O Diabo - Ser de Papel e Tinta PDF

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XII Congresso Internacional da ABRALIC 18 a 22 de julho de 2011

Centro, Centros tica, Esttica UFPR Curitiba, Brasil

O Diabo: ser de papel e Tinta!


Prof. Dra. Salma Ferrazi (UFSC)
...

Resumo:
No presente artigo pretendemos dar uma viso geral das obras nas quais o Diabo aparece como
protagonista.

Palavras-chave: Literatura Comparada, Teopotica, Diabo, fico, prosa.

1 Da serpente do Gnesis ao Drago do Apocalipse


Ele j foi representado, no Primeiro Testamento, como serpente enganadora que tentou
nossa pobre me Eva (Gnesis), Bode Expiatrio enviado ao deserto para morrer (Levtico),
Esprito Mentiroso enviado por Deus, para falar atravs da boca dos profetas do Rei de Israel,
Acabe, e assim engan-lo e conduzi-lo morte (Reis), trabalhando sob o comando e a servio de
Deus (J), aplicando ao justo aquilo que j foi chamado de teologia de sofrimento.
Segundo o profeta Isaas, ele foi a soberba Estrela da Manh que subiu to alto aos cus e na
queda precipitou-se no abismo; na viso de Ezequiel, formoso e orgulhoso querubim da guarda
ungido, perfeito em todos os caminhos at ser nele encontrado iniquidade. Ele pouco aparece, j
que, nos livros dos Hebreus, o bem e o mal praticamente procedem exclusivamente de Jeov.
Estamos falando de Lcifer, Satans, o calcanhar de Aquiles de Deus!
No Segundo Testamento, ele entra triunfalmente pela pena do Evangelista Mateus como um
tentador meio ingnuo no episdio da tentao de Jesus no deserto. Na medida em que se
desenvolvem os Evangelhos que so tentativas biogrficas da vida do profeta Nazareno Jesus ,
sua fama aumenta a cada pgina do Livro dos cristos. Os demnios que possuram os
endemoniados de Gadara talvez possam ser denominados como os primeiros genuinamente cristos,
uma vez que foram eles quem primeiro reconheceram Jesus como Filho de Deus: Que temos ns
contigo, filho de Deus!. (Mt 8: 29). Jesus, por sinal, dialoga com eles aceitando sua sugesto de
expeli-los para uma manada de porcos.
O exorcista Jesus foi acusado pelos fariseus de estar endemoniado, de expulsar demnios
pelos poderes de Belzebu. E o prprio exorcista afirmou, nas pginas do Evangelho de Joo, que,
de fato, havia um prncipe do mundo e, aos fariseus:
Vis sois do Diabo, que vosso pai, e quereis satisfazer-lhes os desejos. Ele foi
homicida desde o princpio e jamais se firmou na verdade, porque nele no h
verdade. Quando ele profere mentira, fala do que lhe prprio, porque
mentiroso e pai da mentira. (Jo 8:44, negrito nosso)
O taumaturgo Jesus esqueceu-se das palavras de Jeov, seu pai, em I Reis 22:21:
Perguntou o Senhor: Quem enganar a Acabe, para que suba em Ramote-Gileade?
[...]. Ento, saiu um esprito, e se apresentou diante do Senhor, e disse: Eu o
enganarei. Perguntou o Senhor: com qu? Respondeu ele: Sairei e serei esprito
mentiroso na boca de todos os seus profetas. Disse o Senhor: Tu o enganars e
ainda prevalecers; sai e faze-o assim.
Neste episdio, Jeov, o Pai da Verdade, compactua e autoriza o Pai da Mentira a agir
segundos os propsitos deste, pois efetivamente os profetas mentem. Enfim, Acabe morto em
batalha e os caem lambem seu sangue.
Pedro, futuro Pai da Igreja, foi possudo por Satans, assim como Judas agiu sobre influncia
deste, o que inocentaria o zelota da culpa milenarmente atribuda a ele. Nas pginas de Atos dos
Apstolos, o exorcismo se vulgariza tanto que os demnios se revoltam e no aceitam ser expulsos
por qualquer um. Em feso, havia sete exorcistas ambulantes, filhos de Ceva, sumo sacerdote, que
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tentavam expulsar espritos malignos de possessos. O episdio cmico est relatado em Atos 19:15-
16:

Esconjuro-vos por Jesus, a quem Paulo prega. [...]. Mas o esprito maligno lhes
respondeu: Conheo a Jesus e sei quem Paulo; mas vs quem sois? E o
possesso do esprito maligno saltou sobre eles, subjugando a todos, e, de tal
modo prevaleceu contra eles, que, desnudos e feridos, fugiram daquela casa.

Jesus, seus discpulos e Paulo expulsaram demnios. Mas haviam terceirizado o ritual: os
filhos de Ceva queriam expulsar o demnio numa espcie de exorcismo em terceiro grau, em nome
de Jesus, a quem Paulo pregava e de quem eles conheciam por falar. O demnio deve ter cogitado:
Esto pensando que expulsar demnio brincadeira! O demnio deu uma surra nos sete filhos
de Ceva, a notcia se espalhou e mais uma vez os demnios colaboraram para que o nome do
Senhor fosse engrandecido. O resultado foi a queima, numa fogueira, de livros de artes mgicas.
Que lstima!
E, alis, foi somente no final do primeiro sculo do Cristianismo que a conexo serpente-
Lcifer foi estabelecida. O autor foi Joo, em seu Apocalipse 12:7-9:
Houve peleja no cu. Miguel e os seus anjos pelejaram contra o drago. Tambm
pelejaram o drago e seus anjos. Todavia no prevaleceram; nem se achou no cu
lugar deles. E foi expulso o grande drago, a antiga serpente, que se chama
diabo e Satans, o sedutor de todo o mundo, sim, foi atirado para a terra, e, com
ele, os seus anjos. (negrito nosso)
Quanto ao Diabo na Teologia Catlica e Protestante, grande a tentao de fazer uma rpida
exegese, que se revelaria incompleta, j que desde Santo Agostinho o assunto est em pauta. Esse
Bispo de Hipona (354-420) e sua preocupao com a origem do mal leva a crer que este mundo
reino de Satans, que o Diabo era um anjo perfeito, mas que recusou a graa e virou as costas para o
bem. Assim tambm o creram os Pais da Igreja e at Martinho Lutero (1483-1546) deteve-se no
assunto. Em seus dilogos com o inimigo, suas tentativas de autoexcomunho, o Diabo sempre foi
objeto de escrutnio numa rea que deveria estudar Deus. Exorcizemos esta nossa vontade de falar
do Diabo na Teologia e passemos ao diabo nos tericos.

2 O Diabo entre os tericos


Nunca se escreveu, pensou-se ou publicou-se tanto sobre o Diabo. Cabe aqui atentar para o
ttulo completo da obra de Albert Coust: a Biografia do Diabo O Diabo como a sombra de
Deus na Histria. H uma tendncia em tentar escrever biografias sobre o Diabo, mas o que nos
interessa, j no ttulo, que o Diabo sempre se manifestou como uma sombra grande e bem
proveitosa para Deus no decorrer da Histria do Ocidente. Jack Miles em Deus, uma Biografia,
afirmava que Deus faz parte da civilizao Ocidental, est no DNA da Civilizao do Ocidente.
Poderamos dizer que o Diabo, em termos de teologia crist, mitologia, arqutipo, tambm est
visceralmente engendrado neste DNA, juntamente com Deus. Voltando Coust, ele afirma, entre
outras coisas, que no se pode fechar os olhos sacralidade do Diabo, pois ele faz parte do sagrado,
uma inveno tipicamente crist, sendo um dos principais atores do drama humano.
Coust afirma que o Diabo a mais alta potncia da criao, que o diabo a dor de Deus e
que tem nostalgia do cu. ( 1996, p. 20-22, negrito nosso). O crtico cita Mximo Gorski, que
afirma que o Diabo no existe, uma inveno da raa humana maligna que o inventou para
justificar suas torpezas. Disseca o Diabo em sua obra em todos os seus aspectos. Termina seu livro
afirmando que o Diabo sobreviveu at Reforma Protestante e chegou at nossos dias por ser
principalmente um monotesta: acredita em Deus, no ateu. Afirma que o Diabo significa que o
homem est sozinho, desde o comeo dos tempos, j que o Diabo no existe porque Deus no existe
e, como o homem sabe que vai morrer, apega-se a Deus e ao Diabo. Termina dizendo que a grande
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e magnfica obra de Satans converte-se num personagem literrio de fico. Convence a todos
que no existe. A ns ele j convenceu h tempos!
Luther Link, em O Diabo, a mscara sem rosto, afirma que cada poca compe o rosto do
Diabo de uma forma, pois esta mscara aceita diversos rostos. Aponta para a confuso entre os
nomes Lcifer, Sat e Diabo. Destaca que, no Velho Testamento, Satans no importante, mas
apenas cmplice de Deus. Um intruso criado pela Igreja que no conseguiu nem quis livrar-se dele.
Cita Espinosa para quem O Diabo usado por Deus, trabalha para Deus e, em certo sentido, no
est em conflito com ele. (LINK, 1995, p. 20)
Link afirma que o Diabo foi criado perfeito, ele no se autocriou, foi criado por Deus. Afirma
tambm que se Lcifer cometeu o pecado do orgulho, o pecado era anterior a ele; se Deus criou o
Diabo, o dualismo se desintegra, a oposio bem versus mal passa a ser inexistente. Seguindo as
ideias de Link, podemos ampliar suas e nossas dvidas. Se Lcifer era uma anjo perfeito no
poderia pecar e se pecou no era perfeito! Como sair deste teorema paradoxal? Link tambm aponta
a insignificncia absoluta de Satans no Velho Testamento. Abaixo uma das importantes afirmaes
do crtico:
O Diabo no meramente uma criao literria. Ele real, faz parte da realidade
da civilizao ocidental. Talvez o motivo de o Diabo despertar nosso interesse
resida no fato de definir Deus to seguramente quanto Deus o define. Graas a
Deus pelo Diabo. (LINK, 1995, p. 22, negrito nosso)
Termina sua obra afirmando que o Diabo no tem rosto porque sempre ser o outro, o
diferente, o oponente:
O Diabo uma extraordinria mistura de confuses. Sat uma criatura da
teologia, da ideologia e poltica praticas e de tradies pictricas estranhamente
ligadas. O soberano do Inferno, o anjo rebelde, a contrapartida de Miguel na
pesagem das almas (...). Sem uma iconografia fixa, o Diabo pode ser Godzilla, um
P desvirtuado, uma peste peluda com ou sem asas, com ou sem chifres, com ou
sem cascos fendidos, feroz ou cmico. Uma vez que o Diabo poderia ser tanto um
micrbio quando um anjo cado, como poderia ter um rosto. No poderia, pois
no era um carter, era apenas uma abstrao. (LINK, 1995, p. 193, negrito
nosso)
J Gerald Messadi, em sua Histria Geral do Diabo, faz um apanhado minucioso da
existncia do Diabo em culturas como a indiana, a chinesa, a japonesa, a celta, a grega, a romana, a
egpcia, a africana, a americana, etc. Interessa-nos em especial suas colocaes sobre o Diabo na
cultura israelita e crist. O estudioso aponta o Diabo como sendo usado em todas as culturas e todos
os tempos de forma poltica e que, desde o seu nascimento, o cristianismo governou muito bem a
existncia do Diabo. Para ele, a grande verdade que o Diabo nasceu junto com o Novo
Testamento. Questiona o Diabo como inventor do mal: j que o anjo perfeito caiu, ento o mal
anterior a existncia dele. Informa que os gregos e romanos passavam muito bem sem o Diabo, mas
que o cristianismo precisava de um ser simtrico a Deus para atribuir-lhe os males da humanidade.
Segundo o crtico, o Diabo um recurso usado pelos intelectualmente mais fracos, causador
de tantas crenas, tantos medos e tantas desgraas, tantas idiotices, presena escandalosamente
ausente, um fantasma coletivo do ocidente, objeto exclusivo das mentes humanas no qual
depositamos as peripcias de nossas loucuras. Para Messadi, a nica besta do universo o homem
e Lcifer uma fico insensata, nefasta, ridcula e obscena. Lcifer seria precursor do Diabo; o
Diabo, o precursor de Fausto. O Diabo incomoda a Igreja, j que defende o po sem o suor e o
prazer sem filhos. A Igreja condena a plula e a camisinha porque condena o prazer, porm o
homem no vive sem prazer. O prazer uma injria para a Igreja, por isto ela criou a imagem de
Satans como um ser lbrico, defensor de orgias sexuais. Termina sua obra afirmando que a crena
no Diabo serve para disfarar as tendncias mais bestiais do ser humano e perguntando se o
ocidente conseguiria viver sem a noo do mal.
Em Uma histria do Diabo, Robert Muchembled estuda a biografia do Diabo concentrando-
se entre os sculos XII e XX j que, segundo o autor, no primeiro milnio cristo, o Diabo teria se
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mantido discretamente e seu apogeu teria se dado no final da Idade Mdia. Reafirma a posio de
outros tericos de ser o Diabo a sombra negra e enigmtica do ser, que o Cristianismo precisava de
outra face, pois no h medalha sem reverso. Sendo o Diabo personagem de sucesso milenar, no
pode ser desprezado pela academia, j que sua tradio (na oralidade, nos gibis, nos folhetins, nos
cinemas, na publicidade, na literatura, enfim, na histria humana, milenar). A prpria literatura
fantstica no poderia ser concebida sem o mal e o Diabo. Afirma que a construo de Lcifer foi
uma construo teolgica e revela um paradoxo nas ideias de Santo Agostinho:
Santo Agostinho transformou de maneira sutil esta viso do combate csmico,
afirmando que Deus permitiu o Mal para dele extrair o Bem. Sob esta ptica, o
pecado faz parte da estrutura do universo, uma estrutura benigna para quem
tem a graa. O Bispo de Hipona reinterpreta, assim, o mito csmico da queda de
Sat, como um elemento da conspirao divina, destinada a levar redeno. Em
outros termos, o inimigo de Deus foi transformado em meio de converso.
(MUCHEMBLED, 2001, p. 20, negrito nosso)

3 A salvao do Diabo
O italiano Giovani Papini publica sua polmica obra O Diabo: apontamentos para uma
futura Diabologia em 1953. O interessante do livro, alm de suas ideias polmicas e que causaram
muitas controvrsias, foi o primeiro livro sobre o Diabo escritor por um cristo. Resumimos suas
principais, sensatas e mais polmicas ideias e questionamentos, a maioria deles sem resposta at
agora: 1) os telogos nunca souberam sequer sondar corretamente a essncia do Diabo; 2) o cristo
deve amar no a rebeldia e o pecado de Sat, mas o Arcanjo que foi um dia o mais prximo de
Deus, porque somente o amor dos cristos pode ajudar Sat a salvar-se; 3) se os cristos orarem por
Satans estaro orando pela sua prpria salvao; 4) Cristo talvez queria que o homem se libertasse
da escravido do demnio para poder libertar o demnio de sua escravido; 5) porque a histria
crist, que j teve tantas tragdias, teria que terminar necessariamente em tragdia? 6) porque Deus,
que amor, no reconduz Lcifer ao seu posto celeste? 7) porque Jesus morreu na cruz para libertar
os homens e, no entanto, os homens continuam sendo escravos do Diabo? 8) por que a Igreja prega,
a despeito da vitria de Cristo na cruz e do batismo para a salvao, que a terra o reino de Satans
e que os homens so escravos deste? 9) difere a Demonologia como estudos dos demnios,
comparsas e subalternos do Diabo e a Diabologia como estudo do terrvel protagonista que Deus
precipitou do Cu sobre a terra; 10) a restrita viso dos cristos tem apenas duas hipteses de vida:
hiptese Deus x hiptese Diabo, o eterno amor x o eterno dio; 10) Lcifer ousou emparelhar-se
com Deus, medir-se com Jeov ou por orgulho de sua beleza, ou por inveja de Deus, ou por inveja
de Cristo, ou por querer ser Cristo e aspirar encarnao, ou ainda por inveja do projeto da criao
do homem; 11) a batalha do Apocalipse no se justifica, o exrcito celestial era imenso, por que
Deus no expulsou pessoalmente o Diabo, mas enviou o Arcanjo So Miguel para realizar a tarefa?
12) o que o Diabo estava fazendo no Cu em J, se havia sido expulso?
Na realidade, Papini compe uma verdadeira Suma Diabolgica. O ttulo pode ser uma
pardia da Suma Teolgica, de So Toms de Aquino, mas a profundeza de suas reflexes so
espantosas.
Cabe citar uma de suas lcidas assertivas:
Deus, autor do Universo, criou um mundo no qual o pecado possvel, o mal
possvel, a perdio possvel. Se no tivesse havido no Mundo a possibilidade
(melhor, a facilidade) do mal, a liberdade anglica e a humana teriam podido
sempre escolher livremente, entre vrias ordens de bens, de obras boas, de aces
justas. Lcifer no criou o Mundo, nem se criou a si mesmo, e no pois culpa
sua se a ordem do Mundo estabelecida por Deus permite e tolera o pecado:
no culpa sua se a mesma superioridade a ele outorgada o predispe e o
inclina, como afirma S. Toms, ao pecado da soberba. Se Deus o autor e
legislador de tudo, se nada possvel e pensvel fora de Sua vontade e da Sua lei,
seramos tentados a concluir que ele tem uma parte de responsabilidade no que
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sucede suas criaturas. Criou-as naquele mesmo modo, colocou-as numa realidade
criada por ele, onde tudo possvel; e da vem que todas as coisas, por
admirveis ou terrveis, tm nEle causa e princpio. (PAPINI, 1954, p. 57, grifo
nosso)
Para Papini, a queda de Sat, o resumo de todas as criaturas, a dor de Deus e a
histria do Cristianismo uma sucesso de tragdias. A partir da queda de Sat, Deus est em
agonia desde o princpio, Jesus tambm est em agonia at o final dos tempos. O anjo caiu, o
homem caiu, Jesus encarnou naquilo que pode ser considerada a fase mais espetacular da dor
divina. A vida de Deus, Jesus e o homem, do ponto de vista cristo, trgica. Se o Diabo no pode
amar, Deus no pode odiar, nem mesmo ao Diabo. Deus amor, condenou Lcifer, mas no pode
odi-lo, pois o dio o oposto a essncia do amor que Deus representa. Quem mais do que Lcifer
merece o perdo de Deus? Talvez Deus tenha criado o homem na expectativa de que este ajudasse a
redimir Sat. O holocausto de Jesus na Cruz no modificou muito coisa no mundo.
Eis a dupla razo da dor de Deus, da infinita Dor de Deus. Os cus narram a Sua
Glria, mas o universo espiritual narra Sua desventura. [...] O gigante celestial
abismou-se, o imperador terrestre feriu-se e envileceu. (PAPINI, 1954, p. 68,
negrito nosso)
Um dos seus questionamentos que se Lcifer era o mais amado quando era Anjo predileto
de Deus, no deveria Deus am-lo e perdo-lo agora que ele a criatura mais infeliz entre os
infelizes? Para ele, o Diabo no ateu. Somente a Deus, porque Deus, permitido ser ateu.

4 O Diabo: ser de papel e de tinta na Literatura


Vrios captulos de livros j foram escritos sobre o Diabo na Literatura. Falta ainda um livro,
ou melhor, um compndio que abranja a riqueza deste personagem enquanto ser de papel e tinta. Na
Literatura Ocidental, citemos as principais obras, fugindo da tentao de resumi-las. A Divina
Comdia (1304-1321), do italiano Dante Alighieri, alis, poderia ser nomeada Diablica Comdia,
principalmente O Inferno; Fausto (1887), do alemo Goethe; O Paraso Perdido (1674), do ingls
John Milton; A Converso do Diabo, do russo Leonid Andreiev (1871-1919); e O Evangelho
Segundo Jesus Cristo (1991), do portugus Jos Saramago.
Na Literatura Portuguesa, poderamos mencionar alguns clssicos: O Auto da Barca do
Inferno (1517), de Gil Vicente; O Senhor Diabo (1867), de Ea de Queiroz; A hora do Diabo, de
Fernando Pessoa.
Na Literatura Brasileira, sua presena garantida em muitos Sermes do Padre Vieira (1608-
1697); em Macrio (1852), de lvares de Azevedo; em toda a obra de Machado de Assis,
especialmente em dois magnficos contos A Igreja do Diabo (1884) e O Sermo do Diabo (1893);
em O Auto da Compadecida (1955), de Ariano Suassuna; e em Grande Serto: Veredas (1956)
de Guimares Rosa.
Na literatura brasileira contempornea, entre centenas, podemos mencionar Eu e Bebu na
Hora Neutra da Madrugada, de Rubem Braga; Alma, Vendo e Belzebu.com, de Luis Fernando
Verssimo; Nostalgia do Amor Ausente, de Walmor Santos; Vendi a Alma, de Carlos Heitor
Cony.
Sem entrar na antiga querela do que ou no literatura infantil ou juvenil, poderamos
mencionar centenas e mais centenas de contos lidos por adultos e crianas do mundo todo, em
pocas diferentes, que tem como protagonista o Diabo. Citemos alguns de nossa preferncia. Entre
os clssicos: Os trs fios de ouro do cabelo do Diabo, dos Irmos Grimm; O moinho do Diabo,
de Hans Christian Andersen; o conto francs A criana vendida ao Diabo; o conto irlands
Carves para a Lareira do Diabo; O Diabo no campanrio, de Edgar Allan Poe; O Alquidiabo
Belfegor, de Machiavel; A sombra, tambm de Anderson; O Diabo na garrafa, de Robert Louis
Stevenson.
No folclore, destacamos, entre centenas: Roberto do Diabo, O scio do Diabo, O compadre
da Morte, A noiva do Diabo, Tereza Bicuda, A quase morte do Z malandro, A barba do
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Diabo.
No Brasil, O diabo na noite de Natal, de Osman Lins; O bom Diabo, de Monteiro Lobato;
O Diabo loiro; e De morte!, de ngela Lago.
Se a ltima grande obra de Lcifer transformar-se em mero ser de papel, Consummatum est.
Imprimatur!
Nomodiabopadrofilhospritossantamin!

Referncias Bibliogrficas
1] BBLIA Sagrada. Trad. Joo Ferreira de Almeida. Ed. rev. e corr. Rio de Janeiro: Sociedade
Bblica do Brasil.
2] COUST, Alberto. Biografia do diabo. Trad. Luca Albuquerque. Rio de Janeiro: Record,
1996. (Coleo Rosa dos Tempos).
3] LINK, Luther. O Diabo: a mscara sem rosto. Trad. Laura Teixeira Motta. So Paulo:
Companhia das Letras, 1998.
4] MILES, Jack. Deus: uma biografia. Trad. Jos Rubens Siqueira. 3. reimp. So Paulo:
Companhia das Letras, 1997.
5] MUCHEMBLED, Robert. Uma histria do Diabo: sculo XII-XX. Trad. Maria Helena
Khner. Rio de Janeiro: Bom Texto, 2001.
6] PAPINI, Giovanni. O Diabo. Trad. Fernando Amado. Lisboa: Livros do Brasil, 1954.

iAutor(es)

Professora Associada de Literatura Portuguesa da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)


e atua na Ps-Graduao com a linha de Pesquisa em Teopotica - Os Estudos Comparados entre Teologia e
Literatura. Membro da Associao Latino Americana de Literatura e Teologia (ALALITE), lder do Ncleo
de Estudos Comparados entre Teologia e Literatura (NUTEL), sediado na UFSC. autora de diversos livros
de teoria e fico. E-mail: [email protected].

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