STJ REsp 1546165-SP Multipropriedade

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Superior Tribunal de Justia

RECURSO ESPECIAL N 1.546.165 - SP (2014/0308206-1)

RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BAS CUEVA


R.P/ACRDO : MINISTRO JOO OTVIO DE NORONHA
RECORRENTE : MAGNUS LANDMANN CONSULTORIA EMPRESARIAL LTDA. -
ME
ADVOGADA : LVIA PAULA DA SILVA ANDRADE VILLARROEL E OUTRO(S)
RECORRIDO : CONDOMNIO WEEK INN
ADVOGADO : SEM REPRESENTAO NOS AUTOS
INTERES. : JORGE KARAM INCORPORAES E NEGCIOS S/C LTDA
EMENTA

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE


TERCEIRO. MULTIPROPRIEDADE IMOBILIRIA (TIME-SHARING ).
NATUREZA JURDICA DE DIREITO REAL. UNIDADES FIXAS DE TEMPO.
USO EXCLUSIVO E PERPTUO DURANTE CERTO PERODO ANUAL.
PARTE IDEAL DO MULTIPROPRIETRIO. PENHORA. INSUBSISTNCIA.
RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.
1. O sistema time-sharing ou multipropriedade imobiliria, conforme ensina
Gustavo Tepedino, uma espcie de condomnio relativo a locais de lazer no qual se
divide o aproveitamento econmico de bem imvel (casa, chal, apartamento) entre
os cotitulares em unidades fixas de tempo, assegurando-se a cada um o uso exclusivo
e perptuo durante certo perodo do ano.
2. Extremamente acobertada por princpios que encerram os direitos reais, a
multipropriedade imobiliria, nada obstante ter feio obrigacional aferida por
muitos, detm forte liame com o instituto da propriedade, se no for sua prpria
expresso, como j vem proclamando a doutrina contempornea, inclusive num
contexto de no se reprimir a autonomia da vontade nem a liberdade contratual
diante da preponderncia da tipicidade dos direitos reais e do sistema de numerus
clausus .
3. No contexto do Cdigo Civil de 2002, no h bice a se dotar o instituto da
multipropriedade imobiliria de carter real, especialmente sob a tica da
taxatividade e imutabilidade dos direitos reais inscritos no art. 1.225.
4. O vigente diploma, seguindo os ditames do estatuto civil anterior, no traz
nenhuma vedao nem faz referncia inviabilidade de consagrar novos direitos
reais. Alm disso, com os atributos dos direitos reais se harmoniza o novel instituto,
que, circunscrito a um vnculo jurdico de aproveitamento econmico e de imediata
aderncia ao imvel, detm as faculdades de uso, gozo e disposio sobre frao
ideal do bem, ainda que objeto de compartilhamento pelos multiproprietrios de
espao e turnos fixos de tempo.
5. A multipropriedade imobiliria, mesmo no efetivamente codificada,
possui natureza jurdica de direito real, harmonizando-se, portanto, com os institutos
constantes do rol previsto no art. 1.225 do Cdigo Civil; e o multiproprietrio, no
caso de penhora do imvel objeto de compartilhamento espao-temporal
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(time-sharing ), tem, nos embargos de terceiro, o instrumento judicial protetivo de
sua frao ideal do bem objeto de constrio.
6. insubsistente a penhora sobre a integralidade do imvel submetido ao
regime de multipropriedade na hiptese em que a parte embargante titular de frao
ideal por conta de cesso de direitos em que figurou como cessionria.
7. Recurso especial conhecido e provido.

ACRDO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que so partes as acima indicadas,


acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justia, na
conformidade dos votos e das notas taquigrficas a seguir, por maioria, dar provimento ao
recurso especial nos termos do voto do Sr. Ministro Joo Otvio de Noronha. Vencido o Sr.
Ministro Ricardo Villas Bas Cueva. Votaram com o Sr. Ministro Joo Otvio de Noronha
(Presidente) os Srs. Ministros Marco Aurlio Bellizze, Moura Ribeiro e Paulo de Tarso
Sanseverino.

Braslia, 26 de abril de 2016(Data do Julgamento)

MINISTRO JOO OTVIO DE NORONHA

Presidente e Relator

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RELATRIO

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BAS CUEVA (Relator):

Trata-se de recurso especial interposto por MAGNUS LANDMANN CONSULTORIA


EMPRESARIAL S.C LTDA., com fundamento no art. 105, inciso III, alnea "a", da Constituio
Federal, contra acrdo proferido pelo Tribunal de Justia do Estado de So Paulo.
Noticiam os autos que a recorrente ajuizou embargos de terceiro contra o
CONDOMNIO WEEK INN, ao argumento de que teria sido atingida por ordem de penhora
oriunda de execuo movida pelo condomnio recorrido em face de JORGE KARAM
INCORPORAES E NEGCIOS LTDA., em virtude de dvida condominial.
Aduz a recorrente que por ser detentora da propriedade de 2/52 avos da casa n
34, representados pelas semanas 11 e 12, localizada na rea especial 3-B do loteamento Praia
de Caravelas- Bzios - RJ, indevido o ato de penhora que recaiu sobre totalidade do imvel.
Acrescentou que o referido imvel est registrado "na modalidade de time-sharing,
tendo sido subdividido, antes da comercializao, em 52 fraes ideais, pertencendo, portanto a
titulares diversos " (fl. 4 e-STJ), o que, segundo afirma, evidencia a impossibilidade de ser mantida
a constrio sobre a totalidade da casa n 34.
O magistrado de primeiro grau, entendendo que "a relao jurdica ofertada
embargante por conta da cesso de direitos na qual figurou como cessionria se revestia de
natureza obrigacional e no de direito real" (fl. 132 e-STJ), julgou improcedente o pedido
formulado na inicial.
Irresignada, a demandante interps apelao, a qual no foi provida. O acrdo
recebeu a seguinte ementa:

"DESPESAS DE CONDOMNIO. EMBARGOS DE TERCEIRO. REVELIA NO


CONFIGURADA. MULTIPROPRIEDADE IMOBILIRIA (TEMPO
COMPARTILHADO OU TIME SHARING). PENHORA DOS IMVEIS SOBRE OS
QUAIS INCIDE A MULTIPROPRIEDADE. MANUTENO. CESSO DE
DIREITOS. RELAO OBRIGACIONAL. A revelia do ru no enseja
necessariamente a procedncia total da pretenso do autor.
Empreendimento, objeto de tempo compartilhado, registrado em nome de pessoa
centralizadora, que concede e organiza sua utilizao peridica, gera relao de
direito obrigacional com os multiusurios. Recurso desprovido " (fl. 173 e-STJ).

No especial, a recorrente aponta violao dos arts. 319 do Cdigo de Processo


Civil (CPC) e 1.417 e 1.418 do Cdigo Civil (CC).

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Alega, inicialmente, que houve "revelia e confisso quanto matria de fato" (fl.
185 e-STJ) em virtude da ausncia de contestao.
No mrito, aduz que "firmou o contrato preliminar formalizado atravs de
'Instrumento Particular de Promessa de Cesso de Direitos' pelo qual o promitente se obrigou a
outorga-lhe escritura da frao ideal, correspondente a 1/52 avos da casa n 34, do
empreendimento 'Praia das Caravelas '" (fl. 186 e-STJ), portanto, "contrariamente ao afirmado no
acrdo recorrido, a relao jurdica est lastreada no direito real e no no direito obrigacional " (fl.
187 e-STJ).
Por fim, assinala que "sempre teve o direito de usar, gozar, dispor e reaver o bem
de quem injustamente o possua e de exercer todos os direitos compatveis com o domnio,
podendo ser considerada multiproprietria, uma vez que os contratos preliminares atestam a
multipropriedade como direito real e no obrigacional " (fl. 189 e-STJ).
Sem contrarrazes (fl. 198 e-STJ), o especial foi inadmitido na origem (fls. 199-200
e-STJ), mas, por ter sido provido recurso de agravo, houve a converso do feito e a devida
reautuao.
o relatrio.

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VOTO-VENCIDO

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BAS CUEVA (Relator):

Cinge-se a controvrsia a saber: a) se, no caso dos autos, a ausncia de


contestao conduz ao reconhecimento da revelia e de seus efeitos; e b) se o contrato de
time-sharing (multipropriedade) possui natureza jurdica de direito real ou de direito pessoal, e a
sua influncia no ato de penhora.

1. Da alegao de revelia

Afirma a recorrente "que o juiz julgou improcedente o pedido alegando que no


houve comprovao da multipropriedade e que no poderia ser aplicada a pena de confisso, o
que a toda evidncia no verdade, pois quando no h manifestao da outra parte deve-se ter
como verdadeiros os fatos alegados " (fl. 184 e-STJ).
A respeito da revelia, o Tribunal de origem assim concluiu:

"(...)
certo que os efeitos que a revelia provoca so de presuno de
veracidade somente quanto matria de fato e no de direito. Ainda assim, a
presuno relativa, podendo ceder a outras circunstncias constantes dos autos,
de acordo com o princpio do livre convencimento do juiz.
No entanto, os efeitos da revelia no acarretam necessariamente a
procedncia total da pretenso da autora, sendo cabvel a apreciao de todos os
elementos constantes dos autos.
Neste caso, objetivando a embargante a desconstituio da
penhora que recaiu sobre o imvel descrito na petio inicial, objeto de
compartilhamento entre multiusurios, verifica-se tratar unicamente de
matria de direito , o que afasta a aplicao dos efeitos da revelia " (fls. 174-175
e-STJ - grifou-se).

Assim, as instncias ordinrias, com base nos documentos colacionados aos


autos, entenderam como incontroverso o fato de que a recorrente celebrou um contrato na
modalidade de time-sharing, remanescendo, portanto, to somente o exame de matria de direito.
Nesse contexto, cabe ao julgador a anlise da matria de direito, sobre a qual, por
bvio, no pode pairar presuno de veracidade.
Desse modo, depreende-se que o acrdo recorrido encontra-se em sintonia com
a jurisprudncia desta Corte no sentido de que os efeitos da revelia no abrangem questes de
direito.
Sobre o tema, os seguintes julgados:
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"PROCESSUAL CIVIL. AO ANULATRIA DE REGISTRO IMOBILIRIO.


INEXISTNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SMULAS 282 E 356 DO STF.
AUSNCIA DE ADEQUADA DEMONSTRAO DA VIOLAO. VERBETE N.
284/STF. REVELIA. IMPOSSIBILIDADE. ATOS BENFICOS.
APROVEITAMENTO. EFEITOS AUTOMTICOS DA REVELIA. INVIABILIDADE.
NO PROVIMENTO DO RECURSO.
1. Diante do carter infringente dos aclaratrios, recebo-os como agravo
regimental.
2. No se conhece de recurso especial em que inexista o devido
prequestionamento dos dispositivos que a parte alega violados nem quando no
demonstrada adequadamente a eventual existncia de violao.
3. 'Cuidando-se de ao de declarao de nulidade de negcio jurdico, o
litisconsrcio formado no plo passivo necessrio e unitrio, razo pela qual, nos
termos do art. 320, inciso I, do CPC, a contestao ofertada por um dos consortes
obsta os efeitos da revelia em relao aos demais. Ademais, sendo a matria de
fato incontroversa, no se h invocar os efeitos da revelia para o tema
exclusivamente de direito ' (REsp 704.546/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE
SALOMO, QUARTA TURMA, julgado em 01/06/2010, DJe 08/06/2010).
4. 'A revelia, que decorre do no oferecimento de contestao, enseja presuno
relativa de veracidade dos fatos narrados na petio inicial, podendo ser infirmada
pelos demais elementos dos autos, motivo pelo qual no acarreta a procedncia
automtica dos pedidos iniciais' (REsp 1335994/SP, Rel. Ministro RICARDO
VILLAS BAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/08/2014, DJe
18/08/2014).
5. Embargos declaratrios recebidos como agravo regimental, ao qual se nega
provimento " (EDcl no AREsp 156.417/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMO,
QUARTA TURMA, julgado em 5/5/2015, DJe 13/5/2015 - grifou-se).

"AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL.


PROCESSO CIVIL. FAMLIA. DIVRCIO DIRETO. REVELIA. OPO PELO USO
DE NOME DE SOLTEIRA. MANIFESTAO EXPRESSA DE VONTADE.
NECESSIDADE. RECURSO DESPROVIDO.
1. O art. 1.578 do Cdigo Civil prev a perda do direito de uso do nome de casado
para o caso de o cnjuge ser declarado culpado na ao de separao judicial.
Mesmo nessas hipteses, porm, a perda desse direito somente ter lugar se no
ocorrer uma das situaes previstas nos incisos I a III do referido dispositivo legal.
Assim, a perda do direito ao uso do nome exceo, e no regra.
2. Os efeitos da revelia no abrangem as questes de direito, tampouco
implicam renncia a direito ou a automtica procedncia do pedido da parte
adversa. Acarretam simplesmente a presuno relativa de veracidade dos fatos
alegados pelo autor (CPC, art. 319).
3. A no apresentao de contestao ao pedido de divrcio pelo cnjuge virago
no pode ser entendida como manifestao de vontade no sentido de opo pelo
uso do nome de solteira (CC, art. 1.578, 2).
4. Agravo regimental desprovido " (AgRg no AREsp 204.908/RJ, Rel. Ministro RAUL
ARAJO, QUARTA TURMA, julgado em 4/11/2014, DJe 3/12/2014 - grifou-se).

"AGRAVO REGIMENTAL - EXECUO - EMBARGOS - REVELIA - EFEITOS


QUE NO ABRANGEM MATRIA DE DIREITO - PREQUESTIONAMENTO -
INEXISTNCIA - EMBARGOS DE DECLARAO - OFENSA AO ART. 535 DO
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CPC - INEXISTNCIA - IMPOSSIBILIDADE - SMULA 83/STJ - AUSNCIA DE
DISSDIO JURISPRUDENCIAL - DECISO AGRAVADA MANTIDA -
IMPROVIMENTO.
(...)
III. O entendimento firmado pelo Tribunal a quo, no sentido de que os efeitos
da revelia no abrangem s questes de direito, tampouco implicam a
procedncia do pedido da parte adversa, est em sintonia com a
jurisprudncia deste Superior Tribunal de Justia. Aplicvel, portanto,
espcie, o bice da Smula 83 desta Corte.
IV. No houve demonstrao de dissdio jurisprudencial, diante da falta do exigido
cotejo analtico entre os julgados mencionados, bem como pela ausncia de
similitude ftica, de maneira que invivel o inconformismo apontado pela alnea c
do permissivo constitucional.
V. O Agravo no trouxe nenhum argumento novo capaz de modificar a concluso
alvitrada, a qual se mantm por seus prprios fundamentos.
Agravo Regimental improvido " (AgRg no Ag 1.168.229/RJ, Rel. Ministro SIDNEI
BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/9/2009, DJe 7/10/2009 - grifou-se).

3. Da natureza jurdica do contrato de time-sharing (multipropriedade) de


bem imvel

De acordo com grande parte da doutrina especializada, o fenmeno da


multipropriedade teria surgido na Frana, nos idos de 1967, difundiu-se pela Itlia, Blgica, Sua,
Portugal e outros pases europeus e tambm pelos Estados Unidos, com a denominao de
time-sharing . No Brasil, as operaes de multipropriedade surgiram nos anos oitenta.
Segundo Gustavo Tepedino "com o termo multipropriedade designa-se,
genericamente, a relao jurdica de aproveitamento econmico de uma coisa mvel ou imvel,
repartida em unidades fixas de tempo, de modo que diversos titulares possam, cada qual a seu
turno, utilizar-se da coisa com exclusividade e de maneira perptua ". (TEPEDINO, Gustavo.
Multipropriedade imobiliria. So Paulo: Saraiva, 1993, pg. 1)
Assim como conceituada, a multipropriedade, time-sharing ou regime de
aproveitamento por turno, apresenta como trao fundamental e singular a diviso, no tempo, entre
inmeras pessoas, da utilizao do mesmo imvel, mediante um sistema de rodzio,
fracionando-se o ano em perodos, em regra, iguais. Como consequncia, o sistema comporta
uma pluralidade de usurios e a atribuio, a cada um, do uso exclusivo da unidade habitacional
pelo perodo de tempo pr-fixado no contrato.
Destaca-se que a periodicidade o elemento essencial da multipropriedade, pois
confere ao direito de gozo a particularidade de ser exercido de maneira temporal, que se renova
todos os anos, de modo cclico e que tende a ser perptuo. Em outras palavras, o exerccio do
direito temporrio e a sua durao, em regra, perptua, sendo, excepcionalmente por perodo
determinado.
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O instituto representa um novo modelo de fruio associado, pela doutrina,
tendncia de valorizao da funo social do domnio imobilirio (art. 5, XXIII, Constituio
Federal), ampliando seu potencial de uso ao extirpar os perodos de desocupao e ociosidade,
facilitando o acesso a tais bens atravs do compartilhamento dos custos e contribuindo, com isso,
para a universalizao do alcance de um segundo imvel (no-residencial), especialmente para
fins tursticos e relacionados ao lazer.
Apesar de existirem diversos modelos de aproveitamento por turnos de bem
imvel, em linhas gerais, e levando-se em conta a hiptese dos autos, aos 52 (cinquenta e dois)
multiproprietrios - nmero correspondente s semanas do ano -, cada um deles titular de uma
frao ideal de 1/52 do respectivo imvel, e signatrio de um pacto de utilizao da coisa comum,
integrante do contrato de aquisio, atribudo o uso da unidade adquirida por apenas uma
determinada semana do ano.
A ttulo exemplificativo, Gustavo Tepedino, ao examinar alguns contratos na
modalidade de tempo compartilhado, destacou algumas clusulas que demonstram a dinmica de
funcionamento do sistema:

"(...)
As despesas com a conservao do condomnio so rateadas,
proporcionalmente, ao valor das fraes. As despesas relacionadas
exclusivamente com a unidade habitacional, como luz, telefone, bar e lavanderia,
tm cobrana diferenciada, cabendo ao multiproprietrio pag-las ao final de cada
temporada, prevendo-se, ainda, fundo de reserva e fundo de manuteno e
reposio.
Os poderes dos multiproprietrios so rigorosamente disciplinados
pela conveno, no intuito de assegurar o aproveitamento dos apartamentos por
todos os titulares, sem invaso de esfera alheia ou deteriorao da estrutura fsica
do imvel.
Destacam-se, pelo interesse tcnico que suscitam, algumas dessas
clusulas limitativas. O multiproprietrio deve entregar o apartamento at s doze
horas do ltimo dia que lhe aproveita, impreterivelmente, de modo a garantir a
entrada do titular sucessivo, s dezoito horas do mesmo dia (clusula 3.5 da
conveno).
Sujeita-se o multiproprietrio realizao de um inventrio dos bens
mveis de sua unidade, atravs de formulrio preenchido no incio e conferido ao
final de cada temporada, devendo ressarcir (mediante pagamento vista) os danos
eventualmente causados a equipamentos ou utenslios. Somente aps este
controle e eventual ressarcimento, recebe o multiproprietrio um 'termo de
liberao', sem o qual, segundo a conveno, tem a administrao 'o direito de
reter a bagagem do infrator, sem prejuzo das demais medidas cabveis' (clusula
3.4 da conveno). Tal pacto, prprio da disciplina hoteleira, no deixa de ser
destoante no mbito da ordinria convivncia entre condminos, embora
admissvel como expresso da autonomia privada na relao entre condmino e
administrador.
Mais: qualquer iniciativa de manuteno ou reparao do

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apartamento e objetos de decorao da exclusiva competncia do administrador,
fugindo dos poderes do multiproprietrio (clusula 4.7 da conveno).
Enfim, o nmero de moradores rigidamente limitado pela
conveno, de acordo com a capacidade atribuda s unidades, chegando-se a
pormenorizar a quantidade de adultos e crianas permitidas". (TEPEDINO,
Gustavo. Multipropriedade imobiliria. So Paulo: Saraiva, 1993, pgs. 45-46)

Feitas as consideraes acima, resta desvendar a natureza jurdica do contrato


celebrado pela recorrente, ou seja, se a aquisio limitou-se ao direito de uso do imvel por
tempo compartido ou se adquiriu uma frao ideal da propriedade em si.
inegvel que o complexo de relaes jurdicas que circunda o regime da
multipropriedade apresenta caractersticas de direito real e de direito obrigacional, o que dificulta
o seu enquadramento em uma das referidas categorias.
O aspecto de direitos reais decorre dos poderes exercidos pelo multiproprietrio
sobre o imvel, em virtude de direito prprio, ainda que no identificvel com qualquer figura
tpica. Por outro lado, a natureza de direito obrigacional advm da conveno inserta no contrato
de aquisio, imprescindvel para que se realize a multipropriedade.
Tal circunstncia pode ser constatada pela diversidade de tratamento conferido ao
instituto em pases distintos:

Pas Natureza jurdica

Frana A noo de multipropriedade se afasta da noo de propriedade,


configurando em um esquema societrio e obrigacional

Itlia Acionria e copropriedade

ustria Direito real de uso de bens imveis a tempo parcial

Inglaterra Direito de uso de natureza contratual

Portugal Direito real de habitao peridica

Espanha Direito de natureza jurdico-real, embora com um fato diferenciado que


tempo de uso

Estados Unidos Sem distino sobre a natureza jurdica, mas com ampla proteo dos
adquirentes, prevalecendo a forma condominial

Fonte: DE MELO, Marcelo Augusto Santana. Multipropriedade imobiliria. Revista de Direito


Imobilirio. Ano 34. Vol. 70. jan.-jun./2011, pg. 81.

Em vista disso, possvel perceber forte inclinao do instituto ao direito real,


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contudo, no so poucas as diferenas entre a multipropriedade e as formas tpicas de direitos
reais, como ser demonstrado a seguir.
De incio, destaca-se que as faculdades de uso, fruio e disposio, atribudas
propriedade, na multipropriedade, so limitadas ao perodo de tempo anual preestabelecido,
ainda que tratando-se de direito perptuo.
Outro ponto dissonante diz respeito ao vnculo de destinao do bem. Trata-se de
elemento indispensvel ao negcio jurdico, que atribui ao titular o uso para determinado fim, por
exemplo, turstico-residencial, de modo que o multiproprietrio no tem liberdade quanto
escolha de um modo de uso ou fruio que desvincule o bem do seu destino originrio.
Alm disso, o multiproprietrio no pode efetuar qualquer modificao no imvel ou
no mobilirio a ele integrado, mesmo a ttulo de melhoramento. Como assevera Gustavo
Tepedino "a obrigatoriedade de manter a unidade em perfeitas condies demonstrao de
outra diferena em relao ao direito de propriedade, a cujo titular facultado, at mesmo,
destruir o bem que lhe pertence " (TEPEDINO, Gustavo. Multipropriedade imobiliria. So
Paulo: Saraiva, 1993, pg. 52).
A cesso de direitos, como na propriedade, poder ser efetuada, a qualquer ttulo,
entretanto, exige-se o aviso antecipado ao administrador da multipropriedade. J a constituio
de direitos reais de garantia sobre o imvel no possvel em virtude da indivisibilidade
expressamente pactuada nos contratos de time-sharing.
Os traos acima apresentados no esgotam o amplo cenrio de diferenas entre a
multipropriedade e as espcies de direitos reais, mas, de pronto, permitem afirmar que o regime
de time-sharing no se amolda, na integralidade, categoria de direitos reais, especialmente pelo
fato de que o ordenamento jurdico brasileiro adota o princpio de que os direitos reais so
numerus clausus .
Desse modo, no Brasil, no se admite a criao de um direito real propriamente
dito, devendo-se seguir os tipos reais previstos na legislao especfica, especialmente os do
Cdigo Civil.
Conforme lio de Pontes de Miranda:

"Os direitos reais so em nmero limitado, fechado (numerus


clausus). No encontro entre o 'direito romano e o germnico, enriqueceu-se o
direito moderno de direitos reais, mas, em vez de admitir a possibilidade de se dar
eficcia real a qualquer vnculo (mendiante a Gewere), manteve o sistema do
numerus clausus. Houve tentativa de conciliao, ou de sntese com o direito
territorial prussiano, por meio do registro dos negcios jurdicos
obrigacionais; porm isso rasparia, por bem dizer, a dicotomia dos direitos
em pessoais e reais, ao mesmo tempo em que transplantaria para o s plano
da eficcia o critrio distintivo. As dificuldades, que surgiram, seriam
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enormes, e algumas inafastveis ". (PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito
privado. Parte especial. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971. tXI, pg. 59 -
grifou-se)

A respeito da ratio da taxatividade dos direitos reais, vlido o apontamento de


Frederico Henrique Viegas de Lima, baseado em estudos de Bndict Fex, professor da
Universidade de Genebra:

"(...)
A ratio de numerus clausus de direitos reais no se trata de uma
regra isolada, sem justificao. Ao contrrio, se integra em um sistema coerente,
participando da organizao dos direitos, para possibilitar as seguintes funes:
a) a contribuio da publicidade dos direitos reais. Sendo um
instrumento de conhecimento de um direito real sobre o objeto ;
b) a clareza da existncia dos mesmos, para um terceiro. Sendo
dotado de uma previsibilidade, de forma que os interessados possuem seu
conhecimento e o conhecem . a previsibilidade que favorece aos terceiros. A
oponibilidade que estabelece que os terceiros devero respeitar as relaes
das pessoas com suas coisas;
c) de proteo da liberdade da propriedade, especialmente em
matria imobiliria, afasta a existncia de direitos abandonados da propriedade em
sua substncia. O titular do direito pode dar a sua propriedade os contornos
que melhor lhe convier. O legislador, somente na forma da propriedade
imobiliria pode definir estes contornos e, na mobiliria, tais contornos so mais
amplos, dada a maior autonomia das partes;
d) uma regra de ordem tica e moral, que retira (bane) dos
direitos das coisas certos direitos que ainda no possuem uma definio
clara, uma vez que so diversos os tipos de relaes que podem existir entre
uma pessoa e uma coisa. A regra moral tem a finalidade de limitar o nmero
de direitos reais como forma de proteger o proprietrio contra nus reais
extremamente excessivos. Esta funo essencial para a realizao de
solues dos domnios e controvrsias do direito das coisas" (VIEGAS DE
LIMA, Frederico Henrique. A multipropriedade imobiliria. Revista trimestral de
direito civil. Vol.32. out.-dez./2007. Rio de Janeiro: Padma, pgs. 98-99 - grifou-se)

Vale ressaltar que a adoo da forma livre de criao dos direitos reais seria capaz
de promover um ambiente de insegurana jurdica aos negcios imobilirios devido
impossibilidade de se prever as formas variadas e criativas de novos direitos reais que surgiriam e
os efeitos jurdicos que poderiam irradiar.
Soma-se a isso o fato de que a Lei de Registros Pblicos (Lei n 6.015/1973), em
harmonia com o princpio numerus clausus dos direitos reais perfilhado pelo ordenamento jurdico
ptrio, categrica ao estabelecer que:

"Art. 168. No Registro de imveis sero feitas:

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(...)
1 No registro de imveis sero feitas, em geral, a
'transcrio', a 'inscrio' e a 'averbao' dos ttulos ou atos constitutivos,
declaratrios, translativos e extintivos de direitos reais sobre imveis,
reconhecidos em lei inter vivos e causa mortis, quer para sua constituio,
transferncia e extino, quer para sua validade em relao a terceiros, quer para
sua disponibilidade". (grifou-se)

Logo, a expresso "direitos reais reconhecidos em lei" prevista no 1 do art. 168


da Lei n 6.015/1973 deixa claro que a taxatividade e a tipicidade dos direitos reais tambm
alcana os atos de registro.
Nesse cenrio, diante da inviabilidade de criao de um novo direito real por
conveno privada, inafastvel a concluso de que o contrato de time-sharing possui a natureza
jurdica de direito pessoal que est relacionado diretamente a um direito real, o do titular do bem
objeto da multipropriedade.
Pelo sistema da multipropriedade, o imvel figura como propriedade de um
empreendedor que concede e organiza a utilizao peridica do bem e que tem a prerrogativa de
representar os titulares do contrato de time-sharing . Malgrado o nome do instituto, o direito dos
adquirentes meramente pessoal, sujeitando-se a extenso rol de preceitos obrigacionais
previstos em conveno ou regulamento interno e que devero ser respeitados a fim de
possibilitar a fruio do bem.
Em verdade, trata-se de situao jurdica complexa e atpica que envolve relaes
obrigacionais especficas interligadas por diversas fontes de interesses - os multiproprietrios
entre si, e entre estes e a administrao do empreendimento - em colaborao recproca para a
satisfao na utilizao do bem.
No caso dos autos, o imvel que gerou a dvida condominial executada pelo
recorrido est registrado em nome de Jorge Karam Incorporaes e Negcios S/C Ltda., que, por
sua vez, o centralizador e organizador da utilizao peridica do bem por terceiros (fls. 9-14
e-STJ).
Como cedio, a responsabilidade pelo pagamento das cotas de despesas de
condomnio, dvida propter rem, tanto do proprietrio do imvel quanto do compromissrio
comprador, e considerando-se que o direito adquirido pela recorrente, multiproprietria, no
possui a natureza de direito real, nada obsta a penhora da totalidade do imvel registrado em
nome do administrador dos contratos de time-sharing relacionados ao bem ora em evidncia.
Por fim, ressalta-se que em virtude das particularidades e do conjunto de
consequncias jurdicas decorrentes de sua instituio, a multipropriedade reclama um tratamento
especfico, que pode ser alcanado atravs de uma lei que equacione os diversos aspectos a ela
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relacionados, tais como a responsabilidade civil, administrativa e tributria dos multiproprietrios,
ampliando, assim, a segurana jurdica dos titulares e de terceiros, como bem destacou Gustavo
Tepedino:

"Independentemente da natureza jurdica que se pretenda atribuir


multipropriedade, certo que no Brasil a sua afirmao carece de inequvoca
construo, que torne claro o direito do adquirente, seus limites e a
dimenso dos seus poderes, evitando uma compreensvel desconfiana de
quantos venham por ela se interessar , e encontrando soluo, enfim, para os
problemas novos que a variedade de relaes levanta, desembaraado o terreno
dos muitos equvocos que dificultam a sua lavoura''. (TEPEDINO, Gustavo.
Multipropriedade imobiliria. So Paulo: Saraiva, 1993, pg. 50 - grifou-se).

Conclui-se, ento, que o contrato de time-sharing no garante direito real, mas


mero direito pessoal, logo, perfeitamente possvel a penhora do imvel sob o qual incide a
multipropriedade, como decidido pelo Tribunal de origem.

4. Do dispositivo
Ante o exposto, nego provimento ao recurso.
o voto.

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CERTIDO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA

Nmero Registro: 2014/0308206-1 PROCESSO ELETRNICO REsp 1.546.165 / SP

Nmeros Origem: 01597790720088260100 5830020081597791


PAUTA: 20/10/2015 JULGADO: 20/10/2015

Relator
Exmo. Sr. Ministro RICARDO VILLAS BAS CUEVA
Presidente da Sesso
Exmo. Sr. Ministro RICARDO VILLAS BAS CUEVA
Subprocurador-Geral da Repblica
Exmo. Sr. Dr. MRIO PIMENTEL ALBUQUERQUE
Secretria
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAO
RECORRENTE : MAGNUS LANDMANN CONSULTORIA EMPRESARIAL LTDA. - ME
ADVOGADA : LVIA PAULA DA SILVA ANDRADE VILLARROEL E OUTRO(S)
RECORRIDO : CONDOMNIO WEEK INN
ADVOGADO : SEM REPRESENTAO NOS AUTOS
INTERES. : JORGE KARAM INCORPORAES E NEGCIOS S/C LTDA
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Condomnio em Edifcio - Despesas Condominiais

CERTIDO
Certifico que a egrgia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epgrafe na sesso
realizada nesta data, proferiu a seguinte deciso:
Aps o voto do Sr. Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, negando provimento ao recurso
especial, pediu vista, antecipadamente, o Sr. Ministro Joo Otvio de Noronha. Aguardam os Srs.
Ministros Marco Aurlio Bellizze, Moura Ribeiro e Paulo de Tarso Sanseverino.

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RECURSO ESPECIAL N 1.546.165 - SP (2014/0308206-1)
RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BAS CUEVA
RECORRENTE : MAGNUS LANDMANN CONSULTORIA EMPRESARIAL LTDA. -
ME
ADVOGADA : LVIA PAULA DA SILVA ANDRADE VILLARROEL E OUTRO(S)
RECORRIDO : CONDOMNIO WEEK INN
ADVOGADO : SEM REPRESENTAO NOS AUTOS
INTERES. : JORGE KARAM INCORPORAES E NEGCIOS S/C LTDA

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO JOO OTVIO DE NORONHA:

Srs. Ministros, nada obstante o prudente voto proferido pelo relator, Ministro
Ricardo Villas Bas Cueva, entendi por bem pedir vista dos autos para ater-me um pouco mais
ao exame da matria multipropriedade imobiliria (time-sharing ) , notadamente por
revestir-se de pontos controversos a mpar questo jurdica submetida ao julgamento do Superior
Tribunal de Justia.

Para estimular a lembrana das circunstncias do caso, devem-se introduzir abaixo,


no que necessrio, as razes e pretenso expostas no recurso especial:

"O Recorrente ops Embargos de Terceiro pleiteando fosse reconhecido o seu


direito de multiproprietrio de 2/52 da casa 34, pertencente ao Condomnio 'Praia das
Caravelas', objeto da constrio levada a efeito nos autos do processo n 98.743163-6.

[...]

O Recorrente firmou contrato preliminar formalizado atravs de 'Instrumento


Particular de Promessa de Cesso de Direitos' pelo qual o Promitente se obrigou a
outorgar-lhe escritura da frao ideal, correspondente a 1/52 avos da Casa 34, do
Empreendimento 'Praia das Caravelas '.

O citado contrato preliminar desde que registrado s margens da matrcula,


atribui ao seu titular direito real de aquisio, conforme preveem os artigos 1.417 e
1.418 do Cdigo Civil, seno vejamos:

Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se no


pactuou arrependimento, celebrada por instrumento pblico ou particular, e
registrada no Cartrio de Registro de Imveis, adquire o promitente comprador
direito real aquisio do imvel.
Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do
promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a
outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no
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instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicao do
imvel.

Portanto, contrariamente ao afirmado no v. Acrdo recorrido, a relao


jurdica do Recorrente esta lastreada no direito real e no direito obrigacional, como
apontado no v. Acrdo.

[...]

Ainda que se pondere sobre os direitos reais de propriedade especificados no


Cdigo Civil, correto afirmar que a Recorrente sempre teve o direito de usar,
gozar, dispor e reaver o bem de quem injustamente o possua e de exercer todos os
direitos compatveis com o domnio, podendo ser considerada multiproprietria.

Dada essa circunstncia, requer serenamente seja integralmente provido o


presente Recurso Especial, reformando integralmente o v. Acrdo, uma vez que os
contratos preliminares atestam a multipropriedade, como direito real e no
obrigacional, por ser medida escorreita de direito e de salutar Justia!"

Objetivou-se, com essa argumentao, impugnar o acrdo de origem, que, no


tocante ao mrito da causa, assentou o seguinte:

"Tenha-se presente que o condmino est obrigado a concorrer para as


despesas comuns independentemente de se cuidar de condomnio tradicional ou
edilcio, de multipropriedade etc. (CC. arts. 1.315 e 1.336) e nada obsta, no ltimo
caso, que o dos autos, a penhora da propriedade da totalidade do imvel, registrado
no registro de imveis em nome do apelante, que, afinal, o efetivo proprietrio por
fora do art. 1.245, caput , tambm do Cdigo Civil.

Veja-se que a cesso de direitos de que a apelante foi cessionria, referente a


2/52 da casa 34, do loteamento Praia de Caravelas, Estrada de Cabo Frio, Bzios, RJ,
representados pela semanas 11 e 12, no se trata de direito real de propriedade, mas
sim obrigacional, uma vez que o imvel foi registrado em nome da devedora, que
figurou como centralizadora do contrato e organizadora da utilizao peridica do
bem.

[...]

Assim, subsistente a penhora realizada no processo principal n 98.743163-6


em relao aos direitos sobre o uso do imvel apontado na petio inicial" (fls.
177/178).

No voto inaugural, o Ministro relator, dispondo sobre a natureza jurdica do contrato


de multipropriedade imobiliria, assim se manifestou:

" inegvel que o complexo de relaes jurdicas que circunda o regime da


multipropriedade apresenta caractersticas de direito real e de direito obrigacional, o

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que dificulta o seu enquadramento em uma das referidas categorias.

[...]

Os traos acima apresentados no esgotam o amplo cenrio de diferenas entre


a multipropriedade e as espcies de direito reais, mas, de pronto, permitem afirmar
que o regime de time-sharing no se amolda, na integralidade, categoria de direitos
reais, especialmente pelo fato de que o ordenamento jurdico brasileiro adota o
princpio de que os direitos reais so numerus clausus .

Desse modo, no Brasil, no se admite a criao de um direito real propriamente


dito, devendo-se seguir os tipos reais previstos na legislao especfica, especialmente
os do Cdigo Civil."

Pronunciando-se Sua Excelncia, por conseguinte, no sentido de que "o contrato de


time-sharing possui a natureza jurdica de direito pessoal e [...] est relacionado diretamente a
um direito real, o do titular do bem objeto da multipropriedade", precisamente atento ao deslinde
da controvrsia em apreo, concluiu nestes termos:

"[...] o contrato de time-sharing no garante direito real, mas mero direito


pessoal, logo, perfeitamente passvel a penhora do imvel sob o qual incide a
multipropriedade, como decidido pelo Tribunal de origem."

Registro a importncia do judicioso voto proferido pelo Ministro relator, que bem
contextualizou o instituto da multipropriedade imobiliria, considerando lies doutrinrias em
especial, expostas por GUSTAVO TEPEDINO e pontuando, inclusive, o tratamento dado
matria em diversos pases.

Depreende-se, pois, que a questo bsica constante dos autos consiste em


saber se a multipropriedade constituda em relao a imvel submetido a fracionamento e
compartilhamento temporal entre multiusurios possui a natureza jurdica de direito real ou de
direito obrigacional, at mesmo para efeito do alcance de constrio judicial.

Assim delineado o pano de fundo da demanda, detenho-me ao seu especfico exame,


embora o instituto da multipropriedade imobiliria esteja ainda a merecer exaustivo debate na
esfera judicial.

Desde logo, colho tambm do magistrio de GUSTAVO TEPEDINO estas


passagens:

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Superior Tribunal de Justia

"Sabe-se que os direitos reais se diferenciam dos direitos pessoais por dois
aspectos essenciais. Os direitos reais tm por objeto imediato uma coisa, com a qual
se estabelece seu titular um liame estreito, direto, sem intermedirio. A situao
jurdica assim constituda tem carter absoluto, criando um dever jurdico negativo,
prevalecente contra todos erga omnes , que devero respeitar o exerccio do
direito, abstendo-se de qualquer ingerncia. O vnculo jurdico, portanto, adere coisa
sobre a qual incide e tem eficcia generalizada, j que todas as pessoas devem
respeito s situaes jurdicas de direito real (por isso mesmo chamadas de direito
absoluto).

[...]

De tais consideraes decorre o carter real da multipropriedade imobiliria. O


vnculo jurdico que se instaura adere imediatamente ao bem imvel sobre o qual
incide, servindo o contrato, embora imprescindvel, unicamente para definir o objeto
do direito e disciplinar a relao entre os multiproprietrios, e entre estes e a empresa
promotora, qual delegada a funo de gerir o imvel. Entretanto, a recproca
limitao (espao-temporal) de poderes no fator de intermediao, seno de mera
coordenao e demarcao de esferas jurdicas, no retirando, pois, a natureza real do
direito do multiproprietrio, com prevalncia erga omnes. " (Multipropriedade
Imobiliria . So Paulo: Saraiva, 1993, p. 58/59.)

Na linha dessa exegese, MARIA HELENA DINIZ, reportando-se a GUSTAVO


TEPEDINO, ensina:

"O sistema time-sharing ou multipropriedade imobiliria uma espcie


condominial relativa aos locais de lazer, pela qual h um aproveitamento econmico
de bem imvel (casa, chal, apartamento), repartido, como ensina Gustavo Tepedino,
em unidades fixas de tempo, assegurando a cada co-titular o seu uso exclusivo e
perptuo durante certo perodo anual. [... Trata-se de uma multipropriedade peridica,
muito til para desenvolvimento de turismo em hotis, clubes e em navios...] H um
direito real de habitao peridica, como dizem os portugueses, democratizando o
imvel de frias, cujo administrador (trustee ) o mantm em nome de um clube,
concedendo e organizando o seu uso peridico. Todos os adquirentes so
comproprietrios de frao ideal, sofrendo limitaes temporais e condominiais,
sendo que a relao de tempo repartido fica estabelecida em regulamento." (Curso de
Direito Civil Brasileiro. 22 ed. So Paulo: Saraiva, 2007, vol. 4, p. 243.)

Por serem pertinentes as lies acima reproduzidas e apropriadas para amparar o


deslinde da controvrsia, inclino-me a recepcion-las para pronunciar, na espcie, o
reconhecimento de que a natureza jurdica da multipropriedade imobiliria bem mais se
compatibiliza com a de um direito real.

Isso porque, extremamente acobertada por princpios que encerram os direitos reais,
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a multipropriedade imobiliria, nada obstante ter feio obrigacional aferida por muitos, detm
forte liame com o instituto da propriedade, se no for a sua prpria expresso, como j vem
proclamando a doutrina contempornea, inclusive num contexto de no se reprimir a autonomia
da vontade nem a liberdade contratual diante da preponderncia da tipicidade dos direitos reais e
do sistema de numerus clausus .

Vale referir quanto ao ponto que, se, sob a gide do Cdigo Civil de 1916, j se
propugnava pelo carter limitado, fechado, dos direitos reais leia-se, a propsito,
PONTES DE MIRANDA , divergentes lies doutrinrias de igual magnitude firmavam-se no
sentido de admitir a criao de outros direitos reais por no haver expressa vedao na lei de tal
faculdade, consoante se extrai das lies de J. M. CARVALHO DOS SANTOS, de seguinte
teor:

"O princpio mais aceito o da liberdade das convenes, admitindo-se como


direitos reais, no somente os enumerados na lei, seno tambm todos os que possam
resultar das convenes que importem en decomposio do domnio e possam por sua
vez formar direitos reais distintos, sem ofensa ordem pblica. (Cfr. FRAGA, ob. cit.,
n. 55; PLANIOL, RIPERT e PICARD, ob. cit., n. 48; BAUDRY-CHAUVEAU, ob.
cit., n. 193).

Considerar como pessoais os direitos que, como modalidades do domnio,


participam de sua substncia, que no possvel, assim como possvel no seria
deixar esses direitos, que evidentemente no so pessoais, fora do campo dos direitos
reais, somente porque no esto compreendidos na enumerao do texto legal, porque
isso importaria em admiti-los como desclassificados no seio da legislao, o que
absurdo.

O elemento histrico confirma ser meramente enunciativa a disposio do


Cdigo Civil." (Cdigo Civil brasileiro interpretado. 13 ed. So Paulo: Freitas
Bastos, 1978, vol. IV, p. 14.)

Sob a perspectiva dessa expressiva lio doutrinria, no vejo tambm como


admitir, no contexto do Cdigo Civil de 2002, bice a se dotar o instituto da multipropriedade
imobiliria de carter real, especialmente sob a tica da taxatividade e imutabilidade dos direitos
reais inscritos no art. 1.225.

Primeiro, porque o vigente diploma, seguindo os ditames do estatuto civil anterior,


no traz nenhuma vedao nem faz referncia inviabilidade de consagrar novos direitos reais.
Segundo, porque com os atributos dos direitos reais se harmoniza o novel instituto, que,

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circunscrito a um vnculo jurdico de aproveitamento econmico e de imediata aderncia ao
imvel, detm as faculdades de uso, gozo e disposio sobre frao ideal do bem, ainda que
objeto de compartilhamento pelos multiproprietrios de espao e turnos fixos de tempo.

Mais reflexes poderiam ser feitas sobre o contedo e aspectos inerentes


multipropriedade imobiliria, que, embora tenha recebido h dcadas uma boa aceitao no
Brasil, submete-se a elevado grau de incertezas acerca dos direitos e prerrogativas dos
multiproprietrios, em especial, diante do inconcebvel descuido regulador de sua disciplina
jurdica pela via institucional prpria, o que, certamente, tem proporcionado insegurana jurdica
na formatao dessa nova figura.

Considerando o que acima expendido, com a devida vnia do Ministro relator,


concluo o seguinte:

a) a multipropriedade imobiliria, mesmo no efetivamente codificada,


possui natureza jurdica de direito real, harmonizando-se, portanto, com os
institutos constantes do rol previsto no art. 1.225 do Cdigo Civil; e

b) o multiproprietrio, no caso de penhora do imvel objeto de


compartilhamento espao-temporal (time-sharing ), tem, nos embargos de
terceiro, o instrumento judicial protetivo de sua frao ideal do bem objeto
de constrio de que cotitular para uso exclusivo e perptuo durante
certo perodo do ano.

Nada obstante a inexistncia, em relao ao contrato de multipropriedade


imobiliria, de especfico tratamento normativo e, at mesmo, a intensa divergncia doutrinria
acerca de sua natureza jurdica, o desfecho dado presente causa necessrio porquanto a
questo sobre ser possvel ou no a criao de novo instituto de direitos reais levando-se em
conta a tipicidade e o sistema de numerus clausus , em circunstncias como a dos autos, nas
quais se verifica a superao da legislao em vigor pelos fatos sociais, no pode inibir o
julgador de, adequando sua interpretao a recentes e mutantes relaes jurdicas, prestar a
requerida tutela jurisdicional a que a parte interessada faz jus.

Nesse diapaso, evidencia-se que, na interpretao judicial, como idneo


instrumento jurdico de mudana informal da lei, o Poder Judicirio desempenha papel de
fundamental importncia no s na revelao do sentido e alcance das regras normativas que
compem o ordenamento positivo mas, sobretudo, na conformao da prpria legislao
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infraconstitucional s novas exigncias, necessidades e transformaes resultantes dos processos
sociais e econmicos que caracterizam a sociedade contempornea.

No custa rememorar que o Superior Tribunal de Justia, em expoentes julgados,


assumiu posies que emergiram da conjugao entre a inexistncia de especficas fontes
normativas e as contemporneas realidades sociais, ao refletir, em seu processo de construo
jurisprudencial, o esprito do tempo, como notoriamente ocorreu no tocante ao regime jurdico
do casamento, que sobressai, certamente, como o mais restrito do direito.

Ante o exposto, conheo do recurso especial e dou-lhe provimento a fim de


reformar o acrdo do Tribunal a quo para, reconhecendo procedentes os embargos de terceiro
na hiptese dos autos, pronunciar a insubsistncia da penhora sobre a totalidade do imvel
submetido ao regime de multipropriedade, do qual a embargante, ora recorrente, titular de
frao ideal por conta de cesso de direitos em que figurou como cessionria.

o voto.

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RECURSO ESPECIAL N 1.546.165 - SP (2014/0308206-1)
RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BAS CUEVA
RECORRENTE : MAGNUS LANDMANN CONSULTORIA EMPRESARIAL
LTDA. - ME
ADVOGADA : LVIA PAULA DA SILVA ANDRADE VILLARROEL E
OUTRO(S)
RECORRIDO : CONDOMNIO WEEK INN
ADVOGADO : SEM REPRESENTAO NOS AUTOS
INTERES. : JORGE KARAM INCORPORAES E NEGCIOS S/C
LTDA

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO


(Relator): Senhor Presidente, trata-se de um tema difcil a respeito da natureza
jurdica do timesharing , o Direito Real e o Direito Pessoal. Os dois votos
brilhantes: o voto do eminente Relator um voto perfeito na parte histrica e se
prendendo questo da enunciao, numerus clausus , dos Direitos Reais no
Cdigo Civil; e o voto de Vossa Excelncia, que avana, admitindo a natureza
real e permitindo, inclusive, a proteo.
Com a devida vnia do eminente Relator, acompanho a divergncia. O
voto de Vossa Excelncia faz um avano no sistema brasileiro, na mesma linha
em que j foi apontado tanto pelo Ministro Marco Aurlio Bellizze como pelo
Ministro Moura Ribeiro, admitindo, ento, uma proteo ao timesharing , um
instituto novo e extremamente til socialmente para que se confira segurana
aos adquirentes dessas fraes da propriedade.
Acompanho a divergncia.

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CERTIDO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA

Nmero Registro: 2014/0308206-1 PROCESSO ELETRNICO REsp 1.546.165 / SP

Nmeros Origem: 01597790720088260100 5830020081597791


PAUTA: 26/04/2016 JULGADO: 26/04/2016

Relator
Exmo. Sr. Ministro RICARDO VILLAS BAS CUEVA
Relator para Acrdo
Exmo. Sr. Ministro JOO OTVIO DE NORONHA
Presidente da Sesso
Exmo. Sr. Ministro JOO OTVIO DE NORONHA
Subprocurador-Geral da Repblica
Exmo. Sr. Dr. NVIO DE FREITAS SILVA FILHO
Secretria
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAO
RECORRENTE : MAGNUS LANDMANN CONSULTORIA EMPRESARIAL LTDA. - ME
ADVOGADA : LVIA PAULA DA SILVA ANDRADE VILLARROEL E OUTRO(S)
RECORRIDO : CONDOMNIO WEEK INN
ADVOGADO : SEM REPRESENTAO NOS AUTOS
INTERES. : JORGE KARAM INCORPORAES E NEGCIOS S/C LTDA
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Condomnio em Edifcio - Despesas Condominiais

CERTIDO
Certifico que a egrgia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epgrafe na sesso
realizada nesta data, proferiu a seguinte deciso:
Prosseguindo no julgamento, aps o voto-vista do Sr. Ministro Joo Otvio de Noronha,
divergindo do voto do Sr. Ministro Relator, a Terceira Turma, por maioria, deu provimento ao
recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Joo Otvio de Noronha, que lavrar o
acrdo. Vencido o Sr. Ministro Ricardo Villas Bas Cueva. Votaram com o Sr. Ministro Joo
Otvio de Noronha (Presidente) os Srs. Ministros Marco Aurlio Bellizze, Moura Ribeiro e Paulo
de Tarso Sanseverino.

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