José Augusto Pacheco
José Augusto Pacheco
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Docente do Instituto de Educao da Universidade do Minho, Braga, Portugal. E-mail: [email protected]
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Revista e-Curriculum, So Paulo, v.11 n.01 abr.2013, ISSN: 1809-3876
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RESUMO
Uma das principais discusses em educao e na pedagogia tem estado relacionado com o
modo de pensar a inter-relao teoria crtica e teoria ps-crtica. Uma abordagem comparativa
necessita de estar ligada ao estruturalismo e ao ps-estruturalismo, principalmente quando a
discusso est centrada nas dimenses social e pessoal. Neste artigo, analisarei o passado,
presente e futuro da teoria crtica, identificando alguns problemas metodolgicos, de modo a
compreender a complexidade do campo dos estudos curriculares.
ABSTRACT
One of the most considerable discussions in education and pedagogy has been related to think
about the interrelation between critical theory and post-critical theory. A comparable
approach needs to be rooted in the structuralism and post-structuralism, especially when the
discussion is centered in the social and personal dimensions. In this article I will analyze the
past, the present and the future of the critical theory identifying some epistemological
problems in order to understand the complexity of the curriculum studies field.
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1 INTRODUO
No livro Escritos sobre Histria, Hobsbawm (2010) apresenta o passado como uma
dimenso permanente da conscincia humana, na qual cada um de ns est filiado, pela sua
pertena a uma comunidade, seja ela de que ordem for, e dentro da qual vamos construindo
sentidos de pertena em termos simblicos, como reconhece iek (2006), ao falar de
concepes normativas que estabelecem a relao entre o simblico e o real. Atribuindo ao
passado a recordao formalizada, a partir de muitas circunstncias, Hobsbawm (2010)
refere que a ideologia um sistema de valores que pertence ao sector inflexvel, o que no
impede a flexibilidade e a abertura a novas perspetivas, j que o passado continua a ser a
ferramenta analtica mais til no que se refere ao confronto com a transformao constante,
mas assumindo uma forma nova, ou seja, o passado entendido enquanto processo de se
transformar no presente (ibid., p. 20). Tendo emergido nos princpios da Escola de
Frankfurt (NOBRE, 2004; ASSOUN,1989), com argumentos, primeiro, da filosofia e
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muitos deles vinculados pragmtica e tecnicidade dos saberes, tal como formulado por
Habermas (1979), quando distingue a teoria crtica da teoria prtica e da teoria tcnica, so
identificados por Santos3 (1999a, p. 9), a partir destes trs enunciados: Primeiro, uma
preocupao metodolgica com a natureza e validade do conhecimento cientfico, uma
vocao interdisciplinar, uma recusa da instrumentalizao do conhecimento cientfico ao
servio do poder poltico ou econmico. Segundo, uma concepo da sociedade que
privilegia a identificao dos conflitos e dos interesses () Terceiro, um compromisso
tico que liga valores universais aos processos de transformao social e que assim confere
teoria crtica uma aspirao utpica.
Abraado pelo estruturalismo, o pensamento crtico promove o interesse
emancipatrio, ou seja, a autorreflexo orientada para a responsabilidade e autonomia
(HABERMAS, 1979, p. 149) dentro de estruturas, pois a realidade social contm uma
estrutura cuja compreenso requer a imagem terica de decorrncias radicalmente
transformadoras e revolucionadoras de todas as condies culturais, estrutura que de modo
nenhum pode ser dominada pelo procedimento das cincias naturais mais antigas, orientado
para o registro de ocorrncias repetidas (HORKHEIMER, 2006, p.9).
A autonomia do sujeito estruturalista verifica-se na base de uma racionalidade das
estruturas, cujas dinmicas so analisadas a partir de conceitos-chave (classe, raa, gnero,
ideologia, hegemonia.), em que a conscientizao ocorre numa dimenso intersubjetiva
(HABERMAS, 1979), j que no h um sem os outros, mas ambos em permanente
integrao (FREIRE, 2006, p. 41) atravs do dilogo crtico e libertador (ibid., p. 59). Por
isso, aplicando-se escola o mtodo de anlise estrutural, possvel identificar foras e
poderes relacionados com a ao dos sujeitos, mergulhados em normas institudas por
grupos dominantes, tendo a teoria crtica o papel de transformar a realidade social e de
desocultar os mecanismos da sua reproduo. Porm, no se trata de um sujeito que existe
pela singularidade ou fora da histria real, com suas mltiplas estruturas a transcender o
indivduo (HORKHEIMER, 2006, p. 14), na medida em que Marx e Engels assumiram a
dialtica num sentido materialista. Mantiveram a convico hegeliana da existncia de
estruturas e tendncias supraindividuais e dinmicas na evoluo histrica, descartando,
entretanto, a f num poder espiritual independente, que atuaria na histria (ibid., p. 17).
Neste caso, e contrariamente ao que postula o existencialismo sartriano, o sujeito, a
conscincia, vo apagar-se em proveito da regra, do cdigo e da estrutura (DOSSE, 2007,
p. 33), instaurando uma subjetividade social, em que a histria real transcende o sujeito,
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alis como defende Horkheimer (2006, p. 29): Apesar de toda a diversidade dos interesses,
o elemento subjetivo no conhecimento dos homens no sua arbitrariedade, mas a
participao de suas capacidades, sua educao, seu trabalho, em suma, de sua prpria
histria, que deve ser compreendida em conexo com a histria da sociedade.
Numa sntese sobre as dificuldades em construir-se uma teoria crtica, Santos (1999b,
p. 201) declara essa impossibilidade, sobretudo quando esta concebe a sociedade como
uma totalidade e, como tal, prope uma alternativa total sociedade que existe,
radicalizando-se a sua razoabilidade argumentativa em dinmicas de conceitos que so
essencialmente teis no esclarecimento de uma dualidade, na qual o sujeito fica prisioneiro
de estruturas, ao mesmo tempo que mantm a esperana e a utopia da sua transformao
como um todo.
Porm, a teoria crtica no s questiona a educao e o currculo no quadro das
estruturas sociais, polticas e econmicas que legitimam o conhecimento, mas tambm
relaciona o conhecimento escolar com as questes de poder e controlo, pelo que o
currculo, construdo na diversidade de contextos, atores e propsitos diferenciados, contm
relaes de poder e no pode ser considerado como algo neutro e pretensamente tcnico.
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Defendo neste texto, e recorrendo a ideias de alguns dos seus autores fundacionais,
que teoria crtica e teoria ps-crtica, ou as pluralidades tericas que as caracterizam,
seguem um mesmo caminho, bifurcando significativamente no modo como se entende a
valorizao do social e do pessoal. Tm em comum, certo, a contestao de um mundo
administrado (HORKHEIMER, 2006, p.4), em que se tem uma conscincia crtica da
educao nas escolas, de uma perspetiva de um vasto mercado de competncias
operacionais (LYOTARD, 2006, p. 93) e de lgicas de accountability (STEINER-
KHAMASI & WALDOW, 2012).
Deste modo, o sujeito em sociedade configurado por prticas de racionalidades
(ps) burocrticas, em que a sua identidade marcada tanto pela homogeneizao de
padres referenciais, quanto pela avaliao, que para Gil (2009, p. 25), uma forma
concreta de subjetivao, atravs de um mtodo universal de identidades necessrias
modernizao. Os seus efeitos so diversos, especialmente quando o ser homem mede-se
pela sua posio nas escalas das performances a que incessantemente submetido (ibid.,
p. 52). Voltar, ainda, teoria crtica reconhecer um pensamento que no traga a
indiferena pelo individuo, sendo que o princpio da racionalidade econmica continua
a remodelar tanto a empresa quanto os homens (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p.
189).
O papel da teoria, seja crtica ou seja ps-crtica, a de um esclarecimento, no sentido
filosfico kantiano, de uma crtica. Em resposta questo O que a crtica?, Foucault
(1990, pp. 1-27) responde: Seria preciso tentar manter alguns propsitos em torno desse
projeto que no cessa de se formar, de se prolongar, de renascer nos confins da filosofia,
sempre prximo dela, sempre contra ela, s suas custas, na direo de uma filosofia por vir
(), uma certa relao com o que existe, com o que se sabe, o que se faz, uma relao com
a sociedade, com a cultura, uma relao com os outros tambm, e que se poderia chamar,
digamos, de atitude crtica.
Descrevendo-a como uma virtude geral, Foucault (ibid., p.2) afirma que a atitude
crtica o movimento pelo qual o sujeito se d o direito de interrogar a verdade sobre seus
efeitos de poder e o poder sobre seus discursos de verdade; pois bem, a crtica ser a arte da
inservido voluntria, aquela da indocilidade refletida. A crtica teria essencialmente por
funo a desassujeitamento no jogo do que se poderia chamar, em uma palavra, a poltica
da verdade (ibid., p. 5).
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5 CONCLUSO
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Quer dizer, assim, que a teoria (ps) crtica tem presentemente a tarefa de, no caso
das prticas curriculares, analisar de que modo a racionalidade irracional da lgica de
mercado induz a aes concordantes com a racionalidade tyleriana e deslegitima o papel do
sujeito e da diferena ligada subjetividade. Para isso, possvel reconhecer a existncia
de uma abordagem curricular de mercado, cuja anlise necessita de ser pensada a partir de
pressupostos muito diversos, pois as orientaes administrativas e polticas tm revelado o
primado do econmico e social sobre o pessoal. Este um desafio que este artigo acaba de
fortalecer.
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103-144.
IEK, Slavoj. O sujeito incmodo. O centro ausente da ontologia poltica. Lisboa: Relgio
Dgua, 2009.
Notas:
1
Para alm da leitura de textos seminais de Geoff Whitty, Joe Kincheloe, Paulo Ferire, Michael Apple, Henry
Giroux, Peter Maclaren e William Pinar, Cf. os seguintes marcadores da Encyclopedia of Curriculum Studies,
editada por Craig Kridel, em 2010: Critical Pedagogy; Critical Praxis; Critical Race Feminism; Critical Race
Theory; Critical Theory-Curriculum Ideology, Critical Theory Research; Cultural Identities; Curriculum
Discourses.
2
Cf. Jos Alberto Torres, Teoria Crtica e Sociologia Poltica da Educao, 2003, p. 109: os conceitos de
contradio, dialtica, explorao, dominao e legitimao so decisivos no arsenal da teoria crtica e do neo-
marxismo.
3
Cf. Ins Barbosa Oliveira, Contribuies de Boaventura de Sousa Santos para a reflexo curricular: princpios
emancipatrios e currculospensadospraticados, 2012.
4
Esta classificao baseia-se na classificao de Horkheimer, identificando Tomaz da Silva as teorias
tradicionalistas, as teorias crticas e as teorias ps-crticas. No livro Currculo: teoria e prxis, 2006,
identificmos as diferentes abordagens conceptuais em torno da teorizao curricular, com destaque para o
impacto das ideias de Habermas nos estudos curriculares.
5
Para Michael Foucault, A hermenutica do sujeito, 2011, p. 9, o cuidado de si uma espcie de aguilho que
deve ser implantado na carne dos homens, cravado na sua existncia, e constitui um princpio de agitao, um
principio de movimento, um princpio de permanente inquietude no curso da existncia, sendo, deste modo,
uma atitude para consigo, para com os outros, para com o mundo (ibid., p. 11).
6
Num outro texto, Slavoj iek, O sujeito incmodo. O centro ausente da ontologia poltica, 2009, utiliza as
noes de universalidade concreta e universalidade abstrata, sendo que a primeira corresponde aceitao da
universalidade neutra do cogito cartesiano e a segunda diz respeito ao universal vazio, contingente e particular de
Laclau.
7
Traduo de Lafet Borges e reviso de Wanderson Flor do Nascimento, da UNESP.
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