. In The Journal ofA-
esthetics and Art Criticism, Vol. 27, No. 4 (Summer,
1969), pp. 433-443.

Você também pode gostar