Teatralidade e Sociabilidade No Planejamento Urbano Na Ilha de SC
Teatralidade e Sociabilidade No Planejamento Urbano Na Ilha de SC
Teatralidade e Sociabilidade No Planejamento Urbano Na Ilha de SC
Florianpolis
2012
Tereza Mara Franzoni
Florianpolis
2012
Catalogao na fonte pela Biblioteca Universitria
da
Universidade Federal de Santa Catarina
Inclui referncias
.
1. Antropologia. 2. Antropologia social. 3. Planejamento
urbano - Florianpolis (SC). 4. Sociabilidade. 5. Associaes
comunitrias - Bairro Campeche (Florianpolis, SC). I. Bastos,
Rafael Jose de Menezes. II. Universidade Federal de Santa
Catarina. Programa de Ps-Graduao em Antropologia Social.
III. Ttulo.
CDU 391/397
Tereza Mara Franzoni
Banca Examinadora:
INTRODUO.............................................................................29
O LUGAR PARA O QUAL SE FAZEM OS PLANOS
DIRETORES............................................................................30
ALGUMAS RELAES ENTRE A PESQUISADORA
E O TEMA...............................................................................36
ALGUMAS RELAES ENTRE O TEMA E AS
FORMULAES TERICAS ..............................................42
O TEXTO E ALGUMAS DAS ESCOLHAS PARA
ESCREV-LO.........................................................................50
PARA COMEAR, UM POSSVEL EPLOGO....................53
1 ASPECTOS DA HISTRIA DA URBANIZAO
NO CAMPECHE E NO MUNICPIO DE
FLORIANPOLIS...................................................................59
PARTE 1 - OS USOS DA TERRA E AS FORMAS DE
SOCIABILIDADE...................................................................59
1.1.1 O processo de urbanizao na viso dos
moradores antigos.................................................62
1.1.2 De terras a terrenos: a permanncia da
atividade agrcola e a reestruturao dos
caminhos................................................................71
1.1.3 A percepo sobre os novos moradores e seu
modo de vida..........................................................82
1.1.4 O engenho e a pesca na memria e suas
inscries no presente...........................................86
1.1.5 Viver no Campeche: entre o passado e
o presente...............................................................91
PARTE 2 - AS TRANSFORMAES DO USO DA
TERRA NO MUNICPIO: DAS TERRAS DE USO
COMUM AOS TERRENOS DE USO PRIVADO................101
1.2.1 A expanso da malha urbana e os planos
de Estado..............................................................107
1.2.2 Os destinos da urbanizao: entre planos
diretores e aes de Estado.................................113
1.2.3 A decadncia do modo de vida rural e a
produo da legalidade urbana.........................117
2 OS PLANOS PARA A PLANCIE ENTRE MARES NA
CMARA MUNICIPAL.........................................................135
PARTE 1 - AS REGRAS DO JOGO OU O QUE
DEVE SER FEITO QUANDO A PREFEITURA
ENVIA UMA PROPOSTA DE PLANO DIRETOR
PARA OS VEREADORES....................................................135
2.1.1 Sobre a frequncia e a invisibilidade das
mudanas de regras............................................142
2.1.2 Quando a mudana pode ser a regra................151
2.1.3 Comisses e pareceres: sobre as relaes
entre poltica e conhecimento
tcnico-cientfico..................................................155
2.1.4 Comisses e audincias como arena poltica:
espao de mobilizao e influncia....................160
2.1.5 Sobre limites e territrios: Projetos de
Lei, UEPs e distritos............................................163
2.1.6 Sobre como as leis podem conter a
participao pblica...........................................179
2.1.7 Sobre como as redes podem consolidar
atores: professores/pesquisadores e o
conhecimento tcnico-cientfico.........................188
PARTE 2 - CAMINHANDO ENTRE LEIS,
CDIGOS, CORES E TABELAS: OLHANDO O
CAMPECHE DO ALTO........................................................195
2.2.1 O percurso e o tempo de aprovao de um
plano diretor entre as regras e a resistncia.....198
2.2.2 O projeto de Lei Complementar n 122/99:
entre o texto da lei e seus anexos.......................202
2.2.3 O texto da proposta de lei e a invisibilidade
de mapas, tabelas e outras leis...........................210
2.2.4 Alterando a proposta da prefeitura os
substitutivos.........................................................217
2.2.5 Sobre mapas e zoneamentos: tornando
visvel o Campeche..............................................226
2.2.6 De que tratam os anexos da lei: entre
indcios, siglas, cores e tabelas...........................239
3 O ESPETCULO E AS PESSOAS COMO RECURSO
POLTICO: ENTRE CONFLITOS E NEGOCIAES...253
PARTE 1 - ASSOCIAES E MOVIMENTOS:
PRODUZINDO E ACIONANDO ATORES E REDES
NAS DISCUSSES SOBRE URBANIZAO E
PLANEJAMENTO NO CAMPECHE..................................253
3.1.1 Uma rede que se publica: alguns
comentrios sobre O campo de peixe e os
senhores do asfalto..............................................257
3.1.2 Os anos 1980 e as primeiras notcias sobre
os planos para o Campeche................................265
3.1.3 O Plano de Desenvolvimento do Campeche:
entre tcnicos e professores................................270
3.1.4 O Plano de Desenvolvimento da Plancie
entre Mares: novos mediadores de
l e de c...............................................................279
3.1.5 O Plano Comunitrio: ativando a rede e
produzindo um plano alternativo......................285
PARTE 2 - ALGUMAS FORMAS DE EXPRESSO DA
VIDA COLETIVA NO CAMPECHE: ASSEMBLEIAS,
FESTAS E OUTRAS MANIFESTAES...........................299
3.2.1 As assembleias e as estratgias para reunir
pessoas..................................................................311
3.2.2 Consolidando vnculos e demarcando uma
histria.................................................................315
3.2.3 A importncia de produzir documentos e
de seus usos..........................................................318
3.2.4 Entre ideias e contradies: o que mobiliza
as pessoas?...........................................................326
3.2.5 Assembleia como arena poltica polticos,
administradores e muitas outras
autoridades..........................................................329
3.2.6 Poltica e teatralidade: o poder de agir
sobre a ao do outro..........................................333
CONSIDERAES FINAIS.....................................................337
REFERNCIAS..........................................................................349
29
INTRODUO
distrito bem maior que o bairro, e dele fazem parte tambm, alm do
bairro que lhe d o nome, os bairros de Morro das Pedras e Rio Tavares 5.
Por fim, o termo Campeche foi adotado tambm para dar nome rea do
primeiro plano diretor proposto pela prefeitura para a regio. Essa rea
ainda maior que o distrito, englobando partes de outros distritos da Ilha.
Ela formada pela plancie mais extensa da Ilha de Santa Catarina, com
grandes pores alagveis, e vem passando por um processo de intensa
urbanizao. ela que localizo no mapa que se segue.
***
***
e o passeio pblico que ficava na frente daquele prdio que havia sido,
durante muito tempo, a nica casa de espetculos da cidade. Com apitos,
narizes de palhaos e muitas faixas com dizeres do tipo Este plano no
nosso e Onde est a participao?, os manifestantes cantavam em
coro palavras de ordem, ensaiavam pequenas msicas e conversavam
animadamente informando e orientando aqueles que entravam no teatro.
Alguns dos mais jovens formavam uma pequena banda tocando bumbo,
pandeiro e instrumentos de metal. Do outro lado da rua, de frente para o
teatro, estavam o microfone e a caixa de som, e os manifestantes se
revezavam com protestos e esclarecimentos sobre o ocorrido,
atualizando tambm as notcias sobre o que se passava do lado de dentro
do teatro. Formando uma espcie de fundo de palco, uma asa-delta havia
sido montada atrs da caixa de som, dando a ideia de uma concha
acstica, ou melhor, um tringulo acstico, criando um pequeno palco
para os falantes. Entre este palco e o prdio que ficava atrs dispunham-
se oito policiais, paramentados com roupas camufladas e coletes prova
de balas, aguardando em posio de prontido naquela cena da rua.
Ainda do lado de fora, fui orientada a no assinar nenhuma lista
de presena, pois a audincia seria cancelada e no se podia deixar que
as assinaturas fossem utilizadas para legitimar a participao popular.
Na antessala, algumas moas, atrs de pequenas mesas, aguardavam em
vo que os presentes assinassem as listas, enquanto vrias pessoas
conversavam sobre o ocorrido, cumprimentando animadamente quem
chegava. Na sala de teatro, passando as cortinas vermelhas, fui
encontrando conhecidos moradores do Campeche. Estavam l
integrantes da Associao de Moradores do Campeche, do Movimento
Campeche Qualidade de Vida, da Rdio Comunitria, do Instituto Scio-
Ambiental Campeche e tambm integrantes de associaes de
moradores do Rio Tavares, da Lagoa, do Morro das Pedras e de outros
bairros da cidade. A sala de teatro estava cheia, cadeiras, corredores,
camarotes, balco e palco estavam todos ocupados. Havia faixas na
fachada dos camarotes, do balco e nas paredes, com dizeres parecidos
com aqueles que eu tinha visto na rua. No palco com alto-falante,
representantes das associaes e vereadores organizavam as falas, que
aconteciam uma aps outra, incessantemente. Discursos, protestos e
palavras de ordem juntavam-se a informaes sobre outros eventos e
protestos promovidos por aquelas associaes.
O que havia acontecido? Onde estavam os promotores da
55
25 Ao falar sobre a produo do texto, Latour (2007) sugere que um bom texto
aquele que procura traar a rede e tratar os atores como mediadores, e no
apenas como informantes. Isso o que garante que os atores do campo e
suas aes sejam mais importantes que os conceitos dos investigadores.
Aqui se apresenta a prpria noo de rede da teoria latouriana, pois, para o
autor, a rede se constitui justamente nessa possibilidade dada pela escritura
do texto, considerando-se que ela no existe como algo externo, como um a
priori. Inspirada em tal ideia, meu desafio podia ser traduzido ento desta
forma: como construir uma rede que articulasse esses agentes sobre os quais
eu pretendia falar?
26 Conforme j indiquei, o termo urbanizao tanto aparece no trabalho como
um conceito terico referindo-se a um tipo particular de processo ligado
consolidao das cidades modernas (Simmel, 1967, 1989; Weber, 1967)
como aparece na condio de categoria nativa (indicada pelo uso do itlico),
62
seu uso do que pela propriedade, ainda que esta tivesse tambm a sua
funo. Campos (1991) explica que as terras disponveis eram tambm
conhecidas como terras comunais e estavam inseridas num tipo de
formao econmica de pequena produo mercantil que ocorreu no
Brasil com a colonizao luso-aoriana entre os sculos XVIII e XX.
Essas terras teriam sido utilizadas, geralmente por pequenos produtores,
para diversos fins, tais como pastagens para criao de gado, retirada de
lenha e madeira, rea para produo agrcola, uso de fontes de gua,
coleta de frutos e plantas medicinais, etc.34. Muitos dos moradores
antigos que entrevistei ainda guardam a memria desses usos. Essas
atividades estavam geralmente ligadas economia de subsistncia,
podendo o excedente eventual ser comercializado, conforme tambm me
foi relatado35. No depoimento de Dona Lia, a impossibilidade de criar a
vaca no est na quantidade de terras que possua e que no possui mais,
mas na inexistncia de terras prximas de sua casa nas quais ela poderia
colocar a sua vaca para pastar. Essa possibilidade existia anos atrs
quando parte das terras prximas ao local onde hoje ainda mora eram
reconhecidas e utilizadas como terras comunais, quando ainda no se
haviam transformado em propriedade de algum, quando ainda no
eram demarcadas pelas inmeras cercas que hoje impedem a moradora
de trilhar seus antigos caminhos36.
A falta de terras tambm apontada como explicao para o
abandono da atividade agrcola. Nesse caso, indicada a transio do
37 A histria que Seu Pedro conta sobre o Campeche confunde-se com sua
prpria histria: Antes eu era pescador e lavrador, depois aprendi a ser
broqueiro [quebrava pedras para vender] [], mais ou menos em 1970 e em
1982 eu entrei para a prefeitura [] at hoje.
70
Figura 7: Foto (c) Lagoa Pequena com construes ao fundo no lado do Rio
Tavares (2011)
Fonte: acervo da autora desta tese
Figura 8: Foto (d) Lagoa Pequena (2011) detalhe das construes mostradas
na Figura 7
Fonte: acervo da autora desta tese
78
Figura 10: Foto (f) Lagoa Pequena (2011) detalhe das construes mostradas
na Figura 9
Fonte: acervo da autora desta tese
79
Figura 11: Foto (g) Lagoa Pequena com construes do Loteamento Novo
Campeche ao fundo
Fonte: acervo da autora desta tese
Lampio.
A tipologia apresentada por Dias (1995) pode ajudar a localizar
essas categorias em algumas situaes indicadas nas narrativas dos
moradores, como no caso da fala de Seu Pedro citada anteriormente,
situando-se a tambm algumas narrativas veiculadas na imprensa ou
propostas por alguns dos estudos acadmicos sobre o tema. Contudo, ela
no s uma tipologia nativa (no sentido antropolgico) como no pode
ser considerada perene em seus significados ou usos e, nesse sentido,
no deve ser considerada dotada de qualquer substncia que poderia
diferenciar, de forma permanente, um ou outro grupo 52. Ou seja, ainda
que os significados propostos por Dias (1995) para cada uma das
categorias possam ser encontrados em algumas situaes, eles so
apenas parte dos significados possveis e no so, necessariamente,
consensuais53.
57 Para uma histria dos engenhos de farinha na Ilha, ver obra de Pereira
(1993), intitulada Os engenhos de farinha de mandioca da Ilha de Santa
Catarina. E para uma abordagem sobre as transformaes recentes da
produo de farinha e dos engenhos com a urbanizao e introduo do
sistema eltrico, ver Batista (2004), em seu livro Serto do Peri: um
olhar etnogrfico.
88
Campeche tambm publicou matrias nas quais eles tiveram destaque 62,
apresentando-os como testemunhas da histria do Campeche e
ressaltando sua importncia nessa histria. referncia aos donos de
rede, juntam-se outras nas quais partidos, prefeitos e novas formas
associativas informam e redefinem a maneira de compreender antigas
divises e, em muitos casos, de atualiz-las. A continuao do
depoimento de Seu Marcos, explicando-me como as divises persistem,
parece ser um bom exemplo nessa perspectiva:
A ainda tem aquela briga do vereador com o
intendente. Porque o intendente era o Verondino,
que era do partido da ngela. E o Lzaro era do
PT. E a briga deles vem desde a poca da
AMOCAM porque o Verondino era do Conselho
Comunitrio. E eles achavam que a AMOCAM
vinha para derrubar o Conselho Comunitrio. Pois
de fato o Conselho Comunitrio caiu, e a
AMOCAM ficou (S. Marcos).
62 A matria na qual Seu Getlio recebe destaque no jornal Fala Campeche foi
veiculada em outubro de 1997 (ano 1, n. 3). Intitulada Um pequeno prncipe
na Ilha: livro vai contar a vida de Saint-Exupry no Campeche, a matria
tratava do livro que estava sendo escrito por Getlio Manoel Incio, Seu
Getlio, atualmente j publicado com o ttulo Deca e Z Perri (Incio,
2003). O livro trata da relao entre o pai de Seu Getlio, Manoel Rafael
Incio, conhecido como Seu Deca, e o escritor francs e piloto Antoine de
Saint-Exupry, durante suas paradas no Campeche, nos voos entre Europa e
Argentina, no final dos anos 1920. A matria que destaca Seu Chico como
personagem importante da histria local foi veiculada no Fala Campeche
ano 4, n. 12, de abril de 2000. A matria intitulada Longa vida, Chico Doca
aparecia na coluna A histria de cada um, inaugurada no jornal de nmero 3
(outubro de 1997), que trazia a histria de antigos moradores da regio. Na
histria de Seu Chico era ressaltado o seu trabalho em prol do Campeche,
sua personalidade alegre e a importncia de seu pequeno empreendimento
na praia, conhecido como Bar do Chico. Este no foi, porm, o nico espao
para Seu Chico, ou, melhor dizendo, para o Bar do Chico, que recebeu
matria e foto de capa e mais da metade da pgina central. Nessa poca,
comearam as aes judiciais para a derrubada do Bar do Chico e as aes
de moradores e de associaes locais em defesa desse espao, que se
transformou num dos smbolos da resistncia contra os grandes
empreendimentos imobilirios na regio.
91
dado indcios desses bailes. Seu Pedro, por exemplo, quando lhe
perguntei se frequentava festas no bairro, respondeu:
No, aqui no Campeche no, eu sou mais de
vanero, [] eu vou muito a vanero na Sal
[Sociedade Amigos da Lagoa], na Lagoa e l no
Ribeiro, no Canto do Rio, que so clubes de
sociedade que a gente vai mais para se divertir. As
pessoas se divertem vontade e no tem
problema. O clube mais antigo do Ribeiro o
Bandeirante, mas ele faz mais essa parte de
discoteca, mais para a juventude. Ento eu gosto
mais destes espaos que eu me sinto mais
vontade (S. Pedro).
parece ser possvel aproximar esses relatos daqueles citados por Bosi
(2003), assim como dos processos indicados por Sennet (2008). A
experincia de urbanizao dos moradores do Campeche tanto se refere
reivindicao de arruamentos e servios para regies cuja rubrica
oficial ainda a de rea rural, como, mais recentemente, destruio de
residncias e casas comerciais para o alargamento de vias de acesso e
para a construo de pontes e viadutos. Para muitos, os primeiros
indcios da cidade de pedra experimentado simultaneamente ao caos
dos grandes congestionamentos, do pnico da paralisia urbana e do ideal
da mobilidade e dos corpos livres74.
primeiro encontro,
Todo mundo sabe que a Cmara sempre foi alvo
de busca e de demanda de toda a sociedade. E
quando voc no est contente, voc vem. Porque
normalmente as pessoas querem saber sobre o seu
terreno. Por exemplo, dizem, Ah! Eu no estou
satisfeito com isso, seja um empresrio ou um
morador. Eles procuram um rgo de
planejamento ou procuram um rgo da
prefeitura, ou, quando no esto ainda satisfeitos
com as informaes, procuram um vereador.
Dizem, Olha, o meu vizinho pode fazer tal coisa,
eu no posso, eu queria que o meu zoneamento
fosse igual.
114 As histrias que me foram contadas sobre os planos para o Campeche eram
marcadas pelos envios e pelas retiradas desses planos da Cmara
Municipal. Conforme essas histrias, o envio e a retirada acionavam ou
eram acionados por mobilizaes dos moradores: visitas aos vereadores,
rompimentos e retomadas nas negociaes entre associaes comunitrias e
prefeitura, alm das manifestaes de protesto na Cmara. O livro O campo
de peixe e os senhores do asfalto: memrias das lutas do Campeche
(Tirelli; Burgos; Barbosa, 2007) vem permeado por esses acontecimentos,
em que, via de regra, o prefeito em exerccio apresentado como o
responsvel pelas aes. A maior parte das datas que eu citei em minha
conversa com esse funcionrio vinha dessas referncias.
115 Hamilton havia trabalhado no setor de documentao da Cmara, e a ele os
demais funcionrios recorriam para solucionar dvidas diversas. Era
tambm ele uma fonte importante para a consulta desses funcionrios sobre
as atualizaes de leis, processos legislativos e encaminhamentos formais,
por ser relativamente antigo na Cmara e conhecedor dos processos
internos.
138
117 Latour (2007) diz que levar em conta a multiplicidade de agncias o que
torna possvel considerar, efetivamente, os atores. O lugar que a teoria
destina ao ator um dos pontos mais controvertidos da teoria ator-rede
(ANT), proposta por este autor. Para ele, h um lao impreciso e nebuloso
entre um determinado lcus e a ao que parece representar-se nesse
cenrio. Dessa forma, nenhuma ao pode ser completamente local. O ator,
por sua vez, um recipiente provisrio da ao e tem a possibilidade de
operar alguma transformao atravs de sua ao. Por isso, nunca se pode
estar totalmente seguro sobre quem ou o que nos est fazendo atuar.
118 O Conselho de Estado francs um organismo cuja funo decidir litgios
com o Estado, alm de aconselhar o governo sobre direito administrativo.
Ele parece se assemelhar quilo que no Brasil chamamos de Ministrio
Pblico.
119 Como no caso dos estudos que fez sobre a cincia, Latour (2004a)
sugere que a lei tambm no pode ser pensada como uma substncia
140
que pode ser decifrada luz dos modelos binrios. A lei , como a
cincia, uma prtica em curso que se realiza atravs de textos, links,
teias e mediadores que articulam, representam e medeiam o mundo.
120 Conforme Deleuze (1988), a ideia de poder como relao de foras, como
um desdobramento da ideia de poder, como vontade de potncia, vai se
consolidar na obra Vigiar e punir: nascimento da priso (Foucault, 1999) e,
com outros desdobramentos, em Histria da sexualidade I: a vontade de
saber (Foucault, 1988).
121 Aqui retomo, num sentido mais frouxo, a ideia de contaminao de Mary
Douglas (1966) que utilizei (Franzoni, 1993) para tratar das relaes entre
movimento popular/comunitrio e administrao pblica. A contaminao
sobre a qual falo aqui se d entre discurso tcnico (supostamente livre de
polmica) e discurso poltico (constitudo pela polmica).
141
projeto de lei para denominao de uma via pblica, por exemplo, que
pode ser aprovado pelo voto da maioria simples dos vereadores, os
procedimentos para aprovar um projeto de plano diretor ou uma
alterao de um plano diretor em vigor deveriam ser, em tese, mais
demorados e mais criteriosos. Uma proposta desse tipo chamada de
Projeto de Lei Complementar, pois ela complementa ou altera uma lei
considerada lei geral ou lei maior. No caso do Brasil, as leis
complementares so, por exemplo, aquelas que alteram a Constituio
Federal. No que diz respeito aos municpios, so as leis que alteram a
Lei Orgnica, o plano diretor e algumas outras123. Os projetos de planos
diretores e suas alteraes constituem uma espcie de exceo das leis
complementares que devem ser aprovadas sob regras ainda mais rgidas.
De acordo com a Lei Orgnica, no caso dos planos diretores, a
aprovao deve ser feita mediante o voto favorvel de dois teros dos
membros da Cmara (Florianpolis, 1990, Art. 61, 1). Caso os
projetos de lei proponham alteraes menos restritivas no tocante
legislao em vigor, eles devem obedecer tambm a prazos destinados a
apresentao e votao124. Alm disso, de acordo com o Regimento
Interno, precisam obter aprovao favorvel, nessas condies, em duas
votaes, as quais devem ter intervalo mnimo de 30 dias entre uma e
1384/2009 e 1387/2009).
127 Outro indcio da frequente alterao foi apontado por Roberto quando me
explicou que algumas das resolues aprovadas pelos vereadores tinham
como objetivo conter a quantidade de alteraes nos planos diretores,
estabelecendo critrios para tal. As resolues sobre as quais me falara
Roberto tinham tambm o objetivo de responder s acusaes sofridas pela
Cmara de que os vereadores faziam do plano diretor uma colcha de
retalhos.
147
128 E, apesar dos cuidados que se tem com os arquivos, incidentes podem
acontecer. Como no caso de uma das vezes em que estive na Cmara e me
deparei com os funcionrios do setor em que me encontrava, atnitos
procura de um convnio, anexo de uma das leis, que havia desaparecido dos
arquivos da Cmara. O incidente tomara vulto, pois o desaparecimento fora
noticiado na imprensa local, justo quando havia se estabelecido uma srie
de denncias de irregularidade sobre os termos do convnio.
148
tese.
Diferentemente de Latour (1998), que ao procurar por Paris
encontrou vrias formas sob as quais a cidade era materializada
(panoramas, dioramas, oligpticos), quando busquei o mapa de
ordenao dos usos e da ocupao do solo de Florianpolis, no
encontrei seno fragmentos guardados separadamente em pastas,
arquivos e caixas. A tentativa de percorrer a cidade por esse caminho
viu-se frustrada. No havia na Cmara um trabalho de totalizao, uma
tentativa de reunir esses fragmentos num nico mapa, ou pelo menos por
regies ou mesmo distritos que se constituem nas unidades
administrativas. Nesse caso, parecia no interessar o presente, pois
inexistiam mapas atualizados das regies (distritos, por exemplo).
Mesmo o Geoprocessamento Corporativo 129, alternativa digital
disponvel para uso das secretarias do municpio e do IPUF, no oferecia
uma viso atualizada das leis aprovadas para o municpio, como me
explicou Carlos, funcionrio da Secretaria Municipal do Meio Ambiente
e Desenvolvimento Urbano (SMDU)130:
Para a consulta de viabilidade, ns usamos o
geoprocessamento, s que a gente percebeu j que
o geoprocessamento est muito impreciso. Tanto
que o Gilberto [no IPUF] est fazendo agora um
trabalho de atualizao e correo do
geoprocessamento. Ento ns usamos, mas ns
131 Para descrever Paris, Latour (1998) encontra vrios mapas, maquetes,
diagramas e imagens que, segundo ele, so sempre parciais, pois percorrem
apenas um caminho, observando parte do que a cidade (o fluxo das guas,
o fluxo do trnsito, os mapas de ruas, etc.). Trata-se sempre de totalizaes
construdas que optam por seguir uma rota: h muito tempo que a
sociedade no pode ver-se inteira de uma s mirada, diz Latour (1998).
132 A sugesto aqui sobre os indcios de um conhecimento considerado
esotrico, prprio daqueles que so instrudos no mtier, os especialistas, e
que mesmo no espao no qual reinaria a poltica (e, portanto, a polmica)
mantido intacto pelos vereadores. Os mapas e as tabelas so destinados
150
tempo, pois aumenta a visibilidade dos vereadores, assim como sua rede
de contato e atuao na cidade.
As comisses no s analisam os projetos de lei como podem
promover reunies ampliadas, convocando funcionrios pblicos,
membros de associaes de moradores e autoridades em geral para suas
prprias reunies. Durante a tramitao dos planos para o Campeche,
por exemplo, vrias dessas comisses transformaram-se em verdadeiras
arenas pblicas de debates, acompanhadas de perto pelas associaes e
pela imprensa local. As comisses podem tambm convocar audincias
pblicas, o que tende a ampliar ainda mais o nmero de pessoas
envolvidas e a publicidade daqueles que as esto coordenando.
Dependendo do assunto em questo, uma audincia pblica pode reunir
centenas de pessoas. As audincias so instncias intermedirias do
processo decisrio possveis de serem acionadas pelos vereadores 147.
Nelas, autoridades, instituies e associaes a serem afetadas pelas
decises que sero tomadas falam atravs de seus porta-vozes. Do ponto
de vista jurdico, conforme explica Soares (2002), atravs da audincia
pblica que o responsvel pela deciso tem acesso, simultaneamente e
em condies de igualdade, s mais variadas opinies sobre a matria
debatida, em contato direto com os interessados. Ele acrescenta que
tais opinies no vinculam a deciso, pois seu carter apenas
consultivo. Como no caso dos pareceres tcnicos, as vozes que se
pronunciam no contexto da audincia pblica, geralmente em desacordo,
fornecem elementos para a formulao da deciso, no tendo, contudo, o
poder de decidir.
No espao da audincia pblica, assim como nas reunies
ampliadas das comisses, os porta-vozes no se contentam em oferecer
seu parecer, seus motivos e seus desejos, calando-se logo em seguida
como documentos de papel que se acumulam nos processos legislativos.
Trata-se de uma arena poltica em que faixas, cartazes, aplausos, vaias e
performances das mais diversas disputam juntamente com os
argumentos falados o poder de agir sobre aqueles que tomam as
decises e, em alguns casos, o poder de tomar nas prprias mos as
decises. Os vereadores responsveis pela audincia, em especial aquele
148 A ideia de pessoas como recurso poltico utilizada por Geertz (1991) para
descrever a relao entre desa e negara, a partir da figura que para ele
constitui o n central dessa relao, o perbekel, um funcionrio estatal que
atuava como intendente sob as ordens de algum senhor. Ele era um
intermedirio poltico que tinha um determinado nmero de kawulas
(sditos que tinham obrigaes para com o senhor) sob sua
responsabilidade. A posse, nesse caso, no estava centrada no territrio, no
havia domnio do senhor sobre o lugar, a irrigao ou a religio, mas sobre
pessoas: o verdadeiro recurso poltico do Bali clssico (Geertz, 1991, p.
87).
149 Nesses casos, a noo de representao pode servir a situaes diversas. Ela
pode indicar uma situao estabelecida formalmente, como no caso do
diretor de uma associao de moradores no que tange sua associao e
aos moradores de seu bairro. Ela pode tambm indicar o pertencimento a
certa categoria que a pessoa representaria pelo simples fato de fazer parte
dela. Este o caso em que a pessoa apresentada como representante dos
pescadores por ser um pescador.
150 Diz Foucault (1995, p. 244): Governar, nesse sentido, estruturar o
eventual campo de ao dos outros. O modo de relao prprio ao poder
no deveria, portanto, ser buscado do lado da violncia e da luta, nem do
lado do contrato e da aliana voluntria (que no podem ser mais do que
instrumentos); porm, do lado deste modo de ao singular nem guerreiro
nem jurdico que o governo.
164
151 No texto citado, Bakhtin (2006) se refere tanto produo literria quanto
produo cientfica. Esse discurso escrito, da mesma forma que a fala,
considerado pelo autor objeto de discusses ativas sob a forma de dilogo.
165
determinado.
154 O termo planta cadastral, que em alguns casos substitudo por carta de
cadastro imobilirio, um tipo de mapeamento que representa a situao
geomtrica de certa propriedade rural ou urbana em relao a outras
168
nos anos 1920 sugere que a rea ideal o raio de abrangncia de uma
escola primria, o que resultaria numa rea mxima de 4,5 km 2. Citando
ainda outros autores e experincias administrativas, o autor refora a
importncia desse limite espacial e, juntamente com ele, a ideia de uma
comunidade relativamente homognea limitada por barreiras naturais ou
artificiais (Souza, 2006a, p. 2). No caso das UEPs de Florianpolis, as
barreiras naturais utilizadas foram, via de regra, rios e lagoas. J os limites
artificiais foram as rodovias existentes e as inmeras vias que seriam ainda
projetadas e construdas. O Plano de Desenvolvimento da Plancie entre
Mares um bom exemplo deste segundo caso.
157 O conceito de unidade de vizinhana em sua formulao original, conforme
explica Barcellos (2001, p. 2), apresenta duas preocupaes bsicas: A
primeira, com a distribuio dos equipamentos de consumo na escala da
cidade e a a escola aparece como foco das atenes, inclusive por ser um
dos motivos geradores da concepo. A segunda preocupao refere-se ao
anseio de recuperao de valores de uma vida social em nvel local
(relaes de vizinhana), considerados enfraquecidos ou mesmo perdidos
com as transformaes por que passou a vida urbana em decorrncia dos
processos espaciais e socioeconmicos ocasionados pela Revoluo
Industrial.
171
qual ficou conhecido na Europa como Novo Urbanismo. Quando fala sobre
as origens desses movimentos, Souza (2006a) oferece elementos para
visualizar como as escolas de arquitetura, as instituies de planejamento e
os movimentos de resistncias de moradores estiveram profundamente
ligados tanto na produo do espao urbano como nas teorias sobre ele. Em
outro artigo, Souza (2006b) fala sobre a relao entre Len Krier e o
Prncipe de Gales nos anos 1990, mostrando tambm a a imbricao entre
essa relao, as propostas de reformulao urbanstica, a produo
acadmica, os manifestos polticos e as polticas estatais.
160 Esses critrios foram utilizados para a elaborao da proposta do sistema
virio do Plano de Desenvolvimento da Plancie entre Mares, no qual os
projetos (que renem uma ou mais UEPs) so delimitados por anis virios
que os contornam. O arquiteto Souza foi tambm o coordenador geral do
Plano de Desenvolvimento do Campeche, posteriormente transformado em
Plano de Desenvolvimento da Plancie entre Mares. A concepo do plano
era dele, e era tambm ele que as associaes de moradores acusavam de
irredutvel nos processos de negociao junto ao IPUF. Talvez porque os
173
161 Esta tambm a verso proposta pelo documento elaborado pelo arquiteto
175
165 Para alm do caso em pauta nesta tese, Latour (2004b) mostra como a
ecologia poltica, atravs de seus intelectuais, textos e diversas aes,
procura se utilizar da natureza para abortar a poltica, disputando com as
polticas estatais, os movimentos sociais e outros a verdade de uma dada
racionalidade tcnico/cientfica.
166 Nesse sentido, a ideia de uma racionalidade nica no caberia aqui. As
aes resultam em acontecimentos que no necessariamente esto sob o
controle daquelas que as desencadeiam. Tambm se torna difcil falar de
sucesso ou fracasso de um determinado dispositivo, ou mesmo de um
determinado sistema. Foucault (1999) chama a ateno para esse tipo de
complexidade ao contestar a ideia de fracasso do sistema carcerrio. Diz
ele: O sistema carcerrio junta numa mesma figura discursos e arquitetos,
regulamentos coercitivos e proposies cientficas, efeitos sociais reais e
utopias invencveis, programas para corrigir a delinquncia e mecanismos
que solidificam a delinquncia. O pretenso fracasso no faria ento parte do
funcionamento da priso? [] Deveramos ento supor que a priso e, de
uma maneira geral, sem dvida, os castigos no se destinam a suprimir as
infraes; mas antes a distingui-las, a distribu-las, a utiliz-las; que visam
no tanto tornar dceis os que esto prontos a transgredir as leis, mas que
tendem a organizar a transgresso das leis numa ttica geral das sujeies
(Foucault, 1999, p. 298-9).
179
181 Sugiro aqui o conceito utilizado por Walter Benjamim (2000) para quem a
aura estaria relacionada ideia de autenticidade, dada por sua existncia
nica. A aura dos pesquisadores e professores resultaria da crena de
que seu conhecimento seria, em certa medida, tambm nico, implicando
aqui a ideia de um conhecimento verdadeiro na condio de
conhecimento tcnico-cientfico.
192
183 Os estudos sobre terras quilombolas nas cidades, por exemplo, trazem
questes relativas ao uso e ocupao do solo, especulao imobiliria,
s polticas relativas ao espao urbano (Carvalho, 2006; Marques, 2006),
apontando tambm a imbricao desse campo com questes legais e
domnios diversos como j indicava Leite (2000). A literatura sobre esse
tema tem abordado tambm as relaes entre questes jurdicas e polticas
pblicas ligadas terra (Leite, 2008). No caso dos estudos sobre
patrimonializao, a problematizao das polticas referentes s
transformaes urbanas (Rocha; Eckert, 2006; Velho, 2006;) e aos
deslocamentos de populaes (Reis; Catullo; Castells, 2005) mostra que,
cada vez mais, sociologia e antropologia oferecem enfoques interessantes
para se pensar a cidade. As revises da literatura sobre o tema na
antropologia tm apontado nessa direo: ver Frgoli Jr. (2005), Magnani
(1996, 2009), Eckert e Rocha (2005) e Velho (1999, 2009).
184 Como j fiz anteriormente, tomo aqui de emprstimo o termo utilizado por
Latour (2004b) para se referir posio que ocupam os cientistas na relao
com a poltica no mito da caverna de Plato. Chamo a ateno aqui,
contudo, para o seguinte aspecto: ao acionar os professores para se
contraporem ao discurso dos tcnicos, as associaes deslocam a polmica
tambm para o campo do conhecimento, em alguma medida politizando-o
(Latour, 2004b), como o fazem os vereadores, num outro sentido, com os
pareceres tcnicos.
195
193 Mais conhecida como Capela So Sebastio, essa igreja foi construda no
incio do sculo XIX. A Capela, juntamente com uma pequena edificao
chamada Teatro do Divino e a praa em cujo centro h uma cruz,
considerada Patrimnio Histrico, Artstico e Arquitetnico do Municpio
de Florianpolis. Com a Lei Municipal n 2.193, de 1985 (Plano Diretor
dos Balnerios), o conjunto foi demarcado como rea de Preservao
Cultural, sendo esta uma das conquistas que marca a histria da Associao
de Moradores do Campeche (Tirelli; Burgos; Barbosa, 2007).
194 O antigo Campo de Aviao foi o primeiro campo de pouso de Santa
Catarina (construdo na dcada de 1920) e uma das poucas reas de
grande extenso (aproximadamente 350.000 m2) que no de propriedade
203
203 O texto dos artigos citados o seguinte: Art. 137. Nas reas j
urbanizadas, enquanto no forem aprovados os respectivos Planos Setoriais
de Urbanizao, ser proibido o parcelamento do solo nos imveis situados
em reas de Urbanizao Especfica (AUE) respeitando, porm, o seu uso,
os limites de ocupao e demais normas desta Lei. Pargrafo nico - Nas
reas no urbanizadas, ser tambm proibida a ocupao do solo at a
aprovao do plano e a execuo das obras necessrias, admitindo-se,
porm, a ocupao parcial, quando vivel. [] Art. 139. Os Planos
Setoriais de Urbanizao ou os Planos de Massa que incidirem em reas
Mistas Centrais (AMC) podero multiplicar os ndices de aproveitamento
por at 1,50 (um vrgula cinquenta), desde que o acrscimo nos gabaritos de
altura no seja superior a dois pavimentos, as taxas de ocupao previstas
para a zona sejam respeitadas e disponham de tratamento final de esgotos
sanitrios. (Florianpolis, 1985).
204 Este no parece ser, contudo, um mecanismo controverso, pois as propostas
de substitutivos elaboradas na Cmara mantiveram o texto da lei. A
controvrsia parece estar em como controlar esse mecanismo e como
garantir a participao pblica nesses casos.
213
207 Citei aqui a lei federal, pois ainda que o parcelamento do solo seja
estabelecido atravs de normas definidas pelo municpio, ele deve se
submeter lei federal acima citada (Brasil, 1979), que define as duas
modalidades.
215
208 Esta disposio faz com que vrias ruas secundrias, dispostas em paralelo
uma outra, no tenham qualquer via ou caminho que permita a
comunicao entre elas por uma longa extenso de terra. O modelo aqui
bem diferente do loteamento, geralmente organizado por quadras e ruas que
se comunicam entre si.
209 A demanda pela denominao de vias pblicas no interior de glebas que,
para o municpio, so ainda privadas ou que se situam em reas
inadequadas para a urbanizao (reas de preservao ambiental ou
prximas de cursos e espelhos d'gua) frequente. A aprovao dessas vias
por parte dos vereadores, apesar dos pareceres contrrios do corpo tcnico,
atividade regular na Cmara Municipal de Florianpolis.
210 O projeto de uma via de grande porte, prxima da orla, chamada de Via
Parque, j era contestado pela Associao de Moradores do Campeche em
1987, na carta ao ento prefeito Edson Andrino. Posteriormente, em vrios
documentos, a recusa da Via Parque aparece como um dos principais
pontos da resistncia das associaes dos moradores em relao aos planos
da prefeitura.
216
214 O termo participao pblica aparece no parecer ora como as aes dos
representantes formais da populao nos espaos institudos para
participao, ora como sinnimo de populao. Este ltimo parece ser o
caso na citao.
215 O caso citado refere-se a uma srie de procedimentos em que construes e
parcelamentos de solo que no so autorizados pela SUSP so
219
218 Dos 14 projetos encaminhados pela prefeitura para a Plancie entre Mares,
no receberam substitutivo o Projeto de Lei n 64/98 (Florianpolis, 1998c)
para a regio do Aeroporto, Ressacada e Carianos (que j havia sido
aprovado na forma da Lei Complementar n 049/99) e o Projeto de Lei n
80/98 (Florianpolis, 1998e) para a regio do Alto Ribeiro (que foi
aprovado no final do ano de 2000) e o projeto de Lei n 126/99
(Florianpolis, 1999l), para a regio da Tapera.
219 Estes foram os nomes pelos quais o Plano Comunitrio (ou cada parte dele)
ficou conhecido na Cmara Municipal.
221
227 Uma das principais semelhanas refere-se definio da orla como rea
Turstica (rea nos tons rosa-claro na Figura 21 e rosa-escuro na Figura 24),
o que levaria, e que de fato j ocorre, a uma supervalorizao dos terrenos
dessa rea.
230
228 Alguns dos entrevistados relataram que o motivo pelo qual no foi proposto
um projeto para o sistema virio no Plano Comunitrio, por exemplo,
foram os conflitos em relao aos locais por onde passariam as estradas, o
que envolveria inmeras desapropriaes tanto para alocar as novas vias
como para o alargamento das antigas. Nas reunies em que eram realizadas
essas discusses, a racionalidade urbanstica confrontava-se
sistematicamente com a resistncia do Campeche existente no morador que
se recusava a aceitar o projeto de uma estrada sobre a casa que habitava.
232
Figura 26: Foto area da regio do Campeche sobre a qual foi proposto o PLC
n 122/99 (UEPs 97 e 98)
Fonte: foto disponibilizada pelo IPUF e manipulada por Rovy P. P.
Ferreira
239
235 Chama-se testada o lado do lote que faz limite com o logradouro pblico
(espao destinado a circulao, parada ou estacionamento de veculos e/ou
pedestres).
244
236 A densidade bruta o nmero total de pessoas que se espera que venham
residir naquela rea dividido pela rea total em hectares, incluindo-se no
clculo da rea as vias, os equipamentos urbanos, as reas verdes e outras
atividades que porventura a venham a existir. Um hectare, ou seja, 10.000
m2, a unidade de referncia em reas urbanas para se fazer o clculo de
densidade.
245
242 A edio de nmero 5 do jornal Sul da Ilha (1996) publicou como matria
central fotos areas da regio do Plano de Desenvolvimento da Plancie
entre Mares com o desenho das vias propostas pelo IPUF sobre as fotos,
cobrindo assim casas, mangues e dunas. Este nmero do jornal, ou melhor,
estas fotos foram citadas por vrios de meus entrevistados. O recurso do
desenho do sistema virio sobre as fotos foi posteriormente utilizado
tambm nas assembleias comunitrias.
251
243 Os corretores por vezes foram citados e avaliados como tendo interesses
escusos ao comparecerem s assembleias. A suposio era a de que o plano
da prefeitura lhes era bem mais conveniente, pois ampliaria enormemente o
nmero de imveis para negociao. Essa acusao eventualmente recaa
sobre os comerciantes da regio, ainda que fosse feita em reunies
menores, boca pequena, pois vrios dos pequenos comerciantes apoiavam
o movimento comunitrio.
253
245 Uma das declaraes mais detalhadas entre aquelas que li sobre o
envolvimento com as associaes e os eventos por parte de pesquisadores
no Campeche foi a de Amora (1996). Numa extensa nota de rodap, a
autora comenta, entre outras coisas, o fato de ser moradora do Campeche;
de ter sido uma das diretoras da AMOCAM; de ter contribudo para a
elaborao do Programa de Meio Ambiente na campanha da administrao
popular (gesto do prefeito Srgio Grando, 1993-1996); e de ter integrado
o grupo de moradores do Campeche no Oramento Participativo. Sua
dissertao no s uma referncia importante e frequente nos trabalhos
acadmicos como tambm nos documentos produzidos pelas associaes,
fundamentando reivindicaes, dossis e aes na justia. Imagino que isso
se deva tambm em funo do prprio envolvimento que ela aponta na
dissertao.
246 J indiquei o conceito de ao comunicativa de Habermas (2002), assim
como a noo de atitude responsiva de Bakhtin (1997). Chamo a ateno
aqui para a noo de produtividade de Foucault (2002). nesse sentido que
utilizo a ideia de uma comunicao extremamente produtiva.
257
projeto da Via Parque, estrada que j estaria sendo planejada para ligar o
Campeche Joaquina atravs das dunas e que aparece no Plano de
Desenvolvimento da Plancie entre Mares como PI 108(2). Com a
mudana de prefeito, as relaes com a administrao municipal foram
alteradas. A comisso de movimentos sociais extinta, e as propostas
para o Campeche vm a pblico na pauta das polticas governamentais
da gesto eleita. Dessa forma, os anos de sacrifcio indicavam um
longo perodo de organizao e articulao de pessoas e associaes,
reivindicaes e conquistas junto prefeitura e a outros rgos
governamentais. Indicavam tambm o conhecimento e as aes
desencadeadas em relao s propostas de planos diretores para o
Campeche.
269 Indcios desse conflito podem ser encontrados na imprensa local e nas
discusses sobre o Plano Diretor do Distrito-Sede nos anos 1990 (Teixeira;
Silva, 1999), e na escolha de representantes das associaes para as
audincias pblicas, sesses da Cmara Municipal e porta-vozes junto
imprensa (Franzoni, 2009).
270 Conforme indica Wolff (1999), um novo plano diretor para o Distrito-Sede
j era pensado pela administrao municipal desde 1982, quando da
elaborao de um plano diretor para a regio da Trindade.
272
eleitos com ela, que posteriormente vieram a fazer parte das associaes
locais e do que mais tarde veio a se tornar o Movimento Campeche
Qualidade de Vida.
275 Trata-se aqui da pesquisa de mestrado de Ana Amora (1996), autora que
cito inmeras vezes no presente trabalho e que, conforme j indiquei, serviu
sistematicamente como referncia e fundamento para documentos e aes
legais desencadeadas pela Associao de Moradores do Campeche, alm de
ser uma importante referncia para a maioria dos trabalhos acadmicos
produzidos sobre a regio.
276 Este movimento, segundo informaram os entrevistados, foi formado por
moradores do Campeche, contando com o apoio de funcionrios da
Companhia Melhoramentos da Capital (COMCAP), empresa responsvel
pela limpeza do municpio de Florianpolis, e por funcionrios do posto de
sade local. O movimento vem atuando desde o incio dos anos 1990,
promovendo atividades ligadas coleta seletiva, reciclagem, limpeza do
bairro e reutilizao de materiais para diminuio do lixo. A Feira do
Cacareco, espao de venda e trocas de usados e artesanatos, promovida
tambm por este movimento.
275
[...]
284 O termo cientistas aqui como em outros lugares, assim como cincia, est
se referindo aos professores/pesquisadores e a seus discursos, com o intuito
de chamar a ateno para a referncia universidade como lugar que
produz cincia.
287
287 Este trecho do depoimento de Jlia j foi citado em Franzoni (2009). Alm
do depoimento, reproduzo tambm a ideia utilizada para sugerir que se trata
aqui de um argumento tnico.
288 Para Weber (1994), a legitimidade sustenta-se no consentimento, num certo
consenso. A lei pode ser legtima, e nesse caso legalidade e legitimidade
poderiam coincidir. Porm, a legalidade, como ordem estatal, tem como
fundamento ltimo, ao qual pode recorrer, o uso da fora, da coero.
Nesse caso, legalidade e legitimidade se distanciariam.
289 Trata-se aqui do que Bourdieu (1989) chama de poder simblico, ou seja,
um poder que as coisas ou categorias possuem porque se atribui a elas e se
acredita que elas tenham.
290
[...]
[]
295 A reunio na base area foi interpretada como uma negociao sem a
participao da comunidade e, para dirimir as suspeitas nesse sentido, a
integrante do Movimento Campeche Qualidade de Vida achou melhor sair
de sua condio de representante das questes relativas ao PACUCA. Outro
representante foi escolhido, e o comandante da base area, ao fazer novo
contato, foi informado da mudana. A proposta do PACUCA, contudo,
permaneceu como estava, e as conversas com o Comando da Base Area,
ao que parece, no avanaram.
295
303 Na Feira do Cacareco (Figura 28), parte do trecho da Rua da Capela que
fica mais prximo da Igreja era fechada para a circulao de veculos. Os
produtos eram expostos ao longo do passeio, e as pessoas circulavam pela
via destinada aos carros. Durante a feira, ocorriam tambm manifestaes
artsticas, eventualmente oficinas (pequenos cursos para confeco de
produtos artesanais), alm das barracas com informaes das associaes e
suas lutas.
302
entre si, cujos interesses podem ser bastante diversos, mas que
compartilham, em muitos aspectos, valores comuns. A festa tambm o
lugar onde os discursos podem circular sem a dureza de determinadas
posies e autoridades estabelecidas fora dela 308, num espao de cultivo
da sociabilidade (Simmel, 2006).
308 Ao falar sobre os ritos e espetculos na Idade Mdia, em seu trabalho sobre
o escritor francs Franois Rabelais, Bakhtin (2008) aponta como as festas
pblicas que vo ocorrer nas praas, em especial as feiras, os espetculos ao
ar livre e o carnaval, descritas por Rabelais, acabam por borrar
determinadas distines, hierarquias e normas, promovendo ainda que
temporariamente uma experincia de igualdade entre os indivduos e a
circulao de discursos e formas de comunicao incomuns (no caso
descrito por Bakhtin, trata-se de discursos censurados, assim como da
suspenso de normas religiosas e estatais) No caso a linguagem
carnavalesca de que fala Bakhtin (2008) autorizaria tanto a pardia como a
ironia da linguagem oficial. Essa forma mais carnavalesca pude encontrar
no tanto nas festas da Rdio, mas nas passeatas e manifestaes de
protestos.
306
309 O Boi de Mamo uma brincadeira popular que narra de forma cnica a
morte e a ressurreio do boi. Segundo Beltrame (2007), uma das
expresses cnicas mais difundidas no litoral do Estado de Santa Catarina.
Lacerda (2003) e Menezes Bastos (1996) situam essa brincadeira,
juntamente com a farra do boi, no chamado ciclo do boi brasileiro. Os
personagens utilizados so geralmente os animais e personagens fantsticos
como a Maricota (um boneco com feies femininas e longos braos) e os
animais (boi e cavalo tambm bonecos que so vestidos pelos
brincantes).
307
315 Essa referncia era feita em funo da empresa contratada pela prefeitura
para o desenho do plano, a Fundacin CEPA (Centro de Estudios y
Proyectos del Ambiente), cuja sede fica em La Plata, na Argentina.
311
316 Aqui vale esclarecer que as associaes de moradores assim como outras
formas associativas institucionalizadas junto ao Estado possuem, via de
regra, a obrigatoriedade estatutria de realizar periodicamente assembleias
com seus associados. As assembleias comunitrias de que falo aqui so
tambm, de certo modo, fruto dessa condio, sendo convocadas pelas
associaes de moradores, conforme prescrevem seus estatutos. Contudo, o
termo assembleia comunitria no contexto das discusses sobre os planos
para o Campeche refere-se especialmente a um tipo de assembleia que
312
Cada assembleia deveria ter uma lista de presena dos que nela
322 Aqui no indicado o nome do prefeito, pois desde 1992 (quando o plano
foi encaminhado Cmara Municipal pela primeira vez) at final de 2011
(quando o plano agregado de propostas de substitutivos, emendas e
pareceres encontrava-se sobrestado, na Cmara Municipal), foram
prefeitos de Florianpolis: Esperidio Amim/Bulco Viana (1989-1992),
Srgio Grando (1993-1996), ngela Amin (1997-2000; 2001-2004) e Drio
Berger (2005-2008; 2009-2012).
319
325 Observo que no momento em que a foto foi obtida (Figura 38), a faixa
assim como vrios manifestantes esto virados para as autoridades que
haviam formado a mesa da audincia pblica no palco do teatro.
323
reconstruindo os fios que tecem uma histria comum e que ligam cada
ator.
337
CONSIDERAES FINAIS
333 Aqui uma referncia ao ttulo do livro de Latour (2000a) Cincia em ao:
como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora.
338
associaes como algo que afetava a todos, que era imediato e que a
regio e seus moradores estavam ameaados por uma forma de
urbanizao que se vinha implantando e que se concretizava na proposta
de plano diretor da prefeitura. Era necessrio, nesse sentido, tanto
denunciar como propor, tanto planejar como criar e ocupar espaos, era
necessrio mostrar, fazer, experimentar, pois assim se consolidariam
outras possibilidades de planejar e viver na localidade. Essas formas,
que acabaram por consolidar uma tradio de mobilizao pblica no
Campeche, acionaram as pessoas como o principal recurso nas
negociaes com a administrao pblica e com a Cmara Municipal.
As motivaes de cada um no estavam necessariamente em acordo, os
interesses eram diversos (mostrar o poder dos nativos, construir uma
democracia direta, levar a arte e a cultura para os moradores, regularizar
seu terreno, urbanizar a regio, preserv-la, reviver o passado, criar
espaos pblicos, fazer festas). Esses interesses permanecem em tenso,
produzindo seus prprios desdobramentos, deixando seus traos nos
documentos e nas formas associativas, produzindo dissidncias,
incompreenses, traies e novas associaes, produzindo formas
de sociabilidades diversas, criando e experimentando ideias.
348
349
REFERNCIAS
Hucitec.
escritos, 5).
______. 2006. La arqueologa del saber. 22. ed. Buenos Aires: Siglo
XXI.
______. 2000b. Jamais fomos modernos. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34.
Perspectiva.
SOUZA, Gisela Barcellos de. 2006a. Quando o projeto terico local vira
modelo global. In: SIMPSIO A ARQUITETURA DA CIDADE NAS
AMRICAS: dilogos contemporneos entre o local e o global, Sevilha,
2006. [Anais eletrnicos]... Disponvel em: <http://www.pgau-
cidade.ufsc.br/ica52/trabalhos/Souza%20gisela%20B.pdf>. Acesso em:
14 jun. 2010.
2008.
Legislao citada
Stios consultados