José Augusto Pacheco

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TEORIA (PS) CRTICA: PASSADO, PRESENTE E FUTURO A PARTIR DE UMA


ANLISE DOS ESTUDOS CURRICULARES

(POST) CRITICAL THEORY: PAST, PRESENT AND FUTURE FROM AN


ANALYSIS OF CURRICULUM STUDIES

PACHECO, Jos Augusto*

*
Docente do Instituto de Educao da Universidade do Minho, Braga, Portugal. E-mail: [email protected]

____
Revista e-Curriculum, So Paulo, v.11 n.01 abr.2013, ISSN: 1809-3876
Programa de Ps-graduao Educao: Currculo PUC/SP
http://revistas.pucsp.br/index.php/curriculum
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RESUMO

Uma das principais discusses em educao e na pedagogia tem estado relacionado com o
modo de pensar a inter-relao teoria crtica e teoria ps-crtica. Uma abordagem comparativa
necessita de estar ligada ao estruturalismo e ao ps-estruturalismo, principalmente quando a
discusso est centrada nas dimenses social e pessoal. Neste artigo, analisarei o passado,
presente e futuro da teoria crtica, identificando alguns problemas metodolgicos, de modo a
compreender a complexidade do campo dos estudos curriculares.

Palavras-chave: Teoria Crtica. Teoria ps-crtica. Estruturalismo. Ps-estruturalismo.


Estudos curriculares.

ABSTRACT

One of the most considerable discussions in education and pedagogy has been related to think
about the interrelation between critical theory and post-critical theory. A comparable
approach needs to be rooted in the structuralism and post-structuralism, especially when the
discussion is centered in the social and personal dimensions. In this article I will analyze the
past, the present and the future of the critical theory identifying some epistemological
problems in order to understand the complexity of the curriculum studies field.

Keywords: Critical theory. Post-critical theory. Structuralism. Post-structuralism. Curriculum


studies.

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1 INTRODUO

Com origem conceptual no pensamento da escola de Frankfurt, e amplamente


discutida na base de argumentos filosficos, sobretudo a partir dos trabalhos de Horkheimer
e Habermas, a teoria crtica abarca, hoje em dia, perspetivas muito diversas, dando origem
a clivagens acadmicas, mais acentuadas ainda quando so utlizados conceitos identitrios
da ps-modernidade e do ps-estruturalismo.
Com este artigo, pretende-se contribuir para uma discusso da teoria (ps) crtica em
torno dos estudos curriculares, argumentando-se que a anlise das diferentes abordagens
torna possvel compreender a pluralidade de teorias, quase sempre apresentadas na
dicotomia das anlises e no reducionismo dos paradigmas. No encontra, por isso, o leitor
no texto uma linha cronolgica do que tem sido a discusso terica sobre o pensamento
crtico, desde a dcada de 1930 at ao presente, nem to pouco a constelao de autores
associados s perspetivas (ps) crticas. Remete-se esse trabalho para a leitura de obras
marcantes1, procurando-se abordar no texto alguns mtodos de anlise da realidade social,
na ligao entre o passado, o presente e o futuro.
So desenvolvidos no texto trs pontos: 2. O sentido do passado da teoria crtica; 3. O
presente da teoria ps-crtica; 4. O futuro da teoria (ps) crtica.

2 O SENTIDO DO PASSADO DA TEORIA CRTICA

No livro Escritos sobre Histria, Hobsbawm (2010) apresenta o passado como uma
dimenso permanente da conscincia humana, na qual cada um de ns est filiado, pela sua
pertena a uma comunidade, seja ela de que ordem for, e dentro da qual vamos construindo
sentidos de pertena em termos simblicos, como reconhece iek (2006), ao falar de
concepes normativas que estabelecem a relao entre o simblico e o real. Atribuindo ao
passado a recordao formalizada, a partir de muitas circunstncias, Hobsbawm (2010)
refere que a ideologia um sistema de valores que pertence ao sector inflexvel, o que no
impede a flexibilidade e a abertura a novas perspetivas, j que o passado continua a ser a
ferramenta analtica mais til no que se refere ao confronto com a transformao constante,
mas assumindo uma forma nova, ou seja, o passado entendido enquanto processo de se
transformar no presente (ibid., p. 20). Tendo emergido nos princpios da Escola de
Frankfurt (NOBRE, 2004; ASSOUN,1989), com argumentos, primeiro, da filosofia e

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sociologia e, depois, da psicanlise e dos estudos culturais, a teoria crtica um conceito


histrico, cuja anlise tem de ser feita nos princpios conceptuais do estruturalismo e do
ps-estruturalismo e nas dinmicas sociais introduzidas por diversos conceitos, por
exemplo, o da ideologia. Assim, desde o incio da teorizao crtica em educao,
ideologia tem sido um dos conceitos centrais a orientar a anlise da escolarizao, em geral,
e a do currculo, em particular (MOREIRA & TADEU DA SILVA, 1997, p. 21),
acentuando-se a difcil separao entre cincia e ideologia (ESTRELA, 2011, p. 32).
Caminhando-se na busca deste seu sentido histrico, Horkheimer (2000, p. 51)
contrape a teoria crtica teoria tradicional a partir da interrogao - Como se relaciona o
pensamento crtico com a experincia? no intuito de lhe conferir uma configurao
poltica, pois o que prope uma atividade terica que, uma vez orientada para a
emancipao, tenha por objetivo a transformao da totalidade social atravs da
identificao de categorias dominantes. O pensamento crtico reconhece que toda a
mudana, numa perspetiva de uma filosofia negativa2, dado que prevalece a lgica de
negao das estruturas existentes, no tarefa de um s sujeito mas de sujeitos
comprometidos com a construo do presente histrico. Com efeito, para Horkheimer
(ibid., p. 50), a profisso do terico crtico a luta, a que pertence ao seu pensamento e
no o pensamento como algo independente ou que possa ser separado da luta, incutindo-
lhe uma postura de agressividade: a sua crtica agressiva no s contra quem
conscientemente faz a apologia do existente, bem como contra as tendncias desviantes,
conformistas ou utpicas que surgem nas suas prprias fileiras (ibid., p. 50).
O sentido histrico da teoria crtica representa, grosso modo, a problematizao dos
fatores sociais e polticos, com nfase para a ideologia e hegemonia como categorias
principais do pensamento social, deixando de lado a construo de uma identidade ligada
ao sujeito e sua relao com os outros, em larga medida explorada pela ps-
reconceptualizao no campo dos estudos curriculares (GOODSON, 2001; PINAR, 2008;
LEITE & PRECIOSA, 2012). O sentido do seu passado foi construdo, por conseguinte, na
base do mtodo marxista o melhor mtodo de que dispomos para analisar a histria
(HOBSBAWN, 2010, p. 59) e do mtodo estruturalista, assim descrito por Foucault
(1966, p. 221): O estruturalismo no um mtodo novo, a conscincia desperta e
inquieta do saber moderno.
Os traos caractersticos da teoria crtica, na sua formulao inicial de uma teoria que
se filia na explanao de que a verdade do conhecimento est ligada a interesses sociais,

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muitos deles vinculados pragmtica e tecnicidade dos saberes, tal como formulado por
Habermas (1979), quando distingue a teoria crtica da teoria prtica e da teoria tcnica, so
identificados por Santos3 (1999a, p. 9), a partir destes trs enunciados: Primeiro, uma
preocupao metodolgica com a natureza e validade do conhecimento cientfico, uma
vocao interdisciplinar, uma recusa da instrumentalizao do conhecimento cientfico ao
servio do poder poltico ou econmico. Segundo, uma concepo da sociedade que
privilegia a identificao dos conflitos e dos interesses () Terceiro, um compromisso
tico que liga valores universais aos processos de transformao social e que assim confere
teoria crtica uma aspirao utpica.
Abraado pelo estruturalismo, o pensamento crtico promove o interesse
emancipatrio, ou seja, a autorreflexo orientada para a responsabilidade e autonomia
(HABERMAS, 1979, p. 149) dentro de estruturas, pois a realidade social contm uma
estrutura cuja compreenso requer a imagem terica de decorrncias radicalmente
transformadoras e revolucionadoras de todas as condies culturais, estrutura que de modo
nenhum pode ser dominada pelo procedimento das cincias naturais mais antigas, orientado
para o registro de ocorrncias repetidas (HORKHEIMER, 2006, p.9).
A autonomia do sujeito estruturalista verifica-se na base de uma racionalidade das
estruturas, cujas dinmicas so analisadas a partir de conceitos-chave (classe, raa, gnero,
ideologia, hegemonia.), em que a conscientizao ocorre numa dimenso intersubjetiva
(HABERMAS, 1979), j que no h um sem os outros, mas ambos em permanente
integrao (FREIRE, 2006, p. 41) atravs do dilogo crtico e libertador (ibid., p. 59). Por
isso, aplicando-se escola o mtodo de anlise estrutural, possvel identificar foras e
poderes relacionados com a ao dos sujeitos, mergulhados em normas institudas por
grupos dominantes, tendo a teoria crtica o papel de transformar a realidade social e de
desocultar os mecanismos da sua reproduo. Porm, no se trata de um sujeito que existe
pela singularidade ou fora da histria real, com suas mltiplas estruturas a transcender o
indivduo (HORKHEIMER, 2006, p. 14), na medida em que Marx e Engels assumiram a
dialtica num sentido materialista. Mantiveram a convico hegeliana da existncia de
estruturas e tendncias supraindividuais e dinmicas na evoluo histrica, descartando,
entretanto, a f num poder espiritual independente, que atuaria na histria (ibid., p. 17).
Neste caso, e contrariamente ao que postula o existencialismo sartriano, o sujeito, a
conscincia, vo apagar-se em proveito da regra, do cdigo e da estrutura (DOSSE, 2007,
p. 33), instaurando uma subjetividade social, em que a histria real transcende o sujeito,

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alis como defende Horkheimer (2006, p. 29): Apesar de toda a diversidade dos interesses,
o elemento subjetivo no conhecimento dos homens no sua arbitrariedade, mas a
participao de suas capacidades, sua educao, seu trabalho, em suma, de sua prpria
histria, que deve ser compreendida em conexo com a histria da sociedade.
Numa sntese sobre as dificuldades em construir-se uma teoria crtica, Santos (1999b,
p. 201) declara essa impossibilidade, sobretudo quando esta concebe a sociedade como
uma totalidade e, como tal, prope uma alternativa total sociedade que existe,
radicalizando-se a sua razoabilidade argumentativa em dinmicas de conceitos que so
essencialmente teis no esclarecimento de uma dualidade, na qual o sujeito fica prisioneiro
de estruturas, ao mesmo tempo que mantm a esperana e a utopia da sua transformao
como um todo.
Porm, a teoria crtica no s questiona a educao e o currculo no quadro das
estruturas sociais, polticas e econmicas que legitimam o conhecimento, mas tambm
relaciona o conhecimento escolar com as questes de poder e controlo, pelo que o
currculo, construdo na diversidade de contextos, atores e propsitos diferenciados, contm
relaes de poder e no pode ser considerado como algo neutro e pretensamente tcnico.

3 O PRESENTE DA TEORIA PS-CRTICA

Com as denominaes ps-modernidade, ps-modernismo, ps-estruturalismo e ps-


colonialismo, entre outras, afirma-se o presente da teoria ps-crtica, melhor dizendo, das
teorias ps-crticas, se a classificao de Tadeu da Silva (2000) for mencionada4. Trata-se
de uma diversidade de pressupostos conceptuais com o denominador comum da
valorizao da subjetividade (PINAR, 2006, 2007a; 2007b, 2008, 2011), do primado do
pessoal em relao ao social (PINAR, 2010) e da descredibilizao das metanarrativas
(LYOTARD, 2006). Um outro ponto comum encontra-se na afirmao da identidade,
diferena e emancipao como conceitos-chave (MAIA, 2011), definidores de tendncias
conceptuais que expressam quer a essncia do sujeito, caso da fenomenologia husserliana,
quer as individualidades que o caracterizam e cuja anlise se faz pela desconstruo: A
desconstruo como mtodo era outro nome para uma operao de tipo estruturalista, ou
seja, transformar um texto complexo, desintric-lo para o reduzir a legibilidades, a
oposies, a disfuncionamentos (DOSSE, 2007, p. 37).
Sendo heterogeneidade e pluralidade, sem centro de uma estrutura e sem hierarquias
de anlise, a identidade desconstri-se pela diferena, palavra que Derrida (2001) escreve
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foneticamente (diffrance) para expressar o vnculo do seu pensamento ps-estruturalista,


mesmo que tal palavra esteja na esteira do pensamento seminal de Lyotard (2006), como
reconhece Burbules (2003, p. 159): Em parte, uma nfase na diferena, e principalmente
nas interpretaes ps-estruturalistas da diferena, expresso da desconfiana ps-
moderna em relao s metanarrativas e discursos unificadores em geral.
Da que doravante os discursos estejam presentes nas anlises que se fazem sobre o
sujeito, deixando de ser perspetivado pelo critrio do universal e passando a ser olhado pela
identidade e diferena, melhor dito, pelas identidades e diferenas, mais mltiplas e plurais,
se for considerado o pensamento de alteridade de Lacan (1998). Entretanto, muitos outros
autores poderiam ser citados, sobretudo aqueles que a partir dos estudos culturais, ou
estudos de gnero, ou de outros campos tericos, caso da filosofia, literatura, antropologia e
sociologia, fazem a rutura com o paradigma crtico, renunciando postura
denunciadora e comeando a escutar os atores (DOSSE, 2007, p. 18), sendo que sujeito
ps-moderno o resultado do cruzamento dessas mltiplas dinmicas e das mltiplas
culturas que o contm (TADEU DA SILVA, 1999, p. 195).
A formao da identidade e da subjetividade so categorias dominantes na teoria ps-
crtica, onde no existe uma certeza absoluta, mas simplesmente ideias que no podem ser
fixadas como verdades (SALIH, 2012, p. 13) e que apenas podem ser analisadas em
contextos histricos e discursivos especficos (ibid., p. 15). Nas palavras de Foucault
(2011), o sujeito cuida de si mesmo5, no reconhecimento do seu dfice de instruo,
ainda que neste processo sejam criadas as tecnologias de docilizao do corpo e da mente,
institucionalizadas pela escola, a par do hospital e da priso (FOUCAULT, 1975).
As teorias ps-crticas divergem de forma significativa do pensamento crtico no
entendimento da noo de emancipao. Partindo da tipologia proposta por Laclau (2004),
Maia (2011) refere que o entendimento ps-crtico de emancipao distancia-se de uma
viso totalizante e estvel, portadora de uma oposio radical, mantendo, no entanto, uma
operacionalidade social e uma produtividade poltica, sendo que a emancipao, no dizer de
Santos (1999b), um pensamento de rebeldia. Para Lyotard, (2006, p. 23), como escreveu
no livro A condio ps-moderna, publicado em 1979, havia ento o perigo de o modelo
crtico se reduzir a uma utopia, a uma esperana quando centrada na radicalidade da luta de
classes como pilar social do princpio da diviso.
Sustentar-se-, assim, que a emancipao muito mais do que a atitude reativa, que
muitos autores crticos evidenciam nos seus escritos (PACHECO, 2000; 2005; 2009), para

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se tornar numa fabricao de possibilidades e impossibilidades, bem como no


reconhecimento da heterogeneidade, mediante o que Foucault (2010) apelida de lgica da
estratgia, em vez da lgica da dialtica, sendo esta uma lgica que faz jogarem termos
contraditrios num elemento do homogneo (ibid., p. 21), e aquela tendo por funo
estabelecer quais as conexes possveis em termos dspares e que continuam a ser dspares.
A lgica da estratgia a lgica da conexo do heterogneo e no a lgica da
homogeneizao do contraditrio (ibid., p. 21).
Sem que deixe de reconhecer na emancipao o lado social, de natureza poltica,
sobretudo na contestao e denncia de realidades sociais opressoras (FREIRE, 2006), o
seu significado, explorado nas teorias ps-crticas, marcadamente pessoal, contribuindo
para abrir novos espaos possveis para a ao humana, em particular ao do (a)s mais
dominado(a)s (CORCUFF, 2011, p. 190) e rejeitando o destino de menorizao e
esquecimento que lhe o estruturalismo lhe trouxera. Todavia, os estruturalistas, caso de
Dosse (2007, p. 27), afirmam que o sujeito ressurge na sua figura narcisista contrria s
cincias sociais.
Das discusses anteriormente referidas com forte impacto no campo dos estudos
curriculares de destacar o abandono das grandes narrativas; a descrena em uma
conscincia unitria, homognea, centrada; a rejeio da ideia de utopia; a preocupao
com a linguagem e com a subjetividade; a viso de que todo o discurso est saturado de
poder; a celebrao da diferena (MOREIRA, 2000, p. 10). Contestando estes
pressupostos, que esto na base do relativismo do conhecimento, Young (2010, p. 73)
argumenta que, ao reduzir o conhecimento a pontos de vista particulares, o ps-
modernismo segue uma lgica redutora que polariza o conhecimento dominante contra as
vozes ausentes ou silenciosas que este exclui, defendendo, consequentemente, uma
abordagem realista do conhecimento, j que o conhecimento tem caractersticas que so
independentes do contexto (ibid., p. 138). Com os pressupostos da abordagem realista, o
pensamento curricular segue parmetros consensualmente definidos em torno de registos
universais, perspetivando-se em formas de anlise crtica de prticas curriculares centradas
no conhecimento do quotidiano (PRIESTLEY, 2011).

4 O FUTURO DA TEORIA (PS) CRTICA

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Perante os ps, a introduo de quase infinitas multiplicidades, naquilo que o sujeito


e pode ser, em termos da sua singularidade e subjetividade, tem conduzido a uma
fragmentao dos estudos curriculares, mantendo bem presente a sua crise identitria em
termos tericos (PACHECO, 2012; PACHECO & SEABRA, 2013). Neste caso, faz
sentido perspetivar as abordagens crtica e ps-crtica a partir de uma mesma anlise
categorial?
Como no h resposta possvel, j que a discusso em torno do relativismo e do
universalismo se tem revelado antagnica, o caminho possvel encontra-se na considerao
do que so os princpios bsicos das teorizaes crtica e ps-crtica, principalmente quando
referem uma atitude de distanciamento ao que existe como realidades existentes, sendo que
a reconstruo social e subjetiva no pode ocorrer sem conhecimento acadmico
(PINAR, 2008, p. 502), mesmo que este autor perfilhe que uma teoria ps-crtica,
integrando uma pluralidade de teorias, nos estudos curriculares contemporneos buscar a
compreensibilidade do conhecimento, orientado para a reconstruo do significado social
e subjetivo (ibid., p. 502).
Se a teoria ps-crtica joga muito mais na dimenso intrasubjetiva, isto , a
pluralidade das identidades que constituem um mesmo indivduo e suas personalidades
mltiplas (CORCUFF, 2001, p. 25) do que na dimenso intersubjetiva, ou da relao entre
indivduos ao nvel da realidade social, a discusso adquire centralidade radical em torno
do no universal, em que a dificuldade de pensar o tempo est ligada superabundncia
de acontecimentos do mundo contemporneo (AUG, 2006, p. 29), afirmando-se, desse
modo, os no-lugares como os espaos da sobremodernidade que s conhece indivduos,
mas estes no so identificados, socializados e localizados (ibid., p. 93).
Este arqutipo do viajante introduz a relativizao do tempo e estabelece uma nova
perspetiva relativamente ao lugar do sujeito na sociedade, embora, para Horkheimer (2006,
p. 46), e consequentemente para a teoria crtica, o tempo () meramente uma condio
subjetiva das nossas percepes humanas (), e como tal, fora do sujeito, nada . nesta
situao dilemtica da relao entre o universal e o relativo, sem que seja necessrio
introduzir uma anlise excludente, que Foucault (2010, p. 27) prope como mtodo a
reduo historicista: Por outras palavras, em vez de partir dos universais para deles
fenmenos concretos, ou em vez de partir dos universais como grelhas de inteligibilidade
para algumas prticas concretas, gostaria de partir dessas prticas e, de certa maneira,
passar os universais para a grelha dessas prticas (). O historicismo parte do universal e

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passa-o, de certa forma, pelo ralador da histria. O meu problema precisamente o


contrrio () no interrogar os universais utilizando a histria como mtodo crtico, mas a
partir da deciso da inexistncia dos universais para saber que histria se pode fazer.
nesta anlise de desconstruo que a abordagem ps-crtica mais se afasta da
teorizao crtica, pois esta, pelo peso das ideias marxistas, nega a existncia de um
relativismo, situando o sujeito numa teia de relaes sociais, fortemente estruturantes, da
qual dificilmente se pode libertar. O relativismo pedaggico, na qual se integram o
multicuralismo e a teoria do professor reflexivo, entre outras abordagens, considerado,
por Duarte (2011, p. 245), uma pedagogia negativista, na medida em que so negadas as
formas clssicas de educao escolar, conduzindo, assim, a uma ausncia de referncias
para a definio do que ensinar nas escolas s novas geraes (Ibid., p. 247). No mesmo
plano de argumentao de Young (2010), que defende a supremacia do conhecimento
terico sobre o conhecimento do quotidiano e para Alves e Oliveira (2012, p. 67), cada
situao cotidiana sempre nica e, portanto, exceo s regras predefinidas - Duarte
(2011, p. 247) crtico quando se argumenta que o cotidiano do aluno deve ser a
referncia central para as atividades escolares, alertando para a fragmentao e insolvncia
do currculo: Se existem milhares de culturas particulares, existiro milhares de currculos,
ou o currculo escolar dissolvido, e em seu lugar colocado um suposto dilogo entre as
culturas nas quais esto inseridos alunos? (ibid., p. 247).
Porque o ps-estruturalismo, suportado pelas teorias ps-marxistas (GOLDSTEIN,
2005) e por uma pluralidade de abordagens que proclamam o regresso do sujeito pela sua
subjetividade, tem argumentos vlidos para a valorizao do pessoal face ao social, iek
(2006, p. 59) escreve que a universalidade um espao partilhado de compreenso entre
as diferentes culturas deveria ser concebida como uma tarefa infinita de traduo, um
trabalho constante de reelaborao da nossa posio particular 6. Esta ideia iek
consonante com a posio de Adorno e Horkheimer, (1985, p. 205), para quem a luta
contra os conceitos universais no tem sentido. Mas isso no nos diz o que pensar da
dignidade do universal. O que comum a muitos indivduos, ou o que reaparece no
indivduo, no precisa absolutamente de ser mais estvel, mais eterno, mais profundo que o
particular. Se a teoria crtica, segundo (LYOTARD, 2006, p. 22) deve estar em condies
de escapar ao destino da teoria tradicional - o da programao do todo social como um
simples instrumento de otimizao das performances - qual o caminho da teoria ps-
crtica?
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Defendo neste texto, e recorrendo a ideias de alguns dos seus autores fundacionais,
que teoria crtica e teoria ps-crtica, ou as pluralidades tericas que as caracterizam,
seguem um mesmo caminho, bifurcando significativamente no modo como se entende a
valorizao do social e do pessoal. Tm em comum, certo, a contestao de um mundo
administrado (HORKHEIMER, 2006, p.4), em que se tem uma conscincia crtica da
educao nas escolas, de uma perspetiva de um vasto mercado de competncias
operacionais (LYOTARD, 2006, p. 93) e de lgicas de accountability (STEINER-
KHAMASI & WALDOW, 2012).
Deste modo, o sujeito em sociedade configurado por prticas de racionalidades
(ps) burocrticas, em que a sua identidade marcada tanto pela homogeneizao de
padres referenciais, quanto pela avaliao, que para Gil (2009, p. 25), uma forma
concreta de subjetivao, atravs de um mtodo universal de identidades necessrias
modernizao. Os seus efeitos so diversos, especialmente quando o ser homem mede-se
pela sua posio nas escalas das performances a que incessantemente submetido (ibid.,
p. 52). Voltar, ainda, teoria crtica reconhecer um pensamento que no traga a
indiferena pelo individuo, sendo que o princpio da racionalidade econmica continua
a remodelar tanto a empresa quanto os homens (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p.
189).
O papel da teoria, seja crtica ou seja ps-crtica, a de um esclarecimento, no sentido
filosfico kantiano, de uma crtica. Em resposta questo O que a crtica?, Foucault
(1990, pp. 1-27) responde: Seria preciso tentar manter alguns propsitos em torno desse
projeto que no cessa de se formar, de se prolongar, de renascer nos confins da filosofia,
sempre prximo dela, sempre contra ela, s suas custas, na direo de uma filosofia por vir
(), uma certa relao com o que existe, com o que se sabe, o que se faz, uma relao com
a sociedade, com a cultura, uma relao com os outros tambm, e que se poderia chamar,
digamos, de atitude crtica.
Descrevendo-a como uma virtude geral, Foucault (ibid., p.2) afirma que a atitude
crtica o movimento pelo qual o sujeito se d o direito de interrogar a verdade sobre seus
efeitos de poder e o poder sobre seus discursos de verdade; pois bem, a crtica ser a arte da
inservido voluntria, aquela da indocilidade refletida. A crtica teria essencialmente por
funo a desassujeitamento no jogo do que se poderia chamar, em uma palavra, a poltica
da verdade (ibid., p. 5).

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E para esta verdade no existe qualquer receita, como sublinha (HORKHEIMER,


2006, p. 1): Tirar consequncias da teoria crtica para atuar politicamente o anseio
daqueles que pensam com seriedade; no entanto, no existe uma receita geral, salvo a
necessidade de compreender a prpria responsabilidade, tornando-se urgente voltar aos
primrdios da escola de Frankfurt, em que a teoria crtica um pensamento esclarecedor,
sem estar prisioneiro de dominao cega, em que o desencantamento da realidade social
feito a partir do saber, que no nem imaginao, nem utopia, nem esperana irrealizvel.

5 CONCLUSO

Para o poeta andaluz Antnio Machado (1875-1939), a essncia do sujeito est no


caminho que percorre, fazendo-se caminho a andar. Porque o caminho pode estar nos
sulcos do mar, a crtica, mesma na sua forma de utopia, uma atitude que exige um
esclarecimento permanente na construo de anlises alternativas realidade social,
recuperando a atitude reflexiva das ideias fenomenologistas (RAFFERTY, 2011) e
incorporando a natureza de alternativa social da escola de Frankfurt, cujo problema
consistia em determinar qual seria a nova racionalidade que poderia ser definida de
maneira a anular a irracionalidade econmica (FOUCAULT, 2010, pp. 143-144).
Embora a crtica, como se pode sustentar a partir dos argumentos de Hobsbawm
(2010), seja um processo reflexivo sobre o passado como uma dimenso permanente da
conscincia humana, a sua condio de rebeldia (SANTOS, 1999b) joga-se na projeo do
futuro, para que se torne possvel ultrapassar as lgicas coercivas do presente. Em tempos
em que a racionalidade econmica se torna cada vez mais omnipresente e legitimadora de
polticas, processos e prticas de educao e formao homogneas, e consequentemente de
propostas curriculares estandardizadas em resultados, a teoria (ps) crtica torna-se
pertinente se recuperar o pensamento weberiano, contrrio ao pensamento marxista, que
esteve na base da escola de Frankfurt, tal como reconhece Foucault (2010, p. 143): Se
Marx tentou definir e analisar aquilo a que se poderia chamar a lgica contraditria do
capital, o problema de Max Weber, que ele introduziu simultaneamente na reflexo
sociolgica, na reflexo econmica e na reflexo poltica alem, no tanto o da lgica
contraditria do capital, antes o problema da racionalidade irracional da sociedade
capitalista.

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Quer dizer, assim, que a teoria (ps) crtica tem presentemente a tarefa de, no caso
das prticas curriculares, analisar de que modo a racionalidade irracional da lgica de
mercado induz a aes concordantes com a racionalidade tyleriana e deslegitima o papel do
sujeito e da diferena ligada subjetividade. Para isso, possvel reconhecer a existncia
de uma abordagem curricular de mercado, cuja anlise necessita de ser pensada a partir de
pressupostos muito diversos, pois as orientaes administrativas e polticas tm revelado o
primado do econmico e social sobre o pessoal. Este um desafio que este artigo acaba de
fortalecer.

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Notas:
1
Para alm da leitura de textos seminais de Geoff Whitty, Joe Kincheloe, Paulo Ferire, Michael Apple, Henry
Giroux, Peter Maclaren e William Pinar, Cf. os seguintes marcadores da Encyclopedia of Curriculum Studies,
editada por Craig Kridel, em 2010: Critical Pedagogy; Critical Praxis; Critical Race Feminism; Critical Race
Theory; Critical Theory-Curriculum Ideology, Critical Theory Research; Cultural Identities; Curriculum
Discourses.
2
Cf. Jos Alberto Torres, Teoria Crtica e Sociologia Poltica da Educao, 2003, p. 109: os conceitos de
contradio, dialtica, explorao, dominao e legitimao so decisivos no arsenal da teoria crtica e do neo-
marxismo.
3
Cf. Ins Barbosa Oliveira, Contribuies de Boaventura de Sousa Santos para a reflexo curricular: princpios
emancipatrios e currculospensadospraticados, 2012.
4
Esta classificao baseia-se na classificao de Horkheimer, identificando Tomaz da Silva as teorias
tradicionalistas, as teorias crticas e as teorias ps-crticas. No livro Currculo: teoria e prxis, 2006,
identificmos as diferentes abordagens conceptuais em torno da teorizao curricular, com destaque para o
impacto das ideias de Habermas nos estudos curriculares.
5
Para Michael Foucault, A hermenutica do sujeito, 2011, p. 9, o cuidado de si uma espcie de aguilho que
deve ser implantado na carne dos homens, cravado na sua existncia, e constitui um princpio de agitao, um
principio de movimento, um princpio de permanente inquietude no curso da existncia, sendo, deste modo,
uma atitude para consigo, para com os outros, para com o mundo (ibid., p. 11).
6
Num outro texto, Slavoj iek, O sujeito incmodo. O centro ausente da ontologia poltica, 2009, utiliza as
noes de universalidade concreta e universalidade abstrata, sendo que a primeira corresponde aceitao da
universalidade neutra do cogito cartesiano e a segunda diz respeito ao universal vazio, contingente e particular de
Laclau.
7
Traduo de Lafet Borges e reviso de Wanderson Flor do Nascimento, da UNESP.

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