A Teoria de Stanley Hall

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ARTIGO

AS IMPLICA~ESPEDAG~GICASDA TEORIA
DO DESENVOLVIMENTO HUMANO DE STANLEY HALL

Kleber d o Sacramento do

RESUMO
Busca-se apresentar, por intermdio deste estudo, a teoria de
desenvolvimento humano de Stanley Hall, considerada como uma
psicologia gentica, e, ao mesmo tempo, situ-lo no quadro da psicologia e
pedagogia norte-americanas. Alm disso, aborda-se tambm em que medida
suas idias influram no pensamento educacional norte-americano no final
do sculo XIX e inicio do sculo XX.

UNITERMOS: Desenvolvimento humano, educao.

Os estudos sobre o desenvolvimento humano tiveram sua grande


arrancada no final do sculo XIX e inicio do sculo XX por meio da
biologia e psicologia, ramos do conhecimento emergentes nesse perodo
enquanto cincias particulares. Historicamente, as questes acerca do
desenvolvimento humano vm preocupando ao longo dos tempos filsofos e
educadores das mais diversas correntes do pensamento. Idealistas e
realistas, ambos inseridos em suas vises singulares de homens e de mundo,
trataram ou indagaram a respeito do processo de desenvolvimento.
Caminhando sob a tnue linha histrica demarcatria da razo e da f, os
estudos e os embates acerca da natureza humana abriram caminho para o
advento da psicologia do desenvolvimento, entendida mais amplamente
como rea do conhecimento preocupada com os problemas referentes a
natureza, as caracteristicas do crescimento e desenvolvimento da criana,
aos mecanismos de aprendizagem e comportamento e com os fatores
genticos e ambientais circunscritos em todo esse processo, conforme
abordagem de KAGAN et al. (1977, p.5).
Notadamente, tm-se como marco demarcatrio do surgimento
da psicologia infantil cientfica os estudos sobre o evolucionismo levados a

* Professor do Departamento das Cincias da Educao da FUNREI - Fundao de


Ensino Superior de So Joo Del Rei - MG.
Mestre em Educao Fsica - Cincia do Movimento Humano pelo Centro de
Educao Fisica e Desportos da Universidade Federal de Santa Maria.
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efeito por Cliarles Darwin. O seu clebre trabalho "As Origens das
Espcies" foi a mola propulsora desse processo, deslanchando a partir da os
estudos de natureza cientfica sobre o desenvolvimento da psicologia
infantil. Tem-se, pois, que, de estudos einpricos levados a cabo por teorias
filosficas e religiosas, passa-se a partir de ento a ter como embasamento
as teorias evolucionistas propostas a partir de Darwin e seus continuadores.
Na trilha dessa caminhada se enquadram os estudos de Stanley Hall. Suas
investigaes sistemticas no trabalho de observao de crianas fizeram
dele pioneiro no campo da psicologia infantil americana. 'Trabalhando com
-.
uma nova tcnica de pesquisa - o questioiirio abrangendo u m grande
nmero de sujeitos, tinha como finalidade inicial "a obteno de dados
representativos, visando determinar as relaes existentes entre experincias
passadas" (KAGAN et al. 1977, p.7). Segundo relata KAGAN, a
iiietodologia empregada por Hall denotou ~ i msignificativo progresso,
comparando-se as abordagens anteriormente levantadas, de cunho
biogrfico e filosfico, no tratamento das questes de desenvolvimento
infantil.
Nestes estgios dos estudos sobre a temtica. as indagaes
preocupavam-se efetivamente com a descrio prccisa dos eventos mais do
que com sua explicao intrnseca. Dentro dessa viso naturalista,
disseminada pelas teses das teorias evolucionistas, Hall se situa dentro da
vertente do maturacionismo. Tais estudos sobre maturao do sistema
cognitivo e nervoso o levam na direo da abordagem dos mecanismos
hereditrios como fator determinante do desenvolvimeiito da criana.
Em nvel pedaggico, so tain bm significativas as suas
contribuies. Assentado em bases filosficas e, sobretudo, psicolgicas,
desenvolveu Hall em educao aquilo que autores como EBY (1962)
chamavam de filosofia gentica aplicada a educao: uma tentativa de
abordar o processo mental e os fatores de desenvolvimento e aprendizagem
infantil atravs das teorias evolucionistas emergentes no final do sculo
XIX. As teorias da educao nesse perodo tambm se aperceberam da
importncia dessas discusses para a reflexo e de recuperar suas teses e
consideraes. Estava se abrindo, assentada nessa viso de homem e
natureza, entendida em permanente evoluo e mutao, uma pedagogia
cientfica, preocupada com os mesmos questionamentos que comeavam
nesse momento a serem efetivamente colocados pela psicologia
estruturalista e funcionalista. Hall, em especial, traz para a educao, no
interior desse processo de aprendizagem e desenvolvimento humano, as
idias de recapitulao das teorias biogenticas de Haeckel e Darwin. Foram
importantes na medida em que trouxeram para o campo da educao
eleinentos pouco considerados da psicologia evolutiva e da biologia. Abre-
se com Hall na educao americana do incio do sculo XX uma nova
possibilidade para a reflexo pedaggica naquela sociedade.
O intuito do presente estudo de reviso literria abordar, a luz
do pensamento evolutivo de Hall, a sua teoria desenvolvimentista da
recapitulao, ao mesmo tempo que analis-la e situ-la dentro de seu
pensamento pedaggico como mecanismo possibilitador de uma melhor
compreenso acerca de aprendizagem e desenvolvimento da criana, situada
esta no contedo da escola e das teorias da educao.
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VIDA E PENSAMENTO DE STANLEY HALL

Granville Stanley Hall (1844-1924) foi criado como garoto de


uma famlia rural de Massachusetts. Ingressou no Willian College visando
se preparar para o ministrio religioso. Percebendo suas idias
demasiadamente liberais para a vocao escolhida, volta-se para a filosofia.
Durante trs anos estudou filosofia e fisiologia na Europa. Ao regressar aos
Estados Unidos, obtm grau em teologia, mas apenas predicando durante 10
semanas. Aps ocupar vrios cargos acadmicos, Hall foi estudar em
Harvard, obtendo em 1878 a ctedra de William James (este, um dos
precursores e fundador da corrente americana do funcionalismo),
conquistando dessa forma o primeiro doutoramento americano em
psicologia. Terminado seu doutorado, Hall retoma a Europa, passando dois
anos na Alemanha. L, foi o primeiro aluno americano de Wundt em
Leipzig (1 879). Ao longo de seus estudos, Hall caminhou em varias reas de
investigao do conhecimento. Ao retornar aos Estados Unidos, procurou
fundar uma grande quantidade de instituies, dentre as quais o American
Journal of Psicology, em 1887. Assume em 1891, a convite, a presidncia da
Universidade de Clark, em Massachusetts. Funda tambm em 1891 o
Pedagogical Seminary. Em 1892, ano da chegada de Titchener aos Estados
Unidos, planejou-se a criao do American Psychological Association,
sendo Hall seu primeiro presidente.
MARX e HILLIX (1990) citam que Hall tem uma passagem das
mais variadas dentro da carreira de psiclogo profissional. Tem grande
importncia pela abertura realizada em novos campos e atividades de
natureza utilitria ou funcional, mesmo antes de efetivamente existir uma
escola funcionalista.
Conforme consideraes dos autores acima apresentados,
O desenvolvimento da psicologia como disciplina acadmica
cientzfica, levado a efeito por Hall na Universidade de Clark, de
considervel interesse; resultou na incomum situao de que a mais
recente de todas as disciplinas cientzjicm assumia o papel de maior
importncia na escola superior, primordialmente findada para o
adestramento cientzjico. (p. 26).
Hall, dentro desse seu esprito desbravador, continuou
desenvolvendo novas reas da psicologia, passando pela infncia,
adolescncia (em que se situa sua obra de maior peso) e velhice. No
bastando isso, trabalhou nos campos da psicologia aplicada, psicologia
educacional, psicologia do sexo, psicologia da religio e at na questo das
sensaes alimentares. Pode-se dizer, fundamentado em CLARKE-
STEWART et al., que Stanley Hall trouxe a curiosidade de Darwin e a viso
naturalstica para um novo estudo do comportamento humano conhecido
como psicologia. Acreditava Hall que para se entender o desenvolvimento
humano era necessrio desvendar os segredos da vida humana. Esses
autores reforam a versatilidade intelectual de Hall, dispersa em seus mais
de 400 livros produzidos. Teve como alunos homens como Thomas Dewey,
Arnold Gessel e Lewis Terman, homens estes que viriam a liderar a nova
gerao de psiclogos americanos.

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Sua dedicaqo e seir crescente interesse pela evoluo do jovem
\fio explicitados pelas grandes contribuies dadas para a psicologia da
crianqa e do adolescente. Muitos artigos sobre crianas escritos por ele so
criticados na atualidade porque, mesmo sendo entusisticos e espirituosos,
no foram cientificamente conduzidos, isto , no se encontrava neles
presentes o rigorisino exigido pelo mtodo cientfico. O conceito de
adolescncia foi por ele criado em 1904, embasado por um questionamento
cientfico, atravs de sua obra "Adolescncia", editada em 2 volumes.
Procuroii neste estudo integrar o conhecimento cientfico e literrio presente
sobre o assunto. Interessante observar, conforme relata CLARKE-
STEWART et al., que:
Antes de 1880 o conceito de adolescncia, como ns entendemos hoje,
no existia (DEMOS e DEMOS, 1969). En~boraas pessoas estivessem
preocupudas sobre o esprito rebelde e irreverente que ainda
prevalece, unl pecudo ultrajante entre os jovens de nossa terra
(BURTON, 18631, u udolescncia conzo um perodo distinto no entrou
nu conscinciu popular at o final do sculo XIX. Mas no filzal do
sculo a literatura popular e a cientJica comeum a ver a criana e o
udolescente conzo grupos especiais cujos comportamentos, se algumas
vezes inconlurn, era apropriado para seu estgio especjico. (p. 12).
Algiirnas de suas co~isideraes sobre a adolescncia so
expostas pelos inesrnos autores:
... Conio um leul Durwinista, Hall acreditava que u udolescncia
poderiu .ser u ponte entre as pessoas em seus presentes estados e os
"superandrcides" com os quais eles se envolveriam. Corretamente
identificado o ideulisn~o como uma caracterstica peculiar du
udolescncia, Hull erroneamente pressups que as crenas idealistas
seriam transmitidas uutomuticamente em atos idealistas. Ele tambm
ucreditava que a sexualidade e o crescimento fsico eram mais
importantes do que o crescimento cognitivo. Hall descreveu a
udolescncia como um perodo de tempestade e stress, e este
esteretipo da adolescncia como um perodo de rompimento e
extremismo vive ainda hoje. (p. 12).
Suas vises eram tidas como controvertidas. Hall recebeu Freud
em sua nica visita a Amrica, vindo a ser um expoente do trabalho
psicanaltico desenvolvido pelo eminente mdico de Viena. Foi, em vista
disso, criticado por demonstrar um significativo interesse por psicanlise e
sexo. A influncia de Hall entendida como limitada na psicologia pelo fato
de o mesmo no ter-se restringido a uma simples teoria ou mtodo, dando
por conseguinte uma direo muito variada aos seus interesses
investigativos, num momento em que a psicologia estava se formando e
apresentava bem nitidamente suas diversas correntes de pensamento.

A TEORIA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO DE STANLEY


HALL
A teoria de desenvolvimeiito humano de Hall, embasada nas
teses evolucionistas de Darwin e, sobretudo, na teoria biogentica fundada
8 R. min. Educ. Fs., Viosa, 2(2): 5-15, 1994
pelo bilogo Ernest Haeckel, inscreve-se dentro de uma abordagem
desenvolvimentista, pegando gancho em Haeckel, em seus estudos
referentes a recapitulao no contexto da evoluo das espcies. Hall atribui
ao desenvolvimento da criana este mecanismo de recapitulao, propondo
que a mesma, neste caminhar qualitativo e quantitativo, repete, numa ao
orgnica retrospectiva, o vivido pelos seres humanos que a antecederam em
seus perodos de desenvolvimento. Adotando o princpio (tomado da forma
que foi enfatizado por Darwin e Haeckel) segundo o qual a ontognese
recapitula a filognese, Hall estabelece, pois, que lia infncia a evoluo
social do homem simplesmente se repete, ou seja, no indivduo, em seu
desenvolvimento pessoal, processam-se os mesmos procedimentos
evolutivos ocorridos com sua prpria espcie. A infncia , portanto,
predeterminada por estes condicionantes hereditrios inscritos na espcie
humana. Este perodo da vida humana seria marcado pela nfase no fator
biolgico. O comportamento da criana seria entendido por Hall como mais
instintivo que social. Melhor dito, a teoria da recapitulao, entendida
dentro deste vis psicolgico fundado por Hall, estabelece que a histria
experimental da espcie humana torna-se parte da estrutura gentica de vida
do indivduo.
A esse respeito, MUUSS (1978), ao tratar daquilo que chamou
de psicologia biogentica de Stanley Hall, observa que, a luz destes
princpios, o que se podia entender era que:
... o organismo do indivduo, durante um desenvolvimento, passa
atravs de estgios correspondentes aos que ocorrem durante u
histria da humanidade, isto , o indivduo revive todo o
desenvolvimento da espcie humana desde o estgio quase animal nas
eras primitivas, num estado de selvageria, at os mais recentes modos
civilizados de vida que caracterizam a humanidade. (p. 21).
Para ele o desenvolvimento era processado por fora de fatores
fisiolgicos, os quais tinham uma determinao gentica, isto , "que foras
internas direcionais seriam o fator predominante do controle e da direo do
desenvolvimento do crescimento e do comportamento" (MUUSS, 1978, p.
26).
Fica enfatizado, tendo em vista esta colocao, que o meio
ambiente social no era uma varivel interveniente nesse processo, o que foi
fortemente rebatido pelos antroplogos e socilogos de tendncia
culturalista. Por no considerar o meio ambiente como varivel
determinante no processo de desenvolvimento do ser humano, Hall
aconselha aos pais e educadores que fossem tolerantes com seus filhos nesta
fase quando certos comportamentos se apresentarem frente a eles como
inaceitveis. Eram, segundo Hall, comportamentos que caracterizavam fases
arcaicas da histria evolutiva do homem necessrias para que a criana
chegasse ao estgio posterior de desenvolvimento social. Estes
comportamentos desapareceriam nos prximos estgios de desenvolvimento
(adolescncia) sem haver necessidade de correo educacional ou de cunho
disciplinar.
De acordo com esses princpios formulados, Hall prope que o
desenvolvimento do indivduo se d em estgios (semelhantes ao proposto
por Rousseau). So estes: primeira infncia, juventude e adolescncia. Estes
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estgios de desenvolvimento so apresentados tendo como fundamento,
como base conceitual, o enfoque recapitulacionista.
MUUSS (1978) assim os apresenta:
O estgio da primeira infncia inclui os primeiros quatro anos de vida.
Enquanto a criana est engatinhando ela est revivendo a fase
animal da espcie humana, quando o homem caminhava sobre quatro
pernas. Durante este perodo, o desenvolvimento sensorial
dominante: a criana adquire aquelas habilidades senso-motoras
necessrias auto-preservao.
O perodo da infncia -que se estende de 4 a 8 anos- presumivelmente
corresponde a poca cultural, quando a caa e a pesca eram as
principais atividades do homem. Esta a poca em que a criana
brinca de "esconde-esconde", "bandido e mocinho" e faz uso de armas
de brinquedo, etc. Ao contrrio de cabanas e outros esconderijos,
paralela a cultura do homem das cavernas, da pr-histria.
A juventude - 8 a 12 anos - inclui o perodo hoje conhecido como 'Ipr-
adolescncia", Durante este estgio a criana revive a vida montona
dos selvagens de h muitos milnios. Este um perodo de vida no
qual a criana tem uma grande predisposio para agir e exercitar-se,
quando o treinamento e exerccio de hbitos so mais apropriados ...
Adolescncia o perodo que se estende desde a puberdade
(aproximadamente aos 12-13 anos) at atingir o estado adulto pleno.
De acordo com Hall a adolescncia termina comparativamente tarde,
entre 22 e 25 anos de idade. ... nos termos da teoria da recapitulao,
a adolescncia corresponde a poca em que a raa humana passava
por um perodo de turbulncia e transio. Hall descreveu a
adolescncia como um renascimento, para que possam nascer
caractersticas mais elevadas plenamente humanas. (p. 23).
Completadas, portanto, estas fases, o ser humano se encontra na
adolescncia terminal, em que o indivduo recapitula o estgio do comeo
da civilizao moderna. Encerra-se o processo de desenvolvimento, e o ser
humano alcana a maturidade.
De acordo com essa concepo de desenvolvimento humano,
pouca influncia h dos fatores ambientais neste processo. Nesse sentido,
pouco haveria de se fazer na educao da criana, isto , acima de tudo
caberiam aos pais a conduo da educao dos filhos, pacincia e tolerncia.
A interferncia pedaggica do meio e do adulto estaria limitada por este
determinismo da natureza evolutiva dos seres vivos e do homem. As foras
internas que dariam a direo ao desenvolvimento. Este direcionamento
interno seria o potencial prprio da criana, seu prprio desenvolvimento.
Entretanto,
...a psicologia gentica de Hall no via o ser humano como um
produto final e acabado do processo de desenvolvimento; acena com a
possibilidade de uma continuao indefinida do aperfeioamento
humano (MUUSS, 1978, p. 24).
Importante observar que a teoria psicanaltica do
desenvolvimento formulada por Freud encontra pontos em comum com a
teoria da recapitulao de Hall. Mesmo no incluindo em seus preceitos
uma teoria especfica da recapitulao, considera que o indivduo, em seu
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desenvolvimento, sofre as experincias anteriores da humanidade no seu
desenvolvimento pessoal.

A CONCEPO EDUCATIVA CONCEBIDA EM HALL COMO


UMA FILOSOFIA GENTICA
Antecedentes
Em nvel da teoria educacional propriamente dita, Hall est
situado historicamente num contexto do final do sculo XIX, em que se
percebe uma derrocada da era humanstica, isto tanto na Europa como na
Amrica. H instalada uma insatisfao com os sistemas correntes de
educao. Justificam tal quadro, dentre outras causas, a enorme expanso do
conhecimento, a intensificao do nacionalismo, o conflito entre as vrias
filosofias da educao e, como se analisou em momentos anteriores deste
estudo, o impacto da teoria da evoluo biolgica. Os baluartes do
Humanismo e do Idealismo foram vigorosamente atacados pelos defensores
do Evolucionismo cientfico. As cincias biolgicas e fsicas tornam-se
focos de ateno, em contraposio cultura humanstica. Encravadas neste
conjunto das cincias biolgicas e fsicas se achavam as teorias da evoluo,
j h muito em discusso. Hegel, refletindo sobre essa temtica, buscou
explicar o mundo, o homem e Deus como um processo de evoluo
csmica. Acreditava ele que o universo era o desdobramento do esprito
numa escala absoluta.
Inicialniente, este esprito havia tomado o aspecto de fora cega,
inconsciente, que desenvolveu as formas e processos infinitos da
natureza; ento, tornou-se consciente de si mesmo no homem,
indivduo, depois na sociedade em geral e, finalmente, na vida
orgnica do Estado (EBY, 1962. p. 508).
Entretanto, tais teses foram consideradas pelo espirito cientfico
da poca como demasiadamente especulativas e carentes de confirmao
objetiva. Ao que parece, Darwin foi quem conseguiu, de modo mais
completo e com elementos de cientificidade, desenvolver uma teoria da
evoluo de tremenda repercusso para o pensamento cientfico. Conforme
colocaes de EBY ( 1 962, p. 508):
... nenhuma teoria cientijca, alm de Coprnico, janiais rrouxe
perturbao a toda ordem do pensunlento humano to iniediutanienre
catastrfica e universal. A investigao biolgica, da enz diante,
tomou o primeiro lugar no interesse humano durante duas geraes. A
reviso das idias foi exigida em todos os canipos de estudo e novus
teorias de psicologia e educao, nunta base nuturulista, foranz uniu
conseqncia da concepo rnodzjicada da natureza do esprito e sua
posio no universo. Foi ento possvel uma explicao quanto ao
lugar da infncia no esquema geral dessas coisas.
Outro aspecto importante para o contexto ein que se situa Hall
foi o da significativa influncia dos objetivos educacionais europeus
predominantes na estrutura educacional americana. Digna de destaque foi a
filosofia educacional do filsofo alemo Herbart, fundada na psicologia
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gentica, que foi o paradigma do mtodo de instruo para as escolas
alems. Hall posteriormente se inscreve como um dos inflrienciados pelas
idias europias sustentadoras em grande monta de suas teorias em
psicologia e em pedagogia.

A Importncia de Stanley Hall para a Educao

Sua estada no continente europeu, onde realizou inmeros


estudos e tomou contato com as avanadas teorias psicolgicas e
pedaggicas da poca, foi importante para o repensar da educao em seu
pas. Ao regressar, integrou um grupo de pioneiros que passaram a
investigar as questes referentes a psicologia gentica e a educao, bem
como o processo de organizao escolar. Sua preocupao especial na
psicologia gentica era entender o funcionamento da mente a luz dos
critrios evolutivos da teoria biolgica de Darwin. Esse estmulo pela
investigao da evoluo mental revela, em contrapartida, um profundo
interesse pela educao. Segundo PRUETTE (1 926, p. 22 l), citado por EBY
(1962, p. 523), "Ele lutou para compreender a histria da mente, a fim de
compreender as possibilidades de uma nica criana."
Tendo como suporte suas teorias sobre a recapitulao, Hall
caminha em direo dos estudos sobre a natureza infantil. Em 1880, publica
um estudo sobre o "Contedo da mente das crianas ao ingressarem na
escola." Importante tambm foi a publicao do "Semanrio Pedaggico",
dedicado aos estudos sobre a criana e sobre a educao. Contudo, sua obra
de maior relevo foram os dois volumes intitulados: "Adolescncia, sua
psicologia e suas relaes com a filosofia, antropologia, sociologia, sexo,
crime, religio e educao", considerado o tratado mais amplo j dado sobre
o assunto. Foram marcantes para a educao secundria nos EUA os estudos
dos feninenos da adolescncia levados a cabo por Hall. Conforme EBY
( 1962, p. 525):
Trouxe muitas contribuies ao acarretar a organizao da escola
secundria 'yunior " e do colgio -j~nior'~; alterou findamentalmente
os curriculos secundrios e, de nzuitas maneiras, afetou os mtodos de
instruo e disciplina. A popularizao do conhecimento da vida do
adolescente nludou profindamente a atitude dos pais, professores e
elenlentos rel~giosos,conz relao ao trato dos jovens.
Teve iiin grande inrito na educao ao tratar da teoria da
recreao, colocando-se entre os grandes reformadores educacionais que
favoreciam o brinquedo. O jogo para ele era uma expresso dos antigos
hbitos da raa que foram armazenados no sistema nervoso e transmitidos
pela liereditaridade. Segundo ele, a educao inicial deve se dar
principalmente por meio do brinquedo. Conforme ele inesmo relata, em
citao feita por EBY (1 962):
O brinquedo a nlelhor forma de educao porque exercita poderes
da mente e do corpo que, enz nossa civilizao atualmente
especializada numa teoria. de outro modo, no teria possibilidade de
se de.se~~i~olver.
A ,fim de cotnprender o instinto de jogo, devemos
conhecer crlgurt~ucoisa da vida passada da raa.

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Prescrevia para a educao da criana no s o brinquedo
dirigido para as atividades motoras especialmente. Entendia que os mitos,
contos de fadas e da carochinha, enquanto brinquedos da mente, eram
essenciais para o dese~ivolviinentosadio da melite como o brinquedo fsico
o para o cresciinento e a coordenao de msculos e nervos que levam ao
controle motor. Nesse aspecto recebe, ao que parece, influncia da filosofia
idealista de Plato, quando se refere ao inundo da fantasia na educao.
Percebem-se tambm em Froebel e Andersen estes elementos platnicos da
fantasia do brinauedo.
Dessa forma, em seu entender, o sentimento e a emoo afetam o
intelecto diretamente atravs da imaginao, expressos na f e na crena que
representam a vida da raa. O domnio do intelecto pela vida psquica
fundamental se d, segundo ele, pelo mito. Elementos platnicos esto
subjacentes, em certa medida, nessa sua argumentao. Hall entende que os
mitos surgiram dos sentimentos da raa e criaram um mundo de irrealidade.
Nesse sentido, EBY (1 962, p. 526), intrepretando Hall, observa que:
... Os mitos surgiram dos sentimentos da raa e criaram um mundo de
irrealidade. A mente em crescimento da criana recapitula o instinto
criador de mitos da raa. A criana vive em dois mundos,
simultaneamente: o mundo dos sentidos ou das coisas e o mundo du
fantasia; o mundo da dura realidade e o mundo de experincias
ancestrais que existe dentro dela. A verdade, para a criana, apenas
em parte uma questo de experincia sensorial. Ela est,
constantemente, na elaborao, partindo de seus prprios instintos, de
um corpo de verdade; ela faz isto de modo muito pouco controlado
pelo ambiente que a cerca.
Compartilhando das idias de Rousseau e Froebel, no que
concerne as fases na vida da criana e na educao, Hall reconhecia que o
dese~ivolvimento Iiumano individual procedia por fases distintas,
representativas das grandes eras histricas. Tambm acreditava em
progressos especiais, dados quando funes de rgos especficos
irrompiam subitamente, acarretando novas atividades e experincias.
Alm de abordar a luz da psicologia gentica o desenvolvimento
da criana, Hall, ein se tratando de educao, tambm discutiu assuntos
como o regime de creclies, a reconstruo do jardim de infncia, a
vitalizao da educao primria e elementar, a reforma da escola
secundria, a reforma da escola dominical, a organizao das escolas
normais para a formao de professores, e muitas fases da educao colegial
e universitria. Preocupando-se com problemas relativos a sade e ao
desenvolvimento fsico, caracterizou-se como um dos pioneiros da higiene
fsica e mental. Discutiu, por conseguinte, questes referentes a
aglomerao de escolas, aquecimento, iluminao e ventilao dos prdios
escolares, dana e outras formas de recreao, instruo sexual,
anormalidades da mente, Iiigiene social, moral e eugenia. No terreno da
inetodologia do ensino, Hall teceu consideraes sobre mtodos de ensinar
histria, religio, moral, literatura, retrica, leitura e outras matrias. Para
ele os mtodos deveriam ser adaptados a matria e a psicologia dominante
da fase especfica em que se encontrava o indivduo em desenvolvimento.

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CONSIDERAES FINAIS
Mesmo sendo pouco tratadas pelas teorias da educao, foram
significativas as contribuies de Hall. Toma-se, especialmente, o seu valor
para uma emergente cincia como a psicologia, sobretudo em seu brao
pedaggico representado pela psicologia da educao. Seu vis de educador
est sobremaneira presente na histria da educao na Amrica do Norte,
nos significativos momentos do incio do sculo XX, carregado por uma
tempestade de transformaes. Hall abriu caminhos para as primeiras
discusses educativas deste incio de sculo na sociedade americana. Suas
teses polmicas sobre a recapitulao, perdidas ao longo do tempo,
merecem um reestudo visando aquilatar sua real influncia no mundo
acadmico americano enquanto formulao terica e na educao daquele
pas, enquanto ramo utilitrio e de aplicao. Interessante seria tambm
retom-la a luz dos princpios e teorias do jogo e da ludicidade infantil, as
auais brevemente fizemos referncia neste estudo. Entendemos noder
encontrar em seu bojo eleinentos importantes para uma educao
valorizadora do Idico coino forte elemento antropolgico e cultural, bem
coino dotada de subsdios Dara a discusso da recreaco e do lazer na
instituio escola e, mesmo, na teoria da educao.
Conforme observa EBY ( 1 962, p. 530):
Poucos historiadores e filsofos educucionais do ltimo meio sculo
esto cientes das exploraes de Stanley Hall, e as referncias a suas
opinies tm sido depreciativas e, muitas vezes, bastante falhas.
Acusam-no de ser um herbatiano, quando na realidade nada poderia
estar mais distante da verdade. Seu mtodo foi chamado de no
cientljko, apesar do fato de ter introduzido a psicologia experimental
de Wundt eni seu pas; e apesar de seus volumes monumentais sobre a
~dole~scnciu,o mrito de ter introduzido essa cincia foi
surpreendentemente atribudo a outrem. Uma conspirao de silncio
e depreciao impediu a gerao passada de conhecer a importncia
dessa figura colossal.
Dessa forma, aceitas ou no pelo juizo cientfico, seguro
afirmar que, resguardado o seu coritexto histrico-cultural, seu pensamento
colaborou para os avanos nos estudos no campo da psicologia e da
educao na Amrica do Norte.

EBY, Frederick G. Stanley Hall e a filosofia gentica. I n : . Histria da


educacao moderna. trad. Maria Angela Vinagre de Almeida. Porto
Alegre: Editora Globo, 1962.
CLARKE - STEWARD, Alison et al.
approach. [S. I.: S. n., 19-1

14 R. inin. Educ. Fis., Viosa, 2(2): 5 - 15. 1994


MARX, H. Melvin, HILLIX, A, Willian. Funcionalismo. In: . Sistemas
e teorias em psicolo~ia.Trad. Alvaro Cabral. So ~ a u l o : m t r i x ,1990.
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