O Deus Dos Palpiteiros - Sapientiam Autem Non Vincit Malitia

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O deus dos palpiteiros


Olavo de Carvalho

Dirio do Comrcio, 18 de maro de 2009

Se h um Deus onipotente, onisciente e onipresente, bvio que no podemos conhec-Lo como objeto, ou
mesmo como sujeito externo, mas apenas como fundamento ativo da nossa prpria autoconscincia,
maximamente presente como tal no instante mesmo em que esta, tomando posse de si, se pergunta por Ele.
Tal o mtodo de quem entende do assunto, como Plato, Aristteles, Sto. Agostinho, S. Francisco de
Sales, os msticos da Filocalia, Frei Loureno da Encarnao ou Louis Lavelle.

Quando um Richard Dawkins ou um Daniel Dennett examinam a questo de um Ser Supremo que teria
criado o mundo e chegam naturalmente concluso de que esse Ser no existe, eles raciocinam como se
estivessem presentes criao enquanto observadores externos e, pior ainda, observadores externos de cuja
constituio ntima o Deus onipresente tivesse tido a amabilidade de ausentar-se por instantes para que
pudessem observ-Lo de fora e testemunhar Sua existncia ou inexistncia. Esse Deus objetivado no existe
nem pode existir, pois logicamente autocontraditrio. Dawkins, Dennett e tutti quanti tm toda a razo em
declar-lo inexistente, pois foram eles prprios que o inventaram. E ainda, por uma espcie de astcia
inconsciente, tiveram o cuidado de conceb-lo de tal modo que as provas empricas da sua inexistncia so,
a rigor, infinitas, podendo encontrar-se no somente neste universo mas em todos os universos possveis, de
vez que a impossibilidade do autocontraditrio universal em medida mxima e em sentido eminente, no
dependendo da constituio fsica deste ou de qualquer outro universo.

Se voc no acredita no Deus da Bblia, isso no faz a mnima diferena lgica ou metodolgica na sua
tentativa de investigar a existncia ou inexistncia dEle, quando essa tentativa honesta. Qualquer que seja o
caso, voc s pode discutir a existncia de um objeto previamente definido se o discute conforme a definio
dada de incio e no mudando a definio no decorrer da conversa, o que equivale a trocar de objeto e
discutir outra coisa. Se Deus definido como onipotente, onisciente e onipresente, desse Deus que voc
tem de demonstrar a inexistncia, e no de um outro deus qualquer que voc mesmo inventou conforme as
convenincias do que pretende provar.
O mtodo dos Dawkins e Dennetts baseia-se num erro lgico to primrio, to grotesco, que basta no s
para desqualific-los intelectualmente nesse domnio em particular, mas para lanar uma sombra de suspeita
sobre o conjunto do que escreveram sobre outros assuntos quaisquer, embora seja possvel que pessoas
incompetentes numa questo que julgam fundamental para toda a humanidade revelem alguma capacidade no
trato de problemas secundrios, onde sua sobrecarga emocional menor.

Longe de poder ser investigado como objeto do mundo exterior, Deus tambm definido na Bblia como
uma pessoa, e como uma pessoa sui generis que mantm um dilogo ntimo e secreto com cada ser humano
e lhe indica um caminho interior para conhec-La. S se voc procurar indcios dessa pessoa no ntimo da
sua alma e no os encontrar de maneira alguma, mesmo seguindo precisamente as indicaes dadas na
definio, ser lcito voc declarar que Deus no existe. Caso contrrio voc estar proclamando a
inexistncia de um outro deus, no que a Bblia concordar com voc integralmente, com a nica diferena de
que voc imagina, ou finge imaginar, que esse deus o da Bblia.

Quando o inimigo da f faz um esforo para ater-se definio bblica, ele o faz sempre de maneira parcial e
caricata, com resultados ainda piores do que no argumento da criao. Dawkins argumenta contra a
oniscincia, perguntando como Deus poderia estar consciente de todos os pensamentos de todos os seres
humanos o tempo todo. A pergunta a formulada de maneira absurda, tomando as autoconscincias como
objetos que existissem de per si e questionando a possibilidade de conhecer todos ao mesmo tempo ex post
facto. Mas a autoconscincia no um objeto. um poder vacilante, que se constitui e se conquista a si
mesmo na medida em que se pergunta pelo seu prprio fundamento e, no o encontrando dentro de seus
prprios limites, levado a abrir-se para mais e mais conscincia, at desembocar numa fonte que
transcende o universo da sua experincia e notar que dessa fonte, inatingvel em si mesma, provm, de
maneira repetidamente comprovvel, a sua fora de intensificar-se a si prprio. Dez linhas de Louis Lavelle
sobre este assunto, ou o pargrafo em que Aristteles define Deus como noesis noeseos, a autoconscincia
da autoconscincia, valem mais do que todas as obras que Dawkins e Dennett poderiam escrever ao longo
de infinitas existncias terrestres. Um Deus que desde fora observasse todas as conscincias um
personagem de histria da carochinha, especialmente inventado para provar sua prpria inexistncia. Em vez
de perguntar como esse deus seria possvel, sabendo de antemo que impossvel, o filsofo habilitado parte
da pergunta contrria: como possvel a autoconscincia? Deus no conhece a autoconscincia como
observador externo, mas como fundamento transcendente da sua possibilidade de existncia. Mas voc s
percebe isso se, em vez de brincar de lgica com conceitos inventados, investiga a coisa seriamente desde a
sua prpria experincia interior, com a maturidade de um filsofo bem formado e um extenso conhecimento
do status quaestionis.

O que mata a filosofia no mundo de hoje o amadorismo, a intromisso de palpiteiros que, ignorando a
formulao mesma das questes que discutem, se deleitam num achismo inconseqente e pueril, ainda mais
ridculo quando se adorna de um verniz de cincia.

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Em 18 de maro de 2009 / Artigos
Tags: 2009, Bblia, Deus, Dirio do Comrcio, filosofia, Plato, Richard Dawkins, Sto. Agostinho

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Olavo de Carvalho
1 hora atrs

Por que Deus castigou o rei Davi, que comeu s uma dona fora do expediente, e no castigou Salomo, que
comeu duzentas? Porque Davi ficou to tarado pela criatura que chegou ao homicdio para poder com-la --
e isto j no impulso sexual, tentao demonaca.
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Olavo de Carvalho
1 hora atrs

Um mentecapto com "special abilities" apenas um macaco bonobo com pinto maior.
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