Fé e Razão
Fé e Razão
Fé e Razão
St. Augustines reflections on the relationship between faith and reason leave as a
legacy to the Middle Ages an intellectual program that the medieval thinkers will
develop. The meaning of faith and reason in St. Augustine goes on to its target, the
search for the truth (if it can be achieved or not) and understanding of revelation.
Then comes the explanation of the passage from Genesis 1:26, just as God is Trinity,
the essence of the soul is Trinitarian (memory, intelligence, intention). In conclusion,
the article talks about the possession of truth.
KEYWORDS: Faith, Reason, Spirit, Truth, God, Happiness.
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1
Por volta de 180 em Alexandria, Panteno, um estoico convertido ao cristianismo, funda
uma escola catequtica que ter como expoentes mximos Clemente e Orgenes. Cf.
REALE, G.; ANTISERI, D. Histria da Filosofia I, So Paulo: Paulus, 1986, p. 411.
2
Cite-se por exemplo: Bocio, Santo Anselmo, Pedro Abelardo, Santo Toms de Aquino,
Guillherme De Ockham.
3
A f pode ser recusada ou no pelo livre-arbtrio da vontade. No entanto ela funda-
mental para se alcanar a beata uita. De trinitate, (XIII, XX, 25): Todos os homens
querem ser felizes, mas nem todos possuem f, atravs da qual o corao se purifica e se
chega felicidade. Beatos esse se uelle, omnium hominum est: nec tamen omnium est
fides, qua cor mundante ad beatitudinem peruenitur.
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***
Em Santo Agostinho o termo ratio possui diversos significados. Algumas
vezes a razo dividida em duas: ratio superior e inferior. Quando Santo
Agostinho fala em ratio superior refere-se funo mais elevada da alma,
que a de apreender as verdades inteligveis. Os termos intellectus e
intellegentia so empregados tambm como sinnimos de ratio superior.
Por outro lado, a ratio inferior sempre remete apreenso e elaborao do
conhecimento ligado realidade sensvel (cincia).
4
Quare vide, obsecro, utrum aliquid invenire possis, quod sit in natura hominis ratione
sublimius? Nihil omnino melius vdeo; De libero arbitrio II, VI, 13, p. 239.
5
Ratio est mentis motio, ea quae discuntur distinguendi et connectendi potens. De
ordine, II.
6
Crede ut intelligas, intellige ut credam; Sermo 43, VII.
7
Intellectus merces est fidei; Iohannes Evangelium tractatus XXIX, 6.
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Pode ser a ratio no sentido do conhecimento resultante da atividade da ratio superior,
mas nesse caso Agostinho no costuma empregar esse termo, quando se trata do conhe-
cimento das verdades divinas.
9
GILSON, E. Introduction l'tude de Saint Augustin, Paris: Vrin, 1982, p. 41.
10
De ciuitate dei, XI, 3.
11
Cf. De utilitate credendi, XII, 26.
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Quanquam et ipsum credere, nihil aliud est, quam cum assensione cogitare; De
praedestinatione sanctorum II, 5.
13
De trinitate XIII, II, 5: Sed ita dicitur eadem credentium fides una quemadmodum
eadem uolentium uoluntas una ...
14
Sobre este tema ver HOLTE, R. Beatitude et Sagesse, Paris: tudes Augustiniennes,
1962, cap. I.
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A questo da interao entre essas etapas e os fatores que a influenciam liga-se
debatida relao do livre-arbtrio da vontade e da graa, que no ser esmiuada aqui.
Ver SRVULO DA CUNHA, M. P. O Movimento da Alma, cap. II, Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2001.
16
De civitate Dei, VIII, 10.
17
A respeito desse tema ver MADEC, G. Saint Augustin et la Philosophie, Paris: Institut
dtudes Augustiniennes, 1996, p. 15-25.
18
Quis enim non videat, prius esse cogitare quam credere? ....sed cogitat omnis qui
credit, et credendo cogitat, et cogitando credit; De praedestinatione sanctorum, II, 5.
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Do ponto de vista de correo terminolgica seria preciso empregar aqui inteligir, mas
esta uma palavra que no est incorporada ao nosso lxico e no nada eufnica.
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H razes para crer; uma delas ser razovel, no confiar apenas na razo.
Outra: a f no um fim em si mesmo, mas deve conduzir inteleco21.
A f, em si mesma, tambm pode se extraviar22. Ambos os termos so
indissociveis no percurso rumo verdade.
20
Essa traduo seria conforme a verso dos Setenta.
21
Haec est autem vita aeterna ut credant; sed, haec est, inquit, vita aeterna ut cognoscant
te solum Deum verum, et quem misisti Jesum Christum; De libero arbitrio, II, 2, 6.
22
No qualquer f que Deus pede, mas a que age segundo a caridade (Gl 5,6).
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A busca da Verdade
O cogito agostiniano 25
A busca da verdade pela via f-razo confronta-se com o ceticismo. Contra
suas investidas o ato da f que se ope a ele e a prpria afirmao do
sujeito pensante (o reconhecimento da existncia da verdade se d a partir
do reconhecimento indubitvel da existncia do sujeito pensante). Isto , a
certeza da verdade fundamenta-se na existncia do sujeito existente, vi-
vente e pensante. Ningum pode pr em dvida os dados imediatos da
conscincia:
Quem duvidar que vive, que recorda, que entende, que quer, que pensa,
que sabe e que julga? Pois, se duvida, vive; se est em dvida acerca daqui-
lo de que duvida, lembra-se (ou tem conscincia disso); se duvida, sabe que
23
GILSON, E. El Espritu de la Filosofa Medieval, Buenos Aires: Emec, 1952, p. 16.
24
Confisses 8, 15.
25
O cogito agostiniano, diferentemente do cogito cartesiano (cogito ergo sum), insere-se
no contexto da busca da inteleco de Deus, revela a verdade, enquanto o cogito cartesiano
revela, por assim dizer, o ser humano e o itinerrio a ser seguido na fundamentao do
conhecimento, antes de mais nada, a busca das ideias claras e distintas.
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No fim de sua vida, nas Retractationes (I, II), Santo Agostinho se auto-
censura por ter escrito no De beata uita (tambm um dilogo de juventu-
26
De trinitate X, X, 14.
27
De ciuitate dei XI, 26.
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Em Isaas (55, 6) l-se que Deus pode ser encontrado quando invocado.
Mas, diz Santo Agostinho, se o que buscado pode ser encontrado, por
que disse o salmista Buscai sempre a face dele ? Acaso tambm o que se
encontra deve ser buscado? Na verdade, assim que se devem procurar
as coisas incompreensveis. "Pois as coisas incompreensveis devem ser
buscadas de tal modo que no estime nada ter encontrado aquele que
pode encontrar quo incompreensvel aquilo que se buscava"29.
O enigma
28
A felicidade temporal antecede a felicidade plena que reservada vida eterna e
viso face a face de Deus.
29
De trinitate. XV, II, 2: Sic enim sunt incomprehensibilia requirenda ne se existimet
nihil inuenisse qui quam sit incomprehensibile quod quaerebat potuerit inuenire.
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A obra De trinitate pode basicamente ser dividida em duas partes: uma pretende
demonstrar a verdade da Trindade pelas Escrituras, a outra se prope explic-la atravs
do intelecto.
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31
As similitudes trinitrias encontradas na alma, que Agostinho apresenta no De trinitate,
so as seguintes:
- amans, amatus, amor (VIII, X, 14);
- mens, notitia (sui), amor (sui) (IX, IV, 4);
- memoria, intellegentia, uoluntas (X, XI, 17);
- res, uisio, intentio (XI, II, 2);
- memoria, interna uisio, uoluntas (XI, III, 6);
- scientia (fidei), cogitatio, uoluntas (XIII, XX, 26);
- memoria Dei, intellegentia Dei, amor Dei (XIV, XII, 15).
Sobre uma exposio das imagens trinitrias na alma ver Introduo Trindade em
Santo Agostinho, Dissertao de Mestrado de Mariana P. Srvulo da Cunha, Universi-
dade Estadual de Campinas, 1995.
32
Cf. MARROU, H. Le dogme de la rsurrection des corps et la thologie des valeurs
humaines selon lenseignement de saint Augustin. Revue des tudes Augustiniennes, n.
12, p. 130, 1966.
33
A temtica da pessoa vincula-se individuao (por exemplo, na beata uita o ser
humano inteiro que chega a reaver pela ressurreio seu prprio corpo unido alma), que
uma singularidade do cristianismo em relao ao pensamento grego (onde no h a
garantia da individuao, pois a alma emanao) e ao orientalismo, por exemplo, onde
h uma dissoluo e integrao da pessoa no nirvana (sobre o tema do nirvana ver
LAMBERT, Y. La naissance des religions. Paris: Armand Colin, 2007, p. 290; 456).
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Literatura secundria:
REALE, G.; ANTISER, D. Histria da Filosofia I, So Paulo: Paulus, 1986.
GILSON, . Introduction ltude de Saint Augustin, Paris: Vrin, 1982.
________. El Espritu de la Filosofia Medieval, Buenos Aires: Emec, 1952.
LAMBERT, Y. , La naissance des religions, Paris: Armand Colin, 2007.
MADEC, G. Saint Augustin et la Philosophie , Paris: Institut dtudes
Augustiniennes, 1996.
MARROU, H. Le dogme de la rsurrection des corps et la thologie des valeurs
humaines selon lenseignement de Saint Augustin, Revue des tudes
Augustiniennes, v. 12 , p 111-136, 1966.
SRVULO DA CUNHA, M. P. O Movimento da Alma, Porto Alegre: PUCRS, 2001.
________. Introduo Trindade em Santo Agostinho, Dissertao de Mestrado,
Universidade Estadual de Campinas, 1995.
HOLTE, R.. Batitude et sagesse: Saint Augustin et le problme de la fin de lhomme
dans la philosophie ancienne, Paris: tudes Augustiniennes, 1982.
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