História Do Paraná
História Do Paraná
História Do Paraná
HISTRIA DO PARAN:
MIGRAES, POLTICAS E RELAES
INTERCULTURAIS NA REOCUPAO
DAS REGIES NORTE, NOROESTE E
OESTE DO ESTADO
2016
Equipe Tcnica:
Maurlio Rompatto
Cssio Augusto Guilherme
Leandro de Arajo Crestani
(Organizadores)
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SUMRIO
10
09 - As memrias de Braz Ponce Martins e o
desbravamento das novas frentes no noroeste e
oeste do Paran (1946-1975) 206
Autora: Gelise Cristine Ponce Martins.
11
1 - FREI TIMTEO DE CASTELNUOVO: MISSO,
UTOPIA E REALIDADE NO ALDEAMENTO SO PEDRO
DE ALCNTARA DE JATAZINHO-PR (1855-1895)
INTRODUO
16
dos missionrios catlicos no Imprio, e o momento histrico pelo
qual passava a Ordem dos Frades Capuchinhos, buscando a sua
renovao missionria para adequar o carisma ao mundo que ento
se descortinava com novas propostas e possibilidades de trabalho.
Com a promulgao do decreto imperial 285 de 21 de Junho
de 1843 que permitia ao governo trazer os missionrios Capuchinhos
para o trabalho nos aldeamentos, fazia-se necessrio encontrar entre
eles, frades que se aventurassem a assumir o encargo. Foi o Baro de
Antonina em pessoa que conseguiu alguns capuchinhos genoveses
para a misso no Paran. Frei Timteo confirma no seu testamento:
APOLTICAINDIGENISTAEOCASODOALDEAMENTO
SO PEDRO DE ALCNTARA:
20
indgenas, ou seja, o decreto 426 de 24/07/184510. De acordo com
Mota (2006, p.06), essa legislao uma das representaes das
prticas da sociedade envolvente na sua expanso pelos territrios
indgenas. Ser dentro desse contexto que poderemos compreender
o lugar dos Capuchinhos italianos na misso dos aldeamentos no
Imprio Brasileiro.
A poltica de desinfestao das terras da colnia, termo
corrente na linguagem dos defensores de uma retirada forada dos
ndios dos locais vistos como importantes para o progresso do pas,
seria uma necessidade proeminente para o sucesso da empreitada. O
aldeamento foi o mtodo utilizado para favorecer esta expanso e,
na viso poltica da poca, dava conta de duas questes importantes:
a utilizao das terras ocupadas pelos ndios e a insero destes num
ambiente controlado, dando assim uma resposta a sociedade.
No Paran, a instalao de um aldeamento, levou em conta
o local para acomodar os ndios, e tambm a estratgica do Imprio
para aquela regio que era uma maior integrao entre as provncias
do Paran e Mato Grosso. Sua implantao deu-se nos caminhos dos
rios Tibagi e Paranapanema e dava conta de algumas situaes: para
que se pudesse colonizar e implementar a agricultura e a pecuria nas
terras habitadas pelos ndios (catequese era o termo religioso); para
povoar a regio norte do Estado e tambm para fortalecer o comrcio
por vias fluviais entre as Provncias do Paran e Mato Grosso.
Os aldeamentos tiveram um destacado papel econmico
dentro da provncia. Para Marcante (2008) este aspecto no pode
ser ignorado uma vez que os ndios aldeados no eram apenas
atores coadjuvantes neste processo e participavam ativamente na
venda dos produtos ali produzidos.
Localizado na margem esquerda do rio Tibagi, o aldeamento
So Pedro de Alcntara iniciou com um pequeno nmero de ndios
Kaiows trazidos do Mato Grosso a mando do Baro de Antonina
pelo sertanista Lopes e pelo mapista ingls Eliot. Um relatrio do
Baro, enviado ao presidente da provncia Zacarias de Ges, no dia
09 de Janeiro de 1854, nos d a exata dimenso de como estavam
10 Este decreto contm o regulamento acerca das misses de catequese e civilizao dos ndios.
21
as coisas na poca. Diz o texto:
32
quem poderia ser importante para sanar estas e outras dificuldades. Em
muitas correspondncias observamos que ele fala de roupas e materiais
de trabalho, que precisavam aqueles que colaboravam na obra.
Como j afirmamos, os maiores problemas para o trabalho
no aldeamento eram de ordem econmica, por isso suas constantes
reclamaes ao governo da provncia e mesmo do imprio. Sem
perder o humor franciscano, dirige-se at o Rio de Janeiro, na
corte imperial atrs das verbas necessrias e desdenhosamente diz:
Nesta corte fui bem recebido e bem tratado (...) Tudo aqui paz,
mas em matria de dinheiro s guerra(CASTELNUOVO, T.
Apud ORLEANS, 1959, p. 168).
CONSIDERAES FINAIS:
33
J no dia 28 de Dezembro de 1894, menos de um ano antes
de sua morte, ao escrever ao padre comissrio do Rio de Janeiro
sobre sua sade, ele relata a amizade e da preocupao dos ndios
para com ele: a parte que este povo tomou, sem exceo, pelo meu
restabelecimento, o prazer que mostrou pela minha melhora, digno de
meu reconhecimento e seria eu uma fera se assim no fosse. Os ndios
do serto vinham de longe pressurosos a saber notcia do seu velho
Ciramoin (CASTELNUOVO, T. Apud ORLEANS, 1959, p. 2008).
Em carta ao ministro geral da Ordem reconhece seu
amor com eles: Jamais chorei de rancor, por motivo de meus
povos; porm, meus olhos vertem lgrimas de ternura por eles
(CASTELNUOVO, T. Apud ORLEANS, 1959, p. 127).
Em sua opinio, as dificuldades enfrentadas no aldeamento,
lhe eram suficientes para abandonar seus ndios, como ele mesmo
diz: Aqui tudo est para pior; mas abandonar minha misso de
trinta e quatro anos e o resto do meu povo amado, ao meu corao
repugna (CASTELNUOVO, T. Apud ORLEANS, 1959, p. 130).
Finalmente, documentamos mais uma demonstrao de afeto
quando no seu testamento ele diz: no mais fui feliz, mereci o amor,
a simpatia dos ndios e o nome de pai dos mesmos (...) a nica
causa de me achar ainda no serto por certo entre eles morrer
(CASTELNUOVO, T. Apud ORLEANS, 1959, p. 131).
Estes fragmentos vem corroborar com nossa viso
segundo a qual o velho frade adquiriu dos ndios, com os quais
ele conviveu durante quarenta anos, respeito e reconhecimento,
e de sua parte ultrapassou a noo corrente na poca que via no
ndio um indmito selvagem. Esta superao de um conceito
preconceituoso aconteceu obviamente lentamente devido os anos
de convivncia, tendo seu pice na escolha do missionrio em
morrer junto aos ndios que doravante denominou seus amigos.
O fim do projeto de So Pedro de Alcntara no esteve
ligado a dificuldade de catequese dos ndios e muito menos porque
o governo tinha algo melhor a oferecer. Bom lembrar o motivo pelo
qual este aldeamento foi iniciado. Figueiredo (2004) ressalta que
o aldeamento estava dentro de um projeto poltico maior que era
servir de entreposto numa via de comunicao com o Mato Grosso.
Com o passar do tempo, e especialmente aps a guerra com
o Paraguai, o aldeamento perdeu sua importncia e iniciou-se um
34
processo de desmantelamento do mesmo. Ainda que para o governo
provincial e imperial o aldeamento j estivesse fora dos planos, Frei
Timteo alimentava o sonho de ver o seu trabalho florescer em uma
civilizao elevada. Ele deixa isso escrito numa carta enviada ao
governador do Paran Xavier da Silva em 1892:
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
37
2. IMIGRAO EUROPEIA NA FRONTEIRA OESTE DO
PARAN (1854/1930)
40
He huma desgraa, mas a verdade obriga-me a dizer-vos
que, nesta provncia, onde os ndios selvagens nos milhares
(a camara municipal de Guarapuava avalia em mais de
10 mil os que percorrem os sertes do Paran) habito
o territrio de certos municipios, onde no districto dos
Ambrozios, 12 legoas pouco mais ou menos desta cidade,
os indgenas ameao a segurana de gente civilizada,
no existe hum aldeamento regular! (sic) (RELATRIO,
1854a, p. 60).
43
importantes na provncia para que a colonizao se efetivasse. A
problemtica em questo residia no fato de que havia a inteno de
estabelecer indstrias agrcolas, porm o merecedor deste benefcio
seria o colono de origem europeia, no os indgenas que habitavam
este espao e que foram marginalizados no processo civilizatrio.
46
Nos sertes do Paran, a erva-mate e a madeira eram
consideradas produtos relevantes para o desenvolvimento do
extrativismo. A erva-mate, ento, era projetada como artigo de
exportao sobre o qual o governo imperial teria interesse em suas
negociaes com o mercado europeu (RELATRIO, 1877).
48
O Rio Iguau, apontado como o mais importante da
Provncia do Paran, depois do Rio Paran, poderia ser um dos canais
da civilizao para o serto. Nasce nas vizinhanas de Curitiba [...]
e tem o seu curso geral quase na direo de Leste a Oeste, como
se fosse destinado pelo Creador para conduzir os imigrantes aos
frteis campos de Guarapuava e s ubrrimas margens do majestoso
Paran! (PROVNCIA DO PARAN, 1875, p. 19).
Encontra-se nos Dados estatsticos e esclarecimentos para
Emigrantes registros de vrios relatos sobre os sertes da Provncia
do Paran, incluindo os estudos feitos pelo Engenheiro Kellerm
sobre Foz do Iguau em que descreve um dos roteiros feito pelos
primitivos exploradores (espanhis e portugueses), argumentando
que tal territrio tinha rios com diversas sees perfeitamente
navegveis por navio de vapores ou de pequeno porte. Ou seja,
as informaes contidas neste documento apontava aos futuros
imigrantes um dos caminhos possveis para a fronteira, o qual seria
de fcil acesso atravs dos rios presentes na Provncia do Paran
(PROVNCIA DO PARAN, 1875).
Outro relato interessante o da expedio do caminho de
ferro de Miranda, no qual Engenheiro William Lloyd teria liderado a
expedio que levara o maior contingente a adentrar as fronteiras da
Provncia do Paran no perodo. No final de seu relatrio, enfatiza:
49
A partir do exposto acima, percebe-se que a maior
dificuldade na ocupao da fronteira oeste da Provncia do Paran
era o difcil e rduo trabalho de explorao para a construo de
estrada de ferro, devido intensa cobertura da floresta natural:
51
s tronco quantidade consideravel de peas, o custo do
pinho geralmente muito baixo. [...] O pinho da Araucaria
, entretanto, uma prestimosissima madeira, superior na
apparencia e solidez ao pinho europeu, durando longo
tempo a cuberto e immenso nagua, e prestando-se a ser
polido e envernizado com a maior facilidade. Abunda
imensamente na provincia do Paran [...] Smente destas
abundantes florestas poder-se-hia tirar pinho para alimentar,
durante dezenas de annos, um importante commercio de
exportao, si os caminhos actues, que descem a serra
no apresentassem obstaculos insuperaveis ao transporte
sobre rodas, nico meio de ahi conduzir madeiras (sic)
(PROVNCIA DO PARAN, 1875, p. 66-67).
21 Alm do potencial das terras da fronteira, as riquezas da natureza seriam um elemento que
contribuiria para o desenvolvimento da regio, potencializando o turismo. Um exemplo citado
o Salto de Guayra.
22 So citadas as seguintes Colnias: Colonia Assumgy que em junho de 1875, elevava-se a
sua populao a 1.345 habitantes de diversas nacionalidades da Europa; Colonia Thereza que
52
de colonos excedia 500 por diretor, elegia-se uma Junta composta
por colonos, quites com o Estado, para auxiliar o Diretor na
administrao da colnia. Essa junta poderia levantar um imposto
de 5% dos salrios dos colonos a fim de formar um caixa destinado
aos melhoramentos da colnia.
No ano de 1875 j existiam escolas de primeiras letras para
meninos e meninas, padres para os cultos dos colonos e tambm
um governo j voltado ao desenvolvimento das principais obras
pblicas, como: [...] caminhos de ferro, estrada de rodagem,
abertura de canaes, melhoramento dos rios navegveis, etc
(PROVNCIA DO PARAN, 1875, p. 112).
Tanto o Governo Imperial quanto o da Provncia do Paran
estavam dispostos a instituir a vinda de imigrantes para as terras
devolutas. Nessa tentativa, o governo institua diversos contratos
para a introduo de novos imigrantes europeus nas provncias do
Imprio, tais como:
56
Convem fomental-a fazendo-se propaganda nos centros
populosos da Europa por meio da imprensa e folhetos, em
que se descrevem a exteno e uberdade das nossas terras,
e o preo pelo qual podero ser adquiridas, a cultura que
se prestam, a amenidade do nosso clima, com a declarao
de que tmos a grande naturalisao, casamento civil,
liberdade de culto, e que se distinco de raas, ou crenas,
todos podem contar com segurana pessoal e prosperidade
(sic) (MENSAGEM, 1892, p. 13).
57
MAPA 2 - Serto desconhecido e Terras devolutas do Paran em 1896
FONTES E REFERNCIAS
63
de Camargo, Presidente do Estado, ao instalar-se a 1 Sesso da 20
Legislatura em 1 de fevereiro de 1930. Curityba: s/ed. 1930.
MENSAGEM dirigida ao Congresso Legislativo pelo Caetano
Munhoz da Rocha, Presidente do Estado, ao instalar-se a 2 Sesso
da 15 Legislatura em 1 de fevereiro de 1921. Curityba: s/ed. 1921.
MENSAGEM dirigida ao Congresso Legislativo pelo Caetano
Munhoz da Rocha, Presidente do Estado, ao instalar-se a 2 Sesso
da 17 Legislatura em 1 de fevereiro de 1925. Curityba: s/ed. 1925.
MENSAGEM do Governador do Estado do Paran Francisco Xavier
da Silva enviada e lida perante o Congresso Legislativo do Paran em
4 de outubro de 1892. Curitiba: S/d, 1892.
MENSAGEM do Governador do Estado do Paran, Francisco Xavier
da Silva, lida perante o Congresso Legislativo em 13 de novembro de
1895. Curityba: Impressora Paranaense, 1895.
MENSAGEM do Governador do Estado do Paran, Francisco Xavier
da Silva, lida perante o Congresso Legislativo, na 2 Sesso da 5
Legislatura em 01 de fevereiro de 1901. Curityba: Typografhia d a
Repblica, 1901.
MENSAGEM do Governador Francisco Xavier da Silva, apresentada
ao Congresso Legislativo do Estado (Paran), na 1 Sesso da 6
Legislatura em 01 de fevereiro de 1902. Curityba: Typographia d a
Repblica.1902.
PROVNCIA DO PARAN. Dados estatsticos e esclarecimentos
para emigrantes. Publicado por ordem do Ministerio dos Negcios
da Agricultura, do Commercio e das Obras Publicas. Editora G.
Leuzinger & Filhos, 1875.
RELATRIO DO PRESIDENTE DA PROVNCIA DO PARAN
Apresentado ao vice-presidente Henrique de Beaurepaire Rohan, por
Theofilo Ribeiro de Rezende na Assembleia Legislativa Provincial -
06 de julho de 1854. Curityba: Typ. Paranaense de Candido Martins
64
Lopes, 1854b.
RELATRIO DO PRESIDENTE DA PROVNCIA DO PARAN
Apresentado ao vice-presidente Henrique de Beaurepaire Rohan, na
Assembleia Legislativa Provincial 01 de maro de 1856. Curityba:
Typ. Paranaense de Candido Martins Lopes, 1856.
RELATRIO DO PRESIDENTE DA PROVNCIA DO PARAN
Apresentado ao vice-presidente Jos Antonio Vaz de Carvalhaes, na
Assemblia Legislativa Provincial 07 de janeiro de 1857. Curityba:
Typ. Paranaense de Candido Martins Lopes, 1857a.
RELATRIO DO PRESIDENTE DA PROVNCIA DO PARAN
Documentos a que se refere o vice-presidente Jos Antonio Vaz de
Carvalhaes, na Assemblia Legislativa Provincial 07 de janeiro de
1857. Curityba: Typ. Paranaense de Candido Martins Lopes, 1857b.
RELATRIO DO PRESIDENTE DA PROVNCIA DO PARAN
O conselheiro Zacarias de Ges e Vasconcellos, na abertura da
Assembleia Legislativa Provincial - 15 de julho de 1854. Curityba:
Typ. Paranaense de Candido Martins Lopes, 1854a.
RELATRIO DO PRESIDENTE DA PROVNCIA DO PARAN
Presidente Adolfho Lamenha Lins. Assembleia Legislativa Provincial
- 15 de fevereiro de 1877. Curityba: Typ. Typographia da Viuva
Lopes. 1877.
RELATRIO DO PRESIDENTE DA PROVNCIA DO PARAN
Presidente Frederico Jos Cardoso de Araujo Abranches. Assembleia
Legislativa Provincial - 15 de fevereiro de 1875. Curityba: Typ.
Typographia da Viuva Lopes. 1875.
RONDON, Frederico. Livro I Pelo Brasil Central In: Pelos Sertes
e Fronteiras do Brasil: Sob as Ordens de Rondon, O Civilizador.
Coletnea de Estudos Amaznicos. Botafogo. Reper Editora. 1969.
SEYFETH, Giralda. Colonizao, imigrao e a questo racial no
Brasil. Revista USP, So Paulo, n. 53, p. 117-149, maro/maio 2002.
65
3. MEMRIA E DESTERRO: OS TERRITRIOS
GUARANI NO OESTE DO PARAN NO SCULO XX
68
rapaz puxou um cip fazendo barulho com o caraguat.
A a polcia olhou para cima e disse assim: Olha os
ndios!. S que no tinha nada, era s o barulho do
caraguat que o rapaz vinha fazendo para poder distrair a
polcia. Quando eles entraram nesta cachoeira e ouviram
este barulho a polcia comearam a ficar apavorada,
e enquanto isso, os ndios j se aproximaram e a
comearam a soltar flechas na polcia. A polcia no teve
tempo nem de dar um tiro nos ndios. A polcia que foi
para l, quase toda foi morta e os ndios no foram nem
feridos. Teve apenas alguns que fugiram e no deu para
pegar. Esses voltaram para contar histria. 28
70
Apesar de alguns historiadores argumentarem que ao se
trabalhar com a memria de um grupo como referncia documental
corremos o risco de relativizar o papel do historiador, [...] fazer
da prpria sociedade sua prpria fazedora de histria... Como se,
em medicina, fosse a vez dos pacientes atuarem, de se tornarem
terapeutas (FERRO; 1989) acreditamos que esta uma das poucas
formas de se valorizar o conhecimento histrico de povos de
tradio oral, alm de possibilitar um dilogo com o informante,
um intercmbio com suas tradies e viso de mundo.
Em outras palavras, a memria de um determinado grupo
resultado de uma gama de valores e acontecimentos pertencentes
somente a esse grupo. Assim como a cultura, a memria, apesar
de toda subjetividade, no uma criao aleatria e tampouco
arbitrria. uma elaborao pautada na interpretao do vivido
e do acontecido de acordo com o leitmotiv do grupo. Apesar
das rememoraes e relatos orais estarem subjetivados pelas
experincias de quem conta, quando estes relatos pertencem a uma
tradio coletiva, a estrutura original se mantm.
Halbwachs considera que a memria coletiva, apesar de
suas mltiplas influncias e vises, estrutura-se internamente como
uma partitura musical, na qual o produto da rememorizao,
a sinfonia final, o resultado das mltiplas aes de cada agente
(msica) em particular, no entanto, a msica executa algo que se
encontra programado de antemo (ORTIZ; 1994). Ainda segundo
Halbwachs, o tempo no algo esttico fixo, determinado de
uma vez por todas as memrias pessoais, as evocaes do tempo
passado, no existem isolada ou autonomamente - constroem-
se em funo de quadros comuns de referncia do grupo social,
de idias partilhadas (VIDIGAL; 1996). Pois, se inevitvel que
a memria coletiva de um grupo se modifique a fim de atender
novos aspectos histricos, no , de modo algum, inevitvel que
essa reelaborao obedea seu ritmo e cadncia tradicionais. As
vezes, essa reelaborao pode tomar diversas direes, inclusive
reinventando tradies a partir das novas necessidades do grupo,
necessrio entender que a histria no pertence a um tempo vazio
71
e uniforme, mas a um tempo saturado de agoras (BENJAMIN;
1987) e, devido a isso, tem a urgncia de responder as demandas de
um tempo real e histrico. Entretanto, esta reinveno no quer dizer
abandono a tradio e a estrutura original. O historiador Marc Ferro
afirma que mesmo contestada, qualquer viso parcial da histria
tambm histria, desde que seja apresentada como tal e que se
considere que o inventrio das crenas e dos mitos, essas verdades
mltiplas, participaram da constituio da identidade de um grupo,
de uma famlia espiritual, com suas variaes e suas variantes, com
seus fatos e datas e seus acontecimentos, constitui um elemento
necessrio inteligibilidade dos fenmenos histricos, embora sua
verdade possa ser questionada. No porque no se pode provar
que Joana dArc ouviu vozes que convm no citar que ela disse
t-las ouvido (FERRO; 1989).
Nesse sentido, a histria oral continua sendo um dos principais
instrumentos metodolgicos do historiador que atua junto aos povos
oriundos da chamada civilizao da palha, como as diversas
comunidades indgenas, povos grafos e, conseqentemente,
de forte tradio oral. As tcnicas de histria oral nos permitem
coletar relatos e memrias que valorizam a historicidade de povos
tradicionais, possibilitando um rico intercmbio entre a fala destes
grupos e a documentao oficial. Em especial, em momentos e
perodos de disputa histrica, como o caso do Paran, no qual,
existe farta documentao oficial que aponta para a inexistncia de
povos indgenas no oeste do estado antes da chamada corrida para
o oeste, fenmeno que se deu no incio do sculo passado e foi
determinante para a colonizao do estado.
HISTRIA E MEMRIA
75
Minha me nascida aqui no Brasil mesmo, chamava
Cidade e agora Toledo. Ela nasceu ali, se criou ali,
quando tinha quinze anos ela foi para l e casou com meu
pai. E a ele voltou para essa aldeia de Jacutinga. E nasci ali
mesmo, nessa aldeia de Jacutinga (...). E tambm lembrei
que quando eu tinha dez anos, a pessoa que sempre ia
aldeia para fazer cerimnia, reza, elas iam daqui de Santa
Helena que se chamava Dois Irmos, por causa do rio
daqui. Eles moravam na beira do rio que se chamava
Dois Irmos. E eles sempre falavam, quando a gente
perguntava, eles falavam, a gente veio da aldeia Dois
Irmos.30
78
Quando os pajs, em seus sonhos, vo ter com
anderuvuu, ouvem muitas vezes como a terra lhe
implora: devorei cadveres demais, estou farta e cansada,
ponha um fim a isto, meu pai. E assim tambm clama
a gua ao criador, para que a deixe descansar; e assim
tambm as rvores, que fornecem a lenha e o material de
construo; e assim todo o resto da natureza. Diariamente
se espera que anderuvuu atenda as splicas da sua
criao. (UNKEL; 1987)
Entretanto, a partir de meados do sculo XX os Guarani
novamente se viram frente ao desterro, alcanados pela frente de
expanso agro-pastoril que ir convulsionar o estado do Paran,
impulsionada pela chamada marcha para o oeste a partir de
ondas de colonizadores oriundas do sul brasileiro. Os aldeamentos
Guarani que at ento convivam com a esparsa sociedade no-
ndia se tornam um incomodo entrave para a expanso capitalista.
Os indgenas guarani com a sua firme obstinao em afirmar que
estas terras eram tradicionais e que pertenciam a Nnderu Ko
yvy hoguereko ijara necessitam serem deslocados, reduzidos e
confinados em reas pr-estabelecidas pelo Estado.
A preocupao em ordenar a ocupao territorial do Paran,
j se encontra em 1934 no relatrio do ento Secretario de Fazenda
e Obras Pblicas do Paran Othon Mader, que preocupado com esta
questo procurava alertar o governador Manuel Ribas a respeito das
terras devolutas e da necessidade de coibir a prtica da grilagem que
ano a ano promovia notveis usurpaes de vastos territrios de
que usurpadores se apossam com golpes de audcia, apoiados em
falsos documentos e auxiliados pela conivncia de inescrupulosos
funcionrios pblicos e serventurios da justia (...) esse processo de
apropriao indbita de terras ficou consagrado pela denominao
de Grilo, que j hoje uma expresso jurdica (MADER; 1934).
Neste mesmo documento, o secretrio Mader tambm
argumenta a necessidade de limitar as terras indgenas do estado:
Cremos tambm na necessidade que uma reviso dessas concesses
se impe, fazendo se reverter ao Estado s terras que no estejam
79
real e efetivamente sendo usufrudas pelos ndios, pois sabemos
de grandes extenses que lhes foram reservadas e que hoje esto
abandonadas ou apenas ocupadas parcialmente ou em pequena parte
(...) ainda segundo o documento, o estado brasileiro havia sido
generoso demais com as populaes indgenas do Paran e, devido
as hordas colonizatrias era foroso rever este quadro em favor do
colono e a soluo defendida era concentrao de todos os ndios
sejam Kaingang, Guarani ou Xet em uma nica reserva.
83
Estes dados nos permitem alguns apontamentos
fundamentais, como a proximidade das datas nas dcadas de
cinqenta e sessenta revela uma poltica de Estado urdida em
benefcio das frentes de expanso capitalistas, afinal, 70% das
reas so esbulhadas neste perodo, demonstrando uma ao
metdica e sistematizada, apontando para uma espcie de padro
utilizado pelos rgos pblicos, sendo que parte destas reas, foram
posteriormente inundadas pela hidroeltrica de Itaipu, j no incio
dos anos oitenta. Os despejos possuam um modus operandi que
se repetia, que, inicialmente se dava com a vinda dos agentes do
SPI na tentativa de convencer a comunidade a se deslocar para a
A.I Rio das Cobras. E, caso os indgenas resistissem aos apelos dos
agentes, estes retornavam acompanhados de policiais e agentes
paisana (possivelmente jagunos a servio da empresa interessada)
e estes ameaavam os indgenas fisicamente com armas e violncia.
O argumento era sempre os mesmo, que aquela terra j tinha dono
e ele estava reclamando a rea, como relembra Honrio Benitez:
(...) e nesse dia fomos expulsos de Campinas, vieram seguranas
armados e gente teve que sair por que o dono no queria que a
gente ficasse mais, que vocs esto invadindo tudo, o pessoal do
SPI veio com uma carreta e nos deram quatro dias para a mudana,
e ainda ficou muita coisa l.34 Em relao ao restante das reas
indgenas, em sua grande maioria, foram atingidas pela barragem
de Itaipu ou pela criao do Parque Nacional (PN), e, novamente
o estado, por meio do SPI, e agora o INCRA, entram em ao nos
despejos destas pequenas comunidades.
A grande maioria destas famlias que foram expulsas por
ao do SPI tiveram como destino a A.I. Rio das Cobras, originando
nas atuais trs aldeias Guarani incrustadas nesta reserva, a Aldeia
da Lebre, gua Santa e Espigo Alto, que so comunidades
hegemonicamente formadas por indgenas oriundos deste processo
de desterro.
Neste sentido, o rezador indgena Guarani Marcolino, da
comunidade Guarani da Aldeia da Lebre, tambm enftico ao
34 Honrio Benitez, depoimento gravado pelo autor.
84
afirmar que, minha comunidade verdadeira de Mato Queimado
(municpio de Quedas do Iguau), esta terra no nossa, e sempre
foi tradicional dos Kaingang, hoje, ns moramos aqui por a gente
se acostumou, mas, a bem dizer, sabemos que no nossa...
emprestada. Hoje os Guarani so como um povo sem terra.35
E, relembra os momentos anteriores ao deslocamento forado, a
pedido dos agentes do SPI:
87
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS:
Flvio Fabrini38
INTRODUO
92
Apoiado no discurso sobre o cultivo do caf, a ideia
era aproveitar o momento para aumentar arrecadao, obtendo
vantagens das comercializaes imobilirias. Assim, as companhias
procuravam alinhar seus interesses ao cultivo do caf. Para tornar
realizvel o desenvolvimento desses empreendimentos imobilirios
era necessrio criar atrativos. A base que sustentava este discurso
estava na tradio que o pas possua na lavoura cafeeira e,
principalmente, no vnculo afetivo dos agricultores paulistas.
Segundo interpretao realizada por Cordovil (2010), houve
um conjunto de fatores que proporcionou reocupao territorial,
sendo a colonizao, a cafeicultura e urbanizao criando dinamismo
no processo de formao do espao no Noroeste do Paran.
No entendimento de Cordovil (2010), essa foi a forma
mais atrativa para relacionar o cultivo deste produto ao processo de
ocupao do Noroeste do Estado. Portanto, a participao do Estado
para o desenvolvimento da cultura do caf tem ocorrido de maneira
intensa desde as primeiras dcadas do sculo XX (MORO, 1980).
O xito destes empreendimentos imobilirios, realizados
por companhias colonizadoras de capital nacional e internacional,
foi possvel pelo apoio concedido pelo Estado, conforme aponta
Gonalves (1999). Alm dos elementos destacados anteriormente,
sobre os aspectos que impulsionaram o cultivo agrcola do caf
no Paran, outro fator contribuiu para o processo de reocupao
da referida regio. Sobre esse aspecto necessrio acrescentar a
questo da proibio da expanso de cafezais em outros Estados.
40 Sobre a tabela completa, sugere-se ler o trabalho de Antonio Marco Myskin: Colonos,
Posseiros e Grileiros: Conflitos de terra no Oeste Paranaense (1961/66).
99
Tabela 1 Paran. Situao dos ttulos de terras expedidos na faixa
de fronteira, 1966
Imvel rea (ha) Ttulo expedido Regio Irregularidades
Rinco do 4.774 Estado do Paran Sudoeste Nada Consta.
Capetinga
Perseverana 22.284,5 Estado do Paran Sudoeste Est sub Judice
2 Disputa entre
proprietrios do imvel,
posseiros e detentores de
ttulos sem ocupao.
Lope (Nova 53,973 Estado do Paran Oeste Superposto pelo grilo
Esperana) (CP) Santa Cruz.
Piquiri 17.685 Estado do Paran Oeste Superposto pelo grilo
(Besouro) (CP) Santa Cruz.
Andrade 17.685 Estado do Paran Oeste Nada consta.
100
COMPANHIA BYINGTON
104
Este empreendimento foi responsvel por proporcionar
condies de formar outras localidades. Esse o caso de Elisa,
Pindorama, So Joo e Jardim Paredo. Com o passar dos anos,
algumas localidades tornaram-se municpios, como caso de So
Jorge que passou a ser denominado So do Jorge do Patrocnio e
Boa Esperana, passando a denominar Esperana Nova.
Entre os anos de 1940 e 1950, conforme aponta Gonalves
(1999), esta foi uma das regies mais dinmicas do pas em termos
de absoro de imigrantes (GONALVES, 1999, p. 93). Atravs
da produo e cultivo do caf, a poro ocupada pela Byington
tambm contribuiu para esse dinamismo local, aonde diversos
imigrantes chegaram com o objetivo de adquirir terras devido s
facilidades para o pagamento das propriedades. Assim como
toda a regio norte do Paran, Altnia foi ocupada por migrantes,
principalmente nortistas, paulistas e mineiros (PLANO DIRETOR
DE ALTONIA, 2009, p. 17).
Seguindo esta linha de pensamento, Endlich (2006) escreve
sobre o processo migratrio ocorrido na regio por causa das
condies favorveis para o cultivo e escoamento do caf. Este
avano estimulou o processo migratrio na regio. A migrao
caracterizada com a chegada, em sua grande maioria, de
cafeicultores paulistas.
Na Tabela 2 a seguir apresentamos o territrio da colnia So
Joo, sob responsabilidade da Byington. No conjunto de glebas que
pertenceram Byington, encontra-se a gleba 3. Cabe salientar que o
conjunto de terras que envolvem essa gleba no pertenceu referida
empresa em sua totalidade. Segundo informaes repassadas por
um dos responsveis pelo empreendimento no Paran, entrevistado
242. Esta afirmao confirmada no relato de entrevistado 1.
43 As evidncias sobre esta questo apontam que havia interesses de outra companhia neste
nessas terras. A Braviaco requereu parte das terras que fazem limites entre o ncleo So Joo
e o ncleo Xambr.
106
Tabela 2- Diviso do territrio da Byington em glebas, 1954.
Nmero daGleba Quantidade de terra (ha)
1 15.098,02
2 18.449, 73
3 19.262,67
4 14.572,80
5 14.775,19
6 10.538,02
7 14.472
8 19.101,86
9 9.679,3
Total 135.949,59
Fonte: Departamento de Geografia, Terras e Colonizao DGTC.
Organizao prpria, 2013.
108
de maior relevncia. Essa era a expectativa dos mais diversos
empreendimentos no Noroeste do Paran.
Esse entusiasmo criado pelas companhias alcanou vrios
Estados, devido s propagandas impulsionando a chegada de
migrantes das diversas partes do pas. No entanto, essa expectativa
no refletiu o xito esperado. O que impossibilitou essa localidade,
assim como outras de tornarem-se centros urbanos maiores?
A ideia que permeava o senso comum regional, sobre a
possibilidade de boas terras em relao a Xambr, aparece na letra
da msica que apresentamos a seguir. A Byington, sendo dona
da gravadora continental, desenvolveu uma maneira de realizar a
propaganda sobre as localidades atravs da msica45:
114
Tabela 3- Municpios de localidades originalmente criadas pela
Byington, alteraes territoriais, 2012.
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
118
ENTREVISTA 1. Entrevistado 1: depoimento [set. 2006].
Entrevistador: F. Fabrini. Xambr, 2006. Gravao sonora.
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119
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XAMBR. Leis n 613, 614, 615, de 21 de dezembro de 1973.
Cria o Distrito Administrativo da Localidade de Eliza, Pindorama e
Casa Branca. Leis Municipais, 1973
120
5. HISTRIAS E MITOS DA COLONIZAO DO
NORTE DO PARAN E DO DESENVOLVIMENTO DE
APUCARANA54
Maurlio Rompatto55
Erika Leonel Ferreira56
INTRODUO
122
Em seu livro Meu Pai e a Ferrovia... Uma breve histria
fotogrfica da Companhia Ferroviria So Paulo - Paran 1924-
1944, de 2014, Jos Carlos Neves Lopes e Newton Braga, apontam
a iniciativa do major Barbosa Ferraz e de outros fazendeiros em
construir uma ferrovia ligando So Paulo ao estado do Paran.
125
O PIONEIRISMO DA COMPANHIA DE TERRAS NORTE
DO PARAN:
126
[...] do aldeamento dos Coroados restam unicamente
alguns trapos humanos em Tamarana. Vivem ali, em
condies miserveis, poucas dezenas de ndios numa rea
pobre e insignificante.
Na medida em que iam sendo escorraados pelo
jaguncismo, os Kaingang se refugiavam em solos
improdutivos, desprezados pelos invasores.
Expulsos e perseguidos, muitos se recolheram em So
Jernimo da Serra onde se supunham protegidos por lei
[...]. Pura iluso. Seriam progressivamente despojados dos
seus 270 alqueires (JOFFILY, 1985, p. 98).
131
Conforme o Mapa 1 abaixo:
133
Na mesma direo do discurso de que a companhia
implantou o sistema de pequena propriedade para facilitar a
aquisio de suas terras aos colonos de poucos recursos, Elpdio
Serra diz que a colonizadora vendia a terra a baixo custo, uma vez
que tambm havia adquirido a extensa rea do estado a baixo
preo. (SERRA, 1993, p. 57).
Porm, a terra que, segundo Serra (1991), havia sido
comprada pela companhia em 1925 razo de 20$000 j era
vendida, em maio de 1932, pelo preo de 450$000 o alqueire, como
foi o caso do lote n 72, de 10 alqueires, da gleba Ribeiro Camb.
Em 1935, o mesmo alqueire j era vendido ao preo de 1.250$000;
este foi o caso do lote n 55 de 5 alqueires na gleba Londrina,
vendido ao Sr. Jos Elias Abdalla (JOFFILY, 1985, p. 84).
Portanto, para a colonizadora, quanto maior fosse a diviso
da terra maior seria seu lucro. Assim, a ideia de que a colonizadora
preferiu vender as terras na forma da pequena propriedade, porque
queria ajudar os colonos de poucos recursos ou que ela visava com
isso a socializao dos mesmos pela disposio dos pequenos
lotes em que os tornavam vizinhos, so ideias ou teses que no
se sustentam a mais superficial das anlises. At porque a CTNP/
CMNP tambm loteou e vendeu terras em grandes lotes, como
foram os casos das glebas de Alto Paran e de Cidade Gacha
que em 1949 foram vendidas a empresa Imobiliria Ypiranga, de
Borelli & Held para a finalidade de colonizao, cujo loteamento
deu origem aquelas duas cidades do noroeste do Estado.
O DESENVOLVIMENTO DE APUCARANA
CONSIDERAES FINAIS
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
138
LOPES, Jos Carlos Neves; BRAGA, Newton. Meu Pai e a
Ferrovia - Uma breve historia fotogrfica da Companhia
Ferroviria So Paulo - Paran 1924/1944. Cornlio Procpio:
UENP, 2014.
139
6. LONDRINA E O NORTE DO PARAN NOS ANOS 1956
A 1964: QUESTES URBANSTICAS E CONFLITOS
SOCIAIS NA CAPITAL MUNDIAL DO CAF
INTRODUO
OAVANODAPOBREZAEODESENCANTANTAMENTO
COM A CAPITAL MUNDIAL DO CAF
143
O diagnstico da situao catica do espao urbano permite
notar como determinados segmentos sociais passaram a se organizar
e lutar por seus direitos, e como o poder pblico precisava tomar
medidas para satisfazer as necessidades das classes populares,
enfim, os campos de abordagem da imprensa eram amplos assim
como a prpria vida na cidade. A dcada de 1950 havia se iniciado
com a euforia pelo desenvolvimento da cultura cafeeira como
alavanca para o progresso da regio. O desenvolvimento econmico
se refletiu na empolgao da imprensa londrinense em retratar esse
progresso, em aclamar os vencedores e os grandes beneficirios
do desenvolvimento econmico. Entretanto, desde cedo o avesso
do progresso era tambm detectado: os suspeitos, os marginais, os
miserveis. Mas a relao que se fazia era que se tratava de um
problema natural do desenvolvimento, uma conseqncia do
acaso, que alguns enriquecessem enquanto outros permanecessem
na misria, que alguns tivessem vocao para o trabalho enquanto
outros eram inclinados ao fracasso.
No decorrer da dcada, com o avano do crescimento
demogrfico da cidade e o agravamento dos problemas urbanos, essa
realidade passou a ser interpretada de forma distinta. Os problemas
de infra-estrutura urbana e de alocao da populao pobre passaram
a ser tratados como responsabilidade do poder pblico. A presena
da misria, da falta de equipamentos urbanos em determinadas
regies, o surgimento de muitos terrenos e habitaes irregulares,
as primeiras favelas, no eram mais tratados mais como problemas
decorrentes do progresso que atraa os incautos, nem como uma
questo a ser enfrentada somente pela filantropia.
Uma cidade que crescia aceleradamente enquanto a
principal responsvel pelo seu desenvolvimento, a cafeicultura,
estava em um perodo de incertezas, e ao final da dcada j no se
andava sobre dinheiro. Em 1959, quando Londrina comemorava
25 anos de sua emancipao poltica, houve muitas publicaes
notveis da cidade refletindo sobre a importncia desta data, sobre
o desenvolvimento histrico da cidade, os pioneiros, o progresso, a
cafeicultura. Entretanto, nota-se uma nostalgia precoce em relao
144
cafeicultura, que havia entrado naquela dcada em franco processo
de expanso, mas que devido a duas fortes geadas, em 1953 e 1955,
havia se tornado uma cultura frgil que no despertava mais tanta
confiana nos seus investidores, criando uma insegurana e uma
redefinio no direcionamento de investimentos.
Mesmo com uma leve recuperao da cafeicultura, j se
falava em resolver o problema da pobreza na cidade investindo em
indstrias e diversificando a economia, sanando os problemas de
habitao, enfim, no se tratava mais de glorificar o progresso da
cidade e atribuir aos marginais e transviados as cenas de pobreza e
contradio social. Londrina j no era mais tratada simplesmente
como uma terra abenoada, e sim como uma cidade que enfrentava
problemas que deveriam ser sanados.
No final da dcada de 1950 toda a rea que formava o
quadriltero central da cidade, acima da linha frrea, j estava quase
completamente coberta de asfalto ou outras espcies de calamento,
contudo, comeava-se a ouvir as vozes da periferia. Vila Recreio,
Vila Cazoni, Vila Nova, Vila Santa Terezinha, Vila do Grilo, Jardim
do Sol, Vila Yara, Vila Brasil, entre outras, foram por diversas vezes
palcos de protestos e reivindicaes populares. As associaes de
moradores se desenvolviam nestas regies e serviam como foco de
presso sobre o poder pblico.
Demarcava-se nitidamente a fronteira entre o quadriltero
central de Londrina, territrio dos beneficiados pela era de ouro
do Caf, devidamente pavimentada, bem iluminada, com grandes
edifcios e manses suntuosas, redes de gua e eletricidade. E
a Londrina dos excludos deste progresso, uma cidade cheia
de problemas urbanos nas vilas que no cessavam de surgir
cotidianamente, nas vilas onde iluminao e gua encanada eram
privilgios de poucos, enquanto calamentos e redes de esgoto no
eram nem sonhados.
Quando se fala em participao popular, especialmente
no que se refere aos anos 1950 e 1960, deve-se levar em conta o
contexto poltico daquela poca. Uma sociedade que carregava
pesadas heranas de uma poltica autoritria que se refletiu em
145
uma repblica inicialmente oligrquica e posteriormente ditatorial.
Assim, o ps 1945 foi um perodo de aprendizado para as classes
populares no Brasil, que gradualmente proporcionou avanos na
democracia, mas no foi capaz de constituir uma cidadania plena.
Os trabalhadores chegavam a Londrina com alguma
esperana de um futuro melhor, porm grande parte acabou
encontrando uma cidade em que a propaganda do progresso era
maior do que suas reais possibilidades de abrigar tanta gente a
procura deste afamado desenvolvimento econmico. A queda da
importncia da cafeicultura no cenrio econmico de Londrina
comeou a se apresentar j em meados da dcada de 1950. Os
pequenos cafeicultores foram muito afetados, o que favoreceu a
concentrao de terras nas mos de poucos grandes proprietrios que
possuam recursos para se manter em meio crise. Era assim que se
acentuava o poder econmico de uma classe cada vez mais rica e
poderosa, e se espalhavam pela cidade antigos trabalhadores rurais
que perdiam suas terras e procuravam ocupao na rea urbana.
Nas fazendas os colonos buscavam a sindicalizao,
exigindo salrios, maiores benefcios e garantias, um processo
que gerou muitos conflitos entre os fazendeiros e os trabalhadores
rurais, provocando a remoo de milhares de famlias camponesas.
Estes trabalhadores no viam outra soluo seno se instalar na
periferia das cidades e submeter-se ao trabalho sazonal no campo,
como trabalhadores rurais volantes, os bias-frias.
149
As ocupaes de terrenos nesse perodo se tornavam
comuns, mas no era tarefa fcil se manter nas reas quando os donos
requeriam sua reintegrao de posse, uma vez que o poder pblico
agia com truculncia diante destas manifestaes da precariedade da
questo habitacional: [...] outra favela estava se iniciando no lote
n39 da vila So Paulo, entre as ruas Xavantes e Airacs. A prefeitura
tomou providencias em tempo, solicitando polcia que destacasse
alguns soldados para o local, a fim de evitar que se construam
barracos ali (Folha de Londrina, Outra favela, 18/05/1963: 04).
Em alguns episdios, a situao foi inusitada, como o
caso de um cidado chamado Jos de Oliveira Rocha. Vejamos
primeiramente a notcia do Jornal:
150
O caso do senhor Jose de O. Rocha um bom exemplo
de como a prefeitura do municpio no conseguia controlar as
ocupaes, loteamentos e favelas. Sem a interveno do poder
pblico na questo, o povo ficava sujeito ao de aproveitadores
que se beneficiavam das carncias dos trabalhadores pobres e
lucravam com esta situao. A demanda de moradia era maior que
a oferta de imveis, e as populaes mais carentes tambm eram
atingidas por esse mercado especulatrio.
ESPAOPBLICO,CIDADANIAECONFLITOSSOCIAIS
152
LONDRINENSE DOS ESTUDANTES solicitam s donas
de casa que enviem sede dessa ltima entidade (edifcio
Vitori) as notas de compras em armazns feitas durante
o ms de outubro. Como se sabe, o pacto e a ULE esto
empenhados na reestruturao da COMAP em Londrina e
na criao de uma Delegacia de Economia Popular aqui,
para uma fiscalizao eficiente do tabelamento de preos,
depois de congelados (Folha de Londrina, 19/12/1958: 08).
153
Os ataques pblicos e as trocas de acusaes entre as partes
duraram anos. Por um lado a COMAP, representando a insatisfao
da populao com o alto custo de vida, por outro os empresrios se
organizando para defender suas empresas e seus lucros. A questo
do custo de vida vinha tona em um mbito maior, os sindicatos
participavam ativamente dos movimentos e manifestaes, e os
protestos locais se vinculavam a outros movimentos, em escala
estadual e nacional:
154
condies salariais e empregatcias. Em Londrina, o caso mais
relevante foi o dos ensacadores e carregadores de caf. Profissionais
de baixa qualificao que prestavam servios nas empresas de
estocagem e beneficiamento de caf e nas fazendas. Em 1959
eles resolveram se organizar em uma associao de classe, para
negociar diretamente o preo de seu trabalho com os produtores e
outros empresrios ligados cafeicultura, buscando eliminar deste
negcio os atravessadores.
Foi fundada em Londrina a Associao dos Ensacadores e
Carregadores de Caf, que em novembro 1961 passou a funcionar
como um sindicato reconhecido pelo Ministrio do Trabalho. O
princpio formador desta associao foi a necessidade de autodefesa
dos trabalhadores, que na maioria dos casos no contavam com
carteira de trabalho assinada e nenhum tipo de garantia trabalhista
legal. O mecanismo de associao funcionou como uma estratgia
para eliminar os agenciadores de mo-de-obra, pois estes, alm de
ficarem com boa parte do salrio dos trabalhadores, no davam
garantia de trabalho mo-de-obra local, sendo que era comum
sarem procura daqueles que aceitassem ganhar o menor salrio
possvel, ainda que fosse fora da regio.
Dentre as conquistas do Sindicato, houve a eliminao
dos agenciadores intermedirios no contrato de trabalhadores com
as empresas, que passaram a ser solicitados pelos empresrios
diretamente entidade representativa. Quando necessitavam de
emprego, os trabalhadores procuravam o Sindicato, onde entravam
em uma fila de espera.
155
O Sindicato dos Ensacadores e Carregadores de Caf de
Londrina se tornou uma instituio forte e sua maior demonstrao
de fora se deu em setembro de 1962, quando organizaram um
movimento grevista at ento jamais visto na cidade, atravs do
qual reivindicavam melhores condies de trabalho e a instaurao
de contratos coletivos entre a entidade e os empregadores, a fim de
garantir os direitos dos trabalhadores:
158
Construa-se, na regio Norte do Paran, um discurso
de glorificao da iniciativa privada como promotora do
desenvolvimento e da distribuio de terras. Este discurso era
pontuado ideologicamente pela forte oposio das elites ao governo
do Petebista Joo Goulart, que entendia a promoo de polticas
pblicas de investimentos e controle da economia como principal
forma de soluo para os problemas nacionais.
O discurso construdo a respeito de um passado glorioso era parte
do arcabouo ideolgico da elite local, que escamoteava os conflitos que
ocorreram durante a o violento processo de ocupao da regio:
CONSIDERAES FINAIS:
FONTES:
161
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
162
7. OS PROCESSOS DE CASAMENTO DA IGREJA
NOSSA SENHORA APARECIDA DE LOANDA E
TRABALHADORES MIGRANTES NO EXTREMO
NOROESTE DO PARAN
INTRODUO
ACRIAO DAIGREJANOSSASENHORAAPARECIDA:
CRESCIMENTO DEMOGRFICO E EXPANSO
CAPITALISMO IMOBILIRIO
166
Como podemos observar, a populao que existia na
regio, era praticante do catolicismo e os rituais eram realizados
esporadicamente com a vinda do Bispo e de padres da Diocese e
das cidades vizinhas.
172
A Igreja contribuiu para este processo promovendo
casamentos coletivos, desburocratizando o processo casamento
(no exigindo documentos comprobatrios de batismo, crisma,
etc.; aceitando unicamente o juramento sobre bblia), cobrando
pelas cerimnias preos inferiores ao cobrado frequentemente, e at
mesmo, de forma gratuita.
Aferimos assim, que a igreja teve papel fundamental
para a fixao do homem a terra, ao moralizar as relaes afetivas
e impondo valores pautados no paternalismo que disciplinavam
as relaes scias dos trabalhadores que migravam para a regio.
Acreditamos que Igreja contribuiu para a proposta de formao de
uma sociedade idealizada pelo capital imobilirio e os interesses da
elite local, que pretendiam uma sociedade disciplina e moralizada
segundo os valores cristos, como anunciado pelo senhor sio
Monticuco proprietrio da Empresa Colonizadora Norte do Paran.
173
A realizao das cerimonias em outras cidades e na zona
rural significativo para pensarmos sobre papel que esta paroquia
desempenhava na regio. Normalmente eram realizados mais de
uma cerimnia por dia, e quando ocorria nas capelas das fazendas
ou bairros rurais, eram realizadas vrias cerimnias consecutivas a
fim de aproveitar a presena do padre.
A existncia de capelas e igrejas nas fazendas um sinal
sobre as relaes sociais desenvolvidas em torno da cultura do
trabalho. notvel que existia um incentivo para que ocorresse a
unio religiosa entre os trabalhadores das colnias das fazendas.
Tal fato ainda pode ser reforado pelos dados que se referem a
idade dos nubentes, como podemos averiguar no grfico abaixo:
174
Como podemos observar, a maioria dos nubentes tinham
entre 15 e 26 anos. A pouca idade da maioria dos jovens indica
para cultura matrimonial da poca, onde era comum o casamento
entre pessoas ainda muito jovens. O incentivo para que ocorresse
a unio religiosa ainda durante a adolescncia pode ser analisada
como forma de garantir que estas jovens no se envolvessem em
libertinagens e assim, com vida familiar tradicional, cumprissem
o papel esperado no trabalho. O disciplinamento e normatizao
das relaes sociais podem ser concebidas tanto pelos atos de vigi-
lncias a estes jovens, como o condicionamento em suas relaes
pessoais, e no caso, afetivas.
Acreditamos que os nubentes, em sua maioria eram de
trabalhadores das lavouras de caf66, eram pouco escolarizados.
No grfico abaixo, reunimos dados obtidos a partir da contagem
dos processos matrimoniais onde os nubentes assinavam o nome
por extenso ou em X (cruz):
66 Tal fato pode ser deduzido por levar-se em considerao, que neste periodo, as cidades da
regio, eram vilas que obteriam sua emancipao municipal a partir do final da decada. Neste
aspecto, ainda caracterizavam-se por aglorado de casas esporadicamente com alguns tipos de
comercio que forneciam apenas o necessrio para os trabalhadores no campo. Grande parte da
populao encontrava-se no campo, j que neste periodo, ocorria a abertura e limpeza da mata,
com o consecutivo plantio de caf.
175
Sobre estes dados, temos que assinalar que o fato de assinar
o nome por extenso, no significava que estes eram alfabetizados.
perceptvel ao observar os processos, que muitos escreviam o
nome com grande dificuldade, o que indicava a pouca escolaridade
da maioria dos nubentes. Outro fator importante, que o nmero
de mulheres que assinavam o nome superior dos homens, o que
indica um grau de escolaridade maior entre as mulheres.
Quanto a isso, assinalamos que em 1955, era momento
de instalao e desenvolvimento da zona agrcola, dentro do
modelo capitalista de produo. Neste aspecto, neste perodo, no
existiam ainda as escolas rurais, que em perodo subsequente foram
instaladas nos bairros rurais e at mesmo, em fazendo que reuniam
um nmero grande de trabalhadores. De acordo com dados obtidos
na Secretaria Municipal de Loanda, a regio chegou a ter 8267
escolas rurais de ensino fundamental.
Estes trabalhadores, via de regra, partilhavam de condies
econmicas, sociais e culturais. Migrantes de vrias regies
dos pases, eram atrados para a regio em busca de trabalho e
melhores condies de vida. Neste sentido, ao chegar na regio e
67 Atualmente este nmero caiu para 01, dado que espelha o processo de esvaziamento do campo
e xodo rural a partir da dcada de 1980.
176
conseguir se fixar, via de regra, estabeleciam relaes de amizade
e camaradagem com os trabalhadores locais, principalmente com
aqueles que haviam migrado de regies prximas a de sua origem.
Isso perceptvel pelo fato das unies, frequentemente, ocorrerem
entre pessoas vindas do mesmo estado ou indivduos com relaes
parentais.
Quanto a origem destes trabalhadores temos os seguintes
nmeros:
177
maioria os trabalhadores migrantes das regies nordestinas vinham
em uma condio diversa do mineiro, paulista ou catarinense. Estes
formaram nos primeiros anos a massa de trabalhadores envolvidos
na limpeza da terra e plantio das primeiras covas de caf. E assim,
faziam parte de um grupo social que deveria ser moralizado e
disciplinado segundo os interesses da elite local.
CONSIDERAES FINAIS
FONTES ORAIS
179
8. NOVOS OLHARES SOBRE A PRESENA NORDESTINA
NO MUNICPIO DE MARING E NORTE DO PARAN
Leticia Fernandes68
180
presente, ainda que brevemente, nos trabalhos produzidos por
historiadores, gegrafos, socilogos, memorialistas, ensastas,
jornalistas dentre outros, que se dedicaram a escrever sobre o
processo de colonizao e o movimento migratrio para essa
regio. Frequentemente, sua participao abordada em anlises
generalizantes sobre o tema. Ao analisar alguns desses trabalhos,
foi possvel identificar a participao nordestina nesse processo foi
vista por diferentes autores e pela sociedade maringaense. Aliando
uma reviso bibliogrfica, com pesquisas nos ttulos eleitorais do
municpio de Maring, emitidos entre 1956-1972, foi possvel
confrontar os dados levantados, com os discursos proferidos sobre
esses migrantes, tornando possvel a obteno de um quadro mais
detalhado sobre sua presena e contribuio na histria regional,
assim como seus posteriores deslocamentos.
Colonizado no final da dcada de 1930 e localizado na
mesorregio Norte Central, o municpio de Maring se destaca
pelo rpido crescimento como polo no beneficiamento de cereais,
no comrcio e na prestao de servios, registrando um intenso
movimento migratrio entre as dcadas de 1940 e 1960 (LUZ, 1988,
p.114). A migrao interna a este municpio, apresenta o mesmo
perfil daquele verificado para a regio norte do Estado como um
todo, sobressaindo os paulistas e mineiros com o maior volume de
migrantes, e na sequencia constam os nordestinos (LUZ, 1988, p.
177). Entre os naturais dos estados do Nordeste que se deslocaram
Maring, destacam-se principalmente os naturais do Estado da
Bahia, seguido de Pernambuco, Alagoas, Cear e Paraba. Os
naturais dos estados do Sergipe, Rio Grande do Norte, Maranho,
Piau tiveram um aporte menor (LUZ, 1988, p.177-180).
Em trabalhos bastante difundidos sobre a colonizao
desta regio e municpio de Maring foram identificados trs tipos
de narrativas que remetem a participao dos nordestinos: 1) uma
narrativa que valoriza a presena estrangeira e remete o nordestino
a um papel secundrio e repleto de preconceitos regionais; 2)
narrativas produzidas pelos prprios nordestinos onde narram suas
experincias em solo paranaense; 3) dissertaes e artigos produzidos
181
nos cursos de ps-graduao, onde a partir de uma reviso da histria
regional, colocam o nordestino como sujeito ativo e participante nos
processos de consolidao e desenvolvimento regional.
Alguns dos principais trabalhos de cunho didtico e mais
abrangente sobre o processo de colonizao do norte do Estado
trazem os nordestinos como mo de obra braal e transitria, e
enfatizam principalmente a imigrao estrangeira. Esse tipo de
enfoque sobre a participao nordestina remetem as primeiras
publicaes sobre a regio, iniciadas na dcada de 1930, pelo
gegrafo Pierre MONBEIG (1935). As gegrafas BERNARDES
(1953); CAMBIAGHI (1954); PRANDINI (1954); MULLER
(1956), ao abordarem esse processo, tambm enfatizaram a
imigrao estrangeira, e os nordestinos, quando no foram omitidos,
foram mencionados somente em nmeros, ou apenas como mo de
obra dos grupos que ali aportaram.
182
[...] De um lado, houve a invaso de paulistas de Itarar e
Faxina (atual Itapeva) que, com base em So Sebastio do
Faxinal, tomaram flancos meridionais do espigo mestre:
eram criadores de porcos e safristas que tipicamente, no
chegaram a se fixar na regio. Por outro lado, a regio vem
recebendo, recentemente, um influxo povoador partindo de
Campo Mouro, de colonos gachos e catarinenses que,
atrados pelo renome do Norte do Paran, abandonaram suas
policulturas para tentarem o caf [...] (MLLER, 1956, p.44).
183
[...] O tipo fsico do homem sulino apresenta notveis sinais
de cruzamento de sangues europeus, principalmente dos
diversos povos dlicos entre si. A estatura, a cor dos cabelos
e dos olhos, a conformao sangunea, seriam outros tantos
aspectos a observar no sentido da fixao de uma medida
cientfica de miscigenao que aqui se fez se faz mais entre
brancos de povos diversos (portanto num caldeamento de
propores incalculveis) do que entre brancos e negros que
o tipo de mestiamento, com as suas subclasses, mais comum
no norte do Brasil. Atribuo a maior importncia a esse detalhe,
no por injustificadas tendncias arianizantes, mas por ser
exatamente o que distingue a miscigenao do sul e do norte
do Brasil. Quando se fala em mestio nos estados do Paran
e Santa Catarina, difcil supor o mulato ou o mameluco,
que existem em propores mnimas, mas deve-se entender
o misturado de elementos diversos de raa branca, o que no
chega cientificamente a ser um mestiamento, no sentido
rigoroso da palavra (MARTINS, 1989, p.03-05).
185
Quadro 01. Preconceitos e esteretipos direcionados aos nordestinos no Norte do
Paran e no municpio de Maring.
186
so o de Maria Adenir Peraro (1978); o de France Luz (1988); e o
trabalho de Ivani Omura (1982). Entretanto, nenhuma das autoras
teve por objetivo tratar de algum grupo de migrantes em especfico.
Na contramo dessas narrativas citadas, foram identificadas no
municpio de Maring, duas publicaes produzidas por nordestinos
acerca de suas experincias em solo paranaense. Publicados em
perodos distintos, e fora do mbito acadmico, o trabalho do
advogado cearense Larcio Souto Maior So os nordestinos uma
minoria racial? (1985), e o da professora potiguara Miriam Ramalho
Memria de uma Poting (2010), so fontes de grande relevncia
para uma melhor compreenso da trajetria destes migrantes na
regio. Neles so abordados os motivos da sada da terra natal, as redes
de sociabilidades estabelecidas entre conterrneos, os preconceitos
sofridos e trocas culturais entre grupos migratrios distintos.
PROFISSESDOSNORDESTINOSSEGUNDOOSDADOS
ELEITORAIS
191
em Maring. E o ano de 1972, marca a realizao da 5 eleio
municipal, no qual o ex-vereador e industririo nordestino Walber
Guimares foi eleito vice-prefeito, e tambm marca a transio
iniciada na dcada de 1960, de substituio da cafeicultura.
Neste material foram buscadas informaes sobre as
profisses exercidas e as transferncias eleitorais realizadas pelos
nordestinos. A identificao destas informaes possibilitou verificar:
1) quais os principais setores de atividades que esses migrantes
atuaram; 2) as regies para onde se deslocaram aps as mudanas na
conjuntura econmica do Estado aps a erradicao da cafeicultura.
Ao todo foram identificados nos ttulos eleitorais e nos
documentos de iseno eleitoral (concedidos aos aposentados,
analfabetos e por dispensa militar entre 1970-1972) 8.481 nordestinos,
sendo 7.888 eleitores, e 593 isentos. Desse total, foram identificadas
225 profisses distintas por eles desempenhadas. Nesse rol constam
mdicos, professores, advogados, motoristas, mecnicos, comerciantes,
carpinteiros, contadores, enfermeiros, costureiras, religiosos, alfaiates,
marceneiros, agricultores, lavradores, tratoristas, torneiros mecnicos,
domsticas, etc. Ao separar a totalidade das profisses por setores de
atividades: primrio, secundrio, tercirio e inativo, foi possvel ter um
quadro abrangente da participao desses migrantes no mercado de
trabalho regional.
No setor primrio de Maring, foram constatados 2.289
nordestinos, distribudos em duas categorias: (a) Autnomo, na
qual esto includos os agricultores; (b) Trabalhador, na qual esto
includos os lavradores, retireiros e tratoristas. Entre os dados coletados
referentes s profisses, o setor primrio ocupa o segundo posto entre
os trs setores de atividades. Essa mesma caracterstica em relao ao
setor primrio j havia sido levantada por Luz (1980) a partir dos dados
dos censos demogrficos de 1960-1980. Neles a participao do setor
primrio tambm ocupava a segunda colocao. Isto em funo do fato
de Maring ser o principal centro urbano da microrregio no perodo
em questo, alm de possuir uma rea rural bastante reduzida (LUZ,
1980, p.327). No entanto, no que tange microrregio Norte Novo de
Maring, o setor primrio constitua o principal setor de atividade.
192
Quadro 03. Quantidade de profisses por categorias de atividades e
de trabalhadores nordestinos no setor primrio.
193
Quadro 04. Quantidade de profisses por categorias de atividades e
de trabalhadores nordestinos no setor secundrio.
194
Maring j havia sido identificada por Luz (1988) atravs dos
dados dos Censos Demogrficos do IBGE entre 1960-1980. No
entanto, a diferena entre esses dois tipos de dados, referentes ao
setor primrio, secundrio e tercirio, consiste no detalhamento das
profisses e na identificao dos grupos regionais que as ocupavam,
possibilitados pelas informaes presentes nos ttulos eleitorais e
nos documentos de iseno.
195
a migrao nordestina tambm foi marcada pela presena de
profissionais com qualificao e formao em reas indispensveis
ao desenvolvimento do municpio.
1800
1600
1400
1200 1956-1960
1000
1961-1965
800
1966-1970
600
400 1971-1972
200
0
Primrio Secundrio Tercirio Inativos
196
REEMIGRADOS
197
substituio das lavouras e da mecanizao, no tem atrado
mas sim perdido populao rural em maior proporo que
as demais. Como por exemplo podemos citar os municpios
de Ivatuba, Floresta e Itamb (LUZ, 1980, p. 199).
199
Grfico 02. Distribuio dos nordestinos reemigrados para
as cinco regies do pas.
Norte
Nordeste
Centro-Oeste
Sudeste
Sul
200
Grfico 03. Distribuio dos nordestinos reemigrados
mesorregies paranaenses.
Norte-Central
35
Metropolitana de Curitiba
30
Noroeste
25 Centro-Ocidental
20 Oeste
15 Norte-Pioneiro
10 Centro-Oriental
Centro-Sul
5
Sudoeste
0
Sudeste
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205
9. AS MEMRIAS DE BRAZ PONCE MARTINS E
O DESBRAVAMENTO DAS NOVAS FRENTES NO
NOROESTE E OESTE DO PARAN (1946-1975)
212
paulistas, mineiros, nordestinos, paranaenses, catarinenses, gachos
e estrangeiros (italianos, alemes, japoneses, portugueses, entre
outros) (CIOFF et al., 1995). Confiantes na idoneidade da CMNP, os
colonos eram atrados pela euforia da expanso econmica, centrada
na cafeicultura e na continuidade da ferrovia (BATALIOTI, 2004).
Conta Daniel Antunes Barbosa: eu levei f em Cianorte
devido Companhia Melhoramentos, pela sua idoneidade.
Para Celso Antnio Broetto, Cianorte seria a menina dos olhos
da Companhia. Eles iriam lanar mo de todos os recursos da
engenharia e do planejamento da cidade, porque queriam fazer uma
cidade modelo. Conforme Mateus Biazzi, na poca falava-se que
Cianorte seria a Cana desta regio (CIOFF et al., 1995, p. 84-85).
Contudo, a euforia da expanso econmica esteve mais no
discurso da CMNP e no empenho dos pioneiros em fazer prosperar o
municpio, do que propriamente nos resultados. Pois, a colonizao
de Cianorte apresentou certas particularidades, decorrentes do tipo
de solo arenoso e de sua ocupao tardia (BATALIOTI, 2004).
Cianorte se localiza entre os rios Iva e Piquiri, em uma regio
conhecida por arenito caiu, onde as capas de arenito de sedimentao
elica esto depositadas. Embora tenha maior fertilidade que os outros
depsitos arenticos, o arenito caiu est sujeito ao processo erosivo.
Desde a dcada de 1960, a cidade sofre a formao de voorocas,
rasges profundos no solo, ocasionados pelo escoamento das guas
superficiais, em reas de maior inclinao e menor cobertura vegetal.
A incidncia de terra roxa, originria de derrames vulcnicos, ocorre
apenas no nordeste do municpio (CIOFF et al., 1995).
A exaltada fertilidade das terras no incio da ocupao deveu-
se mais existncia das matas do que ao tipo de solo. Devastada a
floresta, o solo perdeu sua proteo (TOMAZI, 1997). No caso do
arenito caiu, as razes das rvores bloqueiam a desagregao dos gros
de areia pouco sedimentados, impedindo que os veios se aprofundem
e que o solo seja carregado pelas enxurradas. A destruio das matas
tambm possibilitou a entrada do frio da frente polar, que se estendeu
no inverno sobre vastas reas replantadas com caf (MAACK, 1981).
Houve uma geada em 1955 que atrasou bastante o
213
crescimento de Cianorte, porque quando o caf comeou a
querer produzir, a geada de 55 levou tudo no cho. Tudo na
cova de novo e a cidade deu uma paralisada at o caf voltar
a produzir. Em 1963, teve outra geada [...] aps a geada, teve
uma seca violenta. Em seguida comeou a aparecer muita
queimada por a, pelos stios76 (CIOFF et al., 1995, p. 34-36).
At 1963, o caf era a grande fonte de renda do municpio
e responsvel pelo desenvolvimento de todos os setores (CIOFF
et al., 1995). Dos 19.130.000 cafeeiros existentes em Cianorte,
a geada destruiu 15.304.000 de ps na noite de 7 a 8 de agosto,
atingindo 80% das plantaes (MAACK, 1981). Foi uma geada de
mdia intensidade, mas muito extensa. Seguiram-se trs meses de
seca acompanhada de incndios que atingiram pastagens, matas e
cafezais. Foi quando se deu o primeiro contato do cafeicultor com a
soja (POZZOBON, 2006).
O solo com menor qualidade em nutrientes e as fortes geadas,
somadas poltica-econmica voltada para as culturas mecanizadas,
determinaram que o perodo do ciclo cafeeiro em Cianorte fosse
mais curto (1953-1975), em relao a outros ncleos colonizados
pela Companhia, como Londrina e Maring. A cana-de-acar e a
mandioca destacaram-se aps 1980. As culturas mecanizadas, em
especial soja, milho e trigo, foram inseridas com expressividade no
final dos anos 90 (BATALIOTI, 2004).
216
A MNIMA PARTE E O LOTE 376
78 Sendo 70 alqueires divididos por nove, pertenceria a cada um dos herdeiros 7.777 alqueires.
Para mim, s sobrou 6,198 alqueires (PONCE MARTINS, 2003, p.65).
79 Mais conhecido como parceiro, o porcenteiro era proprietrio de parte dos instrumentos
de trabalho e autorizado a utilizar uma rea para criar animais e produzir alimentos para o
consumo. Era scio na produo, executava todos os servios do cafezal, inclusive colheita e
secagem, fazia plantio intercalar e recebia 40% da produo como remunerao pelos servios
prestados. Os riscos eram divididos entre as partes. No sistema de parceria que vigorou no norte
do Paran, os trabalhadores tinham interesse na produo. Este era o melhor caminho para se
tornar proprietrio (POZZOBOM, 2006).
217
Enquanto Braz trabalhava em Londrina, seu irmo Guilherme
cuidava de suas terras em Rolndia. Ele tambm articulou a compra
dos lotes na regio de Cianorte:
219
Indalcio, Antnio, Manuel, Braz e o cunhado Antnio, ao
fundo o doginho (1952).
222
Em seis de abril de 1960, nasceu o primeiro filho, Ramon.
Mariana e sua me, j haviam combinado com uma parteira para
fazer o servio [...]. Sa de baixo de uma grande chuva acompanhada
de belos troves, cheguei na dita cuja, mas ela estava muito gripada,
[...] me indicou uma parteira mais alm. Tendo-a localizado, fomos
para casa e de manh cedo, a criana nasceu. Nesta poca, Braz
comprou a vaca Beleza: e deu timo resultado, me e filho
engordaram (PONCE MARTINS, 2003, p.71). Com o crescimento
da famlia, as responsabilidades aumentaram:
223
Os primeiros filhos, Ramon e Gines (1962).
225
Braz e Mariana tiveram quatro filhos. Todos nasceram
no stio da Cariau. Roberto nasceu em 09 de junho de 1966, por
intermdio da prima Elvira, irm do Augusto. E Mrcio nasceu no
dia 11 de novembro de 1967. A parteira foi a Dona Catarina, parente
dos Milani de Vidigal (PONCE MARTINS, 2003, p.88).
229
caf plantado. Era o fim da estrada, partimos para o
picado em direo ao Rio Verde [...]. Passamos pelo
lote de 6 alqueires que estava disponvel e o reservei
para mim [...]. Na cabeceira do Continental a terra
continha um pouco de areia. Eu peguei um pouco desta
terra, pressenti que possua um pouco areia e mostrei
ao indicador, o homem deu uma bronca danada. Aqui
no tem areia coisa nenhuma, terra roxa pura [...].
Depois do lote aberto, ele recolhia areia e vendia para
os pioneiros, latas e mais latas de areia. Chegando na
estrada Londrina, dava para ver que a estrada descia de
repente, havia pedras, pedregulhos e a vegetao era de
terras baixas, alm de taquari bengala, pintava alguns
mandacarus. Eu mesmo falei para o Manaita, vamos
voltar para mim no interessa. O corretor falou agora
no adiantava voltar, que era mais longe. A apareceu
um colega de viagem com um po caseiro de uns 25 cm
de comprimento, ele resolveu dividi-lo em 15 pedaos
mais ou menos iguais, o meu pedao dava para ver o
sol do outro lado. Enfim, j era uma hora da tarde, deu
para aliviar um pouco a fome, mas a sede continuava.
Havia muitos pssaros, nhambus, urus, macucos, jacus
e jacutingas, e s vezes grandes animais, como a anta
que assustou a gente [...]. Descemos at onde seria a
futura estrada para Assis e voltando para a direo de
Formosa, subimos novamente pela Itaguaj. Pouco
depois, pegamos um novo picado que nos levou
ao acampamento dos picadeiros e agrimensores. J
passava das cinco da tarde. O mestre cuca estava
preparando uma panela de macarro com farinha de
mandioca [...]. Foi o melhor macarro que comi na
minha vida [...]. Chegamos nos jipes noite. No dia
seguinte, voltamos para a gleba [...]. A vi a cabeceira
do lote de 15 alqueires e somando com os 6 alqueires da
areia, somariam 21. Voltando para Formosa, dei o sinal
de 10% para garantir os lotes que estavam disponveis.
As terras eram vendidas em quatro prestaes: 40% ao
fazer o contrato e mais trs pagamentos iguais de 20%
cada. Quando fui Maring, na sede da Companhia,
para acertar os 40% da primeira prestao, fui chamado
pelo engenheiro chefe o Sr. Theodoro, que me disse
que os 15 alqueires da estrada Londrina haviam sido
230
negociados dois dias antes. [...] Ele reservara a uns 5
km dos seis alqueires, trs lotes de cinco alqueires, cada
um pior que outro. Respondi a ele que devolvesse os
meus 10%. Eu compraria terras altas porque pretendia
plantar caf, em lugares baixos de jeito nenhum. Calma,
Sr. Braz, como o Sr. comprador em potencial, vamos
abrir uma exceo, o Sr. vai ser o primeiro a adquirir
terras no bairro Progresso, se no houver problema
da sua parte, pode adquirir os 21 alqueires num bloco
s. Aqui est o mapa, combine com o Zezinho, e v
novamente gleba e combine ao seu gosto. E assim foi
feito (PONCE MARTINS, 2003, p.73-75).
231
Um empreiteiro e alguns trabalhadores volantes plantaram
os primeiros 6.500 ps de caf, com cereais intercalados, no ano de
1960. Quando acabei de pagar j existiam 14.500 covas de caf
plantado, [...] formados pelo Senhor Josias Francisco Regis, [...] e
dos lucros que obteve comprou 22 alqueires para ele e sua famlia
(PONCE MARTINS, 2003, p.70). Posteriormente, alm de caf,
Braz, seus parceiros e arrendatrios produziram algodo, soja e milho
na Fazendinha Santa Cruz.
Em 30 de agosto de 1960, picaretas de palmitos foram
casa de Braz. Ns estamos aqui para negociar os palmitos de seus
21 alqueires. Quanto voc quer neles? Cr$150.000,00 respondi. Ns
podemos pagar noventa mil cruzeiros. Braz props Cr$ 120,00 e
os compradores cem mil. Nesse momento fiquei pensando... havia
muito roubo de palmitos na regio, se no vender... eles sabem que
estou na pior... sem conduo para vigiar minha rea, visto que eles
vo me roubar... O negcio foi fechado por Cr$105.000,00 (PONCE
MARTINS, 2003, p.77).
Em 30 de setembro de 1960, Braz precisava pagar a
prestao da propriedade, no valor de Cr$ 136.920,00, quantia que
no dispunha. Tinha comentado com ele [Indalcio] que se o Sr.
Pepino, gerente da SINOP, no aceitasse os Cr$50.000,00 por conta,
para o pagamento do saldo junto a 2 prestao, eu teria que vender
5 ou 10 alqueires. Braz foi para Maring com Indalcio, que seguiu
para Rolndia. A quantia foi aceita e Braz arrumou uma carona de
volta para Cianorte. Mas acabou se acidentando na estrada (PONCE
MARTINS, 2003, p.78).
234
revlver e duas cpsulas detonadas... Parece que o senhor
mesmo o suspeito. Eu tinha feito um emprstimo com
mame e aquilo constava no meu talo de cheque [...] O
delegado s vem amanh, o senhor tem aguardar at l. Fui
preso, claro, na boca da noite aqueles dois elementos se
mandaram. Meu companheiro de cela era um preto bbado
que cantava seguidamente a pampa mia, dizem que
estava preso porque roubou os perus do delegado. L pelas
nove horas da noite, veio um Habeas Corpus clandestino,
era claro: Ns vamos libertar o senhor, promete algo pra
ns e mais papo furado. No fui na deles... No, vou ficar
at amanh, falarei com o delegado. s nove horas da noite,
sem dinheiro, portava mais ou menos Cr$1.500,00, mas isso
eles j tinham afanado. No meu pensar, a minha liberdade ia
ser efmera, a cadeia era no meio de uma grande quiaa.
Me obrigariam a assinar o cheque e me dariam uma porrada
na cabea e no dia seguinte estaria eu com a boca cheia de
formigas [...]. L pelas cinco de la matina, apareceram
os policiais me propondo assinar uma folha de papel
almao pautada com a relao dos objetos pessoais que na
hora da soltura eu iria receber. Naquela minha idade tinha
a viso muito boa. Vi um cheque onde iria assinar, entre
duas linhas fizeram um buraco no papel. Respondi a eles
que no assinava bosta nenhuma, escutei eles falarem:
Esse um Caxias [...]. Quando raiou o dia 12, chegou
um policial com cara de bonzinho e perguntou aos outros:
Porque este senhor est preso? Pelo jeito esse senhor
nada deve [...]. s oito horas me liberaram, comearam a
entregar minhas coisas, dei por falta de meu relgio mega
e da folha de cheque, mostrei aos policiais (no aqueles
que me prenderam, outros): Voc acha que ns policiais
pegaramos sua folha de cheque? E me deram um possante
soco na boca do estmago e outro no cangote [...]. E o relgio
o office-boy foi ao correio e levou consigo. O desgraado
me apareceu quase nove horas com o bendito relgio de
estimao. Mais depressa me dirigi ao banco, mostrei ao
gerente que estava rodeado de clientes: Tudo bem, mas
se manda mais depressa possvel para Cianorte, porque eles
vo cobrar o cheque l. Peguei um Jeep de praa bem em
frente banco e expliquei meu caso ao motorista, combinado,
seguimos imediatamente para Cianorte. Ele disse que toda a
semana acontecia isso com diversos fazendeiros e sitiantes.
235
O taxista parecia estar mais apressado do que eu, passou
perto do posto e no abasteceu, chegando perto de Tapejara
a gasolina do Jeep findou. Passou o nibus em direo a
Cianorte, pensei, l se vo meus oitenta mil... Nisso, passou
outra conduo e nos emprestou gasolina. Chegando em
Cianorte, ao meio dia, cancelei o cheque e retirei dinheiro
para pagar o taxista. Com essa inesperada desventura, a
Fazendinha Santa Cruz foi debitada com nove mil cruzeiros
(PONCE MARTINS, 2003, p. 80-82).
236
prontido. Mas parece que ele estava dormindo. Bem depressa tirei o
obstculo e segui viagem (PONCE MARTINS, 2003, p.85).
Em 31 de agosto de 1967, Braz comprou o lote 22 de 8,64
alqueires anexo aos demais e a fazendinha ficou com quase 30
alqueires. Para adquirir esse lote (que j tinha enjeitado em 1959),
fui atrs do proprietrio que abria stio em Rosrio do Iva [...]. Fiz
o negcio por sete mil cruzeiros, dando sinal de um mil cruzeiros.
No dia 10 de novembro, o dono foi a So Tom buscar o restante
do pagamento e recebeu os seis mil cruzeiros em dinheiro. Depois
voltamos a Maring e a SINOP transferiu o lote para ns (PONCE
MARTINS, 2003, p.87-88).
Braz conta vrias faanhas do jipe. Em um sbado, no
caminho para Jesutas, passou por cima de enormes troncos de
rvores, jogados no meio da estrada. Engrenei a trao dianteira e
reduzida e a primeira claro, este Jeep se Deus quiser vai pular todos
esses paus e j (PONCE MARTINS, 2003, p. 82). O jipe tambm
o salvou dos encalhes86:
CONSIDERAES FINAIS:
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS:
240
10. COMO OS NOMES DAS RUAS E PRDIOS PBLICOS
LEGITIMAM O DISCURSO DO PIONEIRISMO: O CASO
DE NOVA LONDRINA-PR
Cssio Augusto Guilherme88
CONSIDERAES FINAIS
251
instrumentos estruturados e estruturantes de comunicao
e de conhecimento que os sistemas simblicos cumprem
a sua funo poltica de instrumentos de imposio ou de
legitimao da dominao, que contribuem para assegurar
a dominao de uma classe sobre outra (violncia
simblica) dando o reforo da sua prpria fora s relaes
de fora que fundamentam e contribuindo assim, segundo a
expresso de Weber, para a dominao dos dominados.
(BOURDIEU, 2011: 10-11)
252
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
254
11. A REPRESSO DO REGIME CIVIL-MILITAR NO
NORTE DO PARAN (1964)
INTRODUO
256
Fora Expedicionria Brasileira (FEB) com oficiais estadunidenses
na Segunda Guerra Mundial, quando combateram juntos o Eixo103
na Itlia, fez com que ocorresse uma aproximao ideolgica das
Foras Armadas brasileira em relao ao modelo de defesa e
segurana nacional adotado pelos Estados Unidos.
Segundo a arquidiocese de So Paulo:
103 Referencia a um dos lados formado na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) por: Itlia,
Alemanha e Japo (eixo: Roma - Berlim - Tquio).
257
presente desde o levante de 1935, realizado no Brasil104. Essa antipatia
de parte considervel de membros das Foras Armadas pela doutrina
marxista no era nova.
Segundo Joo Roberto Martins Filho
259
total controle das articulaes e mecanismos polticos oposicionistas
inseridos na nao.
Para isso, a segurana alcanou altos patamares de controle
social de toda a populao brasileira. Passou a ocorrer o cuidado
absoluto com os rumos que poderiam ser seguidos por grupos
contrrios ao governo. Ao tempo que teve como um de seus principais
interesses, a defesa da nao contra o que estaria a se apresentar como
a nova ameaa: o inimigo interno.
Hannah Arendt (1995) apresentou o conceito de inimigo
objetivo, ou seja, o indivduo ou grupo de indivduos que por meio
de alguma conduta eventualmente viesse a discordar da forma de
conduo do Estado direcionada pelo governo. Essas pessoas
poderiam ser submetidas ao isolamento, punidas e eliminadas.
Todos os indivduos dentro do Estado se tornariam potencialmente
suspeitos, e poderiam ser colocados em uma esfera de inimigos
objetivos dentro do Estado de exceo, como veio a ocorrer no Brasil
em abril de 1964.
A figura do inimigo interno seria qualquer pessoa que
estivesse dentro do territrio nacional e viesse a criar algum tipo de
dificuldade ou impasse ao modelo de Estado adotado pelo governo
militar. O adversrio poltico no correr do perodo militar passou a
ser considerado inimigo de Estado.
A disputa agora estava em um patamar mais violento,
plausvel de represso por parte daqueles que assumiram o mando
poltico do Estado brasileiro. Em nome da Segurana Nacional, o
Estado passou a ter como propsito atingir altos nveis de abuso de
poder, prises e torturas contra quem julgasse necessrio.
Com o golpe civil-militar se fortaleceu o poder executivo
ao ponto que o fortalecimento do poder executivo pactuou de uma
total regresso no que se refere aos direitos democrticos. Para tanto,
o Estado ponderou que mesmo as opinies expressas a favor do
governo de Jango antes mesmo do golpe, fossem resumidas como
possvel agresso ao interesse de desenvolvimento da nao.
O governo militar que proferiu o golpe passou ver as pessoas
no mais como simples adversrias polticas e, sim pessoas consideradas
260
inimigas de Estado passveis de punies se fosse esse o caso.
Abusos de poder foram cometidos contra qualquer um
que inserido no territrio brasileiro estivesse dotado de ideologia
oposicionista ao governo militar. O simples fato de no concordar
com as medidas propostas pelo novo governo no seriam aceitas e,
no poderiam mais vigorar no pas.
O pensamento que apresentasse algum acaso a ideia do
marxismo seria eleito pensamento inimigo e, desta forma, todos aqueles
que manifestassem opinies de cunho progressista para uma melhora
social poderiam ser taxados de pessoas dotadas de ideologia comunista.
A observar o Brasil durante o perodo do governo de Joo
Goulart, nota-se que os movimentos sociais ganharam espao em
territrio nacional. Isso proporcionou o acontecimento de uma
preocupao corrente com esses tipos de organizaes por parte do
governo militar. Para tanto, a populao foi submetida a mecanismos
de controle, mesmo que esses mecanismos se pautassem em
julgamentos e prises das mais arbitrrias possveis.
Aps o golpe de 1964, tornou-se necessrio ao ver do grupo
que assumiu o poder do Estado perseguir e pr fim aos grupos polticos
considerados reformistas. Tornou-se subversivo naquele momento
do Estado brasileiro ser conivente com uma poltica que estivesse
pautada nas reformas estruturais do pas. Dentro desse quadro, todos
os grupos e pessoas com uma posio poltica voltada s reformas de
base, foram considerados ameaa Segurana Nacional.
O governo militar, ao assumir o poder com a deposio de
Jango, tentou de toda a forma apresentar ao pas um carter dentro de
aspectos que compunham um plano de legalidade. Com a deposio
do presidente Joo Goulart, assumiu o poder em regime provisrio
o presidente da Cmara dos Deputados Pascoal Ranieri Mazzilli.
Porm, esse carter apresentado limitou-se a um simples papel
artstico, um ensaio e no mais que isso.
Foi um grupo de militares que passou a estar frente do poder
do Estado com a deposio de Jango. Uma junta militar formada
por comandantes das trs armas foi quem de fato assumiu o posto
executivo no pas.
261
Um dos primeiros feitos da junta militar foi promulgao de um
primeiro ato institucional colocado em vigor poucos dias aps a destituio
do presidente Joo Goulart. A finalidade desse ato era apresentar um
mecanismo que lhe amparasse legalmente frente populao.
Ao longo do perodo militar vivenciado no Brasil, foi
promulgado um total de 17 atos institucionais, seguidos de mais
104 atos complementares. Os atos institucionais e tambm os atos
complementares apresentaram-se como base para servir de respaldo
a centralizao do poder que ocorrera no pas aps o golpe de 1964
(HELLER, 1988).
Torna-se possvel dizer que o poder acumulado pelo
executivo nacional ultrapassou o universo poltico e passou a estar
centralizado nas mos do executivo o poder de deciso da vida
poltica, econmica, social e tambm judiciria do pas sem a devida
apreciao que deveria ser submetida aos outros poderes.
O Ato Institucional n. 1 (AI 1) teve como intuito absoluto
expressar a centralizao do poder e assegurar a eleio do primeiro
general presidente Castelo Branco no incio do longo perodo
ditatorial militar vivenciado no Brasil.
A partir de sua formulao, tem incio uma vasta montagem de
listas expurgando da vida poltica brasileira as pessoas consideradas
inimigas do novo governo frente da nao. O AI - 1 serviu
como aparato repressivo contrrio s pessoas que apresentavam
posicionamento de ideias coniventes com a apresentao de reformas
sociais propostas por Jango.
O AI - 1 previa cassar mandatos e suspender por dez anos
os direitos polticos das pessoas que o novo governo considerasse
estar em conluio para qualquer ato que fosse contrrio Segurana
Nacional. Era preciso ao ver dos comandantes, preservar o pas
contra qualquer ameaa a ordem e a poltica social, a moral e aos
bons costumes.
Nessa conjuntura Inquritos Policial-Militares (IPMs) foram
instaurados em todo o pas. Eles apresentaram um alto aspecto de
controle do poder que apenas passou a estar nas mos do executivo.
Torna-se vlido observar que os IPMs tiveram carter
262
retroativo no julgamento dos atos cometidos, isto , abriram-se
inquritos contra aquilo que foi considerado crime no perodo
anterior ao golpe de abril de 1964.
OPERAO LIMPEZA
263
implantao das reformas estruturais do Brasil passaram ser alvos.
Tornaram-se os inimigos internos, que na tica do novo governo
ameaava o promissor desenvolvimento do Brasil.
265
veio a abrir espao dentro da mquina administrativa para outras
pessoas, ou seja, novos funcionrios que estavam comprometidos
com os rumos que o novo governo queria dar ao Brasil.
Tambm nas Foras Armadas, o governo agiu de maneira
implacvel no que se refere a retirar dos crculos militares seus
possveis opositores. Ao tempo que afastou os militares de seus
cargos com ligao ao governo deposto, possibilitou o ingresso de
outros militares vinculados a formao da Escola Superior de Guerra.
Fica clara a demonstrao de toda a eficcia que foi
apresentada pelo AI - 1, no qual a operao limpeza no apenas
buscou seus opositores dentro dos quadros polticos e em meio aos
funcionrios pblicos e militares, mas tambm toda a represso
articulada contra a populao civil, apresentando-se um balano na
investigao de pelo menos 40 mil pessoas atingidas nos primeiros
meses do golpe.
Dentro desse quadro repressivo, vale notar que a estratgia
desenvolvida no molde da operao limpeza buscou desmantelar
as foras que compunham os movimentos sociais formados
anteriormente ao golpe.
Esse nmero expressivo de pessoas j era observado antes
mesmo da ao ocorrida em primeiro de abril de 1964. J existia
uma vigilncia em torno da sociedade, desencadeada pelo complexo
(ESG/IPES/IBAD). Aps o episdio do golpe bastaram articular
as perseguies para inibir os nimos acirrados dos membros dos
movimentos sociais, favorveis s reformas de base.
importante ressaltar que compondo todo esse aparato
de represso imposto sociedade brasileira, o general presidente
Castelo Branco criou a Comisso Geral de Investigaes (CGI)
para coordenar as atividades dos inquritos policiais militares, que
comeavam a ser instaurados em todo o pas (ARQUIDIOCESE
DE SO PAULO, 2008, p. 61).
Comisso essa que agia em seu julgamento de forma sumria,
sem respeitar as devidas apreciaes dos direitos constitucionais que
deveriam gozar os acusados. Isso ocorreu mesmo quando aps o
golpe civil-militar os chefes militares enfatizaram no prembulo do
266
primeiro ato institucional que a constituio em vigncia de 1946,
seria respeitada.
Contudo, a formao do aparato repressivo que se articulou
com a operao limpeza logo no incio do golpe civil-militar brasileiro
abriu caminhos polticos dentro de uma centralizao de poderes que
passou a ser exercida com exclusividade pelo lder do executivo.
Nesse quesito, a operao limpeza se materializou na
suspenso dos direitos democrticos em intervenes de sindicatos,
nas cassaes de direitos polticos, expurgos de militares nas Foras
Armadas e funcionrios do servio pblico e, tambm, na instaurao
de centenas de Inquritos Policial-Militares que apuraram atividades
consideradas subversivas em todo o territrio brasileiro. A operao
limpeza, amparada legalmente pelos IPMs, no poupou as pessoas
que fossem consideradas ameaa ao novo governo.
267
das declaraes podiam se dar na Delegacia de Polcia, no
tiro de Guerra, ou em outras reparties. Com base nesse
mesmo IPM, foram iniciados inmeros processos [...].
(ARQUIDIOCESE DE SO PAULO, 2008, p. 157).
268
condenado a trs anos de priso e outros dois cidados Jos Lopes
dos Santos e Jos Rodrigues dos Santos a dois anos de priso. Os
senhores Jorge Haddad e Gregrio Crispiano Seplveda foram
absolvidos na sentena.
No BNM 139, temos a oportunidade de verificar o IMP 406/64
ocorrido na cidade de Cambar. Esse processo tambm faz parte do
IPM Zona Norte do Paran. Na cidade de Cambar o processo
apura a atividade poltica de pessoas consideradas subversivas pelo
Estado, vale notar que as acusaes foram elaboras a partir de atos
ocorridos antes do golpe de 1964.
Nesse processo so apresentados quatro rus, entretanto, a
figura central no processo cabe ao mdico e advogado Miguel Dinizo,
que exercia mandato de deputado estadual pelo Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB), sendo importante ressaltar que o presidente deposto
Joo Goulart, tambm pertencia a esse partido poltico.
A principal acusao gira em torno de que o mdico incitava
os jovens daquela cidade a no prestarem o servio militar e os
corrompia com mensagens subversivas que eram transmitidas pela
rdio Mayrink Veiga, essa sob o controle de Leonel Brizola.
269
Andir, no perodo anterior ao golpe de abril de 1964. A acusao que
essas pessoas realizavam agitao entre trabalhadores rurais, fundando
associaes e divulgando propaganda pr-cubanas e pr-chinesa, e estes
teriam conspirando para formar milcias populares naquele municpio.
As pessoas atingidas pela represso na cidade de Andir
so os irmos: Alcides, Edmundo e Alxis Bonesso. Essas pessoas
foram acusadas como responsveis por atos de agitao entre os
trabalhadores rurais daquela localidade. Contudo, o julgamento que
ocorreu em agosto de 1968, absolveu os acusados no processo.
O BNM 240 serviu de represso para cidados da cidade
de Jaguapit, resultado do IPM 391/64 processo que tambm
compem o IPM Zona Norte do Paran, o qual pretendeu apurar
o envolvimento de duas pessoas em atividades subversivas no
municpio de Jaguapit, em aes poltica antes da deposio do
presidente Joo Goulart.
As acusaes realizadas pelo Estado apresenta que um
dos rus no processo teria o intuito de formar um Grupo de Onze
Companheiros na cidade, aps receber instrues do mentor e
idealizador dos grupos, o deputado Leonel Brizola. O outro acusado
teria o objetivo de realizar a concentrao de trabalhadores rurais na
cidade, para atos subversivos.
Tornaram-se rus nesse processo o senhor Rivaldo Cludio
de Oliveira, esse acusado de seguir politicamente Leonel Brizola,
e tentar colocar em funcionamento em Jaguapit um Grupo de
Onze. E o senhor Juarez Torres de Oliveira, este teria promovido
uma concentrao de trabalhadores rurais na cidade.
O julgamento dos acusados se deu em maio de 1969, ficando
o senhor Rivaldo Claudino de Oliveira condenado a dois anos de
priso, e Juarez Torres de Oliveira a um ano de priso.
No BNM 292 as pessoas atingidas pertenciam ao municpio
de Querncia do Norte, fruto do IPM 272/64 que tambm compem
o IPM Zona Norte do Paran.
Este processo traz acusaes contra Prudncio Balbino da Costa
e No Brandoni de liderarem segundo as acusaes do Estado agitao
subversiva e comunista, na cidade de Querncia do Norte, e reunirem
270
assinaturas para a formao de um Grupo de Onze Companheiros,
em apoio s reformas de base como indicava Leonel Brizola, no
perodo que antecedeu a deposio do presidente Joo Goulart.
Os dois rus no processo, Prudncio Balbino da Costa e No
Brandoni foram absolvidos no processo em julho de 1968.
O BNM 312 verifica as aes ocorridas na cidade de Paranava,
por meio do IPM 381/64. O processo integra tambm o chamado
IPM Zona Norte do Paran o qual apresenta apenas uma pessoa
acusada de praticar e liderar agitao subversiva e comunizante
na cidade, no perodo que antecedeu o golpe, conforme as acusaes
consideradas pelo Estado.
Nesse processo o nico ru a ser apresentado o prefeito
municipal da cidade de Paranava, o senhor Antnio Jos Messias
que no perodo era filiado ao PTB, o qual foi acusado de promover
agitao subversiva na cidade. Na acusao promovida pelo Estado
ele teria afinidade com as ideias de Leonel Brizola e de Joo Goulart,
sendo acusado tambm de agitao sindical e de desmando na
administrao municipal.
Em agosto de 1969 o senhor Antnio Jos Messias, foi
absolvido de suas acusaes, no ano seguinte sentena foi
confirmada pelo Superior Tribunal Militar.
O BNM 315 analisa a cidade de Londrina, fruto do IPM
385/64. Faz parte do chamado IPM Zona Norte do Paran, no
processo o Estado tambm tem por finalidade apurar agitao
subversiva e comunizante no perodo anterior ao golpe de 1964.
O IPM instaurado na cidade de Londrina, no foi reproduzido
de forma completa pelos trabalhos do BNM. Entretanto, mediante
as acusaes apresentadas no IPM, possvel apresentar a lista de
acusados nesse processo. So eles, o Senhor Manoel Silva, acusado
de pertencer ao movimento subversivo de Goulart e Brizola, e
tambm descrito que recebia ordens de Francisco Julio. O senhor
Magno de Castro Borges, esse acusado de doutrinao marxista. J
o senhor Flavio Ribeiro, foi acusado de comunismo e receber ordens
de Brizola e de Joo Goulart.
O senhor Nery Machado, acusado de pertencer ao PCB
271
e de receber tambm instrues de Brizola e Goulart. O senhor
Jos Antnio de Queiroz, esse presidente do PTB, foi acusado de
ser amigo de Goulart e Brizola. O senhor Alexandre Fernandes,
membro atuante do partido comunista. Por ultimo o senhor Jos
Vitorino Dantes, foi acusado de distribuir material subversivo e fazer
campanha contrria ao novo regime instalado.
O BNM 385 retrata a represso ocorrida na cidade de Santo
Antnio da Platina, fruto do IPM 382/64, o qual tambm um
desdobramento do IPM Zona Norte do Paran, formado para
apurar agitao subversiva, na fase anterior ao golpe de 1964.
Nesse processo, assim como o ocorrido no municpio de
Paranava, o atingido tambm foi o prefeito daquele municpio.
O processo trata do senhor Benedito Lucio Machado, prefeito
municipal de Santo Antnio da Platina, na poca filiado ao PTB. O
senhor Benedito Lucio Machado sofreu acusaes de ser partidrio
do presidente deposto Joo Goulart e de Leonel Brizola, no qual foi
acusado por seus opositores polticos de intranquilizar a populao
de Santo Antnio da Platina no perodo que antecedeu o golpe civil-
militar de 1964, pela rdio local.
O prefeito foi absolvido das acusaes em outubro de 1967,
pelo Conselho de Justia da Auditoria de Curitiba, por uma sentena
que no reconhecia a existncia de provas na acusao por ele sofrida.
Por fim, o BNM 495 que apresenta o processo desenvolvido
na cidade de Mandaguari, esse fruto do IPM 390/64. O processo
tambm uma das partes em que se desmembrou o chamado IPM
Zona Norte do Paran, instaurado para investigar a subverso na
regio norte do Estado antes do golpe de 1964.
Nesse processo so apresentadas quatro pessoas, essas
sofreram acusao de colocar em funcionamento um diretrio
municipal do Partido Comunista Brasileiro (PCB) em fevereiro
de 1963. Os quatro acusados so os senhores Antnio Mendona
Conde, Raul Refundini, Rodolfo Borges da Silva e Alexandre Pinto
do Nascimento. Neste caso os quatro rus no processo residiam no
municpio de Mandaguari. Apuram-se tambm atividades sindicais
e, apoio a Leonel Brizola.
Ao final do processo Antnio Mendona Conde foi condenado
272
a um ano e trs meses de priso, Raul Refundini e Rodolfo Borges
da Silva, a um ano de priso. Quanto a Alexandre Pinto Nascimento,
faleceu em meio ao tempo que corria o processo, declarando ento o
Conselho de Justia extinta a punibilidade pela morte do ru.
Ao observarmos as informaes apresentadas nesses
processos devem ser tomados alguns cuidados metodolgicos
enquanto a anlise e interpretao dos fatos narrados na documentao
produzida pelos mecanismos pertencentes ao Estado.
Segundo Carla Pinski
274
Ao olhar para os documentos produzidos pelo Estado de
exceo, necessrio perceber as intenes contidas na produo das
fontes que se tem em mos, preciso tentar compreender o perodo
histrico e os vrios atores envolvidos no processo para uma melhor
interpretao dos fatos.
Por meio dos IPMs, o governo militar reprimiu e julgou o
que lhe foi conveniente, afastando do cenrio as oposies politicas
que deveriam existir em um Estado democrtico de direito.
CONSIDERAES FINAIS:
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
277
Fontes documentais:
278
12. NA MINHA CIDADE TAMBM TEVE DITADURA:
REFLEXES SOBRE MARECHAL CNDIDO RONDON PR
Edina Rautenberg105
109 Segundo a histria oficial, o nome da localidade teria sido uma homenagem realizada pelos
pioneiros que promoveram a emancipao poltica de MCR ao patrono das comunicaes
brasileiras, Marechal Cndido Mariano da Silva Rondon, que em seu dirio de viagem teria
registrado a passagem pelas terras do municpio, auxiliando na propaganda da colonizao. No
entanto, Marcos Smaniotto em sua dissertao de mestrado aponta para o fato de o general
Rondon ter sido um dos responsveis pela perseguio aos militares da Coluna Prestes
(SMANIOTTO, 2008, p.40), que teriam invadido a rea de administrao de Julio Tomas Allica
empresrio argentino, responsvel pela construo do Porto Altazza, logo abaixo de Porto
Mendes , ocupando suas instalaes durante oito meses. Embora este elemento carea de
maiores investigaes e no seja foco deste trabalho, cabe ressaltar que a segunda justificativa
parece ter mais sentido do que a primeira, demonstrando mais uma vez o quanto a histria real e
no-bonita de MCR necessita ser levantada e/ou divulgada.
281
Em 1965, com o ato institucional n 02, o governo ditatorial
excluiu os partidos polticos, permitindo apenas a existncia de dois
partidos: ARENA (apoio ditadura) e MDB (oposio consentida
ditadura). No entanto, mesmo com a extino dos partidos, o Governo
Federal permitiu a criao de sublegendas dentro da ARENA. Isto
porque, em sua maioria, os Estados e as cidades reuniam grupos que
no eram necessariamente oposio ditadura, mas configuravam
oposies entre si. No caso de MCR, foram criadas a ARENA 1
(reunia antigos petebistas aliados a Wanderer e Lamb) e a ARENA
2 (reunia antigos udenistas). Por no apresentar oposio ditadura
e pelas fortes influncias polticas na regio, Wanderer foi mantido
como prefeito de MCR at terminar seu mandato. Aps ele, o
municpio passou a ter prefeitos binicos, sendo o terceiro prefeito
de MCR, o senhor Dealmo Selmiro Poersh (ligado a ARENA 2).
No entanto, Poersh foi deposto, em 1972, por indicao do prprio
Werner Wanderer, sendo colocado em seu lugar, Almiro Bauermann
(filiado ARENA 1).
Neste sentido, percebemos os jogos polticos presentes em
MCR e a forte influncia de Wanderer e da ARENA 1 no alinhamento
com a ditadura110. Por ser oposio a Wanderer (embora fosse seu vice-
prefeito no mandato anterior) e no apoiar sua candidatura a deputado
estadual, Poersh foi deposto do cargo de prefeito. Preocupados com
a influncia poltica de Wanderer, as estreitas ligaes dele com o
governo ditatorial e a possibilidade de perder o apoio de Wanderer
quando da indicao do nome para prefeito, a comisso eleitoral do
110 Durante consulta a documentos armazenados no Arquivo Pblico do Estado do Paran
e disponibilizados no stio eletrnico Documentos Revelados considerados, na poca,
confidenciais, de troca de informaes entre os militares, encontramos algo que nos chamou
a ateno e que evidencia o quanto Werner Wanderer era figura de respeito e confiana por
parte da Ditadura. Quando da denncia de um morador da cidade que ouviu no banheiro de
um bar dois homens comentando sobre o desejo de executar o Governador Ney Braga e seu
secretrio quando eles viessem para MCR e o encaminhamento de documentao do Delegado
de Polcia que recebeu o depoimento em MCR, para a Diviso de Segurana e Informaes e
a posterior investigao da mesma, lemos na documentao: [...] Ainda em Marechal Cndido
Rondon, fizemos contato com o Deputado Werner Wanderer; com o Senhor Prefeito Municipal;
[...] os quais colocamos a par de toda a situao e procuramos maiores referncias quanto
[...](RELATRIO N 004924, 19/04/1982, p. 03). Como podemos perceber, Werner Wanderer,
no s era elemento de confiana, como tambm deve ter atuado como fonte de informaes
para a Ditadura. Outros elementos que evidenciam este alinhamento aparecero no decorrer
deste artigo.
282
municpio decidiu indicar algum que ainda no tivesse ocupado
cargo poltico, mas que fosse filiado ARENA 1. Neste sentido, a
figura de Bauermann apresentava-se satisfatria. Esta eleio,
ocorrida em 1974, possibilitou a Marechal Cndido Rondon ser
o municpio com maior ndice de votos em favor da ARENA no
Brasil. Isto porque, na jogada de deposio de Poersh e indicao de
Bauermann, o candidato recebeu mais de 95% dos votos. Marechal
Cndido Rondon tambm foi considerado, neste perodo, o municpio
mais arenista do Brasil, j que, devido as disputas frequentes entre
partidrios da Arena 1 e Arena 2, iniciou-se um processo macio de
filiao para a Arena111.
Com a eleio de Bauermann e o maior alinhamento com
a ditadura, a administrao municipal recebeu inmeros recursos
estaduais e federais, podendo alavancar a modernizao da cidade.
importante lembrar que desde o final da dcada de 1960, Marechal
Cndido Rondon presenciava a implementao de novos processos
de produo na agricultura substituindo a policultura baseada em
tcnicas rudimentares (como enxada, foice, veculos de trao
animal, etc.), pela monocultura, baseada no uso de fertilizantes,
herbicidas, inseticidas, fungicidas e mquinas no trabalho no campo
(SMANIOTTO, 2008, p.50). A agricultura era a mola propulsora da
economia de Marechal Cndido Rondon, que produzia de acordo
com as demandas do mercado externo. Os agricultores, por sua
vez, conseguiram grandes emprstimos bancrios, subsidiados pelo
governo militar, para a compra de sementes e maquinrios agrcolas.
Talvez isso explique o saudosismo de grande parte da populao
rondonense em relao ditadura. O que boa parte no lembra,
que nem todos tiveram acesso a esta modernizao e/ou das dvidas
com os bancos e/ou agncias de financiamento, resultado dos
emprstimos fceis visando a modernizao agrcola, e que faliram
muitos agricultores anos depois.
A modernizao agrcola de Marechal Cndido Rondon foi
tamanha a ponto de receber um suplemento especial no jornal Folha
de Londrina, quando MCR completou 15 anos de emancipao.
111 Estas informaes so baseadas no trabalho de ZAGO (2007) e KOLLING (2007).
283
Como slogan de capa, encontramos o braso de MCR e os dizeres
O municpio da produo. Em toda a matria de 16 pginas,
encontramos a figura do ento prefeito Almiro Bauermann, como
o grande proporcionador deste desenvolvimento, sugerindo a
quase possibilidade de o suplemento ter sido encomendado pela
administrao municipal. Alm do investimento governamental,
aparecem como parceiros no desenvolvimento agrcola do municpio,
a fertilidade dos solos e o relevo plano, presente em quase todo o
municpio, condies quase ideais para a agricultura mecanizada,
sendo que de toda a terra do municpio, 75% so completamente
mecanizveis (FOLHA DE LONDRINA, 25/07/1975, p.13). Como
pode ser percebido, a modernizao apresentada pelo jornal como
natural e bvia, tentando repassar ao leitor a desnecessidade de
questionar suas formas. Junto com o prefeito, merecem destaque
na matria as grandes empresas do municpio (que vo sendo
incorporadas ao texto como natas do desenvolvimento que pretende
ser caracterizado) e a maior cooperativa de eletrificao rural do
Brasil, a COPEL, que merece o destaque de duas pginas, tendo em
vista a ento inaugurao de sua subestao em Marechal Cndido
Rondon, proporcionando a eletrificao rural e a abertura de novas
perspectivas para a industrializao do municpio (FOLHA DE
LONDRINA, 25/07/1975, p.14).
Como podemos ver, a forma como eram orientadas as
polticas econmicas em Marechal Cndido Rondon durante
a ditadura, permitiram uma modernizao agrcola efetiva da
cidade. No entanto, para alm de questionar os atingidos por esta
modernizao, devemos lembrar que as polticas agradavam
tambm seus propositores, j que como demonstramos, os prefeitos
de Marechal eram em sua maioria, tambm grandes proprietrios
de terras. Neste sentido, alm de se beneficiarem politicamente
pelo alinhamento com a ditadura (trazendo recursos para a regio),
tambm se beneficiavam economicamente, de maneira individual,
o que justifica a tentativa de manterem s vistas dos moradores do
municpio, uma imagem positiva da ditadura.
284
A VISITA DO PRESIDENTE-DITADOR ERNESTO
GEISEL
.
Fonte: Arquivo pessoal de Dirceu da Cruz Vianna. Disponvel no site:
http://blogdoviteck.blogspot.com.br/2010/08/o-dia-que-marechal-rondon-
recebeu-o.html
112 Segundo WILSEN e KUNZLER, Werner Wanderer e sua esposa eram amigos pessoais de
Geisel e teriam feito, pessoalmente, o convite para o presidente (2006, p.43).
285
Figura 2 - Presidente Ditador Geisel no Palanque em MCR
116 Alm da visita a Marechal Cndido Rondon, Geisel esteve em Cascavel em 30/10/1976 e
em Foz do Iguau em 20/10/1978 (quando da inaugurao do canal de desvio do Rio Paran).
Embora o discurso proferido por Geisel em Cascavel sugira como motivo a angariao de votos
para a ARENA na eleio municipal que ocorreria ainda aquele ano (j que naquele momento
a ARENA j perdia a credibilidade outrora obtida), podemos notar a insistncia em convencer
os ouvintes do carter paterno da ditadura e de suas aes: O nosso objetivo, quando falamos
em desenvolvimento, quando falamos em trabalho, quando falamos em planejamento, em
obras, ns sempre visamos, em ltima instncia, o homem, ao bem-estar do homem brasileiro
(DISCURSO PRESIDENCIAL GEISEL Cascavel - PR. 30/10/1976).
288
Figura 3 - Chegada da populao em MCR para o discurso de Geisel.
289
considerado rea de Segurana Nacional. Isto especialmente por
seis motivos que se correlacionavam: 1) A divisa com a Argentina e o
Paraguai e a suposta ameaa de invaso do comunismo internacional
(mesmo vivendo o Paraguai tambm uma ditadura e ser parceiro do
Brasil na Operao Condor); 2) A possibilidade da regio ser rota de
entrada e sada de militantes de esquerda clandestinos, em especial
os participantes da luta armada (j que a divisa entre os pases se
dava por rios de fcil navegao, alm das pontes que fazem a
ligao entre os pases); 3) As disputas territoriais com o Paraguai,
envolvendo principalmente o Salto Grande de Sete Quedas, no
municpio de Guara (cerca de 225 km de Foz do Iguau), onde
o Paraguai questionava o limite traado entre os pases (que seria
resolvido com a construo da hidreltrica de Itaipu e a inundao
da regio pelo reservatrio); 4) A existncia do Rio Paran (rea de
grande interesse para a construo de uma usina para gerao de
energia eltrica); 5) As suposies de que MCR era um reduto de
nazistas (tendo em vista que Joseph Mengelle mdico no campo
de concentrao de Auschwitz e Martin Bormann assessor de
Hitler tinham moradia no municpio) 117; 6) Os constantes conflitos
agrrios envolvendo disputas territoriais na regio.
Os conflitos agrrios na regio Oeste do Paran eram de
conhecimento da Ditadura e podemos evidenciar isto em alguns
documentos considerados confidenciais, de troca de informaes
entre a Polcia Militar do Paran e o Servio Nacional de Informaes
SNI. Como exemplo, destacamos um trecho presente em um
Informe de 25/07/1975, que relata o conflito acerca da disputa de
terras e a consequente efetivao de homicdio, ocorridos em
Guaraniau, at ento municpio de Foz do Iguau PR. No arquivo
consta o documento de acusao de um advogado que em data
anterior ao homicdio prestava queixa na delegacia de Foz do
Iguau, a pedido da vtima e em cuja denncia, em determinado
momento, visualizamos a argumentao: [...] o clima na regio de
desespero e inquietao, uma vez que toda a rea era patrulhada por
elementos de alta periculosidade, jagunos foragidos da Justia, com
117 Informaes baseadas nas pesquisas de ZAGO (2007) e KOLLING (2007).
290
priso preventiva decretada por crime de homicdio, domiciliados no
Paraguai [...] (INFORME N 488/PM-2/75, p. 03).
Como podemos perceber, a situao conflituosa que o Oeste
do Paran vivenciava, estava entre as preocupaes da Ditadura118.
Talvez nem tanto na tentativa de soluo da raiz dos conflitos
j que o desenvolvimento do capitalismo requeria a permanente
explorao dos trabalhadores , mas da possibilidade desta regio
ser palco de alguma mobilizao social que se colocasse contra a
ditadura e o modo de produo capitalista. No demais lembrar
que em Cascavel PR, que ocorre o encontro que formalizou o
surgimento do Movimento Sem Terra (MST), em 1984. claro que
o movimento s se tornou possvel com a criao do Movimento dos
Agricultores Sem Terra do Oeste do Paran (MASTRO), devido a
intensificao dos conflitos envolvendo os agricultores que estavam
sendo deslocados pela construo da Hidreltrica de Itaipu. Mas isto
no seria possvel se a regio j no tivesse um histrico de conflitos
e lutas, de trabalhadores que colocavam a questo da terra no centro
do contexto poltico e existencial de suas vidas.
295
entanto, o funcionrio do Contel garantiu que isso no seria
problema e indicou a Arlindo um general de reserva. Lamb
pegou o endereo e foi procurar o general Alosio Condin
Guimares. Ele recebeu o rondonense muito bem, e este,
por sua vez, explicou toda situao. O general se disps
a ajudar, mas exigiu uma participao na firma. O que foi
aceito. (WILMSEN e KUNZLER, 2006, p.23-24).
301
A justificativa do envio se declara ao fato de muitos alunos
ainda no conhecerem a imagem do Presidente. Irnico que a escola
ficava responsabilizada de pagar a taxa de correio que com certeza era
elevada para a poca. No entanto, fica clara as formas de penetrao
da ditadura: os meios escolares eram o ponto inicial de criao de
respeito, aceitao e passividade ditadura.
Por fim, vale lembrar que foi durante a ditadura que alguns
nomes de ditadores foram perpetuados em Marechal Cndido Rondon,
dando nome a praas e ruas. Foi em 1972, que uma praa de MCR foi
rebatizada com o nome de Praa Presidente Mdici (Projeto de Lei
n3-CM), que uma rua recebeu o nome de Rua Presidente Costa e
Silva (Projeto de Lei n795), outra de Rua Presidente Castelo Branco
(Projeto de Lei n794) e outra de Rua 31 de Maro (Projeto de Lei
n791). Interessante notar que as quatro denominaes, de autoria do
Poder Executivo so aprovadas na mesma reunio, em 13 de maio
de 1972, pela Comisso de Justia, Legislao e Redao de Marechal
Cndido Rondon. O prefeito na ocasio era Dealmo Semiro Poersch.
Infelizmente, nem o projeto de lei, nem a revogao da lei, nem as
atas das reunies da Cmara dos Vereadores apresentam justificativas
para a escolha da nomenclatura. Os projetos de lei so apenas lidos
e simplesmente aprovados pela maioria. Mas eles demonstram a
afinidade que as lideranas polticas de MCR tinham com a ditadura
e os presidentes militares, bem como as formas de barganha, visando
conquistar ainda mais recursos e apoio financeiro.
O ato de homenagear um evento ou pessoa pblica
atribuindo-lhe a denominao de uma rua no novidade no
Brasil, nem em Marechal Cndido Rondon. Como visto no caso
da denominao dos militares, normalmente partem de decises
individuais que expressam o interesse de determinado grupo, e no
da maioria da populao que reside naquela localidade. No entanto,
revelam a tentativa de criao de uma determinada memria,
normalmente de algum que no se quer e no se deve esquecer.
No entanto, esclarecidas as possveis razes das denominaes
302
em perodo de ditadura, indigna-nos o fato destes nomes ainda se
fazerem presentes nestas ruas, reforando a memria idealizada que,
como j vimos anteriormente, precisa ser desconstruda. Apesar dos
escrachos e manifestaes, nossas ruas continuam homenageando a
ditadura. So fontes que caracterizam nosso municpio neste perodo,
mas tambm podem ser alvos de polticas que visem atribuir-lhe
nomes de pessoas que efetivamente merecem esta homenagem.
CONSIDERAES FINAIS
FONTES UTILIZADAS
306
INFORME N 2-PM.2/68. 03/12/1968. Arquivo Pblico do Paran.
Disponvel no stio eletrnico Documentos Revelados: https://
pt.scribd.com/doc/132412165/Conflito-Terras. Acesso realizado
em 30/10/2014.
OFCIO. 18/03/1970.
307
13. A PRXIS COMO ESTRATGIA DE CONVERSO
PROTESTANTE ENTRE OS POVOS INDGENAS DE SO
JERNIMO DA SERRA, ESTADO DO PARAN122
312
As pregaes eram feitas em transe, aps sorverem a
fumaa de certa erva, em voz baixa junto uma cabaa ornada de
penas, com olhos, nariz e boca. Consideradas, mgicas, as cabaas
tinham o poder de alojar os espritos dos deuses e, ao som da
pregao dos profetas carabas, a aldeia toda danava ao som de
flautas e batuques, passos ritmados, e todos entoavam certa melodia
montona e triste (VAINFAS, 2005, p. 13). Ao observarem esses
rituais os portugueses teriam ficado perplexos e desconcertados, pois
consideravam que entre os gentios do Brasil no havia religio. O
contato com o fenmeno por eles batizado mudou radicalmente a
forma de pensar sobre a no existncia de religio entre os indgenas,
contudo, acostumados a projetar no outro o seu eu, os portugueses
consideraram os rituais Tupi verdadeiras festas diablicas e dignas
representaes herticas.
A data da chegada dos portugueses e seu encontro com os
Tupi ocorreu no momento em que essa populao estava envolta
num ambiente de frenesi religioso devido exatamente reproduo
das crenas e mitos antigos pertencentes cosmogonia relativa no
s busca da Terra Sem Mal mas a todo o universo religioso herdado
dos antepassados. A absoro de elementos da religio crist-catlica
acontecida a partir de ento pelos Tupi os levaria, como foi o caso das
Santidades, a elaborarem significados francamente anticolonialistas
e anticristos (VAINFAS, 2005, p. 50) nos quais a histria seria
incorporada pelo universo mitolgico porm, negando-a quando
santidades como a de Jaguaripe por exemplo, se colocavam como
formas de resistncia no s ao colonialismo mas tambm religio
crist cujos maiores expoentes eram os padres jesutas.
O uso do termo idolatrias insurgentes para caracterizar a
Santidade de Jaguaripe se deve estrutura de prticas e smbolos
apresentada pelo fenmeno para a qual convergiam tanto elementos
da mitologia proftica indgena quanto do catolicismo e o carter de
negao do colonialismo como j exposto.
313
Falar em idolatrias insurgentes significa referir-se, antes
de tudo, a movimentos sectrios, animados por mensagens
francamente hostis, sobretudo explorao colonial e ao
cristianismo, no obstante algumas delas tenham assimilado,
em maior ou menor grau, ingredientes do catolicismo que
tanto rejeitavam. (VAINFAS, 2005, p. 33).
315
primeiro se inicia com o declnio da participao dos ndios na casa
de rezas, espao sagrado, mstico e mgico, da cosmologia indgena
e cuja influncia vinha se restringindo ao espao da esfera religiosa
e o segundo momento est ligado posterior chegada e insero
da Igreja Congregao Crist no Brasil na Terra Indgena quando
acontece uma restituio da unidade religiosa e poltica dos lderes
guarani (BARROS, 2003, p. 105).
Os depoimentos colhidos pela autora juntos aos ndios
da TI de Laranjinha indicam para o processo de crise vivido pelo
grupo e a posterior converso ao protestantismo que atingiu parte
da populao. O desinteresse de alguns integrantes pelas atividades
na Casa de Rezas, que naquele perodo era comandada por uma
mulher, estaria impossibilitando a manuteno da ordem do grupo
cuja estabilidade estaria ligada exatamente afluncia de todos os
integrantes aos rituais inscritos em tempos imemoriais uma vez que:
319
as transformaes efetuadas nas culturas indgenas por missionrios
cristos so menos resultado de um processo de imposio de hbitos
e costumes externos e sim, resultado de negociao nos planos
poltico, material e simblico em que as instituies religiosas e
suas estruturas ressurgem em formas alteradas. E, em terceiro lugar,
o trabalho desenvolvido pela equipe de pesquisadores chegou
concluso que existem duas ideologias missioneiras atuando sobre
os povos indgenas: uma chamada de Teologias de Libertao e outra
conceituada como Fundamentalista.
No que se refere Teologia de Libertao, Wrigth (1999,
p. 15) considera que h no processo de aproximao e posterior
converso dos povos nos quais essa teologia se insere, um mtodo que
consiste em iniciar o contato buscando um terreno comum entre as
religiosidades indgenas e o cristianismo indigenizado o que facilitaria
o empreendimento missioneiro. A outra forma de aproximao,
embora entenda a necessidade de compreender as culturas naturais,
torna-se fundamentalista por continuar a impor transformaes
nas identidades tnicas, religiosas e polticas dos povos indgenas
baseadas em pressupostos de valores cristos. Sobre essa forma de
aproximao do segmento considerado Fundamentalista, Wrigth
(1999, p. 15) pondera que tais casos demandam uma ateno especial,
pois comprometem seriamente a viabilidade das culturas indgenas.
Os trabalhos voltados para a questo da evangelizao
indgena encontram-se cobertos de questionamentos sobre os
movimentos missionrios que continuam a tentar promover a
converso dos povos indgenas no Brasil ainda que sabedores das
implicaes culturais que tais processos instauram juntos a essas
sociedades desde os tempos coloniais. Como salientou Writh sobre a
existncia de duas formas aproximativas junto aos indgenas tambm
Veiga (2004) faz importante esclarecimento sobre as diferentes
formas de contato empreendidas por cristos-catlicos e cristos-
pentecostais nas tribos Kaingang do sul do Brasil em que penetraram.
320
O liberalismo da condio de catlico contrasta com a
rigidez das igrejas crentes. Esse liberalismo est muito
na forma como os catlicos so vistos pelos pentecostais.
De fato, a parte mais progressista dessa Igreja acredita que
os Kaingang tm suas prprias maneiras de fazer o contanto
com o sagrado e, por respeito, preferem no realizar uma
interferncia direta nesse campo. A maioria das aes das
parquias limita-se s missas alguns meses por ano e a
ao na rea de assistncia social. J as igrejas pentecostais
acreditam ser seu dever de caridade salvar almas Kaingang
e procuram, atravs da doutrinao, da vigilncia e do
controle sobre seus membros, imprimir normas de conduta
para os convertidos ao cristianismo (VEIGA, 2004, p. 196).
125 Os irmos Cludio e Orlando VILLAS BOAS em Xingu: os ndios, seus mitos (1975,
pp. 50), descrevem trinta e um mitos relacionados com a cosmologia das tribos que viviam
no Alto-Xingu durante a dcada de 1940 e concluem que as histrias mticas por eles
contadas so fruto de uma fuso cultural ocorrida h muito entre as tribos formadoras
do Xingu tal a interao entre as tradies mtico-religiosas e o domnio geogrfico e
ambiental da regio observado em suas narrativas hericas; j K. NIMUENDAJU UNKEL,
As lendas da criao e destruio do mundo...(1987, pp. 8, (1914)), fala dos mitos fundadores
dos povos Apapocva-Guarani, de sua religiosidade e de suas constantes migraes
em busca da Terra Sem Mal, local no qual poderiam escapar perdio ameaadora.
322
pelo Instituto Batista gape Smith (IBBAS)126 junto aos povos da
Terra Indgena So Jernimo127, Norte do Paran, na qual convivem
povos Kaingang, Guarani e Xet, possibilitou reconhecer os ideais
e os mtodos de evangelizao e converso que continuam a ser
praticados entre os indgenas ainda no incio do sculo XXI.
No site do IBBAS (2006) a referncia condio da TI So
Jernimo por ocasio da primeira visita missioneira em 1990 a aldeia
quando se iniciou o processo de implantao do Projeto Missionrio
Indgena (PMI) foi assim descrita:
326
Possuem um pomar coletivo, cujas mudas foram doadas pela Funai,
e tambm um pomar para cada famlia. Os lucros oriundos do pomar
coletivo so distribudos em duas metades, sendo uma parte dividida
entre as famlias e a outra aplicada na infra-estrutura da comunidade.
A criao de animais individual com destaque para o gado de leite,
caprinos, sunos e galinceos e, uma vez por ano costumam matar
algumas reses em comemorao da Semana do ndio.
No plano cultural, o fato de parte de a populao masculina
encontrar-se sempre trabalhando em lavouras fora da TI tem levado
muitas famlias fragmentao, pois esse distanciamento impede
que os homens conciliem atividades tradicionais com as modernas.
Segundo o Projeto desenvolvido pelo Laboratrio de Arqueologia,
Etnologia e tno-Histria da Universidade Estadual de Maring,
o assalariamento dissolve tambm as condies de sustentao dos
valores e smbolos que somente os velhos conhecem e no podem
reproduzir porque as condies de vida atuais no o permitem (TERRA
INDGENA, 1995). E, quanto ao desenvolvimento scio-econmico, a
comunidade apresenta altos ndices de pobreza sendo seu IDH (ndice
de Desenvolvimento Humano), de 0,674, o 384o. colocado no estado
e o 3383o. no Brasil. Vivem na TI no ano do Projeto aproximadamente
380 pessoas (PORTAL, 2007) e as crianas freqentam a nica escola
do local e que oferece o ensino infantil e fundamental. Em 1995 a
comunidade recebia apoio do governo do Paran que fornecia sementes
e insumos agrcolas, no recebia Cestas Bsicas ou Bolsa Famlia.
Instituies pblicas como a Universidade Estadual de Maring
realizam vrios projetos juntos aos povos da TI So Jernimo. Um
deles relativo ao projeto voltado para a aquisio de equipamentos
agrcolas e para o treinamento de pessoal da comunidade para o manejo
desses equipamentos (TERRA INDGENA, 1995).
Pode ter sido essa a realidade encontrada pelos missionrios
do IBBAS quando da implantao do PMI em 1999, ou seja,
condies adequadas para a tentativa de converso convergente com
a misso estabelecida pelo Instituto gape Smith de ser como um
esteio de desenvolvimento para comunidades ignorantes (IBBAS,
2006). A constatao da condio de pobreza material observada
327
pelos missionrios junto aos moradores da TI contrasta a ausncia
total de qualquer avaliao das condies espirituais desses mesmos
povos. No h na documentao do IBBAS ou da Igreja Batista
Monte Sio129, que assumiu o PMI a partir de 2004, qualquer
referncia ao universo cosmolgico dos habitantes da TI, o que
si j um fator sintomtico. Mas, os mitos fundadores dos Kaingang
e toda a constituio religiosa dessa sociedade foram amplamente
estudada por diversos autores e para melhor compreender como o
imaginrio Kaingang percebe o mundo sua volta importante a
descrio sinttica de algumas particularidades do sagrado vivido
por esse povo. Sagrado este j fortemente influenciado pela religio
crist desde tempos coloniais, mas, que conserva ainda em muitos
aspectos, traos que so especficos do universo religiosos indgena
Kaingang.
Foi assim que no ano de 1990 foi iniciado junto aos povos
indgenas que habitam as Terras de So Jernimo um projeto de
evangelizao empreendido por missionrios batistas que pretendia,
por meio de diversas atividades profissionalizantes, evangelizar e
converter a comunidade indgena daquela rea denominado Projeto
Missionrio Indgena (PMI). Nas palavras do prprio IBBAS (2006)
o Projeto foi descrito como sendo um direcionamento dado por Deus
para anunciar que s em Cristo h salvao, alm disso, todos tm
como misso ajudar os indgenas de uma forma integral (espiritual,
emocional e integral)133.
133 No ano de 2006 entramos em contato com um dos pastores-missionrios responsveis pela
implementao do PMI em So Jernimo e que nos concedeu vrias entrevistas sobre o projeto.
Contudo, findo o perodo da pesquisa o mesmo no autorizou seu uso para publicao. Dados
como o nmero exato convertidos, que no universo dos moradores da TI foi extremamente baixo
em quase oito anos de PMI por exemplo, no puderam ser inseridos nessa pesquisa devido a
esse fator assim como as referncias aos mtodos usados para abordar os povos indgenas ou
detalhes sobre como os missionrios viam os moradores das aldeias.
333
A partir de 2004 o PMI foi submetido a IBMS Igreja Batista
Monte Sio134 com sede em Londrina e manteve o projeto dentro
do mesmo perfil de atuao proposto pelo IBBAS. Em sua origem,
ou seja, enquanto esteve sob a responsabilidade do IBBAS, o PMI
se pautou pelas determinaes dessa instituio cujos fundamentos
estiveram descritos na pgina eletrnica do Instituto durante os anos
de 2005 e 2006. De posse desses dados foi traado um perfil da
instituio considerando a ideia que se mostrou mais redundante nas
informaes contidas no site que foi a constante repetio do ideal
missioneiro do IBBAS. Ao todo, o site era composto por dezoito
pginas que traziam informaes sobre o IBBAS, sua misso, artigos,
notcias, eventos, programas e projetos desenvolvidos pelas equipes,
alm das parcerias com outras igrejas do Brasil, da Amrica Latina e
dos Estados Unidos.
O objetivo primeiro do Instituto na ocasio era a formao
teolgica para o ministrio cristo oferecido para homens e mulheres
que desejassem ministrio pastoral ou que apenas almejassem
apresentar-se mais preparados diante dos desafios da atual realidade
brasileira, e para o cumprimento dessa misso, o curso propunha,
336
A forma como o projeto foi elaborado evidncia a necessidade
de levantar um questionamento sobre esse tipo de tentativa de
converso. A citada prxis missioneira era fundamentada sobre a
apropriao das interpretaes de passagens bblicas que sugerem a
evangelizao plena por parte dos cristos sobre as demais culturas
como um elemento que parece ser superior a qualquer elaborao
prvia de um relatrio sobre as condies sociais ou culturais dos
povos nos quais a igreja se insere. Na verdade a prxis tinha como
metodologia exatamente construir estratgias de abordagem e
posterior interveno exatamente a partir das incertezas que surgiam
no contanto com a sociedade indgena sobre a qual o PMI estivesse
trabalhando. Verifica-se assim que era por meio de improvisos que
a prxis foi se construindo, ou seja, no confronto com o dia a dia
das aldeias os missionrios foram construindo ou remodelando suas
abordagens mais com base no proselitismo e no assistencialismo
que numa verificao de colaborao que partisse de debates entre
missionrios e os indgenas e cujos resultados fossem favorveis
aos ltimos do ponto de vista das necessidades destes. De fato, a
converso era o esperado e a prxis se justificava nesse sentido pois,
como vimos anteriormente, para que o fenmeno religioso se efetive,
a prxis um dos elementos essenciais. Acreditamos inclusive,
que os intelectuais do IBBAS tenham conhecimento do sentido de
fenmeno religioso e seus elementos compositores de Bourdieu.
A hiptese levantada acima nos permite afirmar que a prxis
do IBBAS certamente usava as visitas a TI para conhecer a dinmica
das aldeias e com isso elaborar seus projetos interventores. Isso nos
leva concluso de que quando se utiliza como parmetro a prpria
cultura resulta complicado compreender a cultura do outro e, a
teoria do IBBAS parece no conseguir compreender esse fator pois
pretendeu responder realidade do encontro entre as culturas a partir
do que sua prpria doutrina prescrevia. Afinal, para o IBBAS ou para a
IBMS, o que realmente importava era o processo de converso e no a
colaborao para uma melhoria nas condies socioeconmicas da TI.
O ser missionrio hoje, principalmente entre os religiosos
protestantes e pentecostais, encontra-se revestido de uma nova forma
de abordagem junto aos povos indgenas embora os objetivos ainda
busquem sua legitimao no fato de que a cultura indgena encontra-
se num nvel inferior cultura crist, sendo portando, um dever do
cristo elevar o nvel dessas sociedades e acima de tudo, colocar
337
em prtica o projeto missioneiro que teria sido proposto por Jesus
ao final de cada evangelho. Quando se tem contato com a proposta
teolgica missionria como o caso do PMI proposto pelo IBBAS
e levado a cabo pela IBMS que se observa o real alcance que a
entrada das religies protestantes pretende promover entre as culturas
indgenas. O ideal missionrio aceito e seguido risca pelos fiis
dessas denominaes e principalmente o trabalho de base realizado
por pastores e estagirios a pastor ou ainda por pessoas interessadas
em participar voluntariamente da causa missionria parece agir como
uma fora centrpeta para a qual convergem todos os seguidores.
Conhecer o cotidiano e a forma de vida da comunidade sobre a qual
se pretende trabalhar no representa o interesse em conhecer para
respeitar e sim, conhecer para dominar e, alm disso, fazendo uso
da prpria estrutura da sociedade invadida para nela penetrar ainda
mais de forma a, pouco a pouco, descobrir as bases sobre as quais
est alicerada e s ento substituir a fundao social, religiosa e
cultural por valores sociais e principalmente religiosos considerados
superiores trazidos pelos prprios cristos protestantes.
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