Perspectiva Linear - História PDF
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linear
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PREMBULO
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GNESE E EVOLUO DIACRNICA DA PERSPECTIVA LINEAR
3
dos fenmenos da luz e da viso, no se recorrendo ao timo latino
optice.
Nesta poca, o estudo dos fenmenos da luz e da viso era designado
por perspectiva communis ou naturalis, enquanto a perspectiva
geomtrica realizada pelos homens, mesmo que no pudesse
considerar-se como uma forma de representao geomtrica em
moldes actuais, se chamava perspectiva artificialis1.
Podemos considerar que, actualmente, se encontram condensados na
palavra perspectiva sentidos dos timos mencionados, acrescentando-
se o que, por extenso, adquiriu como cincia, no mbito da
Geometria, que tem a ver com a forma de representao dos objectos,
com rigor geomtrico, atendendo sua posio no espao. No nos
apercebemos do alargamento a sentidos figurados banalizantes.
No entanto, para se precisar o mbito em que nos situamos convm
qualificar esta palavra, pois ela cobre duas grandes reas: por um lado,
a da perspectiva linear, rigorosa, geomtrica ou dos arquitectos; e, por
outro lado, a de perspectiva area, de observao ou artstica, quando
respeitante aos pintores.
Antes de se abordar o tema da perspectiva linear, no parece
despropositado deambular um pouco pelos mbitos de significado que
a palavra j conteve e pelos que ainda mantm.
Apenas para assinalar alguns aspectos da relao que existe entre uma
e outra, extramos elementos da cincia ptica que interessam ao
estudo da perspectiva, visto que os seus princpios se fundamentam nas
leis daquela cincia.
A noo de propagao rectilnea da luz, estabelecida pelas leis da
ptica geomtrica, tem aplicao directa na considerao dos raios
visuais utilizados na perspectiva central, assim como os raios luminosos,
quando se estudam as sombras.
4
Nota-se, no entanto, que a propagao rectilnea da luz verificvel
quando se utiliza, para o seu estudo, um diafragma circular com
dimenses maiores do que as do comprimento de onda da luz.
Se a dimenso do orifcio for da ordem de grandeza do comprimento
de onda da luz, verifica-se que j no se propaga em linha recta, mas
que se difracta, aparecendo no alvo, quando se usa a luz
monocromtica, um sistema de franjas anulares, alternadamente
escuras e brilhantes, a que se chama difraco.
O estudo dos pontos brilhantes interessa Arquitectura, como salienta
Carlos da Silva Pinheiro2.
5
Quando a ptica estabelece que um ponto do plano-focal objecto
tem o seu ponto conjugado no infinito, somos levados a pensar, em
perspectiva, nos pontos de fuga.
Quando se diz que um sistema ptico centrado, de que o olho humano
um exemplo, fica completamente determinado desde que se
conheam os focos e os pontos principais, pensa-se, igualmente, que o
sistema de projeco central tambm fica definido pela posio do
observador, situado no plano neutro, que consideramos equivalente ao
plano focal objecto, e pelo plano do quadro, equivalente ao plano
principal, que contm o ponto principal daquele sistema.
Atravs do estudo, feito pela ptica, sobre o poder de acomodao do
olho humano, so definidas as distncias de viso de objectos
afastados, para olhos normais, bem como a distncia de viso distinta.
Com o msculo ciliar em repouso admite-se que, teoricamente, a
distncia de viso de objectos afastados infinita, mas, na prtica, essa
distncia de 13 m.
Esta noo importa para se escolher, de modo mais adequado, as
posies definidoras do sistema de projeco central.
Outros exemplos, eventualmente mais relevantes, poderiam ser
apresentados para salientar a ntima relao que existe entre a cincia
ptica e a cincia perspectiva e que, em tempos passados, as levou a
considerar como uma s cincia.
Como se viu, a perspectiva comporta, desde a poca clssica, dois
mbitos de significao: aquele que Vitrvio modelou e que respeita
Geometria e Arquitectura, e um outro utilizado por Ccero, para
transmitir a ideia de que dado lugar dispe de uma bela vista
(perspectiva). Qualquer destes conceitos tem interesse do ponto de
vista da arquitectura.
Em sentido figurado, esta palavra coloca-nos na expectativa de um
acontecimento futuro. Ainda neste mbito, inequvoco o interesse na
sua utilizao em arquitectura, pois, muitas perspectivas realizadas
pretendem mostrar o que pode vir a acontecer se os objectos
6
imaginados pelos arquitectos e perspectivados tiverem bom
acolhimento.
Em The New Encyclopaedia Britannica encontramos esta ideia com
foros de maior generalidade nos seguintes termos: A perspectiva linear
tambm desempenha um papel importante nas apresentaes de
ideias dos arquitectos, engenheiros, especialistas de paisagem e
desenhadores industriais, proporcionando a oportunidade para se ver
um produto acabado antes de ser comeado.3
2. Gnese e evoluo
7
referimos. A perspectiva linear, ou dos arquitectos, usa exclusivamente o
trao (linhas rectas ou curvas) para representar todas as formas: linhas,
superfcies e volumes. Esta perspectiva pode ter o ponto de vista do
observador altura que se desejar, para transmitir as noes
pretendidas, e visa produzir uma imagem dos objectos j existentes ou
ainda em concepo. Por vezes, so utilizadas aguadas para vincar a
noo de volume, atravs do claro-escuro.
A perspectiva de observao, ou dos pintores, para alm de ser
realizada no local, relativamente a objectos ou a paisagens existentes,
efectuada mo livre, tem o ponto de vista altura normal do
observador e utiliza a cor para melhor definir proximidades e
afastamentos.
Como diz Pillet no seu Tratado de Perspectiva: Com efeito: a
perspectiva linear tem por objectivo traduzir num desenho uma
concepo que ainda no existe, nisso que de resto difere da
perspectiva de observao. 4
8
at aos elementos de projecto, de que a parte grfica se pode
considerar a mais significativa, h um percurso, de demorada
elaborao, em que as perspectivas podem desempenhar um papel
determinante, pois tm a possibilidade de transmitir mais claramente a
ideia do que se pretende realizar, a quem encomenda uma obra. A
este propsito, refira-se que at ao sculo XIV os documentos de
projecto essenciais eram a planta e a maqueta.
Poderia pensar-se que a maqueta substituiria, com vantagem, todos os
desenhos que compem os projectos, pois permite visualizar uma forma
final, mas tem o inconveniente de no fornecer medidas exactas e de,
ao poder ser apreciada por todos os lados a alturas geralmente
diferentes das normais, no oferecer a percepo real do objecto na
sua localizao especfica.
As perspectivas, que vieram mais tarde a fazer parte dos documentos
de projecto, no apresentam este inconveniente, embora tambm no
permitam medies.
As perspectivas contribuem para precisar noes que possam ter
surgido na fase dos esquissos e para permitir uma elaborao mais
adequada do projecto, atravs do controlo da imagem.
Bruno Zevi reala tambm o valor da imagem ao afirmar que: No h
tratadista,..., que no compreenda como a arquitectura comea no
momento em que se conclui o programa do edifcio, isto , quando o
objecto, neste caso o espao fsico, se torna imagem, e o contedo
social do edifcio se projecta numa interpretao personalizada. 5
5 Bruno Zevi, Architectura in Nuce Uma definio de arquitectura, Lisboa, Edies 70, 1986, p. 62
9
observar um pouco da sua histria, pois, como diz Comte: No se
conhece bem uma cincia enquanto no se conhece a sua histria. 6
Tambm Priestley, considerado pioneiro da histria da cincia, j havia
afirmado: Para facilitar o avano de qualquer ramo da cincia til,
duas coisas se requerem como principais. Primeiro, o conhecimento
histrico do seu aparecimento, progresso e estado actual; depois, um
canal fcil de comunicao de todas as novas descobertas. ...7
2.1. Pr-Histria
6 Prof. A. Amorim da Costa, Introduo Histria e Filosofia das Cincias, Lisboa, Publicaes
Europa Amrica, 1986, p. 19
7 Op. Cit., p. 20
10
perspectiva continua a suscitar. O comentador, arquelogo, disse que
as formas de animais com cabeas em vrias posies, como
actualmente se faz para sugerir movimento, mostram que a perspectiva
nasceu na poca paleoltica.
As pinturas nas cavernas representam mais frequentemente animais. Os
diferentes processos utilizados, associados ao desfasamento no tempo
em que foram feitos nos mesmos locais e com variadas dimenses,
provocaram curiosas sobreposies que poderiam levar a pensar que a
comeou a germinar a ideia da representao tridimensional.
Podem encontrar-se, nas insculturas ou nas pinturas pr-histricas,
animais representados com umas partes de frente e outras de perfil. Esta
circunstncia, a que no seriam estranhas as sobreposies, levou o
abade Breuil a considerar haver j uma intencionalidade no sentido da
perspectiva e, por isso, denominou esta forma de representar de
perspective tortue , que poderemos traduzir por perspectiva bizarra, ou
torcida.
Giedion discorda deste conceito e afirma: Este mtodo de
representao no implica uma perspectiva torcida ou distorcida. No
tem nada que ver com a perspectiva. Significa a representao
simultnea de um objecto de frente e de perfil com a finalidade de fixar
o seu verdadeiro carcter da forma mais clara.8
11
essencialmente, a conceitos de hierarquia social e moral, que nada tem
a ver com as dimenses reais do representado.
Nas pinturas a fresco das casas de Pompeia, para alm das rectas
oblquas, para criar a noo de tridimensionalidade, pode observar-se a
existncia de um eixo vertical onde vai convergir grande parte das
rectas que so perpendiculares ao quadro.
A figura 8 mostra-nos essa convergncia de forma muito visvel. No
entanto, encontramo-nos ainda longe do ponto nico onde convergem
todas as rectas.
O referido eixo vertical, considerado como eixo de fuga, foi uma
constante em muitas das representaes da Antiguidade Clssica,
12
como bem assinala Erwin Panofsky na sua obra A Perspectiva como
forma simblica : Este princpio da espinha de peixe, ou dito de uma
maneira mais elaborada, o princpio do eixo de
Fig. 1 Fig. 2
Fig. 3 Fig. 4
13
Fig. 5 Fig. 6
9 Erwin Panofsky, A Perspectiva como Forma Simblica, Lisboa, Edies 70, 1993, p. 40
10 Op. Cit.., p. 44
14
Os gregos consideravam que a arte de ver bem, e de julgar as
dimenses dos objectos, bem como as sensaes transmitidas por estes,
atravs da viso, se integravam numa cincia que designaram por
ptica.
Demorou bastante tempo para que se estabelecesse a diferena entre
ptica e perspectiva, isto , entre o estudo dos fenmenos relacionados
com a viso e a luz e o estudo da representao geomtrica de
objectos de forma a transmitir a noo de tridimensionalidade.
Como se disse, ainda no princpio da Idade Mdia era usada a palavra
perspectiva para designar a cincia ptica. A abertura em dois ramos
desta cincia deve ter contribudo para algum atraso no
desenvolvimento da perspectiva como cincia.
So do sculo V a. C. Dois gemetra que estudaram e utilizaram a
perspectiva para a representao em suporte plano: Polignoto, que
demonstra j um propsito de representao em profundidade, que
muito se aproxima das representaes feitas atravs de rectas
projectantes paralelas, actualmente designadas por axonometria, e
Agatarcus, que se diz ter estudado as leis da perspectiva para pintar os
cenrios das peas de squilo.
Vitrvio, autor de Os dez livros de Arquitectura , atribui a Agatarcus o
descobrimento da perspectiva, ainda que com um aspecto algo
intuitivo: Ele foi quem pela primeira vez, enquanto squilo fazia
representar em Atenas as suas tragdias, pintou as decoraes; e disso
nos deixou um tratado. Ensinados por Demcrito e Anaxgoras
escreveram sobre o mesmo tema fixando a doutrina de como
marcando um centro num lugar escolhido, preciso que as linhas
respondam segundo uma lei natural direco da vista e
propagao dos raios para que umas imagens determinadas de uma
coisa indeterminada representem nas decoraes de um cenrio o
15
aspecto de edifcios, e que objectos que esto pintados sobre planos
paream afastar-se nuns stios e aproximar-se noutros.11
Os gregos foram os grandes iniciadores, ou, pelo menos, os principais
impulsionadores do estudo da Geometria como cincia e, na opinio
de Bertrand Russell, a geometria grega teve grande influncia na
filosofia e no mtodo cientfico, pois, comeando por axiomas
considerados evidentes, chega a teoremas que esto longe de ser
evidentes. deste filsofo e matemtico a seguinte afirmao: A
geometria, em especial inveno grega sem a qual a cincia
moderna teria sido impossvel. 12
Sendo a perspectiva uma parte especfica da cincia geomtrica no
parece ousada afirmar que o aperfeioamento do estudo da
representao em pintura e em arquitectura, at se atingirem os
conhecimentos que as leis da perspectiva hoje proporcionam, est
ligado ao desenvolvimento cultural e cientfico do Ocidente.
Para os gregos, a geometria, tal como a aritmtica, era considerada
matria de razo pura, mas, porque ligada ao espao, tinha que situar-
se no mundo sensvel.
Por este motivo os objectos da geometria tm que ser trazidos do plano
ideal para o mundo sensvel e, assim, segundo a teoria platnica, a
geometria, circunscrita ao mundo da aparncia, no pode atingir a
verdade ltima.
11 Marco Polio Vitrvio, The Ten Books on Architecture, Translated by Morris Hichy
Morgan, New York, Dover Publications , Inc. 1 Edio, 1914, presente edio, 1960,
Book VII, p. 198
12 Bertrand Russell, Histria da Filosofia Ocidental, 1 vol., Lisboa, Crculo dos Leitores, 1977,
p.43
16
Fig. 7
Fig. 8 Fig. 9
Fig. 10
17
Fig. 8 Pintura de um cenrio teatral, em Pompeia, onde se pode observar o eixo
vertical, onde convergem pares de rectas perpendiculares ao Plano do
Quadro.
Fig. 9 Vaso Grego onde se v a representao de um pequeno templo,
representado em Axonometria.
Fig. 10 Pintura do interior de uma Villa Maritima, em Pompeia.
18
Pode dizer-se, em termos genricos, que os povos que mais cedo
adoptaram hbitos sedentrios se dedicaram mais ao estudo da
natureza e da geometria e, no que concerne representao, dando
preferncia s formas naturalistas, tiveram de defrontar-se com os
problemas da perspectiva. Por outro lado, os povos nmadas preferiram
a representao de carcter abstracto, no tendo necessidade de se
ocupar com estes problemas.
Estas caractersticas podem contribuir para uma explicao das
paragens que ocorreram nos estudos de geometria e perspectiva,
consequentes das sucessivas invases de brbaros , desde os que
implantaram o Imprio Romano at aos que determinaram a sua
queda.
De facto, os romanos assimilaram a cultura grega, mas no a
ultrapassaram, e facto semelhante acontece com os brbaros que
puseram fim ao Imprio Romano, e que, no longo perodo da Idade
Mdia se ocuparam mais em reorganizar a sociedade, entretanto
desfeita, e em consolidar o poder, no dando prioridade significativa
cincia.
Da Antiguidade Clssica, mas mais conhecido a partir do
Renascimento, temos a obra do arquitecto romano Marco Pollio
Vitrvio, do sc. I a. C., Os dez livros da Arquitectura , obra que
considerada, pelo menos em parte, como uma compilao dos
conhecimentos gregos, que exerceu prolongada influncia e onde so
j aflorados aspectos relacionados com a perspectiva.
Poderia especular-se que existia j, se no um corpo estruturado de
princpios para a representao tridimensional, pelo menos, um
conjunto de regras que permitiam uma representao com
aproximao realidade.
No entanto, e apesar do que este autor escreveu e das pinturas
encontradas nas casas de Pompeia, nada nos permite concluir que
houvesse j uma sistematizao de conhecimentos que dessem corpo
perspectiva como cincia.
19
Ludovico Quaroni, na sua obra Proyectar un Edifcio, Ocho Lecciones
de Arquitectura pe em causa o facto de os pintores antigos terem
conhecimentos estruturados no que diz respeito perspectiva: Os
antigos, se conhecessem os sistemas de reduo perspectiva valer-se-
iam deles, principalmente para pintar cenrios teatrais e codificariam as
suas leis numa disciplina distinta da ptica, a cenografia.14
Esta afirmao no parece harmonizar-se com a transcrio que se fez
de um trecho de Vitrvio, mas tal poder dever-se ao facto de o
conceito de antigos se situar em poca mais remota do que a
correspondente aos conhecimentos transmitidos por Vitrvio ou de no
poder confirmar-se, dada a inexistncia dos suportes onde,
eventualmente, teriam sido pintados os cenrios por este referidos.
20
tambm, um regresso sobreposio de figuras, lembrando a Pr-
Histria, a par da introduo da composio radiante.
A crise iconoclasta, que se desenrolou do sc. V ao sc. IX, remeteu
para um plano secundrio as figuras sagradas, por ser condenado o
culto das imagens.
Esta circunstncia foi acentuada pela influncia rabe e a sua averso
representao de figuras.
Fig. 10 Fig. 11
21
Fig. 12 Fig. 13
Fig. 10 Iluminura do Evangelirio de Rabula, Mosteiro de Zagba, cerca do ano de
586.
Fig. 11 Das Bblias de Carlos o Calvo, Representao da Ascenso e do
Pentecostes.
Fig. 12 Igreja dos Santos Apstolos de Constantinopla, a Ascenso representada
nesta miniatura, pertence s Homlias do Monge Jacob, sculo XII.
Fig. 13 Escultura Romnica, pormenor do Juzo Final, tmpano ocidental, Catedral
De Autun, 1130-35.
22
Do final desta poca, J. Sainz, em El Dibujo de Arquitectura refere
que: Durante a Idade Mdia os tratados sobre construo estavam
tambm ilustrados com exemplos. Os mais conhecidos so o Buchlein
von der Fialen Gerechtigkeit, de Matthias Rriczer, e o Fialenbchlein,
de Hans Schmuttermayer, ambos realizados cerca de 1486.15
Desta transcrio no se pode extrair que fossem includos desenhos em
perspectiva.
O desenvolvimento da arquitectura romnica e os primeiros passos do
gtico, a par das tentativas graduais realizadas na escultura, apontam
para o retomar da tridimensionalidade, muito trabalhada na
Antiguidade Clssica, conceito a que E. Panofsky, na obra citada, d
relevo: Se a pintura romnica reduziu da mesma forma e com igual
determinao corpos e espaos a espaos e superfcies, conseguiu
pela primeira vez e atravs das mesmas atitudes, firmar a
homogeneidade dos corpos e do espao.16
E A arte do gtico primitivo, ir diversificar esta massa em formas
quase fsicas. No h dvida de que este renascer de percepo da
existncia do corpo pode ser interpretado como uma espcie de
reaproximao Antiguidade. 17
23
Com os renascimentos ocorridos nos sculos IX, XII e XIV, assiste-se a um
retorno ao sentido plstico da poca clssica e, j no tempo de Carlos
Magno, como reaco ao amorfismo iconoclasta, os modelos, tomados
do Imprio Romano, so novamente figurativos com a correspondente
recuperao do relevo na escultura.
Fig. 14 Fig. 15
Fig. 16
24
Fig. 15 Desenho de Villard de Honnecourt, representando a Capela do Coro da
Catedral de Reims vista pelos seus interior e exterior.
Fig. 16 Incises na parede lateral da Igreja dos Jernimos, prximo do transepto.
Podem aperceber-se claramente desenhos de curvas e flores.
25
Embora existam poucos documentos escritos podemos considerar que
os templos construdos, ainda existentes, so verdadeiros tratados e no
apenas no sentido literrio resultante do seu estudo, pois alguns mestres
deixaram expressa na pedra a sua ideia sobre dados passos da
construo, como pode observar-se na parede lateral esquerda,
prximo do transepto, no interior da Igreja de Santa Maria de Belm.
20
Op. Cit., p. 74
21
Everard M. Upjohn / Paul S. Wingert / Jane G. Malher, Histria Mundial da Arte, (6 vol.), Vol. N
3, Oxford, Oxford University Press, 1975, Livraria Bertrand, 1975, p. 46
26
No final da Idade Mdia comeou o estudo da arquitectura do
passado atravs de vistas , trabalhos feitos com construo visual
intuitiva e com sentido pictrico.
Fig. 17 Fig. 18
Fig. 19
27
Fig. 18 Lorenzetti Pormenor da Pala da Beata Humildade, Galleria Degli Uffizi em
Florena.
Fig. 19 Giotto A Prdica Diante de Honrio III. Nesta representao alguns
elementos transmitem j uma noo de perspectiva, que no est ainda no
entanto sistematizada, como se observa na base do trono, representado
em axonometria.
28
O estudo da passagem das trs dimenses do espao para as duas
dimenses do plano de suporte grfico explorou vrios caminhos e deu
origem a trs sistemas principais de representao: a projeco
ortogonal, ou sistema didrico; a projeco central, ou perspectiva
linear e a projeco paralela, ou axonometria. O primeiro exige um
maior nvel de abstraco ao que o executa e ao destinatrio,
enquanto os outros se tornam mais acessveis aos destinatrios.
difcil situar no tempo o nascimento de cada um destes sistemas, pois,
o percurso feito at sua elaborao num sistema estruturado de leis
geomtricas longo e, muitas vezes, descontnuo.
O sistema didrico, por exemplo, a que Vitrvio j faz referncia de
utilizao, pode reflectir conhecimentos gregos e parece vir associado
ao sistema de projeco central, como pode inferir-se de um texto de
Vitrvio: As espcies da disposio, chamadas em grego ideias, so o
traado em planta, em alado e em perspectiva, (iconografia,
ortografia e cenografia), planta (iconografia) um desenho em
pequeno, feito a escala determinada com compasso e rgua, que
serve directamente para o traado da planta sobre o terreno que
ocupar o edifcio. O alado, (ortografia) uma representao em
pequeno e um desenho ligeiramente colorido, da fachada e da sua
figura em elevao, com as correspondentes medidas, da obra futura.
A perspectiva (cenografia) um desenho sombreado no s da
fachada, mas tambm de uma das partes laterais do edifcio, pelo
concurso de todas as linhas visuais num ponto.22
22
Marco Polio Vitrvio, the Ten Books on Architecture, Book I, cap. II (3), p. 14
29
Depois de prolongada experimentao foram estabelecidas e
sistematizadas, no fim do sc. XVIII as leis do sistema didrico a que G.
Monge (1746 - 1818) denominou
Geometria Descritiva. Foi o interesse da sua aplicao ao campo
industrial que determinou a sua constituio em base cientfica, mais
destinada ao estudo pormenorizado de peas industriais do que ao
estudo de edifcios.
30
Fig. 21 Rafael A Escola de Atenas, perspectiva centralizada, com elementos
arquitectnicos 1510 11, Pintura a fresco, Stanza della Segnatura, Palcio
do Vaticano, Roma.
31
Os fundamentos da Geometria Descritiva so descritos principalmente
no seu tratado sobre as propores humanas De Symmetria Partium in
Rectis Formis Humanorum Corporum Libri , 1528.24
32
A perspectiva definida por Gino Loria, em Storia della Geometria
Descrittiva como sendo: Arte de representar os objectos sobre um
quadro de forma a conservarem o aspecto exterior, e costume dividi-
la em duas partes: a perspectiva linear a qual ensina a determinar
racionalmente os raios visuais; e a perspectiva area que d a cada
ponto da representao a cor que lhe compete. 27
27 Op. Cit., p. 80
33
Fig. 22 Filipe Brunelleschi Costruzione Legittima
34
Dos olhos. Ao que parece Brunelleschi cobriu o painel com prata para
obter um efeito de espelho.28
35
dirigidos para o objecto, dando a este mtodo o nome de Costruzione
Legittima .
Erwin Panofsky, em Renascimento e Renascimentos na Arte Ocidental
, comenta: Esta construo geomtrica exacta, que foi inventada
segundo todas as probabilidades por Fillipo Brunelleschi, cerca de 1420,
e transmitida por Alberti, com modificaes, mais de processo do que
de substncia, ainda se funda em duas premissas aceites como
axiomticas, tanto na ptica clssica como na medieval: com a
primeira que a imagem visual produzida por linhas rectas (raios visuais)
que estabelecem a ligao do olho com o objecto visto
(independentemente de pensar que esses raios proviriam do olho, do
objecto ou de ambos). 30
E, acerca da preocupao de Alberti sobre a forma de executar a
perspectiva, julga que: Alberti comeou no pelo plano de terra e o
alado do objecto ou objectos, mas pela organizao da prpria
execuo da perspectiva, em que as figuras e as coisas tinham de ser
dispostas sobre um plano em recesso concebido como uma srie de
quadrados sucessivamente subdivididos maneira de um tabuleiro de
xadrez, num certo nmero de quadrados mais pequenos.31
A Costruzione Legittima foi utilizada tambm por Paolo Ucello, que a ela
se refere no seu tratado De Prospectiva Pingendi , bem como por
todos os artistas do Renascimento e considerada durante todo o sc.
XVI como a nica forma de bem representar em perspectiva.
Fig. 24 Fig. 25
Fig. 26
37
Leonardo da Vinci (1452 - 1519), utilizou um painel de vidro onde
decalcou as linhas definidoras dos edifcios reflectidos e conseguiu,
assim, reproduzir todas as distores visuais criadas pela distncia e pelo
ngulo (as convergncias das rectas perpendiculares ao quadro),
fazendo as coisas (objectos ou edifcios) diminurem de dimenso
medida que a sua distncia ao quadro aumentava.
38
Segundo Gino Loria, na obra citada: A perspectiva das linhas visuais
provam que o segundo objecto menor do que o primeiro, o terceiro
do que o segundo, e assim sucessivamente, de grau em grau at ao
limite das coisas que se vem.32
Deve-se a Giacomo Barozi, dito Vignola, (1507 - 1573), a simplificao
do mtodo da Costruzione Legittima, atravs da descoberta dos pontos
de distncia inteira, ou pontos de fuga das rectas a 45.
32
Gino Loria, Storia della Geometria Descrittiva dalle origini sino ai giorni nostri, p. 9
39
Fig. 31 Albrecht Durer Gravura Der Zeichener des Liegenden Wiebes
1538 Representao do Perspectgrafo, colocao do
Observador, da figura a desenhar e da localizao dos pontos de
distncia inteira.
40
Em Los Tratados de Arquitectura de Alberti a Ledoux , livro
coordenado por Dora Wiebenson, encontra-se uma desenvolvida lista
de trabalhos realizados no perodo mencionado em ttulo, relacionados
com a perspectiva, e com comentrios dos intervenientes na
elaborao do livro. Desses comentrios extraem-se alguns
apontamentos de interesse para o nosso objectivo.33
Assim, diz-se que Jan Van Dyck (1385 - 1440), embora no tenha escrito
nenhum tratado conhecia e aplicava o conceito de ponto de fuga de
rectas paralelas; a Simon Stevin (1548 - 1620) deve-se-lhe o conceito de
restituio perspctica; Guido Ubaldo del Monte (1545 - 1607), no seu
livro Perspectivae Libri Sex , aparecido em 1600, demonstrou que a
perspectiva de um sistema de rectas paralelas um feixe de rectas
concorrentes, facto anteriormente constatado, mas ainda no
demonstrado; Ferdinando Galli Bibiena (1657 - 1743), em L Architettura
Civile Preparate su la Geometria, e Riditta alle Prospettiva , de 1711,
refere a Veduta per Angolo, que vai substituir a perspectiva central
herdada da pintura renascentista.
33
Dora Wiebenson, Los Tratados de Arquitectura de Alberti a Ledoux, Madrid, Editorial Blume, 1
edio espanhola 1988
41
Fig. 34 Giovanni Galli Bibiena Composio para cenrio,
Perspectiva oblqua de Ptios Reais.
42
A Guido Ubaldo del Monte deve-se, tambm, uma teoria geral para a
geometria projectiva, a qual apresenta pela primeira vez projeces
sobre superfcies cilndricas, que esto na origem das perspectivas
panormicas.
A este propsito diz-nos a Grande Enciclopdia Portuguesa e Brasileira:
O fundador da perspectiva terica foi Ubaldo del Monte (1545-1607),
podendo dizer-se que desde ento a perspectiva s careceu de
aperfeioamentos de ordem prtica, pela simplificao de alguns
traados, e de ordem terica, pela sua ligao s ideias mais gerais da
Geometria projectiva.34
34
Grande Enciclopdia Portuguesa e Brasileira Vol. XIXI, Lisboa / Rio de Janeiro, Editorial
Enciclopdia, Limitada, s/d , p. 414
35
Enrique B. Minguet, Perspectiva Cnica, Valncia, Publicao do Autor, 1985, p. 13
43
Fig. 36 - Diego Velsquez Las Nins, Museu do Prado.
44
Fig. 37 Giovanni Battista Piranesi Carceri, 1760
Perspectiva fantstica do interior de uma priso.
45
At agora fizemos referncia somente a quatro tipos de perspectiva: a
perspectiva de observao; a perspectiva linear, a perspectiva
axonomtrica e a anamorfose. No entanto, no se esgota aqui o seu
campo de interveno, conforme veremos seguidamente.
3. Tipos de perspectiva
47
Fig. 38 M.C.Escher Perspectiva cilndrica de escadas.
48
Na perspectiva esfrica considera-se o ponto de vista situado no interior
de uma esfera, cuja superfcie interior o quadro, que depois se
projecta sobre um plano.
O campo visual abrange uma amplitude de 180.
A grande vantagem da representao em perspectiva esfrica consiste
em conseguir integrar no plano do quadro todos os aspectos
compreendidos no horizonte visual.
Fig. 40 Fig. 41
49
3.3. Anamorfoses
38
Jules Pillet, Trait de Strotomie - Charpente et Coupe de Pierres, Paris, Librairie
Scientifique Albert Blanchard, 1923, p. 10
50
J. F. Niceron foi um dos autores que se dedicou ao estudo das
anamorfoses, tendo escrito um livro sobre este assunto, intitulado
Perspectiva curieuse .
51
So assim designadas as perspectivas em que se considera que a viso
do observador se afastou para o infinito.
A representao feita segundo convenes que so puramente
geomtricas, tal como se pode referir o caso dos ngulos dos eixos
triortogonais com o plano onde se projectam os mesmos.
As perspectivas de convenincia, ou perspectivas rpidas, assim
designadas porque podem ser feitas mo, desde que estejam
definidos os parmetros necessrios (ngulos de fuga e coeficientes de
reduo), dividem-se em dois grupos:
- O que realizado atravs de rectas projectantes ortogonais: isometria,
dimetria e trimetria;
- O que usa rectas projectantes oblquas: representao cavaleira e
militar.
53
4. Mtodos utilizados em perspectiva linear
54
Pillet orienta-nos quanto s caractersticas que devem ter os mtodos
empregados em perspectiva assinalando especialmente que estes
mtodos devem ser concebidos para que os traados a executar se
confinem o mais possvel dimenso do quadro e que sejam a
traduo, em imagem, daquilo que se executar no espao.
Salienta, ainda, a escala em que deve trabalhar-se bem como o facto
de que os mtodos a usar devem ter relao com os mtodos do
desenho vista.
55
quando nos referimos a um procedimento tipificado para a resoluo
de um problema em perspectiva.
Iremos iniciar esta abordagem focando, essencialmente, aqueles que
fornecem contribuies para a realizao de uma perspectiva e, em
seguida, os que, globalmente, permitem esta construo.
Assim, seleccionamos, como mtodos auxiliares, aqueles que pela sua
simplicidade e eficcia, contribuem para a elaborao de uma
perspectiva.
56
Fig. 45 Mtodo da corda do arco, e determinao das rectas de igual resseco.
57
As figuras anteriores ilustram a utilizao do mtodo da corda do arco e
da sua aplicao construo de objectos tridimensionais, sem a
densificao do desenho com muitos traados.
58
Era, pois, de todo o interesse a determinao de rectas ortogonais entre
si, o que se obteve utilizando o mtodo das rectas perpendiculares, isto
, a determinao do ponto de fuga de rectas perpendiculares entre si.
59
Fig. 49 Perspectiva de uma circunferncia tangente ao
Plano Neutro.
61
Consiste em seccionar a esfera com planos de nvel que proporcionam
crculos horizontais em perspectiva.
O conjunto dos diversos crculos horizontais, unidos por um crculo
envolvente, permite transmitir a ideia da curvatura da esfera.
Da conjugao dos dois ltimos mtodos obtm-se uma expresso mais
rigorosa da representao da esfera.
Na representao de esferas, cpulas semiesfricas e outras superfcies
curvas, empregam-se estes mtodos.
62
Fig. 52 Definio d perspectiva de uma pirmide, atravs do mtodo da Costruzione
Legittima.
63
Fig. 53 Representao de uma pirmide utilizando dois pontos de fuga.
64
Fig. 54 Prisma e pirmides representados atravs do mtodo da planta e do alado.
65
Perspectiva com pontos de distncia inteira
66
Foi utilizado quando existia um nmero significativo de figuras que
continham rectas a 45, como no caso de diagonais de quadrados
paralelos ao plano do quadro.
Perspectiva central
67
foi adoptada para desenhar as abbadas e cpulas vistas pelo seu
intradorso, bem como para a representao de conjuntos de espaos
interiores de monumentos.
Mtodo do corte
68
Fig. 59 - Perspectiva de dois slidos utilizando o mtodo do Corte.
69
Fig. 60 Desenho perspectivado de pirmides, utilizando o mtodo
da transposio da Linha de Terra.
70
Fig. 61 Restituio do ponto principal e dos pontos de distncia inteira.
71
Fig. 61 Painel de azulejo existente na sala de aula n 106 do claustro da
Universidade de vora, onde se procurou definir o ponto principal, a linha do horizonte,
e onde saliente que as rectas paralelas entre si e perpendiculares ao quadro, no
convergem no mesmo ponto.
73
Podemos estabelecer agora uma outra aproximao da perspectiva
com a linguagem. A perspectiva, cujos conhecimentos comearam a
ser sistematizados a partir do sc. XVI e que chegou at ns, com todos
os aperfeioamentos, pela via erudita e a (anti-perspectiva) vinda pela
via popular e que s no aspecto figurativo parece simular a perspectiva.
6. Concluso
74
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