Apocalipse e Literatura PDF
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Editora da Universidade
Estadual da Paraba
Diretor
Cidoval Morais de Sousa
Diagramao
Jfferson Ricardo Lima Arajo Nunes
Conselho Editorial
Alain Vuillemin, UNIVERSIT DARTOIS
Alfredo Adolfo Cordiviola, UFPE/UEPB
Antonio Carlos de Melo Magalhes, UEPB
Arnaldo Saraiva, UNIVERSDADE DE PORTO
Ermelinda Ferreira Araujo, UFPE/UEPB
Goiandira F. Ortiz Camargo, UFG
Jean Fisette, UNIVERSIT DU QUBEC MONTRAL ( UQAM)
Max Dorsinville, MC GILL UNIVERSITY, MONTRAL
Maximilien Laroche, UNIVERSIT LAVAL, QUBEC
Regina Zilberman, PUC-RS
Rita Olivieri Godet, UNIVERSIT DE RENNES II
Roland Walter, UFPE/UEPB
Sandra Nitrini, USP
Saulo Neiva, UNIVERSIT BLAISE PASCAL
Sudha Swarnakar, UEPB
Revisores
Eli Brando da Silva, Luciano B. Justino,
Sbastien Joachim, Antonio Magalhes
Literatura e Sagrado
Campina Grande - PB
Sumrio
Apresentao, 7
Antonio Carlos de Melo Magalhes
Apocalipse e Literatura, 93
Paulo Augusto de Souza Nogueira
Ohne das Geglaubte wre die Welt immer noch wst und leer
Martin Walser ber Religion, 201
Karl-Josef Kuschel
Apresentao
Resumo
Em diversas tradies religiosas h o entendimento de que a mstica possibilitaria
uma espcie de saber negativo na medida em que essa desvela o vazio semntico da
linguagem e do mundo. O discurso mstico seria, nessa perspectiva, uma ascese que
conduz a um no-saber, a uma noite escura que, no obstante, ilumina e produz
uma experincia - vazia de contedo - que seja ferida aberta na linguagem do sujeito
cognoscente. O artigo pretende desenvolver algumas aproximaes entre o discurso
mstico e a linguagem potica, entendendo ambos como projetos antidiscursivos
que intentam calar em ns tudo que nos seja previsvel e interdito, fundando outras
margens, terceiras, extraordinrias e sagradas no rio de nosso mundo-linguagem.
Abstract
In many religious traditions there is the understanding that the mystical would
allow a kind of knowing negative in so far as to reveal the semantic emptiness of
the language and of the world. The speech of the mystical, in this perspective, it is
one ascese that it leads to one not-to know, it leads to a dark night that illuminates
and produces an experience of emptiness propositional speech.. The article seeks
to develop some similarities between the mystical discourse and poetic language,
understanding that both are anti-discursives projects that attempt to silence in us
all that is predictable and the interdict, and found other banks, extraordinary and
sacred, in the river of our world-language.
1 O artigo integra minha tese de doutorado de ttulo Por um Deus que seja noite, abismo e deserto: consi-
deraes sobre a linguagem apoftica, defendida na PUC-Rio em 2010.
2 Graduada em Letras pela UERJ, Mestre em Estudos de Literatura pela PUC-Rio e Doutora em Estudos
de Literatura pela mesma instituio. Atualmente professora de Literatura Brasileira na UFRJ. Contato:
[email protected].
SocioPotica - Volume 1 | Nmero 8
10 julho a dezembro de 2011
3 Disposio anmica, termo usado por Staiger (1972) para caracterizar uma certa disposio ou atmosfera
a que somos conduzidos pelo poeta no gnero lrico.
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4 No original: La mstica suf iraniana ha reflexionado al respecto: al principio del camino se tropieza con
las oscuridades del yo auto centrado, el velo de los propios deseos, mientras que la Oscura Luminosidad
de las cimas no es otra cosa que el estallido de la proximidad del Ser Supremo que deslumbra. El conoci-
miento deviene desconocimiento porque Dios ha dejado de ser un objeto a conocer y se ha convertido en
el Fondo desde todo se conoce. Para poder llegar a ello, se ha de pasar por la Noche Oscura, etapa que se
halla presente en todas las tradiciones espirituales.
5 No original: Es natural que al comienzo no sientas ms que una especie de oscuridad sobre tu mente o, si
se quiere, una nube del no-saber... Hagas lo que hagas, esta oscuridad y esta nube se interpondrn entre t
y tu Dios... Pero aprende a permanecer en esa oscuridad. Vuelve a ella tantas veces como puedas, dejando
que tu espritu grite en aquel a quien amas. Pues si en esta vida esperas sentir y ver a Dios tal como es, ha
de ser dentro de esta oscuridad y de esta nube.
6 A etimologia da palavra mstica atesta esse carter de revelao caracterstico dessa experincia. O termo
grego mystiks tem em sua raiz o verbo myo, que significa fechar e, em particular, fechar os olhos. As
mais diversas tradies msticas pressupem o mistrio e a possibilidade de seu desvelamento: por trs
do mundo das aparncias resta um conhecimento e uma verdade no passvel de apreenso cognoscvel/
sensvel, realidade a qual apenas possvel enxergar quando se fecha os olhos da razo e se salta para essa
alteridade absoluta.
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desvelado. Silvia Schwartz observa que nas mais diversas tradies msticas existe
a pressuposio da mstica como um caminho de apagamento dos sistemas de
inteligibilidade nos quais nos apoiamos, um percurso que tem por fim silenciar
certas coisas paixes, conceitos e valores e tornar-se cnscio de algo intimo e
inalienvel:
7 No original: El lenguaje no es necesariamente falso, no extravia bajo todas las circunstancias, porque
puede usarse como um mdio de liberacin.
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Segundo observa Arnau, o uso dos koans uma forma de meditar olhando den-
tro das palavras, com o objetivo de interromper o processo cognitivo lgico-racional
e preparar o discpulo para uma experincia no-verbal da realidade. Os koans so
enigmas verbais, primeira vista sem sentido, que no podem ser resolvidos pelo
raciocnio. Outra caracterstica a impossibilidade, como em um poema, de par-
frase, e os aspectos irnicos, paradoxais ou absurdos e, por que no, bem-humorado
dos mesmos. D. T. Suzuki, um dos grandes divulgadores do zen-budismo no oci-
dente assim define o koan:
Slvia Velloso Rocha (2004), em um pequeno e precioso artigo no qual faz uma
anlise filosfica do discurso mstico, nos oferece pistas interessantes para pensar
esses problemas. Para a autora, a dificuldade que h para a descrio dos xtases
msticos a mesma que encontramos quando tentamos descrever um objeto sem
representao prvia. Dessa premissa a autora deriva que o que h na mstica no
a experincia de uma presena objetiva transcendente, no apenas a experincia
de alguma coisa que no se pode representar, mas a percepo da impossibilidade de
se representar todas as coisas. Assim, no xtase, a prpria existncia sensvel que
percebida subitamente como intensamente desejvel e sobretudo como intensa-
mente real (2004). O xtase mstico, fim ltimo da experincia, seria uma espcie
de revelao do carter intrinsecamente incognoscvel do mundo quando despido
da capa modeladora das representaes.
8 Referncia ao discurso de Joo Batista, que em sua pregao nos desertos da Galilia cita o profeta Isaas
40:3-5.
9 Meno ao modo autodesignativo de Deus quando do encontro com Moiss no episodio da sara ardente
em xodo 3. Bblia Sagrada, op. Cit.
SocioPotica - Volume 1 | Nmero 8
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caracterizar esse lugar ao qual o mstico se dirige e de onde profere seu discurso,
metfora to a gosto do grande Meister Eckhart.
O deserto ser a metfora desse Deus abandonado, dessa suprema deidade que
expressa negativamente, dadas as impossibilidades de condicionar em palavras o
Incondicionado: sem limites ou formas, sem tempo e sem lugar, ela obscuridade
e desconhecimento - quem conhece a sua casa? pergunta-se no poema Granum
Sinapsis, importantssimo para conhecer a perspectiva echartiana do deserto como
lugar de desprendimento (Abgeschiedenheit) da alma sedenta de Deus. Conforme
nos mostra Raschietti , ao analisar a obra eckhartiana,
Para alcanar essa nudez absoluta a alma deve tambm se despir de sua pretensa
sabedoria e voz, tornar-se infans, sem linguagem, e ir por um caminho que p algum
trilhou ou construiu veredas. Ao perder-se enquanto sujeito de razo e discurso, ao
despir-se das determinaes sociais e culturais que fazem do mstico um indivduo
inscrito em seu tempo e seu espao que ele pode pisar nesse deserto, habitando o
inabitvel. Assim, o deserto ser uma imagem poderosa para compreender no ape-
nas esse processo de desprendimento e empobrecimento - humano e divino - como
tambm de uma experincia inquietante, onde no h produo de estabilidades
cognitivas ou marcos tericos, apenas um contnuo devir. Um Deus que deserto
pouco se presta a servir de fundamento para nossas pretenses megalomanacas
de saber/poder que menosprezam o fato que, para alm do poder, saber tambm
gozo10, tantas vezes intil e dispendioso,,. Afinal, esse Deus que noite, abismo e
deserto11 em muito difere desse Ser da razo sobre o qual se apoiou to fortemente
a cultura ocidental, pois esse um Deus que no encontra repouso em nada e no
se sacia com nada (BATAILLE, 1992, p. 111), ignorante de Si mesmo na exata
medida em que conhecer-se seria distinguir-se e imobilizar-se, dado que o conheci-
mento pressupe estabilidades cognitivas. Sendo excesso infinito e indeterminao,
esse Deus (...) cujo sentido gostaramos de apreender, no pra, ao exceder esse
sentido, de exceder os limites da razo (BATAILLE, 1987, p. 37-38).
***
10 Lembremos que a palavra saber veio do latim vulgar sapere - ter sabor, bom paladar, sentir os cheiros -
migrando depois para sabidus, sbio, aquele que percebe o mundo de modo organizado, usando os sentidos
e a intuio.
11 Essas so trs metforas, bastante comuns nos discursos apofticos, que eu analisei em minha tese de dou-
toramento, j citada, conforme aparecem nos msticos San Juan de La Cruz, Meister Eckhart e ngelus
Silesius.
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Em comparao a
12 No original: En pocas palabras: sumido en una especie de embriaguez, toda la existencia me apareca en
aquella como una gran unidad: entre el mundo espiritual y el mundo fsico no vea ninguna contradiccin,
como tampoco entre la naturaleza cortesana y animal, el arte y la carencia de arte, la soledad y la compaa:
en todo senta la naturaleza, en las aberraciones de la locura tanto como en el refinamiento extremos del cere-
monial espaol (.) o intua que todo era una metfora y cada criatura una llave de la otra y senta que seria
afortunado quin fuese capaz de empuar unas tras otras y abrir con ellas tantas otras como pudiese abrir.
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13 No original: Mi caso es, en resumen, el siguiente: he perdido por completo la capacidad de pensar o
hablar coherentemente sobre ninguna cosa. Al principio se me iba haciendo imposible comentar un tema
profundo o general y emplear sin vacila esas palabras de las que suelen servirse habitualmente todas las per-
sonas. Senta un incomprensible malestar a la hora de pronunciar siquiera las palabras espritu, alma,
o cuerpo. En mi fuero interno me resultaba imposible emitir un juicio sobre los asuntos de la corte, los
acontecimientos del parlamento o lo que usted quiera. (.) porque las palabras abstractas, de las conforme
a la naturaleza, se tiene que servir la lengua para manifestar cualquiera opinin, se me desintegraban en la
boca como saetas mohosas.
14 No original: hasta en la conversacin familiar y cotidiana se me volvieron dudosos todos los juicios que
suelen emitirse con ligereza y seguridad sonmbula ().
15 No original: () ya no lograba aprehenderlas con la mirad simplificadora de la costumbre. Todo se me
desintegraba en partes, las partes otra vez en partes y nada se dejaba ya abarcar con un concepto. Las pala-
bras aisladas, flotaba alrededor de m; cuajaban en ojos que me miraban fijamente y de los que no puedo
apartar la vista: son remolinos a los que me da vrtigo asomarme, que giran sin cesar y a travs de los cuales
se llega al vaco.
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Era muito mais e muito menos que compaixo; uma enorme partici-
pao, um fundir-se naquelas criaturas ou um sentimento de que um
fluido da vida e da morte, do sono e da viglia havia passado por um
instante a ela .... porm de onde? Portanto se relaciona com compaixo,
com uma associao de idias humanas compreensvel, se em outro
entardecer encontro debaixo de uma nogueira um regador esquecido
ali por um jardineiro, e se esse regador, e a gua dentro dele, escurecida
pela sombra da rvore, e um escaravelho bia na superfcie dessa gua
escura de uma borda outra, se essa combinao de insignificncia
me estremece com tal presena do infinito, me estremece desde a raiz
dos cabelos at os ps de maneira que desejaria romper em palavras
16 No original: Una regadera, un rastillo abandonado en el campo, un perro tumbado al sol, un cementerio
pobre, un lisiado, una granja pequea, todo eso puede convertirse en el recipiente de mi revelacin. Cada
uno de esos objetos, y los otros mil similares sobre los que suele vagar un ojo con natural indiferencia,
puede de pronto adoptar para mi en cualquier momento, que de ninguno modo soy capaz de propi-
ciar, una singularidad sublime y conmovedora; para expresarlas todas las palabras me parecen demasiado
pobres.
17 No original: Alli estaba una madre que tena alrededor a sus cras moribundas y temblorosas, y que diriga
sus miradas no a los muros implacables, sino al aire vaco o, a travs del aire, al infinito, y que acompaaba
esas miradas con un rechinar de dientes!.
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interessante notar que a narrativa dos eventos narrados por Chandos possui
semelhana com relatos de msticos de tradies diversas. O sentimento de pro-
funda comunho que o mesmo experimenta em relao aos ratos envenenados no
celeiro; a profunda alegria que lhe advm das mais nfimas circunstancias e; por fim,
a convico de ter alcanado um conhecimento sobre a realidade que inexprimvel
em linguagem profana so tpicos dos relatos msticos. Veja-se a notvel semelhana
no trecho abaixo transcrito:
Tudo, tudo o que existe, tudo o que toca meus pensamentos mais con-
fusos, me parece ser algo. Tambm meu prprio aborrecimento, e o
restante embotamento de meu crebro, me parece ser algo; sinto em
mim e ao redor de mim uma equivalncia maravilhosa, absolutamente
infinita e entre as matrias que jogam contrapondo-se no h nenhuma
na qual no pudesse transfundir-me. Ento como se meu corpo esti-
vesse composto de cdigos que o revelassem todo para mim. Ou como
se pudssemos estabelecer uma nova e premonitria relao com toda
a existncia, se comessemos a pensar com o corao. Porm, quando
me abandona esse estranho encantamento, no sei dizer nada sobre ele;
e ento no poderia escrever em palavras razoveis em que havia con-
sistido essa harmonia que me invade e ao mundo inteiro ou como se
tornaram perceptveis a mim, do mesmo modo que no poderia dizer
algo concreto sobre os movimentos internos de minhas entranhas ou
sobre os movimentos de minhas veias (HOFFMANSTAL, 2007, p. 14)19.
18 No original: Era mucho y mucho menos que compasin; una enorme participacin, un transfundirse
en aquellas criaturas o un sentimiento de que un fluido de la vida y la muerte, del sueo y la vigilia haba
pasado por un instante a ella pero de dnde? Pues que tiene que ver con la compasin, con una asocia-
cin de ideas humanas comprensible, si otro atardecer encuentro bajo un nogal una regadera medio llena
que ha olvidado all un jardinero, y si esa regadera, y el agua dentro de ella, obscurecida por la sombra del
rbol, y un ditisco que rema en la superficie de esa agua de una oscura orilla a la otra, si esa combinacin de
nimiedades me estremece con tal presencia de lo infinito, me estremece desde las races de los pelos hasta
los tutanos del taln de tal manera que deseara prorrumpir en palabras que, si las encontrase, subyugaran
a esos querubines en los que no creo..
19 No original: Todo, todo lo que existe, todo lo que tocan mis pensamientos ms confusos, me parece
ser algo. Tambin mi propia pesadez, el restante embotamiento de mi cerebro, se me parece como algo;
siento en m y alrededor de m una equivalencia maravillosa, absolutamente infinita y entre las materias
que juegan contraponindose no hay ninguna en la que yo no pudiese transfundirme. Entonces es como
si mi cuerpo estuviese compuesto de claves que me lo revelasen todo. O como si pudisemos establecer
una nueva y premonitoria relacin con toda la existencia, si empezsemos a pensar con el corazn. Pero
cuando me abandona ese extrao embelesamiento, no se decir nada sobre ello; y entonces no podra escri-
bir palabras razonables en qu haba consistido esa armona que me invade a mi y al mundo entero o como
se me haba hecho perceptible, del mismo que tampoco podra decir algo concreto sobre los movimientos
internos de mis entraas o los estancamientos de mi sangre.
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20 No original: un algo innombrable me obliga a pensar de una manera que me parece completamente
insensata en el momento en que trato de expresarla en palabras.
21 No original: un pensar con un material que es ms directo, lquido y ardiente que las palabras. Son tam-
bin remolinos, pero no parecen conducir, como los remolinos del lenguaje, a un fondo sin limite sino, de
algn modo, a m mismo y al ms profundo seno de la paz.
22 No original: (...) la lengua, en que tal vez me estara dado no slo escribir sino tambin pensar, no es ni
el latn, ni el ingls, ni el italiano, ni el espaol, sino una lengua de cuyas palabras no conozco ni una sola,
una lengua en la que me hablan las cosas mudas y en la que quiz un da, en la tumba, rendir cuentas ante
un juez desconocido.
23 Digno de nota , aqui, o pensamento de Georges Bataille, que intenta um esforo considervel para pensar
a experincia mstica fora dos stios do institucional e, mesmo, da f positiva. Para esse autor a ms-
tica um no-saber que interessa na medida exata que aponta para o fracasso da linguagem produtiva.
Particularmente sobre o tema ver os livros O erotismo e A experincia interior que constam na bibliografia.
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22 julho a dezembro de 2011
Referncias bibliogrficas
Este um trabalho de pesquisa que busca analisar textos que tratem de viagens ao
mundo extraterreno, no mbito das narrativas anteriores elaborao da Divina
Comdia. A relevncia desta pesquisa se d principalmente pelo fato de que Dante
Alighieri, por meio de sua obra, tem sido lido, ao longo dos sculos, e tem sido
considerado um dos maiores autores da literatura universal. Alm de ser conhecido
como o criador da literatura italiana e criador da lngua italiana, foi na literatura
ocidental quem, em primeiro lugar, produziu uma obra onde o divino, o profano
e o terreno se encontraram em aspectos ligados moral, poltica, s crenas e
sabedoria de seu tempo. Aqui tambm sero apresentadas as vises literrias do cu,
expressas por Enoque e Isaas, nos Evangelhos apcrifos, em comparao com a
viso celestial de Dante Alighieri.
Minha inteno com este trabalho tambm atingir um pblico amplo que vai
desde os alunos universitrios brasileiros aos estudiosos e leitores de diversas reas;
estimular a leitura da obra de Dante; estabelecer conexes textuais entre a Divina
Comdia e obras fundamentais da literatura universal; e, por fim, reunir uma biblio-
grafia ampla e atualizada sobre o assunto.
Dessa forma, situada a pesquisa, exponho o aspecto que escolhi para apresentar
brevemente neste texto. E comeo com as seguintes questes: quem no gostaria
de saber o que h aps a vida? Quantas so as cincias que at hoje j tentaram
responder a isso ou, pelo menos, a este fato fizeram aluso? O ser humano sempre
procurou respostas para o que existe aps a vida, mas raramente obteve xito nesta
busca. Dante foi um dos que, ao longo da histria, ousou criar uma imagem do
aldil e, com isso, escreveu uma das maiores obras da literatura universal.
Esta viagem ao mundo dos mortos provavelmente nunca tenha sido realizada
por Dante, j que, para um homem da Idade Mdia, era muito diferente o modo
de entender a realidade que para o homem moderno. Naquela poca, as fronteiras
entre realidade e fico eram pouco claras. Eram freqentes, por exemplo, os raptos
msticos, as vises, os anncios de tipo proftico, feitos algumas vezes por meio de
viagens a mundos desconhecidos. Assim, possvel pensar que Dante acreditasse,
ou pelo menos quisesse fazer crer, de ter sido realmente raptado e dessa forma ter
recebido a misso de ser um esprito proftico, coisa j muito difundida pelos reli-
giosos anteriores a ele.
Por isso, acredito ser importante colocar a diferena entre viagem e viso no
mundo medieval. As vises valiam enquanto autnticas, seu interesse narrativo
ou literrio era nulo. Por isso as vises eram geralmente escritas, ou dadas por
escritas, por quem as tivesse tido. Se existisse um narrador, ele se fingia somente
de introdutor e terminava suas premissas seguidas pela viso verdadeira e prpria.
A segunda diferena substancial seria que a viso era realizada somente pela alma,
enquanto o corpo ficava parado, frequentemente espera de uma morte aparente.
Entre as vises mais conhecidas est a de Paulo (Atos), que citado por Dante em
sua obra.
2 A viagem uma das experincias em cuja cultura da Idade Mdia se diferencia substancialmente da Idade
Moderna. Diferencia-se pelas condies e limites objetivos do viajar, e pelos comportamentos mentais que
esto ligados a isso. Os dois plos da experincia eram de um lado as viagens reais, que aconteciam geral-
mente por motivos prticos, em geral religiosos, e, por outro lado, as viagens da imaginao e da literatura:
viagens pela selva, o espao misterioso no qual se desenvolve, nos romances, a aventura cavalheiresca, ou
normalmente viagens ao outro mundo, que ultrapassavam os limites do conhecido.
SocioPotica - Volume 1 | Nmero 8
28 julho a dezembro de 2011
Falando em fonte, a Divina Comdia teria, segundo seus mais renomados estu-
diosos, como suas duas principais fontes inspiradoras a Bblia e a Eneida e narra
uma viagem feita em sete dias, durante a primavera de 1300, atravs dos trs reinos
do ps-morte: Inferno, Purgatrio e Paraso, idealizados por Dante, que tambm o
protagonista dessa viagem. Vale ressaltar que a idia de visitar o mundo dos mortos
no era nova, ela j estava presente na literatura clssica. O exemplo tpico disso
a viagem de Enias ao mundo dos mortos, assumida como relato de uma verdade
histrica por Dante, segundo seus crticos e bigrafos, sobretudo a descida do pro-
tagonista ao mundo inferior. A idia da viagem foi ainda amplamente utilizada
na cultura medieval, alimentando vrios gneros de obras. Dante, ento, retoma e
organiza todas estas tendncias da cultura da Idade Mdia e constri um poema que
procura reunir todos os gneros presentes naquele momento histrico.
Escolhi para apresentar aqui as vises do cu, ou do paraso, expressas por Dante,
na Divina Comdia, e de Enoque e Isaas, descritas nos Evangelhos apcrifos.
Porm, j que estamos falando de um lugar, neste caso o cu, necessrio definir
o que era o espao fsico e como esse era dividido na Idade Mdia. Segundo Le Goff
e Schmitt, a definio de espao dividido entre centro e periferia
Mas como seria possvel aos mortais conhecer o inferno e o paraso ainda em
vida? Alm da Bblia, outra fonte passvel de conter estas informaes eram os rela-
tos de viagens feitas ao alm. Estas narrativas se desenvolveram no ocidente latino
a partir do sculo VII. Eram narrativas de homens a quem Deus tinha concedido a
graa de visitar o inferno e o paraso e cujo guia era geralmente um anjo ou arcanjo.
Paulo o primeiro heri cristo a cumprir uma viagem pelo alm e retornar para
contar. O relato de Paulo teve um grande sucesso durante a Idade Mdia e repre-
sentou o prottipo das viagens ao alm deste perodo. Os principais relatos do alm
se apresentam em forma de viso e so feitos principalmente por monges, pois os
monastrios eram tidos como lugares intermedirios entre a terra e o alm. Segundo
Delumeau (2003, p. 76): as viagens da alma, redigidas em latim, constituram
um gnero literrio de sucesso at o sculo XII inclusive. Foram compostas por todo
o Ocidente, da Itlia s Ilhas Britnicas e da Espanha Alemanha.
4 Alm do fato de ser muito econmica, no pode aplicar-se ao cristianismo medieval sem algumas correes
importantes. O conceito de centro e a contraposio centro/periferia foram menos decisivos que outros sis-
temas de orientao espacial. O principal era aquele que opunha o embaixo ao em cima, em outros termos,
o aqui embaixo, este mundo imperfeito e marcado pelo pecado original, terra dos homens pecadores ao
cu morada de Deus.
SocioPotica - Volume 1 | Nmero 8
30 julho a dezembro de 2011
Isaas, alm de ser um dos profetas que anuncia a vinda de Cristo terra, conta
tambm sobre toda sua trajetria, inclusive depois da morte. Diz ainda que Jesus
est no stimo cu, de onde saiu e para onde voltou depois da ressurreio.
O anjo que vem anunciar a viso a Isaas um anjo do stimo cu. Observamos
que todos os movimentos de Isaas so ascendentes, ou seja, todos sobem em dire-
o aos cus. O anjo diz ainda que Isaas ver o pai. Quando ele sobe com o anjo
ao firmamento, v Samael e seus poderes, v tambm o reino de Sat. Diz tambm
que h uma diferena muito grande entre o mundo superior e o mundo inferior (a
terra).
Do firmamento ele passa ao cu. Ali ele v no centro um trono que divide o
cu em direita e esquerda. direita ficavam anjos esplendorosos e perfeitos. Os da
esquerda cantavam como os primeiros, mas as vozes no tinham tanta beleza. Os
louvores eram dirigidos quele que estava no stimo cu. Passam, ento, ao segundo
cu, que semelhante ao primeiro, mas o que est sentado no trono tem mais glria
que o primeiro. Neste cu, Isaas avisado para adorar somente quele que est no
stimo cu e a mais ningum. Vo em seguida ao terceiro cu. L no h nada que
lembre o mundo daqui e este tambm semelhante ao primeiro e segundo cus. No
quarto cu, h a mesma estrutura dos outros e o louvor tambm constante. S o
SocioPotica - Volume 1 | Nmero 8
julho a dezembro de 2011 31
que aumenta a glria, de cu a cu. No quinto cu, tudo igual, a glria aumenta,
mas a glria da direita sempre supera a da esquerda. Dali, passam ao ter do sexto
cu, onde os anjos so envoltos por uma imensa glria. O anjo explica que no cu
acima daquele ter no h mais diviso entre direita e esquerda e no h mais um
trono. L habita o que no tem nome (Deus) e o bem-aventurado (Jesus). E ele
me disse: Sim, aqueles do sexto cu e do cu superior, onde no h lado esquerdo,
nem trono no meio, l que habita aquele que no tem nome [Deus], e o Bem-
amado [Jesus] cujo nome um mistrio que todos os cus no poderiam penetrar.
(TRICCA, 1992, p. 87) No sexto cu, todos os anjos so iguais. Neste cu, Isaas
canta junto aos anjos. Ali a voz mais suave e mais brilhante a luz. Passam ao ter
do stimo cu. Uma voz quer bloquear a passagem de Isaas, mas seu guia no
permite que isso acontea. No stimo cu, h uma luz admirvel e uma multido
de anjos. L esto todos os santos (os redimidos) e Enoque, todos vestidos de luz.
No stimo cu, sabe-se tudo a respeito do que se passa na terra. onde tambm se
encontram Cristo e o Esprito Santo. De l eles podem ouvir todo o louvor que
feito nos outros cus. L tambm Isaas conversou com Deus que lhe deu todas as
instrues do que deveria fazer a partir de ento. Constantes nos cus de Isaas so: a
luz, o louvor, os anjos, os guias, a ascenso, o nmero sete, a mensagem de salvao,
que deve ser transmitida aos homens e, claro, a hierarquia.
Dessa forma, so dez os cus visitados pelo profeta Enoque, que chamado por
Deus, atravs de dois anjos, para ser testemunha do que havia do outro lado e depois
contar aos seus filhos e aos de sua famlia o que havia visto. Enoque levado ao
primeiro cu por anjos que o colocam sobre nuvens. Dali ele v o ter e um grande
mar, maior que o da terra. Os ancios e os dirigentes das ordens estelares vm at
ele. So-lhe mostrados 200 anjos e suas funes. levado dali ao segundo cu. L
esto as trevas e prisioneiros atados e vigiados que aguardam o juzo final. Os anjos
a so escuros. Os ali presos so os infiis a Deus. Dali, ele vai para o terceiro cu,
onde h rvores floridas e com muitos frutos. No meio daquelas rvores est a da
vida. Ali onde, segundo Enoque, Deus descansa quando vai ao paraso. Este o
cu preparado para os justos. A todo o momento Enoque diz olhar para baixo, o
que nos leva a crer que seu movimento sempre ascendente. Segundo Enoque, o
SocioPotica - Volume 1 | Nmero 8
32 julho a dezembro de 2011
Mesmo os Grigori5 cantam e seus cantos chegam ao Senhor. No sexto cu, ele
v sete grupos de anjos. Eles fiscalizam os anjos e, em torno deles, esto seis Fnix e
seis querubins, todos com seis asas.
5 Os grigori (do grego guardio) constituem, em uma verso popular, um grupo de anjos da guarda citados
nos apcrifos do Antigo Testamento que teriam copulado com mulheres mortais, dando origem a uma
raa de hbridos conhecidos por Nephilim, descritos como gigantes no Gnesis ou heris cados em
Ezequiel. Outra definio que se refere aos grigori aparece em algumas tradies da bruxaria italiana, onde
eles so descritos como uma raa que teve origem a partir de um antigo povo vindo das estrelas. Referncias
aos grigori angelicais podem ser encontradas no Livro de Enoch e em Jubileus. Em hebraico, esses seres so
chamados de Irin, guardio, e so mencionados no Antigo Testamento (Livro de Daniel, captulo 4). No
Livro de Enoch, os grigori so anjos enviados terra para guardar as pessoas. Mas esses se encheram logo de
concupiscncia pelas mulheres que viam e, encorajados por Samyaza, seu lder, desertaram em massa para
se casar e viver entre os homens. Os filhos nascidos dessas relaes eram chamados de Nephilim, gigantes
selvagens. Essa desero aconteceu porque Samyaza, Azazel e outros do grupo se tornaram corruptos e
comearam a ensinar a seus colegas humanos a fabricar armas de metal, cosmticos e outros produtos tpi-
cos da civilizao, dos quais estes tinham secretamente se apossado. Mas, em funo destes ensinamentos,
as pessoas comearam a morrer e, consequentemente, invocar a ajuda dos cus. Deus enviou, ento, o
dilvio universal para liberar a terra desses seres. Dessa forma, os grigori foram presos nos vales da terra at
o dia do Juzo Final.
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Uma enorme luz flamejante vista no stimo cu onde esto grandes arcanjos,
milcias incorpores, e dominaes, ordens e governos, querubins e serafins, tronos,
muitos olhos, e outras coisas mais encontradas distintamente nos cus anteriores.
Dali Enoque j pode avistar o Senhor ao longe. Neste cu, os homens que o acom-
panhavam o abandonam, como acontece na Divina Comdia, quando Dante, no
Purgatrio, abandonado por Virglio. interessante observar que h sempre uma
hierarquia e tudo acontece por vontade do Senhor que ali habita. Enoque, ao se
encontrar s, diz: Ai de mim, que ser de mim? Neste momento, surge o arcanjo
Gabriel enviado por Deus. ento que ele v o oitavo cu, chamado de Muzaloth
em hebraico e significa o que muda as estaes, a seca e a umidade e os doze signos
do zodaco. O nono cu chamado de Kuchavim e onde esto as casas celestes
dos doze signos do zodaco. Aravoth chamado o dcimo cu e onde Enoque v a
face do Senhor que, segundo ele, inefvel, maravilhosa e ao mesmo tempo sublime
e terrvel. O senhor fala com Enoque e ele escreve tudo o que v para deixar como
testemunho.
Espacialmente, o paraso tudo aquilo que est alm da esfera do fogo (que
marca a fronteira entre as coisas do mundo e as coisas eternas incorruptveis).
Assim, a terra estaria abaixo da esfera de fogo e o cu acima. O Paraso se divide
em nove cus, todos contidos pelo empreo, que seria uma espcie de dcimo cu,
mas se distingue dos outros por ser imvel. Apesar de Deus se manifestar por todos
os lugares do universo, no Empreo onde est seu trono. Todas as almas do para-
so se encontram no Empreo e no distribudas pelos outros cus. Mas, mesmo
estando no mesmo cu, o grau de beatificao diferente dependendo da graa
por elas recebida. Esta diferena de beatificao se reflete na forma de ver Deus,
ou seja, quanto mais abenoada a alma mais claro ela pode enxergar a Deus. Mas
como Dante enxergou tudo isso? Caractersticas inerentes s almas? O problema foi
resolvido pelo autor quando ele diz que a graa de Deus lhe deu condies de ver
atravs das almas.
so menos relevantes. Talvez pelo fato de que o paraso tenha sido pr-estabelecido
e concebido por Deus e seja imutvel. Constantes no Paraso de Dante so: a luz, o
dez, os guias, a msica, a paz, o louvor, a hierarquia e, sobretudo, a grande criao
literria.
Haveria muito ainda a ser dito, mas o espao curto e me restringe a somente
acenar com questes que devero ainda ser mais aprofundadas. Mesmo assim,
acredito ter mostrado o que me possibilitou nossa lngua, afirmando que o mais
importante no saber se a Divina Comdia realmente divina ou se seus fatos so
reais ou inventados pelo autor, ou reflexo de alguma doutrina da poca, ou mesmo
se os apcrifos so literatura de qualidade ou no. Aqui, o que se faz presente, que
a literatura algo que no cabe nos confins determinados pela humanidade e que,
por esse motivo, traz ao indivduo a possibilidade de refletir sobre seu prprio ser
e tornar a realidade deste mundo, ou do que est por vir, para aqueles que acredi-
tam nisso, melhor e passvel de mudanas. A que acredito residir a magnitude
de Dante/poeta/profeta e dos textos que lhe antecederam, afirmando ainda que a
grandiosidade do autor est no somente na juno de dois mundos, o pago e o
cristo, mas tambm no aceno de um mundo novo, o laico, no qual os horizontes
so ilimitveis e as fronteiras cada vez mais transpostas por ns, principalmente
atravs da literatura.
Referncias Bibliogrficas
10] TUTIKIAN, Jane; SILVA, Vivian Ignes Albertoni da. Viagem para lembrar
o esquecimento de um povo ou o desatento abandono de si (um estudo de Terra
Sonmbula de Mia Couto). Organon, Porto Alegre, v. 17, n. 34, p. 83-100,
2003. Edio Visagens da Viagem.
Resumo
Vem da prpria Constituio Pastoral Gaudium et Spes uma preocupao que gra-
vita em torno da relao existente entre cultura humana e a formao crist. O
texto conciliar sobressalta que, determinadas expresses culturais, tais como a lite-
ratura e as artes, so de grande importncia para a vida da Igreja, mas tambm
reconhece que a relao entre a prpria cultura humana e a tradio religiosa crist
catlica nem sempre se d modo harmnico e, portanto, se cosntitui num desafio
ao fazer teolgico da Igreja. Se entrev, portanto, a grande responsabilidade das ar-
tes, pois so nelas, de modo mais ntido, que a auto-expressividade do ser humano
assume uma forma, sobretudo, quando nelas o prprio homem retrata a busca por
uma compreenso de si mesmo e a busca por respostas aos seus mais profundos
dilemas. Reconhecendo a possibilidade de superao das fendas que separam a cul-
tura humana da cultura propagada pela tradio crist, procuraremos demonstrar,
neste ensaio, que a experincia religiosa entrevista na literatura da poetisa catlica
Adlia Prado, evocada por um eu-potico emergente nos versos de sua poesia, se
perfaz a partir de uma dinmica de reconhecimento e de distanciamento, portanto
ambga, da confisso religiosa da prrpria escritora mineira. Dois eixos, portan-
to, sero explorados mais detidamente nesta comunicao: 1. a clara influncia de
uma tradio religiosa no seu fazer literrio e da depreender o potencial teolgico
deste fazer; 2. problematizar a presena de um ntido pacto autobiogrfico travado
entre o eu-potico feminino da poesia adeliana e o prprio testemunho biogrfico-
religioso da escritora.
Palavras-chave: literatura, testemunho autobiogrfico, experincia religiosa.
Resum:
Provient de la Constitution Pastorale Gaudium et Spes une procupation qui tourne
autour de la relation entre la culture humaine et la formation chrtienne. Le texte
concilier met en relief que, certaines expressions culturelles, telles que la litterature
et les arts, sont trs importantes pour la vie de lglise, mais recconat aussi que la
relation entre la culture humaine et la tradiction religieuse chrtienne catholique nest
pas toujours harmonieuse et, donc, constitue un dfi pour la diffusion de la thologie
de lglise. On entrevoit, donc, la grande responsabilit des arts, car cest travers eux,
de faon plus claire, que lexpresion de soi de ltre humain prend une forme, surtout,
quand lhomme montre la recherche une comprhension de soi et la recherche de rponses
ses plus profonds dilemmes. En reconnaissant la responsabilit de surmont les clivages
qui sparent la culture humaine de la culture propage par la tradition chrtienne,
nous chercherons dmontrer, dans cet essai, que lexprience religieuse entrevue dans la
litterature de la pote catholique Adlia Prado, voque par un moi-lirique emergent
dans les versets de sa posie, se rend partir dune dynamique de reconnaissance et
dloignement, donc ambigus, de la confession religieuse de lcrivain mineira. Deux
axes, donc seront exploits dans cette communication: 1. linfluence, trs claire, dune
tradition religieuse dans sa litterature et par la suite infrer le potentiel tologique;
2. problmatiser la prsence dun pacte autobiographique veill entre le moi-lirique
fminin de la posie adeliana et son tmoignage biographique religieux de lcrivain.
Mots-cl: litterature, tmoignage autobiographique, exprience religieuse.
Comecemos pelo problema de fundo ao qual me impus: inquietado por uma ques-
to exposta na constituio pastoral Gaudium et Spes, ocupei-me em perguntar sobre a
possvel suspenso da fenda existente entre cultura humana e cultura crist, a partir de
um importante eixo da cultura, a saber, a literatura. Outra interrogao, aquela que
se importa com as formas de transparecimento das experincias de natureza religiosa,
na contemporaneidade, momento em que a prpria religio percebida, por um
lado, a partir de um intenso refluxo e, por outro, a partir de seu esfacelamento, pode
ter na literatura de escritores e poetas mltiplos esclarecimentos. Se a separao entre
cultura humana e cultura crist, por exemplo, fosse de fato uma realidade estanque,
como poderamos, portanto, explicar a presena de um notvel testemunho religioso
e de f no mbito de tantos textos literrios? Cabe, ento, a pergunta sobre o sentido
e presena dessas formas testemunhais em grande parte de nossa literatura. Talvez seja
essa a preocupao exposta pela Gaudim et Spes, Parte II , Captulo II, na Seo 3, ao
entender que embora a igreja tenha contribudo para o progresso cultural, mostra,
contudo, a experincia que, devido a causas contingentes, a harmonia da cultura
com a doutrina crist nem sempre se realiza sem dificuldades (DOCUMENTOS
DO CONCLIO ECUMNICO VATICANO II, 1997, p. 617). Tais dificuldades,
contudo, afirma o texto da constituio pastoral, no so necessariamente danosas
para a vida da f; antes podem levar o esprito a uma compreenso mais exata e
mais profunda da mesma f(DOCUMENTOS DO CONCLIO ECUMNICO
VATICANO II, 1997, p. 617). Assim, afirma a Gaudium et Spes:
2 Tomamos essa afirmao como uma das principais hipteses da seguinte obra: Cf. SELIGMANN-SILVA,
M. (Org.). Histria, memria, literatura: o testemunho na era das catstrofes. Campinas, SP: Editora da
Unicamp, 2003.
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por algo que nos toca incondicionalmente. E a divindade na idia de Deus que
representa esse elemento incondicional, aquilo que se torna preocupao ltima para
o homem. As experncias de profundidade esto fortemente presentes nas tradies
religiosas. So essas experincias que sinalizam o estar diante do incondicional; se
trata daquilo que o homem experimentou como incondicional, de validade ltima.
(TILLICH, 2001, p.11). A profundidade que a experincia com o sagrado alcana,
em nvel radical, quase sempre e eu diria sempre deixa os rastros da religio enra-
zados e praticamente irremovveis em algum lugar. Este lugar, privilegiadamente,
ocupado pela memria. Representar ou no representar e aqui entra ou no a
literatura de testemunho no altera, afinal, a conscincia do que precisa ser dito.
(cf. NESTROVSKI; SELIGMANN-SILVA, 2000, p.11). Os rastros da experincia
profunda permanecem em algum lugar se representados ou no.
3 A tradio crist, mesmo depois dos efeitos da secularizao, continuou permevel s confisses. A auto-
biografia presente nos textos literrios pode ter recebido grande influncia desse aspecto da cultura crist.
Cf. ROCHA, C., As mscaras de narciso, Coimbra: Almedina, 1992, p. 15.
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No por outras razes, mas tenho at aqui tentado preservar a voz da autoria,
para falar de Adlia Prado, pelo fato mesmo de ser quase incontestvel o carter
autobiogrfico [um eu-autor] que escorre de sua esttica potica. Quando admito o
elemento autobiogrfico na literatura de Adlia Prado, estou tambm admitindo o
lugar primeiro das mltiplas faces que a religio ocupa em sua vida e em sua potica.
Tomo por emprstimo uma passagem de Maya Angelou ao falar do seu prprio
trabalho esttico: Quando escrevo estou tentando descobrir o quem eu sou [...].
Portanto, o estabelecimento de um pacto autobiogrfico entre a autora (Adlia
Prado) e o seu testamento potico se circunscreve num entre-lugar que me permite
adquirir um campo de percepo da experincia religiosa e, por conseguinte, da
memria religiosa presentes em seus escritos poticos. A fala em primeira pessoa dos
escritos adelianos se torna o principal rastro que aqui tento perseguir.
[...]
Adlia Prado: Sim, isso tpico nosso, uma coisa bem, vamos dizer,
Quaresma (aproveitando que a gente est na Quaresma). um acento
[...]
[...]
Cadernos: A sra. tem sido clara ao falar da relao de sua poesia com
o divino, abreviada na frmula precisa: esta voz de Deus ou de
Jonathan, mas a mo minha.... Quais so, para sra., os limites da
poesia de Adlia Prado?
Paixo
Esta voz que ressoa de sua poesia, ouvida por meio do verbo viro, dita em
primeira pessoa, que denota a inteno de revelar o sentido de se sentir pssima
crist. Ser pssima crist no o avesso de ser uma crist; preciso se reconhecer no
mbito dessa tradio para dizer o quanto pode ou no se considerar uma boa ou
m crist.
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Poesia no algo que eu crio com palavras; sento e falo: Agora com estas
palavras vou criar isso ou aquilo. As palavras me servem na medida em
que me do carne a uma experincia anterior. Eu s posso escrever por-
que existe essa experincia anterior [...] Para mim, o corpo de cristo;
ela [a palavra] uma encarnao da divindade, um experimento do
divino. E o mximo desse experimento um Deus que tem carne, que
no caso Jesus. o mximo de poesia possvel. (CADERNOS DE
LITERATURA, 2000, p. 24, grifo nosso)
Mesmo que seja escndalo para a Igreja, mas Jesus tem sim um par de nde-
gas. No nos esqueamos que o Jesus crucificado, aquele que foi inmeras vezes
retratado pela cultura, est quase nu. Estou certo de que a literatura de fato o
espao onde tudo pode ser dito. Desconfio que o eu adeliano embarca num jogo
cuja presena do sagrado evoca na perspectiva de Otto uma entrega atravs de
seu apelo sedutor. Diante do fascinante nada se pode fazer. Eis a uma autentica
prova da experincia profunda e radical, subsdios incontestes de uma literatura que
testemunha tal experincia. A presena do fascinante ao mesmo tempo terror e
seduo. Esse jogo no qual afirmo existir uma expresso ertica e sedutora apresenta
inicialmente certa resistncia. O eu adeliano parece no querer se entregar ao apelo
do fascinante. O poema A filha da antiga lei traz um eu mergulhando na inquietude
provocada pelo fascnio do sagrado. daqui, mas expressivamente, que vejo a emer-
gncia da representao de Deus enquanto incmodo. Isto dito textualmente. O
eu est deriva, contudo intenta uma resistncia diante daquilo que lhe fascina:
Arrisco dizer, ento, que em Adlia Prado a experincia religiosa, essa experi-
ncia que ingovernvel do ponto de vista das teologias mais rgidas, essa que por
muitos chamada de experincia com Deus, , em sntese, uma experincia que
incomoda. Deus um incomodo! Sua fora e seu significado residem nisto: em
fazer com que as experincias dos humanos com Ele sejam sempre experincias
marcantes; experincias que no so removveis e, por isso, ganham um lugar seguro
na ruptura do nosso silncio.
7. Referncias bibliogrficas
SEM sol. Direo: Chris Marker. Produo: Anatole Dauman. Roteiro: Chris
Marker. Narrao: Florence Delay: Argos Films, 1982. DVD (100 min)
PARATEXTO TAGARELA:
TTULOS E PRODUO DE SENTIDOS NUMA PARBOLA DE JESUS
RESUMO
Este artigo apresenta uma discusso sobre consequncias hermenuticas produzidas
pela simples variao do paratexto ttulo num dado texto, a partir das contribuies
de Grard Genette, em sua teoria da transtextualidade, buscando destacar esses refe-
ridos efeitos numa obra literria, mais especificamente, numa narrativa. A parbola
contada por Jesus, segundo o Evangelho de Lucas, dentre outras nominaes, mais
conhecida como Parbola do Filho Prdigo, selecionada para anlise e amostra
dessa referida potencialidade pluridiscursiva.
Palavras-Chave: Literatura, Hermenutica, Paratextualidade, Bblia.
RESUMEN
Este artculo presenta una discusin sobre las consecuencias hermenuticas
producidas por la mera variacin del paratexto ttulo en un texto dado a partir de
las contribuciones de Grard Genette en su teora de transtextualidad. El propsito
de este artculo es destacar dichos efectos en una obra literaria, concretamente, en
una de carcter narrativo. La parbola contada por Jess, segn el Evangelio de
Lucas, entre otras nominaciones, ms conocida como Parbola del Hijo Prdigo,
ha sido seleccionada para el anlisis y la muestra de la referida potencialidad
pluridiscursiva.
Palabras Clave: Literatura, Hermenutica, Paratextualidad, Biblia.
ABSTRACT:
This paper presents a discussion about the hermeneutic consequences produced by
the mere variation of the paratext title of a given text taking into account the Grard
Genettes contributions through his theory of transtextuality. The text stresses
those effects in a literature work, specifically, in a narrative work. The parable told
1 Prof. Dr. da Universidade Estadual da Paraba, Departamento de Letras e Artes, Docente Permanente
do Programa de Ps-Graduao em Literatura e Interculturalidade, atuando na rea de Literatura e
Hermenutica.
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by Jesus, according to the Gospel of Luke, commonly called The Parable of the
Prodigal Son, among other names, was selected in order to analyze and show the
multidiscursive potential mentioned above.
Key words: Literature, Hermeneutics, Paratextuality, Bible.
O presente artigo apresenta uma discusso que toma por base contribuies
da teoria da transtextualidade, de Grard Genette, mais especificamente, aquelas
referentes paratextualidade2, apontando consequncias hermenuticas produzidas
pela simples variao do paratexto ttulo num dado texto, buscando destacar que
esses referidos efeitos numa obra literria promovem o acionamento de uma riqueza
pluridiscursiva engendrada na configurao prpria do texto, que se potencializa
em mltiplas interpretaes.
Para empreender breve reflexo sobre esse carter tagarela do paratexto ttulo,
faremos breves consideraes sobre esta categoria textual e sobre uma parbola,
segundo o Evangelho de Lucas, contada por Jesus, que, dentre outras nominaes,
ficou mais conhecida como Parbola do Filho Prdigo, a qual ser tomada para
anlise e como amostra da referida potencialidade de sentidos.
2 Denominao atribuda por Genette ao segundo tipo de transcendncia textual do texto (ou relaes
transtextuais). Dentre eles: o ttulo, o subttulo, interttulo, prefcios, posfcios, avisos, notas marginais,
epgrafes, ilustraes, alm de outros sinais acessrios que asseguram ao texto um envolvimento, um
comentrio, oficial ou oficioso (...).
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ser considerado como algo em si, pois, se, por um lado, ele um sistema concludo,
um conjunto hierarquizado de configuraes estruturais internas, por outro, o
lugar onde se manifestam e se expressam as relaes dos seres humanos entre si e
dos seres humanos com as realidades, ou seja, um objeto aberto, plural, dialgico,
ligado ao contexto extraverbal.
3 Para usarmos a expresso de Genette, como se o ttulo nos dissesse: isto um auto, portanto, pertence ao
gnero dramtico. Ora, porque estes aspectos arquitextuais so conceituados em metatextos crticos, eles s
funcionam imediatamente como chaves para a compreenso, caso o leitor tenha esse conhecimento.
4 Quinto tipo de transcendncia textual, a arquitextualidade, o mais abstrato e o mais implcito. Em Genette,
refere-se s relaes do texto com normas conceptuais e categoriais que regulam a ordenao textual, aos
gneros e sub-gneros da literatura.
5 Neste caso, Genette procura mostrar como o paratexto pode ter variaes hipertextuais, apresentando-se
como um ndice contratual, de uma forma mais explcita, como o caso de Virgilio Travesti de Proust, ou
, de uma forma mais implcita e alusiva, como o caso de Ulisses de Joyce, ou ainda, de uma forma em que
o juzo tenha um certo peso hermenutico, com o caso das Confisses de Rousseau.
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que se amplia ainda mais, pelo fato da escolha do ttulo, em princpio, no ser
arbitrria, embora saibamos que outras motivaes6 possam determin-la, entende-
mos que os ttulos e subttulos, embora nem sempre de forma explcita, em geral,
apresentam-se, como o nosso caso, como reveladores7, induzindo-nos a uma dada
leitura do texto.
6 Como, por exemplo, as de natureza editorial, efeito esttico, sonoro, censura poltica ou religiosa, interesse
comercial, dentre outros.
7 Uma da provas do poder revelador do ttulo que, mesmo quando se pretende ocultar os sentidos domi-
nantes de um texto ou revela-lo por enigma, persiste tanto o seu poder de concentrar a ateno do leitor,
que toda a leitura passa a ser uma busca do seu sentido oculto, ocasionando uma pluralidade de interpreta-
es e uma intil discusso sobre o sentido intencional do autor, j que, depois da objetivao do discurso
na escrita, o que interessa mesmo a inteno do texto. Tal fato pode ser exemplificado com O Nome da
Rosa, de Humberto Eco ou A Hora da Estrela, de Clarisse Lispector, entre tantos.
8 O Auto um tipo de representao dramtica, de fundo eminentemente popular, de provvel origem
portuguesa (sc.XV), que versa sobre contedos religiosos ou profanos.
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9 Para a autora, o texto de Joo Cabral partilha de ambas as diretrizes porque contm o saber prvio e a
identidade do auto de devoo e o proselitismo do auto de converso.
10 A observao de Benedito Nunes.
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11 Jeremias considera que preciso levantar seriamente a hiptese de ter sido o modelo de parbola contada
por Jesus um fator significativo (alm de outros, como as fbulas gregas) na origem do gnero literrio das
parbolas rabnicas.
12 Desde o incio do sc. I possvel encontrar alguns ttulos que serviam para identificar as leituras dos
manuscritos do Antigo Testamento. O parece ter se tornado depois uma prtica que tinha em vista a leitura
sinagogal no contexto judaico provvel que tenha motivado prtica anloga em relao aos manuscritos
do Novo Testamento no contexto de formao da igreja crist.
13 Os mais antigos manuscritos possuam poucos elementos auxiliares do leitor. O sistema de diviso em
captulos mais antigo o que se encontra no Codex Vaticanus (Manuscrito B), considerado por crticos
literrios como melhor manuscrito grego do Novo Testamento. Nele h divises de seces nos diversos
livros, dentre os quais, 152 no Evangelho de Lucas.
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e interpretao. Neste sentido, diz-se que o leitor que partilha da cultura do autor
tem, necessariamente, um intertexto mais rico15. A reescritura, a traduo, a leitura
ou o comentrio evocam o mago do texto e os seus possveis sentidos.
A compreenso que que uma hermenutica literria deve assumir uma tr-
plice tarefa: compreender, explicar e aplicar, semelhana da aplicao da pregao
aps exegese bblica, do veredicto aps exegese jurdica (RICOEUR 1995, p.296).
Leitura, ento, em trs etapas: conjectura; anlise; e interpretao.
Por entendermos que a obra pode ser concebida e julgada do ponto de vista
de qualquer dos valores nela contidos e por j termos ressaltado a relevncia do
paratexto nesta leitura, vamos entrar no texto pelo ttulo (interttulo de uma das
seces do conjunto) da parbola, na compreenso de que se trata de um paratexto
tagarela.
A melhor maneira de entrar num texto entrar atravs dele mesmo. E, para isto,
escolhemos o ttulo, pois nele encontramos elementos ostensivos que nos servem
de chave de acesso imediato s possibilidades de sentidos da parbola, por meio
dele conjecturamos uma possvel interpretao, cuja plausibilidade ainda precisa ser
confirmada pela anlise.
O ttulo O filho perdido e o filho fiel: Parbola do Filho prdigo j sugere um res-
qucio de interpretao alegrica16, pois parece querer sugerir ao leitor que o filho
perdido, o mais novo, representa a igreja (os gentios) e o filho fiel, o mais velho,
representa o povo judeu, mais particularmente, as autoridades religiosas judaicas.
O subttulo nos chama a ateno para a nominao pela qual a parbola ficou mais
conhecida. Essa aponta para um ttulo misto, pois agrupa um elemento remtico
parbola que arquitextualmente indica o gnero e outro elemento temtico filho
prdigo (que se refere prodigalidade em gastar). Por muito tempo e at os nossos
dias, em muitos sermes, a tnica sobre o filho perdido e sobre a evangelizao
dos povos foi se tornando to forte que esta primeira parte da parbola foi sendo
desconectada do seu final, sendo interpretada como um todo acabado, visto que,
na prtica, foram subtrados os versculos finais, tendo a parbola sua concluso no
versculo 24, como se o restante da estria fosse secundrio ou acrscimo no pro-
cesso de redao.
Assim, sem fazer referncia ao outro irmo, a estria sugere o filho mais novo
como personagem principal. Neste caso, observa-se que o ttulo do sermo ou da
seco do texto desloca-se tematicamente para um aspecto do filho que sai de casa,
a saber, a sua volta, o seu retorno para casa, ressaltando, assim, o tema do arrependi-
mento. Um outro ttulo que sugeriria este acento seria: Parbola do filho resgatado
(ou ressuscitado), o que colocaria a tnica sobre a transformao ocorrida na vida
do filho e no sobre sua perdio.
Suposto que o ttulo da parbola fosse: Parbola do irmo invejoso. Neste caso, a
configurao paratextual, tematicamente, teria deslocado a tnica do enredo para o
irmo que no sai de casa e sua atitude em face do tratamento recebido pelo irmo
que sai de caso e desperdia todos os bens que recebera do pai.
Nesta referida indicao do ttulo, o que fica ressaltada conduta do filho que
fica em casa, que deixa de ser, positivamente, centrada no seu papel de filho fiel,
para ser, negativamente, acentuada no seu sentimento de inveja e mesmo de dio
pelo fato do pai tratar seu irmo desobediente e dissipador dos bens da famlia com
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Mas o pai lhe disse: Filho, tu ests sempre comigo, e tudo o que
meu teu. Mas era preciso que festejssemos e nos alegrssemos, pois
esse teu irmo estava morto e tornou a viver; ele estava perdido e foi
reencontrado!
boa nova aos pobres, mas justificao da boa nova perante seus crticos.
(JEREMIAS, 1986, p.133)
A tnica colocada no amor do pai (amor de Deus) aponta para uma modificao
do olhar sobre a histria, pois somos desafiados a ter em vista a figura do Pai (Deus),
a teologia do amor incondicional de Deus. Assim como o pastor se alegra com o
resgate da ovelha desgarrada, a mulher pobre se alegra pela dracma encontrada e o
pai se alegra com o retorno do filho arrependido ao lar, assim tambm ser a alegria
de Deus.
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
BRANDO, Eli. ...e o divino se faz verbo. IN: ESTUDOS DE RELIGIO 29.
So Bernardo do Campo SP: UMESP, 2005.
NETO, Joo Cabral de Melo. Obra Completa. Rio de Janeiro: Ed.Nova Aguillar,
1999.
FERRAZ, Salma1
Resumo
O presente artigo pretende analisar alguns aspectos do Diabo na Bblia, entre os
tericos e na literatura, especialmente a relao do Diabo e a Morte no Texto De
Morte de ngela Lago.
Palavras-chave: Diabo, teologia, Literatura, O Diabo e a Morte.
Abstract
This article seeks to analyze some aspects of the devil in the Bible, between
the theoretical and literature, especially the relationship between the Devil and
Deathin the TextDe Morte,AngelaLago.
Key-words: Devil, theology, literature,The Devil andDeath
Ea de Queirs
1 Professora Associada de Literatura Portuguesa da Universidade Federal de Santa Catarina. Atua na Ps-
graduao com a linha de Pesquisa Teopotica - Os Estudos Comparados entre Teologia e Literatura, membro
da ALALITE - Associao Latino Americana de Literatura e Teologia, lder do NUTEL - Ncleo de Estudos
Comparados entre Teologia e Literatura sediado na UFSC. autora de diversos livros de teoria e fico.
Florianpolis, Brasil, 2010. E-mail: [email protected].
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O taumartugo Jesus esqueceu-se das palavras de Jeov seu pai em I Reis 22:
21:
2 Interessante que na mais consultada enciclopdia virtual, o verbete do Diabo razoavelmente grande.
Consultar http://pt.wikipedia.org/wiki/Diabo. H outro verbete distinto para Lcifer. Consultar http://
pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%BAcifer.
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julho a dezembro de 2011 67
Pedro, futuro Pai da Igreja foi possudo por Satans, assim como Judas que
ter agido sobre influncia deste, portanto seria inocente da culpa milenarmente
atribuda a ele. Nas pginas de Atos dos Apstolos o exorcismo se vulgariza tanto
que os demnios se revoltam e no aceitam ser expulsos por qualquer um. Em
feso, havia sete exorcistas ambulantes, filho de Ceva, sumo sacerdote, que ten-
tavam expulsar espritos malignos de possessos. O episdio cmico est relatado
em Atos 19:15-16:
Jesus, seus discpulos e Paulo expulsaram demnios. Mas neste episdio, o ritual
parece que havia sido terceirizado: os filhos de Ceva queriam expulsar o demnio
numa espcie de exorcismo em terceiro grau, em nome de Jesus, a quem Paulo pre-
gava e de quem eles conheciam. O demnio deve ter pensando: To pensando que
expulsar demnio brincadeira! O demnio deu uma surra nos sete filhos de Ceva,
a notcia se espalhou e mais uma vez os demnios colaboraram para que o nome
do Senhor fosse engrandecido. O resultado foi a queima numa fogueira de livros
de artes mgicas. Que lstima! Jamais saberemos o que estava escrito ali. Ironia
suprema: so os demnios que motivam a primeira fogueira inquisitorial...
Coust declara que o Diabo a mais alta potncia da criao, que o diabo a dor
de Deus e que tem nostalgia do cu (1996, p. 20-22, negrito nosso). O crtico cita
Mximo Gorski que afirma que o Diabo no existe, uma inveno da raa humana
maligna que o inventou para justificar suas torpezas. Disseca o Diabo em sua obra
em todos os seus aspectos. Termina seu livro afirmando que o Diabo sobreviveu at
a Reforma Protestante e chegou at nossos dias, porque o Diabo principalmente
um monotesta, acredita em Deus, no ateu. Afirma que o que sempre o Diabo
quis dizer que o homem est s, desde o comeo dos tempos, j que o Diabo no
existe porque Deus no existe, e como o homem sabe que vai morrer, se apega a
Deus e ao Diabo. Termina dizendo que a grande e magnfica obra de Satans
converte-se num personagem literrio de fico. Convencer a todos quer no existe.
A ns ele j convenceu h tempos.
Luther Link em O Diabo a mscara sem rosto, afirma que cada poca compe
o rosto do Diabo de uma forma, pois esta mscara aceita diversos rostos, aponta
para a confuso entre os nomes Lcifer, Sat e Diabo. Destaca que o no Velho
Testamento, Satans no importante, mas apenas cmplice de Deus. Um intruso
criado pela Igreja que no conseguiu, nem quis se livrar dele. Cita Espinosa para
quem O Diabo usado por Deus, trabalha para Deus e, em certo sentido, no est
em conflito com ele. (LINK, 1995, p. 20)
Link afirma que o Diabo foi criado perfeito, ele no se autocriou, foi criado por
Deus e se Lcifer cometeu o pecado do orgulho, o pecado era anterior a ele, se Deus
criou o Diabo o dualismo se desintegra, a oposio bem mal passa a ser inexistente.
Seguindo as ideias de Link, podemos ampliar suas e nossas dvidas. Se Lcifer era
uma anjo perfeito no poderia pecar e se pecou no era perfeito!. Como sair deste
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julho a dezembro de 2011 69
Termina sua obra afirmando que o Diabo no tem rosto porque sempre ser o
outro, o diferente, o oponente:
Um dos seus questionamentos que se Lcifer era o mais amado quando era
Anjo predileto de Deus, no deveria Deus am-lo e perdo-lo agora que ele a cria-
tura mais infeliz entre os infelizes? Para ele o Diabo no ateu, s a Deus, porque
Deus, permitido ser ateu.
ngela Lago nascida em 1945, escritora e ilustradora mineira uma autora con-
sagrada tendo recebido diversos prmios no Brasil e na Frana. Suas obras foram
traduzidas para diversos pases.
3 Entre suas obras destaca-se Cena de Rua, premiado na Frana e na Bienal de Bratislava. Cena de Rua foi
publicado no Mxico, na Frana, nos Estados Unidos da Amrica e no Brasil. Escritora e ilustradora,
mineira, nascida em Belo Horizonte, em 1945, Angela Anastcia Cardoso Lago, inicia sua formao supe-
rior na Escola de Servio Social da Universidade Catlica de Minas Gerais. Frequentou o atelier do escultor
Bitter, com um grupo de artistas plsticos. Em 1969, leciona na Escola de Servio Social e trabalha como
assistente no Instituto PsicoPedaggico, para crianas com dificuldades psicopedaggicas e psiquitricas.
Em 1975, abre seu prprio atelier de programao visual para publicidade, onde criou marcas, logotipos,
propaganda institucional entre outros. A autora possui diversas obras contendo ilustraes e textos pr-
prios nacionais, ilustraes de livros para outros autores nacionais, livros com textos e ilustraes da autora
no exterior, ilustraes para livros de outros autores estrangeiros. Das diversas obras que a autora possui,
podemos destacar a obra Sangue de Barata. Resultante da relao entre texto potico e desenho. Entre
suas premiaes destacam-se: Prmio Iberoamericano de Ilustracin, La Consejera de Cultura, Junta
de Andalucia, Sevilha, Espanha, 1994. Prmio Octogone de Ardoise 1994-1995, Prix Graphique,
Centre International d Etudes en Littratures de Jeunessa, Paris, pelo livro Cena de Rua. BIB Plaque,
Prmio da Bienal Internacional da Bratislava, 2007, pelos originais ilustraes do livro Joo Felizardo o rei
dos negcios. Prmio Jabuti, Categoria Melhor Ilustrao de Livro Infantil ou Juvenil, 2008, Cmara
Brasileira do Livro, pelo livro Joo Felizardo, o rei dos Negcios. Prmio de melhor ilustrao na produ-
o de 2008 pela FNLIJ com Um livro de horas.
http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%82ngela_Lago, consultado em 14/07/2011.
SocioPotica - Volume 1 | Nmero 8
74 julho a dezembro de 2011
existem na literatura e como! ngela Lago publica seu livro De Morte! no Brasil em
1992, portanto, exatamente treze anos antes do livro de Saramago. E aqui a Morte
tambm tem sua intermitncia, embora forada. Nas duas obras tropos guarda sua
enferrujada tesoura por um tempo e tudo sai da ordem.! Instaura-se o caos quando
a Morte para de matar.
Cabe antes esclarecer que ngela Lago costuma reescrever estrias antigas, cuja
autoria se perde no tempo. De Morte uma reescritura mais do que criativa de um
conto tambm genial muito conhecido no folclore europeu (Portugal, Bretanha,
Frana, Frana), como o nome de O Compadre da Morte5. No Brasil, o pesquisa-
dor Gustavo Barroso registrou uma variante no Cear como o nome de A lenda da
Morte6. A escritora tambm faz o mesmo com o conto Diabo Loiro7, que retoma o
famoso conto de Maquiavel O arquidiabo Belfegor8. Tanto num conto como outro
o Diabo se apaixona e se casa. No conto O Diabo Loiro o Dito cujo se casa com
Maria Valsa e em Maquiavel o Arquiabo Belfegor se casa com uma megera chamada
Onesta. Assunto para outro debate...
4 ...a histria de Tria, a histria de Ulisses, a histria de Jesus tem sido suficientes Humanidade.
As pessoas as tm contado e recontado muitas e muitas vezes; elas foram musicadas, foram pintadas.
As pessoas as contaram inmeras vezes, porm as histrias continuam ali, ilimitadas. Pode-se pensar em
algum, em mil ou dez mil anos, tornando a escrev-las. Mas no caso dos evangelhos h uma diferena: a
histria de Cristo, a meu ver, no pode ser contada de modo melhor. Foi contada inmeras vezes, porm,
os poucos versos em que lemos, por exemplo, Cristo sendo tentado por Sat, so mais fortes que os quatro
livros juntos do Paraso reconquistado. (BORGES, 2007, p. 55, negrito nosso)
5 Disponvel em http://www.consciencia.org/contos-polulares-antigos-curtos, consultado em 03/09/2011,
Neste conto um lavrador tem muitos filhos e ao nascer-lhe mais um, aceita que um estranho homem seja
compadre e batize seu filho. O homem, na realidade a Morte. Esta como no tem dinheiro para o afi-
lhado e combina que far seu compadre rico, atravs de um estratagema (quando ela aparecer do lado da
cama: cura, nos ps da cama: morte). O compadre curandeiro torna-se rico. Certa feita, j rico, um homem
poderoso o manda chamar prometendo-lhe castelos da Espanha se ficasse curado. O curandeiro almejando
mais riqueza ainda e percebendo que a Morte estava nos ps da cama, resolve trapacear a Morte e mandou
trocar a posio da cama, de modo que a nova posio significasse cura e vida. Ficou mais rico ainda. A
Morte lhe avisa que vir busc-lo em um ano. Para enganar a morte novamente, ele pinta os cabelos e se
disfara e vai beber com os amigos. A morte chega e ao no encontra o compadre e resolve levar aquele
bbado... o prprio compadre, agora sim enganado, em vez de enganador..
6 Disponvel em http://www.jangadabrasil.com.br/agosto60/im60080a.htm, consultada em 04/09/2011
7 Disponvel em file:///D:/Meus%20Documentos/Music/Diabo%20Literatura/o%20Diabo%20Loiro,%20
Angela%20lago.htm
8 Disponvel em italiano em http://saltana.org/1/pros/311.html, consultado em 04/09/2011.
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julho a dezembro de 2011 75
Bem agora vamos analisar como a Morte e o Diabo so enganados por um velhi-
nho. Frisamos aqui a criatividade e ousadia de Lago que resolve retrabalhar um conto
popular antigo, s que acrescentando ao mesmo a figura do Diabo, que tambm
enganado juntamente com a morte. A escritora rene num livro escrito para crianas
dois grandes medos do mundo ocidental: a Morte e o Diabo. Se a morte j tabu na
literatura escrita para adultos, imagine nas obras voltadas para crianas.
Lago deixa claro logo na capa do livro que est fazendo intertextualidade com o
um texto j existente.
9 O cartunista Ziraldo lana o livro Menina Nina: duas razes para no chorar no qual tenta explicar de uma
forma suave e delicada para sua neta, a morte de sua av Vivi.
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A escritora Angela Lago, atravs de sua imerso nas obras da literatura ociden-
tal, funciona como um Peixe Mil Bocas, mergulha na Bblia, no folclore europeu e
recria a sua verso, na qual no s a Morte, mas o prprio Diabo so enganados. Ela
no se preocupou com a angstia da influncia11 preconizada por Harold Bloom!
Se tudo j foi escrito, a genialidade est em reescrever o clssico de uma maneira
mais bela ainda.
Em De morte! O menino Jesus desce dos cus e traz junto consigo So Pedro que
no estava para brincadeiras. Nisto surge um velhinho carregando lenha e resolve
jogar uma pelada com o menino Jesus.
O texto de Lago traz a seguinte narrao: Um belo dia, o menino Jesus resolveu
descer do cu para brincar na terra. (LAGO, 1992)12.
10 Olhou para a gua e reparou que ela era feita de milhares e milhares de corren-
tes diferentes, cada uma de uma cor diferente, que se entrelaavam como uma tapearia
lquida, de uma complexidade de tirar o flego; e Iff explicou que aqueles eram os Fios de
Histrias, e que cada fio colorido representava e continha uma nica narrativa. Em dife-
rentes reas do oceano, havia diferentes tipos de histrias, e como todas as histrias que
j foram contadas e muitas das que ainda estavam sendo inventadas podiam se encontrar
ali, o Mar de Fios de Histrias era, na verdade, a maior biblioteca do universo. E
como as histrias ficavam guardadas ali em forma fluda, elas conservavam a capa-
cidade de mudar, de se transformar em novas verses de si mesmas, de se unir a
outras histrias, de modo que, ao contrrio de uma biblioteca de livros, o Mar de
Fios de Histrias era muito mais que um simples depsito de narrativas. No era um
lugar morto, mas cheio de vida (RUSHDIE, 2008, s/p negrito nosso).
Uma cena Lrica e bonita ocorre quando Lago retrata o menino Jesus jogando
pelada com o velhinho. Estamos no pas de Pel e tantos outros Ronaldos e craques
do futebol e a imagem de menino Jesus como craque da bola, jogando pelada com
um velhinho e sendo observado pelo sisudo So Pedro hilria. O menino Jesus
gosta da brincadeira e resolve retribuir ao velhinho:
O apstolo que negou Jesus trs vezes aparece aqui srio, mal humorado e fica
tiririca porque o velhinho entre trs pedidos, no pede o cu. A imagem da Morte
O velhinho astuto resolve negociar a liberdade da morte, que j ela havia desis-
tido de lev-lo. A Morte oferece cinco anos de vida a mais para ele se ele a libertar
e nada. Depois oferece mais, dez anos de vida e novamente nada. Ela chegou a
suplicar. Voltemos ao texto:
Passaram-se os vinte anos do acordo e a Morte resolve ento vir buscar a alma do
velhinho. Com medo de tanta esperteza, a Morte chamou o Diabo:
Vale ressaltar que nos contos clssicos geralmente tanto a Morte como o Diabo
aparecem sozinhos e desta forma so enganados. Nos contos com os quais j traba-
lhei em outras anlises, Os trs cabelos de Ouro do Diabo (Irmos Grimm); O Moinho
do Diabo (H. C. Andersen); Carves para a lareira do Diabo (conto irlands) e A
criana vendida para o Diabo (conto francs), contos estes que se enquadram dentro
do que se convencionou chamar de contos de enganamento do Diabo, o Diabo apa-
rece sozinho e enganado por algum. Podemos observar que no conto O Compadre
da Morte, a Morte aparece sendo enganada sozinha.
Voltemos ao texto:
A Morte aparece, mas nesta altura do conto e da vida do velhinho, j havia pas-
sado muito tempo e o homem agora j estava velho mesmo e achava que talvez fosse
uma boa hora de descansar no cu.
15 Nosso Senhor Jesus Cristo, quando caminhava por uma estrada, morrendo de sede, debaixo de um sol
causticante, avistou um canavial. Protegendo-se do sol entre sua folhagem, refrescou-se do calor. Depois de
descascar uma cana, chupou alguns gomos, saciando sua sede. Ao ir embora, para seguir viagem, estendeu
suas mos por sobre o canavial, abenoando-o desejando que das canas o homem haveria de t-las sempre
boas e doces. Em um outro dia, o diabo, passando pela mesma estrada, foi dar no mesmo canavial. Ali
parando, resolveu refrescar-se. Cortou um pedao da cana e comeou a chupar um gomo, mas seu caldo
estava azedo, e quando por ele foi engolido, desceu garganta abaixo queimando-lhe as ventas. Irritado,
o diabo prometeu que da cana o homem tiraria uma bebida to forte e ardente quanto as caldeiras do
inferno. Da surge o acar abenoado por Nosso Senhor e a cachaa amaldioada pelo diabo. Disponvel
em http://www.brasilcult.pro.br/cachaca/historia.htm, consultado em 09/09/2011.
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julho a dezembro de 2011 81
A est o velho todo tranquilo no cu, na certeza de que no iria par ao inferno,
visto tudo aquilo que aprontou para o Diabo. O conto termina informando que
como o Diabo no queria ver o homem nem pintado de ouro, So Pedro foi obri-
gado a deixar o velho entrar e viver no Cu. A ltima frase da narrativa : At hoje
o velhinho est l, no cu, feliz como sempre. (LAGO, 1992, s/p, negrito nosso)
Eis a forma como Angela Lago retrata a Morte e o Diabo para as crianas. De
uma maneira bem humorada, no nega a existncia da morte, mas dizendo que com
jeitinho todos podemos chegar l tranquilamente. Este velhinho, um verdadeiro
pcaro espanhol, malandro brasileiro, consegue enganar a Morte e ganhar um bom
tempo h mais de vida, enganar o Diabo e assim evitar o inferno e leva o sisudo So
Pedro no papo garantindo o cu para si.
Para nos dar um alento, chamamos aqui o filsofo grego Epicuro de Samos (341
a.C - 270 a.C) que atenta para o fato de que a maior preocupao do ser humano,
na realidade nada:
Bblia Sagrada. Trad. Joo Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Sociedade Bblica
do Brasil, [s.d.]. Edio revista e corrigida.
BORGES, Luiz Jorge. Este Ofcio do verso. So Paulo: Companhia das Letras,
2007.
LINK, Luther. O Diabo. A mscara sem rosto. Trad. Laura Teixeira Motta. So
Paulo: Companhia das Letras, 1998.
MILES, Jack. Deus Uma biografia. Trad. Jos Rubens Siqueira. 3 reimpres-
so. So Paulo: Companhia das Letras, 1997.
Sites consultados
http://mundoquele.ofaj.com.br/Textos/Texto7.doc.
SocioPotica - Volume 1 | Nmero 8
julho a dezembro de 2011 83
http://www.insite.com.br/art/pessoa/ficcoes/acaeiro/213.php
http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%82ngela_Lago.
http://books.google.com.br/books?id=YiupR0gcGCIC&printsec=frontcover#v=o
nepage&q&f=false
http://ateus.net/artigos/miscelanea/o-guardador-de-rebanhos/
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Resumo
O artigo foca numa apresentao introdutria da religio na obra de Thomas Mann,
elegendo alguns dos seus mais importantes romances para indicar o papel da reli-
gio em diferentes narrativas do autor.
Abstract
This article introduce the theme of the religion in Thomas Manns work, especially
in the most important his texts.
Introduo
No mbito dos estudos da relao literatura e religio vejo cinco eixos da inves-
tigao atualmente no Brasil: a) estudo de aspectos religiosos nas obras literrias,
SocioPotica - Volume 1 | Nmero 8
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ainda que estas obras sejam escritas por autores confessadamente ateus, como so
os casos de textos de Joo Cabral de Melo Neto e Jos Saramago, sem deixar de
levar em considerao que a religio faz parte de uma experincia complexa na vida
de muitos autores, como o caso da religio na vida e obra de Thomas Mann; b)
presena da religio na matriz da literatura lida a partir de teorias da interdiscursi-
vidade, intertextualidade, dialogismo e do palimpsesto; c) trabalho de autores sobre
a religio no mbito da crtica literria, como exemplos cito os nomes de Octavio
Paz e Jorge Luis Borges, cujas obras tericas pressupem relaes profundas entre
mstica e poesia ou entre narrativa religiosa e narrativa literria; d) Estudos da Bblia
como obra literria e no simplesmente como fonte da literatura, aqui exemplifica-
dos pelos trabalhos de Alter, Schmidt, Frye, Kernmode, Miles e Bloom; e) papel da
literatura como intrprete da religio, no se restringindo ao trabalho de reescritura
ou a literatura como a expanso dos mitos religiosos, no dizer de Calasso, mas a
tentativa de responder a pergunta se a literatura e a crtica literria entram como
hermenuticas ou fontes de hermenutica para a expanso dos estudos da religio.
Justificativa
Cristianismo
Jos e seus irmos com todas as ironias tpicas de Thomas Mann um romance
que assume o desafio que Goethe estabelecera ao ler a narrativa de Jos: Esta
uma narrativa natural das mais encantadoras, e o seu nico defeito ser demasiada
breve, de sorte que nos sentimos inclinados a escrev-la pormenorizadamente.
Poderamos at denomin-lo de romance bblico de Thomas Mann, tal o seu
esforo em ler detidamente a narrativa de Jos e expandi-la a partir dos silncios e
das indicaes que ela revela em seu desenvolvimento.
Um dos aspectos importantes na narrativa de Mann que por ser a saga desta
famlia uma metfora de toda humanidade, Jos, o heri de Thomas Mann, no
aquele que ser lembrado como base da nao, porque sua insero no Egito, inclu-
sive seu casamento com uma egpcia, teriam impossibilitado que ele se tornasse
ancestral modelo na memria do povo de Israel.
Outro aspecto importantssimo que Thomas Mann revela neste romance algo
que o acompanhar em todas as demais narrativas: a concepo que tem de religio
sempre carregar consigo os aspectos da doutrina e da histria da religio especfica,
como o caso de Jos e sua importncia para o judasmo, mas tambm constituir-
se- de sua interpretao do mito, tanto que a religio de Jos se baseia tanto na
adorao a Jav quanto no culto a Osiris e Isis.
Concluso
Bibliografia
GRIMM, A. Joseph und Echnaton. Thomas Mann und gypten, Mainz 1992.
HILSCHER, E. Thomas Manns Religiositt, in: Die Sammlung 10, 1955, 285-
290.
Apocalipse e Literatura
Resumo:
As relaes entre apocalipse e literatura tm sido marcadas pela recorrncia nos tex-
tos literrios de temas relativos ao fim do mundo. Ainda que este tema seja realmen-
te muito desenvolvido na cultura e na literatura do ocidente, chamamos a ateno
para um aspecto que consideramos central: a experincia de escrita e de leitura dos
apocalipses. Os apocalipses, e entre eles, de forma destacada, o Apocalipse de Joo,
apesar de considerarem suas mensagens como urgentes, promovem processos de
imerso do leitor em narrativas densas, labirnticas em sua estrutura e altamente
metafricas em sua semntica. esta experincia complexa de leitura, de perda e
reencontro do leitor no texto, que os apocalipses antigos fundam e desenvolvem na
cultura ocidental, a qual por sua vez desenvolvida e recriada na literatura latino-
americana.
Palavras-chave: Apocalipse, literatura apocalptica, histria da recepo, arqutipos
literrios.
Abstract:
The relationship between apocalypse and literature has been shifted by the recurrence
of themes about the end of the world in literary texts. In this article, although we
recognize that the end of the world is an important theme in the western culture, we
stress an almost forgotten aspect that we consider a key one: the apocalyptic writing
and reading experience. The apocalyptic literature, and among it the Revelation
of John, create the experience of immersing the reader in thick accounts, featuring
labyrinth like structures and a very metaphorical semantics. The ancient apocalypses
are responsible for the foundation of that kind of reading experiences of the loss
and of the reencounter of the reader in the text. That experience of the text has been
striking for the literature and for the Latin-American Literature in special.
Key-Words: Revelation of John, apocalyptic literature, history of the reception,
literary archetypes.
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94 julho a dezembro de 2011
Northrop Frye foi o autor que introduziu o conceito apocalptico nesta rela-
o com a literatura ao contrap-lo ao demonaco.3 Ele entende como apocalpticas
as metforas bblicas do mbito animal, vegetal, mineral, social, etc. que apontam
ao paradisaco, sociedade e ao cosmo restaurados, unio com Deus nos novos
cus e nova terra e na Nova Jerusalm. As imagens demonacas provm dos mes-
mos mbitos mas contrastam com aquelas ao apresentar um mundo desarmonioso,
catico, dissociado do divino e do paradisaco. Estas oposies entre apocalptico
e demonaco tm uma funo didtica em Frye e oferecem uma poderosa classi-
ficao das metforas que ajudam a guiar o intrprete na leitura da literatura e da
cultura. Mas para o leitor dos apocalipses antigos as oposies esquemticas de
imagens proposta por Frye criam certo desconforto. Quem se debrua sobre um
apocalipse como o Apocalipse de Joo sabe que o seu conceito de revelao precisa
4 Ver as seguintes edies de textos apocalpticos judaicos: Apcrifos del Antiguo Testamento, Tomo IV,
Ciclo de Henoc, Alejandro Diez Macho (ed.). Madrid: Cristiandad, 1984 e o tomo VI da mesma coleo
(2009), The Old Testament Pseudepigrapha, Volume one: Apocalyptic Literature and Testaments, James
H. Charlesworth (ed.). London: Darton, Logman & Todd, 1983.
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quando estes textos se voltam para o futuro, nunca o fazem de forma linear. H
sempre um ir e vir, um jogo de recordar, recontar e ressignificar. Os eruditos do
sculo XIX j nos ensinavam que os apocalipses jogam com os dois polos: Urzeit e
Endzeit, tempo primordial e tempo escatolgico. Ou seja, o tempo primordial o
paraso perdido, o tempo escatolgico o paraso recriado. No sem motivo que
muitos apocalipses judaicos terminam suas narraes apresentando jardins, rvore
da vida, fontes de gua da vida, fartura em alimentos, reencontro com ancestrais,
reconstrues de templos e de cidades, ressurreio dos mortos. Por mais que tudo
isso nos conduza ao novo e nova criao, h tambm ali algo de retorno, de res-
taurao do perdido.
5 Beato de Libana. Obras completas e complementarias. 2 Vl. Joaquim Gonzalez Echegaray, Alberto del
Campo & Leslie G. Freeman (eds.). Madrid: BAC, 2004.
SocioPotica - Volume 1 | Nmero 8
julho a dezembro de 2011 97
Mas o leitor deve agora estar se perguntando pelo Apocalipse de Joo. Afinal,
no ele o texto fundacional das expectativas escatolgicas de nossa sociedade? E o
que dizer das diferenas entre o Apocalipse de Joo e a grande literatura apocalptica
anterior a ele? Se Joo no escreveu um tratado astronmico como 1Enoque ou uma
viagem aos infernos com a Visio Pauli, ele foi, por outro lado, o que melhor desen-
volveu uma forma apocalptica de narrao que determinante para a literatura na
histria: a forma labirntica de narrao. No queremos com isso dizer que o profeta
Joo tenha inventado esta forma de narrar ou que os textos anteriores ao Apocalipse
fossem narrativas lineares ou ingnuas. De forma alguma. Mas o jogo revelao e
uso de imagens complexas, de idas e vindas narrativas, de deformao (ou citao,
se preferirem) de textos fundacionais, de apresentao de enigmas em perspectiva
csmica e escatolgica, por meio de viso (ou sonho), com absoluta conscincia da
atividade de escritura, caractersticas marcantes do Apocalipse de Joo, tudo isso me
parece indicar o papel fundamental e insubstituvel que este livro ocupa na histria
do pensamento do Ocidente.
urgentes podem ser decifradas. Esta observao sobre o estilo dos apocalipses pode
nos lanar luzes sobre a relao entre urgncia escatolgica e o entregar-se leitura
e interpretao, vistas como incoerentes em nosso tempo. Talvez isso seja uma
provocao ao imediatismo e s leituras rpidas e automticas que buscam sentidos
unvocos.
Revelao (apoklupsis) de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mos-
trar aos seus servos as coisas que em breve devem acontecer e que ele,
enviando por intermdio do seu anjo, notificou ao seu servo Joo, o
qual atestou a palavra de Deus e o testemunho de Jesus Cristo, quanto
a tudo o que ele viu (Apocalipse 1,1).
Ainda nos mesmo captulo encontramos uma majestosa viso do Cristo como
um ser angelical e glorificado, andando entre as sete igrejas da sia Menor (entre
candelabros). Ele tambm tem coisas urgentes a comunicar a estas igrejas, mas ele
no o pode fazer sem o texto e suas mediaes: Ele ordena a Joo que redija as cartas
que ele vai ditar e que ele as entregue aos anjos das igrejas. Supomos que eles por sua
vez faro a mediao junto aos destinatrios. um universo de mediaes: do divino
para o angelical e para o humano, no primeiro caso, e do divino para o humano,
depois para os anjos e, por fim, s igrejas, no segundo caso. Passamos, portanto,
da voz para a escrita, ou melhor, da viso para a voz e da para o texto. A primeira
forma de obteno de revelao a viso (s vezes chamada por uma voz): Joo v,
relato o que v, costura os conjuntos e ainda, em poucos momentos, se posiciona,
interpreta, se assusta. um profeta que fala, escreve e l o tempo todo. Ou seja,
este narrador est envolvido de diferentes formas com seu relato: tem percepes
corporais, sentimentos, reflexes interpretativas, a tal ponto que na metade do livro
(algo significativo para um apocalipse) a ele ordenado que pegue um livrinho e o
devore. Este livro lhe doce como mel na boca e amargo no estomago (Apocalipse
10, 8-11). O sentido ambguo do texto sentido no seu corpo.
Joo no pode ser mais descrito como um autor no sentido tradicional. Na ver-
dade a morte do autor j havia sido antecipada por estes misteriosos escritos. Antes
de Joo nenhum apocalipse havia sido identificado como escrito por um homem
do seu tempo. Todos eles eram atribudos a personagens prototpicas da histria da
Israel ou dos tempos primordiais como Enoque, Moiss, Isaas, entre outros. Destes
o mais importante Enoque, personagem dos tempos primordiais, sobre o qual
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sabemos apenas que andou com Deus e j no era, porque Deus o tomou para si
(Gnesis 5, 24). A esta economia de informaes do livro do Gnesis contrastam a
riqueza de informaes sobre Enoque e seu papel de viajante celestial e intercessor
dos anjos cados do Livro dos Vigilantes. O autor deste apocalipse (e de outros que
atribuem a Enoque sua autoria) se oculta por detrs deste nome. Desta forma o
autor (Enoque) se torna ele mesmo parte da fico. Se ele o mediador e como tal
um personagem oculto/revelado no prprio texto, isso nos mostra muito sobre a
importncia da fico narrativa na construo de mundo. No h uma conscincia
externa ao texto ou que fale sobre ele. Autor e narrativa esto imersos na mesma
textura.
Vamos nos deter agora sobre o fluxo narrativo da revelao sobre o final dos
tempos. Como havamos observado, trata-se de uma mensagem urgente. Mas a
estrutura do texto no parece corresponder urgncia e importncia da revelao.
Neste sentido a forma do texto no corresponde urgncia de sua mensagem. Ao
invs de revelar parece ocultar. Quando esperamos o desvelamento da identidade
do Anticristo e dos inimigos escatolgicos, o texto apocalptico apresenta imagens
de monstros hbridos e cdigos numricos sobre os quais os intrpretes em toda a
histria nunca conseguiram chegar a um acordo. Talvez a nossa equiparao entre
urgncia de revelao de uma mensagem sobre o final dos tempos e sua pretensa
simplicidade seja falsa. Tambm pode ser falsa nossa nfase unilateral sobre os
contedos escatolgicos. O prprio processo complexo e cheio de mediaes da
revelao nos fala muito sobre sua essncia. Neste sentido ler um apocalipse parti-
cipar do processo de revelao no fluxo da narrativa, no jogo especular do labirinto das
palavras e das imagens que elas evocam. A relao entre apocalipse e literatura se d
nessa imanncia da mensagem na forma da narrativa. O Apocalipse no pode ser
lido como literatura, pois este como no faz sentido. A revelao s pode aconte-
cer na materialidade do texto, no inserir-se na leitura e nos jogos de interpretao.
Isso acontece por meio das manipulaes que o texto apocalptico exerce sobre seu
leitor. Estas formas so basicamente duas: a) falta de linearidade da narrativa, que
faz com que o leitor seja sugado para dentro do texto; b) falta de perspectiva nica
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- O milnio (c.20)
Esta estrutura do texto muito bsica. Todo o tpico abertura dos sete selos
contm vrios desdobramentos e longas vises que quebram por momentos a sequ-
ncia proposta. Conforme argumentamos acima, o aspecto temporal da revelao
(em direo aos eventos do final dos tempos) submetido ao geomtico: o texto
ganha em qualidade de revelao quando Joo transportado aos cus no comeo
do captulo 4 e ali passa a ter vises sobre o mundo divino e sobre o mundo humano
nesta perspectiva. Ali o final dos tempos apresentado como um enigma resol-
vido. Portanto o enredo do Apocalipse prolptico, tanto que no captulo 19, aps
o cumprimento de todas as pragas (os sete selos) com a destruio de Babilnia,
retoma-se o mesmo cenrio e personagens do captulo 5, ou seja, o culto celeste
diante do Cordeiro entronizado. Neste sentido, o Apocalipse tem uma escatologia
realizada. Mas isso no significa que haja harmonia na narrativa que encontramos
nos captulos 6 a 10: ali h tenso, clamores, choro, gritos de alegria e aes que se
desencadeiam em novas aes. Parece haver linearidade nas aes, mas esta impres-
so falsa. H superposio, multidimensionalidade, vrios ngulos de visada e
vozes em ao.
Referncias bibliogrficas:
Apcrifos del Antiguo Testamento, Tomo IV, Ciclo de Henoc, Alejandro Diez
Macho (ed.). Madrid: Cristiandad, 1984.
Fabry, Genevive., Logie, Ilse, Decock, Pablo. (eds.). Los imaginrios apocalpticos
en la literatura hispano-americana contempornea. Bern: Peter Lang, 2010.
Resumen:
Ante la perplejidad que suscita el uso del trmino mstica sea con funcin ad-
jetiva o sustantiva para referirse a textos y figuras cristianas medievales, modernas
y contemporneas, nos proponemos situar a Hildegarda de Bingen en la tradicin
visionaria y mstica cristianas, a partir de la relacin entre lenguaje y experiencia
del misterio que su obra presenta. Tras el necesario deslinde de los marcos epis-
temolgicos en los que ha sido tratada la cuestin histrico, fenomenolgico y
teolgico, plantearemos una respuesta integradora de ambas tradiciones sobre la
base del principio esttico teolgico que Hans Urs von Balthasar denomin como
visin de la figura. Apoyaremos nuestra tesis sobre el anlisis del texto descriptivo,
interpretativo y plstico del Prlogo y Primera Visin de la Primera Parte de Scivias
y sobre el corpus epistolar que tuvieron por destinatarios a Bernardo de Claraval y
a Guibert de Gembloux.
Palabras claves: Hildegard von Bingen, mstica, Hans Urs von Balthasar, lenguaje,
experiencia.
Abstract
Before the perplexity that provokes the use of the term mysticism - be with
adjectival or substantive function - to refer to texts and Christian medieval,
modern and contemporary figures, we propose to place Hildegard von Bingen
in the visionary and mystical tradition you christen, from the relation between
language and experience of the mystery that his work presents. After the necessary
demarcation of the frames episthemologics in that the question has been treated
historically, phenomenologically and theologically, we will raise an of integration
response of both traditions on the base of the aesthetic theological beginning that
Hans Urs von Balthasar named as vision of the figure. We will support our thesis
on the analysis of the descriptive, interpretive and plastic text of the Prologue and
The first Vision of the Sciviass First Part and on the epistolary corpus that they had
as addressees to Bernard de Claravaux and to Guibert de Gembloux.
Key words: Hildegard von Bingen, mysticism, Hans Urs von Balthasar, language,
experience
1 Este artculo fue elaborado sobre la base de la ponencia leda en las V Jornadas Interdisciplinarias Conociendo
a Hildegarda. La abadesa de Bingen y su tiempo, realizadas en la Academia Nacional de Ciencias de Buenos
Aires, los das 15-16 de septiembre de 2011.
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Ante la perplejidad que suscita el uso del trmino mstica y sus variantes, sea
con funcin adjetiva o sustantiva, para referirse a textos y figuras cristianas medie-
vales, modernas y contemporneas, nos proponemos situar a Hildegarda de Bingen
en la tradicin visionaria y mstica cristianas, a partir de la relacin entre lenguaje
y experiencia del Misterio que su obra presenta. A pesar de que entre los medie-
valistas, Victoria Cirlot se refiere a ella sin ms como una mstica y visionaria del
siglo XII2, y que recientemente, fue el mismo Benedicto XVI quien se refiri a las
visiones msticas de esta gran mujer profetisa,3 cuyos escritos la destacan como
mstica renana4, a la hora de definir el perfil de su experiencia del acontecimiento
visionario y de comprender los lenguajes por medio de los cuales la ha expresado,
los interrogantes que se abren ante el investigador son mltiples.
Nuestro propsito es presentar a la abadesa del Rhin como una figura bisagra
entre las dos tradiciones cristianas que la preceden, la visionaria y la mstica obje-
tiva, y la tradicin posterior de la mstica subjetiva, que se inici con las beguinas
flamencas y alemanas del siglo XIII y tuvo su apogeo en la mstica abulense de los
siglos XVI y XVII.
5 Cf. HAAS, ALOIS MARIA, Mstica en contexto, en CIRLOT, VICTORIA VEGA, AMADOR
(eds.), Mstica y creacin en el siglo XX. Tradicin e innovacin en la cultura europea, Barcelona, Herder,
2006, 63-68.
6 PANIKKAR, RAIMON, De la mstica. Experiencia plena de la Vida, Barcelona, Herder, 2007, 152.
7 Cf. id. 139-141.
8 Id. 154.
9 Cf. SICRE, JOS L., El profetismo en Israel, Estella, Verbo Divino, 1992, 76-97.
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quede a ciegas. A pesar de que su uso no siempre implic una valoracin positiva, lo
tpico de estos personajes era contemplar, tener visiones y transmitirlas por medio
de palabras: grandes profetas visionarios fueron Isaas, Ams, Miqueas, Nahn,
Abdas, Habacuc, Ezequiel.10 Ellos conocen lo oculto que el resto no conoce, como
Jess quien, en el Nuevo Testamento, tambin es reconocido como profeta pues
conoce al Padre y lo revela en su Espritu. Pero, advierte Balthasar, es en el libro del
Apocalipsis11 donde se desarrolla el sentido de la visin como revelacin, tal como
se abre y se percibe desde la perspectiva del Cordero, el nico capaz de l.12 Lo que
aqu interesa destacar al telogo es que este sentido es expresado en imgenes visio-
narias que presentan el acontecer que se consuma entre cielo y tierra, en figuras
que, simultneamente, revelan y permanecen misterio, porque todas las visiones
son siempre manifestaciones o aperturas verticales desde el cielo a la tierra, que
muy raramente pueden ser ledas en una sucesin horizontal.13 El Misterio que se
revela es tambin Misterio que se entrega, por ello, concluye Balthasar que todo el
Apocalipsis se cumple en una cadena perfecta, casi en una catarata de donaciones,
esta es la forma (Gestalt) interior de la verdad: la donacin o entrega de lo propio,
para que, a su vez, sea vuelto a donar por el mismo que lo recibe y lo concibe.14
Qu es lo que revelan estas figuras? Lo mismo que ha revelado toda la Escritura: el
amor excesivo de Dios, pero lo hace en imgenes que impiden que nos apropiemos
de ellas otorgndoles el sentido unvoco de los conceptos. Estas imgenes no son
alegoras, sino smbolos del Dios siempre ms grande y tienen una fuerza para
evocar ms all de s mismas superior a nuestras palabras, que nosotros siempre
encerramos en nuestra propia finitud.15
16 Cf. BALTHASAR, HANS URS VON, Consideraciones acerca del mbito de la mstica cristiana, en
BALTHASAR, HANS URS VON HAAS, ALOIS MARIA BEIERWALTES, WERNER, Mstica,
cuestiones fundamentales, Buenos Aires, Agape Libros, 2008, 45-50.
17 Cf. DE CERTEAU, MICHEL, La fbula mstica. Siglos XVI-XVII, Mxico, Universidad Iberoamericana,
2004, 97-137.
18 Cf. Id. 55-56.
19 Cf. VELASCO, JUAN MARTIN, El fenmeno mstico Madrid, Trotta, 2003, 131-250.
20 Cf. id. 97-129 y VELASCO, JUAN MARTN, Mstica y humanismo, Madrid, PPC, 2007, 7-51.
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21 HILDEGARDA DE BINGEN, Declaracin de las verdaderas visiones que fluyen de Dios, en Scivias.
Primera Parte, ed. y trad. de A. Fraboschi, Buenos Aires, Mio y Dvila, 2009, 57. A menos que se indique
otra cosa, todas las traducciones de los textos de Hildegarda son tomados de esta versin castellana.
22 Id. 59.
23 Cf. FRABOSCHI, AZUCENA ADELINA, Lectura y comentario al modo de una lectio medievalis, en
HILDEGARDA DE BINGEN, Scivias. Primera Parte, ed. y trad. de A. Fraboschi Buenos Aires, Mio y
Dvila, 2009, 58-59.
24 Cf. HAAS, ALOIS MARIA, La problemtica del lenguaje y la experiencia mstica alemana, en
BALTHASAR, HANS URS VON HAAS, ALOIS MARIA BEIERWALTES, WERNER, Mstica,
cuestiones fundamentales, Buenos Aires, Agape Libros, 2008, 82.
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25 Si bien no podemos abordar aqu esta interesante cuestin, no queremos dejar pasar la ocasin de referir-
nos a la luz que arrojan los estudios de V. Cirlot sobre este tema. En base a los estudios iranios de Henry
Corbin, ella propone una superacin de la reduccin del texto hildegardiano a la tcnica alegrica a partir
de la centralidad de la experiencia visionaria expresada en el lenguaje del smbolo lo que supone el acon-
tecimiento del despertar del alma. Esto sucede precisamente en el espacio de la tierra intermedia de la
imaginacin. Se trata de una dramaturgia del alma, de un mundo poblado de figuras, cuya realidad
no tiene por qu ser estrictamente alegrica, en el sentido de personificacin de concepto abstracto.
Cf. CIRLOT, VICTORIA, Tcnica alegrica o experiencia visionaria y Lectura de Scivias como una
dramaturgia del alma, en Hildegard von Bingen y la tradicin visionaria de Occidente, Barcelona, Herder,
2005, 145-182.
26 HILDEGARDA DE BINGEN, Cartas. Bernardo de Clairvaux, en Vida y visiones de Hildegard von
Bingen, ed. y trad. de Victoria Cirlot, Barcelona, Siruela, 2009, 107-109.
27 Cf. DE LUBAC, HENRI, Prface, RANVIER, A. S.J., La Mystique et les mystiques, Paris, Descle de
Brouwer, 1965, 7-39.
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28 Citado por FRABOSCHI, AZUCENA ADELINA, Lectura y comentario al modo de una lectio medie-
valis, en HILDEGARDA DE BINGEN, Scivias. Primera Parte, Buenos Aires, Mio y Dvila, 2009,
59-60. Para una traduccin al castellano de la carta completa, cf. HILDEGARDA DE BINGEN, Cartas.
Guibert de Gembloux, en Vida y visiones de Hildegard von Bingen, ed. y trad. Victoria Cirlot, Barcelona,
Siruela, 2009, 135-154.
29 HILDEGARDA DE BINGEN, I,1 Dios , el Seor, en Scivias. Primera Parte, ed. y trad. de A. Fraboschi,
Buenos Aires, Mio y Dvila, 2009, 87.
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30 Tambin aparece como personaje en Ordo Virtutum, como la virtud que junto con la Humildad hace
posible el encuentro con Dios. Cf.
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31 CIRLOT, VICTORIA, La figura sembrada de ojos, en Hildegard von Bingen y la tradicin visionaria de
Occidente, Barcelona, Herder, 2005, 111.
32 Id. 107.
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Referncias Bibliogrficas:
33 BALTHASAR, HANS URS VON, Consideraciones acerca del mbito de la mstica cristiana, en
BALTHASAR, HANS URS VON HAAS, ALOIS MARIA BEIERWALTES, WERNER, Mstica,
cuestiones fundamentales, Buenos Aires, Agape Libros, 2008, 50-55; 64-66 y 73.
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julho a dezembro de 2011 117
Scivias: Conoce los caminos, trad. Antonio Castro Zafra y Mnica Castro,
Madrid, Trotta, 1999.
Despierto en cada sueo con el sueo con que Alguien suea el mundo.
Es vspera de Dios.
Est uniendo en nosotros sus pedazos.
Olga Orozco
Vtor Westhelle y Hanna Betina Gtz, por su parte, han publicado un sugestivo
ensayo en el que deslindan el fructfero pero descuidado campo dialgico entre teo-
loga y literatura como posible va prioritaria para superar los actuales escollos del
pensamiento teolgico latinoamericano, en este difcil tiempo que Elsa Tamez ha
caracterizado de sequa mesinica, cuando los horizontes se cierran y se extiende
1 * Profesor emrito de teologa ecumnica del Seminario Teolgico de Princeton. Es autor de varios libros,
entre ellos, Evangelizacin y violencia: La conquista de Amrica (1992), Entre el oro y la fe: El dilema de
Amrica (1995), Mito exilio y demonios: literatura y teologa en Amrica Latina (1996), Dilogos y polifonas:
perspectivas y reseas (1999), Essays from the Diaspora (2002), Fe y cultura en Puerto Rico (2002) y Teologa
y cultura en Amrica Latina (2009). Esta ponencia se ley originalmente el 23 de junio de 2009, en el
Seminario Evanglico de Teologa, en Matanzas, Cuba.
2 Religion: Poesie der kommenden Welt. Theologische Implikationen im Werk Jos Martis (Aachen: Concordia
Reihe Monographien, 1993). El libro se ha traducido al espaol, gracias al esfuerzo editorial conjunto
del Consejo Latinoamericano de Iglesias y el Concilio Evanglico de Puerto Rico, bajo el ttulo Religin:
Poesa del mundo venidero. Las implicaciones teolgicas en la obra de Jos Mart (Quito: CLAI, 1996). Vase,
adems, el significativo ensayo de Ral Fornet-Betancourt, Jos Mart y la crtica a la razn teolgica
establecida en el contexto del movimiento independentista cubano del siglo xix, Cuadernos americanos 52
(nueva poca), ao ix, vol. 4, julio agosto 1995, 82-103.
3 Ernesto Sabato, Abaddn el exterminador (Barcelona: Seix Barral, 1992), 189. Citado por Arce Valentn,
Poesie der kommenden Welt, 30.
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una cultura de desesperanza.4 Apuntan hacia el mito, con sus alegoras de orgenes
y futuros alternos, como eje comn de ese dilogo.5
4 Elsa Tamez, Cuando los horizontes se cierran: relectura del libro de Eclesiasts o Qohlet (San Jos, Costa Rica:
DEI, 1998).
5 In Quest of a Myth: Latin American Literature and Theology, Journal of Hispanic/Latino Theology, Vol.
3, No. 1, August 1995, 5-22.
6 Wolf Lustig, Christliche Symbolik und Christentum im spanischamerikanischen Roman des 20. Jahrhunderts
(Frankfurt am Main: Peter Lang, 1989).
7 Pedro Trigo, Teologa narrativa en la nueva novela latinoamericana, en Pablo Richard, ed., Races de
la teologa latinoamericana (San Jos: DEI/CEHILA, 1987), 263-343; dem., Cristianismo e historia en
la novela mexicana contempornea (Lima: Centro de Estudios y Publicaciones, 1987); dem., La insti-
tucin eclesistica en la nueva novela latinoamericana (Caracas: Compaa de Jess de Venezuela, ITER,
Universidad Catlica Andrs Bello, 2002).
8 Antonio Carlos de Melo Magalhes, Deus no espelho das palavras: teologia e literatura em dilogo (Sao Paulo:
Paulinas 2000).
9 Inter alia, Rubem Alves, Lies de feitiaria: meditaes sobre a poesia (So Paulo: Loyola, 2003).
10 Antonio Manzatto, Teologia e literatura: reflexo teolgica a partir da antropologia nos romances de Jorge
Amado (So Paulo: Edioes Loyola, 1994).
11 Gustavo Gutirrez, Entre las calandrias (Lima: Cep-IBC, 1990), dem., Lenguaje teolgico: plenitud del
silencio, en su libro Densidad del presente: Seleccin de artculos (Lima: Cep-IBC, 1996), 349-384.
12 Michelle Gonzlez, Sor Juana: Beauty and Justice in the Americas (Maryknoll, NY: Orbis Books, 2003).
13 Luis N. Rivera Pagn, Mito, exilio y demonios: literatura y teologa en Amrica Latina (San Juan, Puerto
Rico: Publicaciones Puertorriqueas, 1996); dem., Teologa y cultura en Amrica Latina (Heredia, Costa
Rica: Universidad Nacional de Costa Rica, 2009).
14 Leopoldo Cervantes-Ortiz, Serie de sueos: la teologa ludo-ertico-potica de Rubem Alves (Quito, Ecuador:
Consejo Latinoamericano de Iglesias, 2003); dem., editor, El salmo fugitivo: antologa de poesa religiosa
latinoamericana (Barcelona: Editorial CLIE, 2009). Adems de mdico y telogo, Cervantes-Ortiz es poeta
distinguido. Vase, entre otros textos, su hermoso breve libro Navegacin del fuego (Sao Paulo: Callis
Editora, 2003). Es tambin autor de meritorias reseas crticas de cine, dispersas en varios nmeros de la
revista Signos de Vida.
15 Diego Soto, El espejo encantado: mito, fatalidad y carnalidad. Teologa-Literatura en Amrica Latina
(San Jos, Costa Rica: SEBILA, 2010).
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cristianas y sus ideologas en mltiples escritores. Sin embargo, al lidiar con tantos
autores y obras sus observaciones se tornan difusas y pierden precisin. Adems, su
objeto se reduce a la visin que esas novelas tienen de lo cristiano entendido en un
sentido clsico, descuidando la rica y diversa experiencia pluriforme de lo sagrado
y lo religioso en Amrica Latina. Tiene, empero, el mrito de sealar un tema de
reflexin importante y relativamente inexplorado y de iniciar su demarcacin.
Mara de las Nieves Pinillos public hace ms de dos dcadas un anlisis abar-
cador de la figura del sacerdote en la novela latinoamericana. Estudia ms de un
centenar de personajes eclesisticos en aproximadamente setenta novelas, publi-
cadas entre 1851 y 1976 a lo largo de todo el continente, distinguidas en ocho
categoras de narrativa novelstica (poltica, indigenista, explotacin econmica,
revolucin mexicana, urbana, antiimperialista, guerrilla y la de testimonio diverso).
Clasifica a dichos personajes eclesisticos de acuerdo a sus relaciones con la iglesia,
el pueblo y el poder social.16 Descubre Nieves Pinillos una correlacin importante
entre las crisis sociales y polticas latinoamericanas modernas y la evolucin de una
nueva visin literaria ms compleja y sofisticada del sacerdote. Es un trabajo valioso
y extraamente descuidado, de mucho provecho por su carcter panormico. Esa
misma ambicin abarcadora, sin embargo, le impide proseguir las innumerables
pistas investigativas que descubre al paso de su pluma. Concentra, adems, su estu-
dio en la figura del sacerdote, obviando los otros smbolos, imgenes y conceptos de
la religiosidad presentes en la nueva novela continental.
16 Mara de las Nieves Pinillos, El sacerdote en la novela hispanoamericana (Mxico, D. F.: Universidad
Nacional Autnoma de Mxico, 1987). Aunque el ttulo se refiere a la novela hispanoamericana, la autora
incluye algunas brasileas.
17 Pedro Sandn-Fremaint, A Theological Reading of Four Novels by Marie Chauvet: In Search of Christic Voices
(San Francisco: The Edwin Mellen Research University Press, 1992).
18 Madrid: Editorial Gredos, 1958-1975, 5 vols.
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Quiz sea justo decir que han sido los predicadores los que mayor atencin han
concedido a las imgenes y smbolos religiosos en la literatura. Vase, de manera
destacada, el texto sobre teologa homiltica de Cecilio Arrasta, Teora y prctica de
la predicacin, en el que su autor, uno de los principales exponentes de la oratoria
sagrada en Hispanoamrica, insiste en la necesidad de que el predicador medite
sobre las imgenes del ser humano y de lo sagrado en la literatura. Arrasta compara
la tarea homiltica con la de la cuentera de Eva Luna, de Isabel Allende, que inventa
para un viejo soldado, a quien la fatiga del existir le ha adherido un amargo olor
a tristeza, un pasado memorable y un destino digno, permitindole as recuperar
memoria, identidad y esperanza.19 Permanece, sin embargo, en el umbral del di-
logo entre teologa y literatura, limitndose al usufructo homiltico que la primera
puede hacer de la segunda.
Convergencias provocadoras
19 Teora y prctica de la predicacin (Miami: Editorial Caribe, 1989), 24s - la referencia es a Isabel Allende,
Eva Luna (Barcelona: Plaza & Janes, 1992), 277s.
20 Arce Valentn hace referencia a algunos trabajos en esta direccin llevados a cabo en Alemania. Poesie der
kommenden Welt, 29, n. 87.
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Es sorprendente que los telogos no hayan prestado atencin a lo que sus cole-
gas literatos escriban acerca de los dilemas y enigmas de los hombres y mujeres del
continente. De haberlo hecho habran descubierto tangencias y pertinencias nota-
bles. Demos un ejemplo distinguido. Son pocos los telogos que han percibido, en
el famoso soliloquio del sacerdote Rentera, en Pedro Pramo (1955) de Juan Rulfo,
un anticipo genial de las turbulencias anmicas en el interior de las iglesias latinoa-
mericanas en el proceso de incubacin de la teologa de la liberacin.
21 Alfred Kazin, God and the American Writer (New York: Knopf, 1997).
22 Jorge Luis Borges, El tamao de mi esperanza (Buenos Aires: Seix Barral, 1993, publicado inicialmente en
1926), 82.
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Por primera vez en mi vida, sent que poda dialogar con l [Dios].
Pero en el dilogo Dios tuvo una parte floja, vacilante, como si no
estuviera muy seguro de s... Entonces, pasado ese plazo que l me
otorg... pasado ese amago de vacilacin y apocamiento, Dios recuper
finalmente sus fuerzas. Dios volvi a ser la todopoderosa Negacin de
siempre... Ahora las relaciones entre Dios y yo se han enfriado. l sabe
que yo no soy capaz de convencerlo. Yo s que l es una lejana soledad,
a la que no tuve ni tendr nunca acceso. As estamos, cada uno en su
orilla, sin odiarnos, sin amarnos, ajenos.25
23 Juan Rulfo, Pedro Pramo (Mxico, D. F.: Fondo de Cultura Econmica, 1985, la primera edicin es de
1955), 40s.
24 Ibd. 207-209.
25 Mario Benedetti, La tregua (Madrid: Alfaguara, 1994, publicado por primera vez en 1960), 175s.
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26 Elena Poniatowska, La Flor de Lis (Mxico, D. F.: Ediciones Era, 1994, publicada inicialmente en 1988),
251s.
27 Elena Poniatowska, Lilus Kikus (Mxico, D. F.: Ediciones Era, 1993, la primera edicin es de 1954), 40.
28 Gabriel Garca Mrquez, Cien aos de soledad (Madrid: Ctedra, 1995),177-180, 297-298.
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Son pasajes cruciales para entender a Macondo, metfora de una Amrica Latina
apartada de la gracia divina a pesar de la presencia ubicua de la cristiandad y sus
sacramentos. Una Amrica Latina, reinado de Satans, tierra en la que una igle-
sia sacramental pinta una ligera capa de ritual obediencia al dogma, pero que no
logra evangelizar a profundidad el alma de los pueblos. Es una trgica hiptesis que
Garca Mrquez profundiza cinco lustros ms tarde, cuando uno de sus personajes
claves, el obispo don Toribio de Cceres y Virtudes sentencia:
Dice... que la Biblia no dice que hay que sudar para ms que para la
comida, y que trabajar en exceso, adems de una tontera, es pecado...
29 Gabriel Garca Mrquez, Del amor y otros demonios (Nueva York: Penguin Books, 1994), 138-139.
30 Pierre Duviols, La lutte contre les religions autochtones dans le Prou colonial: lextirpation de lidolatrie
entre 1532 et 1660 (Pars-Lima: Institut Franais dtudes Andines, 1971).
31 En Cristina Peri Rossi, Una pasin prohibida (Barcelona: Seix Barral, 1992, publicado inicialmente en
1986), 113s.
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Dice que hay que vivir como los lirios del campo, que aqu se dan en
la arena sin sudar ms que lo justamente necesario... Imagnese, mon-
seor, que dice que los romanos crucificaron a Jess por miedo a que
su mal ejemplo se propagara y los judos ya no quisieran trabajar para
ellos... Porque el que no hace nada, piensa mucho - dice -, y que a los
romanos no les convena que los judos pensaran. Que hasta Mara
Magdalena sali de su mala vida para disfrutar de tiempo libre.... Y
que si las gracias al Seor se hacen con msica y con cantos, tanto
mejor, que no slo de pan vive el hombre, que tambin de risas y de
alegra...32
32 Tatiana Lobo, Calypso (San Jos, Costa Rica: Norma, 1996), 62s. Los libros de Tatiana Lobo - Calypso,
Asalto al paraso (San Jos, Costa Rica: Editorial de la Universidad de Costa Rica, 1992) y Entre Dios y el
diablo (San Jos, Costa Rica: Editorial de la Universidad de Costa Rica, 1993) - constituyen un impresio-
nante buceo en las profundidades de la pluralidad tnica, cultural y femenina de Costa Rica.
33 Isabel Allende, Cuentos de Eva Luna (Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1996, la primera edicin es de
1990), 49s.
34 Milagros Palma, Desencanto al amanecer (Bogot: Ediciones ndigo, 1995), 146s.
35 Verbigracia, Milagros Palma, La mujer es puro cuento: Simblica mtico-religiosa de la feminidad abo-
rigen y mestiza (Quito, Ecuador: Ediciones Abya-Yala, 1992, publicado por primera vez en 1986) y El
gusano y la fruta: El aprendizaje de la feminidad en Amrica Latina (Bogot: Ediciones ndigo, 1994).
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36 Carlos Fuentes, Los hijos del conquistador, en El naranjo, o los crculos del tiempo (Mxico, D. F.:
Alfaguara, 1993), 88s. Fuentes ensaya en ese relato una comprensin del mestizaje, tnico y cultural, de
Mxico que intenta superar las aporas de la identidad nacional magistralmente analizadas por Octavio Paz
en El laberinto de la soledad (Mxico, D. F.: Fondo de Cultura Econmica, 1987, impresa por primera
vez en 1950), 67-80. Paz postula una sugestiva analoga entre la conquista, como posesin violenta, y la
violacin de la mujer indgena. La Chingada es la Madre violada... la atroz encarnacin de la condicin
femenina. Si la Chingada es la representacin de la Madre violada, no me parece forzado asociarla a la
Conquista, que fue tambin una violacin, no solamente en el sentido histrico, sino en la carne misma
de las indias. Distingue la expresin soez mexicana hijos de la chingada de la espaola hijos de puta.
La frase mexicana manifiesta con fuerza dramtica e insoslayable claridad, de la que carece la ibrica, la
pavorosa angustia de la mujer nativa violentada. Cf. Luis N. Rivera Pagn, La indgena raptada y violada,
Pasos, segunda poca, no. 42, julio-agosto, 1992, 7-10.
37 Eduardo Galeano, El libro de los abrazos (Mxico, D. F.: Siglo XXI, 1990, la primera edicin es de 1989),
75.
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entre los sesenta y los ochenta. Y ese dolor se transmuta nuevamente en la pregunta
clsica de la teodicea, pero de manera muy novedosa.
38 Ibid., 229.
39 Rosario Ferr , La batalla de las vrgenes (Ro Piedras, Puerto Rico: Editorial de la Universidad de Puerto
Rico, 1993), 120s.
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La escasa o nula atencin que algunos crticos prestan a las imgenes religiosas
de importantes textos literarios en ocasiones claves les obnubila su capacidad anal-
tica. El gran libro que Octavio Paz dedica a sor Juana Ins de la Cruz se lacera por
el recelo de ese gran autor a las turbias seducciones del ascetismo, la milagrera y la
falsa mstica43 y su menosprecio a los dilemas teolgicos que ciertamente s inquie-
taban a la enclaustrada poeta novohispana.
inseguridad.44 Esa apora, personal y social a la misma vez, ese maridaje entre el
enigma de la existencia, la angustia de la libertad y el anhelo de descifrar lo que
quiz es, en ltima instancia, inefable e inasible conceptualmente, constituye el
punto de partida fascinante de un dilogo posible entre la literatura y la teologa.
En su estudio sobre los encuentros y desencuentros entre la historia y la litera-
tura latinoamericanas, Fuentes percibe magistralmente los enigmas y las aporas,
pero desafortunadamente se escapan de su horizonte analtico, quiz por el radical
laicismo de su perspectiva, las ubicuas alusiones y referencias a la religiosidad de
nuestros pueblos.
44 Carlos Fuentes, Valiente mundo nuevo: pica, utopa y mito en la novela hispanoamericana (Madrid:
Mondadori, 1990), 19.
45 Jos Mguez Bonino, Los rostros del protestantismo latinoamericano (Buenos Aires: Instituto Superior de
Educacin Teolgica y Editorial Nueva Creacin, 1995).
46 Gustavo Gutirrez, Entre las calandrias: un ensayo sobre Jos Mara Arguedas (Lima: Per: Instituto
Bartolom de las Casas, 1990). La relacin Arguedas Gutirrez es tema de la disertacin doctoral de Brett
Greider, Crossing Deep Rivers: The Liberation Theology of Gustavo Gutirrez in the Light of the Narrative
Poetics of Jos Mara Arguedas (Ph. D. doctoral dissertation, Graduate Theological Union, 1988). Vase
tambin Luis N. Rivera-Pagn, Myth, Utopia, and Faith: Theology and Culture in Latin America, The
Princeton Seminary Bulletin, Vol. XXI, No. 2 New Series, July 2000, 142-160, especialmente las pginas
148-153.
47 Gustavo Gutirrez, Teologa de la liberacin. Perspectivas (Barcelona: Ediciones Sgueme, 1972), 9, 11-12.
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Este texto quiz pueda leerse como el reverso de esperanza del trgico fatalismo
sobre el destino de los pueblos mayas que encontramos en Oficio de tinieblas, la
48 Augusto Roa Bastos, Hijo de hombre (1960, 1984, New York: Penguin Books, 1996), 177.
49 Alfred Loisy, Lvangile et lglise (Paris: A. Picard, 1902).
50 La vida y pasin de Jess, enfocada de modo directo u oblicuo, es tema perenne en la literatura marcada
por el cristianismo. En Amrica Latina, Hijo de hombre, de Roa Bastos, es ejemplo eminente del segundo
enfoque. El Evangelio segn Lucas Gaviln (1979), del mexicano Vicente Leero, del primero.
51 Rigoberta Mench y Elizabeth Burgos, Me llamo Rigoberta Mench y as me naci la conciencia (Mxico,
D. F: Siglo XXI, 1994, la primera edicin es de 1985). Este libro se ha constituido como paradigma de un
gnero literario: la literatura de testimonio. Vase la discusin sobre este genero y el lugar que en l ocupa
este texto en Neil Larsen, Reading North By South: On Latin American Literature, Culture, and Politics
(Minneapolis: University of Minnesota Press, 1995).
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Alguien ha dicho que en muchos de nuestros pases las lites criollas y blan-
cas idolatrizan como paradigmas simblicos de la nacionalidad a figuras indgenas,
siempre y cuando stas hayan muerto siglos atrs, al mismo tiempo que menospre-
cian a sus actuales descendientes. Despus de Rigoberta Mench, nadie debe poner
en duda la inmensa dignidad de la cultura de los pueblos originarios ni la integri-
dad de sus formas peculiares de vivir, sentir y pensar su espiritualidad. Tampoco,
debemos aadir, despus de Rigoberta Mench, deba quedar duda alguna sobre
la facultad extraordinaria de las mujeres para representar con eficacia los pesares y
las ensoaciones de sus pueblos. Su libro conjuga la belleza literaria, el sentimiento
genuino de la cultura indgena, con la reflexin teolgica acerca de los senderos de
Dios y la fe en la historia latinoamericana.
52 Rosario Castellanos, Oficio de tinieblas (Mxico, DF: Penguin Books, 1977, orig. 1962).
53 Vase, Ral Fornet-Betancourt, De la inculturacin a la interculturalidad, en Interculturalidad, di-
logo interreligioso y liberacin, editado por Juan Jos Tamayo y Ral Fornet-Betancourt (Navarra, Espaa:
Editorial Verbo Divino, 2005), 43-60.
54 Ro Piedras: Editorial de la Universidad de Puerto Rico, 1996.
55 Ro Piedras: Editorial de la Universidad de Puerto Rico, 1998.
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56 Pedro Trigo, La institucin eclesistica en la nueva novela latinoamericana; Wolf Lustig, Christliche Symbolik
und Christentum im spanischamerikanischen Roman des 20. Jahrhunderts.
57 Entre 1995 y 2007, los escritores evangelicals estadounidenses Tim LaHaye y Jerry B. Jenkins publicaron
trece novelas (Left Behind, Tribulation Force, Nicolae, Soul Harvest, Apollyon, Assassins, The Indwelling, The
Mark, Desecration, The Remnant, Armageddon, Glorious Appearing y Kingdom Come) sobre las tribulaciones
que acompaan los das finales de la historia humana.
58 Marjorie Reeves, Joachim of Fiore and The Prophetic Future (London: SPCK, 1976).
59 Ejemplos destacados, entre otros, son Joo B. Libnio e Maria Clara L. Bingemer, Escatologia Crist: O
Novo Cu e a Nova Terra (Petrpolis, Brasil: Vozes, 1985); Pablo Richard, Apocalipsis: reconstruccin de
la esperanza (San Jos: DEI, 1994) y Brian K. Blount, Can I Get a Witness?: Reading Revelation Through
African American Culture (Louisville, KY: Westminster John Knox Press, 2005).
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Ti Noel, quien emite esa proclama postrera, se convierte en parbola del elegido,
del siervo sufriente del pueblo afroantillano. Es significativo que Carpentier titula el
ltimo captulo de esta novela Agnus Dei, el cordero de Dios, que asume en su ser,
no ya los pecados, sino la rebelda e indignacin del pueblo. En su papel vicario, Ti
Noel lanza una declaracin de guerra a cada sucesiva generacin de nuevos amos.
A su proclama de insurreccin se enlazan la historia de la sublevacin humana y
la fuerza devastadora de la naturaleza. En desafo frontal a los intentos de sojuzgar
el espritu y el cuerpo de los pobres de la tierra, una nueva revuelta arrabalera se
conjuga con la fuerza espeluznante del huracn caribeo, que como el pueblo negro
tambin llega a las Antillas desde las costas africanas, y se lanza contra la ltima
camada de dominadores. Los ritmos sagrados de tambores y guamos, sincretismo
musical de los pueblos dominados, se maridan con las potencias devastadoras del
cicln afrocaribeo y proclaman la tarea profundamente humana de historizar el
mito y la utopa. La sublevacin de los negros oprimidos marca el Apocalipsis de
significado de la historia humana como esfuerzo perenne de liberacin.
60 Alejo Carpentier, El reino de este mundo (Ro Piedras: Editorial de la Universidad de Puerto Rico, 1994).
61 Miguel ngel Asturias, Hombres de maz (edicin crtica coordinada por Gerald Martin) (Madrid: ALLCA
XX, 1996).
62 El reino de este mundo, 135.
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Los Zacatn fueron descabezados por ser hijos y nietos del farma-
cutico que vendi y prepar a sabiendas el veneno que paraliz la
guerra del invencible Gaspar Ilm contra los maiceros que siembran
maz para negociar con las cosechas. Igual que hombres que prearan
mujeres para vender la carne de sus hijos, para comerciar con la vida
de su carne, con la sangre de su sangre, son los maiceros que siembran
no para sustentarse y mantener su familia, sino codiciosamente, para
levantar cabeza de ricos!...
las imgenes simblicas bblicas juega un papel similar al de la lluvia en las espiritua-
lidades autctonas de Mesoamrica. All, en el desierto, puede que haya exclamado
a la manera de uno de los ms emotivos poemas de Rosario Castellanos...
Son mltiples y muy frtiles, en Amrica Latina, las intersecciones entre la poe-
sa, la espiritualidad, el pensamiento de la fe y la solidaridad humana. No es una
intuicin nueva ni original. Ya lo haba vislumbrado genialmente, en el siglo dieci-
nueve, el cubano Jos Mart
Son como siempre los humildes, los descalzos, los desamparados, los
pescadores, los que se juntan frente a la iniquidad hombro a hombro, y
echan a volar, con sus alas de plata encendidas, el Evangelio! La verdad
se revela mejor a los pobres y a los que padecen!
Qu ms puede decirse?
68 Citado por Arce Valentn, Religin: Poesa del mundo venidero, 107, 112.
69 Rubn Daro, Jos Mart (1896), prlogo a Jos Mart, Versos sencillos (Madrid: Aguilar, 1969), 21-25.
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Desde el exilio, el salmista recuerda anhelante las festividades pasadas en el
Templo del Seor, en la montaa Santa, en Jerusaln. Estar en Jerusaln, entrar en
el templo es ir a ver la faz del Seor, y ms profunda y audazmente, es presentarse
al Seor para ser visto por l. En el hoy del salmista, esta experiencia slo puede ser
revivida desde la distancia mediante el recuerdo. La lejana del rostro del Seor hace
que en el vaco que experimenta el salmista, resuenen distintas voces que se hacen
eco y se entrechocan mutuamente. En primer lugar, la voz del salmista mismo que
exiliado pasa por los diferentes registros de la experiencia humana: recuerda, se
agita, desfallece, anhela, llora y espera. Es el dilogo del salmista con su alma. Luego
est la voz de los adversarios que agudizan intensificndola la sensacin de lejana
de Dios cuando le preguntan todo el da: En dnde est tu Dios?. Es el dilogo
del salmista con sus adversarios. Y finalmente, est la voz del salmista que invoca al
Dios vivo. Su fe en l se ha vuelto, por un lado, pregunta lancinante y recurrente:
Por qu me olvidas? Por qu me has rechazado? Por qu he de andar sombro
por la opresin del enemigo?. Y, por otro lado, espera sedienta del reencuentro
con el rostro de Dios. Espera en Dios, an lo alabar. Salvacin de mi rostro y mi
Dios! Es de cara al rostro de Dios que el creyente puede ser no slo reconocido
como tal sino tambin ser salvado. Esta salvacin es entendida como el reencuentro
en la alabanza ante el altar de Dios. Abismo que llama al abismo, en el fragor de tus
cataratas, todas tus olas y tus crestas han pasado sobre m. La lejana del Santuario
y del monte santo hace que el salmista vea su experiencia creyente acrisolada y cada
vez ms despojada para volverse una fe jadeante, hermanada con la esperanza que
hace poner en camino e ir al encuentro con el Dios vivo. Un encuentro que se da
paradjicamente bajo la forma de un anhelo, de una sed, de una interrogacin en
la ladera de la lejana. Dios es una realidad desbordante, arrolladora y abismal cuya
distancia resuena en el abismo de las propias inquietudes del salmista: Un abismo
llama al otro abismo.
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Quiero proponer, desde esta ladera del mundo, del otro lado del mar1,
esta reflexin sobre la relacin entre teologa y literatura. En efecto, la realidad de
los pobres que clama al cielo y al rostro de todos nosotros, ha hecho que la reflexin
teolgica elaborada en nuestro continente se pregunte de manera permanente De
qu manera hablar de un Dios que se revela como amor en una realidad marcada
por la pobreza y la opresin? Cmo anunciar la Dios de la vida a personas que
sufren una muerte prematura e injusta? Cmo reconocer el don gratuito de su
amor y de su justicia desde el sufrimiento del inocente? Con qu lenguaje decir a
los que no son personas que son hijos e hijas de Dios?2los pobres pueden recibir el
Evangelio de Jess como una Buena Noticia? Como en el salmo 41, la teologa de
nuestro continente ha tenido que reflexionar acerca de Dios y su accin, desde el
reverso de la historia, desde los que no tienen rostros, desde los olvidados y con ellos
balbucear una fe que busca respuesta a la pregunta: Y t Dios donde ests?, Por
qu escondes tu rostro? Pero yendo ms lejos an, la teologa ha tenido que hacerse
cargo de la pregunta por el hombre y que Dios formula en el Gnesis: Yaveh Dios
llam al hombre y le dijo Dnde ests? (Gn 3, 9). El Dios vivo cuyo rostro se ha
ocultado, se ha vuelto enigmtico, silente y a la vez distante para el ser humano,
en especial para los que, a pesar de los embates de la historia, levantan sus brazos
al cielo, implorando que este Dios vuelva su rostro y los mire con bondad. Y esta
distancia y ocultamiento de Dios ha incidido, a su vez, en el hombre que, en sus
condiciones de miseria, de olvido se ha vuelto, de alguna manera, irreconocible, una
realidad abismal para s mismo y, de otra manera, aun para Dios mismo. Dios un
abismo para el hombre y el hombre, de alguna manera, un abismo para Dios. Un
abismo llama al otro abismo.
1 Cecilia Ins Avenatti de Palumbo, La literatura en la esttica de Hans Urs von Balthasar. Salamanca, secre-
tariado trinitario, 2002, p. XXIII. Es un gesto semejante al que realiza Cecilia Avenatti en su hermoso
trabajo sobre la obra de Balthasar, preguntndose acerca del el lugar que la literatura ocupa en su esttica
teolgica. En este trabajo, Cecilia, del otro lado del mar seala que la voz y el pensamiento de Balthasar
ha despertado en ella repercusiones y continuaciones que han transformado la voz de este telogo y han
transformada a su interlocutora. Repercusiones que hablan de la fecundidad de un dilogo que se hace
cargo de la distancia y de las diferentes situaciones hermenuticas en que se encuentran los interlocutores
(edad, recorrido, formacin, y lugar desde donde hablamos) y que en mi caso, es el dilogo que con gran
admiracin y reconocimiento, establezco con el profesor Olegario Gonzlez de Cardenal.
2 Gustavo Gutirrez, Hablar de Dios desde el sufrimiento del inocente. Sgueme: Salamanca, 1986, pp.18-19.
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3 Julio Cortzar, Las puertas del cielo en Cuentos Completos. Madrid: Alfaguara, 1997, 155-164.
4 Julio Cortzar, Las puertas del cielo, 158.
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manifiestamente en las teofanas bblicas escribe: Por un lado, aprehender que Dios
no es un simple fundamento (Grund) para resistir a las crisis, y con el cual cndi-
damente se pueda contar. Por otro lado, que Dios sea un abismo (Abgrund) quiere
decir que l contina siendo, en su potencia fundante, el libre, el imprevisible y
el incomprensible. En ese sentido los grandes msticos cristianos han hablado de
Dios como abismo9. El Dios en su realidad abismal no es del orden de principios
o fundamentos de sentido sino ms bien del orden de una realidad viviente y libre,
que se deja, de alguna manera, tocar por las vicisitudes de la condicin humana.
Por lo mismo, Dios es capaz de venir desde su exceso al encuentro del ser humano,
incluso all donde el deseo de ste no lo espera ni lo busca. Dios en su trascendencia
pattica y amante, puede ocultarse al deseo del ser humano no slo por ausencia
sino tambin y a menudo por un exceso de presencia que desborda la capacidad de
acogida y de respuesta a su visita inesperada. Utilizando la imagen de la luz, tanto
su ausencia como su exceso enceguecen y nublan la capacidad de visin humana. Lo
que permite asomarse al borde de la realidad abismal de Dios es la sed insatisfecha
del deseo que, como la cierva que en busca de los arroyos, as el alma humana entre
desfallecimiento y contrariedades, busca en el claroscuro de la fe al Dios vivo.
9 Karl-Josef Kuschel, Im Spiegel ser Dichter. Mensch, Gott und Jesus in der Literatur des 20 Jahrhunbderts.
Dsseldorf: Patmos Verlag, 1997, 288s.
10 Jos Carlos Barcellos, O Drama da Salvao: Espao autobiogrfico e experincia Crist em Julien Green.Juiz
de fora: Subiaco, 2008, 249-250.
11 Julien Green, Journal, 24 de junio de 1956 en Oeuvres Compltes. Paris: Gallimard (Bibliothque de la
Pliade), 1972, vol V, 9.
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Esta idea audaz y estimulante me fue sugerida por la lectura del artculo de Adolphe
Gesch, La thologie dans le temps de lhomme. Littrature et Rvelation12.
Preguntndose tambin por la relacin entre teologa y literatura, seala que la teo-
loga puede hacer un aporte a la literatura en la media en que se defina como una
antropologa teologal. Es decir, al proponer al Dios que se revela en Jess, la teolo-
ga debe explicitar, en el mismo impulso, lo que esta visin dice autnticamente del
hombre y al hombre. Como lo veamos en el punto precedente, la teologa al volver
incesantemente a su fuente, la experiencia del Dios vivo que se autocomunica a su
Pueblo y que se recoge en la Biblia, ofrece una visin del hombre que se define por
un T trascendente y amante, que lo funda, que lo llama y lo salva, constituyndolo
como un interlocutor de Dios, capaz de tenerse de pie delante de l y de responder
a su llamado. Y al mismo tiempo, y este es el punto que quiero subrayar, por esta
misma dinmica relacional de la autocomunicacin de Dios, el ser humano, tal
como es en su condicin enigmtica, se vuelve, de algn modo, una interrogante
para Dios. As, el ser humano representa para s mismo una instancia reveladora
de lo que est llamado a ser ante Dios, y, para Dios, una instancia reveladora de
lo que l es y quiere ser para el hombre. Detenindose en algunos relatos bblicos,
Gesch seala que Yahveh mismo se interroga sobre el hombre, sobre sus mviles.
As por ejemplo, tras la visita de Yahveh a Abraham a travs de los tres enigmticos
huspedes, bajo la encina de Mambr (Gn 18, 1-15), y antes de dirigirse a Sodoma,
Yahveh quiere verificar si el clamor que le ha llegado, acerca del pecado gravsimo
de estas ciudades, es del todo verdad (Gn 18,16-33). Y as antes de juzgar a estas
ciudades, Yahveh consulta a Abraham acerca de lo que pasa en estas ciudades. Y tal
es su proximidad con Yahveh que Abraham se atreve a interceder ante ste por los
justos que se encontraran en estas ciudades y, de este modo, influir y modificar la
sentencia que Yahveh quiere ejecutar sobre ellas.
12 Adolphe Gesch, La thologie dans le temps de lhomme. Littrature et Rvlation en Jacques Vermeylen,
Cultures et thologies en Europe. Jalons pour un dialogue. Paris: Cerf, 1995.
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entonces, Jacob puede llamar al lugar donde acontecido dicho encuentro, Penuel
es decir rostro de Dios.
En estos dos relatos, Dios se manifiesta ante el ser humano, no como un inquisi-
dor omnipresente y que todo lo sabe sino como un Dios escondido y desconcertante.
En efecto, escondido por su manifestacin misma, pues el Dios Santo se hace pre-
sente bajo la forma de una visita inesperada y de incgnito, como los viajeros que
pasan delante de la tienda de Abraham o como el desconocido con el que lucha
Jacob. Y desconcertante tambin porque el Dios grande se muestra a la vez limi-
tado, un Dios que pregunta por la condicin humana, que se expone al combate
del hombre y a sus embates, que incluso se hace influenciable a los requerimientos
de su amigo e intercesor. Para este Dios el ser humano se presenta a sus ojos como
alguien no del todo conocido. Y para que el ser humano pueda advenir a ser lo que
est llamado a ser- un t capaz de mantenerse de pie delante de Dios y que puede
responderle- Yahveh se acerca a l asumiendo el ser humano, no sabiendo dnde se
ha escondido (en el relato admico), cmo se comporta (en el relato de Abraham)
ni cmo se llama (en el relato de Jacob).
As la relacin misma entre estos dos actores- Dios y el ser humano- se reviste
de una nueva significacin, ms an a la luz del abajamiento de Jess. Por un
lado, Dios es el que se acerca al ser humano con infinito respeto y a la vez con una
profunda compasin, al punto que, en su grandeza desconcertante, manifestada
en Jesucristo, Dios mismo, tal vez, no puede ver al hombre sin morir por l. Su
gesto mismo de ocultamiento en la muerte de Jess le revela a la vez de manera
sorprendente Quin es este Dios cuya filantropa es tal que est dispuesto incluso
a aniquilarse por el ser humano, este Dios fou de lhomme (Schelling)? Y, por otro
lado, el hombre mismo adquiere un nuevo valor ante s mismo y a los ojos de Dios.
En efecto el ser humano agudiza la conciencia de su condicin enigmtica al pre-
guntarse ante tal gesto, parafraseando y radicalizado las palabras del salmo 8: Qu
es el hombre para que t Dios pienses en l, lo cuides e incluso mueras por l?
Gesch afirma pues acerca de la sorprendente manera como el Dios de los Padres,
de Abraham, de Isaac y de Jacob, el Dios de Jess, se muestra como Dios y se hace
creble a los ojos del hombre:
13 Adolphe Gesch, La thologie dans le temps de lhomme. Littrature et Rvlation en Jacques Vermeylen,
Cultures et thologies en Europe. Jalons pour un dialogue. Paris: Cerf, 1995, 140.
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Yo nac un da
que Dios estuvo enfermo
grave ( Espergesas en Heraldos muertos)
Yo voy a prometerte una cosa, Dios mo, en realidad algo que es poca cosa:
me abstendr de suspender en el da presente [] las angustias que me inspira el
futuro: Pero esto exige un cierto entrenamiento. Por el momento, a cada da basta
su pena. Te voy a ayudar, Dios mo, a no extinguirte en m, pero yo no te puedo
garantizar nada de antemano. Sin embargo, una cosa se me impone cada vez con
ms claridad. No eres t quien puede ayudarnos sino nosotros los que podemos
ayudarte y haciendo esto nos ayudamos a nosotros mismos tambin. Es todo lo
que nos es posible salvar en esta poca y es tambin la nica cosa que cuenta: un
poco de ti en nosotros, Dios mo. Tal vez podremos tambin contribuir a darte a luz
en los corazones martirizados de los otros. S, Dios mo, tu pareces poco capaz de
modificar una situacin finalmente indisociable de esta vida. Yo no te pido cuentas
de ello, al contrario eres t el que nos ha de llamar a darte cuentas, algn da. Me
parece cada vez ms claro, en cada pulsacin de mi corazn, que tu no puedes ayu-
darnos sino que nosotros hemos de ayudarte y de defender hasta el final la morada
en la que te abrigas en nosotros15.
14 Gustavo Gutirrez, Lenguaje teolgico: plenitud de silencio, Revista latinoamericana de teologa, n38,
1996, 146-147.
15 Etty Hillesum, Une vie bouleverse. Paris: Seuil, 1995, 175-176.
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En esta nota hay una entereza para afrontar tanto las amenazas que se cier-
nen en le horizonte futuro como las angustias que esas amenazas despiertan ya en
el presente. Adems hay una honda experiencia de la autonoma del ser humano,
tanto en sus logros como en su capacidad (auto-) destructora. Y en medio de estas
circunstancias, Dios brilla como una luz tenue y frgil, aparece vulnerable y expuesto
a las mismas condiciones de sufrimiento de aquellos que lo invocan. Sin embargo
es este resplandor, su presencia oculta en los corazones martirizados, la que les da
una hondura nueva a las circunstancias aplastantes en las viven. Ese ese poco de ti
en cada ser humano, incluso en aquellos que an no lo conocen, es lo que confiere
una dignidad inalienable a las personas y una esperanza tenaz. La fe en estas circuns-
tancias consiste entonces en procurar no extinguir la llama frgil de la presencia de
Dios en cada uno y desde all, ayudar a dar a luz dicha presencia, en una suerte
de mayutica de Dios, en los que estn sumidos en las tinieblas de la angustia. La
condicin enigmtica del hombre adquiere una dimensin trgica cuando asume
su finitud desplegando su poder de autodestruccin contra s misma y, en especial,
contra los ms dbiles. Pero esta misma condicin enigmtica del hombre recibe
una luz nueva cuando en medio de esas circunstancias, brilla tenuemente en cada
uno el destello de una presencia frgil y vulnerable de Dios. Y de este modo, es Dios
mismo, por decir as, desde la visin de Etty, quien cuenta con el compromiso y el
empeo del ser humano a fin de que dicha presencia divina no se apague.
Desde esta ladera del mundo, desde nuestro continente latinoamericano, creo
que tanto la teologa como la literatura estn llamadas, cada una desde su ribera,
a ahondar la enigmtica condicin de Dios y la enigmtica condicin humana.
Hemos visto que hay una dialctica y una mutua iluminacin que brota de una
sorpresa y una admiracin reconquistada tanto ante el hecho humano, como ser de
deseo y no slo de necesidad, que lleva en s mismo un anhelo de infinitud que se
ve lastrado o agudizado por la propia finitud, como ante la realidad de Dios, tan
imprevisible e insondable en sus mltiples caminos por los cuales se hace encon-
tradizo al ser humano. Un Dios Santo que se revela en su capacidad de entrega,
ocultndose en el rostro del varn de dolores y ahora resucitado de Jess. Un Dios
que se anonada para revelarse en su grandeza, ocultndose en la enigmtica con-
dicin del ser humano, tal como fue asumida y recorrida por Jess. Un Dios que
contina actuando, con la misma lgica de la knosis, mediante su Espritu, que
su vida misma como apertura, relacin y don. La presencia de Jess que se revela
ocultndose por su Espritu que brilla como la pequea presencia de Dios en cada
uno. Un Dios que se revela y, de alguna manera, se recibe a s mismo de manera
nueva, en los meandros y profundidades de la condicin humana. Es el Altsimo
que se da a conocer y se conoce como el bajsimo que en Jess atraviesa toda el
registro de lo humano, la gran gama emotiva, tan radicalmente hombre que toca
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al dios por las races como lo escribe el poeta francs Christian Bobin16. Por lo
tanto, la literatura est llamada a hacer sus mayores esfuerzos por dar a luz el verbo
potico que haga recular el horizonte amenazante del sinsentido y nos haga penetrar
en las tierras de lo abismal y de lo inefable que envuelve a lo humano. En ese verbo
primordial que se expresa en los distintos registros y posibilidades del lenguaje y
de la ficcin- no slo encuentran voz las mltiples variaciones de lo humano sino
tambin los murmullos de Dios, en el corazn de la experiencia secular, las puertas
del cielo que se vislumbran entre las notas lnguidas de una milonga o sincopadas
del jazz, o que se insinan pdicamente en los blancos de la poesa, en un t entre-
visto, en los puntos suspensivos. La teologa por su parte, requiere disponerse ella
misma a la admiracin renovada por el Dios vivo, por su trascendencia amante, que
se revela en las Escrituras. Desde este suelo santo, de rodillas y descalza, la teologa
est llamada a recorrer el humus comn que comparte con sus compaeros de
humanidad y que la literatura expresa en sus posibles inditos. Entonces la teologa
podr discernir no slo potencial antropofnico de la literatura sino tambin all
mismo su potencial teofnico, la presencia del Verbo de Dios en el verbo potico y
literario. Una teologa que requiere entonces aguzar su sentir para discernir y acoger
el paso de Dios por las figuras de humanidad posible desplegadas por la literatura.
En la convergencia de esta admiracin renovada ante el Dios vivo manifestado en
Jess y del contacto asiduo con las bsquedas y exploraciones en los abismos de lo
humano por los escritores, la teologa podr despertar su imaginacin heurstica
para elaborar formas discursivas que dejen hablar a Dios: Un Dios que habla en su
exceso y en su misterio, en la presencia discreta del Verbo, llevada por su Espritu
que pasa por la humanidad como una voz de fino silencio17 que resuena en las
voces humanas, en especial en la de los que ya no la tienen o nunca la han tenido.
Una teologa que no tema expresar sus propios tanteos, balbuceos y perplejidad
ante Dios y su querer y ante la realidad ineludible, en esta ladera del mundo, la
vida cotidiana de los pobres, transida de pena y se esperanza. Por ello mismo, una
teologa que se pone ella misma en camino, como un mendigo sediento y amante,
a la bsqueda del rostro de Dios, en las rutas del tiempo para abrirse a su iniciativa
siempre imprevisible y desconcertante.
16 Christian Bobin, Lhomme qui marche. Cognac: Le temps quil fait, 1995, 18.
17 Traduccin que hace Levinas del viento suave en que Dios pas delante de Elas (1 Re 19,12) citada y
adoptada por Jaques Briand, Dieu dans lcriture. Paris. Cerf, 1992, 26.
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18 Paul Ricoeur, Exprience et langage dans le discours religieux. En Michel Henry, Paul Ricoeur, Jean-Luc
Marion, Jean-Louis Chrtien, Phnomnologie et Thologie, Paris: Criterion, 1992, 35-36.
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Resumo
O livro X das Confisses tem como chave de leitura a memria para a constituio
do si . examinada a relao que existe, no texto narrativo de Agostinho, entre a
interpretao da Escritura e a constituio do si, em que h aspectos do discurso
interior e abordagem no quadro da teoria narrativa que dada a partir do conceito
de identidade narrativa. A constituio do si desenvolvida na dialtica interna do
personagem entre a afirmao de si e a negao de si, que apresenta a imanncia do
homem como caracterstica pessoal e, ao mesmo tempo, o desejo de transcendncia
daquilo que o ser humano tem de mais ntimo em relao a Deus.
Palavras-chave: Memria; conscincia; constituio do si; identidade narrativa; dia-
ltica.
Abstract
It is thus examined, in Augustines narrative, the relationship between the
interpretation of the Scriptures and the becoming of the self. One finds in this
relationship aspects of the inner discourse and of an identity-narrative approach of
the narrative theory. The coming-to-be of the self relies on an internal dialectical
movement of the character, which balances self acknowledgement against self
denial, thus presenting mans immanence as a personal feature and, simultaneously,
mens desire for transcending what they value as their most intimate relationship
to God.
Key-words: memory, self knowledge, becoming of the self, identity-narrative,
dialectics.
1 Professora Doutora em Cincias das Religies da UFPB Universidade Federal da Paraba, PB.
e-mail: [email protected]
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Introduo
2 A noo de identidade narrativa abordada por Paul Ricoeur em O si mesmo como um outro, fruto do
desenvolvimento de uma hiptese lanada ao final de Tempo e Narrativa III, para responder a hiptese
se haveria uma estrutura da experincia capaz de integrar as duas classes narrativas, histrica e de fico.
Ricoeur entrecruza essas duas narrativas no mais com a perspectiva de suas relaes com o tempo humano,
como havia feito em Tempo e Narrativa, mas como um aparato para contribuir com a constituio do si,
em que ir propor a distino e dialtica entre a mesmidade e a ipseidade. RICOEUR, Paul. O si mesmo
como um outro. Traduo de Lucy Moreira Cesar. Campinas: Papirus, 1991, p.137-166.
3 A hermenutica do siencadeia trs mediaes: a articulao entre a reflexo e a anlise, que impe a dial-
tica entre o si-mesmo e o si-prprio e ganha dimenso na dialtica entre o si-mesmo e a alteridade.
4 Conf. X, v, 7.
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5 MOURANT, John A. Saint Augustine on memory. Augustinian The saint Augustine lecture series. Institute
Villanova University Press, 1980, p.7. Mourant, em seu artigo, afirma que a memria pode estabelecer a
unidade das Confisses, porque ela constitui Santo Agostinho homem, filsofo, telogo e santo.
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O que tem em suas mos, sua disposio : memria6 (ad manum posita in ipsa
memria), a mo do corao7 (ab manu cordis), o pensamento (cogitare proprie) e
o querer8 (quod volo).
A narrativa abre o livro X com a prece que tem como questo central a busca
pelo conhecimento de Deus que expressa o desejo de querer conhecer a Deus tal
como se conhecido por ele.
13 Sicut uma preposio de comparao que pode vir a expressar semelhana, similitude.
14 Et certe videmus nunc per speculum in aenigmate, nondum facie ad faciem.
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O tal como encontra-se com diversas significaes do adjetivo, como, por exem-
plo, mesmo, que pode significar similitude (que igualmente sinnimo de anlogo,
parecido, semelhante, similar, tal como). Nesse sentido, o tal como utilizado no
quadro de uma comparao e demonstra desde o incio da prece o conhecimento de
como Agostinho deseja ser moldado e alcanar, pela prtica da verdade, a luz. A luz
a possibilidade de estabelecer a correlao com a semelhana. Pois, o que se deseja
conhecer a Deus e a luz o que se deseja alcanar; logo, Deus e luz se interpem
como sinnimos na narrativa. O primeiro indcio que existe um princpio de par-
ticipao ntimo. Primeiro, o homem tem que ver em Deus a sua prpria natureza,
como ele existe entre o eu e a alteridade para ento desenvolver o conhecimento
de Deus.15 Esse seria o primeiro desgnio do Pai para o conhecimento de si. O prin-
cpio de participao teria o seu desdobramento em atribuir o desejo de conhecer a
Deus tal como se conhecido por ele, no desejo de buscar a quietude, o repouso em
Deus, observando que no homem foi inspirado um desejo de repouso em Deus
e o homem, que est pronunciado no tempo, deseja aspirar pelo conhecimento
que lhe foi inspirado por Deus. A seguir, a questo seria: como a ideia do esprito
humano, com todas as luzes e inspirao de Deus no homem, pode ser compreen-
dida como repouso em Deus? Se seguirmos essa via de conhecimento, a resposta
ser o peso que a palavra-Verbo se impe ao esprito e ter seu desfecho no final
da prece, com o entrelaamento bblico em Joo 3,21. Se a identidade narrativa
tem a possibilidade de desenvolver uma unidade ao texto, ela poder nos conectar
e ter seu encadeamento nos desatamentos dos ns na sequncia narrativa at o
final do livro X, com a ltima prece (Confisses X, iv, 6; vi, 8; xliii, 68, 69), com a
Encarnao de Cristo e a economia da salvao.
A narrativa aproxima uma conexo para a compreenso entre os conhecimentos.
Ainda no incio da prece que abre o livro X, a citao bblica, mostra que existe um
obstculo para se conhecer a Deus plenamente e aqui surgem os encadeamentos
do problema, da intriga , posto que agora (nunc), no presente, o conhecimento
limitado e sugere uma expectativa, de um depois, de um ainda-no (nodum) de
conhecimento pleno. Segundo indcio, e um princpio de imagem,16 de que a ver-
dade humana no original, seno que engendrada. Assim, a narrativa coloca a
impossibilidade de conhecer a Deus plenamente no face a face e, portanto, sugere
um conhecimento parcial, que agora, no presente, h a impossibilidade, mas h
15 JOLIVET, 1929, p. 425-426. Jolivet observa que no podemos ter nenhum outro conhecimento de Deus
que no seja mediato e analgico, resultante do conhecimento prvio das criaturas e da luz iluminadora que
procede de Deus. Segundo, no conhecemos Deus por meio das ideias, como conhecemos o modelo pelas
imagens, mas as ideias divinas so aquelas dadas na existncia do Verbo divino, so o modelo dos objetos
inteligveis que percebemos. Portanto, para Agostinho existe somente uma verdade absolutamente nica:
todas as verdades que nos so acessveis pelo conhecimento no so nada mais do que a manifestao ml-
tipla dessa verdade nica, como os raios do sol, infinitos em nmero, que apenas procedem de uma nica
fonte. A verdade subsistente no pode ser contemplada por si mesma, mas as ideias que esto em nossa
inteligncia, estas sim podem, como luz, esclarecer e nos fazer conhecedores de alguma coisa dela mesma.
Logo, o que Jolivet afirma que a primeira via de conhecimento a prpria presena da luz divina.
16 Io. eu. tr., 8, 4, 6; diu. qu. 51.
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17 Conf. X, v, 7.
18 VERBEKE, G. Connaissance de soi et connaissance de Dieu chez saint Augustin. Augustiniana 1954, p.
496.
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(2) virtude da minha alma, entra nela e molda-a a ti, para que a
tenhas e possuas sem mancha e sem ruga.19
Virtus animae meae, intra in eam et coapta,20 tibi, ut habeas et possideas
sine macula et ruga.
(2) Para apresentar a si mesmo a Igreja, gloriosa, sem mancha nem
ruga, ou coisa semelhante, mas santa e irrepreensvel (Ef 5,27).
(3) Esta a minha esperana, por ela falo e nessa esperana me alegro
quando experimento a s alegria. Tudo o mais nesta vida, quanto mais
se chora, menos merece ser chorado e tanto mais seria chorar quanto
menos por ele se chora.22
19 Confisses X, i, 1.
20 O sentido no latim de coapta pode ser interpretado como ligar com, unir, harmonia, adaptar.
21 Augustinus Hipponensis. De Genesi ad Litteram imperfectus lber Lber. http://www.augustinus.it/latino/
genesi_incompiuto/genesi_incompiuto_libro.htm/ Acesso em: 05/07/2009.
22 Confisses X, i, 1.
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O mesmo texto foi interpretado por Agostinho em um sermo em que ele fala
sobre a necessidade da confisso para receber o perdo e a misericrdia. Ele no
deixa um pecado sequer sem punio. Deus cobre todos os pecados com o perdo.
Quando se ama a verdade dispensada a misericrdia. A misericrdia, porque o
homem libertado; a verdade, porque o pecado recebe seu castigo. Deus ensina a
sabedoria no ntimo. A verdade o fundamento do ser, cuja necessidade est no
fundo do ser; a incerteza leva ao sofrimento, dor, culpa. desse modo que, na
continuao de sua prece, em X, ii, 2, Agostinho quer revelar tudo o que ainda h
de oculto, pois, no agora, ainda revela a incerteza sob gemidos. A relao com Deus
em amor conhece uma relao desvelada; somente assim a misericrdia de Deus se
revela em liberdade, e no em dor, escravido. O homem que vive em sua prpria
incerteza e desconhecimento sofre a sua prpria condio de ignorncia, sem que
lhe seja revelada a sabedoria, o amor que j existe doado por Deus para a liberdade.
No conhecer a si mesmo a falta de fundamento da verdade, o amor. Para tanto, o
conhecimento sobre a verdade de si mesmo fundamental para que o homem seja
moldado e purificado pela virtude.
23 Explication Commence de Lptre Aux Romains. Traduction de M. labb BARDOT. Oeuvres Compltes
de Saint Augustin, Traduites pour la premire fois en franais, sous la direction de M. Raulx. Tome Vme.
Commentaires sur lcriture. Bar-Le-Duc: L. Gurins & Cie diteurs, 1867, p. 379-393. http://www.
abbaye-saint-benoit.ch/saints/augustin/comecr2/romexcom.htm
24 Confisses X, i, 1.
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(5) porque aquele que a pe em prtica alcana a luz.25 (5) Mas quem
pratica a verdade vem para a luz, para que manifeste que suas obras so
feitas em Deus (cf. Jo 3,21).
Agostinho, ao afirmar que deseja alcanar a luz, entrelaa ao seu texto a pas-
sagem bblica que se refere ao dilogo de Jesus com Nicodemos, em Joo 3, 21.
A passagem conhecida como referncia ao novo nascimento pelo Esprito, que
apresenta a necessidade de se praticar a verdade para vir luz, manifestando assim
as boas obras de Deus e a filiao a Deus por meio de Cristo.
Isso possibilita aproximar uma interpretao ao texto das Confisses que interpreta
como primeiro dado de semelhana (similitude) a filiao, por meio do nascimento
espiritual; ser semelhante se torna possvel, pois esse o modo pelo qual Agostinho
reconhece a filiao.
25 Confisses X, i, 1.
26 Traits sur Saint Jean. vangile et ptre Aux Parthes in: uvres compltes de Saint Augustintraduites pour
la premire fois en franais sous la direction de M. Poujoulat et de M. labb Raulx. Bar-Le-Duc, 1864. Tomes
X et XI. Douzime Trait. Depuis Cet Endroit : Ce qui est ne de la chair est chair, jusqu : Mais Celui
qui a fait la verite vient a la lumiere, afin que ses oeuvres soient manifestees, parce que cest en Dieu quelles
ont te faites (chap. Iii, 6-21.) La Naissance Spirituelle.
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O modo como Agostinho revela o fruto de suas confisses pouco a pouco entre-
laa os textos bblicos figura de Cristo. Em Confisses X, iv, 6, marca a escrita com
as palavras: secreta alegria com tremor e secreta tristeza com esperana. Ao iniciar o
livro com a prece, mostra que Deus ama a verdade. Esse mesmo texto entrelaado
Bblia apresenta a secreta sabedoria; a sabedoria introduzida ao texto como a
figura de Cristo perdoador.
Esse mesmo pargrafo de Confisses X, iv, 6 mostra que sua confisso feita no
somente com palavras, mas com obras, sob o cuidado de Deus. E, conforme Anne-
Marie la Bonnardire,27 aponta para o paradoxo de sentido da ipseidade, longe
de fechar em um ser para si, ou um ser em si, mas como um ser com. O ser
transcendente um ser condescendente e um ser em relao com seus filhos:
Sou uma criancinha, mas o meu Pai est sempre vivo e ele para mim
um tutor de confiana; ele o mesmo (Salmo 101,28; Hebreus 1,12)
que me gerou (Salmo 2,7) e me protege, pois tu s todo o meu bem,
tu, o Onipotente, que ests comigo e antes que eu estivesse contigo.
Revelarei, pois, a tais pessoas, a quem me mandas servir, no quem fui,
mas quem sou e quem ainda sou; mas no julgo a mim mesmo28
27 BONNARDIRE, Anne-Marie la. Saint Augustin et la Bible. Paris: ditions Beauchesne, 1986, p.
161.
28 Conf. X, iv, 6.
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Martins define que o conhecimento no algo fabricado pelos mitos, mas sobre-
tudo aquilo que est colocado em nossas mos e que faz parte de nossa experincia,
nosso aprendizado, algo conhecido. Para Martins, a noo de Agostinho tambm
reaproxima a compreenso de Ccero quando associa o ato de compreender quilo
que est colocado em nossas mos. A expresso ad manum posita aparece unica-
mente nas Confisses, no livro X, em que Agostinho analisa a funo e o papel que
joga a memria no conhecimento intelectual.
Dessa forma, a narrativa abre o paradoxo sobre a vontade e a virtude, aquilo que
est em nosso poder, associado ao nosso desejo (apetite), e aquilo que est acima de
ns, em correlato ao paradoxo de duas conscincias: aquela que est revelada (que
foi revelada pela luz) e aquela que est oculta, ignorada (aquela que necessita da
luz para ilumin-lo) e concomitante s duas memrias: a memria de si mesma, da
lembrana, e a memria do esquecimento.
Esta anlise est centrada sobre aquilo que definimos como conscincia ou o
conhecimento de si que possui o esprito,34 a saber, a presena de si,35 sua interio-
ridade, que tem como chave de leitura a memria para perscrutar os recnditos da
mente humana.
32 At vero, cum audio tria genera esse quaestionum: an sit, quid sit, quale sit(...) xi, 18. Quocirca invenimus nihil
esse aliud discere ista, quorum non per sensus haurimus imagines, sed sine imaginibus, sicuti sunt, per se ipsa
intus cernimus, nisi ea, quae passim atque indisposite memoria continebat, cogitando quasi colligere atque ani-
madvertendo curare, ut tamquam ad manum posita in ipsa memoria, ubi sparsa prius et neglecta latitabant,
iam familiari (Confisses X, x, 17).
33 Et quam multa huius modi gestat memoria mea quae iam inventa sunt et, sicut dixi, quasi ad manum posita,
quae didicisse et nosse dicimur (Confisses X, xi, 18).
34 Confisses X, VII, 11. (...) eu, um s esprito.
35 Confisses X, V, 7.
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36 Confisses X, III, 3.
37 Agostinho, anos mais tarde, em A Cidade de Deus XI, xxvii, retoma esse princpio em resposta ao argu-
mento dos acadmicos: Pois, se me engano, existo. Quem no existe no pode enganar-se; por isso, se me
engano, existo. Logo, se existo, se me engano, crendo que existo, quando certo que existo, se me engano?
Embora me engane sou eu que me engano e, portanto, no que conheo existo, no me engano. Como
conheo que existo, assim conheo que conheo.
38 Confisses X, II, 2.
39 Confisses X, i, 1.
40 Nollem, no querer, resistir, vacilante, afastamento.
41 Et tibi quidem, Domine, cuius oculis nuda est abyssus humanae conscientiae, quid occultum esset in me,
etiamsi nollem confiteri tibi ? Te enim mihi absconderem, non me tibi. Nunc autem quod gemitus meus
testis est displicere me mihi, tu refulges et places et amaris et desideraris, ut erubescam de me et abiciam me
atque eligam te et nec tibi nec mihi placeam nisi de te (Confisses X, ii, 2).
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42 Grifo meu, uma vez que interpreto o presente ao final das Confisses como uma ddiva de Deus, que con-
sidero presente como ato de presentear, graa doadora.
43 Confisses X, v, 6.
44 Confisses X, iii, 4 e XI, xx, 26.
45 Confisses XI, xx, 26.
46 Agostinho, no livro X, marca sua narrativa dizendo que quer falar no presente quem . Se considerarmos
como vlido que no livro XI, xxviii, 37, ele ir desenvolver o conceito sobre tempo, em que d a noo de
tempo como os trs momentos do esprito, e o esprito no livro X, xiv, 21 significado como sinnimo de
memria, que realiza a expectativa, a ateno e a lembrana, e que a ateno, ou seja, o presente o que per-
dura. Desse modo, a memria pode ser considerada como o centro da reflexo, em que avalia seus hbitos
e suas aes e sua tomada de direo, no com disperso, mas com ateno (XI, xxix, 39). Caso contrrio,
em parte, no faria sentido a grande especulao que faz sobre a sua memria e anlise da condio humana
desenvolvida no livro X. Portanto, os livros X e XI esto intimamente ligados ao conceito de memria,
vontade e tempo, algo que primordial para compreenso de sua existncia.
47 Confisses X, iv, 5, 6.
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como ao e objetivo a prtica da verdade para alcanar a luz,48 o que denota uma
orientao em busca do conhecimento, pelo bem.
48 Confisses X, i, 1.
49 non quis fuerim, sed quis iam sim et quis adhuc sim.
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Na sequncia, afirma o amor que tem a Deus, mas que tem como causa e prece-
dncia o amor de Deus, para depois entrar no campo da memria, onde a memria
ganha amplitude de contedos quando se desvela a si mesma.
50 O termo conscincia no conjunto da obra, em que mencionado, aparece como uma espcie de rbitro,
juiz de si mesmo, de uma exigncia moral que aponta para o interior (lei, Deus, retido, juiz) de uma refle-
xo que traz a luz sobre si mesmo nas passagens: Confisses I, 18, 29; II, 5, 11; IV, 9, 14; V, 6, 11; VIII, 7,
18; X, ii, 2; 3,4; 6, 8; X, vi, 9; 30, 41; XII, 18, 27.
51 Confisses X, ii, 2.
52 Non dubia, sed certa conscientia, Domine, amo te. Percussisti cor meum verbo tuo, et amavi te (Confisses X,
vi, 8).
53 Confisses X, ii, 2.
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Agostinho procura por algo, o que ama, com e no tempo, quando ama a
Deus. A busca pelo conhecimento se d no homem interior. A alma determina (o
que) o modo de sua procura como essncia. Embora Agostinho apresente o mesmo
objeto para amar, no se trata de qualquer modo de amar, e sim de um certo modo
de amar. Mas, novamente para dizer o que ama, primeiro apresenta os opostos e
comea a dizer o que no ama, para depois dizer o que ama. No o prprio objeto
que caracteriza o amor, de uma objetivao terica da natureza, ou ainda de uma
metafsica do amor, mas ao dizer o que ama, o amor traz em si a ambiguidade de
valores. o como da realizao da experincia, como ele caracteriza sua experincia,
a pergunta pela experincia interior, da essncia, do fenmeno oculto, da radicali-
dade demarcadora, da vida ftica.55 O que se impe o seu prprio estilo, um modo
de pensar a prpria constituio do seu amor. Ao observarmos a construo do
pargrafo, constatamos que Agostinho praticamente o separa em trs estribilhos.
O que ama? Ama todos os sentidos corporais. Mas, com o amor do homem inte-
rior, sentidos interiores. Nesse homem interior h luz, porm, essa luz no ocupa
lugar; h vozes do tempo, aromas e sabores que no se dissipam nem diminuem.
O homem interior o lugar do constante gozo. A no dissipao de si se revela por
meio de uma memria sensvel em relao busca do desejo, o amor. Quando ama,
goza, usufrui do amor e no se separa desse amor; o quando (cum) a passagem de
relao que busca o sentido do homem interior, amor sui em relao com Deus, o
amor tui.
Agostinho desta vez segue em direo a dados objetivos, uma vez que a resposta
sobre os sentidos no consegue nomear o que ama, e o que tem como resposta :
Isto o que eu amo, quando amo o meu Deus. Agostinho volta a se interrogar. E
que isto?57 Et quid est hoc? (xodo 13,14; Eclesistico 39,26). A inquietao no seu
interior notria, pois, Isto tudo aquilo que Deus , e o ser humano no consegue
encontrar palavras para nomear, o que lhe causa contnua admirao ao contemplar
aquilo que Deus . Agostinho se direciona Criao como a um dado em relao ori-
ginrio, pois a Criao patente. Seu olhar ainda est direcionado para o exterior, ao
mundo, e interroga a mole do universo e tem como resposta que foi o mesmo que fez,
57 O verso de xodo 13,14 e Eclesistico 39,26 (Quid est hoc?) uma incidncia recorrente no livro das
Confisses, que aparece sempre em estado de admirao pela onipresena, imutabilidade, enfim, pelos atri-
butos que revelam a Deus como o Mesmo, em sua totalidade. O ser humano no consegue nomear o
reconhecimento daquilo que Deus e, portanto, diz: que isto? como se no houvesse palavras para
descrever o estado de admirao e contemplao em que Agostinho se encontra diante do Mesmo. Como,
por exemplo: Confisses I, vi, 10; VII, iv, 10; VIII, iii, 8; X, vi, 9; X, xiv, 21; XIII, 24, 35.
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non sum; et quaecumque que in eadem sunt, idem58 confessa sunt.59 Depois interroga
(ab inferioribus ad superiora), sua procura segue o percurso de baixo (a terra, o mar,
os abismos) para cima (o sol, a lua, as estrelas etc.), e a tudo o que est ao seu redor, e
tem como resposta a fora da voz da Criao: Foi ele que nos fez, Ipse fecit nos. A
resposta vem acompanhada da contemplao sobre a beleza. Agostinho, ao perguntar,
pergunta tambm por semelhanas que o possam direcionar a uma identidade, num-
rica, de qualidade e que possa ser marcada no tempo. A beleza das coisas revelada
como sinal e smbolo no momento em que a elas so atribudas uma viso interior,
um olhar de fora para dentro, julgado-as e comparando-as com a beleza da revelao
do ato criador. Essa resposta constitui a imagem do personagem que vai se desdo-
brando na narrativa, uma beleza que se revela patente.
58 Termos: idem ipse; id ipsum. Ao perguntar pela feitura da criao e como resposta o idem e o ipse, mesmo,
esta passagem nos remete conexo da utilizao do termo mesmo atribudo a Deus e, por vezes, redobrado
o uso um ao lado do outro, idem ipse, em diversas passagens na narrativa das Confisses, que aparece sempre
com um mesmo contexto de interpretao, como o imutvel, como, por exemplo: Louvo-te, Senhor do
cu e da terra, dirijo-te o meu louvor pelos comeos da minha infncia, de que no me lembro; permitiste
ao homem fazer conjecturas de si prprio a partir dos outros e acreditar em muitas coisas acerca de si
mesmo (...). J ento eu existia e vivia (...) Senhor, tu para quem o ser e o viver so uma e a mesma coisa,
por que ser sumamente e viver sumamente exatamente o mesmo? Na verdade, tu s o ser supremo e no
mudas, nem se consuma em ti o dia de hoje, e todavia em ti se consuma que em ti sejam tambm todos os
seres: pois no teriam vias de passagem, se no os contivesses. E porque os teus anos no acabam, os teus
anos so o dia de hoje (...) Tu, porm, s o mesmo e fazes hoje e fizeste hoje tudo o que de amanh e de
depois, e tudo o que de ontem e de antes (I, vi, 10). Ou ainda em XI, xxxi, 4, em que apresenta o conhe-
cimento do imutvel criador, que tem um conhecimento pleno de sua obra em correlao com a criao
mutvel, alterada das mentes, ou seja, o Mesmo aquele que cria e conhece a totalidade da sua obra.
59 Confisses X, vi, 8.
60 ARENDT, Hannah. Santo Agostinho, o primeiro filsofo da vontade, in: A vida do esprito: o pensar, o
querer, o julgar; traduo, Antonio Abranches, Cesar Augusto R. de Almeida, Helena Martins; reviso tc-
nica Antnio Abranches; copidesque e preparao de originais ngela Ramalho. Rio de Janeiro: Relume
Dumar, 1982. 1992.
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Assim, o percurso para alcanar a luz tem como primeira interrogao o que
ama, quando ama a Deus. Ao perguntar pelo que ama quando ama, a procura se
direciona a si mesmo, ao contemplar a beleza da Criao e reconhecer a si mesmo
como parte do todo. Desse modo, interroga a si mesmo sobre quem , na procura
de sua origem, em busca do que ama quando ama.
Segue o percurso de reconhecimento desse amor para dizer quem agora, este
que tem a certeza da conscincia do amor Dei, amor tui. Na passagem de Confisses
X, vi, 8, o amor sui segue como estrutura de louvor ao amor Dei. A partir dessa rela-
o entre o amor sui e o amor tui Dei, que segue o percurso de reconhecimento
daquilo que se procura.
61 Confisses X, v, 7.
62 Confisses X, vi, 10.
63 Confisses X, vi, 9.
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O livro X como estrutura das Confisses, por meio do cogito existencial dentro de
um crculo hermenutico de narrativa, demonstra a coeso do livro das Confisses,
na qual se insere a resposta questo imposta por Agostinho no livro I: a necessidade
de conhecer a si mesmo. evidente que as perguntas se deslocam na necessidade de
conhecer a Deus, mas interrogando a si mesmo e a Criao que Agostinho segue
em direo ao percurso do conhecimento de Deus, ou seja, a partir do si que a
procura por Deus comea com as primeiras dvidas de compreenso para encontrar
a Deus.
64 Confisses I, ii, 2.
65 CILLERUELO, P. Lope. La memoria Dei segn San Agustn. Augustinus Magster I, Paris,
1954, p. 504-505.
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de interrogar, avaliar, julgar que est sob a luz: alcanar a verdade reconhecer a
luz que o ilumina por meio da razo moldada por uma verdade interior.
mente percebe a verdade revelada por meio da divina iluminao. Entretanto, para
Agostinho, a mais alta forma de viso pressupe a posse da f.69
Uma vez que ele comea o livro I com o paradoxo fundamental que constitui
a relao do homem com Deus e de Deus com o homem, aponta para os questio-
namentos frente a um Ser imutvel, em que h o desejo de Deus querer entrar em
relao com o homem de uma natureza ligada a temporalidade, que logo de incio
j implica um reconhecimento do contraste entre a natureza humana e a natureza
divina. Agostinho termina o livro XIII com o louvor em face da Criao de Deus.
Desse modo, continua seu percurso de transcendncia para Deus por degraus
que o conduzam interrogao feita ao interior de si mesmo para transcender a si
mesmo, uma vez que reconhece que por meio da alma (de um s esprito) consti-
tudo pelos sentidos do corpo, pela razo e pelo intellectus.
Consideraes finais
69 MOURANT, 1980:58.
70 Confisses X, vii, 11.
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178 julho a dezembro de 2011
como constitudo que detalha o modo de compreenso para conhecer tal como
conhecido.
Referncias bibliogrficas
Aurelius Augustinus,
Bibliografia de apoio
_____. Tempo e narrativa Tomo III; traduo Roberto Leal Ferreira; reviso
tcnica Maria da Penha Villela-Petit. Campinas: Papirus, 1997.
Jean Kaempfer & Filippo Zanghi. Mthode e problme. La voix narrative 2003
Section de Franais Universit de Lausanne. http://www.unige.ch/lettres/framo/
enseignements/methodes/tnarrative/tnintegr/. Acesso em: 27/11/2007.
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Resumo
O artigo faz a pergunta pelo interesse crescente da teologia na literatura e pelo papel
que tradies teolgicas tiveram na constituio de narrativas literrias. O autor
parte do princpio que a teologia sempre dialogou com a arte, mas muitas vezes
tentou mant-la sob jdice de conservadorismos eclesisticos. O nvel do dilogo
atual ultrapassa as fronteiras dos interesses confessionais.
Einfhrung
Was kann Theologen an Literatur interessieren? Wozu braucht ein
wissenschaftlich geschult denkender Systematiker die Dichtung? Vier zentrale
Antworten sollen im Folgenden vorgestellt werden, vier grundlegende Positionen
im Verhltnis von Theologie und Literatur aus deutschsprachiger Sicht. Erste
Antwort auf die aufgeworfenen Fragen: Das Wort der Dichtung macht das Ding,
das Erlebnis, das Schicksal dichter und klarer zugleich1. Konkreter: Gerade im
Gedicht richtet sich ein Blick von besonderer Art auf das Dasein: tiefer dringend
als der Blick des Alltags, und lebendiger als der des Philosophen. Unverkennbar,
dass die Worte, in denen sich das Geschaute offenbart, grere Kraft haben, als
jene des Umgangs, und ursprnglicher sind, als die Sprache des Intellektuellen2.
Der Verfasser dieser Zeilen, Romano Guardini (1885-1963), gilt als einer der
grten theologischen Literaturdeuter des 20. Jahrhunderts. Er hatte immer schon
die Berufung zum Theologen mit der Neigung zur Literatur, zu den Knsten
und der Philosophie verbunden: er war ein begeisterter Leser von Kindheit an.
Und wre seine Berufswahl frei und unabhngig von familiren Erwartungen
und gesellschaftlich-politische Rahmenbedingungen getroffen worden, so htte
1 Romano Guardini: Rainer Maria Rilkes Deutung des Daseins. Eine Interpretation der Duineser Elegien
(Mnchen 1953), S. 421.
2 Romano Guardini: Gegenwart und Geheimnis. Eine Auslegung von fnf Gedichten Eduard Mrikes
1
1956, in: ders.: Sprache - Dichtung - Deutung. Gegenwart und Geheimnis (Mainz/Paderborn 1992), S.
154.
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3 Romano Guardini: Berichte ber mein Leben. Autobiographische Aufzeichnungen, aus dem Nachlass hrsg.
von Franz Henrich (Dsseldorf 1984), S. 65.
4 Vgl. grundlegend: Georg Langenhorst: Theologie und Literatur. Ein Handbuch (Darmstadt 2005), S.
13-48. www.theologie-und-literatur.de.
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Das Beharren auf Form und Inhalt der Vormoderne, das Festhalten an einem
geschlossenen christlichen Weltbild vor aller Skularisierung, das Verweigern der
Mit Staunen und Hochachtung blickt man zunchst auf Umfang und Reichweite
von Guardinis Literaturinterpretationen. Neben kleineren Arbeiten etwa ber
Dante, Goethe, Shakespeare, Hopkins, Wilhelm Raabe oder Mrike entstehen im
Laufe der Jahre und meistens ber mehrere Vorstufen drei groe Monographien
ber prgende Dichter und ihr Werk: ber Dostojewski (1932), Hlderlin (1939)
und schlielich ber Rilke (1953). Schauen wir genau hin: Warum erfolgt bei ihm
die theologische Hinwendung zur Literatur, die ber eine grundstzliche Begeisterung
fr Dichtung allgemein hinaus geht? Guardini mchte ja, so in der Vorbemerkung
zu seiner Deutung von Wilhelm Raabes Stopfkuchen - nicht so im allgemeinen
ber das Buch sprechen, sondern wirklich deuten7. Wirklich deuten? Was heit
das fr ihn als Theologen und Philosophen? Und: Was fasziniert Guardini gerade
an den von ihm untersuchten Autoren? Wie versucht er seinen Lesern deren geistige
Welten zu erschlieen?
Der konkrete Ansto, sich der Dichtung intensiv zuzuwenden, kam von niemand
anderem als dem Philosophen Max Scheler (1874-1928). Als Guardini 1923 nach
Berlin auf den eigens fr ihn eingerichteten Lehrstuhl fr Religionsphilosophie
und katholische Weltanschauung berufen worden war, wusste er zunchst nicht so
recht, wie er sein dortiges Vorlesungsprogramm konzipieren sollte. In einem fr ihn
sehr folgenreichen Gesprch habe ihm Scheler, der renommierte, verehrte und elf
Jahre ltere Philosoph geraten: Sie mssten tun, was im Wort Weltanschauung
liegt: die Welt betrachten, die Dinge, den Menschen, die Werke, aber als
verantwortungsbewusster Christ, und auf wissenschaftlicher Ebene sagen, was sie
sehen, so protokolliert Guardini im Nachhinein das Gesprch. Und dann habe
Scheler konkret den Rat gegeben: Untersuchen Sie doch zum Beispiel die Romane
von Dostojewski, und nehmen Sie von Ihrem christlichen Standpunkt her dazu
Stellung, um so einerseits das betrachtete Werk, andererseits den Ausgangspunkt
selbst zu erhellen.8 Guardini sollte dem Rat folgen und den Kollegen in dankbarer
Erinnerung behalten.
7 Romano Guardini: ber Wilhelm Raabes Stopfkuchen 11932, ders.: Sprache - Dichtung - Deutung, S.
87.
8 Romano Guardini: Stationen und Rckblicke (Wrzburg 1965), S. 19f.
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Dies freilich war nur der uere Anlass seiner Hinwendung zur Deutung von
Literatur. Zwei innere Motivbndel sind es vor allem, die Guardinis knftige
Ausrichtung beleuchten. In seiner epochalen Schrift Das Ende der Neuzeit
(1950) formuliert er seine grundlegende Kritik am rationalistisch-technologischen
Zweckdenken der Moderne, die seiner Ansicht nach nicht zufllig in die Katastrophen
der Weltkriege und der Nazidiktatur hineingesteuert war. Es geht ihm in seinem
gesamten Schaffen zentral darum, in diese Zeitstrmung hinein die geistig-
geistliche Gegenkraft des Christentums als wirkliche Alternative zu profilieren. Im
Verweis auf die groen dichterisch-religisen Denker der Geschichte gestaltet er
ein solches Gegenprofil aus. Denn welches Christentum wollte er als spirituelle
Gegenkraft strken? Nicht das starre System vormoderner Theologie, das sich fr
ihn mit dem Konzept der Neuscholastik verband; nicht die hierarchisch-festgefgte
Form rmischer Herrschaft und petrifizierter liturgischer Routine. Mit Guardini
gibt es kein Zurck in die Vormoderne, kein Verbleiben in der Vormoderne. Das
Christentum muss sich in der Auseinandersetzung mit der Moderne bewhren, neu
formieren, anders konzeptioniert werden, so seine berzeugung.
Von daher nur wenig berraschend: Guardini kommt es nicht primr darauf
an, explizit christliche Zeugen aufzurufen, die das vorgngig Geglaubte nur noch
einmal in besonders eindrcklicher Form besttigen. Die von ihm aufgerufenen
Schriftsteller verbindet er vielmehr in der Kategorie der Seher. Bei ihnen erkennt
er die Begabung zum visionren Propheten. Das also macht seine Schriftsteller zu
religisen Zeugen - die Fhigkeit, hellsichtiger, tiefer, klarer als andere die Wahrheit
zu sehen und zu benennen. So etwa fhrt Guardini Hlderlin ein: Sein Werk gehe
nicht - wie bei anderen - aus den Krften des Knstlers hervor, die sich durch
Echtheit des Erlebnisses, die Reinheit des Auges, die Kraft der Formung und der
Genauigkeit bestimmt. Nein, bei Hlderlin stammt das Besondere aus der Schau
und Erschtterung des Sehers. Der Ursprung seines Schaffens liegt um eine ganze
Ordnung weiter nach innen oder nach oben, so dass es im Dienst eines Anrufs
9 Karl-Josef Kuschel: Zwischen Modernismuskrise und Modernekritik: Romano Guardini, in: Theologische
Quartalschrift 184 (2004), S. 158-184, hier: S. 174.
10 Ebd.
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stehe, dem sich zu entziehen bedeuten wrde, einer das individuelle Sein und
Wollen berschreitenden Macht zu widerstehen11. In Hlderlins Werk begegne
dem Leser also nicht nur die Stimme eines genialen Menschen, sondern in der
Stimme dieses Sehers und Rufers wird eine gttliche Stimme hrbar.
Was Guardini ber Hlderlin explizit ausfhrt, prgt seine Autorenwahl und
Textdeutung grundstzlich. Bei Dostojewski reizt ihn die Mglichkeit, die religise
Ergriffenheit der herausragenden Figuren in dessen Romanwerk aufzuzeigen. Diese
Menschen seien in besonderer Weise dem Schicksal und den religisen Mchten
ausgesetzt12. Die seherische Kraft des Schriftstellers gestaltet die Konstellationen
zur Erleuchtung der menschlichen Seele allgemein. Sucher interessieren Guardini,
verstrte und verstrende Grenzgnger, in sich Gefhrdete und zwischen
verschiedenen Lebensentwrfen und Erwartungen Zerrissene. Sie sind ihm
seelenverwandte Zeugen des Endes der Neuzeit. An ihnen, mit ihnen muss sich
eine neue Spiritualitt, ein neues tragfhiges Weltbild bewhren.
er jedoch, wie sehr er gerade auch als Literaturdeuter letztlich immer Theologe bleibt.
Dichter als Seher; dichterische Werke als Zeugnisse im Dienste des gttlichen
Anrufs, ja: als Werke der Offenbarung - hier wird Literatur radikal theologisch
gedeutet.
Vergleichen wir die Literaturdeutung Guardinis mit der des zweiten groen
katholischen Literaturdeuters des 20. Jahrhunderts, mit einem Schweizer
Theologen, der als Student in Berlin einen Vorlesungszyklus Guardinis ber
Kierkegaard gehrt hatte. Nur einer, der ein Trost war, schreibt er ber die von
ihm als grsslich empfundene Zeit in Berlin - Romano Guardini26. 1970 wird
er ein erstes umfassendes und von Respekt geprgtes Werkportrt ber den 20
Jahre lteren Lehrer vorlegen: Hans Urs von Balthasar (1905-1988)27.
Zeitlebens betonte Hans Urs von Balthasar von Haus aus Germanist28 zu sein.
Tatschlich schloss er zunchst ein philologisches Studium mit Dissertation ab, bevor
er in den Jesuitenorden eintreten und dort alle Stufen der theologischen Ausbildung
durchlaufen sollte. Das dreibndige Werk Die Apokalypse der deutschen Seele
(1937/39), eine geistesgeschichtliche Gesamtschau des neuzeitlichen deutschen
Geisteslebens, wird Grundgedanken dieser ersten Dissertation aufnehmen.
Whrend Guardinis biographisch-geistiger Weg von der Theologie zur Literatur
lief, ist Balathasars Weg also genau umgekehrt strukturiert: von der Literatur zur
Theologie29.
Von vornherein ist deutlich, dass auch hier ein epochaler Denker die Aufbrche
seiner Zeit wahrnimmt und nach einer neuen geistesgeschichtlichen Synthese sucht.
All die Aufbrche und Abbrche, all die Abgrnde der Moderne sieht von Balthasar
ganz genau. Anders als sptere Protagonisten der Sammelbewegung zur christlichen
Literatur stellt sich von Balthasar der Moderne in aller Nchternheit. In der
Theologie seiner Zeit sieht er zunchst keine Anstze, sich diesen Herausforderungen
der Gegenwart zu stellen. Im Gegenteil: Sie langweilt ihn. Auf der Suche nach
Anregung stt er hingegen auf die Literatur. Sie wird ihm zum Ansatz der
Auseinandersetzung mit der Moderne. In dem 1954 verffentlichten Buch ber
Bernanos gibt von Balthasar offen zu, bei den groen katholischen Dichtern mehr
originales und gro und in freier Landschaft wachsendes Gedankenleben zu finden
als in der etwas engbrstigen und bei kleiner Kost gengsamen Theologie30.
Von Balthasar geht zunchst durchaus hnlich vor wie Guardini: Obwohl
mit literaturwissenschaftlichen Methoden bestens vertraut, deutet von Balthasar
Schneiders Werk ausschlielich ideengeschichtlich-inhaltlich. Im Gegensatz zu den
meisten anderen Deutungen von christlicher Literatur gibt er ganz transparent an,
das Biographische oder die sthetische Bewertung32 wegzulassen. Literatur wird
bei ihm, so er selbst, ohne wesentliche Rcksicht auf ihre sthetischen Qualitten
zu problemgeschichtlichen Untersuchungen herangezogen33. Da es allein um die
Darstellung des stilisierten Lebens- und Weltentwurfs einer christlichen Existenz
in der Zeit geht, ist weder eine biographische noch eine philologisch-sthetische
29 Manfred Lochbrunner: Romano Guardini und Hans Urs von Balthasar, S. 169.
30 Hans Urs von Balthasar: Bernanos (Kln/Olten 1954), S. 9.
31 Vgl. Volker Kapp: Die katholischen Dichter in Frankreich und das deutsche Geistesleben.
Hans Urs vonBalthasar als Deuter und Mittler des Renouveau Catholique, in: Wilhelm /
Roman Luckscheiter (Hrsg.): Moderne und Antimoderne. Der Renouveau catholique und die
deutsche Khlmann Literatur (Freiburg/Berlin/Wien 2008), S. 397-412.
32 Hans Urs von Balthasar: Reinhold Schneider. Sein Weg und sein Werk (Kln/Olten 1953), S.
11.
33 Hans Urs von Balthasar: Geschichte des eschatologischen Problems in der modernen deut-
schen Literatur (Freiburg/Einsiedeln 21988), S. 9,
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Die Germanistin Sabine Haupt hat dieses Verfahren als Variante einer
metaphysisch radikalisierten Form von geistesgeschichtlicher Textinterpretation34
treffend charakterisiert und erkennt in der verwendeten Hermeneutik eine
grundstzliche Enthistorisierung und Entrationalisierung der Geistesgeschichte
mithilfe eines dezidiert projektiven Verfahrens35. Von Balthasar greift wiederholt
zur Entkontextualisierung36 von Zitaten, um sie so sinnwidrig seinen Gedanken
anzupassen. Grundstzlich verflacht und verflscht er so das poetische Potenzial
des Textes37, weil er vor allem deren sthetischen Eigenwert ignoriert.
Das Werk Hans Urs von Balthasars erweist sich bei aller Flle der verwendeten
Primrtexte wie Sekundrliteratur als ein in sich geschlossenes, a priori gesetztes
dezidiert theologisches Denksystem, das die Literatur - abgesehen von formalen
Inspirationen und inhaltlichen Besttigungen von bereits binnentheologisch
Gewusstem - letztlich nicht braucht. Den Wert dieses Ansatzes kann man
unterschiedlich bestimmen: Manfred Lochbrunner, ein Verehrer des Schweizer
Theologen, hebt hervor, dass es sich hierbei um ein Werk handele, von dem die
strksten Impulse in die zeitgenssische Theologie ausgegangen seien, um eine
34 Sabine Haupt: Vom Geist zur Seele. Hans Urs von Balthasars theologisierte Geistesgeschichte im Kontext
der zeitgenssischen Germanistik und am Beispiel seiner Novalis-Auslegung, in: Barbara Hallensleben/
Guido Vergauwen (Hrsg.): Letzte Haltungen. Hans Urs von Balthasars Apokalypse der deutschen Seele
- neu gelesen (Fribourg 2006), S. 40-62, hier: S. 41.
35 Ebd., S. 52.
36 Ebd., S. 55. Stefan Bodo Wrffel spricht direkter von manipulierten Zitaten, in: ders.: Endzeit-Philologie.
Hans Urs von Balthasars germanistische Anfnge, in: Barbara Hallensleben/Guido Vergauwen (Hrsg.):
Letzte Haltungen, S. 63-82, hier: S. 73.
37 Sabine Haupt, S. 57.
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Was verbindet Hans Urs von Balthasars und Romano Guardinis theologische
Literaturdeutung?
38 Manfred Lochbrunner: Hans Urs von Balthasar und seine Literatenfreunde, S. 292f.
39 Stefan Bodo Wrffel: Endzeit-Philologie, S. 73.
40 Peter Hofmann: Balthasar liest Goethe. Die Apokalyptik der deutschen Seele als theologische divina
comedia, in: Barbara Hallensleben/Guido Vergauwen (Hrsg.): Letzte Haltungen, S. 83-100, hier: S. 95.
41 Vgl. Karl-Josef Kuschel: Theologen und ihre Dichter. Analysen zur Funktion der Literatur bei Rudolf
Bultmann und Hans Urs von Balthasar, in: Theologische Quartalschrift 172 (1992), S. 98-116, hier: S.
112f.
42 Manfred Lochbrunner: Romano Guardini und Has Urs von Balthasar, S. 174f.
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4. Von Balthasar wie Guardini erkennen klarsichtig den Epochenbruch, den sie
selbst erleben und bezeugen. Die religis bestimmte Vormoderne wird mehr
und mehr abgelst von einer Moderne, die sich nicht nur philosophisch,
konomisch und politisch definieren lsst, sondern zunehmend das
Alltagsleben der Menschen bestimmt. Dieser Wandel stellt das Christentum
vor neue Herausforderungen, denen sie sich mit ihren theologischen
Entwrfen stellen wollen.
1. Whrend Guardini ganz eng bei der Deutung von Texten bleibt, geht es von
Balthasar um die Schrfung eines geistigen Profils, das die Stilisierung der
Dichterpersnlichkeit oder der Dichterseele mit einschliet.
Die Entwrfe von Guardini und von Balthasar sind eigenstndige, ganz im
Katholizismus verankerte Denksysteme, die eng an das jeweilige geistige Denksystem
gebunden sind. Beiden Theologen ging es in ihren theologisch-literarischen
Werken nicht darum, eine neue Hermeneutik zu entwerfen oder Schulen zu bil-
den. Tatschlich hat ihre jeweilige Literaturdeutung bis heute kaum produktive
Anregungen zur Weiterfhrung dieser Antze und Entwrfe gegeben.44 Zwar gibt es
inzwischen Anstze zur Deutung und nachvollziehenden Darstellung ihrer Werke,
diese stimulieren aber kaum eigenstndige theologisch-literarische Ttigkeiten.
Aus heutiger Sicht lsst sich konstatieren: Guardinis und von Balthasars
Literaturdeutungen markieren erste Hhepunkte der eigenstndigen Dialogdisziplin
Theologie und Literatur im 20. Jahrhundert. Sie lassen die Verengungen und
Ausblendungen einer einseitigen Rezeption von explizit christlicher Literatur weit
hinter sich. Die hermeneutischen Entwicklungen von Theologie und Literatur seit
den 1970er Jahren werden jedoch weder von Guardini noch durch von Balthasar
entscheidend geprgt. Sie entwickeln sich eher von Paul Tillichs (1886-1965)
Theologie der Kultur und dem von ihm geprgten Verfahren der Korrelation.
Von Tillich aus, nicht von Guardini oder von Balthasar kommt es zu eigenstndigen
hermeneutischen Entfaltungen, zu zahllosen Studien, Anthologien, Aufstzen und
Essays bis in die Gegenwart hinein.
Im Konzept der Korrelation gelingt es Tillich, die Beziehung von Kultur und
Religion weniger harmonisch-integrativ als relational verbunden zu verstehen.
Korrelation definiert er dabei wie folgt: Die Methode der Korrelation erklrt die
Inhalte des christlichen Glaubens durch existentielles Fragen und theologisches
44 Vor allem in Lateinamerika finden sich Versuche, im Geiste Hans Urs von Balthasars
Literaturtheologie zu betreiben. Vgl. z. B. Cecilla Ins Avenatti de Palumbo: La Literatura en
la Esttica de Hans Urs von Balthasar. Figura, drama y verdad (Salamanca 2002).
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Hans Jrgen Baden, Friedrich Hahn, Dorothee Slle, Henning Schrer und
andere - allesamt evangelische TheologInnen - bauten in unterschiedlicher
Schwerpunktsetzung ihre eigenstndigen theologisch-literarischen
Deutungssysteme in Anknpfung an die Arbeiten von Tillich aus.
Amos Niven Wilder, Nathan Scott oder Robert Detweiler, die seit den 50er
Jahren des 20. Jahrhunderts in den USA eigenstndige Studiengnge in
Theologie und Literatur konzipierten, beriefen sich explizit auf Tillich.
Auf ihre Weise sind auch Literatur und Kunst fr das Leben der Kirche
von groer Bedeutung. Denn sie bemhen sich um das Verstndnis
des eigentmlichen Wesens des Menschen, seiner Probleme und seiner
Erfahrungen bei dem Versuch, sich selbst und die Welt zu erkennen
und zu vollenden; sie gehen darauf aus, die Situation des Menschen
in Geschichte und Universum zu erhellen, sein Elend und seine
Freude, seine Not und seine Kraft zu schildern und ein besseres Los
des Menschen vorausahnen zu lassen. So dienen sie der Erhebung des
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dabei vor allem seine Probleme und Erfahrungen in den Blick zu nehmen;
sich vor allem dem Versuch der Selbst- und Welterkenntnis zu widmen, aber
auch deren Vollendung;
sich auf die Schilderung von Elend und Freude, Not und Kraft zu
konzentrieren;
47 Karl Rahner/Herbert Vorgrimler (Hrsg.): Kleines Konzilskompendium. Smtliche Texte des Zweiten
Vatikanums (Freiburg/Basel/Wien 1966), S. 515.
48 Karl-Josef Kuschel: Jesus in der deutschsprachigen Gegenwartsliteratur 11978 (Mnchen/Zrich 1987), S.
3.
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49 Karl-Josef Kuschel: Vielleicht hlt Gott sich einige Dichter Literarisch-Theologische Portrts (Mainz
1991), S. 380f.
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Die Darstellung der als autonom geschtzten Literatur wird seitdem so ernst
genommen, ihr wird so breiter Raum gelassen, dass es zu einer wirklich theologischen
Entfaltung der vermeintlichen Antwort kaum noch kommt. Nach Guardini und
von Balthasar gibt es bis heute keine ausgestalteten Entwrfe einer von der Literatur
wirklich inspirierten und getragenen Theologie. Es bleibt fast durchgngig bei der
Formulierung von Anregungen, Rckfragen und Herausforderungen. Vielleicht
wre das eine der spannendsten Inspirationen, die von den Literaturdeutungen
Guardinis und von Balthasars ausgehen und als Leitfrage im 21. Jahrhundert
fruchtbar werden knnte: Wie kann die Theologie heute einerseits die Literatur
ganz und gar wahr- und ernstnehmen, aber andererseits auch mit ihr, angeregt und
herausgefordert von ihr eine eigenstndige christliche Daseinsdeutung entwerfen,
die zukunftsfhig ist?
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Karl-Josef Kuschel
(Universitt Tbingen)
Resumo
Denn schon damals hatte Walser, 1927 in eine traditionell katholische Welt
in Wasserburg am Bodensee hineingeboren, offen von der Religion seiner Mutter
gesprochen. Schon hier fllt das Stichwort Angst. Angst mit und trotz Religion.
Eine irrsinnige Angst habe seine Mutter gehabt, berichtet Walser, eine Angst-
Religion sondersgleichen, obwohl sie praktisch aus nichts gemacht war als aus
Religion. Aber gerade weil die Mutter, so intensiv religis gewesen sei, habe man
gleichzeitig das Gefhl gehabt, dass die Religion ihr keine Sekunde lang irgendeine
Ruhe gebracht habe. Das habe Konsequenzen auch fr ihn gehabt. Die Mutter
habe ihn vollkommen in ihre Angstwelt eingeschlossen, auch die beiden Brder,
die es noch gegeben habe. Es gibt keinen Bereich, der davon nicht durchdrungen
gewesen wre, meint Walser, vom Essen ber das Geld, die Krankheit, den Tod,
alles. Und um dem Ganzen noch eine Pointe zu geben, erklrt er unumwunden:
Ja, ich bezeichne mich in meinem Selbstverstndnis als katholischen Krppel.
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Das ist der eine Aspekt am Komplex Religion, den man bei Walser antrifft:
der autobiographische, ja der autotherapeutische. Dazu gehren durchaus auch
positive Erfahrungen mit katholischen Priestern in seiner Kindheit. Katholische
Geistliche? Fr ihn, Walser, immer besondere Figuren, weil die niemals htten
lgen knnen. Anteil an der Kirche nhme er, weil er die Kaplne liebe. Warum
auch nicht? Als Bub habe er sich bei einem seiner Kaplne immer Karl-May-Bnde
ausleihen knnen. Diese Bcher htten ihm sehr viel bedeutet. Und lachend
hatte Walser damals hinzugefgt: deswegen trete er nicht aus der Kirche aus;
er bezahle seine Kirchensteuer sozusagen als nachgezahlte Bibliotheksspende fr
diese Bcher, die er sich bei diesem Kaplan geholt habe: Das war eine Kirche, die
ich nicht vergesse, eine liebenswrdige, eine schne Kirche.
Ein anderer Aspekt kommt ebenfalls schon frh hinzu. Ich hatte ihn in dieser
Form nicht erwartet, als ich damals in unser Gesprch ging. Dabei hatte ich durchaus
registriert, dass es Walser schon 1981 in seiner Bchner-Preis-Rede gewagt hatte,
ffentlich die Frage nach dem Fehlen Gottes zu stellen: Ob ein Kind, das in
einer komplett atheistischen Familie aufwchst, noch erschreckt, wenn es 15 oder
19 wird und selber erlebt, dass Gott fehlt? Oder vermisst so jemand berhaupt
nichts? Aber was ich jetzt von Walser zu hren bekomme, berrascht mich in seiner
Eindeutigkeit und Entschiedenheit dann doch: Ich habe ein Gottesprojekt vor.
Das kann aber nicht belletristisch oder essayistisch beschrieben werden, sondern
nur als meine Erfahrung. Dieses Projekt luft schon ber Jahre hin. Ich forciere
es nicht. Immer wieder kommt etwas hinzu. Die Auseinandersetzung mit der
Gottesproblematik kann man nicht so aufarbeiten, dass man danach dann damit
fertig wre. Auch das gehrt zu den Verkrmmungen, die ich nicht los werde. Mit
ihnen werde ich mich wohl immer herumschlagen mssen. Es geht dabei um meine
Erfahrungen mit dem Vorhandensein des Wortes Gott.
Auch mit seinem jngsten Buch Muttersohn kommt Walser nicht aus der
Deckung, legt er doch einmal mehr einen Roman vor, kein autobiographisches
Bekenntnisbuch und kein intim-religises Tagebuch. Er bleibt auch hier in
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Distanz, was auch uns Lesern Abstand erlaubt, ein Zurcktreten und Analysieren.
Klar ist, dass der Autor in diesem Buch Figuren und Figurenkonstellationen
schafft, die wie nie zuvor in seinem Werk Fragen nach Sinn und Bedeutung
von Religion, ja von Glauben aufwerfen. Und zwar Fragen von Glauben-
Knnen nicht in abstrakter oder vager Form, sondern in strikt katholischer
Variante. Es ist die katholische Glaubenswelt, die Walser in seinen Figuren
widerspiegelt. Nicht zufllig lsst er denn auch die Handlung in einer zutiefst
vom barocken Katholizismus geprgten Landschaft spielen: in Oberschwaben,
in einem Raum zwischen Bodensee und Donau, in dem es nur so wimmelt von
berwltigend schnen barocken Kirchen und Klstern: von Zwiefalten bis
Birnau, von Weingarten bis Salem und Bad Schussenried. Nicht zufllig ist der
fiktive Schauplatz der Handlung eine Klosteranlage namens Scherblingen, wie
Bad Schussenried bis zur Skularisation 1803 ein Prmonstratenser-Kloster mit
entsprechender in Barock-Stil ausgestatteter Kirche und einem stuckverzierten
Bibliotheksaal, an dessen Himmelsgewlbe alles gemalt ist, was in Europa seit
mehr als zweitausend Jahren verehrenswert ist.
Doch der eigentliche literarische Einfall Walser in diesem Buch besteht darin,
dass er diesem Kloster jetzt ein PLK, als Psychiatrisches Landeskrankenhaus,
angegliedert sein lsst. Von vornehinein ist damit die Problemstellung fr diesen
Roman geschaffen. Inhaltlich besteht sie im engen Zusammenhang von Religion
und Psychiatrie, von Glauben und Neurosen, von Kirche und Pathologie; wir
erinnern uns an die Angst-Religion von Walsers Mutter. Figural in einer Fgung
des Personentableaus, die im Werk Walsers seinesgleichen sucht, knnten doch
die beiden Hauptfiguren des Romans ungewhnlicher nicht sein. Da gibt es
den langjhrigen Chef der psychiatrischen Anstalt, Professor Augustin Feinlein,
mittlerweile 63 Jahre alt, beruflich unter Druck von seinem 18 Jahre jngeren
rztlichen Direktor, Dr. Bruderholz, der ihn am liebsten schon lngst vom
Chefposten verdrngt htte, zumal Feinlein von seiner Umgebung schon als
reichlich komisch angesehen wird. Begreiflich.
Denn ausgerechnet dieser Psychiater ist tief in die Glaubens- und Symbolwelt
des Katholischen verstrickt. Walser will es so. Bewusst schreibt er ihm eine
Verwandtschaft mit dem letzten Abt von Scherblingen, Eusebius, zu, womit er
ihn symbolisch mit der Aura dieses Reichsprlaten umgibt. Bewusst lsst der
diesen Mann nicht nur Orgelspieler sein und Latein sprechen, sondern auch ein
Interesse an der Erforschung von Reliquien verfolgen, sind doch nirgends mehr
Reliquien verehrt worden als zwischen Donau und Bodensee. Ja, Walser lsst
seinen Professor Feinlein, den er zwischendurch auch auf Rom-Reise schickt, allen
Ernstes mit der Mglichkeit spielen, nach seiner Pensionierung Nachfolger des
Mesners der rtlichen Stiftkirche, Rudolf Breitwieser, zu werden. Die Liste liee
sich fortsetzen. Sie reicht fr die Feststellung: Wenn es irgendwo im Walserschen
Werk ein katholisches und nichts als ein katholisches Biotop gibt, das beschrieben
wird, als funktioniere es mit Orgel, Latein und Reliquienverehrung noch wie eh
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und je, dann hier. Was aber ist Walsers Interesse daran? Nostalgie eines Autors,
der im nchsten Jahr seinen 85. Geburtstag feiert? Zurck zu einem vorkonziliaren
Katholizismus, verklrt als heile Welt?
Die zweite Hauptfigur ist noch ungewhnlicher. Sie heit Anton Percy
Schlugen und ist als Pfleger in der Anstalt ttig. Einstmals war er ein Schler
von Professor Feinlein gewesen, der ihm nicht nur die Pflegekunst, sondern
auch Orgelspiel und Latein beigebracht hatte, so dass beide sich auch in diesem
katholischen Idiom verstndigen. Ping-pong mit lateinischen Satzfetzen. Ja, Percy,
der bei Handlungsbeginn des Romans nach lngerer Abwesenheit wieder in die
Anstalt zurckgekehrt ist, ist dem Professor derart ans Herz gewachsen, der dieser
ihm die Adoption anbietet. Nicht von ungefhr. Denn Percy hat angeblich keinen
leiblichen Vater. Das jedenfalls behauptet Percys Mutter Fini und der Sohn glaubt
der Mutter: zu seiner Zeugung sei kein Mann ntig gewesen. Auerdem hat
ihm die Mutter das Wort mitgegeben: Du bist ein Engel ohne Flgel, was Percy
fr sich so bersetzt: Du wirst zwar nie fliegen, aber auch nie abstrzen. Also kein
Risiko weit und breit. Und auch hier stellt sich die Frage: Warum hat Walser
ein Interesse an einer solchen Figur? An einem solchen Mutter-Sohn? Dass man
gerade sie religions- und kirchenkritisch rasch als skuril oder weltfremd abtun
kann (Geistzeugung in einem Roman des Jahres 2011!), wei auch er. Was also
will er zeigen? Was will er demonstrieren?
Ich beschrnke mich auf einige wenige Aspekte. Was die Figur des Percy
betrifft, fllt auf, dass Walser im Kontext einer psychiatrischen Anstalt und einer
katholischen Symbolwelt von einem Menschen ohne Angst erzhlt. Seine vaterlose
Zeugung ist Symbol eines Lebens mit wenig Erdenschwere (sprich: Depressionen)
und viel Lebensenergie (sprich: Lebensvertrauen). Eine Figur, die schwebt,
ohne die Bodenhaftung zu verlieren, die ganz fr Andere da ist, ohne sich selber
aufzugeben, die Nte und ngste, Neurosen und seelische Verletzungen ihrer
Patienten kennt, ohne ihnen zu verfallen. Bei einer der Spontanpredigten Percys
whrend des Orgelspiels in der Kloster-Anstalts-Bibliothek fallen nicht zufllig die
Stze: Wenn Mutter Fini nicht an mich glauben wrde, knnte ich an niemanden
glauben. Und an nichts. Wrde also niemanden verstehen. Und nichts. Wenn
niemand an dich glaubt, kannst du an niemanden glauben. Glauben kann nur,
wer erlebt hat, dass an ihn geglaubt wird. Und was ist das denn: Jemand glaubt an
dich? Das sagt dir: Du darfst sein, wie du bist. Immer. Das habe ich erlebt durch
meine Mutter Fini. Von Anfang an. Ich darf sein, wie ich bin. Wenn ich das sage,
merke ich, wie es mich jetzt bestimmt. Ich habe kein bisschen Angst vor euch.
Sprt ihr das auch, ihr, jeder und jede, wir? Das Seindrfen, wie wir sind. In diesem
Augenblick. Angstlos. Alle.
Seindrfen, wie wir sind: das ist gemeint mit dem Engel ohne Flgel. Und das
erklrt auch, warum Walser mit Percy eine Figur geschaffen hat, die ganz aus diesem
angstlosen Lebensvertrauen existiert, ausgestattet mit einem Glaubensbermut,
der auch dem zu erwartenden Widerlegungseifer der Skeptiker und Sptter
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(im Blick auf seine vaterlose Zeugung) zu trotzen vermag. Walser lsst Percy
whrend einer ffentlichen Talkshow auftreten, und wie zu erwarten ist diese
Show das Medium des Zeitgeistes, der alles in Lcherliche zu ziehen pflegt,
was nicht in die durchschnittlichen Erklrungsmuster passt. Will er mit Nazaret
konkurrieren, fragt man ihn sffisant? Walser aber kann jetzt zeitgeistresistent,
wie er zu sein versucht seine Figur wie zum Trotz sagen lassen: Drfen wir
etwas nicht glauben, weil andere nicht daran glauben wollen oder knnen? Mit
dieser Gegenfrage macht er seine Figur frei vom Unterwerfungszwang unter die
Kategorien der rationalistischen Religionskritik, um dann gewissermaen mit
Percy ein eigenes Verstndnis von Glauben darzulegen: Glauben. Das ist eine
Fhigkeit. Eine Begabung. Bei Musik wei jeder: Manche sind musikalisch, andere
nicht. So mit der Glaubenskraft. Manche knnen nur glauben, was sie auch wissen
knnen. Offenbar gibt es Menschen, die knnen nur mit Gleichungen leben, die
aufgehen. Glauben, das ist eine Gleichung, die nie aufgeht. Manchmal mchte
ich aufschreien aus nichts als Glaubensmut. Der Glaubensbermut ist die hellste
Lebensstimmung, die ich kenne. Bis jetzt. Ich habe natrlich die ganze Lebensflle
noch nicht erlebt. Aber im Glauben erfahre ich, wer ich bin. Wahrscheinlich. Es
gibt keine zwei Menschen, die dasselbe glauben. Jeder hat nur seinen Glauben. Der
Glaube, das ist die Handschrift der Seele.
Was ist mit diesen Stzen gesagt, bedenkt man die Tatsache, dass Walser sie in
einer psychiatrischen Anstalt sprechen lsst, in einem Raum der Psychopathologie
also? Gesagt ist damit zunchst, dass Walser die psychologische Religionskritik
kennt und um den engen Zusammenhang von Religion und Wahn wei, von
religisem Glauben und seelischen Verkrppelungen. Er hat die Freud-Lektre
hinter sich, derzufolge Religion Ausdruck von infantiler Regression und purer
Selbsttuschung ist. Aber in Muttersohn schafft er sich Figuren, mit deren
Hilfe er experimentell demonstrieren kann, dass Glauben nichts Regressives,
Krankhaftes oder Neurotisches haben muss, sondern dem Leben, ja dem Glck eines
Menschen dienen kann, gerade auch dann, wenn man wei, dass Glauben immer
etwas Kontrafaktisches hat. Die Gleichungen gehen eben nicht auf. Glauben
wre die Kraft, Grenzen zu berschreiten, bisher Geglaubtes oder Plausibles zu
berspringen. Sprung in ein Wagnis. Zynismus-Prophylaxe. Widerstand gegen
bleierne Gleichgltigkeit. Daher das ungewhnliche Wort Glaubensbermut in
dieser Passage. Walser befreit es vom Irrationalismus-Verdacht und macht es zum
Ausdruck eines nichtregressiven Lebensvertrauens. Und wir verstehen nun besser,
welches Interesse Walser an dieser seiner katholischen Figur Percy Schlugen
hat. Es entspringt nicht der Sehnsucht nach einer angeblich einmal heilen
Welt, ist vielmehr der Auseinandersetzung mit einem Zeitgeist geschuldet, der
allzu vollschnell und oberflchlich Religion mit Ideologie und Glauben mit
Aberglauben verwechselt.
Ganz hnlich auch im Fall von Professor Feinlein. Walser schreibt ihm einen
eigenen Text zu, der ein ganzes Kapitel ausmacht: Mein Jenseits. Im Roman ist
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der Text Percy gewidmet und stellt eine Art Summe von Feinleins Glauben dar.
Walser stattet diesen Psychiater und Orgelliebhaber mit einer Sehnsucht aus,
einer Sehnsucht, die nicht von sich wei und deren Richtung man erst erfhrt,
wenn man sich ihr berlsst. Und Feinlein berlsst sich gerne der Stille im
Raum der Kirche, wenn die Dmmerung einsetzt und das Licht verschluckt wird.
Dann gibt es fr ihn Momente der Erfahrung des Getragenseins. Solange ich in
der Kirche sitze, schreibt Feinlein in Mein Jenseits, und Zeuge werde, wie die
Dmmerung das Licht schluckt, wie die Stille alles andere als lautlos ist, erlebe ich,
wie mich alles, was mich hier umgibt, trgt. Wenn die Luft das Element ist, das
Vgel und Flugzeuge trgt, wenn das Wasser das Element ist, in dem die Fische
leben, dann ist diese Kirche mein Element.
Und die Verehrung der Reliquien? Seltsam, dass Walser seine Figur ein Buch
schreiben lsst, das die Reliquien verteidigen will und zwar ausdrcklich gegen
ihre Erklrer. Dass dies die grte Zumutung fr den Zeitgeist ist, wei er.
Aberglauben, Wunderschwindel, pflegen die Anwlte aufgeklrter Correctness
zu sagen. Mit sichtlicher Lust an der Provokation aber Walser lsst Walser seinen
Professor lange Ausfhrungen zur Praxis der Reliquienverehrung machen (die
Heligblutreliquie in Scherblingen), zur Rettung dieser Reliquie bei sozialen
Unruhen, zu Heilungswundern an Menschen, die ihr Leben an solche Objekte
gehngt haben. Alles Glaubensleistungen vergangener Jahrhunderte, wie es
im Text heit. Und dieses Wort Glaubens-Leistung will in seinen beiden
Bestandteilen ernst genommen werden. Es ist wie zum Trotz gesagt. Denn Walser
will gerade nicht auf die bliche aufklrerische Entzauberung des Reliquienkultes
hinaus, auf Falsifikation des Glaubens oder Entlarvung von Reliquienflschungen.
Kann eine Reliquie falsch sein, lsst er Professor Feinlein fragen und ihn unter
Berufung auf seinen Urahn, Abt Eusebius, diese Antwort geben: Nein, Sie wird
ja erst durch den Glauben geheiligt beziehungsweise echt. Unsere europischen
Vorfahren haben auch gewusst, was man wissen kann. Aber sie haben geglaubt, was
sie glauben wollten. Wie schrieb der Vorfahr? Glauben heit Berge besteigen, die es
nicht gibt. Musik gbe es ja auch nicht, wenn man sie nicht machte. Glauben, was
nicht ist, dass es sei. Ohne das Geglaubte, schreibt er, wre die Welt immer noch
wst und leer. Aber Glauben und Unglauben seien keine Gegenstze, sondern ein
Vorgang, eine Bewegung, die nicht aufhren drfe. Das unaufhrliche Hin und
Her zwischen Glaubenwollen und Nichtglaubenknnen verantwortet der, in dem
es passiert. Welches Verhltnis aber besteht dann zwischen Glauben und Wissen.
Ist Wissen nicht das Entscheidende? Feinlein fhrt fort: Der Wissende hat sein
Wissen immer von einem anderen. Auf den kann er sich berufen. Der Glaubende,
ob er glaubt oder nicht glaubt, er beruft sich auf sich selber. Ihm, schreibt Eusebius,
tun die Wrter weh. Und schliet: Wir glauben mehr als wir wissen.
Glauben als Fhigkeit, als Begabung, als Kraft: auf all das zielen die
Reflexionen, die Walser seiner Feinlein-Figur den Mund legt. Und dies erklrt
auch sein Interesse ausgerechnet an Reliquien: Sie existieren nur in der Vorstellung
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der Glubigen, sind also Produkte von Glaubenskraft. Was immer man davon
halten mag, die Storichtung von Walser Roman ist eindeutig: Wie im Fall von
Percy geht es auch bei Feinlein um den Gegenentwurf zu einer rationalistischen
Religionskritik, die ihre Gewissheit aus dem vermeindlichen Nachweis bezieht, dass
das, was nicht in seiner Existenz bewiesen ist, sinnlos oder gar krankmachend ist.
Zu ihrem Unglck klammerten Menschen sich an Fabrikationen und Fiktionen:
kurz an Illusionen. Jetzt kann Walser seine Figur sagen lassen: Egal ob es Gott gibt
oder nicht, ich brauche ihn. Oder: Ich wei, dass es den Himmel nicht gibt. Aber
es gibt das Wort. Genau so die Hlle. Himmel und Hlle existieren, ohne dass wir
daran glauben. Aber wir glauben ja daran. Ganz von selbst. Unwillkrlich. Wenn
es den Himmel gbe, knnten wir nicht daran glauben. Erst wenn uns auffllt, dass
wir daran glauben, merken wir, dass wir nicht daran glauben. Dieses Nichtglauben
unterscheidet sich kein bisschen vom Glauben.
Gbe es Gott, gbe es kein Wort dafr, so lautet einer der letzten
Aufzeichnungen von Professor Feinlein, bevor er in die Fnge der Justiz und
seiner eigenen Psychiatrie gert, hat er doch das kostbare Heiligblut-Reliquiar
gestohlen und sind seine Reliquien-Forschungen in Fachkreisen der Psychiatrie
ohnehin ein unaufhrliches rgernis, eine Missachtung der europischen
Verstandeskultur. Dieser Mann verrt schon lange sichtlich paranoide Zge, ist
doch diese Reliquienverehrung aus der Sicht der Aufklrer in dieser Anstalt nichts
als Glaubenstheater, ein Verdummungsinstrument der Kirche. Aber Walser
zeigt an seiner Figur gerade umgekehrt die krankmachenden Reduktionen einer
europischen Aufklrungskultur, die das Wahre mit dem Bewiesenen identifiziert
und vernnftiges Wissen gegen irrationales Glauben auszuspielen pflegt. Das
Urverhltnis des Menschen zum Leben beruht auf Vertrauen und Liebe und somit
auf Akten nicht des Beweises, sondern des Glaubens. Glauben heit Vertrauen
in eine Wirklichkeit, die es fr den nicht gibt, der sich an Beweise klammert.
Glauben heit Fiktionen vertrauen und damit sich auf das einlassen, was nicht ist.
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Besteht aber nicht gerade darin die entscheidende Entsprechung zur Literatur?
Denn was ist Literatur anderes als Fiktion, der Menschen vertrauen, als gbe es das,
was hier erzeugt wird? Was vollzieht ein Schriftsteller anderes als Glaubenssarbeit,
indem er der Sprache vertraut und an den Sinn der Worte glaubt. Wenn Glauben
Berge besteigen heit, die es nicht gibt, dann heit Literatur Berge erfinden, die
es nicht gibt. Und gerade darauf hatte Walser schon in unserem Gesprch von
1985 hingewiesen. Einer seiner prgnantsten Stze vor 25 Jahren lautete: Ich bin
ja der Meinung, dass Literatur bastardisierte Religion ist. Literatur ist entstanden
als Auslegung der Religion. Das heit: Religion ist sprachliche Reaktion auf unser
Dasein so wie Literatur sprachliche Reaktion darauf ist. Mir fllt auf, was mir fehlt:
das ist die Grundlage der Schriftstellerei. Das ist auch die Grundlage der Religion,
das ist die Grundlage unserer Sprache: weil wir etwas nicht haben, haben wir die
Sprache. Wenn wir Gott htten, htten wir kein Wort dafr.
Muttersohn ist gewiss nicht ganz ganze Gottesprojekt, an dem Martin Walser seit
Jahrzehnten arbeitet. Aber eine wichtige Etappe auf dem Weg, ein bisher unerhrter
Einblick in die Werkstatt. Der Roman ist nicht mehr und nicht weniger eine doppelte
Provokation: an einen skularen Zeitgeist, der sich daran gewhnt hat, Glauben durch
beweiskrftiges Wissen zu ersetzen und der das Erklren von Glaubenmssen bei
Menschen an die Psychiatrie zu delegieren pflegt. Eine Provokation aber auch an einen
religisen Zeitgeist, der Glauben mit Gewissheit verwechselt, mit Sicherheit und Besitz
und der gerade so das Riskante des Glaubens ausblendet, das Gehen auf des Messers
Schneide zwischen Einbildung und Wahrheit, Illusion und Wirklichkeit, Fiktionalitt
und Faktizitt. Wie wirklich und wahr ist das, was der Glaube hervorbringt? Einbildung,
Tuschung, Wunschprojektion - oder? Diese uralten Fragen im Schnittfeld von Glauben
und Wissen wieder neu als unabgeschlossene, unabgegoltene aufgeworfen zu haben, ist
Walsers Verdienst. Eine Pflichtlektre fr Glaubende und Unglaubende.
Das Gesprch mit Martin Walser ist auch abgedruckt in dem Band: Karl-Josef Kuschel, Weil
wir uns auf dieser Erde nicht ganz zu Hause fhlen. 12 Schriftsteller ber Religion und
Literatur, Mnchen 1985, S. 140-154.
Eine Auseinandersetzung mit dem Werk Walsers, insbesondere mit dem Roman
Angstblte (2006), enthlt der Band: Karl-Josef Kuschel - Heinz Dieter Assmann, Brsen,
Banken, Spekulanten Spiegelungen in der Literatur, Konsequenzen fr Wirtschaft, Ethos
und Recht, Gtersloh 2011, Kap. VII.
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Resenha: PCORA, Alcir (org). Por que ler Hilda Hilst. So Paulo: Globo,
2010. (Coleo por que ler) Outros autores: Luisa Destri, Cristiano Diniz, Sonia
Purceno.
Ler Hilda Hilst quase sempre um ato que envolve, antes de tudo, rebeldia.
Respeitada, sem dvida, a literatura hilstiana tem atravessado os anos e, aos poucos,
o desejo propagado pela prpria autora de ser lida, de ser conhecida, parece que vem
encontrando ecos cada vez mais audveis entre o pblico leitor, no s brasileiro,
mas tambm de outros pases. Contudo, embora haja respeito pela obra de Hilda,
h tambm certo medo que paira em torno de seus escritos, e justamente nesse
ponto de interseco que se localiza a rebeldia: os rebeldes, assim como os auda-
ciosos, procuram Hilda Hilst com uma frequncia cada vez mais intensa. E dentre
esses revoltosos, por assim dizer, se destacam os jovens. Talvez, a excentricidade da
autora encontre paralelo na nsia pelo novo. notrio o interesse fascnio mesmo
que a autora-poeta-bruxa-esquizofrnica exerce sobre a juventude. Obviamente,
que no estamos aqui a descartar os leitores mais antigos, velhos conhecidos dos ver-
sos e reversos- hilstianos, uma vez que so estes que possibilitaram a disseminao
da obra de Hilda Hilst como um todo.
Em Por que ler Hilda Hilst? (Editora Globo, 2010, 119p. 22, 90) mais uma
vez Alcir Pcora nos traz tona uma srie de motivos que por si s j responde-
riam pergunta que d nome ao livro. Composto de cinco partes, como a Nota
do Organizador, que dessa vez um pouco diferente do que Pcora fez nos livros
reeditados da autora mais se aproxima de um detalhado ensaio acerca das princi-
pais temticas abordadas por Hilda ao longo se sua produo, no apenas potica,
mas, sobretudo ficcional, destacando a a intensa produo teatral, com excelentes
passagens acerca do estilo sacro-filosfico da autora.
SocioPotica - Volume 1 | Nmero 8
210 julho a dezembro de 2011
Sonia Purceno, na seo Ensaio de Leitura, faz uma breve incurso sobre a
prosa ficcional da autora, sempre ressaltando aspectos j abordados pelos principais
estudiosos de Hilda, como Eliane Robert de Moraes e Nelly Novaes Coelho, porm
com uma viso mais crtica que se liga aos aspectos textuais propriamente ditos da
obra como um todo. A focalizao na produo pornogrfica vai aparecer quase
sub-repticiamente, porm, central para que se perceba o esforo de Purceno em
dissociar a imagem de Hilda Hilst ao de escritora pornogrfica.
Na interessante seo Entre Aspas, Luisa Destri destaca trechos das obras de
Hilda que considera mais relevantes e aqui caberia perfeitamente o termo cho-
cante utilizado no sentido de dar choques de literariedade no leitor. So trechos nos
quais se evidencia o trabalho lingustico de Hilda: uma espcie de oficina experi-
mental com as palavras associada a uma frentica busca de sentido para a vida. As
duas coisas amalgamadas, na verdade, vo cingir o ponto alto da literatura hilstiana,
que a procura pelo eu atravs da palavra.
Lecturas Convergentes
A literatura produzida por autores como Mario Vargas Llosa, Isabel Allende,
Julio Cortzar, Gabriel Garca Mrquez passa a se consolidar nos crculos de leitura
da academia brasileira primordialmente pelo que configuram em relao a um pro-
jeto scio-ideolgico do que propriamente pelo seu teor esttico. O que se nomeia
entre os europeus como boom da literatura latinoamericana diz respeito justa-
mente a uma srie de discursos e interlocues que passam a ser publicados pelas
editoras europeias, mas que no mais alude aos seus temas, motivos e personagens
do velho mundo. Uma nova dico passa a se impor no cenrio das letras e desperta
os olhares pelo que est entranhado em si, seja a cor local, seja a indignao contra
regimes ditatoriais e opressores. E a partir desta viso ex-cntrica que esses textos
passam a ser lidos e dar origem a discursos outros sobre a problemtica questo
da(s) identidade(s) no contexto da Amrica do Sul.
Contudo, eleger como chave de leitura para essas obras apenas o aspecto pan-
fletrio de seus temas, ou poltico/ideolgico de seus autores , no mnimo, limitar
suas mltiplas possibilidades dialgicas. Neste sentido, a obra Lecturas Convergentes,
de Juan Gustavo Cobo Borda apresenta-se como bastante elucidativa para uma
melhor compreenso do contexto em que surgem as produes literrias de autores
aos quais j se referiu anteriormente.
como Cien aos de soledad, El otoo del patriarca. Sua leitura contempla ainda
aspectos relacionados recepo dessas obras tanto na Amrica Latina, quanto
tambm nos Estados Unidos e Europa, enfatizando um movimento que o autor
chama de encarnao dos avatares da histria da Amrica. Viso atravs da qual
os personagens dos livros de Garca Mrquez, embora estivessem inscritos num
contexto de realismo mgico, transcendiam esse limite, metaforizando o povo
e sua histria. Ainda nesta seo, Cobo Borda contempla o vis memorialstico
da obra garcamarqueana ao tratar do livro Vivir para contarla, entretanto a sua
leitura neste tpico tambm se direciona mais pela prtica do ensaio do que pela
biografia. Os microcaptulos seguintes da seo so sobremodo oportunos por
tratarem de outros temas recorrentes, como em Los nios en la obra de Gabriel
Garca Mrquez, La msica en La obra de Garca Mrquez e Garca Mrquez y La
Literatura Colombiana. Os quatro ltimo tpicos so destinados uma entrevista
que o crtico fez ao escritor, uma breve cronologia de sua obra e algumas refern-
cias significativas no estudo da bibliografia de Garca Mrquez.
medida que a populao crescia, Londres se tornava cada vez mais industriali-
zada, entretanto, passa a necessitar cada vez mais de alimentos e materiais para suprir
as necessidades de seus habitantes. O campo ao redor de Londres se transforma para
atender as necessidades da cidade, entretanto, como o autor destaca, no era uma
simples situao onde o centro industrial abastecido pelo interior, mas sim uma
capital determinando o carter de uma economia e de uma sociedade das quais ela
era o centro extraordinrio: ordem e caos ao mesmo tempo (WILLIAMS, 2011, p.
249). O campo passa a figurar em segundo plano sombra do desenvolvimento
da cidade em detrimento da crescente consolidao e expanso do novo sistema
industrial. Conforme esse novo sistema social obtm sucesso, v-se a considervel
expanso de seu alcance, fazendo surgir manifestaes literrias locais, que evoca-
vam paisagens buclicas marcadas sempre por alguma forma de nostalgia. Aqui
e ali, era possvel lembrar outras pocas e outros costumes. Mas, sob a presso das
contradies gerais do sistema, tais observaes locais realistas deram origem a uma
viso histrica geral e, por fim, a um mito (WILLIAMS, 2011, p. 142).
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218 julho a dezembro de 2011
Essa nostalgia ressaltada, sobretudo, pelo cada vez mais crescente contra-
ponto entre os vcios da cidade e uma inocncia do campo na mentalidade inglesa.
Williams seleciona versos de Blake que evidenciam claramente essa imagem a partir
do instante em que o eu-lrico afirma: Ouo que o limpa-chamins com um grito/
Assusta a igreja negra de fumaa;/[...]Mas o que noite tenho mais ouvido/ a maldio
da moa prostituta,/Que gora o pranto do recm-nascido/E tumba nupcial traz peste
bruta. (WILLIAMS, 2011, p. 252). O poeta evoca imagens que apontam que na
cidade o vcio e a inocncia dividem o mesmo espao, tanto em relaes concretas,
quanto espirituais. Os marginalizados so eleitos como tema potico. Blake antev o
processo literrio que ser futuramente seguido por Charles Dickens, inaugurando
uma nova forma de ver a ordem humana e social existente no ambiente da cidade.