Simbolos Divinatorios de Angola - 3
Simbolos Divinatorios de Angola - 3
Simbolos Divinatorios de Angola - 3
2.0-Documentao Museogrfica
Alm do trabalho de campo onde ns observamos o cesto divinatrio em seu meio
e em sua utilizao, um certo nmero de colees etnogrficas foram observadas. A
importncia desta documentao sobretudo a dimenso no espao e no tempo que ela
pode trazer a nossas observaes de campo. Na verdade, os cesto recolhidos j h tempos
constituem documentos importantes sobre o contedo do cesto em certos momentos e em
regies determinadas.
A documentao museogrfica observada nessas colees no certamente
exaustiva, mas no que concerne a este objeto etnogrfico, pelo menos as colees mais
dignificativas so mencionadas aqui. De nosso conhecimento, a maior sem dvida a do
Museu de Dundo, que forneceu-nos a maior parte dos documentos fotogrficos. No que
concerne qualidade e antigidade das estatuetas antropomorfas preciso notar
sobretudo a coleo de cestos divinatrios do Museu de Etnografia de Castelo Novo. Na
maioria de todas essas colees h cestos incompletos, porque os captadores, atrados
sobretudo por alguns objetos, rejeitavam facilemnte ou subestimavam os que no eram
interessantes; essa lacuna bastante freqente, sobretudo no que concerne aos objetos
de natureza animal ou vegetal. s vezes misturou-se as estatuetas e outros objetos
manufaturados de dois ou vrios conjuntos no mesmo cesto, o que representa uma
dificuldade suplementar para a anlise dos objetos do cesto.
Um mnimo de informao sobre cada coleo pode nos ajudar a esclarecer os
problemas que levanta o estudo do contedo do ngombo.
2.0.1-Museu de Dundo
Registro Localidade Ano Nmero de objetos
M. 1234 Lovwa 1959
M. 44 Fortuna (Citato) 1946 68
M. 883 Mwanzanza (Cilwaji) 1957 56
M. 819 Mwacondo (Kapaia) 1957 80
M. 46 Citato 1940
M. 745 Samilambo (Kapaia) 1956 39
M. 1098 Mwamushiko 1958 73
(Kalwango)
M. 1233 Mukuloji 1968
M. 43 Citato 1946 56
M. 47 Kanzar 1936 84
M. 42 Fortuna (Citato) 1938 63
M. 23 Citato 1945 60
M. 24 Citato 1945 53
M. 1237 Mukuloji 1968 56
M. 886 Civunda (Cilwaji) 1957 61
M. 1097 Cinyama (Sombo) 1958 80
M. 1165 Kajima (Sombo) 1958 88
M. 884 Kamizenze (Cilwaji) 1957 21
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O Museu de Etnografia de Castelo Novo possui uma coleo muito rica de cesto
de adivinhao (fotos 69-76). Dos catorze que observamos, oito eram construdos
exclusivamente em palha, quatro em palha lateralmente, se apoiando sobre um fundo de
cabaa, e dois cuja parte superior era em palha e o fundo em couro. Dos contedos dos
conjuntos observados seguem as referncias:
2.0.7-Colees particular
2.1.0-Introduo
a) - O cesto kasanda
A-8cm
B-7cm
C-8,5cm
D-7cm
1 Nenhum dos adivinhos-informadores utilizava um cesto do tipo hbrido, mesmo ele existindo na regio
dos Cokwe; outros dois exemplares de provenincia cokwe foram observados dentre os 35 das colees do
Museu de Dundo; preciso notar a informao do pastor Berger relativo a um exemplar recolhido na
Zmbia e descrito por Delachaux:
O recipiente formado por uma meia-cabaa dominada por uma borda vertical em palha,
formada, em baixo, por uma banda em paliada, em cima da qual se encontram quatro fileiras tranadas em
varas sobre crculos de madeira. (Delachaux, 1946, p. 56)
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Qualquer que seja a classificao adotada, ela ser sempre, no caso, uma tentativa
em funo de um estudo e no ter nenhuma relao com o adivinho, pois este jamais
classifica desta maneira os objetos que utiliza no cesto.
Paara uma maior facilidade de tratamento, e devido a exigncias estritamente
metodolgicas, escolheremos aqui o seguinte agrupamento:
Apesar das vantagens prticas de uma tal classificao, preciso levar em conta
tambm certos inconvenientes. Antes de tudo, pondo em relevo as estatuetas
antropomorfas em relao a todos os outros objetos manufaturados, ns retomamos de
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um certo modo uma prtica j denunciada que consiste em separar os outros objetos das
estatuetas, como se estas exercessem um papel mais especial no ngombo; apesar desse
inconveniente, o grupo das estatuetas suficientemente numeroso para que se justifique
um grupo isolado, mesmo se do ponto de vista do adivinho estes objetos no sejam mais
importantes que os outros. Agrupando como um conjunto os objetos manufaturados (no
antropomorfos) uma segunda dificuldade no evitada, a saber, que alm dos objetos
manufaturados e dos que com toda evidncia tm lugar no ngombo tais como se observa
na natureza (portanto manifestadamente no antropomorfos), h outros cujo tratamento
foi to sutil e imperceptvel que se pode verdadeiramente perguntar se pertencem
primeira ou segunda categoria. Assim, por exemplo, poderia-se muito bem admitir a
priori que um pedao de pau, aqui considerado como um elemento manufaturado, fosse
alhures perfeitamente aceito como um smbolo vegetal (portanto natural), no
manufaturado. Essa ambigidade das fronteiras entre o que manufaturado e o que
no-manufaturado (natural), mesmo se ela existe, no deve afetar de modo significativo
o estudo individual de cada um dos objetos do cesto divinatrio.
A verificao da existncia de alguns objetos de origem mineral ou ento de
natureza diversa, mas de provenincia europia (e portanto o contexto cultural pois
completamente particular) justifica a criao de um grupo parte, embora bastante
artificial.
Apesar da variedade e uma certa confuso no que concerne aos nomes deste
kaphele plural, trata-se de um conjunto bem definido: trs estatuetas que chamaremos de
trio familiar - pai, me, filho - dentro de uma proteo de couro cobertos por um disco
tambm de couro (fig. 4); presos a esse disco encontra-se normalmente vrios caurins ou
botes brancos de origem europia.
Baumann designa esse conjunto por tupele apenas, que considera como complexo
e importante; as mesmas estatuetas, feitas de marfim (o que bastante raro), seriam os
tupele a yifwaha.
O disco que serve para cobrir as estatuetas (com cinco caurins, na ilustrao de
Baumann) designado por tsihele. Quando o autor comparou o cesto divinatrio dos
Cokwe com o dos Lwimbi, observou que estes ltimos designavam o trio familiar por
yala (homem), pwewo (mulher) e mwana (criana), mas se verificarmos as ilustraes
feitas por ele, constata-se que estas estatuetas divergem claramente do grupo
caracterstico dos Cokwe.
Se, de acordo com Baumann, estas estatuetas so os elementos fundamentais dos
smbolos do cesto, Delachaux pelo contrrio nem as mencionam. A ausncia desse grupo
em muitas colees contrasta com a importncia desse grupo de estatuetas. A explicao
deve ser procurada provavelmente no fato de que os adivinhos, considerando a
importncia destas estatuetas, as escondiam quando as autoridades coloniais confiscavam
seus cestos. O prprio Delachaux admite esta hiptese.
Hauenstein, que confunde a designao deste grupo com a do grupo que
estudaremos em seguida (jinga), afirma que este conjunto nunca falta no cesto; esta
observao importante, pois est de acordo com nossas observaes de campo, apesar
Hauenstein ter trabalhdo em uma regio bem distante da nossa.
A importncia deste grupo de estatuetas ainda sublinhada por M. L. Bastin, que
tambm o considera como sendo a pea principal; esta pea seria uma representao
simblica do grupo familiar do cesto; cijingo (miniatura de palha entrelaada), kota
(cesto-miniatura) e jinga (rplica da hamba da fecundidade), seriam os outros smbolos
relativos ao grupo familiar.
A pea principal,o tupele ywa um ngombo... se compe de trs estatuetas (um
homem, uma mulher, uma criana) postas uma ao lado da outras em uma proteo de
couro fechada por uma pequena capa redonda ornada de prolas e de quatro caurins
pashi. Curiosamente, Mesquitela Lima prope para este conjunto o nome de pemba, o
que seria uma vantagem, visto que, na verdade, tuphele (kaphele) uma designao vaga
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demais, e que diz respeito a todos os smbolos do cesto; mas pemba, enquanto designao
para este grupo de estatuetas, no foi observado por outros pesquisadores; assim, trata-se
talvez de uma designao de carter local. Alm do que, pemba designa tambm uma
argila branca, elemento fundamental nos rituais dos Cokwe.
Segundo Turner, que designa este grupo como ankishi (as estatuetas) ou akulumpi
(os antigos/antepassados), e que o considera como the most important of the tuponya1,
eles representam um homem, uma mulher e uma criana, e so os antepassados de vrias
maneiras. Em primeiro lugar, so os tuponya mais importantes; so, de alguma forma, o
ponto de referncia central de todo o conjunto. Em segundo lugar, eles representam um
chefe administrativo e seus parentes. A estatueta masculina comparada a Mwantiyanwa,
ttulo do grande rei congols Lunda cujo reino seria, segundo a tradio, o bero dos
Ndembu e de muitas outras tribos africanas, que emigraram por alguns duzentos e
cinqenta ou trezentos anos. De um outro lado,a utilizao destas estatuetas para
identificar, dentre as diferentes sees do cl, quem o responsvel por um crime de
feitiari, explicao dada s vezes pelos adivinhos e que encontra eco em Turner, permite
supor uma interpretao diferente: essas trs estatuetas representariam de preferncia a
unidade clnica fundamental, a saber, a m,e, seu filho, e o irmo da me (tio materno).
As tenses caractersticas das sociedades matriarcais (tais como a dos Cokwe e dos
Ndembu) se enquadram em todo um contexto social e econmico que justificam
largamente esta interpretao.
E. Santos designa essas estatuetas dizendo: os dois ana (crianas) so estatuetas
de madeira. H certamente uma confuiso quando se considera as duas estatuetas como
crianas; primeiramente, o autor observou um grupo incompleto, e porque uma era
mwana, ele aplicou o mesmo nome outra. Ele se deu conta tambm que este kaphele era
o mais importante, e s vezes era feito de marfim, o que confirma as observaes de
Baumann, e que por ns foi notado em um nico caso.. A significao deste grupo seria
muito simples e positivo:
situao bem grave para o cliente. O adivinho Mwafima havia explicado a mesma coisa
a M. L. Bastin:
1 Okawengo um ritual complexo destinado s mulheres possudas. Aps o ritual, as prprias mulheres
tornam-se especialistas da mesma doena.
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If, in shaking the basket during the process of divination, the white side of the
ombando comes uppermost, it means that the spirit does not agree to the statement just
made by the ochimbanda; if the dark side comes up, it means that the spirit agrees1.
Baumann: Zinga
Bastin: Jinga
Lima: Jinga
1 N. do Tradutor: Se, ao agitar o cesto durante o processo de adivinhao. O lado branco do ombando
ficar por cima, significa que o esprito no concorda com a explicao que o ochimbanda acabou de dar; se
for o lado escuro, quer dizer que o esprito concorda.
2 Para os Cokwe, o casamento s est plenamente realizado quando do nascimento do primeiro filho.
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cikunza devem ser levados cintura pela mulher, para quem trar fecundidade, ou ser
presos ao fuzil do caador para que ele encontre a caa. Assim, a explicao descrita por
Baumann se aplica ao caso de um caador:
Quem interroga (o adivinha) poder, se for nianga (caador) mandar fazer uma
estatueta tsikusa, e ento se tornar um bom caador. A imagem ser plantada diante da
porta de sua cas.
Se L. Tucker no viu esta importncia no cesto dos Ovimbundu, Hauenstein, em
compensao, observou-a no mesmo cesto, o que no raro, mesmo dentre outras
estatuetas menos importantes. Segundo o autor, a interpretao de cikunza dependeria
essencialmente das estatuetas acompanhantes:
Por exemplo, se Tchikunza aparecer acompanhada vrias vezes seguidas de um
estatueta representando uma mulher..., significa que Muana Pwo (mscara de mulher)
adoeceu e deseja que cuidem dela. Mas, seguindo as circunstncias e as questes que
coloca o adivinho durante a cerimnia, Tchikunza, acompanhada da mesma estatueta,
pode significar muito simplesmente que o ancestral que adoeceu da linhagem uterina.
Mukichi u tchikunza (o danarino tchikunza) foi a designao que E. Santos
encontrou para esta estatueta, que ele descreve como uma estatueta masculina com
mscara em forma de torre curvada na parte de trs e cuja explicao a seguinte: O
doente deve esculpir o mukishi (danarino) em madeira e guard-lo consigo.
Delachaux insistiu sobre o carter ambguo desta estatueta, que ele considera
como um esprito favorvel para os Cokwe, e, ao contrrio, como malfico para os
Ngangela. A causa desta inverso na significao do kaphele no foi elucidado. Para os
Cokwe, cikunza sobretudo uma estatueta positiva, mesmo se suas exigncias so s
vezes difceis de se satisfazer.
De acordo com Mesquitela Lima, cikunza seria antes uma estatueta ambgua, que
remontaria aos Lunda; entretanto, a maior parte de nossos informadores insistem
sobretudo no aspecto positivo e favorvel de cikunza, que assegura a fecundidade das
mulheres e a abundncia da caa.
Baumann: Kalamba
Tucker: Ochinvenji chepata
Delachaux: Tyibensi (tchiveji), njombi
Hauenstein: Kalamba
Bastin: Kalamba kuku wa lunga
Santos: Kuku
Turner: Chamutanga
Lima: Kuku
very little with people. He is often very angry and often not at all angry. You do not know
how to take him1.
Estas curiosas observaes de Turner se afastam das explicaes fornecidas pelos
adivinhos cokwe. Dir-se-ia que se trata de uma outra estatueta, mas a ilustrao, bem
como a descrio de Turner se reportam exatamente mesma figura kalamba kuku dos
Cokwe:
Ela representa um homem curvado sobre si prprio, o queixo nas mos e os
cotovelos nos joelhos.
Chamutanga seria o indeciso que sempre retarda a consulta e ao qual a famlia do
defunto pedir satisfaes aps a consulta do adivinho, que declara:
Este homem est morto por causa da indeciso de vocs. Mesmo se no h
feiticeiro dentre vocs, vocs tm uma parcela de responsabilidade.
Os Ndembu parecem ter assimilado esta estaueta a uma outra prpria dos Cokwe
- citanga - que tem aproximadamente a mesma significao, e que o adivinho utilizar
ainda para por fim sesso quando constatar que seus clientes tm dvidas acerca de sua
adivinhao. Turner explica o que se passa com os Ndembu:
...chamutanga aparece s vezes ao cume do cesto. O adivinho lhe pergunta
ento: por qu voc est a? Quer dizer que eu me enganei em minha adivinhao? Se
chamutanga volta duas ou trs vezes seguidas, o adivinho interrompe a adivinhao... e
reclama para si duas peas de tecido aos que vieram consult-lo. Tenta salvaguardar sua
reputao jogando para seus clientes a responsabilidade de seu fracasso, e esperando que,
dentre eles, um feiticeiro tente atrapalhar seu veredito. uma das sanes que se aplicam
ao adivinho quando seus interrogatrios e suas declaraes no obtm unanimidade.
Kalamba kuku wa lunga significa, para os Cokwe, o ancestral masculino que
pertence sempre comunidade mesmo se esquecido pelos vivos algumas vezes. uma
das estatuetas do culto dos ancestrais na vida dos Cokwe. Em princpio, fabricada a
partir da madeira da rvore mutete, porque esta planta favorvel ao apaziguamento dos
espritos e evocao de todos os que esto mortos.
Baumann: Seisimu
Delachaux: Ndumba ya munu, likisi, mpwebo, mukulo
Hauenstein: Kalamba
Bastin: Kalamba kuku wa pw
Lima: Seischimu
Santos: Sechimu
1 N. do Tradutor: Uma pessoa pode dar muitos presentes a outras e, outras vezes, no dar nada aos outros.
o mesmo homem que ri muito com as pessoas e ri muito pouco com as pessoas. Ele com frequncia
muito bravo e com freqncia nem um pouco bravo. Voc no sabe como apanh-lo.
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mau pressgio, a morte, em regra geral, mesmo dos adivinhos s vezes a considerarem
como um sinal de reflexo ou do saber tradicional.
Para Delachaux, em compensao, h uma relao entre esta estatueta
denominada mpwebo ou ndumba ya munu ou likisi (mscara) e o contato do doente com
uma mscara, pelo menos em sonhos:
O cliente, quer ele se lembre ou no, sonhou com uma mscara que lhe cortava a
garganta. Sua desgraa vem da; a morte o espreita.
Mas a mscara, ameaadora e perigosa, pode tambm tornar-se favorvel, e neste
caso se pode utiliz-la como amuleto; esta , alis, a significao mais habitual de likisi:
... uma mscara protetora talhada num pedao de cabaa que os Tsokwe utilizam
para afastar o esprito da doena e que os Luimbi e os Lutsaze penduram nas paredes.
H provavelmente uma confuso em Delachaux a propsito da mscara (que
existe somente em sonho); ele ps bem evidncia anteriormente o papel desta estatueta
sob a designao de mpwebo e ndumba ya munu. Mpwebo seria sobretudo a
representao, no cesto, do ancestarl feminino correspondente a kalamba kuku wa lunga
(o ancestral masculino), mas que teria neste caso uma significao posicional particular:
Se acontecer desta pea vir borda do cesto, ela indicar, se estiver de p, que h
possibilidade de vida. Se os ps estiveram para cima, a morte inevitvel. Se ela ficar
oculta, indica que a doena tem um sentido geral.
A mesma estatueta poderia representar ainda um fantasma (ndumba ya munu), e
neste caso ela significaria simplesmente um malefcio imputvel a um fantasma, qualquer
que seja sua posio.
No cesto divinatrio dos Ngangela, esta estatueta seria denominada mukula, nome
do esprito colrico de um defunto que perturba pela doena ou mesmo pela morte.
preciso apazigu-lo com sacrifcios e bebidas.
Uma estatueta morfologicamente bastante distante, mas prxima pela significao
e sobretudo por sua relao com a doena, descrita por Tucker sob o nome de owanga,
uma estatueta de madeira cuja apario borda do cesto significa que preciso fazer o
ritual oku ta ohasa, particularmente recomendado como forma de protesto cvontra a ao
de um feiticeiro:
When this figurine comes up to the edge of the basket during divination, it mean
that the person divined for is being made ill at the behest of a witch. After this diagnosis
the ochimbanda goes to the patients house at night, catches a white fowl and a he-goat,
and carries them around the room making mystic signs. He then goes out to na animals
burrow, kills the fowl and the goat, and puts blood and fire in the burrow. Next he
discharges a gun, puts the heads of the fowl and the goat into the burrow, and stops it up
with earth. While firing the gun he says, speaking on behalf of the patient: if I have done
any wrong, stolen, cursed another, killed anybody, I shall die. If I have done nothing
wrong I shall get well1.
1 N. do Tradutor: Quando esta estatueta vem borda do cesto durante a adivinhao, significa que a
pessoa em questo ficou doente por ao de um feiticeiro. Aps este diagnstico, o ochimbanda vai casa
do cliente noite, pega uma galinha branca e um bode, e leva-os por todo o quarto fazendo sinais msticos.
Ento, vai a uma toca de algum animal, mata a galinha e o bode, e coloca sangue e fogo na toca. Em
seguida, descarrega uma arma, pe as cabeas da galinha e do bode na toca, e apaga o fogo com areia.
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Enquanto dispara a arma, ele diz, falando em nome do cliente: se eu fiz algo errado, roubei, atormentei
outrem, matei algum, eu deverei morrer. Se no fiz nada errado, deverei ficar bom.
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2.1.6-Kapindji, o escravo
(fotos 175-179)
Na maior parte dos cestos, se encontra uma estatueta antropomorfa designada pela
palavra kapindji (o escravo); o que caracteriza esta estatueta que ela representa um
personagem rodeada por uma corda ou uma corrente, s vezes por um fio de ferro em
torno do pescoo (fig. 9). Que diz o adivinho quando esta estatueta se apresenta borda
depois de agit-lo? Eis algumas respostas possveis:
Quem interroga est doente; um esprito de escravo o possui1. Se a doena
provm de um esprito de escravo, significa que o antigo escravo se tornou uma hamba,
isto , um esprito de ancestral que deve ser honrado por seus descendentes. Note-se que
esta exigncia supe ainda uma integrao dos escravos na sociedade tradicional. Apesar
de que os escravos eram fonte de riqueza para os Cokwe, se est aqui muito distante da
noo ocidental de escravatura2.
Quem interroga ser muito rico, pois ter muitos escravos3. O escravo como
fator de riqueza significa dfuas coisas na sociedade cokwe. Notemos em primeiro lugar
que, no sistema de produo da mesma linhagem, o nico elemento permanente ao nvel
da famlia. Para trabalhar no campo, um homem se apia primeiro em sua mulher (cada
um trabalha sua prpria parcela, confiada pelo marido); para sua parcela, ele tem seus
filhos. Mas estes no ficaro muito tempo em casa, pois os tios maternos os chamaro
sem tardar. Quanto s filhas, estas so pedidas em casamento desde a tenra idade. Sobram
os escravos4. O chefe primognito pode pois adicionar seus escravos, principalmente os
que prendeu na aldeia, em seu rol de mulheres. este patrimnio que ele transmitir a seu
sobrinho, o que contribui para atrair este ltimo o mais cedo possvel para a aldeia de seu
tio. A continuidade da aldeia, bem como o culto dos ancestrais que se celebra, dependem
em grande parte ao maior ou menor nmero de escravos que um chefe possui. Em
segundo lugar, o escravo um elemento de compensao muito importante para a
estabilidade da aldeia em que freqentes cises e separaes de toda natureza se juntam a
uma forte mortalidade infantil. O conjunto destes fatores ameanam sem parar a
sobrevivncia do grupo. Na histria dos Cokwe, o fator demogrfico parece ter exercido
um papel muito mais importante que o fator riqueza; nas situaes de vazio demogrfico,
os Cokwe procuravam compensar o enfraquecimento de seus efetivos por uma incurso
nos territrios das etnias vizinhas (principalmente os Pende, Luba e Luwa). Todos os
escravos capturados eram apresentados ao chefe da aldeia, que fazia a partilha entre os
chefes dos diferentes grupos (o que podia se tornar causa de disputas e de
Um homem d sua filha a um escravo que lhe pertence; os anos passam e eis
que as crianas desse escravo ficam doentes. Por qu? Procura-se o adivinho. Kapindji
vem borda do cesto! que eles devem render homenagem ao escravo que foi seu pai;
preciso lhe falar (modo particular de venerao) como a um ancestral: devem tambm
erigir uma imagem; ento, estaro curados (Sakungu).
A integrao era uma regra; ainda hoje uma frao muito importante da populao
cokwe do nordeste de Angola constituda de antigos escravos ou descendentes de
escravos; apesare disto, as pessoas no do nenhuma importncia a esse passando,
embora bastante recente. Todos os chefes, adivinhos e outros, com idade acima de
sessenta anos, tiveram vrios escravos (freqentemente uma vintena). No obstante,
sobre os escravos que se focalizavam as suspeitas de feitiaria ao curso de um perodo
marcado por uma srie de desgraas:
O feiticeiro um kapindji (escravo) que matou seu mestre. Com efeito, este lhe
pedia coisas demais; ele lhe dizia: vais trabalhar em minha roa, vais buscar madeira, vais
comprar upite (produtos europeus que os escravos deviam trazer de muito longe) e ainda
muitas outras coisas. Um dia, ele se irritou e matou seu mestre (Mwafima).
A estatueta kapindji tem, nesta interpretao, uma significao de preferncia rara
que o adivinho Mwafima reconhece como provvel, se bem que no foram nunca
observados casos semelhantes ao curso de sua j longa carreira de adivinho. Pode-se se
perguntar com o efeito se o adivinho, que um dia fez essa leitura de kapindji, contava
com uma revolta real do escravo ou fazia de preferncia o jogo de um grupo que, para
elevar as tenses, tinha encontrado o bode expiatrio.
Resumamos essa diferenas em um esquema:
+ mahamba {possesso
{estatueta
{ancestral
Esquema 5
2.1.7-Mwana, a criana
(Fotos 180-181)
Hauenstein: Mwana
Tucker: kalupolopoko
Delachaux: personagem acorrentado
1 N. do Tradutor: Ele (mwana) representa o esprito de uma criana morta, ou feto, cuja morte acredita-se
que tenha sido causada por veneno ou feitiaria. Muitos espritos tm grande poder no outro mundo,
porque no tiveram pecado (ekandu) quando estavam na Terra. Espritos de crianas escravas tambm
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Baumann: tsitanga
Delachaux: sitanga
Bastin: citanga
Santos: tchitanga
Hauenstein: cihangu
tornam-se este tipo de esprito, porque tiveram muito sofrimento quando vivas, e, quando morreram, no
lhes deram oferendas.
1 N. do Tradutor: O esprito de um escravo representado no cesto por uma figura esculpida com uma
corrente ao redor do pescoo, ou com uma argola algemando a perna. Espritos de bebs mortos para prover
encantos de fertilidade terra so tambm representados por esta estatueta.
2 Uma figura com contas em torno do pescoo indica que o problema devido ao fantasma de um beb
morto cujo esprito deseja voltar.
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Lima: tshitanga
Citanga uma das estatuetas mais curiosas e mais enigmticas; reside, alis, nisso
sua significao prpria: enigma, dvida, coisa estranha, milagre. Ela se apresenta sob
vrias formas, sendo que todas justificam bem sua designao. De acordo com Baumann,
citanga seria uma estatueta de uma cabea e quatro pernas, e sifnifica a dvida do
feiticeiro1 no negcio em questo.
De acordo com Delachaux, sitangu um duplo personagem e significa um
milagre:
Esta estatueta representaria uma coisa extraordinria, miraculosa,
incompreensvel, sobrenatural. No cesto ela revelar portanto uma coisa que tem milagre,
seja num sentido bom ou mau.
Notvel por seu polimorfismo (fig. 11), este kaphele se apresenta como o
resultado de duas estatuetas soldadas cuja forma nova varivel: uma estatueta com
quatro pernas; dois personagens colados pela cabea, e neste caso por vezes fuso total ou
parcial das duas cabeas em uma s; dois personagens colados pelas pernas, etc. Assim,
por exemplo, a citanga descrita por E. Santos como que duas estatuetas grudadas por
suas cabeas e a significao seria a seguinte: se a mulher quer procriar, deve faezr
hamba citanga. uma hamba de fecundidade que asa mulheres devem levar cintura; a
rplica citanga acompanhada de outras, principalmente muta (cachorro) e kajia (a ave),
mas tambm cikula ou cisola, ou as duas ao mesmo tempo2. Para Mesquitela Lima esta
estatueta dupla, bifacetada; ela seria utilizada tambm como um amuleto preso no fuzil:
quando ela (a rplica do cesto) aparece acima dos outros tuphele, quer dizer que os
fracassos na caa so devidos ao esprito tshitanga. preciso fazer a estatueta e prend-la
s armas.
O fato de que a estatueta citanga seja associada com freqncia a outras que
tambm concernem fecundidade levantou, para Delachaux, a questo de saber se
citanga no seria uma variante da estatueta mbate o casal que estudaremos em
seguida. A questo foi colocada explicitamente por E. Berger a um adivinho cokwe, que
respondeu negativamente3.
Muito prximo desta estatueta est a variante pila, muito rara, que apresenta a
configurao de uma dupla colher de madeira (foto 190) e que a maioria dos adivinhos
no conhece mais, mas que se pode encontrar nos cestos antigos.
De acordo com Hauenstein, o enigma seria a m sorte permanente de uma mulher
que no consegue ter filhos: Phila seria o esprito de uma criancinha defunta que
apareceria, de preferncia, em companhia de jinga ou de chisola. Tratar-se-ia de uma
criana que queria nascer mas foi impedida por abortos repetidos ou pela esterilidade. O
problema colocado ao adivinho parece exceder sua capacidade e, neste caso, citanga
torna-se o smbolo da impossibilidade: assim como um beb incapaz de exprimir seus
pensamentos que ficam sempre confusos, igualmente esta estatueta indica uma absoluta
falta de clareza sobre a doena. Trata-se pois de um caso insolvel.
A estatueta dupla mbate (por extenso: pwo nyi lunga alimbata homem e
mulher acasalados) (fog. 12), que relativamente freqente nos cestos, apresenta formas
de grande variedade. Delachaux, que estudou toda uma srie, procurou estabelecer uma
linha evolutiva desde as formas mais naturais at aos exemplares que apresentam um
maior grau de abstrao3. De acordo com Baumann, a significao desta estatueta seria
imediata: ela promete dar descendncia quele que interroga (ou por quem se interroga) o
adivinho. A designao yikoyi, utilizada tambm por Baumann, viria dos Lunda (likunyi),
mas os Cokwe preferem cham-la mbate4.
A propsito desta estatueta, o pastor E. Berger enviou a Delachaux a seguinte
informao:
... esta estatueta revela o adultrio e descobre as doenas venreas, indicando a
causa segundo a posio em relao a outras peas. Ela prova ainda a infidelidade do
homem ou da mulher, causa das infelicidades de que se queixam os clientes.
A significao destas estatuetas do cesto pode escapar completamente ao
pesquisador de campo se se arrisca uma interpretao estritamente formal sem levar em
1 Hambly explica esta estatueta como um caso de cime: two united, human figure of wood indicate that a
twin will die. N. do T.: dois unidos, figura humana de madeira, indica que
2 A bissexualidade original uma noo comum na frica. Deschamps escreveu a esse respeito: Todo ser
bissexual na origem: o homem mulher por seu prepcio, a mulher, homem por seu cltoris; da a
necessidade da circunciso e da exciso que conferem o sexo definitivo. H. Deschamps, 1965, p. 9.
3 Delachaux, 1946, p. 66, prancha IV.
4 Baumann, 1935, p. 169.
139
Normalmente a maioria dos autores que recolheram esta estatueta tentam explic-
la em funo de problemas que resultam de desvios na vida sexual, condenados pela
sociedade, particularmente as tenses freqentes entre um homem e o amante de sua
mulher2. Um parto difcil, por exemplo, pode ser atribudo ao adultrio de um dos
cnjuges.
Mbate, como tantas outras estatuetas, exerce um papel importante de moralizador
da vida dos Cokwe. Neste caso a influncia do adivinho enorme, mas, em princpio, ele
se limita a interpretar e a aplicar as normas tradicionais no que concerne s prestaes que
o culpado deve parte lesada.
O mesmo tipo de explicao (doenas e adultrio), mas num contexto diferente,
foi notado por Mesquitela Lima, para quem a estatueta mbate ... significa que o
consultante est casado com um cnjuge sempre doente; o que pode sugerir problemas de
divrcio (geralmente os Tshokwe no sustentam uma esposa doente)3. Neste caso, o
adultrio pode existir tambm, mas ento uma estatueta flica (lukutu) o denunciar.
Pwo nyi lunga alimbata simboliza, se acordo com M. L. Bastin, que a me de
uma das esposas do donte polgamo lhe quer mal4. Esta maldade voluntria traduz, regra
geral, a ameaa do divrcio por causa da doena, a esterilidade, ou ainda a infidelidade
notria do marido. A maioria dos adivinhos no se afastam deste ponto de referncia para
desenvolver suas explicaes:
... um homem tem uma ligao com a mulher do outro; isto j dura h
muito tempo e o marido desta mulher est descontente. O chefe da aldeia convida os dois
homens para resolver o dilema; ele (o chefe) que decide quanto o culpado deve pagar.
Depois ele no quer mais ser importunado. Ele dir ao final da discusso: agora voc
(culpado) quem deve pagar... eu j falei... Quando o cvhefe da aldeia fala isso, o faltoso
empenha-se em pagar as prestaes (Hamumona).
adivinho saber tambm apontar os casos extremos cuja evoluo fatal, e ento ele
prevenir a famlia do doente.
Para V. Turner, katwambimbi tem uma significao muito negativa, prxima alis
de chamutanga (o ancestral feminino). No h confuso possvel acerca da estatueta em
questo, dado que Turner a descreve como a efgie de um homem que leva as mos
cabea, na atitude tradicional da dor1.
Katwambimbi seria aquele que provoca as lgrimas (He-who-starts-weeping)
porque katwambimbi
From the diviners point of view, not only the actual sorcerer (who did
the killing) but also the tale-spreader would receive a case, i. e., would be puclicy
denounced as responsible for the death3.
Se a informao trazida por Baumann nos parece arbitrria e fora de todo contexto
social, em compensao o ponto de vista de Delachaux supe um conjunto de crenas em
relao feitiaria tal como se conhece na sociedade tradicional. Delachaux reaproxima
tambm a iniciao do adivinho e a feitiaria; na verdade, todo adivinho poderoso e de
grande renome torna-se facilmente suspeito, porque poder e feitiaria para os Cokwe so
realidades muito prximas, mesmo se o adivinho trabalha em sentido inverso do
feiticeiro.
Explicando a estatueta mufwaponde como o guerreiro que morreu em combate,
M. L. Bastin observa que a doena do consultante vem do esprito (hamba) desse
guerreiro2.
O adivinho Riasendala desenvolve o mesmo raciocnio aproximadamente nos
mesmos termos: se algum parte para a guerra, pode acontecer que morra; mas esse
guerreiro havia deixado na aldeia sua mulher e seus filhos. Alguns anos mais tarde seus
netos adoecem e a famlia vai procurar o adivinho... Ele descobrir rpido a causa da
doena: o av (irmo da av) partiu para a guerra e morreu; ele que se tornou
mufwaponde; o mal (doena) vem dele, seu esprito provoca as dores... preciso procurar
um cupinzeiro (um fragmento do ninho) e fazer um santurio; depois preciso trazer-lhe
fuba (mandioca) e lhe falar (orao); ento o doente recuperar a sade, assim como seus
filhos.
O cupinzeiro, neste caso, utilizado para modelar uma esttua grosseira em
homenagem ao ancestral que se tornou mufwaponde.
De acordo com E. Santos, mufwaponde seria antes a representao de um nganga
(feiticeiro) que pertenceria famlia do cliente:
... havia um feiticeiro; para sua desgraa, lhe cortaram a cabea; agora seu
esprito atrapalha o cliente3. Este ltimo devia esculpir uma estatueta grosseira a partir
de um pedao de madeira bem seca (lusumba) e coloc-la sobre um cupinzeiro, no recinto
das mahamba4.
Aquele que fizeram desaparecer podia ainda ser um feiticeiro, que teria sido
descoberto e denunciado pelo adivinho; um pouco por toda Angola, tal indivduo, ao ser
descoberto, era eliminado1.
Concluindo, pode-se dizer que a estatueta do decapitado, no cesto, remete sempre
az seu esprito malfico ou perigoso, conseqncia de um crime (assassinato), suicdio, da
existncia de um criminoso, o feiticeiro, personagem a quem o cesto consagra ainda uma
outra estatueta cilowa.
manufatura e o natural. Mesmo para as estatuetas que foram esculpidas, o cera esconde
por vezes a cabea e tambm uma parte do corpo; os Cokwe obtm essa cera negra
(ulongo) produzida por abelhas selvagens, aps a extrao do mel.
A feitiaria denunciada pela estatueta se encontraria no numa pessoa concreta
(um feiticeiro), mas num objeto a servio do nganga. Assim, cilowa designa com
freqncia antes o objeto utilizado pelo feiticeiro que o feiticeiro propriamente; esse
objeto portador de uma fora malfica (wanga) seria lanado contra o corpo da vtima
pelo fuzil do feiticeiro (uta wa mbomba)1 e penetraria provocando, em conseqncia, a
doena.
O personagem de madeira seria, de acordo com M. L. Bastin, a indicao
simblica que a doena ou a morte foi provocada pelo feiticeiro2; o elemento mgico-
religioso mais forte na estatueta seria as sementes kenyenge, segundo vrios adivinhos.
Na prtica, elas faltam com frqncia na estatueta cilowa, e para substitu-las o adivinho
coloca tintura vermelha (mukundu) na estatueta.
Uma concretizao bastante curiosa do mal-estar denunciado por cilowa (neste
caso, uma possesso) a que Hambly apresenta e cujos responsveis seriam os europeus:
There is a little figure with a black tuft on its head, whose arrival at the
top of the basket indicates that misfortune among the natives is caused by Europeans.
When talking to this figure the medicine-man tries to speak like a white man adopting a
falsette voice and mimicking the intonation of Europeans3.
The figure of a female with a large abdomen indicates that the spirit of a
deceased pregnant woman is causing sickness in the village1.
1 Hambly, 1934, p. 247. N. do T.: A figura de uma fmea com um abdomen largo indica que o
esprito de uma mulher grvida falecida est causando doena na aldeia.
2 Santos, 1960, p. 41.
3 Bastin, 1961, p. 36, nota 8.
4 Lima, 1971, p. 84.
146
fora do cesto, sob a forma de estatueta de barro modelado sobre as quais se colocam as
cores branca e vermelha e os ornamentos de plumas sobre a cabea1.
Baumann verificou a identidade dos significados de tumbunda e tukuka e, ao
mesmo tempo, sublinhou que estas estatuetas esto relacionadas possesso e s doenas
das mulheres: as tukuka seriam gnios que habitam a floresta e que deixam por toda
parte em que passam uma trilha de impureza, espcie de doena.
Do lado de fora do ngombo, esta hamba apresenta diversas variantes. M. L. Bastin
observou ainda trs pares de tukuka, de barro modelado, veneradas por uma mulher que
as invocava como espritos protetores contra as doenas2.
Se tumbunda e tukuka cobrem aproximadamente a mesma significao, constata-
se que tukuka , porm, rara no cesto, pelo menos em relao a tumbunda, que mais
freqente; em compensao, no recinto do chefe, onde so veneradas as mahamba,
tumbunda bem mais rara que tukuka.
Baumann: likutu
Delachaux: likutu
Santos: likutu
Turner: ilomu
Lima: lunga
De acordo com E. Santos, lukutu revera, antes, a possesso ilegal de uma mulher,
porque o homem no pagou o dote (alembamento)1.
O adivinho angolano informante de Turner atribui a esta estatueta uma
significao geral de virilidade, mas a idia de adultrio mencionada por Baumann
encontrada tambm nas observaes de Turner; na verdade, o adultrio autoriza o marido
lesado a exigir uma compensao da parte do homem culpado; a tenso entre estes dois
personagens pode degenerar em crime de homicdio. Cabe ao adivinho descobrir a
relao entre a ocorrncia de um bito e um ato de adultrio, ou detectar se, pelo
contrrio, foi o feiticeiro que se aproveitou de uma situao entre o marido e o amante
para cometer o crime de feitiaria.
As diferentes explicaes desta estatueta se apresentam s vezes bastante
divergentes, mas a maioria dos adivinhos consultados tomam a estatueta lukutu como
ponto de partida para explicar questes concernentes ao homem, em particular a sua vida
sexual. s vezes lukutu significa tambm a esterilidade masculina, doena contra a qual o
curandeiro preparar remdios indicados para esbranquiar o esperma. Com efeito,
neste caso, o doente conduzido a um local no interior da floresta onde o mbuki aplicar
diretamente no rgo viril uma infuso preparada com a raiz de mundoyo, cujo resultado
imediato ser o de fazer expulsar um lquido preto (o esperma preto), o qual, pela
continuao do tratamento, se tornar branco2
Em princpio, todas as formas de doenas de homens, e particularmente a
impotncia e a esterilidade, so atribudas a relaes interrompidas, que podem trazer
ainda outros aborrecimentos, seja ao prprio marido ou a sua mulher grvida. A
impotncia considerada pelos Cokwe como a morte social, contra a qual o homem luta
com todas as suas foras; ela considerada definitiva unicamente quando o homem
expira; neste momento se exteriorizar a morte social do indivduo:
uma linha negra traada de seu umbigo at suas partes genitais com
carvo natural indica que seu nome, e com ele alguns elementos essenciais de sua
personalidade, no sero nunca transmitidos s crianas de seu parentesco3.
A ausncia de referncias a esta pea simblica nos vrios autores que estudaram
o cesto divinatrio, tais como Baumann, Delachaux, Hauenstein, etc., bastante curiosa,
tanto mais que nos cesto que observamos, tanto nas colees quanto com os adivinhos,
no se possa dizer que seja uma raridade. Mesquitela Lima, observando esta pea numa
cerimnia divinatria, props-lhe o nome de mama (me) ou pwo (mulher) e apresenta
uma ilustrao ligeiramente diferente1.
De acordo com Santos, sunji seria um pedao de cabaa em forma de vagina em
que esto evidentes as mikaka (escarificaes pblicas) e kamonga (o cltoris); a
explicao desta estatueta seria a seguinte: a mulher (do consultante) est mesmo doente,
o marido deve preparar hamba de fecundidade2. Para o autor, h dois objetos distintos
no cesto: sunji, a representao da vagina, e cipanga, a da vulva. Esta ltima significaria a
exigncia feita ao marido de pagar o dote o mais rpido possvel3. Nenhum dos
informantes confirmaram esta duplicidade de objetos no cesto. As representaes podem
variai um pouco, mas os adivinhos consultados s conhecem sunji. A significao
apresenta um certo paralelismo com a de lukutu: sunji significa igualmente uma doena
por causa de uma mulher possuda ilegalmente porque as prestaes concernentes ao dote
no foram ainda integralmente satisfeitas.
Um outro problema curioso que coloca o grupo sunji concerne presena ou
ausncia de cltoris; a maior parte das representaes de sunji apresentam indicaes que
se poderia interpretar como uma prtica de clitoridectomia; a questo posta a cada um dos
adivinhos obteve sempre uma resposta negativa. Os Cokwe no conhecem essa prtica
nem alis nenhuma das etnias vizinhas, como os Lunda, Lwena, Shinji, Mbangala4. De
um outro lado, J. Redinha afirma a ausncia de qualquer ato operatrio quando da
iniciao das meninas em toda a regio de Lunda; o rito de passagem propriamente dito
seria acompanhado unicamente de escarificaes diversas sobre o ventre5. As
escarificaes so bem perceptveis no smbolo sunji, e se apresentam como um conjunto
ou de linhas paralelas ou de losangos obtidos por um conjunto de linhas cruzadas; outros
apresentam ainda um segundo conjunto de linhas suplementares que formam tringulos
acima das linhas paralelas (fig. 19).
As escarificaes so importantes para identificar as estatuyetas femininas.
Mesmo se se discute sempre a origem das escarificaes, nos dias de hoje elas so
consideradas como ornamentos em que os elementos estticos e erticos aparecem
juntos6.
A aprio deste kaphele pode ser explicado por toda uma srie de prticas
relativas fecundidade das mulheres e que dizem respeito principalmente a duas
mahamba: hamba mwia e hamba kapikala. A primeira j foi mencionada a propsito da
estatueta citanga com a qual est associada; no que concerne a kapikala, uma estatueta
que diz respeito aos ancestrais mais antigos da mulher, venerados sob forma de duas
esculturas rudimentares que a mulher pe debaixo da cama ou no recinto das mahamba e
s quais se d o sangue dos animais sacrificados ou da caa7. Esta forma de culto
O exemplar desta estatueta observada por Baumann foi descrita como quatro
pessoas numa estrada; na realidade os personagens so por vezes trs ou cinco ou mais
(fig. 20). A explicao conseguida por Baumann a propsito desta estatueta a seguinte:
aquele que interroga (cliente) saber que no preciso procurar o feiticeiro na aldeia,
mas que o encontrar numa viagem atravessando os campos1. Alm disso, o mesmo
Baumann recolheu outros exemplares para os quais a primeira descrio no era vlida;
um desses exemplares mostra os personagens em grupo, enquanto que um outro
representa quatro estatuetas humanas, duas viradas numa direo e duas na outra. Assim,
a explicao personagens em rota s vlido em alguns casos.
O grau de estilizao que o grupo apresenta pode sugerir por vezes interpretaes
que passam para o lado da realidade. Assim, E. Santos descreve esta pea como um
perdao de madeira, longo, de aproximadamente 7 cm, com trs incises de um lado.
Tem a aparncia de uma serra com quatro dentes. A significao proposta contm
entretanto o elemento viagem: o cliente freqentou ms companhias que queriam mat-
lo2.
De acordo com Mesquitela Lima, mikana uma estatueta... em forma de pente
talhado em madeira de musole ou de mwanga... pintado de vermelho de mukundu. Mas o
autor se deu conta do carter antropomorfo da estatueta; com efeito, ele acrescenta: com
freqncia os quatro dentes se apresentam sob formas humanas. E a significao estaria,
ainda de acordo com o mesmo autor, realacionada com encontros de pessoas visando um
objetivo bem preciso:
uma atrs das outras por uma vereda1. O adivinho Namuyanga, informante de Bastin,
explicou assim esta estatueta:
... o dano causado por estranhos; ou ento... a doena foi pega no curso
de uma viagem; ou ainda: o ausente faleceu em viagem2.
A estatueta que leva este nome uma miniatura no cesto divinatrio do cisola,
amuleto de fecundidade das mulheres. Comum e bastante freqente, a estatueta cisola
conhecida de todos e particularmente das mulheres, que a carregam com freqncia. O
que torna difcil sua identificao no cesto, devido reduo e simplificao de alguns
elementos caractersticos que desaparecem quando o amuleto cisola torna-se uma
miniatura do cesto. Na maioria dos casos, a identificao feita unicamente a partir do
invlucro de rede da estatueta (fig. 24); os ornamentos caractersticos da cabea de cisola
no existem mais na rplica. Baumann a descreveu, a primeira, como amuleto de
fecundidade: uma espcie de cauda feita com dois ou trs pedaos de canios torcidos
que levam no cabo uma espcie de penacho, feita de tambm de pedacinhos de canios
envoltos num fragmento de rede1.
M. L. Bastin descreveu com mais detalhes uma cisola do Museu de Dundo e
observou ainda a existncia da miniatura no cesto divinatrio como smbolo de
fecundidade2.
De acordo com Hauenstein, quando, numa sesso divinatria, a estatueta mwana
vem borda, a mulher consultante (ou para a qual foi pedida a consulta) far uma
pequena cabaa que ela envolver num
pedao de rede, imitando uma boneca; essa espcie de boneca seria a cisola; se a boneca
de cabaa falta, preciso substitu-la por uma estatueta de madeira grosseiramente
esculpida3. A descrio de Hauenstein nos distancia um pouco das estatuetas cisola
apresentadas por Baumann, Bastin, Lima e Santos, mas tem a vantagem de estar de
acordo com os traos simples e rudes da estatueta cisola do cesto. Entretanto, Hauenstein
descreve a miniatura ou, antes, uma forma diferente de cisola? Um certo polimorfismo na
representao da estatueta evidente tambm em Baumann, onde a mesma designao se
adapta a coisas bastante diferentes4.
Hauenstein nos parece pois ir um pouco mais longe no elarguescimento desse
polimorfismo que, alis, existe em graus diversos quase que em todas as estatuetas do
ngombo. Em todo caso, para cisola a significao bem precisa. Hamumona explica
assim: Cisola vem borda sempre para regrar coisas da mulher. o caso, por exemplo,
de uma mulher grvida que j abortou vrias vezes. Neste caso, o adivinho lhe propor
fazer hamba kahemba primeiro; em seguida (se o mal volta) cisola que ela far. Cisola
portanto um tratamento especialmente recomendado pelo adivinho em favor da mulher
que tem tendncia a abortar sucessivamente. Durante o tratamento, a mulher permanecer
sempre no interior do yisolo recinto feito para a mulher doente, que deve permanecer
at o momento em que seu filho, obtido aps o tratamento, der seus primeiros passos. A
mulher estril deve se submeter exatamente ao mesmo tipo de tratamento.
2.2.0 - Introduo
responsvel hamba kwanza. Esta hamba significa, antes, as doenas que vm de longe e
em particular as que teriam vindo com os europeus:
O adivinho Sakungu insiste sobre o fato de que kwanza explica sempre a doena
ou a desgraa que veio de longe e atravessou a gua. Este detalhe se verifica ainda nas
informaes de Tucker e Hambly, entre os Ovimbundu.
De acordo com Hambly, entre os Ovimbundu a pequena piroga anunciaria uma
desgraa que vai chegar em breve: A small wooden boat indicates that some one will be
drawned2, ao passo que para Tucker a desgraa (do mesmo gnero) j chegou e kwanza
fornece a explicao que o adivinho deve dar aos clientes:
a small wood model of dug-out canoe. The ochimbanda may have been
consulted as to the meaning of na overturned boat, where goods and their owner were
alike lost. What was it that caused the boat to capsize3.
The piece may also mean that the person guilty of the dead inquired about
has perhaps come from the other side of the river, the Interior (i. e. by boat)4.
O tambor est presente no cesto divinatrio sob vrias formas que correspondem
aos principais tipos de tambor, mas a rplica mais freqente a do tambor cilndrico
vulgar (fig. 27:a). O tambor-miniatura pois um dos elementos fundamentais dos
tuphele; muito raros so os cestos em que lhe falta. Significa normalmente uma possesso
que se exterioriza por uma doena. Em princpio, o tratamento dessas doenas realizado
sob a responsabilidade exclusiva do mestre de um grupo cultual que tenha o ttulo de
mbuki (curandeiro). So casos de possesso que exigem fazer o fogo e soar os
tambores a fim de que o esprito se manifeste e seja identificado. Os passos para
identificar o esprito so os mesmos que descrevemos no ritual de iniciao do adivinho4.
Mesmo se todas essas possesses se manifestam de modo negativo (doena), no
preciso classific-la completamente como possesses malficas, mesmo se apresentam,
no incio, todas as caractersticas da loucura dos deuses5. Com efeito, quando o esprito
apaziguado pelo ritual, ele torna-se favorvel e nem se trata de exorcis-lo.
Se os autores falam freqentemente do kaphele tambor enquanto elemento
requisitado nas cerimnias de exorcismos, preciso entretanto levar em considerao
que o apaziguamento do corpo no significa necessariamente a extrao do esprito
possessor; tambm do apaziguamento do esprito que falam a maioria dos autores, em
matria desse kaphele:
1
Delachaux, 1946, p. 62.
2
Baumann, 1935, p. 191.
3
Santos, 1960, p. 163; Bastin, 1961, p. 66, nota 2.
4
Ver item 1.3.2
5
Junod, 1936, citado por L. de Heusch, 1971, p. 231.
158
1
Delachaux, 1946, p. 61.
2
Tucker, 1946, p. 189. N. do T.: Ooma (tambor): pea de madeira em forma de tambor. Significa
dana, cerveja, e a festa habitualmente conectada com a cerimnia do transe.
3
Turner, 1961, p. 65. N. do T.: H maneiras de representar cada tipo de ritual... mas no h tuponya
(estatueta) para todos os tipos de ritual.
4
Idem. N. do T.: Um esprito est vindo aqui e gosta que o tambor toque.
5
Hauenstein, 1961, pp. 142-143.
6
Hauenstein, 1961, p. 143.
7
Martins, 1971, pp. 206-213.
159
Esquema 8
Ritual de Visita de
Ngoma aflio um chefe Mukupela
Possesso Possesso
Dana Dana
Dana
Reunio da aldeia
Sada das maham-
ba
1
Delachaux, 1946, p. 16.
2
Em cada departamento, o mwanangana (chefe de terra) tinha sob sua dependncia todas as aldeias do
territrio, as quais se localizavam sempre prximas de um rio (...)...
160
Cinguvu
O pilo-miniatura (fig. 28) representa tanto o pilo que as mulheres utilizam para
fazer a farinha, principalmente a farinha de mandioca, quanto o pequeno pilo do
curandeiro, do qual se serve para fazer os remdios a administrar a seus clientes. A
maioria desses remdios obtida a partir de folhas ou de razes de plantas modas.
A maior parte dos adivinhos consideram o pequeno pilo enquanto smbolo da
atividade feminina por excelncia: a preparao da farinha. Assim, de acordo com
Baumann, o adivinho estaria diante do caso de uma mulher doente que poderia em brevge
retornar a sua atividade: moer a mandioca no pilo2. Muitos adivinhos cokwe explicam
este smbolo em termos vagos, mas sempre num sentido benfico, tais como boa sade
para as mulheres, boas colheitas de mandioca, etc. Essa significao positiva
reforada ainda pelo fato de que este instrumento utilitrio confeccionado com a
madeira da rvore mukirici, que favorvel caa e ao amor3.
No caso de uma possesso por um esprito de ancestral se manifestando por uma
doena, uma oferenda suplementar de mandioca ser legada s mahamba:
Mas o adivinho tambm pode dar suas explicaes a partir do cinu dos remdios
(mboka); neste caso, seu raciocnio se articula em torno dos diferentes modos de preparar
os remdios ou mesmo da qualidade das folhas que preciso achar para obt-los:
1
Hauenstein, 1976, p. 83.
2
Baumann, 1935, p. 170.
3
Ver item 2.4.17.6.
4
Hauenstein, 1961, p. 151.
161
1
Delachaux, 1946, p. 61. Santos d uma indicao mais precisa: a hamba Ngombo demandaria a
preparao de um remdio de isukulu (folhas de mulemba).
2
Bastin, 1961, p. 215.
3
Baumann, 1935, p. 169.
4
Tucker, 1940, p. 195. N. do T.: ...osai: pea em forma de crescente, significando a luae indicando
tempo.
5
A intensa vida ritual ao incio de cada ciclo lunar uma prtica comum, pelo menos na frica Central;
entre os Lubam por exemplo: O dia em que seria a reapario do astro (a lua) devotado aos mortos.
Armados de bastes, estes ltimos interditam o acesso aos campos, onde ningum ousa aventurar-se. Todos
os encantos mgicos so regenerados. Em princpio, nenhum fogo aceso, salvo o do adivinho. Este (ou o
chefe) purifica todos os aldees com gua lustral... (Heusch, 1972, p. 71, de acordo com Theeuws, 1962).
162
eram devidas ao esquecimento, prolongado por vrias luas, das mahamba. O ponto de
vista de Riasendala enfoca unicamente uma prtica tradicional, pelo menos ao nvel da
famlia. Baumann assinala que o chefe de famlia asperge suas mulheres e suas crianas
com pemba por ocasio do primeiro crescente de lua1
Todos os exemplares de kakweji-miniatura observados por ns eram de cabaa ou
de madeira. Mesquitela Lima descreve kakweji como uma espcie de crescente que pode
ser feito de madeira ou metal2 e Delachaux fala s de uma miniatura de ferro:
... o tahi previne seu cliente de que vai morrer no ms que um feiticeiro
irritado contra ele escolheu4.
Este aspecto negativo da lua deve ser posto num contexto mais vasto que
transborda a adivinhao. Se a maioria dos adivinhos se limita a kakweji como unidade de
tempo, outros explicam este kaphele levando em conta o conjunto do contexto cultural
cokwe, onde a lua um elemento feminino e negativo, por oposio ao sol. Assim, a lua,
por estar assimilada mulher, tambm assimilada argila vermelha (mukundu)5; ela
deve ser evitada pelos jovens da mukanda, que, em compensao saem todas as manhs
ao levantar do sol.
Acordo com uma tradio mais antiga, que remete aos pigmeus, a lua seria
exclusivamente um elemento feminino, mas positivo, venerado enquanto princpio de
fertilidade e refgio dos espritos:
The african pigmies hold their feast of the new moon a little before the
reaining season. The moon... is considered the principle of generation and mother of
fertility. The feast of the new moon is celebrated only by women; that of the sun, by men.
As the moon is both mother and refuge of ghosts the women smear themselves with
clay and vegetable saps, appearing to its greater glory like ghosts, or figurines of moon
light6.
1
Baumann, 1935, p. 103.
2
Lima, 1971, p. 159.
3
Delachaux, 1946, p. 51.
4
Santos, 1960, p. 161.
5
Bastin, 1961, p. 76.
6
Rachewiltz, 1964, p. 76. N. do T.: Os pigmeus africanos fazem sua festa da lua nova um pouco antes da
estao chuvosa. A lua... considerada o princpio da gerao e me da fertilidade. A festa da lua nova
celebrada somente por mulheres; a do sol, por homens. Porque a lua nasce me e refgio dos fantasmas,
as mulheres se lambuzam com barro e seivas vegetais, apresentando-se, para sua glria maior, como
fantasmas, ou como personificao do luar.
163
1
Ver item 2.4.3.
2
Heusch, 1972, p. 70.
3
Hauenstein, 1961, p. 141.
4
Lima, 1971, pp. 236-237.
164
H uma hamba que te esconde a caa. muta; prepare muta em teu fuzil
(amuleto) e depois (quando for caar) traga-me um pedao de carne, com os cascos como
lembrana para o cesto.
Em um caso semelhante, Hamumona ordenou um tratamento especial para o
caador, seus ajudantes e seu fuzil: todo mundo deveria lavar seus corpos e os
instrumentos de caa com cisukulo um medicamento preparado com as folhas de
musole e mwanga1 esmagadas num pequeno pilo; antes de parit para a caa, todos
deviam de lavar com a infuso desse remdio de caa e oferec-lo s mahamba.
Muta pode ajudar tambm a mulher grvida que est mal do ventre. Neste caso,
ela juntar a miniatura muta em sua cintura a um outro amuleto, normalmente kwanza.
Essa dupla finalidade j havia sido notada por Baumann, que escreveu a propsito:
A estatueta muta favorvel caa; e as mulheres que sonham que um co lhe
morde a perna sero brevemente providas de descendncia2.
No que concerne rplica tambw, preciso, toda vez que se tem sorte, lhe
oferecer o sangue da caa abatida, porque ela simboliza um esprito exigente. Esprito
favorvel ao caador, ele reclama um culto que se assemelha ao de muhangi; nos dois
casos, preciso sempre sacrificar uma poro do animal abatido. No que concerne
fecundidade das mulheres, se aps a venerao de tambw a mulher no obtm
descendncia, intil fazer outras tentativas.
Em sua relao com os ancestrais, o co se tornaria tambm uma hamba; e a
aproximao com tambw (leo) poderia fazer acreditar que os dois animais (co, leo)
podem tornar-se visanguke, isto , formas de transmutao dos espritos. Esta hiptese
aventada por Baumann se verifica em parte no que concerne ao leo e ao leopardo, ambos
considerados como mwanangana (chefe), mas no vale para o co, que no protegido
por nenhuma interdio.
Normalmente a estatueta muta dupla no cesto do adivinho, porque preciso ter
o muta masculino e o muta feminino.
Rplica da ave (fig. 31), muito freqente no cesto, kaphukhulu (palavra exclusiva
do campo da mukanda) um smbolo sempre posto em relao com a fecundidade das
mulheres, ou antes com a falta de fecundidade causada pelo abortamento e pela
esterilidade. Mwafima explicou-nos, a seu modo, a significao de kaphukhulu aps a
consulta que iria fazer para uma mulher:
Voc j viu as aves que comem as sementes nos campos... Kaphukhulu faz o
mesmo. Os gros engolidos pelas aves so como as crianas que esta mulher teve no
ventre mas que no pde dar luz. Kaphukhulu as fez desaparecer todas as vezes...
Para a maioria dos adivinhos, kaphukhulu simboliza um estado de esterilidade
persistente, difcil de tratar, porque toda vez que a mulher fica grvida, aborta. Neste
1
Mwanga, um arbusto tambm chamado de mununu (Paropsia sp).
2
Baumann, 1935, p. 201.
165
caso, a hamba kajia que a ave-miniatura representa deve ser honrada segundo as
determinaes do tahi:
... um kaphukhulu miniatura se encontra entre os objetos do ngombo ya cisuka e
sua apario borda do cesto indica que a mulher em consulta seria estril: ela dever,
para ter filhos, matar uma pomba e carreg-la consigo presa por uma cordinha que
atravessa o corpo da ave na altura das asas, at engravidar. Rplicas de kajia tambm se
encontram em nmero de pequenos amuletos de fecundidade, com freqncia presos
cintura1.
A pomba em questo aqui o animal indicado para celebrar hamba kajia quando
o adivinho prope a realizao de um ritual para remediar a esterilidade de uma mulher.
Aps o ritual, no apenas a mulher levar uma miniatura na cintura como precisar ainda
erigir uma estatueta de kaphukhulu prximo casa e oferecer-lhe mandioca de tempos em
tempos.
A significao negativa deste kaphele pode ser facilmente revertida se kaphukhulu
estiver acompanhado de um dos seguintes tuphele (alis, relativos fecundidade das
mulheres): cisola, cikunza, muta, citanga; neste caso, a ave kaphukhulu se tornar um
smbolo positivo de fecundidade.
Baumann explica desta maneira a estatueta kazila do cesto: Die Frau bekommt
Kinder2.
s vezes, embora muito raramente, se atribui ainda a este kaphele uma
significao de um esprito ancestral caador de aves. este defunto que torna pouco
frutferas as caadas de quem veio (em seguida) consultar o adivinho. porque ele
dever... fizar uma pequena representao de ave diante de sua cabana3.
Nenhuma dificuldade em identificar este kaphele (fig. 30), bem como sua
significao imediata. No que concerne planta da qual ele provm, a maioria dos
adivinhos consideram que kakone feito com auxlio de um ramo de muvuma4 ou de
musombo5, ao passo que para outros qualquer planta serve para confeccionar este
smbolo.
Quanto a sua significao, todos os adivinhos consultados so unnimes: kakone
reflete toda espcie de problema que surge numa aldeia quando aparece algum cujo
corao est dobrado, isto , torcido em excesso, seja por ser uma pessoa que
provoca tumultos (Mwafima) ou por ser algum que no fala bem com os seus,
mesmo com os idosos (Sakungu), ou muito simplesmente por ser algum difcil demais
de conviver que tem o corao torcido (Riasendala), ou cheio de raiva (Hamumona).
Todos estes pontos de vista concordam com outras informaes recolhidas h muito
1
Bastin, 1961, p. 192.
2
Baumann, 1935, p. 169.
3
Hauenstein, 1961, pp. 141-142.
4
Mitragyne stipulosa Kuntze.
5
Planta muito importante na vida ritual mas de informaes insuficientes.
166
tempo em matria do mesmo kaphele. De acordo com Baumann, por exemplo, a maldade
denunciada por kakone seria a traio de um amigo:
Kakone: zwei gekreutzen Hlzchen. Bedeutet Boss im Herzen, d. h., die
verrtersche Tat eines Freundes1.
M. L. Bastin, estudando este motivo decorativo da arte cokwe, detectou
igualmente a existncia de kakone como smbolo do cesto:
... este n curvado (kakone) evocado sob o mesmo nome por um pequeno
objeto que faz parte do contedo do cesto do adivinho ngombo ya cisuka. Kakone
simboliza uma pessoa cujo corao est dobrado e que no fala bem. A apario deste
objeto em evidncia borda do cesto significa: um homem mau nas redondezas ameaa o
doente2.
s vezes v-se nesta miniatura o ngombo (figura 32-b) da mukanda: pea de
madceira utilizada como suporte do pnis nos primeiros dias aps a operao. A maioria
dos adivinhos consideram essa explicao uma inovao abusiva fornecida por adivinhos
sem experincia.
1
Baumann, 1935, p. 170.
2
Bastin, 1961, p. 107.
167
esquecidos; essa incurso dos espritos durante a noite encontra-se nas explicaes de
Baumann sobre a miniatura do travesseiro:
... musawa: Nackensttze. Dem Schlafenden droht ein nchlichen berfall1
Ou nas de Delachaux:
musawa: almofada (travesseiro). Indica o sono; a doena entrou durante o
sono. Intil que se busque a causa na malevolncia das redondezas; deve-se acusar um
mau esprito ou um fantasma2.
Mas o sono revela tambm as intenes dos vivos, que preciso levar em
considerao. Riasendala explica pelo musau as ms intenes de um sobrinho com
relao a seu tio, o que coincide justamente com a informao recolhida por M. L. Bastin:
... pea simblica (rplica miniatura) do ngombo ya cisuka, significando que o
chefe, a quem a pessoa implicada queria fazer mal, tomou conscincia ao dormir da
existncia das manobras malevolentes e, portanto, a causa de sua doena; para sarar,
precisar confessar sua culpa ao chefe e lhe assegurar suas boas intees da por diante a
seu repeito3.
Os Cokwe consideram o musau (foto 322) unicamente como um objeto utilitrio,
mas admitem que antigamente (para os Lunda), era tambm um smbolo de poder. Um
verdadeiro chefe (mwanangana) possua normalmente um travesseiro humano (crnio) de
que se pode encontrar alguns vestgios na literatura oral. Em um caso completamente
excepcional, tal privilgio seria dispensado tambm mulher principal (namwari) do
chefe4. Parece que esta prtica manifesta no somente o poder real do mwanangana, mas
tambm seu poder oculto sobre as intenes de seus sditos.
Alm da miniatura uta (fuzil) (fig. 34), pode-se encontrar a rplica do arco
uta wa zwnga , mais rara no cesto mas cuja significao bastante prxima da
primeira.
Na traduo dos Cokwe, o fuzil representa com freqncia o preo de um escravo.
O adivinho se inspira com freqncia desta traduo para ordenar a seu cliente que mande
um fuzil famlia de sua mulher que veio a falecer. O pagamento famlia da esposa
defunta deve ser feito em vrias prestaes, onde a principal um fuzil ou um boi5. Com
uma pequena variante (o fuzil enquanto objeto furtado), M. L. Bastin d a mesma
explicao:
No cesto ngombo ya cisuka, uma rplica minscula de fuzil acha-se sob o nome
uta wa mbanze. A significao simblica que lhe prestada indica: ou o consultante
guardou um fuzil que no lhe pertencia, e o mal do qual se queixa no ter fim at que ele
1
Baumann, 1935, p. 169.
2
Delachaux, 1946, p. 61.
3
Bastin, 1961, p. 251.
4
Ver Barbosa, 1973a , p. 50.
5
Ver item 2.2.20.
168
adivinhos contesta esta explicao; a presena da enxada reduzida a seu cabo parece antes
uma conseqncia da miniaturizao do objeto.
Baseando-se nas informaes de Mesquitela Lima, poderia-se mesmo admitir que
a enxada (ou o cabo, somente), utilizada originalmente como instrumento divinatrio,
ficou no cesto sob sua forma miniatura enquanto hamba designada temo lya masolo1. Seja
como for, a significao mais corrente deste objeto diz respeito mulher que cultiva o
campo:
... minha av trabalhou muito; ela preparou muita terra para as semeaduras. Com
o que o campo produziu, ela comprou outras coisas; mas ela morre e tudo isso dado a
mim; ento os outros ficam com inveja de toda a riqueza sada da enxada de minha av.
Ento o que preciso fazer? Eu devo dividir tudo com os outros, seno no estar certo.
Eis o papel da enxada no cesto (Sakungu).
Uma outra verso dada por Baumann; esta estatueta condenaria uma mulher
negligente nos trabalhos do campo:
Temo: Feldhacke. Einer Frau stsst bei der feldarbeit etwas zu2.
E do mesmo modo E. Santos:
... que a mulher do consultante prepare semeaduras mais abundantes3.
O testemunho de Hambly no que diz respeito aos Ovimbundu apresenta uma
significao negativa devido interveno do esprito de uma mulher laboriosa:
The handle of a hoe is the symbol of cultivation. The appearance of the miniature
handle at the top of the basket implies that the sprit of a woman who was rich in corn is
troubling the community4.
No sentido desta exigncia ritual dos ancestrais, se situa tambm a informao
recolhida por M. L. Bastin conforme a qual o mal dever ser curado pelo mbuki com
uma enxada ritual; ou ainda melhor se o doente () acusado de ter furtado mandioca, (se)
reconhecer sua falta, ser curado5.
Um terceiro aspecto, de preferncia raro, da significao deste smbolo divinatrio
est em relao com a feitiaria. Os adivinhos cokwe falam disso muito raramente; em
compensao, para os Ndembu o cabo da enxada ou do machado, o indcio freqente de
uma atividade de feitiaria, seja no plano do parentesco:
Ou num sentido mais geral, muito freqente alis nessa etnia, ou muito simplesmente em
relao aos mortos:
1
Lima, 1971, p. 270.
2
Baumann, 1935, p. 169.
3
Santos, 1960, p. 68.
4
Hambly, 1974, p. 276. N. do T.: O cabo de uma enxada o smbolo do cultivo. O apaprecimento do
cabo-miniatura borda do cesto significa que o esprito de uma mulher que era rica em milho est
atrapalhando a comunidade.
5
Bastin, 1961, p. 36, nota 1.
6
Turner, 1961, p. 69. N. do T.: Ele (o cabo) representa um feiticeiro familiar ou zombie, chamado
kahwehwu, o cadver animado de seu marido enfeitiado, que foi morto por ela com um cabo.
170
... it (the axe-handle) may stand for the grave (kalunga), for when a man
has died, the first thing to do is to bring a hoe with its handle (muhinyi) and dig a grave
with it; it may also mean raising the dead, for diviners believe that after burial witches
go privately to the grave and thre raise up a hoe-handle. Then they strike; they take him
secretly to be cut up into portions of meat1.
Meu tio tem um mwanze com o qual ele faz facas, fuzis, enxadas, etc.,
que vende a todo mundo.
s vezes, pessoas que vm de longe chegam e pedem: ns queremos cinco
enxadas e cinco machados; para pagar, ns deixamos uma pessoa3. Quando meu tio
morreu, o mwanze ficou pra mim; ele (o mwanze) que produziu todos os nossos bens;
antes de morrer, meu pai havia lembrado: oh! meus filhos, tudo isso que vocs tm, todos
esses escravos foram ganhados com o mwanze; por isso, se eu morro, vocs no podem
abandon-lo.
1
Idem. N. do T.: ... ele (o cabo) pode ficar na sepultura (kalunga), quando um homem morre, a primeira
coisa a fazer trazer uma enxada com seu cabo (muhinyi) e cavar uma sepultura com ela; tambm pode
significar levantando o morto, porque os aidivinhos acreditam que aps o sepultamento os feiticeiros vo
sorrateiramente sepultura e l plantam um cabo de enxada. Ento acontece; e eles levam-no secretamente
para ser cortado em pores de carne.
2
Barbosa, 1975, p. 135.
3
Pessoa deixada como garantia. Prtica corrente entre os Cokwe, conhecida sob o nome de thombo, e que
no tem nada a ver com a escravido; igualmente, a pessoa que deve trabalhar durante um certo tempo para
uma outra, a fim de pagar uma dvida, considerada da mesma maneira como thombo; ela reintegrar
depois sua categoria social sem nada perder de sua dignidade.
171
Essa estatueta representa uma praga lanada contra a pessoa para quem se
veio consultar o adivinho. Essa praga provoca uma pneumonia ou a tuberculose. Segundo
a expresso indgena, seu corao funciona como um fole de ferreiro1.
Alm dos remdioa preparados pelo curandeiro, o doente, cujo pai era ferreiro,
deve fazer hamba mwanze e us-la no corao ou no fuzil2.
A forma flica de mwanze no parece exercer nenhum papel na significao
simblica ao nvel do cesto. No que concerne manipulao do ferro, o fole exerce um
papel eminentemente simblico3.
1
Hauenstein, 1961, p. 157.
2
Santos, 1960, p. 167.
3
Alis, a forma antropomorfa do forno (corpo de mulher) sublinha o aspecto deste ato eminentemente
simblico que a fundio do ferro. Ver Redinha 1974, pp. 142-156; tambm Estermann, 1936, pp. 109-
116.
4
Santos, 1962, p. 164.
172
efeito, se uma epidemia se declara ou se os caadores no matam mais caa aps a morte
de um mwanangana (chefe de terra), isto indica que o lukanu no foi honrado1.
Um caador azarado que se apresenta ao adivinho Sakungu recebe a seguinte
reposta:
Voc deve recuperar o lukanu; o esprito do irmo de sua av que te impede de
caar. Ele est sempre do lado de fora; voc o far voltar para a aldeia; ento, voc matar
animais e derramar o snague sobre o seu lukanu (Sakungu).
Sakungu explicou por qu esse caador azarado no conseguiu, por quase um ano,
substituir efetivamente o chefe defunto; ele no tinha encontrado uma esposa (um
celibatrio no pode se tornar chefe).
Por causa que o novo chefe no foi intronizado, o esprito do antigo (o tio) ficou
encerrado na mata em um cupinzeiro, o que no lhe agrada. O lukanu tambm est
escondido na mata numa rvore, ou ainda na aldeia na casa de uma criana que ainda no
tem acesso vida social, isto , de uma criana impbera.
O lukanu significa tambm tudo o que est em relao com o chefe, e em
particular ele prprio e aqueles que devem substitulo: It (lukanu) stands for
chieftainchips2, respondeu um adivinho angolan o a Turner. E seu informador explicou:
Lukanu represents chieftainchip (wanta). If a chief dies, his people want to know the
cause and go to a diviner. The Royal Bracelet comes up and he says: You have come to
divine for a chief, or for a chiefs brother or for his son, or for a member of his lineage
(ivumu)3.
Entre os Ovimbundu, tambm se encontra o bracelete apesar das diferenas de
contedo do cesto em relao aos Cokwe. Ele significa no importa qual problema
concernindo aldeia inteira e em particular doena do chefe; a relao metafrica entre
o bracelete em torno do punho do chefe e a paliada em torno da aldeia marcaria a origem
dessa significao: These (metal rings) represent the village stockade, and mean that the
affair inquired aboud pertains to the whole village...4.
O informador Mwacimbau explica neste termos o papel da miniatura lukanu no
cesto divinatrio: Um homem muito importante, como Mwacisenga (o mais alto
representanto da chefiagem cokwe) morreu; eu, que devo substitu-lo, no presto ateno
a seu lukanu; ento seu esprito vem em meu corpo e sofro; procuro o adivinho e este me
explica o que devo fazer quando ele v se apresentar o lukanu: preciso lukanu (cumprir
o ritual de intronizao); voc levar um torro de cupinzeiro (cifika) que colocar diante
de sua casa e sobre o qual voc espalhar pemba; em seguida, voc partir para a mata
para buscar uma cabra; quando mat-lo, derramar seu sangue sobre o lukanu/ Eu fao
tudo isso. Ento eu retorno a minh aldeia e digo: eis tudo o que fiz para fazer o lukanu;
ser que essa doena vem do esprito do meu tio? Muito bem. Se por isso, ento eu
devo sarar; se uma outra coisa, eu no posso sarar. Ento eu fao abrir o bicho abatido,
1
Bastin, 1961, p. 66.
2
N. do T.: Ele (lukanu) pertence liderana.
3
Turner, 1961, p. 66. N. do T.:Lukanu representa a liderana (wanta). Se um chefe morre, seu povo
quer saber a causa e vai a um adivinho. O Bracelete Real vem borda e ele diz: Vocs vieram para
adivinhar para um chefe, ou para um irmo do chefe ou para seu filho, ou para um membro de sua
linhagem.
4
N. do T.: Eles (anis de metal) representam a paliada da aldeia, e significam que o negcio em questo
pertence a toda a aldeia....
173
tiro o corao e o fgado, que dou a minha me para prepar-los; ela faz fogo novo
(citewa: fogo por frico) que no pode provir de um antigo foco. Ento eu como e fao
amor com minha mulher. No dia seguinte eu ponho lukanu em meu brao, pego pemba
que passo sobre meu corao, meus filhos e toda a famlia. Eu direi diante de todo mundo
reunido: vejam, sou eu Mwacimbau, sou eu que tomo o lugar de meu tio Mwacisenga (o
novo chefe toma tambm o nome de seu predecessor)! Os tambores comeam a soar e a
grande festa para todo mundo.
Se poderia resumir assim as significaes de lukanu:
Todos os problemas em relao ao exerccio do poder, a sucesso, o respeito
(culto) aos defuntos bem como s inconvenincias causadas por uma investidura tardia
demais, so abordados pelo adivinho no plano de levar em considerao
permanentemente os costumes tradicionais.
Poder +
Desordem na natureza
Cultura / ordem cultural
174
Mata Aldeia
Poder - (anti-poder)
Esquema 10
Rplica relativamente pouco freqente no cesto e que por vezes se confunde com
a miniatura kwanza (um pequeno pedao de madeira cruzado pode facilmente dar a idia
da piroga-miniatura) (fig 38). Em princpio, a viagem uma situao de perigo, e o
adivinho explora as peripcias possveis para explicar a desgraa advinda a seu cliente
por ocasio de uma viagem. Nos casos masi freqentes preciso curar uma doena
atrada devido viagem. Mas outros imprevistos podem acontecer tambm:
Njia means that one of the persons in ngombu went away1; ou outros acidentes
que podem acontecer:
This is something that is found on the path along which a person is travelling.
That person may have met death, or perhaps been bitten by a dog or a snake... It also
means something that happened between two places. It is a symbol (chinjikijilu) of
something happenin2.
s vezes o adivinho v na viagem a ocasio para o nganga se introduzir s voltas
da pessoa que ele quer fazer desaparecer. Neste caso, o adivinho explicar que seu cliente
foi envenenado durante sua ltima viagem.
Uma significao perticularmente original apresentada pelo menos por dois
adivinhos a que estabelece a relao entre um descontente em um grupo de parentesco
em viagem:
Njia explica que voc, por exemplo, voc partiu com meus meninos
(dependentes de um homem, em particular as crianas e os escravos) e meu irmo; voc
obteve muitas coisas, fez fortuna (upite) e agora voc chega e no divide comigo. para
explicar tudo isso que njia vir borda do cesto (Hamumona).
1
Turner, 1961, p. 56. N. do T.: Njia significa que uma das pessoas em ngombu foi embora.
2
Idem. N. do t.: Alguma coisa encontrada no percurso ao longo do qual uma pessoa est viajando. Essa
pessoa pode ter encontrado a morte, ou talvez ter sido mordida por um co ou uma cobra... Tambm
significa alguma coisa que aconteceu entre dois lugares. um smbolo (chinjikijilu) de alguma coisa
acontecida.
175
Mukhonji uma flecha com ponta de madeira (fig. 39, a, b). Ela utilizada
principalmente pelos meninos para matar passarinho. Os Cokwe dizem que o mukhonji
fabricado unicamente quando no se pode fazer a flecha de ferro (mwivi). Talvez seja
verdade, mas de acordo com o adivinho Sakungu a flecha de madeira tem a prioridade
sobre todas as outras flechas. por uma anedota que ele explica a razo de mukhonji se
encontrar no cesto do adivinho:
Havia uma aldeia, e nessa aldeia havia um rio, rvores e tambm um njimba
(tocador de instrumentos musicais). Mas um dia as pessoas da aldeia desapareceram.
Num dia em que njimba tocava para todo mundo prximo ao rio, o cigandangari1
apareceu e comeu todas as pessoas. Uma me conta esta histria a seu filho, que decide se
vingar do monstro cigandangari. O menino preparou seu arco (uta wa zenga) e partiu
com sua me para o local da antiga aldeia, onde j crescia o mato. A me comeou a tocar
njimba2 enquanto que ele se escondia atrs do mato. O som do instrumento se espalhou
na antiga aldeia:
ba-ba-njimba-njimba--
O cingandangari escutou a msica e se ps a caminho da aldeia. Quando ele
passou diante do jovem caador, este lhe feriu violentamente o peito com um mukhonji, e
com seu cassetete o espancou at o fim. O menino pediu a sua me uma panela, na qual
colocou pequenos pedaos que ele cortou do monstro cigandangari: unhas, cabelos,
pequenos pedaos das orelha, dos dedos, dos olhos, etc. Acendeu o fogo e eis que as
pessoas desaparecidas da aldeia comearam a aparecer: primeiro seu pai e seu tio, em
seguida sua av e depois todas as pessoas da aldeia. Depois disso, todo mundo
reconheceu que mukhonji a flecha masi importante e no pode faltar no ngombo.
O modo pelo qual o jovem caador fez as pessoas desaparecidas voltar vida
supe um comportamento de feiticeiro (comedor de vidas) da parte do monstro. Alis, os
Cokwe tm a mesma preocupao (cortar em pequenos pedaos) supresso de um
feiticeiro.
Mas, num contexto semelhante, em que h tambm o rio e o jovem caador,
mukhonji pode denunciar tambm um feiticeiro qualquer:
... uma ponta de flecha mukhonji miniatura assinala a sua apario o local em que
o morto por exemplo uma criana que voltava do ribeiro teria sido atingida na
testa pela flecha mukhonji do feiticeiro3.
De acordo com E. Santos, esta miniatura seria utilizada tambm enquanto amuleto
contra males do pescoo4, ao passo que para Baumann ela explicaria, antes, a intriga ou a
traio de um amigo5; as duas verses no foram confirmadas por nenhum de nossos
informantes.
1
Cingandangari, o monstro ano com cabea gigante.
2
Njimba significa tanto um tocador de um instrumento musical quanto um instrumento do tipo xilofone,
como neste caso.
3
Bastin, 1961, p. 173, nota 2.
4
Santos, 1960, p. 163.
5
Baumann, 1935, p. 150.
176
(fotos 349-350)
A miniatura da faca (fig. 41) que os adivinhos explicam como miniatura da tewla
(faca da circunciso) no cesto se chama mphoko ya mululika (faca do poder) e significa,
antes de tudo, o exerccio correto do poder que , alis, uma das tarefas fundamentais de
um chefe de aldeia. Este aqui deve se reunir com os ancies (makulwana) na cota para
resolver os problemas depois de longos discursos sustentados sobretudo pelo especialista
da discusso e da casustica tradicional (nganji).
Mas se a discusso pode ser longa, a questo deve igualmente ser resolvida,
porque a desgraa e a m sorte se abatem sobre a aldeia:
Dentre os objetos simblicos do ngombo ya cisuka figura uma faca miniatura
chamada poko ya mululika que, quando aparece borda do cesto do adivinho, significa
1
De acordo com nosso informador Mwacimbau, o caador que quer matar macacos no pode utilizar um
mwivi; o macaco saberia arranc-la e atir-la contra o caador; a nica flecha utilizvel neste caso suna;
porque, farpada, ela penetra e o macaco no consegue tir-la.
2
Schmidt-Wrenger, 1975, pp. 732-733.
3
Bastin, 1961, p. 210.
4
Santos, 1960, p. 159.
5
Lima, 1971, p. 45, nota 1.
6
Hambly, 1934, p. 277.
177
que responsabilidade de um litgio resolv-la para que o doente sare ou que um caador
encontre a caa1.
A rplica da faca pode denunciar tambm a incompetncia no exerccio do poder,
de acordo com as explicaes do adivinho Sakungu:
Um chefe de aldeia no sabe falar (tomar decises em pblico) nem escutar as
questes que as pessoas lhe submetem. Em conseqncia, h desentendimentos, conflitos
e at mesmo lutas. Houve quem morreu, outros que deixaram a aldeia. Todos comeam a
detestar seu chefe porque ele a causa de tudo isso; logo ele ser enfeitiado. Mais tarde
seu esprito pode subir cabea de um homem responsvel que o havia acusado. Esse
homem vai procurar o adivinho que lhe explicar porqu o esprito do antigo chefe da
aldeia o incomoda.
O adivinho deve enviar seu cliente ao curandeiro, que far um ritual de
apaziguamento. Por isso, explica Sakungu, mphoko ya malulika a faca do
apaziguamento. O mesmo tratamento indicado para algum que muda bruscamente seu
comportamento:
Um menino vai muito bem. Conversa com as pessoas da aldeia, pacfico;
quando mata um animal, ele divide com os outros, etc... Mas eis que um dia ele no
guarda mais repeito aos outros, no divide mais seu dinheiro nem a carne; ele despreza
todo mundo. Procura-se o adivinho: preciso fazer mphoko ya mululika para restituir seu
esprito direito (Mwacimbau).
Esse comportamento duplo tambm denunciado pelo adivinho entre os
Ovimbundu, para quem a faca significa que:
The person you are asking about is two-faced; he speaks good words, but he also
speaks bad ones. Keep on good terms with him, but beware of him. Some day he may
bewitch you, or put poison in your food2.
A pea miniatura que o adivinho exibe em seu cesto na realidade uma rplica
do citewa, o acende-fogo tradicional, e raramente falta no cesto divinatrio (fig. 42). Os
adivinhos explicam com freqncia este objeto em funo do ritual de iniciao do
caador; neste caso, seria preciso renovar a fora da caa com um novo sacrifcio.
alis com esse fim que o iniciado-caador guarda um fragmento da madeira que queimou
quando do sacrifcio, bem como o faz seu mestre-iniciador (pai de caa para os Cokwe,
me de caa para os Ndembu). O pedao de madeira (carvo) preserva a possibilidade
de renovar a fora do ritual; para coloc-lo em ao preciso renovar o sacrifcio com
uma nova vtima.
A reunio de vrias pessoas perto do fogo evoca tambm os encontros mais ou
menos secretos nos quais um pequeno grupo toma posio contra um membro do mesmo
1
Bastin, 1961, p. 209.
2
N. do T.: A pessoa em questo bifacetada; ela agrada, mas tambm confronta e ameaa. Fique de bem
com ela, mas esteja atento. Algum dia ela pode enfeiti-lo, ou por veneno em sua comida.
178
grupo de parentesco ou da mesma aldeia; a apario de majiko pode denunciar esse tipo
de reunies:
(majiko) um pequeno pedao de madeira portando uma ou vrias cpulas
escavadas na face superior. Sua apario borda do cesto do adivinho significa que o mal
provm de maledicncias ou de uma conspirao feitas por homens reunidos em
assemblia ao redor do fogo1.
Essa reunio perto do fogo da aldeia poderia ter uma explicao mais precisa: o
cliente (consultante) fez dvidas que no foram honradas e as pessoas comentam. Quando
retornar aldeia, preciso acender o fogo na cota (a casa dos homens), convidar os
credores e pagar tudo2.
Ainda mais fre qente a atribuio ao smbolo majiko das reunies perto do fogo
para a celebrao de funerais. alis a explicao mais freqente para a maioria dos
adivinhos. Na verdade, a aldeia onde so celebrados os funerais multiplicam as fogueiras
por causa dos diferentes grupos que se formam, seja por classe etria ou ainda pela
reunio em assemblia de vrias aldeias. Neste caso, cada aldeia ter suas prprias
fogueiras, tanto para os ancies quanto para os jovens.
Baumann observou este mesmo kaphele, que ele designa por kabia (feu) e a
respeito do qual fornece a seguinte explicao:
... haver vrias fogueiras na casa, isto , logo um homem falecer (indcio de um
costume funerrio)3.
De acordo com Turner, este smbolo do fogo classificado como funeral fires4
significa uma reunio importante no clube dos homens, ou a morte, ou mesmo o campo
dos funerais. Muchona quem explica a significao deste kaphele entre os Ndembu:
If a person goes to divine he will see in the diviners basket the funeral fires
coming (up). Majiko is a group of fires. The diviner tells: in my basket come up a group
of funeral fires, which means that some one will die unless you return to your village...
The funeral fires may also come up if a patient has already died...
Majiko can also stand for a funeral camp5.
Todos os aspectos de significao de majiko so abordados na explicao de
Tucker, mesmo se a falta de preciso dificulta um pouco a clareza do texto. Em primeiro
lugar, ele no est completamente certo que entre os Ovimbundu seja o mesmo objeto do
cesto, mesmo que tenha a mesma finalidade: acende-fogo. A exigncia de uma fogueira
nova para a aldeia (novo chefe) ou para o grupo de caadores, bem como para a
celebrao de funerais, so evocadas nas informaes recolhidas por Tucker:
Perhaps a new fire is required in the head village; or an ancestral spirit wants an
ochisunji festival. This is a ceremony commemorative of a deceased member of the
1
Bastin, 1961, p. 177.
2
Santos, 1960, p. 165.
3
Baumann, 1935, p. 169.
4
N. do T.: Fogueiras funerrias.
5
Turner, 1961, pp. 63-64. N. do T.: Se uma pessoa vai adivinhar ela ver no cesto do adivinho as
fogueiras funerrias vir ( borda). Majiko um grupo de fogueiras. O adivinho conta: no meu cesto
apareceu um grupo de fogueiras funerrias, o que significa que algum vai morrer a menos que voc retorne
a sua aldeia... As fogueiras funerrias tambm podem aparecer se um paciente j estiver morto...
Majiko pode tambm representar um campo funerrio.
179
family... When a hunt for an ochisunji is unsuccessfull, a new fire is lit. All old fires are
extinguished and each household carries coals to the new fire1.
1
N. do T.: Talvez uma nova fogueira seja requerida na aldeia-me; ou um esprito-ancestral quer um
festival ochisunji. Este uma cerimnia comemorativa de um membro falecido da famlia... Quando uma
caa para um ochisunji fracassa, uma nova fogueira acesa. Todas as fogueiras so extintas e cada casa
carrega carvo para a nova fogueira.
2
Sousa, 1971, p. 84.
3
Bastin, 1961, p. 248.
4
Tucker, 1940, p. 191. N. do T.: Isto (o kaphele) visto como olhando parta o outro mundo, ento os
espritos malignos no conseguem entrar na aldeia. De acordo com a interpretao do adivinho, os espritos
devem ter escapado e vo atrs das pessoas ms.
5
Ver item 2.1.7.
6
Tucker, 1940, p. 191.
7
Hambly, 1934, p. 274. N. do T.: Um pedao de cabaa com um orifcio redondo significa que algum
falou demais. O orifcio representa uma boca humana.
180
1
Ver item 1.3.3.2 - B) / mbila.
2
Baumann, 1935, p. 170.
3
Ver item 2.4.17.4. - 3o .
4
Milheiros, 1949, p. 32.
5
Santos, 1960, p. 168.
6
Hauenstein, 1961, p. 168.
7
N. do T.: uma pessoa morta.
8
Turner, 1961, p. 65.
9
Turner, 1972, p. 48.
181
por isso que durante algumas horas se passa em revista todos os aspectos
positivos da vida de um homem, numa cantilena que se torna um longo hino de louvores
s qualidades do falecido.
Para os funerais preciso normalmente trs dias. No primeiro dia, mata-se um
cabrito (que pertencia ao morto) e seu sangue vertido sobre o fogo que queimava na
casa do defunto; a carne partilhada poe toda a famlia reunida para os funerais. No
segundo dia, queima-se uma parte (a parte inferior) da porta da casa do defunto e divide-
se todos os seus bens: primeiro, a mulher (viva) pega seus ikwata (objetos de cozinha,
enxada, cestos, potes, etc.); em seguida, coloca-se do lado de fora tudo o que era
propriedade do morto; tudo dividido por seu irmo, que pega para si a parte mais
importante; se o defunto no tem irmo, o filho da irm mais velha que leva a herana.
Pequenas lembranas so dadas tmabm aos filhos do falecido. No terceiro dia tem lugar
o enterro.
A viva, uma vez recebidos seus objetos, no pode mais entrar na antiga casa. Ela
ficar do lado de fora durante os funerais, como alis todos os outros, e depois ocupar
uma outra casa antes de ser purificada e enviada de volta a sua aldeia. A purificao se
faz ao levantar do sol: uma mulher velha (kashinakaji) acompanha a viva at o rio; esta
ltima carrega uma cabaa que a velha quebrar perto do rio; uma metade abandonada
no rio; a outra metade ser utilizada para transportar gua para o cozimento dos alimentos
da tulyiwa (viva): a refeio preparada pela mesma mulher velha, que tambm passa a
pintura branca (pemba) no corpo da viva quando ela retorna aldeia. O ritual de
purificao prossegue agora com medicamentos (plantas) apropriados: primeiro a tulyiwa
senta-se sobre as folhas de mwandumba para impedir o esprito do morto de se pendurar
no seu corpo; coloca-se folhas de lukoci2 na testa, o que afasta a imagem do defunto.
Estas duas plantas cheiram muito forte, o que faz com que elas impeam o esprito do
morto de se aproximar.
O ritual terminado, a famlia do defunto a leva sada da aldeia, pe-lhe uma
galinha nas mos e a manda embora com as palavras: nyweto twa salanyie o morto
se retirou, s livre.
Todo esse ritual complexo comporta detalhes que concernem a prestaes de
ordens diversas que preciso satisfazer e que com freqncia so a causa de conflitos
latentes que se manifestaro mais tarde na consulta ao adivinho.
1
Namata a designao cokwe da mulher principal; mas se utiliza mais freqentemente manwari,
designao lunda.
2
Ver item 2.4.17.8
182
relaes sexuais, o parceiro se tornar vtima de mufu kutambula. Se algum passa perto
do local onde se desenrolou a purificao do cnjuge, bem possvel que o esprito do
morto se agarre ao passante desprevenido; neste caso, ele ser vtima de mufu wa
kulyata1.
1
Ver Barbosa, 1973 (mufu).
2
Ver ficha AE. 623 (Museu de Etnologia, Lisboa).
3
Barbosa, 1973 (ngoji).
4
Baumann, 1935, p. 160.
5
Santos, 1960, p. 159.
6
Bastin, 1961, p. 254.
7
Turner, 1961, p. 55. N. do T.: couro torcido.
8
N. do T.: roupa de carregar.
9
Turner, 1961, p. 56. N. do t.: ...ngoji significa nas tribos... ou nas matrilinhagens... significa que
uma pessoa (representada) no ngombu pertence a tal grupo.
184
Muito prximo de ngoji, com o qual se confunde s vezes, est o misephe (fotos
368-370) cordinha tranada usada em cruz, ao par, em torno do peito, pelas mulheres
estreis1 qual so presas duas pequenas cabaas contendo remdios de fecundidade.
Cada uma dessa cabaas (muzala) contm uma mistura de ps provenientes de diferentes
plantas de fecundidade e reservada s mulheres estreis ao se submeterem aos
tratamentos yisolo2, bem como a todas as que so possudas pelas mahamba tumbunda,
tuhemba e tukuka3.
Kota , na linguagem dos adivinhos, um cesto miniatura (fig. 46) que representa
todos os que vm da mesma me ou se encontram no mesmo cesto por causa da
mesma me.
Kota uma palavra inicitica que exprime um cesto qualquer no campo da
circunciso. A miniatura representada como kaphele a rplica do cesto mushiko que as
mulheres utilizam para o transporte dos produtos agrculas especialmente; esse cesto, hoje
raro, carregado s costas e sustentado por uma banda de couro que se passa sobre a testa
ou o peito (ver foto 373).
Essa rplica que os adivinhos designam como kota ya cisemewa (cesto de famlia)
exprime sobretudo o papel da mulher no desenvolvimento da linhagem; mas o papel
fundamental da mulher ambguo, porque se a existncia de uma mulher lavradora (que
se tornou um ancestral) explica a prosperidade de um grupo, igualmente a feitiaria ou o
mal-estar do grupo deve se explicar por algum vindo da mesma mulher; isto , que se
acha no mesmo cesto.
Kote cesto. Significa: no mesmo cesto, isto , o responsvel pela desgraa
deve ser procurado na mesma aldeia4; ou ainda: o criminoso se encontra entre os
parentes5.
A significao genealgica deste smbolo evidente pela designao kota ya
cisemewa (origem da linhagem atribuda a esta miniatura). M. L. Bastin evidenciou bem
esse aspecto na informao recolhida:
... rplica minscula de um cesto, emblema da famlia chefiante ou genealgica;
significa que a pessoa que quer mal no est longe, ela faz parte dessa famlia6.
Mas se a mulher lavradora pode trazer prestgio para seu grupo, ela pode tambm
suscitar a inveja e a rivalidade que desencadeiam normalmente os mecanismos de
feitiaria; este aspecto negativo na significao do cesto miniatura nos parece evidente
sobretudo entre os Ovimbundu:
1
Bastin, 1961, p. 252.
2
Ver item 2.1.21.
3
Ver itens 2.1.13, 2.1.18 e 2.1.14.
4
Baumann, 1935, p. 196.
5
Idem. De acordo com Baumann kote seria a pea contrria a mikana.
6
Bastin, 1961, p. 47, nota 3.
185
A woman who makes good baskets is hated by others, and its apt to be bewitched
by envious neighbours who cannot make baskets as she. The figure may, on the other
hand, indicate that the food or medicine wich caused the illnes was put in the patients
basket of mealies or mush. Again, it may (by association) mean a woman, or that the
person has been bewitched by na older sister1.
1
Tucker, 1940, p. 196. N. do T.: Uma mulher que faz bons cestos odiada por outras, e est apta a ser
enfeitiada por vizinhas invejosas que no conseguem fazer cestos como ela. A estatueta pode, por outro
lado, indicar que a comida ou o medicamento que causou a doena foi colocado no cesto da paciente
. Novamente, pode (por associao) significar uma mulher, ou que a pessoa foi enfeitiada por uma irm
mais velha.
2
Turner, 1972, p. 53.
3
Turner, 1961, p. 58. N. do T.: Quando uma mulher muda seu local de residncia... pela morte de seu
marido, quando sua aldeia constri uma habitao nova, ela leva suas posses (yipwepu) consigo.
4
Santos, 1960, p. 160.
186
1
Turner, 1972, p. 53.
2
Turner, 1972, p. 62.
3
Ver item 2.4.6.
4
Hauenstein, 1976, 245.
187
quando ele prev que acolher os imigrantes pode lhe criar atrito com o chefe da aldeia que
estes deixaram.
Para E. Santos, manzuo uchi uma pea de couro que significa que quem
abandonou a aldeia a mesma pessoa que faz wanga (feitiaria) contra o cliente. Para se
livrar da influncia nefasta, ele (o cliente) deve seguir o caminho da pessoa que deixou a
aldeia at a primeira encruzilhada (makenu), onde proceder a um ritual de purificao
com as plantas mujimbajimba e mufulafula1, friccionando o corpo e fazendo fumigaes2.
1
Bastin, 1961, p. 248.
2
Baumann, 1935, p. 169.
3
Delachaux, 1946.
4
Hauenstein, 1961, p. 143, sob a designao mandamba.
189
1
Ver item 1.3.3.1 - B).
2
Cifwa, mulher idosa (nacifwa), que prepara a cozinha para os iniciados; tambm o local da cozinha.
3
Bastin, 1961, p. 50, nota 1.
4
Turner, 1961, p. 38. N. do T.: O cadeado... um sinal (chinjikijilu) para o adivinho no esquecer
nada, nem ignorar nada. Porque um feiticeiro (muloji) pode usar um medicamento (yitumbu) para enganar o
adivinho ou ocultar-lhe coisas. O cadeado medicamento para prevenir isso, porque o arbusto de que
feito torcido como a ateno do feiticeiro para enganar. Ele feito do arbusto kaswamanga wadyi. Este
nome vem de ku-swama, esconder. Os pssaros tambm gostam de se esconder nesse arbusto. Bruxos e
feiticeiros tambm tiram da vista.
190
1
Bastin, 1961, p. 60.
2
Chanzangombi seria uma miniatura representando no cesto divinatrio um esprito a servio do feiticeiro,
o esprito ilomba, uma enorme serpente dgua, cuja face semelhante a de seu mestre (ver Turner, 1972,
p. 26, p. 48).
191
Uma faca estragada, com freqncia uma faca ou um pedao de ferro dobrado, a
representao deste kaphele. um smbolo muito negativo, sobre o qual as explicaes
dos adivinhos concordam inteiramente:
Lukhoka significa exatamente aquele que ningum pode suportar. algum que
incomoda todo mundo, no faz nunca o que promete, em toda parte onde passa ele faz um
cilumbu (encrenca) (Sakungu).
Dir-se- dessa pessoa que ela tem lukhoka. A situao seria ainda mais grave se
tal comportamento se encontrasse no chefe da aldeia2; neste caso, a aldeia correria risco
de desaparecer.
Descrito como pea irregular de ferro, wutale um smbolo do cesto divinatrio
conhecido entre os Ndembu, mas dificilmente identificado como lukhoka. Turner atriui a
este kaphele uma significao baseada sobre uma falsa etimologia:
What a person has seen (ku-tala) with his own eyes3.
Poder-se-ia admitir que o mesmo kaphele teria adquirido uma grande diversidade
semntica por causa desse alargamento etmolgico que parece ser muito freqente como
fonte de explicao para os Ndembu.
1
A pequena cobra de madeira significa cordas e amarras... Quando a cobra de madeira vem borda do
cesto, o significado que um esprito laou a pessoa doente que est consultando o adivinho (Hambly,
1934, p. 375).
2
Lukhoka: o soba (chefe da aldeia) no razovel com seus subordinados (Santos, 1960, p. 164).
3
Turner, 1961, p. 57. N. do T.: O que uma pessoa viu (ku-tala) com os prprios olhos.
4
Baumann, 1935, p. 170.
192
Voc est mal do ventre, mas no por causa da criana. Voc est mal porque
voc tem duas; voc tem anapasa (gmeos).
por isso que o marido comear a friccionar o ventre de sua mulher com os
remdios preparados pelo mbuki. Quando os gmeos nascem, seu pai busca ubwanga ou
compra misanga para colocar em seus braos; todo mundo vir festejar o acontecimento.
2.0 - Introduo
1
Lvi-Strauss, 1962, p. 15.
2
Dan Sperber, 1975, p. 6.
3
O artigo de Dan Sperber (1975) intitulado: Por qu os animais perfeitos, os hbridos e os monstros so
bons para pensar simbolicamente?
194
1
Turner, 1961, pp. 56-57. N. do T.: Adivinho angolano: ele representa a maledicncia (ku-shingana);
pela maledicncia um feiticeiro pode despertar um musalu, o corpo de uma pessoa morta com unhas e
cabelos compridos, e manda-lhe matar algum contra quem tem rancor.
2
Idem. N. do T.: uma palavra tanto para uma pessoa morta ou viva. Ou uma praga (ku-shingana)
que causou algum acontecimento ruim. O adivinho procura saber por que algum falou tal palavra. A
argila branca (mpeza) representa algum que que falou com propriedade ou justia. Se a pessoa falou bem,
o kaponya chamado izu ficar na vertical com a argila branca mais acima. Mas se ele deita de um lado, a
pessoa falou com maldade ou praguejou.
3
Ver itens 2.1.1 e 2.1.8.
4
Ver item 2.4.2.
197
somo se tornar ainda mais eficaz se se juntar outros elementos: nange (o passarinho
guarda-boi, Bubulcus ibis), kuso (papagaio) e sehelela (a ave que ri: Prinops
policephala). O contedo inteiro deste chifre designado por expresses vagas demais,
que no revelam nada do contedo real. A designao assinalada por Hauenstein
prola vermelha um exemplo:
Mbinga pequeno chifre de ombambi cuja abertura tapada por um grande
pedao de cera e na qual introduzida uma pequena prola vermelha 1.
Considera-se que as explicaes fornecidas por Delachaus esto longe da
significao real deste objeto: o chifre de uma cabra com sua tampa, o veneno ao qual
foi-se exposto por imprudncia. A cabra, por seus pulos e corridas malucas, sinnimo
de imprudncia2; assim como a de Hambly: The horn with shells on it indicates that the
women who is consulting the diviner will not bear children3.
Na realidade, nenhum dos adivinhos cokwe consideram o mbinga ya somo como
kaphele de adivinhao; no preciso portanto procurar explicaes neste caso.
ameaa para que se afastem bastante, para que tenha tempo de entrar nas casas e pegar os
diversos alimentos que ele deve fornecer aos iniciados.
O ngondo tem como semelhana com outro cercopiteco, o pombo, mais
freqentemente denominado hundu Papio (Cropithecus) cynocephalus kind
Lnnberg, 1919 uma sagacidade excepcional. Os Cokwe gostam de contar que
quando de suas incurses nos campos cultivados (pombo tambm um ladro eminente),
o hundu sabe at mesmo utilizar a casca das rvores para ligar os produtos e levar s
costas cargas enormes. Ou ainda, em circunstncias em que ele particularmente hostil
ao homem, ele ousaria at mesmo amarrar as pessoas utilizando a casca das rvores como
cordas1.
O balanado desses macacos inspirou certas danas muito apreciadas, relativas
iniciao dos jovens e executadas pelos danarinos mascarados mwana-pw e cihongo2.
Alis, o canto dos jovens no campo da iniciao evoca tambm o tema dos babunos
trepando as rvores, prtica que proibida aos jovens candidatos:
Essa aluso aos babunos que sobem e descem remete evidentemente proibio
imposta aos tundanji (jovens participantes da iniciao), em vista de impedir que eles se
tornem babunos. A literatura oral explica com efeito que os tundanji so transformados
em babunos por negligncia dos responsveis (isolokolo)3:
Os guardas do campo (isolokolo) se afastaram e os tundanji foram deixados
completamente ss por um certo tempo. Quando os guardas voltaram, no havia mais
ningum dentro do campo, mas na floresta prxima encontravam-se babunos que
cantavam:
Segundo uma outra verso recolhida pelo mesmo autor, a causa da metamorfose
seria devida precisamente ao fato de que os jovens haviam violado a proibio de subir
nas rvores:
Um grupo de tundanji que procurava frutos silvestres haviam encontrado makolo
saborosos, mas para colh-los era preciso subir na rvore primeiro. Esquecendo a
1
Barros Machado, 1969, p. 164.
2
Idem.
3
Cada um dos meninos que entra no campo de iniciao ter seu responsvel (padrinho: isolokolo) que
deve lhe assistir em todas as suas necessidades: sade, ensino, alimentao, etc.
4
Verso: Luna de Carvalho. Ikelekele, palmeiras, seria uma referncia ao instrumento de castigo utilizado
pelos ikolokolo.
199
1
Ver Barros Machado, 1969, p. 164.
2
Heusch, 1972, p. 131; tambm p. 146 e 150.
3
Bastin, 1961, p. 195, nota 3.
4
Hauenstein, 1961, p. 146.
200
(The monkey holds tightly to the branch to keep it from falling, so the one
who has some to divine must persevere in his work of aiding his ancestral spirit, or he
will die)1.
1
Tucker, 1940, p. 194. N. do T.: Osima: pata de macaco. (...) O macaco segura firme no galho para
no cair; da mesma forma quem veio adivinhar deve perseverar em seu trabalho de ajudar seu esprito
ancestral, ou ir morrer.
2
Pirelli, 1964, p. 34.
201
1
Ver item 2.3.21.
2
Heusch, 1972, p. 121.
3
Frade, 1961, pp. 222-223.
202
seu clientes1, a maioria de nossos informadores insistem sobre a relao entre este animal
e os eventos de outrora, em particular o passado do cliente anterior mukanda.
Riasendala explica que o njimbo o representante do passado por esta anedota:
Um homem descobriu um buraco de njimbo. Ele cavou imediatamente e em
seguida ps bastonetes em todo o derredor de modo a cercar o njimbo, que s tinha uma
sada possvel. O homem ficou muito tempo espreita. Finalmente, o njimbo saiu e o
homem feriu-o com um tiro de fuzil. Olhando o caador, o njimbo falou assim:
Oh! meu irmo, como possvel que queira me matar, voc que pertence ao meu
parentesco? Ento o njimbo interpelou o caador pelo nome que ele tinha antes da
circunciso. Todos os assistentes (colaboradores do caador) protestaram contra o njimbo,
que quer que o considerem como uma pessoa, e reclamaram sua morte. Desde ento, todo
mundo sabe que njimbo conhece o nome das pessoas anterior circunciso.2
Mas esse conhecimento do passado no completamente aceito pelos Cokwe,
para quem o nome de antes da circunciso proibido; por isso, teme-se o njimbo, que se
lembra do passado. Esse privilgio de mestre do passado reconhecido tanto ao njimbo
quanto aos ancies no sempre apreciado pelos Cokwe, que censuram s vezes quem
gosta de falar do que se passou antigamente e no so competentes, e lhes dizem:
Voc fala como njimbo, voc escava o que aconteceu h muito tempo.
Alm disso, o passado, por estar deslocado, vem de debaixo da terra e tem,
portanto, uma conotao com os mortos. Sakungu explica este aspecto que justifica com
freqncia que se consulte o adivinho:
Um caador, ao ver um buraco, acreditou ter encontrado um rato; ele cavou para
apanhar o rato, mas descobriu na verdade uma sepultura! Ele teve medo do que havia
feito e retornou rpido para a aldeia. No dia seguinte, ele ficou muito doente e chamou o
adivinho. Este props um tratamento especial contra o mal de njimbo. O medicamento
compreendia, entre outras coisas, razes cortadas pelo njimbo quando ele cavou o buraco.
O doente esfregou todo o corpo com o remdio, e alm disso ofereceu ao esprito do
morto (do qual ele violou a sepultura) um pintinho, dissimulado nas plantas, que ele ps
no buraco de njimbo. Assim, o esprito do morto (mufu wa kulyata) deixar o caador em
paz, porque entrar no corpo do pintinho.
1
Delachaux, 1946, p. 50.
2
Os Luba consideram que abater um tamandu... um ato de gravidade igual de matar um homem. Ele
com efeito uma reencarnao... (Bouillon, 1954, p. 565).
203
espinho do cisekele o sinal de que algum jogou uma praga; do mesmo modo, acredita-
se que o cisekele mande seus espinhos contra os inimigos que o perseguem:
Se uma pessoa persegue um porco-espinho para mat-lo, ter que abord-lo por
trs; se ela passa para o lado (ele) atirar um espinho nela. Isto esclarece sem dvida o
sentido simblico do fragmento de espinho contido no cesto divinatrio ngombo ya
cisuka. A apario do pequeno objeto musako wa cisekele significa que a dor de peito
causada pelo musako que o teria atingido; para sarar preciso fazer escarificaes no
local onde a dor se faz sentir e friccionar com graxa, alm de beber o medicamento
prescrito1.
Esse mal-estar profundo pode se manifestar tambm por um comicho; neste caso,
ser preciso misturar o p de um espinho com outros medicamentos que so indicados
contra a feitiaria; com efeito, um comicho anormal e prolongado deve se explicar
necessariamente por uma praga lanada pelo feiticeiro ou por algum com quem se est
em disputa.
Uma variante seria a que apresenta Delachaux, segundo a qual a feitiaria teria
como mediador o leo que deveria atacar uma vtima:
Tyumbakano pedao de espinho do porco-espinho. Do verbo kumbakano ku
ndumba: enfeitiamento! Jogaram-lhe uma praga para que ele seja comido pelo leo na
floresta2.
Se um ancestral, sobretudo um ancestral feminino, est esquecido h muito
tempo, ele poder manifestar seu descontentamento sob a forma de uma picada interior;
neste caso, o fato de usar um ornamento pertencente a esse ancestral e lhe oferecer um
sacrifcio em reparao a via normal para apaziguar o esprito:
Pode tratar-se de um caso de possesso de uma mulher cujo ancestral deseja
receber um ochisako, seja um grampo de cabelo que a doente dever colocar toda vez que
entrar em transe ou fizer as danas cerimoniais que seu esprito exige3.
O poder que se atribui ao cisekele de atirar seus espinhos contra um eventual
agressor confirmado por um conjunto de anedotas contadas pelos ancies e dentre as
quais escolhemos a seguinte, que explicaria a razo pela qual o co recusa a carne do
porco-espinho:
O co e o cisekele apostaram qual dos dois apanharia o outro. O co afirmava
que no primeiro dia de caa ele pegaria o cisekele; em compensao, este aqui estava
muito seguro de que isto no aconteceria nunca. O co exps seus argumentos: eu sou
forte, sou at mesmo capaz de abater um thengo4; ento, como que no poderia pegar-
te? Mas o cisekele insistia que jamais seria pego pelo co.
O primeiro dia de caa chegou e o co, ao percorrer a cana (savana), farejou de
pronto o cisekele; rpido, ele perseguiu suas pistas e despistou o cisekele, que se escondia
nos galhos de um arbusto. Percebendo o co que lhe ameaava, o cisekele iniciou a fuga.
Como o co o perseguia de muito perto, o cisekele atirou contra ele alguns de seus
espinhos; por isso que o co abandonou o desafio. Um outro co tomou seu lugar. O
cisekele se refugiou entretanto num buraco e mais uma vez atirou seus espinhos contra o
1
Bastin, 1961, p. 207.
2
Delachaux, 1946, p. 53.
3
Hauenstein, 1961, p. 150.
4
Tengo, a palanca (Hippotragus equinus).
204
co, que tentava persegui-lo em seu refgio. Os espinhos feriram o co nos olhos. Um
pouco mais tarde os caadores chegaram e fizeram uma armadilha com um grosso tronco
de madeira (mukunyi) 1. noite, o cisekele saiu para procurar comida, mas a armadilha
funcionou e o cisekele foi esmagado. No dia seguinte, quando os caadores destrincharam
a carne do cisekele, o co tambm recebeu um pedao, mas recusou dizendo: Eu no
quero desta carne, porque ele (o cisekele) feriu-me nos olhos. por isso que at hoje o
co nunca mais tocou na carne do cisekele (Rikenga).
1
Ver foto 404.
2
Bastin, 1961, p. 34, nota 5.
3
Santos, 1960, p. 160.
205
caador, espcie de refgio ou de estadia para o esprito desse mesmo caador, ao qual
um culto deve ser rendido:
Algum sofre em seu corpo. O adivinho lhe dir: voc tem a hamba yanga;
preciso chamar o mbuki (curandeiro) para faz-la subir. O especialista pratica uma inciso
no corpo do doente e lhe aplica uma ventosa. Um pouco mais tarde, o dente que se v
deslocar no corpo foi recuperado pela ventosa. Era o dente de um caador; ele (o doente)
o pegou perto de uma rvore ou talvez tenha sido enviado por um feiticeiro.
Os Cokwe dizem que o esprito de um caador fica preso a seus dentes aps a
morte; de acordo com os mesmo informadores, poderia ser no importa qual dente, mas
segundo uma tradio antiga, tratar-se-ia apenas dos incisivos superiores mdios. Os
dentes seriam extrados da boca do caador antes de seu enterro e honrados por um culto
especial, porque seno eles (os dentes) atacariam o corpo. O feiticeiro, que poderia
apoderar-se deles, teria a uma arma terrvel, que ele poderia utilizar contra no importa
quem e em particular contra o caador:
Um caador que conseguiu matar muitos animais no dividiu a caa com um
homem da aldeia; ento esse homem decide matar o caador. Ele vai ao cemitrio furtar
um dente de um caador defunto; com esse dente, ele faz uma arma miniatura uta wa
mbomba que ele dirige contra seu inimigo. A pessoa atacada passar mal e ir
procurar o adivinho, depois o mbuki (curandeiro). Este ltimo, se conseguir fazer o dente
subir, o depositar perto de uma rvore. Acontece que algum passando ali, o cata, ou o
dente penetra completamente em seu corpo, ou fica colado em seu p. Ou ainda, se, a sua
volta, o viajante tem relaes sexuais, corre o risco de ser imediatamente pego pelo dente,
porque no se pode fazer amor quando se toca yanga (Sakungu).
Vemos que o dente do cesto, substituindo o do caador, simboliza primeiro a
prpria fora do caador; ele pode ser benfico para o grupo (bem sucedido na caa) ou se
voltar contra aqueles a quem deveria beneficiar (doena, feitiaria); isto nos mostra que,
na sociedade cokwe, preciso integrar todos os valores reconhecidos, e em particular
aqueles que esto mais diretamente em relao com a subsistncia do grupo. O dente
honrado ajuda o caador; sua presena no santurio da aldeia desejvel, porque ele
representa o poder de matar os animais; se se esquece dele, ele muda ento, podendo ser
mortfero e atacar homens, e no mais os animais. A relao dessas foras pode se
estabelecer assim:
A guia real (Stephanoaetus coronatus L.), que se acredita ser a maior das guias
africanas, procurada sobretudo por suas plumas, utilizadas por vrias etnias como
ornamentos reais. No cesto divinatrio, no so as pumas, mas as garras que representam
a guia real; elas se apresentam isoladas, em princpio (fig. 60), mas s vezes tambm
presas aos pares.
A escolha da garra da guia com kaphele figurando no cesto divinatrio remete ao
comportamento da guia enquanto rapace. Ela conhecida pela audcia de seus ataques,
tanto na floresta, onde chega a capturar at mesmo macacos, quanto nas savanas, onde
suas presas so sobretudo os pequenos antlopes de qualquer espcie, compreendendo
tambm certos animais domsticos. Os Cokwe afirmam que mesmo uma criana poderia
ser uma presa fcil para a thela; todavia, no se conhece ningum que tenha sido
testemunha de tal acidente.
Nada de surpreendente, portanto, que a garra da guia seja portadora de uma
valncia negativa, em conotao imediata com as prticas de feitiaria: ... uma garra de
guia ou cala ca thela... indica que o mal foi causado pelo feiticeiro1.
Essa relao com a feitiaria domina alis todas as explicaes que obtivemos
para a garra como kaphele. Contudo, preciso notar tambm a existncia da hamba
ngonga, o esprito da guia, que os Cokwe do centro de Angola consideram como ... a
sombra de uma guia, podendo causar a morte de uma criana2. Tal hamba concerne
particularmente s doenas das crianas, sobretudo entre os Ngangela. Delachaux
descreve o contexto ritual para o tratamento dessas doenas:
A unha de uma guia significa uma lihamba, doena da criana pequena, que se
tratar por danas e ps esculpidos de diferentes formas representando todas as doenas
das crianas. Esses ps so plantados s 9 horas da manh e coloridos com vermelho e
preto bem fortes. Eles representam os espritos dos ribeires que provocam as doenas e
que no devero mais transpor os limites da casa onde se encontra a criana doente3.
Curiosamente, Baumann observa tambm essa ligao entre a garra de guia e as
doenas das crianas, e sua tese se apia tambm na idia de que a guia seria capaz de
levar uma criana Tsala tsa ngonga: Adlerkralle. Bedeutung: ein Kind ist krank (Adler
bringen Kindler!)4.
A existncia da hamba ngonga, considerada como recente entre os Cokwe, mas
bastante conhecida hoje em dia, mostra bem que, alm do comportamento
especificamente predador da guia, outros fatores atuaram para que este elemento (garra)
entrasse no cesto do adivinho.
Na verdade, a guia faz parte dos smbolos do pode real, o que explica que suas
plumas sejam to freqentes entre vrias etnias da frica Central; entre os Kuba
principalmente, ela considerada uma das testemunhas da criao do mundo5.
1
Bastin, 1961, p. 192.
2
Delachaux, 1961, p. 152.
3
Delachaux, 1961, p. 50.
4
Baumann, 1935, p. 72.
5
Heusc, 1972, p. 128; p. 138.
207
Compreende-se, pois, que a hamba guia seja considerada como um esprito poderoso
capaz de neutralizar foras importantes. De acordo com Hauenstein, uma hamba que
nunca se manifesta completamente sozinha; est sempre acompanhada de outras menos
importantes, e o ritual que preciso cumprir para honr-la consiste essencialmente em
pr em relevo a preeminncia do esprito da guia sobre todos os outros:
Um ancestral transmite a hamba da guia, Ele nunca se apresenta completamente
s, est sempre acompanhado de outros espritos mais fracos que ele. Para agrad-lo,
preciso humilhar simbolicamente esses outros espritos atirando pedacinhos de madeira
(dolos reduzidos a sua expresso mais simples) ao lado da do ancestral possessor do
esprito da guia, afim de que este ltimo seja reconhecido como o mais importante e o
mais poderoso. O doente dever mandar esculpir uma representao da guia, que ele
colocar como dolo prxima de sua casa1.
Na interpretao de Milheiros garra de guia xitatu: um bom pressgio2, h
certamente confuso com a garra de um outro animal, porque tal explicao
formalmente desmentida por todos os adivinhos.
Detalhe bastante curiosos tambm: no cesto divinatrio dos Ovimbundu,
encontra-se tambm a guia representada neste caso no por uma garra, mas por seu bico.
A valncia negativa est igualmente em relao com a feitiaria, mas neste caso, o ato do
feiticeiro se situa num contexto particular de intrigas. um aspecto atestado por vrios
adivinhos cokwe. Entretanto, no nordeste de Angola, a representao da guia no cesto
divinatrio feita sempre sob a forma de uma garra; no observamos nunca o bico da
guia como smbolo tal como ele existe no cesto divinatrio dos Ovimbundu e que
descreve Tucker:
O luna o echi ka muile: the beaks of na eagle and a cock. These represent a
tettler, a trouble-maker who overhears some chance remark and then tries to persuade a
third person that he has been bewitched. In such cases the ochimbanda consoles his
fearful patient by saying that the he must not attach any importance to what he has
heard3.
2.3.8 - Kambango
(foto 411-d)
1
Hauenstein, 1961, p. 152.
2
Milheiros, 1960, p. 197.
3
Tucker, 1940, p. 187.
208
Nduwa (Musophaga rossae Gould) uma ave muito requisitada no pas cokwe por
suas plumas vermelhas muito estimadas e que se vende por um bom preo. Com efeito,
utiliza-se as plumas de nduwa nas prticas ocultas. O zoologista Rosa Pinto, que fez um
trabalho de campo para recolher exemplares das aves da regio, conta como ele se deu
conta do valor dessas plumas para os autctones:
O indivduo (ave), quando foi tocado, caiu no fundo do leito de um ribeiro seco;
nosso guia o perseguiu em seguida na galeria florestal e quando voltou com o exemplar
capturado, lamentou que algumas de suas plumas vermelhas se soltaram na violncia da
1
Mutungumuko, s. (2) - prontido; adv. - repentino (Barbosa, 1973).
209
perseguio. Mais tarde, quando fomos informados da virtude das plumas, nos demos
conta da causa real de sua desapario1.
As plumas de nduwa so utilizadas tambm por ocasio da circunciso dos jovens
e no ritual do mugonge; no cesto do adivinho entretanto, no se encontra a pluma mas sim
o bico de nduwa; em certos casos particulares (adivinhao para detectar o responsvel
por um bito), o adivinho adiciona com freqncia a seus apetrechos uma pluma de
nduwa que ele pe no cabelo antes de comear a sesso divinatria. Esse gesto muito
importante porque est ligado a um contexto particular de feitiaria:
Quando um homem decide suprimir seu inimigo por intermdio de um terceiro,
ele deve enviar a este ltimo uma pluma de nduwa. A pluma significa a ordem de matar.
Quando o executor se apresentar para receber o preo de seu ato, ele exibir a pluma de
nduwa. Os Cokwe afirmam que nduwa sobretudo um smbolo do sangue derramado. No
primeiro dis da mukanda (o dia da circunciso), todos os que foram convidados pelo
responsvel do campo como mestre circuncisor (nganga-mukanda) exibem uma pluma de
nduwa em seus cabelos. Uma pequena cano repetida com freqncia pelos tundanji
(candidatos) cobre de ridculo o circuncisor que, emocionado diante das lgrimas e dos
gritos dos tundanji, escondeu sua pluma e voltou para sua aldeia: nudwa kulongwe... Ah!
Ah! (Ele escondeu a pluma de nduwa... Ah! Ah!).
M. L. Bastin j havia identificado no ngombo ya cisuka um bico de musfago,
que, sob o nome de nduwa, simboliza que um homem mordaz, usando uma pluma de
mosfago em seu cabelo, havia desejado a perda do doente; para achar um meio de cura,
precisar apelar para o chefe2.
Um aspecto particular do comportamento de nduwa explicaria, de acordo com o
adivinho Mwafima, a ligao entre a pluma de nduwa e o feiticeiro. Os Cokwe dizem que
essas aves so completamente incapazes de viver juntas. As nduwa se cruzam
freqentemente em seus percursos, mas seguem cada uma o seu caminho e nunca so
vistas mais de duas indo numa mesma direo. Essa impossibilidade de estar junto
reaproxima a nduwa do feiticeiro, porque este ltimo, mesmo se conhece outros
feiticeiros, ficar sempre isolado.
Os Cokwe observaram (e os bilogos o atestam tambm) que contrariamente s
outras aves, as nduwa no fogem quando so perseguidas; pelo contrrio, ficam imveis,
sem tentar escapar. Mwafima explica que quem estiver usando a pluma de nduwa poder
apanhar o inimigo ou o feiticeiro ou o kandanji, sem que estes ousem esboar um mnimo
gesto de fuga.
Uma anedota contada por Sakungu estabelece a relao entre a pluma de nduwa e
o mestre do mugonge, samazemba:
Um caador viu uma nduwa que deixou seu buraco numa rvore; rpido, ele
chamou os meninos que o acompanhavam; com o machado, eles ampliaram a entrada do
esconderijo da nduwa; ele se tornou o primeiro samazemba. por isso que o chefe de
mugonge (samazemba) exibe sempre sua pluma de nduwa para intimidar os miali
(candidatos)3.
1
Rosa Pinto, 1965, p. 181.
2
Bastin, 1961, p. 192.
3
Observemos que o fundamento do ritual do mugonge a submisso aos idosos na pessoa do samazemba:
juramento prestado pelos candidatos aps receberen comida numa folha atravs do buraco feito no maila
210
(muro) atrs do qual fica o mestre samazemba. O candidato pe a folha no buraco e samazemba segura-lhe
a mo cerrada num pedao de couro. Faz-se mal ao mwali at que sua confisso esteja completa.
1
Ver L. de Heusc, 1972, p. 238.
211
(nange e katele) partiram sozinhas pro trabalho deixando seus filhos com cikungulu. Mas
este aqui, pegando seu filho e os filhos dos outros instalou-se no cume de uma grande
rvore. Katele e nange ao voltar no encontraram ningum: nem cikungulu nem seus
filhos. Mas depressa eles escutaram o filho de cikungulu que cantava: hum, hum... hum,
hum. E depois era o filho de nange que chorava: mama nange... watomana mangeto
(me nange... aquele que cuida de mim branco?) e o filho de katele : mama katele...
telemoka kaji kamasango (me katele, eu vou virar ave de qualidade inferior?). Ento
todos os animais se reuniram para decidir sobre a libertao das crianas retidas cativas
por cikungulu. S o mbaci se mostrou capaz de conduzir bem tal plano. Os filhos de
nange e katele foram libertados, mbaci recebeu em recompensa presentes importantes. Os
outros tiveram muita inveja, e por consequncia bateram-lhe e tentaram esmagar sua
carapaa. O mbaci ficou muito zangado; ele se separou dos outros e comeou a fazer uma
vestimenta. Quando ele se ocupava batendo um cip para obter o mwanji (estofo), os
aoutros animais vieram pedir-lhe gua. Ele recusou; ele tinha fechado os rios. Os
animais tentaram encontrar gua por toda parte, mas inutilmente, tudo estava seco. De
novo eles voltaram ao mbaci, eles o cobriram de pagamentos (multas) e ento o mbaci
abriu a gua; mas decidiu: a gua ser primeiro para os peixes grandes, depois para os
pequenos e por ltimo para todos os outros animais. Depois disso, o mbaci tem todo o
poder sobre a chuva e os rios.
Toda a mitologia bantu concede ao mbaci um lugar importante. Em suas tradies
orais relativas s origens, os Cokwe consideram a tartaruga como o animal da chuva que
desposa a mulher do cu. Os Kuba e os Tetela sublinham a amizade entre a tartaruga
(animal da chuva) e o animal da tormenta (nyadi) 1. Os Kuba associam a tartaruga ao co
e mosca, os trs animais que desobedeceram a proibio de Woot a mosca por ter
bebido vinho de palma, o co por ter comido carne, e a tartaruga por ter fumado
cachimbo e perderam a palavra no momento em que o comportamento incestuoso de
Woot fazia desaparecer o sol2.
Animal quitoniano, que age sobre o sol e a chuva, o mbaci exerce um papel
particular de proteo, afastando as interferncia estranhas do ato divinatrio e do jogo
livre dos tuphele.
1
Sicard, 1971, p. 48, nota 2.
2
Heusch, 1972, p. 115.
3
Para Mac Jannet (1949) o contrrio:
-musenvu: lagarto de lngua bfida
-chitatu: rei dos lagartos dgua.
213
importncia, no somente por causa de sua aplicao como remdio, mas tambm como
elemento que pode condicionar a ao dos tuphele.
O primeiro elemento importanto de que preciso levar em contar no contexto
mgico-religioso concernente a esse lagarto, que musenvu um ser cujo comportamento
incestuoso foi descoberto. O fato de que seu incesto, que ele pensava ser bem secreto, ter
sido descoberto, o guiou a uma atitude de vingana muito especial: para ele nsda
segredo; ttulo de protesto, o musenvu expor luz abundante tudo o que as pessoas
querem fazer segredo. O velho caador Rikenga explica assim a exegese do
comportamento do musenvu:
O musenvu habitava a gua com sua mulher; tambm conseguia sua comida ali:
peixes, rs e outros pequenos animais; de tempos em tempos ele vinha se aquecer ao sol,
sobre as rvores. Um dia, quando sua filha j estava desenvolvida, ela a desposou. Os
outros comentavam. Ele mesmo dizia: o que eu fiz da minha conta, uma deciso do meu
corao; como ento os outros sabem tudo o que se passou? Foi por isso que ele deu uma
violenta chibatada na gua e protestou: de hoje em diante nada, absolutamente nada, do
que se faz ficar em segredo, seja fazer amor com a mulher do outro, roubar uma cabra ou
tecidos ou mandioca dos campos ou mesmo desposar sua prpria filha. Tudo o que se
passa na surdina ficar conhecido de todo mundo.
A histria desse denunciador dos amores secretos apresenta uma variante de um
outro tipo, mas onde a posio ambgua do musenvu est ainda mais fortemente posta em
evidncia: uma me tinha quatro filhos, dos quais o segundo, uma menina, era cimbinda
(an). A me mandou sua filha buscar gua; mas esta aqui estava muito irritada porque
sua me havia lhe chamado cimbinda e tinha lhe reprovado de ser intil. Com efeito, ela
ainda no tinha feito o ukule (iniciao), ao contrrio de suas irms que eram mais jovens.
Quando ela enchia sua cabaa, o musenvu saiu da gua e cumprimentou-a, propondo-lhe
despos-la. A menina recusou dizendo que no era possvel, porque ele era um animal.
Mas o musenvu convenceu-na que ele era uma pessoa. Eles fizeram amor. Toda vez que a
menina ia buscar gua, encontrava o musenvu. Alguns dias mais tarde, a menstruao
veio e a menina foi apresentada para o ukule Sua av perguntou-lhe quem era seu marido,
mas a menina sempre o escondeu. Um dia a menina ficou grvida, mas nunca disse o
nome de seu marido. Finalmente, por ocasio do parto, sua av conseguiu saber que o
marido era o musenvu. O musenvu: protestou: kashinganyene (ela me denunciou!). por
isso que desde ento, os encontro das mulheres com seus amantes prximo ao rio ficam
depressa conhecidos de todo mundo.
A aplicao da pele de musenvu na confeco de remdios muito freqente em
certas formas de tratamento, como nas providncias com a mulher no momento do parto,
com o recm-nascido, e sobretudo para curar a doena conhecida entre os Cokwe sob a
designao de doena do crocodilo: um estado de fraqueza generalizada que se
manifesta principalmente no nvel dos braos. O doente far um bracelete com a pele de
musenvu e seus braos sararo rpido, recuperando sua fora habitual.
A lngua bfida de musenvu um detalhe anatmico que explica tambm certas
crenas em relao duplicidade da palavra das pessoas que tm duas lnguas.
Mwasefu conta a esse propsito a seguinte anedota: os caadores de uma certa aldeia
decidiram o dia e o local para comear a caa. O musenvu, que estava bem perto, escutou
tudo com ateno. Entretanto, no dia fixado, todos os homens com suas armas, os
214
meninos para distrair a caa, bem como os ces, partiram para um local diferente, que
escolheram no ltimo minuto. Foi assim que eles apanharam o musenvu, que acreditando
estar os caadores muito alm dali, estava tranquilamente deitado sob o sol. O musenvu
foi rapidamente distrado pelos ces e atingido por um tiro de fuzil.
Todas as pessoas olhavam o corpo de musenvu e alguns j cobiavam sua pele
para fazer tambores. Algum disparou a rir, dizendo: vejam, o musenvu tem duas lnguas.
Ento o musenvu falou: voc que tem duas lnguas (palavras), porque voc tinha
decidido ir pra l e veio pra c. Ao dizer essas palavras o musenvu escapou. Depois disso,
sabe-se que o musenvu est vivo mesmo quando parece morto. E o adivinho cura os
clientes que esto doentes por causa de pessoas da aldeia que tm duas lnguas dando-
lhes um pedao da pele de musenvu.
Os Cokwe tambm atribuem ao musenvu a formao do arco-ris (kongolo), que
eles explicam como resultado da chibatada da cauda de musenvu na gua. As diferentes
cores do arco-ris, tambm chamado cazangombe, seriam resultado do flego poderoso de
musenvu que sobe os rios. A fora de musenvu verdadeiramente extraordinrio quando
ele produz o arco-ris; por isso, toda bala que tocou o sangue de um musenvu se tornaria
infalvel nesse mesmo instante. O grande caador ser aquele que obtiver uma bala de
cazangombe.
Um caador abateu um khai. Ele se preparava para conduzir a pea abatida para a
aldeia quando o nongwena se apresentou pedindo-lhe o sangue e o fgado do khai abatido.
Ele recusou dizendo: como que vou te dar a carne se voc um animal? O nongwena
insistiu, mas o caador recusou todas as vezes. Ao chegar aldeia, o caador pegou seu
cachimbo, mas no conseguia fumar; sua mulher lhe trouxe a refeio, mas ele no
conseguia comer; o caador procurou seu tio e lhe contou tudo o que havia se passa do
com nongwena. O tio props-lhe partir bem cedo pela manh para o local em que ele
havia encontrado o nongwena e depositar numa folha o sangue e o fgado do khai
abatido. Foi por isso que o nongwena o deixou viver e no fechou mais sua garganta.
Depois disso, no se ousa mais dizer que o nongwena s um animal (Sakungu).
No curso do ritual nkanga (iniciao das meninas entre os Ndembu, ukule, entre
os Cokwe) descrito por Turner, conta-se s novias a histria do camaleo: este foi
encarregado de um terrvel castigo para a novia que ousasse transgredir a prescrio de
imobilidade absoluta durante o ritual1. Os Cokwe ignoram esse detalhe em seu ritual, mas
apresentam outras razes para ligar o nongwena morte e portanto feitiaria; sobretudo
razes alimentares. Na verdade, o comportamento alimentar de nongwena suspeito: ele
come rs e sapos. Mas estes animais, por serem considerados quitonianos, devem ser
evitados. O nongwena se comporta como o feiticeiro, porque ele pega sua comida dos
seres que remontam origem do homem2. Apesar disso, e porque o camaleo tambm
um dos animais em relao com a origem dos homens, ele objeto de uma certa
venerao. Ele tambm venerado como o pai da humanidade em diferentes regies da
Frica: seja por ter esculpido os primeiros homens, seja por ter apanhado o primeiro casal
humano num balaio quando pescava3. Alm do mais, no mundo dos animais, o nongwena
ocupa um lugar importante: freqentemente em luta com seu rival, o lagarto das rvores
(cikwa ca mukala), ele conta com o favor do leo, que durante os debates no tribunal dos
animais o aprecia bastante como jogador de kisanji4.
O estatuto claramente ambguo de nongwena e sua ligao com as origens da
humanidade so os aspectos mais explorados pelo adivinho na utilizao da cabea de
nongwena como smbolo divinatrio.
1
Turner, 1972, p. 242.
2
Ver Sicard, 1971, p. 217, nota 1.
3
Ver Sicard, 1971, p. 158, nota 3.
4
Martins, 1971, p. 160.
216
1
Bastin, 1961, p. 191. Ver tambm p. 260.
2
Sobre a concepo mgica do n e o simbolismo do cip, ver M. Eliade, 1948, pp. 24-36.
3
Heusch, 1972, p. 224.
4
Siccard, 1971, p. 33, nota 5.
5
Ver item 2.2.29.
217
Enquanto elemento cultural a serpente est sempre em relao com a fecundidade, o que
refora ainda sua significao de ser original.
Entre os ovimbundu , antes, uma vrtebra de serpente que o adivinho escolhe e
pela qual ele explica a relao serpente-feiticeiro:
Omoma: a vrtebra de uma vbora. Algum que comeu uma vbora vai trocar de
pele gradualmente mais tarde em sua vida. Da o provrbio: apa wa lila omoma ka yu ku
momelapo (voc no comeou a trocar de pele na hora em que comeu a cobra). Ento,
quando esta pea vem borda do ngombo significa que a doena do paciente causada
por alguma coisa que foi enfeitiada e est tendo dor na regio lombar, ou que ele deve
usar um cordo de contas nos quadris. Por outro lado, a pea pode indicar uma dor no
pescoo; ou ser conectada com casos de picadas de cobra, ou casos em que cobras
atacaram em vez de fugir1.
1
Bastin, 1961, p. 20.
2
Estermann, 1956, p. 98.
3
Ver item 1.3.2.3.
4
Hambly, 1934, p. 276.
219
mexeu. Para estupefao de todos, a pessoa estava viva; ela virou kavumbu poruqe
quando estava morta ela recuperou a vida
O kavumbu o caso mais grave, uma espcie de miraculado, do mal de kafakaku.
Ele exerce um papel importante no ritual de iniciao, porque favorece a cicatrizap
rpidas dos ferimentos. A presena de uma pessoa kavumbu no campo bem como a
introduo de um pedao de cupinzeiro (cifika) na alimentao dos iniciados so duas
coisas que o nganga-mukanda previdente no esquecer nunca. A doena especfica que
se diz mal de kafakaku que se manifesta no personagem kavumbu sem dvida o ponto
de partida da transformao dessa carapaa de inseto num smbolo divinatrio.
Punga designa no cesto o abrigo construdo por um inseto com pequenos pedaos
de madeira (fig. 65). Os Cokwe designam tal objeto por sailunda, e o inseto que o
constri por kacaiylia, mas quando ele se torna kaphele, seu nome punga (reunio).
um smbolo negativo que revela ao cliente que a sua volta criou-se um consenso contra
ele e portanto que ele no mais tolerado pelos outros, seja no nvel da aldeia ou no nvel
do parentesco:
F... pertence a um grupo. Mas as pessoas no agentam mais seu
comportamento.... H algum que diz: eu no quero mais ver F...; um outro diz a mesma
coisa; depois vem um terceiro... Ento eles decidem fazer uma reunio (punga) na qual se
discutir o modo de eliminar essa pessoa indesejada (Sakungu).
Em princpio a deciso do frupo irreversvel. Assim, no que concerne ao
smbolo punga, os adivinhos s falam muito raramente de uma mudana possvel de
quem culpado:
... pea simblica (lagarta em seu abrigo) do ngombo ya cisuka, significando: a
opinio geral lhe causa o distrbio, repare o mal que fez e voc sarar1.
A razo mais freqente de uma hostilidade generalizada contra uma pessoa , de
acordo com Mwafima, o fato de que essa pessoa criou conflitos (cilumbu) por toda parte e
sobretudo por ser algum que tem um comportamento permanente de vendedor
ambulante. Mwafima sublinha sobretudo o aspecto revelado h muito tempo tambm por
Baumann, que viu nesse abrigo de lagarta de borboleta (que el desugna como sailundu)
um smbolo da habilidade pra fabricar a mentira: Sailundu abrigo de insetos. Um
homem tornou-se nocivo por causa de seu plano premeditado2.
A oposio generalizada contra um membro do grupo significa tambm a
justificao implcita de um ato de feitiaria contra esse membro, a feitiaria encontrando
neste caso sua justificao enquanto ato defensivo. No se falar abertamente de
feitiaria, mas na prtica todo mundo concorda que tal pessoa seja eliminada por
feitiaria; o nico caso, de nosso conhecimento, em que os Cokwe ousam falar de
feitiaria coletiva, mesmo se para a maioria, neste caso, a palavra feitiaria rejeitada.
1
Bastin, 1961, p. 241.
2
Baumann, 1935, p. 170.
220
1
Delachaux, 1946, p. 50.
2
Bastin, 1961, p. 237.
221
Na sua aldeia h vrias pessoas doentes; voc matou um visitante, e agora seu
esprito no deixar mais sua aldeia (Riasendala).
Neste caso, o adivinho pediria ao kabuna (a menos que ele mesmo tambm seja
kabuna) para tirar o mau esprito da aldeia de modo que esta voltasse a ser habitvel.
Com freqncia a apario de cota significa que o consultante deve pedir um
julgamento para decidir o seu caso. Neste caso, o adivinho representa para o cliente uma
espcie de primeira instncia que lhe favorvel, porque lhe prope pedir que o seu caso
seja discutido por todos os ancies na cota.
Sakungu props essa soluo pelo menos em trs casos de que fomos
testemunhas:
Um homem cuja mulher viria a morrer; a famlia da mulher lhe reclamava
todas as prestaes ao mesmo tempo, justificando a exigncia por sua partida (mudana
de aldeia).
Um homem que tinha feito amor com a mulher de seu vizinho e pago uma
multa que este considerava insuficiente.
Um homem que havia desposado uma mulher que cuidava de uma criana de
um primeiro marido. Essa criana, cujo pai estava longe, morreu. Ao chegar, o pai da
criana exigia do marido de sua antiga esposa a satisfao pela morte da criana.
Estes casos, e muitos outros, so longamente discutidos na cota por todos os
homens da aldeia. Para decidir essas questes, o chefe da aldeia se apresentar com as
devidas pompas: se assentar em sua cadeira posta sobre uma pele de leo. O chefe
escutar as duas partes e no dir nada; depois, ele escutar os ancies e tambm o nganji
(s vezes vrios nganji convidados de outras aldeias) e depois ele mesmo expor o caso
tal como entendeu. Ele resolver em seguida a questo e fixar tudo o que o culpado
dever remeter parte lesada e o espao de tempo para cumprir as prestaes. A cota
funciona neste caso como uma espcie de tribunal cujo juiz o chefe da aldeia.
A construo da cota numa aldeia nova uma das primeiras atividades, que
envolve a todos. O chefe da aldeia procura um basto seco (lusumba), que ele planta no
local considerado como o mais conveniente para edificar a cota. Ento todos os jovens
comeam a preparar os troncos de rvore necessrios para a casa. Quando j reuniram
bastante troncos, decide-se o dia da construo; os troncos so plantados em crculo no
solo, de modo a deixar de oito a dez aberturas (portas): para o chefe, o irmo do chefe,
para as diferentes classes de idade, os visitantes, etc. Depois, parte-se novamente para
arranjar os troncos para o teto cnico; quando j h suficientes troncos, todos colaboram
para prend-los bem ao kangalo (basto colocado de vis para estabilizar os outros).
Comea ento a terceira faze, a mais longa (normalmente ela se prolonga durante um ou
dois meses): cortar, apanhar e dispor em feixes a palha para a cobertura da cota; os feixes
so bem presos aos troncos, e na ponta do cone coloca-se a cisonga que fecha toda a
cobertura.
A inaugurao da cota uma festa importante que tambm mobiliza toda a aldeia;
o novo fogo feito pela maneira tradicional (citewa) aceso, o chefe fornece as cabras e as
bebidas e normalmente as aldeias vizinhas tambm so convidadas.
Esquema 12
Novo julgamento
222
1
Turner, 1961, p. 64.
2
Turner, 1972, p. 286.
3
Um casco de antlope de Grimm ou lusende wa hai se encontra na mistura de objetos do instrumento
divinatrio ngombo ya cisuka... sua apario borda do cesto simboliza que o consultante no mata mais
animais na caa (Bastin, 1961, p. 195, nota 2).
4
Turner, 1961, p. 58.
223
bem prximo, o caador se deu conta que na verdade era um danarino mascarado. O
khai danava e mbalu (a lebre) e cikole (texugo) tocavam tambor. Por isso que se sabe
que o khai, quando se torna homem, no pode ser abatido (Hamumona).
1
Baumann, 1935, p. 241.
224
rios, que os Cokwe acreditam serem capazes de quebrar os remos das pirogas1. No caso
de doena, acredita-se que ela provm de um caso de feitiaria causada pelo rancor (kole)
de uma pessoa da mesma aldeia:
... uma nica pessoa da aldeia ameaa vrias outras por suas prticas de
feitiaria2.
5. Lupadji uma costela de animal, em geral de uma cabra (fig. 70): smbolo de
pneumonia; quando ela vem borda do cesto, o adivinho dir a seu cliente:
A doena (dos pulmes) no por causa de um feiticeiro; voc deve procurar
uma costela de co ou de gato, queimar um pedao e misturar o p com sal, pimenta e
leo de palma. Voc far quatro ou cinco incises no corpo do doente para colocar o
remdio e friccionar nas incises. Isso far o doente gritar, mas em seguida ele repousar
e acordar em bom estado (Riasendala).
6. Cifika pedao de cupinzeiro (foto 428), smbolo do esprito do ancestral
caador. Acredita-se que o esprito do caador, bem como alis o do chefe de aldeia, se
refugia na mata em um cupinzeiro esperando momento de entrar na aldeia de novo. O
primeiro, o do caador, entrar na aldeia por intemdio de uma efgie rudimentar que lhe
faro a partir de um pedao de cupinzeiro (cifika) e ao qual se far sacrifcios. O esprito
do chefe de aldeia entrar na aldeia por ocasio da intronizao do novo chefe3. Os
Cokwe explicam que assim porque o ancestral caador Ilunga repousou num pedao de
cupinzeiro depois de uma longa viagem.
7. Mbalu uma cauda (fig. 71) ou uma pata de lebre significam o sortilgio da
lebre; isto corresponde a um ato de feitiaria, seja de um homem contra seu pai4, ou seja
de algum que tomou o aspecto de lebre para roubar mais facilmente sem ser pego5.
Os Cokwe consideram a cauda da lebre como um amuleto de fecundidade para os
campos. Eles a colocam nas plantaes para obter colheitas abundantes.
8. Cikungunwa cetwe, o osso do joelho (fotos 429; 435, e) Para uma rtula de
animal (fig. 72), Sakungu deu esta explicao:
Quando se fala, coloca-se a mo no joelho. Isto significa portanto que uma
pessoa que fez uma feitiaria pertence mesma linhagem. Uma pessoa morreu. Consulta-
se o adivinho. Cikungunwa aparece borda do cesto. O adivinho dir: o seu joelho, seu
parente que matou essa pessoa. O responsvel ser pois ou o chefe da aldeia, ou antes seu
irmo, ou ento seu sobrinho.
9. Uhulu, a mediocridade Um dente de porco selvagem (fig. 73) denuncia a
incapacidade de uma pessoa de fazer um determinado assunto direito: no cesto um
smbolo da desobedincia e da incapacidade de respeitar as normas tradicioanis de
vizinhana e de considerao para com os ancies. Na situao atual os ancies censuram
com freqncia os jovens por seu comportamento que os faz parecer queles que tm o
esprito de uhulu.
10. Kasumbi (ndemba kasumbi) O galo. Um p de galo (foto 430; fig. 74)
evoca primeiramente o sacrifcio do galo quando da iniciao do adivinho. Por isso, um
1
Santos, 1960, p. 66.
2
Baumann, 1961, p. 243.
3
Ver lukanu, item 2.2.12.
4
Milheiros, 1967, p. 197.
5
Delachaux, 1946, p. 53.
225
smbolo que significa que um galo deve ser oferecido, seja porque o consultante deve
tornar-se adivinho ou porque a hamba Ngombo deve ser honrada mesmo antes do ritual
de iniciao do novo adivinho.
11. Mukono wa kwenda um osso da perna (tbia). (fig. 75). O cliente fez uma
longa viagem; est a a causa de sua doena.
12. Mathui uma orelha de animal. O cliente no tem orelhas para
compreender o que lhe dito. Ele no quer prestar ateno ao que se lhe prope
(Hamumona). A desgraa que aconteceu a uma pessoa devida exclusivamente ao fato de
que essa pessoa no escutou os conselhos dos outros:
... este objeto simblico (twitwi lya pembe: orelha de cabra) assinala que a pessoa
em questo, se est doente, ou se est morta, por sua prpria culpa, por no ter nunca
escutado os bons conselhos prodigalizados...1.
13. Cozo o pato selvagem. Uma p de pato simboliza aquele que passa por
todo lugar, e ao mesmo tempo, em todo lugar, pega coisas que no lhe pertencem. Cozo
portanto o ladro que no fica nunca no mesmo lugar. Sakungu explica:
O cozo pega um peixe no rio, em seguida ela vai no mato onde encontra masenda
(larvas); em seguida ela volta ao rio. O ladro, de todo lugar em que vai, volta sempre
com coisas que no lhe pertencem.
De acordo com M. L. Bastin, a pata de cozo seria um smbolo para desencorajar o
cliente doente de partir:
... cozo, nome de ave migratria, assinala que intil que o doente fuja da aldeia,
sua doena no o deixar e ele correria risco de morrer longe de seu pas2.
14. Cimbulu, unha de ratel (Mellivora capensis): para sarar ser preciso colocar
restos de ossos na ferida da escarificao3.
15. Mwanangana (chefe de terra) uma garra ou dente de leo ou de pantera
(foto 431; fig. 76) significa que quem morreu ou est doente chefe de terra ou chefe de
aldeia; ou ento o cliente est donte porque depois de matar um leo, ele teve relaes
sexuais, o que proibido (cijila), porque o leo representa o mwanangana (chefe de
terra). O caador que abate um animal nobre (leo, pantera) deve se submeter s mesmas
proibies sexuais que por ocasio de um bito.
Vrios outros restos de animais podem estar presentes no cesto, mas os adivinhos
consideram cada um desses elementos sobretudo como um luphelo que preciso
eventualmente fornecer a seu cliente aps a consulta.
Pode-se considerar que cada um desses objetos est verdadeiramente a meio-
caminho entre aquele que exerce um papel simblico bem determinado no cesto e aquele
que ainda no entrou no cesto.
1
Bastin, 1962, p. 106, nota 1.
2
Bastin, 1961, p. 192.
3
Bastin, 1961, p. 235.
226
1
Confundido com freqncia com duas espcies muito prximas: ciangola (Ceratogymna atrata) e kwaji
(Haliaetus vocifer), o cikwekwe para os Cokwe a ave da escurido e da fome (ver tambm L. de Heusch,
1972, p. 232; p. 238).
227
2.4.0 - Introduo
1
Ver item 2.4.17.2.
2
A persistncia das expresses culturais da caa, apesar do desaparecimento progressivo dessa atividade,
um exemplo da tenacidade com a qual um povo prende-se a seus valores, mesmo quando desaparece a base
material que lhe serve de apoio. A ritualizao crescente dessa atividade analizada por Turner entre os
Ndembu (Turner, 1953) seria um fenmeno de compensao no plano ritual do vazio verificado no domnio
do real.
228
todo um saber tradicional com o qual nos confrontamos aqui, saber para o qual
as virtudes curativas de cada planta so determinados at no detalhe das dosagens
necessrias nos diferentes casos. Esse saber se mantm mais ou menos intacto graas
continuidade garantida por esses especialistas, hoje j to raros, e que seria lamentvel
ver desaparecer. Eles se queixam alis dos conhecimentos superficiais que os jovens tm
sobre esses assuntos; e deploram o fato de que os mais jovens prefiram, quando
possvel, comprar os remdios modernos contra os males, abandonando assim a medicina
tradicional. No sem uma ponta de ironia que os peritos dessa sabedoria vem os jovens
imprevidentes obrigados a pedir seus servios, solicitando uma planta indicada para um
ou outro mal; o remdio desejado no nunca recusado mas se aproveita a ocasio para
fazer os jovens (como algumas vezes tambm os europeus que reclamam seus servios da
medicina tradicional) sentirem que os velhos e a sabedoria que eles tm interessa tambm
nova gerao.
Para que esse saber tradicional possa ficar para as novas geraes, que poderiam
integr-la mesmo fora do contexto mgico-religiosos, ser preciso sem dvida um esforo
suplementar e mtodos apropriados. As poucas plantas indicadas so s uma pequena
amostra da riqueza complexa que representa o mundo vegetal pelo qual os Cokwe
resolvem seus problemas.
A significao de cada um dos elementos estudados est relacionada tal como os
informadores-adivinhos a transmitiram; isto constitui o centro deste trabalho que pretende
antes de tudo consignar por escrito os elementos de uma tradio oral em via de
desaparecer. Numa elaborao posterior e utilizando os dados correspondentes das outras
etnias da mesma zona da frica Central, seria talvez possvel detectar os fundamentos da
lgica de pensamento que explica o funcionamento de certos mecanismos de
simbolizao em detrimento de outros.
O muito vasto e complexo campo de estudo da etnobotnica na cultura cokwe
somente esboado aqui. O pequeno nmero de plantas que figuram no cesto divinatrio
supe no apenas o vasto contexto ritual j mencionado, mas ele tambm est em relao
com as caractersticas morfolgicas especficas ou as particularidades da fisiologia dessas
mesmas plantas, se bem que no primeiro nvel de observao a resposta seja sempre de
natureza exclusivamente simblica1.
Ao grupo de plantas que so tuphele, preciso adicionar o grupo que um tahi,
exercendo igualmente as funes de curandeiro, pode ter s mos como estoque de
remdios de origem vegetal para fornecer a seu cliente aps o trmino da consulta,
detectada a causa do mal. Foi sem dvida essa acumulao das funes que trouxe um
elemento perturbador compreenso dos mecanismos de simbolizao subjacentes a essa
prtica. Na impossibilidade de estudar a fundo todo esse sub-grupo (at um certo ponto
no-definido e ilimitado), ligado s atividades de curandeiro, que o adivinho exerce
tambm, ns nos limitaremos a estudar algumas plantas, as mais freqentes,
representadas no pequeno feixe de bastonetes (Ka) que, ele, parte integrante
1
V. Turner o afirma explicitamente quando diz que whatever may be the empirical benefits of certain
treatments, the herbal medicine emplyed derive their efficacy from mystical notions and their therapy is na
intrinsic part of a whole magic-religious system (Turner, 1967, p. 361); mas por um outro lado, medida
em que a enquete se aprofunda, verifica-se que na maioria dos casos a experincia do saber tradicional
(inconsciente) ocupa-se em se integrar a mecanismos de natureza simblica.
229
dos objetos simblicos, mas cuja constituio apresenta uma certa variao de um
adivinho a outro. A lista poderia certamente se prolongar, mas em grande parte das
plantas os dados no esto muito esclarecidos. E, por um outro lado, os estudos de
natureza estritamente taxonmica ainda no foram suficientemente desenvolvidos para
que seja fcil ou simplesmente possvel de separar as plantas que tm aplicao
semelhante, sobretudo quando o mesmo nome autctone se aplica a diferentes plantas ou
ainda, o que tambm freqente, quando diferentes nomes se aplicam s mesmas plantas
em regies relativamente prximas. Por essas razes, indicamos ou os nomes cientficos
atribudos a diferentes plantas pelos diversos autores que abordaram seu estudo para que,
na medida do possvel, sejam afastadas as causas de ambigidade. Ao mesmo tempo,
aproveitando estudos de botnica ou etnobotnica j realizados em outras zonas prximas
que se pode designar sob o nome de rea cultural de predominncia cokwe, indicamos os
diferentes nomes africanos atribudos mesma planta. somente assim que ser possvel
avanar no esboo de um estudo mais profundo da medicina tradicional em seu aspecto
global; e isto que importa, dado que s esta perspectiva pode dar conta do processo
como realidade total.
Situar as plantas que vamos estudar na funo em que aparecem o ato
divinatrio tem a vantagem de constituir um primeiro passo para compreender a
medicina tradicional enquanto fenmeno global. O estudo (a fazer) de outras plantas
dever levar em conta os riscos que ter para isolar uma eventual matria mdica em
oposio a todo um contexto ritual rejeitado por ser matria mgica; tal procedimento
equivaleria a fechar desde o incio a porta da compreenso possvel do processo. Apesar
de autores brilhantes terem cado nessa armadilha1, a medicina tradicional parece
finalmente comea a se consagrar novamente na frica e alm dela.
O pequeno grupo de fragmentos vegetais que existe no ngombo de natureza
complexa, apresentando uma grande heterogeneidade tanto do ponto de vista da
significao quanto da natureza. A ttulo de exemplo, nota-se dois tipos de cogumelos,
um de valor positivo e outro de valor negativo. Os frutos assumem uma significao seja
pela forma seja pelo estado em que se apresentam (inteiro, positivo; cortado, negativo) ou
ainda pela dureza ou pela cor. s vezes o trao pertinente que polariza o campo
semntico se perde nas brumas do inconsciente e, neste caso, obstinar-se em achar uma
explicao arriscar-se a respostas evasivas, alis freqentes demais nesse gnero de
pesquisa. Por um outro lado, e admitindo-se o carter provisrio ou mesmo artificial de
alguns tuphele importante antes de tudo relevar a prpria natureza dos objetos
significantes tais como se apresentam ao observador. Da, a grande importncia que foi
dada ilustrao pela fotografia ou pelo desenho; aqui tambm a razo da opo feita em
apresentar mesmo os elementos para os quais as informaes obtidas so parcimoniosas
demais. A lista que segue, apesar de no-exaustiva, aborda separadamente o estudo de
cada um dos elementos vegetais, que no so propriamente manufaturados, do cesto de
adivinhao.
1
Ver por exemplo Evans-Pritchar, 1934 Zande therapeutics in: Soudan Bulletin Notes and
Records, onde escreveu, a notar: A enorme quantidade de drogas de que os Azande fazem uso e a
diversidade dos produtos botnicos que aplicam para uma s e mesma doena demonstram de uma s vez
sua ausncia de valor teraputico para que os refletssemos no contedo real da farmacologia cientfica (p.
322, texto citado em Nguete Kikhela e alii, 1974, p. 11).
230
Barbosa: saki, s. pl., ver lusaki, s. (7): boato, notcia que consta, o que se diz ouvir.
No plural (saki) tambm: indiscrio, qualidade daquele que conta tudo o que v.
A av mata a criana com veneno e a enterra; ela vai sepultura noite, pega o
corpo, carrega-o consigo, corta-o ao meio, tira as vsceras, desseca o corpo, tritura-o at
que vire p, e mistura-o com as primeira sementes plantadas, ou o queima nos campos
com algumas varetas enfeitiadas e a fumaa se estende a todas as partes do campo3.
1
Hambly, 1934, p. 275.
2
Tucker, 1940, p. 194.
3
Tucker, 1940, pp. 193-194.
4
Estermann, 1967.
5
Notar que a expresso ir na mata a mesma que se utiliza para anunciar a mukunda (iniciao) e
significa sempre uma ruptura provisria com a vida do grupo.
233
detalhes dessa prtica, mas sabe-se que durante essa espcie de inciao elas praticam a
exciso aps o corpo ter sido cuidadosamente lavado; as partes excisas so postas para
secar sobre carapaas de pangolim1 e quando elas esto secas e reduzidas a p so
utilizadas como ungento do corpo das iniciadas; sabe-se igualmente que nos primeiros
dias elas so obrigadas a permanecerem nuas durante a noite; mais tarde, elas usam uma
pequena saia de riscas brancas e pretas com a qual elas pretenderiam imitar a zebra.
Tambm faz parte da iniciao a descoberta particular de um novo prazer no ato sexual
que realizado sob a forma simblica. Para esse efeito, faz-se um basto ao qual se d a
forma de um rgo viril; esses bastes so confeccionados exclusivamente de otyi ou
omu-lavi (Gardenia Jovis-tonantis), planta qual os Cokwe atribuem igualmente
qualidades especiais2; para simular o ato, elas lubrificam o basto de otyi-lavi com
afrodisacos diversos. Atribui-se a esse ato simblico um prazer particularmente intenso e
novo. Comea-se depois a chamar as mulheres iniciadas de ovi-ka-vyula (as depiladas),
termo que contm simultaneamente um sentido pejorativo e provocador. imitao da
mukanda dos homens, o rito acaba com a exibio das roupas novas e alegres e a
proibio de divulgar o rito.
Estermann fala ainda da exibio de uma boneca (ou criana morta?) cuja
significao desconhecida. Esta seria o trao particularmente significativo em relao
com a feitiaria e com o tratamento aplicado ao cadver no momento dos funerais de uma
mulher iniciada; o corpo seria espancado e insultado antes de ser retirado da casa, no
pela porta, mas por um buraco aberto para isso na parede3. Todos esses elementos
indicam as normas tradicionais em relao com a feitiaria; uma mulher iniciada nesta
prtica seria pois considerada como um feiticeiro.
Esse rito secreto, observado no pas ovimbundu, mas importado do Leste, segundo
o testemunho dos informantes, tem provavelmente uma otigem cokwe ou talvez Iwena.
Com efeito, esses povos (Lovale) praticam um rito, designado por alguns autores como
segunda iniciao feminina, e que no nada mais que o homlogo feminino do mugonge
dos homens; os Cokwe chamam-no cuila (tshuila) e dizem que eles no o praticam h
muito tempo. As mulheres Iwena, que conhecem essa prtica, tinham o costume de se
depilar durante essa iniciao, segundo o que diz Cabrita4, ao passo que as mulheres
cokwe se limitavam a aumentar o nmero de tatuagens do baixo ventre (mikonda)
comeadas por ocasio da primeira iniciao (ukule).
Pde-se verificar ainda que os insultos ao cadver da mulher iniciada eram feitos,
segundo os mesmo informantes de Estermann, em idiomas estrangeiros, expresses
cokwe ou ngangela, provavelmente; por um outro lado, sabemos que o uso de
afrodisacos freqente entre os Lwena e os Cokwe. Haja visto o contexto geral no qual
se faz essa iniciao, tudo nos leva a crer que se trata de uma verdadeira inicao s artes
da feitiaria.
1
Ver item 2.3.3.
2
Essa planta, que os Cokwe designam mukirici ou mukangandjamba, , entre outras coisas, utilizada como
afrodisaco pelos homens; as crianas so lavadas com a coco das folhas porque se acredita que isso as
far mais fortes. Uma rama sobre o teto impede o relmpago de atingir a casa. (Ver tambm item 2.4.17.6).
3
Estermann, 1967, p. 110.
4
Cabrita, 1954, p. 124, citado por Estermann.
234
Nesse contexto inferido por Tucker, torna-se evidente que os Ovimbundu unissem
a feitiaria noite, a nudez e sujeira. Os Cokwe tambm o fazem, mas nenhum dos
informantes deu a este smbolo a fora que os Ovimbundu lhe atribuem. O campo
semntico do cihungu se polariza fundamentalmente em trs tipos de excessos aos quais
correspondem, simetricamente, as mutilaes ou supresses, funo inversa e
compensatria do mecanismo da feitiaria. Assim, temos de um lado:
e de um outro lado:
1
Palgrave, 1956, p. 77. Qualquer que seja a designao taxonmica correta, o fruto do ngombo que o
adivinho chama de cifuci o da planta que Palgrave descreve.
2
Santos, 1960, p. 170.
3
Agronomia Angolana, 1953, 7, p. 80.
4
Milheiros, 1960, p. 110.
5
Bastin, 1961, p. 47, n. 3.
6
Lima, 1971, p. 264.
236
+ ANCESTRAIS
-Um pas inabitvel -chefe de uma aldeia a honrar
-A chegada de estrangeiros suspeitos cifuci cipema -um pas para ficar
-Doena e feitiaria - +
Cifuci o pas
cifuci cafwa
Esquema 13
- FEITICEIRO
1
Hauenstein, 1961, p. 146.
237
O fruto da palmeira Raphia (fig. 81-a) no ngombo ya cisuka quer dizer que
necessrio que um novo adivinho seja iniciado nessa arte. Os Cokwe no toleram que
uma atividade fundamental como a adivinhao seja interrompida por tempo demais. Em
geral, quando um tahi morre, seu sucessor no tarda a aparecer; com efeito, ou ele j foi
escolhido (seno mesmo iniciado) ou o esprito do adivinho desaparecido lembrar dentro
em pouco, por meio de uma doena, a necessidade de promover um sucessor que
retome sua atividade. A notar em particular o fato de que este kaphele se apresenta em
dupla, por ser sempre representado por dois frutos iguais, sendo um masculino e o outro
feminino; os adivinhos so unnimes para designar esses dois frutos como pai e me do
ngombo (foto 438-b). Na maioria dos casos os dois frutos so de tamanho ligeiramente
diferentes, sendo um mais fino e longo, considerado masculino, e o outro mais curto e
largo, feminino. A relao entre a planta e o esprito Ngombo no foi esclarecida, mas por
um outro lado, nota-se que esses frutos esto quase sempre presentes e sua interpretao
constante. Trata-se de um dos elementos simblicos mais uniformes no campo semntico.
As informaes recolhidas sobre o assunto bem como pelos diferentes investigadores
citados que por ns se resumem praticamente a isto: preciso conciliar o esprito de
adivinhao iniciando um novo especialista. Dois frutos semelhantes a pinhas,
representando um o elemento masculino e o outro o elemento feminino do esprito
Ngombo, encontram-se sob este nome entre os diversos objetos contidos no cesto do
ngombo ya cisuka.
O simbolismo atribudo a esses frutos ngombo significa que ningum quer mal ao
consultante; este aqui, ou o parente para o qual veio pedir ajuda ao adivinho, deve tomar
os medicamentos que o tahi lhe dar, e pelas oferendas ao esprito Ngombo pr-se em
salvaguarda1.
Procurando explicar melhor a funo deste kaphele duplo e a razo de sua
presena como forma masculina e feminina, Riasendala explica o ato divinatrio
comparando-o gerao: quando o adivinho separa, no cesto, o bem do mal, ele faz a
mesma coisa que o esprito Kanga2 no ventre da mulher para distinguir se ser um
menino ou uma menina.
preciso notar que h uma confuso aparente entre esses dois frutos, assinalada
por Bastin e observada com muita freqncia por este autor, e que menciona E. Santos
quando escreve caroo de fruto em forma de pio3 e que ns observamos precisamente
no cesto do informante Riasendala. Trta-se realmente do mesmo fruto; no primeiro caso,
o envelope externo est presente; no segundo, trata-se do interior lenhoso (fig. 81.b, 81.c)
1
Bastin, 1961, p. 40, nota 4.
2
Ver Citanga (Kanga), item 2.1.8.
3
Santos, 1960, p. 159.
238
que os adivinhos talham um pouco com a faca, um mais que o outro, para justificar o
nome de pai e me do ngombo que eles lhes do; isso que justifica a expresso de E.
Santos: fruto trabalhado em forma de pio, que o mesmo autor explica nestes termos:
um caroo de fruto do lukele (Raphia) trabalhado em forma de pio. O cliente herdou
um gombo de seu tio. Que ele o exera e faa imediatamente a hamba ngombo: enfie
dois espetos de mulemba1 no cho diante da porta da casa e degole um galo e uma galinha
e espete suas cabeas em cada uma das extremidades dos paus. Deste modo, seus
sofrimentos cessaro2. Observa-se entretanto que a apelao de hamba ngombo consiste
precisamente em reclamar o ritual de iniciao do adivinho, como evidente.
A observao de Hauenstein parece um pouco mais confusa quando ele chama
indistintamente de ngombo trs coisas distintas, a saber: o fruto de Raphia (planta que
seria o citelekele na expresso de seus informantes), um chifre de ombambi e um osso de
galinha. Segundo nosso autor um ou outro dos trs tuphele assinalados designariam a
necessidade de suscitar um novo adivinho3; ainda que Hauenstein no nos d mais
especificaes sobre esse assunto, pois fcil de concluir que os objetos mencionados
aqui como ngombo devem se relacionar mesma festa de iniciao, dado que , como se
sabe, obrigatrio sacrificar um galo para arvorar o munenge (espetos) que anuncia o
adivinho; e, se o novo tahi tem a possibilidade, ele deve oferecer um animal aldeia
inteira para festejar o acontecimento.
Todos os adivinhos cokwe consultados em matria deste kaphele declaram que ele
exprime a necessidade de fazer sair ngombo seja por faltar um tahi, seja porque um
ancestral que teve a mesma profisso no est sendo devidamente venerado pela
continuao de sua antiga atividade.
Um pequeno fragmento de cabaa (foto 439) a forma mais corrente sob a qual se
apresenta o kaphele swaha no cesto divinatrio; ela est quase sempre presente, seja
como fragmento informe de abbora de qualquer tipo, seja como seu pednculo (cikumo
fig. 82), ou sua extremidade (mukoci, fig. 83, foto 440). A notar igualmente que uma
pequena cabaa pode aparecer misturada com os smbolos divinatrios; neste caso, ela
ser designada do mesmo modo que swaha, guardando as designaes mukoci e cikumo,
1
Ver mais adiante a significao mgico-religiosa dessa planta, item 2.4.17.4.
2
Santos, 1960, pp. 159-160.
3
Hauenstein, 1961, pp. 143-144.
239
1
Um pouco por toda a frica a cabaa associada mulher e fecundidade, seja pelo aspecto cosmolgico
(divindades criadoras residentes numa cabaa), seja pelo aspecto antropolgico (instrumento de cozinha e
elemento de troca entre o homem e a mulher). (Ver Brand, 1976, p. 21).
2
O termo cokwe usoko traduz tanto o parentesco stricto sensu quanto o grupo clnico, ou ento a aldeia.
240
1
Bastin admite que o mukoci usados pelas mulheres grvidas um amuleto: chamado mukoci, ela (vasilha
de cabaa) usado pelas mulheres grvidas que tm dificuldade de ter filhos; ou ainda, sempre contendo
ingredientes, a vasilha est ligada punhos ou aos tornozelos dos bebs para cur-los de certas doenas
(Bastin, 1961, p. 75, nota 2). A identidade do recipiente no impede que nos dois usos referidos, o contedo
seja completamente diferente. Num caso (para os bebs) trata-se de remdios aceitveis e recomendveis
(ver a confeco do kapuri, item 2.4.8); noutro (para as mulheres grvidas), de produtos ligados feitiaria
e, como tais, temidos e condenados em princpio, se bem que com uma certa tolerncia em caso de
sortilgio de defesa.
2
Observa-se a propsito que os ditos pactos de sangue pelo fato de misturar as vidas de grupos
diferentes tornam-se suspeitos de feitiaria, pois permitem que o marido (estranho linhagem) possa agir
sobre a vida do grupo clnico. por isso que os Kongo aconselham a unio dos esposos pelo trabalho
(comer de dia), mas condenam a unio dos esposos pela feitiaria (comer de noite).
3
Bastin, 1961, p. 75.
4
Hambly, 1934, p. 276.
5
Delachaux, 1946, p. 51.
241
1
Delachaux, 1946, p. 52.
2
Abbora vazia-nyonge. Os Ngangela se servem da abbora com seu talo para os clisteres. O doente
morreu por culpa do clister (Delachaux, 1946, p. 51).
3
Delachaux, 1946, p. 52.
4
Delachaux, 1946, p. 61.
5
Santos, 1960, p. 171.
242
1
Tucker, 1940, p. 184.
2
Tucker, 1940, p. 184.
3
Idem.
4
Hauenstein, 1961, p. 145.
5
Sobre o valor social desta bebida, ver G. De Plaen, 1969.
6
Santos, 1960, p. 168.
243
recaia sobre ele (aquele que reparte) sob forma de feitiaria; a bebida consumida em
comum reaproxima as pessoas e afasta a feitiaria.
Muchona, o clebre informante de Turner, traz sumariamente os diferentes
aspectos desse smbolo nestes termos: Isto o pescoo da cabaa em que se coloca o
vinho. Significa que uma pessoa que morreu por ter bebido cerveja contendo
medicamentos maus numa cabaa. O adivinho entrar em detalhes neste ponto sobre o
tipo de medicamento usado, sobre o tipo de resultado desejado pelo feiticeiro, e por a em
diante. A pequena cabaa tambm pode representar gua, e as manifestaes de
Chihamba, Kayongu (o equivalente ndembu ao Ngombo cokwe) ou Nkula, que apanha as
pessoas perto dos rios ou crregos. Pode representar tambm a gua que vertida de uma
cabaa sobre uma pessoa muito doente para reanim-la. Ou pode representar ainda
espritos ancestrais (akishi) para quem a cerveja derramada sobre seus santuros de
rvore (nyiyombo). Pode significar, tambm, a cabaa dgua que derramada sobre o
monte de terra amontoado sobre uma sepultura. Esta gua amolece a terra para que possa
ser moldada. Eles alisam e limpam a superfcie, porque se uma mulher vem comer o
cadver sua presena detectada pelas marcas deixadas1.
Do conjunto das interpretaes atribudas a este objeto swaha se deduz
uma complexidade evidente do prprio objeto simblico; com efeito, parece tratar-se de
pelo menos dois smbolos distintos, se bem que aparentados: de um lado o fruto
comestvel aparentado a uma cabaa como recipiente destinado bebida; no primeiro
caso o objeto simblico indica um provvel roubo; no segundo, preciso considerar toda
a gama de significaes ligadas utilizao possvel do objeto, que pode servir tanto para
guardar a cerveja quanto para punir um familiar insuficientemente atento a suas
obrigaes para com o grupo. A notar ainda que um terceiro eixo semntico est ligado
seja multiplicidade das sementes contidas no ventre da abbora, imagem do grupo
clnico (ivumu, segundo so Ndembu2, usoko, segundo os Cokwe), seja ao pednculo
cikumo cimbi (umbigo de abbora), que traduz metaforicamente a ligao de cada
membro a seu grupo clnico. Entre esses trs eixos semnticos, a variao de
interpretao grande mas assim mesmo menos aleatrea do que parece primeira vista.
preciso ainda levar em conta a enorme disperso geogrfica das informaes
recebidas, desde o norte da Zmbia (informaes recolhidas pelo pastor E. Berger e
enviadas a Delachaux) e o nordeste de Angola at o centro e sul deste mesmo pas; e por
um outro lado, a disperso que vai dos Cokwe da Lunda aos Ndembu, Ovimbundu e
Ngangela. preciso tambm considerar que, por se tratar de um elemento vivo numa
cultura em transformao, no pode de modo algum ficar esttico; observando distncia
as informaes em perspectiva diacrnica, -se obrigado a concluir que a variao
semntica descrita acima refora ainda mais a constncia e a continuidade do ncleo
semntico nesse smbolo no qual se pode colocar mais em evidncia do que em qualquer
outro. Teremos portanto em diagrama trs plos distintos (fruto / recipiente / linhagem)
com as possibilidade de aplicao no contexto scio-cultural: (ver esquema 14, p. 362 do
original, onde: rcipient = recipiente, vnin = veneno, boisson = bebida; fruit = fruto, vol
= roubo, sortilge = sortilgio; lignage = linhagem, solidarit - solidariedade, sorcellerie
= feitiaria, possession = possesso e prestations = prestaes).
1
Turner, 1961, p. 70.
2
Ver Turner, 1972, p. 52.
244
responsveis (do contexto) a culpa pelos atos eventuais de feitiaria; a doena provocada
por um ancestral descontente acentua, numa outra perspectiva, o sentido profundamente
genealgico deste smbolo divinatrio.
A prpria forma do objeto, que recorda a solidariedade da planta trepadeira com a
planta-me, refora metaforicamente a ligao de cada membro a seu grupo de
parentesco e sublinha a necessidade de ritualizar as inevitveis tenses que surjam
ocasionalmente, de modo a preservar a unidade indispensvel. Mujingwa wa mama
conota de imediato essa solidariedade inter-grupo, e somente de modo indireto seu
contrrio, isto , as rupturas das quais a feitiaria a expresso mais corrente (Esquema
15, p. 364 do original, onde: ritualisation de lunit clanique = ritualizao da unidade
clnica, ritual dapaisement = ritual de apaziguamento; mcontentement des morts =
descontentamento dos mortos; mcontentement des vivants = descontentamento dos
vivos; sorcellerie entre familiers = feitiaria entre familiares, anxiet et inquitude
(malheur) des vivants = ansiedade e inquietao (desgraa) dos vivos).
Esta espcie de fruto globuloso (fig. 87) constitui o elemento motorde uma
tcnica de adivinhao diferente denominada ngombo ya cisalo. Trata-se de um fruto seco
da rubicea munzenze. Utiliza-se-o tambm na confeco dos chocalhos utilizados
principalmente pelos danarinos, amarrados nas pernas para marcar o ritmo das danas. O
adivinho se serve desse fruto para fazer o lusango, instrumento simples que o tahi agita
quando recita sua cantilena de introduo ao ato de adivinhao; esses frutos de casca
dura, quando esto secos, so perfurados em vrios locais com uma ponta de ferro
aquecida5.
Esses frutos de munzenze tem ainda uma outra aplicao; os que apresentam
dimenses mais reduzidas so utilizados como recipientes relicrios de remdios mgicos
1
Gilges, 1955, p. 24.
2
Agron. Angol., 1953, p. 71.
3
Idem.
4
Watt & Beyer-Brandwijk, 1962, p. 549.
5
Bastin, 1961, p. 53, nota 4.
246
para as crianase mais raramente para as mulheres grvidas1. Observa-se com freqncia
que muitas crianas usam no pescoo ou na cintura um desses pequenos frutos contendo
remdios os mais diversos; o kapuri (foto 443-a).
As razes pelas quais um homem se decide a preparar um kapuri (kapuli) para seu
filho so de natureza diversa, mas duas dessas razes parecem importantes:
primeiramente, o pai prepara o kapuri para seu filho para que este no chore durante a
noite; em segundo lugar, o kapuri destinado a preservar as crianas do terrvel mal que
os Cokwe chamam de zombo. Trata-se de uma fora perniciosa propagada por contato
devido fundamentalmente violao de um tabu de carter sexual.
Tanto num caso como noutro, o pai confeccionar um kapuri, que far da seguinte
maneira: o pai espera o crepsculo; ento ele sobe numa rvore de mutete (Swatzia
madagascarensis Desv.) para colher as folhas com as quais vai fazer o remdio. Mas antes
de subir na rvore, ele se desnuda completamente, deixando suas vestimentas ao p da
rvore; ele sobe na rvore com os olhos fechados, apanha as folhas com os dentes, as
mastiga e pe-lhes sal, que ele trouxe consigo. Coloca ento imediatamente as folhas
preparadas desse modo no kapuri que ele trouxe tambm, j pronto; quando o recipiente
estiver cheio, ele desce, volta pra casa e adiciona um pouco de pemba s folhas
mastigadas; finalmente, ele passa um fio no kapuri e coloca-o ao pescoo do beb. A
criana comeara a sugar o kapuri e assim, doravante, passar noites tranqilas.
A notar ainda que o mutete utilizado em vrios preparados medicamentosos,
tanto para as crinaas como para os adultos2. O comportamento do pai quando prepara o
kapuri para seu filho pe em relevo a conjuno do remdio e da noite, por se destinar
precisamente a suprimir os choros da criana durante a noite. Para tanto, o pai esperar o
pr-do-sol (escurido natural) reforado pela noite de seus prprios olhos (escurido
cultural). Nestas condies, o remdio s pode ser eficaz para curar os males noturnos da
criana. O informante Mwasefu, um dos narradores desses costumes, pode adicionar
ainda que o homem sobe nu na rvore mutete porque assim ningum o identifica,
ningum sabe quem ele , e, por um outro lado, fecha os olhos porque ele no sabe
absolutamente de onde vem o mal que incomoda a criana durante a noite. A escurido
exprime metaforicamente a no-identificao da doena, que por sua vez a no-
identificao do indivduo parece reforar.
Prepara-se tambm o kapuri para impedir que uma criana recm-nascida seja
atingida pelo que se chama de mal de zombo. Trta-se de um mal terrvel que o informante
Mwacimbau explica nestes termos: Uma mulher deu luz um beb; as outras mulheres
vieram lhe felicitar e quiseram ver o beb; se uma dela teve relaes sexuais e toma a
criana em seus braos, o beb logo ser atingido pelo mal de zombo, que se manifesta
por sintomas variados de doena rapidamente mortal. Por isso, o pai diligente toma
cuidados para proteger imediatamente o recm-nascido pondo-lhe no pescoo, no brao
ou numa perna, ou na cintura, o pequeno kapuri com os ingredientes que neutralizam o
zombo.
O mesmo mal de zombo pode atingir a mulher grvida quando o marido se
aproxima dela aps ter tido relaes sexuais com uma outra mulher. A esse propsito, o
mesmo informante lembra o caso de uma mulher grvida que caiu doente e veio a perder
1
A mesma utilizao que mukoci, ver item 2.4.6.
2
Ver no item 2.4.13 algumas aplicaes desta planta.
247
a criana por causa do marido que ousou sentar-se na cama ao retornar de uma viagem
durante a qual reencontrou uma amante.
O mal de zombo est ligado s relaes sexuais em geral, mas o que o define mais
justamente so as relaes sexuais proibidas, porque so estas que provocam o mal de
zombo mais terrvel. o caso registrado oralmente pelo bilogo Luna de Carvalho,
pesquisador de longa data, no nordeste de Angola: um homem vindo do Zaire visita um
sobrinho nas redondezas de Dundo; contente de receber seu tio (irmo de sua me) em
sua casa, corre a lhe apresentar a mulher com a qual se casou. Aps alguns minutos de
conversa, o tio descobre que a mulher que seu sobrinho escolheu para companhia na
realidade sua irm. O pobre homem, tomado pelo horror de ter transgredido a proibio
de incesto, tendo desposado a irm de sua prpria me, sente-se atingido de zombo e pe
fim a seus dias se enforcando.
O zombo no sempre to violento; ele pode ter contatos inconvenientes que se
manifestam por doenas, mas que no so forosamente fatais. Tais contatos podem
mesmo se traduzir por simples doenas de pele, como por exemplo, dores nas bochechas.
sobretudo esse mal contato que kapuri serve para neutralizar com ingredientes eficazes;
o caso de kapuri prescrito por Sakungu para uma mulher grvida que se sentia
incomodada e para quem seu marido consultou o adivinho: que ela pegue um pedao de
terra trilhada por um sapo e um pouco de terra do mungonge1; que ela bote tudo no kapuri
e o pendure ao pescoo2. Os Cokwe consideram o sapo como o animal mais resistente a
toda espcie de contato perigoso, visto que sua pele dura e rugosa; por um outro lado, o
campo do mungonge um terreno particularmente defendido precisamente por seu grande
poder de contato.
Apesar de todo esse contexto significativo baseado no contato fsico e com um
relevo particular para o contato de tipo sexual, o kaphele toto no cesto divinatrio o
smbolo por excelncia do rancor escondido, o rancor que no se manifesta mas que
funciona como uma ameaa permanente. nesse sentido que se dirigem a maior parte das
interpretaes dadas a esse assunto. Riasendala explicava a um jovem cliente, para quem
fazia a adivinhao no momento de nossa primeira visita, quando o toto aparecia borda:
H algum que lhe quer mal; voc lhe deve alguma coisa, pague sua dvida rpido, pois
essa pessoa tem o toto.
Esta foi tambm a explicao de um dio secreto para com uma mulher em favor
da qual o marido pediu a interveno de Mwafima. Est a o sentido habitual do kaphele
toto, apesar de muitos autores darem ao kapuri (recipiente com remdios) o sentido do
kaphele, que na realidade o mesmo fruto globuloso, porm vazio.
Essa confuso constante e se compreende facilmente, porque freqente que o
adivinho traga consigo o prprio kapuri de proteo, que neste caso chama-se yitumbo ya
tahi (remdio do adivinho), que tem por finalidade no tanto de preservar dos maus
contatos, mas principalmente de fazer vomitar imediatamente toda comida suspeita
oferecida no curso de seus deslocamentos3. Trta-se portanto de um recipiente de
1
Terra do mungonge significa terra retirada do local onde se desenrolou um ritual mugonge; esse local
fica proibido s mulheres.
2
Ver informao no mesmo sentido, recolhida por E. Santos, 1962, p. 162.
3
Bastin, 1961, p. 46.
248
proteo pessoal do adivinho contra a feitiaria por excelncia, que aquela realizada
atravs dos alimentos.
Segundo M. L. Bastin, o sentido do kaphele seria de mesmo teor: O fruto kapuli
significa que o doente comeu alguma coisa ruim. Para que ele sare preciso dar-lhe um
vomitivo1.
Esta pode com efeito ser uma das mltiplas formas de concretizao da feitiaria,
mas de acordo com os diferentes informantes, o smbolo toto visa mais propriamente a
causa do mal que o efeito ou o modo de evit-lo. Compreende-se da mesma forma a
interpretao dada por Baumann, que descreve o kapuri amuleto, ainda que ele se refira
s peas de adivinhao. E ainda, segundo esse mesmo autor, a finalidade desses frutos
quando esto pendurados na entrada da casa seria do mesmo tipo que a do kapuri como
pingente no pescoo das crianas, variando somente de contedo mgico segundo os
fins2. Esta ltima aplicao reportada por Baumann, no pude observar porque tornou-se
inusitada.
1
Idem.
2
Baumann, 1935, p. 182.
3
Agoron. Angol., 1962, 15, p. 16.
4
Ficalho, 1947, p. 110.
5
Agron. Angol., 1953, p. 57.
6
Ver item 2.4.8.
249
1
Tucker, 1940, p. 188.
250
Comeando pela referncia qye Baumann faz a esse kaphele, vmo-nos obrigados
a reconhecer que esse autor o confundia, no que concerne ao cesto dos Lwimbi, com um
outro fruto, pois ele apresenta o desenho de luhandu e chama-o de miaa, enquanto que
na descrio do cesto divinatrio dos Cokwe, o mesmo kaphele corretamente designado
por luhandu e descrito como eine halbierte Frucht3.
Trata-se com efeito do fruto da rvore muhasu que, dessecada, se divide
espontaneamente em duas partes iguais (fig. 88); o kaphele precisamente constitudo
por uma dessa metades do fruto, raramente pelo fruto completo; em certos casos pode-se
ver as duas metades, mas separadas (foto 445).
Os Cokwe parecem ter ligado os aspectos fundamentais da significao deste
kaphele ao fato de que o fruto se fende por si s, terminando por se dividir em duas
metades rigorosamente iguais. Isto parece ser o trao pertinente que teria polarizado um
grande nmero de questes e mais precisamente a atitude do grupo diante dos gmeos e
todo um conjunto de normas em relao justa repartio dos bens no interior do grupo
ou da seo clnica. As respostas dos adivinhos insistem sobre a funo do luhandu perto
de quem tem muito e perto de quem tem pouco. A disparidade escandalosa das posses no
inerior de uma seo do cl condenada com veemncia e por isso no pode se prolongar
por tempo demais sem que tenses s vezes violentas se manifestem. O indivduo que
acumula bens e no os reparte entre os membros de seu grupo visto com a mesma
indignao que o ladro. A tradio impe a repartio segundo normas meticulosas de
prestaes, quer se trate de uma pea de caa, de bens, ou de dinheiro ganho numa
atividade como o caso dos assalariados. O homem que no reparte, confunde em suas
posses o que dele (a parte qual tem direito) e o que no dele (a parte que deve dar
aos outros), e por isso, ele se comporta exatamente como um ladro, que os Cokwe
definem como aquele que mistura as posses.
Quando uma dessas situaes (ressentida como uma profunda injustia) se
prolonga, as pessoas que se sentem lesadas comeam a tecer uma vingana por via de
feitiaria, visando atingir aquele ou aqueles que cederam tentao de acumular4. Os
Cokwe entendem que o acesso de todos aos bens adquiridos por um membro do grupo ou
da famlia vasta uma lei, ao aceitar que haja normas reguladoras das prestaes s quais
cada um dever se submeter.
1
Gilges, 1955, p. 31.
2
Santos, 1960, p. 213.
3
Ver Baumann, 1935, pp. 167-170; 171-172.
4
Ver a esse propsito o comportamento dos Ovimbundu em Edwards, 1962, p. 19.
251
No que concerne aos gmeos, justamente, de rigor que a igualdade seja levada
ao extremo mesmo em detalhes insignificantes. Este um outro plo importante no
campo semntico deste kaphele. Com efeito, a metade do luhandu no cesto divinatrio
indica com muita freqncia que preciso dar um tratamento rigorosamente igual aos
gmeos e que os perigos que poderiam resultar da infrao a esse tabu so muito graves.
No mesmo dia do nascimento dos gmeos, o pai cokwe procura duas metades desse fruto
seco que ele enfilar num cordo para pendurar na cintura da me ou como pingente no
pescoo. Esse gesto do marido uma exigncia de ateno da parte da mulher para tratar
os gmeos nas normas que lhe so propostas; por um outro lado, ela assume esse
compromisso diante de toda a aldeia, que alis se mostrar solidria com ela nesse
comportamento. Desse modo, todos os que oferecerem alguma coisa aos gmeos tero
que apresent-los em duas partes rigorosamente iguais, seja um presente em forma de
objetos, dinheiro ou outra coisa qualquer. Alm disso, tal presente no pode nunca ser
rejeitado.
Se algum, ao distribuir os bens, faz mais distines do que oremitido pelo
hbito, e consulta em seguida o adivinho por causa da ambincia hostil que o cerca, este
se aproveita normalmente da apario do kaphele luhandu para afastar seu cliente do
grupo, aconselhando-lhe tomar por si prprio a iniciativa de abandonar a aldeia; na
verdade, o cliente que procura o tahi nessas circunstncias j sabe que no h nenhuma
outra alternativa seno a de dividir com os seus os bens que ele acumulou abusivamente,
ou de se distanciar do grupo antes que seja tarde demais.
Este um dos problemas freqentemente observados entre os trabalhadores
assalariados que, recebendo um salrios mensal, tornam-se facilmente ricos s vistas do
grupo familiar e em particular aos olhos dos tios maternos. Quando isto acontece, um
processo de feitiaria est iminente. Dentre as numerosas causas da extraordinria
mobilidade que caracteriza os Cokwe, esta um, e no das menos importantes.
A. Hauenstein observou este mesmo kaphele no cesto dos Cokwe emigrados para
o centro de Angola, significando tenses ou dificuldades entre grupos familiares por
causa dos laos que os ancestrais condenam1. A questo parece ser precisamente a
mesma, ainda que apresentando uma perspectiva diferente. Como explica o velho
Sakungu, toda vez que um jovem se casa e esquece seus parentes, tudo o que ele ganha
para ele, sua mulher e seus filhos; justamente isso que os ancestrais condenam, porque o
homem no pode esqyecer seu grupo para se juntar ao de sua mulher; no o casamento
que a causa, mas um novo tipo de relaes possibilitadas pela autonomia econmica
relativa dos jovens. Contra essa evoluo que parece inevitvel, a resistncia da sociedade
matrilinear se ergue, opondo-se com todas as suas foras ruptura das tradies
normativas seculares.
A ofensa aos ancestrais deve igualmente ser neutralizada por um rito que por sua
vez refora, no nvel ritual, o valor metafrico das duas metades do luhandu: ... que o
cliente faa, numa encruzilhada, dois pequenos crculos com uma vareta de mwehe (a
mesma utilizada na mwima da mukanda) e jogue no interior de cada crculo p de
mandioca2.
1
Hauenstein, 1961, p. 153-154.
2
Santos, 1962, p. 173.
252
Do conjunto dessas explicaes parece provir que a diviso exata em dois do fruto
muhasu serve de ponto de partida ao adivinho para reinvidicar toda uma srie de prticas
tradicionais relativas distribuio dos bens; por outro lado, pode-se verificar que o figor
da gemeao inspira o comportamento do adivinho para com o cliente, que por sua vez
conduzido a ritualizar o tratamento dado aos gmeos. Se o estmulo no suficiente, ele
ser inevitavelmente expelido do grupo.
Esta explicao do velho Riasendala mostra por um outro lado o alto grau de
integrao do escravo no grupo em que a fora das circunstncias o punha; com efeito,
aceitar (ou exigir) que um escravo se torne tahi significa que esse homem atingiu um
estatuto superior no grupo cokwe que o adota e o assimila a tal ponto que ele pode
exercer uma atividade com um grande poder de interveno segundo as normas
tradicionais, beneficiando ento um estatuto particular.
Diversas outras interpretaes dadas por adivinhos diferentes se situam no mesmo
contexto, como as que explicam a apario deste kaphele no ngombo como uma
exigncia para preparar o vinho de palma ou maluvu para uma festa. Com efeito, se o
adivinho termina sua interveno mandando preparar maluvu, isto pode equivaler a
anunciar a festa de iniciao de um novo adivinho.
As informaes registradas por outros autores no se enquadram sempre nessa
interpretao. A de Delachaux suficientemente ambgua para ser suscetvel de uma ou
de outra maneira: ... preciso fazer-se reerguer por um mdico, tyimbanda1; essa
interveno do adivinho-curandeiro (cimbanda) pode ser entendida tambm como o
desenrolar de uma cerimnia de iniciao2. V. Turner confirma este ponto de vista pela
informao recolhida por ele e segundo a qual ... a manifestao da sombra Kayongu e
o riso propiciador do mesmo nome so s vezes representados por uma semente de
palmeira mudidi com a qual feito o vinho de palma que bebem os iniciados ao curso das
cerimnias Kayongu3.
Ao contrrio, os sentidos atribudos a citunda por E. Santos (o doente foi
enfeitiado)4 ou por Hambly (a semente do leo de palma significa que uma cabaa
grande de leo de palma foi roubada)5 parecem se afastar claramente do contexto
anterior e devem ser explicados antes como respostas conjunturais dadas pelo adivinho ou
apreendidas como tais pelos investigadores.
1
Delachaux, 1946, p. 53.
2
Sobre a habitual ligao adivinho-curandeiro na zona lingstica R coincidente com o territrio angolano,
ver Rodrigues de Areia, 1974 a, pp. 202-217.
3
Turner, 1972, p. 55.
4
Santos, 1960, p. 172.
5
Hambly, 1934, p. 217.
254
Da polpa desse fruto prepara-se tambm uma bebida que Gilges acha muito boa10.
A medicina tradicional se serve igualmente da planta muthongo para fins diversos.
Apesar dos diferentes nomes utilizados (usia, mucha, muthongo) segundo os
autores e as regies, a realidade que as ilustraes que acompanham os textos, bem
como as plicaes da planta indicam que trata-se de uma nica e mesma planta, como de
resto fcil de verificar pelas referncias dos diferentes autores:
Luthongo (thongo), fruto silvestre do muthongo, tendo o aspecto de uma
pequena noz e o sabor de uma ameixa branca1; e ainda: muthongo, sub-arbusto
(Parinari capensis Harv.) produtor do frutp thongo2.
1
Watt & Beyer-Brandwijk, 1962, p. 491.
2
Bastin, 1961, p. 252.
3
Agron. Angol., 1953, p. 29.
4
Gilges, 1955, p. 30.
5
Turner, 1972, p. 53.
6
Hauenstein, 1961, p. 151.
7
Santos, 1967, p. 73.
8
Palgrave, 1956, p. 375. Qualquer que seja a designao taxonmica exata, mwaka (do cesto) o fruto
descrito por Palgrave.
9
Chefe de terra (mwanangana) exprime uma noo jurdica que vem do direito consuetudinrio e
corresponde a um espao geogrfico, sob a autoridade de um chefe ou soba, por via hereditria. H dois
graus hierrquicos entre o mwanangana e o povo, a saber, mwata e mulopwe.
10
Gilges, 1955, p. 19.
255
1
Bastin, 1961, p. 247.
2
Bastin, 1961, p. 252.
3
Turner, 1961, p. 151.
4
Hauenstein, 1961, p. 151.
5
Tucker, 1940, p. 196.
6
Turner, 1961, p. 68.
7
H duas estaes do ano no nordeste de Angola: uma, longa (lwiza), a das chuvas, e uma outra curta
(lushiho), a do cacimbo (fresca) que vai de meados de maio a meados de agosto. A outra ocupa o resto do
ano, com variaes nas precipitaes entretanto.
8
Turner, 1961, p. 68.
256
1
Ver item 2.2.9.
2
Turner, 1961, p. 68.
3
Ver igualmente E. Santos: O tahi aconselha ao consultante realizar suas mahamba ordinrias. J h muito
tempo que ele no se interessa mais e essa a causa de sua desgraa (E. Santos, 1960, p. 167). Igualmente
Hauenstein: Em relao estatueta de um ancestral, miaka uma indicao que os vivos o tm
negligenciado h um certo nmero de anos (1961, p. 151).
257
Alm do uso deste fruto como kaphele no cesto divinatrio, a planta que o produz
muthongo conhecida de todos os especialistas por seus diferentes usos na vida
cotidiana; o fruto comestvel, a seiva da planta era considerada, segundo o que conta
Palgrave, como dotada de uma virtude particularmente eficaz contra a surdez: Ao tratar
um ouvido supurado, o doutor usa umas gotas que ele prepara submergindo as razes na
gua por uma hora. Um pouco deste lquido entornado no ouvido com uma colher, ou
um funil feito a partir de folhas, todo dia por cerca de duas semanas, tempo no qual
espera-se que o mal se cure1.
Os Cokwe s recorrem atualmente a esta prtica muito raramente, mas alguns
ainda preparam inalaes de raiz de muthongo para curar cataratas, fato que Palgrave nota
igualmente entre os Lovale.
De acordo com a anlise das interpretaes deste kaphele, parece que se pode
afirmar que mesmo quando o caroo significativo ou trao pertinente se apresenta de
modo claro, isto no quer dizer que a gama de significaes deixe de ser mltipla e
sempre em via de aumentar. O uso de um objeto na vida real alarga por assim dizer as
significaes possveis deste objeto tornado smbolo; disso segue que a anlise torna-se
tanto mais rica quanto mais ele se insere nas aplicaes reais; de qualquer modo,
evidente que a anlise destes smbolos, pelo prprio dinamismo do sistema, nunca ser
exaustiva; o que contudo no quer dizer que seja arbitrria.
No caso particular do kaphele mwaka, poderamos sintetizar as variantes de
significao ao lado das mltiplas aplicaes, num duplo esquema deste tipo: (ver
Esquema 16, p. 380 do original, onde: aplication = aplicao, nourriture = comida,
boisson = bebida, pneumonie = pneumonia, yeux = olhos, oreilles = orelhas, remdes =
remdios; signification = significao, retardement = retardamento, consultation =
consulta, culte = culto, maladie = doena, longue dure = longa durao, une date = uma
data, saison = estao).
1
Palgrave, 1956, p. 375.
2
Gilges, 1955, p. 31.
3
Cavaco, 1959, pp. 65-66. Palgrave, 1956, p. 122. A planta em questo corresponde desenhada na pgina
125.
4
Ficalho, 1947, p. 144.
5
Agron. Angol., 1953, 7, p. 76.
258
1
Khaka significa tanto a av quanto o irmo da av, ou seja, o tio-av; neste caso, trata-se normalmente de
um chefe de terra, que sempre um homem.
2
Ver J. Redinha, 1964 e Fourche-Morlighen, 1937.
259
o rito kulikosa
Ynji (mutete) fora do ngombo
orao aos ancestrais
1
Ver a estatueta antropomorfa kalamba kuku, item 2.1.4.
2
Santos, 1961, p. 161.
3
Ver item 2.4.17.3.
4
Kulikosa Ritual mgico-religioso utilizado pelo curandeiro, num contexto de exorcismo, no curso do
qual a libertao (de uma desgraa) obtida pelo efeito de uma fumigao com plantas escolhidas.
5
Gilges, 1955, p. 24.
6
Watt & Beyer-Brandwijk, 1962, p. 535.
7
Agron. Angol., 1953, 7, p. 63. O Clerodendrum descrito por Palgrave (p. 428) enquanto planta de grande
porte no pode ser confundido com o kenyenge dos Cokwe, planta arbustiva e trepadeira.
260
1
Gilges, 1955, p. 6.
2
Idem.
3
Gilges, 1956, p. 6.
4
Ver Watt & Beyer-Brandwijk, 1962.
5
Watt & Beyer-Brandwijk, 1962, p. 353.
6
Ver Turner, 1972. a, p. 84.
262
1
Cithanga, planta do mushitu procurada para fazer suportes de cabaa, visto que se encontra sempre essa
planta com galhos em posio de triedro posicionado na ponta, o que lhe valeu o nome de cadeira de
cabaa.
2
Este cogumelo , como vimos, um smbolo divinatrio.
263
nos casos mais difceis, alm dos ovos, do-lhe leo de palma para beber e, com efeito,
parece ser infalvel.
O golpe do raio, como alis no importa qual queimadura, conhecido antes de
tudo como a penetrao de um corpo estranho no sistema fechado que o corpo humano;
da o recurso ao ovo, entidade vital, mas que no tem abertura e, em conseqncia,
capaz de fazer sair o elemento estranho.
Vomitar tem por efeito separar dois mundos que se misturam. Os Cokwe detestam
a mistura dos mundos como eles condenam a mistura dos bens (roubo); da essa
necessidade de expulsar o elemento do mundo estranho (raio) e de restituir ao corpo sua
integridade1.
Interrogado sobre o critrio seguido na escolha dos pauzinhos que formam o ka de
seu ngombo, Hamumona explica: Muito freqentemente meus clientes, quando saram
das dores de cabea aps o tratamento prescrito (lavagem com gua lustral), me trazem
como reconhecimento para o ngombo um pouco desses pauzinhos com os quais eles
prepararam a gua e assim eu sempre tenho muitos desses pauzinhos no meu ka.
Contudo, era bem evidente que no pequeno feixe que Hamumona exibia, havia outros
elementos de natureza muito diversa; aos fragmentos de mwandanjaji, nosso adivinho
juntara fragmentos de razes ou ramos de plantas diversas que ele revelou: mucaca,
munda, muvuma, musole; cijilangenyie, cilwe, mufu2.
Estas plantas so remdios para doenas variadas e o prprio tahi, ao final da
sesso divinatria, tem o hbito de oferecer ao cliente um desses fragmentos para preparar
o remdio segundo o diagnstico posto. Em certos casos o tahi tambm se d ao cuidado
de confeccionar um feixe de razes ou pauzinhos, muito semelhante ao de seu ngombo,
mas que neste caso destinado a ser um amuleto protetor que os homens que os homens
usam suspensos cintura e que as mulheres usam na cabea, pendurando-o nos cabelos;
ainda hoje encontra-se mulheres com esse amuleto, ao qual elas atribuem um valor em
relao fecundidade.
1
Agron. Angol., 1953, p. 74.
2
Bastin, 1961, p. 42; p. 247. A notar a significao bsica de mwono, s. (2): vida, energia, vigor, fora
(Barbosa, 1973).
3
O dito remdio da vida aplicado pelo nganga-mukanda (chefe da circunciso) aos iniciados
compreende um conjunto complexo de elementos de natureza animal e de natureza vegetal, misturadas aps
reduo a p. Dos de natureza vegetal, citamos:
folhas do cilombo, planta que impede que um homem de mau humor entre no campo dos
circuncidados;
kulya, para fortificar os novios;
e ainda folhas de ushia, cisangu e musole.
4
Ver a esse propsito a preparao do kapuri, item 2.4.8.
5
Palgrave, 1956, p. 395.
265
enfermidade o doutor usa um ungento que ele prepara misturando alguns ps coletados
de ramos de Vangueriopsis lanciflora com algum tipo de gros comestveis, e ento
adicionando gua at formar uma pasta; isto friccionado no inchao para que diminua, e
considera muito improvvel que o tratamento necessite ser aplicado de novo no segundo
dia1.
A nota dominante e altamente positiva deste kaphele parece estar ligada ao poder
particular de penetrao desta planta; ela entra na composio de diversos remdios para
tornar o corpo permevel ao dos elementos propriamente curativos; e por outro lado,
o remdio de musole tendo penetrado profundamente nas fissuras do corpo, abre o
caminho entrada dos remdios preventivos (por exemplo, no caso de zombo, parotidite,
etc.).
2.4.17.1 - Mundoyo
1
Idem.
266
2.4.17.2 - Mucaca
Entre os Cokwe, o uso mais difundido desta planta provavelmente sua aplicao
como estimulante sexual, sobretudo para os homens; eles sugam debaixo da casca da
rvore e asseguram que isto basta para dar fora ao homem; os mais idosos conhecem
quantidades de plantas para produzir o mesmo efeito. Joo Manuel, o informante
especializado sobre o assunto, enumera as seguintes: mutata-shimba, mukenyenge,
muhala (raiz), kapupula, mundonda, mundongo. Mas a verdade que nem todos eles
sabem distiniguir com segurana estas plantas, e por isso os clientes que as procuram por
intermdio dos especialistas so muito numerosos. A mais procurada precisamente um
fragmento de mucaca que os meninos sugam com obstinao.
Como medicamento, ela entra na composio do remdio da iniciao do
caador5; neste caso, a ao que lhe atribuda de reforar o poder do caador, ou mais
exatamente de tornar esse poder ativo e eficaz.
1
Ver a esse propsito o conto do khai-pessoa, item 2.3.19.
2
Gilges, 1955, p. 31.
3
Noronha, 1946; Ficalho, 1947, p. 87.
4
Delaude e Breyne, 1971, p. 96.
5
H quatro plantas que entram na constituio do remdio iniciador do caador, segundo o informante e
mestre-caador Mwafima:
Musungwa (Combretum laxiflorum Welw), plantas de folhas e casca das quais extrada uma
tinta amarela (Barbosa) e que se identifica pelo fato de apresentar frutos com espinhos.
Ushia, planta que acompanha o cadver sepultura e sobre a qual repousa o morto antes dos
funerais; ela d uma flor que se tranforma em fruto pulposo.
267
2.4.17.3 - Muyombo
Mulombe (Daniellia sp.), rvores muito alta, de casca e folhas medicinais, da qual se faz o
tchikuvu (tambor) com o tronco (Barbosa); tambm uma planta ligada prticas dos funerais, como a
ushia, aplicando-se ambas ao mesmo tempo.
Muhonga (Raphia Buettneri), uma rvore da qual se tira galhos para fazer arcos (Barbosa,
1973).
1
Turner, 1972, p. 211.
2
Gilges, 1955, p. 7.
3
Noronha, 1946.
4
Gilges, 1955, p. 8.
5
Gilges, 1955, p. 29.
268
1
Agron. Angol., 1953, 7, p. 66.
2
Idem.
3
Ver as estatuetas antropomorfas kalamba kuku, item 2.1.4.
4
Miller, 1971, ver Glossrio mulemba.
270
lderes. Uma das poucas rvores que escaparam do machado dos aldees musuhwa, uma
espcie de figo selvagem1.
Gilges soube apreciar muito bem esse freio benfico devastao crescente em
quase toda a zona da savana e que, em numerosos locais, fez da frica no uma terra
que morre2, mas uma terra morta que as manchas arenosas devoram cada vez mais.
Compreende-se a exclamao, que na verdade um voto, pela qual Gilges termina suas
observaes sobre a mulemba: Que diferena uma ou duas destas enormes rvores
majestosas, com sua folhagem sempre verde, vo fazer pra uma aldeia! Elas provm
sombra fresca maravilhosamente, ao invs do parco calor que parece penetrar cada canto
de uma aldeia isenta de rvores3.
2.4.17.5 - Cilama
2.4.17.6 - Mukirici
Se bem que as razes desta plantas sejam muito empregadas como estimulante
sexual, e que seja nesta qualidade que ela faz parte das reservas do mbuki e
eventualmente do tahi, esta planta conhecida sobretudo dos jovens caadores, que
fabricam flechas (kondji) para matar pardais, aproveitando-se de que a planta seja dura e
nodosa.
1
Gilges, 1955, p. 10.
2
Ver a esse propsito o alarme de J. P. Harroy, 1944, frica, terra que morre.
3
Gilges, 1955.
4
Gilges, 1955, p. 25.
5
Agron. Angol., 1953, 7, p. 129.
6
Gossweiler, 1953, p. 129.
7
Watt & Beyer-Brandwijk, 1962, p. 18, p. 397.
8
Agron. Angol., 1953, 7, p. 63.
9
Delaude & Breyne, 1971, p. 98.
271
2.4.17.7 - Muhota
Trta-se de uma planta muito disseminada na maioria dos rituais nos quais se
misturam diferentes espcies de folhas medicinais. Os Cokwe a utilizam ainda hoje
principalmente contra a sarna e contra as doenas de pele; muhotahota (designao lunda)
considerada como capaz de afastar a causa da donea e de substrair as pessoas da vista
dos animais selvagens. Por outro lado, como todo animal selvagem que ataca
considerado como enviado por um nganga (feiticeiro), atribui-se ao muhota uma fora
particular de anti-feitiaria7. Pela mesma razo, atribui-se a esta planta o poder de impedir
a aproximao do marido quando a mulher vai ter um encontro com seu amante. Bastaria
para isso colocar perto do fogo algumas folhas de muhota8.
A relao desta planta com a magia negra parece estar em funo da cor de seus
frutos, que so vermelhos.
As folhas e as razes, ao contrrio, atuam com um valor inteiramente positivo,
pois se lhes atribuem o poder de afastar a m sorte da caa ou da pesca. Basta para isso
preparar uma soluo, mergulhando na gua por algum tempo razes e folhas de muhota;
aplica-se essa soluo aos instrumentos de trabalho, e a caa ser abundante9. O valor
desta planta como febrfugo est, na origem, na hiptese de que se poderia tirar partido
dela no tratamento contra a malria, mas os testes foram negativos. Note-se ainda o uso
de seu latex como purgante.
1
Delaude & Breyer, 1971, p. 99. Ver tambm sua utilizao no ritual oka-vyula (item 2.4.3).
2
Gilges, 1955, p. 30.
3
Palgrave, 1956, p. 196.
4
Agron. Angol., 1953, 7, p. 61.
5
Idem.
6
Cavaco, 1959, p. 145.
7
Ver Turner, 1971, pp. 73-74.
8
Gilges, 1955, p. 9.
9
Palgrave, 1956, p. 109.
272
2.4.17.8 - Mukula
Representa: 1) o sangue
2) no Nkula:
a) o sangue menstrual
b) o sangue do parto
1
Turner, 1972, p. 103. Outras plantas importantes na vida ritual mas cujas informaes so insuficientes:
musombo, lukoci, mufulafula.
274
2.5.0 - Introduo
1
White, 1949, pp. 229-230.
2
N. do T.: vapor; relativo a trem movido a vapor (Maria-Fumaa).
3
White, 1949, p. 30.
276
Esta explicao (talyanga) partilhada tanto pelo homem da aldeia que est longe
do contato com o europeu quanto pelo operrio que trabalha nas minas de diamantes h
tempos. As mquinas poderosas seriam necessariamente o preo de vidas humanas!
1
Cisoji pequeno pedao de copo e objeto simblico do ngombo ya cisuka, pressageando a sua apario
a morte da pessoa doente (Bastin, 1961, p. 137).
2
Delachaux, 1946, pp. 53-54.
3
Turner, 1961, p. 66.
277
1
Baumann, 1935, p. 172.
2
Bastin, 1961, p. 245.
3
Santos, 1960, p. 173.
4
Tucker, 1940, p. 195.
5
Hambly, 1934, p. 275.
6
Turner, 1961, p. 68.
278
obter sal1, de acordo com nosso informate, os Cokwe somente em casos excepcionais
aceitavam vender seus prprios filhos. A maioria dos chefes Cokwe tinham escravos o
bastante para poder vender uma parte e guardar os outros para a aldeia. Upite significa
portanto riqueza, dinheiro, mas tambm escravos.
2.5.4 - Longa
(foto 455)
1
Carvalho escreve a esse propsito: ... de toda mulher que j tinha duas crianas, o terceiro pertenceria ao
Muata e todos os outros seriam destinados aquisio do sal (Carvalho, 1890, p. 708).
2
Bastin, 1961, p. 60.
3
Ver item 2.5.1.
4
Barbosa, 1937.
5
Tucker, 1940, p. 193.
6
Ver item 2.1.13.
279
1
Delachaux, 1946, p. 54.
2
Delachaux, 1946, p. 54.
3
Ver item 2.3.6.
4
Hauenstein, 1961, p. 150.
280
2.6 - Concluso
1
Turner, 1961, p. 70.
2
Milheiros, 1960, p. 110.
3
Santos, 1960, p. 169.
4
Bastin, 1961, p. 77.
5
Tucker, 1940, p. 196.
281
vezes, o adivinho mestre-iniciador (tata wa ngombo) quem faz a maioria das estatuetas
para o cesto de seu discpulo (mwana wa ngombo).
No que concerne ao grupo das estatuetas manufaturadas no-antropomorfas, no
h necessidade de recorrer a um especialista escultor; h sempre algum dentre os
conhecidos do adivinho capaz de fazer essas miniaturas. A maior parte desses smbolos
so inspirados tambm pela vida cultural; com efeito, alguns representam miniaturas de
diferentes objetos utilizados nas danas (a enxada, a piroga, etc.); outros tratam das
diferentes atividades da vida dos Cokwe, principalmente a caa, o exerccio do poder, a
preparao dos alimentos, etc.
Os tuphele de origem animal so sempre muito numerosos; com freqncia
encontra-se no mesmo cesto vrios exemplares do mesmo smbolo: so as lembranas
do caador; cascos ou unhas de animais abatidos guardados no cesto como prova (ou
lembrana) do sucesso na caada aps a consulta ao ngombo.
A maioria dos restos de origem animal presentes no cesto so smbolos
divinatrios; mas h tambm os que so s remdios (yitumbo); outros constituem os
phelo (elementos que acompanham os remdios). Em compensao, dentre os numerosos
objetos de origem vegetal, os yitumbo so freqentemente mais numerosos que os
smbolos divinatrios, alm do que tambm h restos de origem vegetal cujo papel de
acompanhar os remdios para estimular sua ao (luphelo).
A frica Central apresenta um conjunto bastante vasto de processos mgico-
religiosos que utilizam elementos naturais ou fabricados. A simples enumerao dos
diferentes elementos e sua comparao nos permitiria provavelmente definir as grandes
linhas de um universo mgico-religioso por detrs de algumas contingncias culturais e
geogrficas. O inventrio de todos os objetos mgico-religiosos que constituem os
apetrechos dos adivinhos, bem como a lista dos ingredientes que entram na confeco de
um fetiche seriam elementos fundamentais para pr em relevo a antiga cultura bantu
todo dia posta em evidncia pelo progresso de ordem lingstica.
A prpria natureza dos objetos utilizados nas diferentes tcnicas divinatrias nos
permite descobrir desde j um fio condutor, nem sempre facilmente reparvel, em muitas
tcnicas divinatrias da frica Central e alm dela.
No caso do cesto divinatrio dos Cokwe, em particular a anlise de seu
contedo e a dinmica de seu funcionamento, por alm das fronteiras da etnia, que nos
permitem avanar no estudo da organizao semntica do ritual, o verdadeiro ponto de
apoio de todo jogo livre dos tuphele.
este aspecto fundamental da inspirao ritual desta tcnica divinatria que
preciso analisar agora para compreender como, num sistema aberto como o dos tuphele,
o arbitrrio permanece nos limites estritos da inspirao ritual. Se a natureza da matria
divinatria aparece... como o meio-termo ou o intermedirio entre o adivinho e a
realidade porque os objetos utilizados formam um conjunto coerente desde a iniciao
do adivinho; eles sero sempre a expresso simblica da realidade vivida pelo adivinho.
Com a iniciao, o adivinho torna-se o nico detentor autorizado, no somente para
desvendar as mensagens, como tambm para suscitar outras e mesmo (o que acontece
muito raramente) para alargar o estoque dos elementos do cdigo. O poder do adivinho
portanto redobrado, mas o lugar do adivinho na sociedade importante demais para que
ele possa na prtica utilizar esse poder sem se importar com os resultados.
282