E-Book - Textos Dissertativos-Argumentativos - Enem 2016
E-Book - Textos Dissertativos-Argumentativos - Enem 2016
E-Book - Textos Dissertativos-Argumentativos - Enem 2016
Superviso Editorial
Editor Jos Otvio Nogueira Guimares
Editora Assistente Mariana Carvalho
Projeto grfico e diagramao Bruno Freitas de Paiva
Eduardo Giovani Guimares
Reviso Fbio Marques Rezende
Lusa Fialho Bourjaile
Conferncia Samara Oliveira
Organizadoras
Luclia Helena do Carmo Garcez
TEXTOS DISSERTATIVO-ARGUMENTATIVOS
Subsdios para qualificao de avaliadores
T355
Textos dissertativo-argumentativos : subsdios para qualificao de avaliadores / Luclia Helena
do Carmo Garcez, Vilma Reche Corra, organizadoras. Braslia : Cebraspe, 2016.
PDF
ISBN 978-85-5656-005-6
1. Lngua Portuguesa. 2. Qualificao Profissional. 3. Pessoal. I. Treinamento. II. Avaliao.
CDU 806.90:331.86
SUMRIO
APRESENTAO 5
Produzidos por participantes dos mais remotos pontos do pas, esses textos cons-
tituem um desafio a seus avaliadores, que tambm so provenientes de todas as
regies brasileiras. Assim, como coordenadoras pedaggicas gerais, para a avaliao
das redaes do Enem, entendemos que a avaliao isonmica dos textos depende
da qualificao desses avaliadores e do acompanhamento de seu trabalho com as
redaes. Um e-book com noes tericas bsicas sobre os critrios de avaliao de
tais textos constitui, ento, um recurso importante para o esclarecimento e para a
preparao desses profissionais.
Luclia Garcez
Vilma Reche Corra
Organizadoras
DOMNIO DA MODALIDADE
ESCRITA FORMAL DA
LNGUA PORTUGUESA
1. A variao lingustica
* Carlos Alberto Faraco professor da Universidade Federal do Paran e ps-doutor em Lingustica pela University of California.
Pelo fato de sua vida social e cultural ser assim diversificada, o falante vai constituindo
um repertrio lingustico igualmente diversificado, ou seja, todos os falantes dominam
sempre muitas variedades da lngua. Da dizer-se que todo falante um poliglota em
sua prpria lngua.
Um dado que no podemos perder de vista que o falante, medida que vai cons-
truindo seu heterogneo perfil sociolingustico, vai tambm desenvolvendo a capa-
cidade de fazer uso adequado das variedades que domina. Nesse sentido, o falante
vai adquirindo a capacidade de selecionar a variedade que melhor se ajusta a cada
evento interacional, atendendo assim as expectativas sociais.
Nesse sentido, a lngua , ao mesmo tempo, espao de restrio (as suas estruturas
e as suas condies de uso limitam nossas possibilidades expressivas) e espao de
liberdade (a lngua nos pe disposio um conjunto de opes lxico-estruturais
e de variedades sociais que podemos aproveitar expressivamente na construo e
individualizao do nosso dizer).
1. Ver, entre outros trabalhos, Um modelo para a anlise sociolingustica do portugus brasileiro, publicado no livro Ns cheguemu
na escola, e agora? Sociolingustica e educao. So Paulo: Parbola, 2005, p. 39-52.
No meio desses dois polos h em decorrncia das mudanas por que passou e con-
tinua passando nossa sociedade um leque de variedades que manifestam diferentes
graus de contato entre os dois extremos.
O Brasil foi, at meados do sculo XX, um pas eminentemente rural, com a maio-
ria da sua populao morando no campo. Em poucas dcadas, esse perfil mudou
radicalmente. O pas passou por um rpido e amplo processo de urbanizao, de tal
modo que o sculo XX terminou com aproximadamente 80% da populao brasileira
vivendo no espao urbano.
Da mesma forma, o Brasil foi, at meados do sculo XX, um pas com elevados contin-
gentes populacionais sem acesso leitura e escrita. Embora os ndices de analfabe-
tismo tenham sido reduzidos nos ltimos quarenta anos, ainda hoje aproximadamente
10% da populao adulta so analfabetos. E, considerando que nossos ndices de
escolaridade continuam baixos (basta lembrar que apenas 23% da populao adulta
atual concluram a educao bsica, ou seja, tm o ensino mdio completo), os nveis
de letramento da populao so, em geral, muito reduzidos. Calcula-se que apenas
25% dos adultos podem ser considerados plenamente letrados.
Essa realidade sociocultural tem tambm seus efeitos sobre a variabilidade do portu-
gus falado no Brasil. H variedades lingusticas tpicas dos grupos sociais afetados
pelo analfabetismo (dominam apenas a oralidade) e, no outro extremo, variedades
Por fim, temos de considerar que, em qualquer ponto em que os falantes estejam
desses dois contnuos, dependendo da situao interacional, eles monitoram, em
graus variados, sua expresso lingustica. H, portanto, um contnuo da monitorao
(ou seja, de graus de ateno forma da expresso) que atravessa os outros dois.
3. A lngua escrita
importante destacar que esse modelo dos trs contnuos serve no s para a iden-
tificao e descrio das variedades da fala, mas tambm das variedades da escrita.
Tal como a fala, a escrita no homognea nem uniforme: admite variao princi-
palmente no contnuo da monitorao. Claro, o espectro de variao na escrita bem
menor do que na fala. E h uma razo histrica para isso. At muito recentemente
na histria da Humanidade, as prticas de leitura e escrita eram restritas a reduzidos
grupos sociais. Com isso, consolidaram-se na escrita as variedades tpicas desses
grupos e fixaram-se modelos que limitam bastante a variabilidade na escrita.
Para outros textos, as expectativas sociais podem ser menos rgidas. Se tomarmos
como exemplo um jornal dirio, vamos observar que os textos so escritos no por-
tugus brasileiro standard, mas em variados estilos ou modalidades. Os editoriais e
os artigos de opinio sobre temas de economia e poltica tendem a ser escritos num
estilo ou modalidade mais formal do que um artigo de opinio na seo esportiva ou
um comentrio de gastronomia ou turismo.
Por outro lado, muitos dos textos publicitrios esto escritos no portugus brasileiro
standard, mas num estilo ou modalidade muito prxima da fala urbana coloquial.
O mesmo se pode dizer de uma carta familiar ou de um e-mail entre amigos.
4. Instrumentos normativos
O Exame Nacional do Ensino Mdio (Enem), criado em 1998 com o objetivo de avaliar
o desempenho do estudante ao fim da escolaridade bsica, hoje utilizado como cri-
trio de seleo para diversas universidades, seja complementando seja substituindo
o vestibular. Alm disso, utilizado como critrio de seleo para os estudantes que
pretendem concorrer a uma bolsa no Programa Universidade para Todos (ProUni),
bem como para estudantes que pretendem obter a certificao de concluso do ensino
mdio. Para tanto, podem participar do exame alunos concluintes do ensino mdio
e indivduos com, no mnimo, dezoito anos de idade. Esse critrio de participao
abarca, portanto, um pblico bastante variado no que se refere escolaridade. Os
participantes podem estar concluindo o ensino mdio no ano de realizao do exame,
podem ter interrompido os estudos e visarem obteno do diploma da educao
bsica ou podem, ainda, almejar entrar em mais um curso de graduao.
A diversidade que se observa com relao aos anos de escolarizao dos participantes
do Enem caracteriza no somente o exame, mas tambm o nosso pas. E, nesse contex-
to de diferenas sociais, econmicas, geogrficas e etrias, o portugus brasileiro no
constitui um todo homogneo. Ao contrrio, existem numerosas variaes, as quais
se devem, primeiramente, s diferenas entre a lngua escrita e a falada, bem como
entre os registros formal e informal. No h, portanto, um nico modo de exprimir o
pensamento. Para expressar uma mesma realidade, existem diversas variantes, isto
, formas lingusticas diferentes que veiculam o mesmo sentido.
* Alzira Neves Sandoval professora da educao bsica da Secretaria de Estado de Educao do Distrito Federal e doutora em Lin-
gustica pela Universidade de Braslia.
Simone Silveira de Alcntara professora do Colgio Militar de Braslia e doutora em Literatura Brasileira pela Universidade
de Braslia.
Stefania Caetano Martins de Rezende Zandomnico professora da educao bsica da Secretaria de Estado de Educao do Distrito
Federal e doutoranda em Lingustica na Universidade de Braslia.
Na prtica, todos ns, professores de lngua portuguesa, de uma forma geral, devemos
saber que o objetivo do ensino da lngua ampliar a competncia do estudante para o
exerccio cada vez mais fluente da fala e da escrita, incluindo-se nessa prtica a escuta e a
leitura. As aulas de portugus so, portanto, aulas de falar, ouvir, ler e escrever textos em
uma complexidade gradativa, com atividades que promovam, entre outras habilidades,
a compreenso das relaes sintticas, semnticas e pragmticas que caracterizam
textos orais e escritos estruturados de forma clara e coerente. Nesse contexto, dada
a importncia da aprendizagem dessas habilidades, uma das competncias avaliadas
na redao do Enem o domnio da modalidade escrita formal da lngua portuguesa.
Avaliar textos em seus diferentes aspectos no constitui tarefa das mais simples.
Diferentes formaes acadmicas e at mesmo preferncias pessoais fazem com que
haja diversas concepes e julgamentos por parte do professor de lngua portuguesa
acerca de lngua, de texto, de nveis de formalidade, de adequao vocabular, de
conhecimento lingustico mnimo necessrio, entre outros elementos. H, ainda,
Texto
Para tanto, pode-se partir do texto literrio bem como dos mltiplos textos que circulam
socialmente (BRASIL, 2002, p. 60-61).
Assim, para que se promova o aprendizado efetivo da gramtica em sala da aula, Pilati
(2014) defende que trs princpios devem ser seguidos: i) levar em considerao o
conhecimento prvio do aluno; ii) promover a aprendizagem ativa e iii) fazer com
que o aluno compreenda os processos envolvidos no mbito do assunto estudado.
O professor, segundo a pesquisadora, deve levar seus alunos a: i) aprender a identi-
ficar padres; ii) desenvolver compreenso profunda do assunto; iii) saber quando,
como e onde usar o conhecimento conhecimento circunstanciado; iv) possuir
acesso fluente ao conhecimento; v) ter conhecimento do contedo pedaggico; e
vi) aprender com metacognio e para toda a vida.
Referncias
Leitura de apoio
1. Registro
O termo registro usado para se fazer referncia aos nveis de formalidade na lngua
falada e na lngua escrita. Segundo Preti (1994, p. 50), as variaes determinadas
pelo uso da lngua pelo falante, em situaes diferentes, so denominadas registros
ou nveis de fala (ou, ainda, nveis de linguagem).
* Alzira Neves Sandoval professora da educao bsica da Secretaria de Estado de Educao do Distrito Federal e doutora em Lin-
gustica pela Universidade de Braslia (UnB).
Simone Silveira de Alcntara professora do Colgio Militar de Braslia e doutora em Literatura Brasileira pela Universidade de Braslia.
Stefania Caetano Martins de Rezende Zandomnico professora da educao bsica da Secretaria de Estado de Educao do Distrito
Federal e doutoranda em Lingustica pela Universidade de Braslia.
Boa tarde, chefe. Infelizmente, acabei de sofrer Que droga, me! Bateram no meu carro! T
um acidente de trnsito e devo me atrasar, pois bem, no se preocupe. Me mande o nmero
estou aguardando a polcia, para os trmites da seguradora. Depois te ligo.
formais, e a seguradora, para o recolhimento
do veculo.
Para Preti (1994, p. 38), as variaes quanto ao uso da linguagem pelo mesmo falante,
em funo das variaes de situao, podem ser de duas espcies: registro formal e
registro coloquial. O registro formal empregado em situaes de formalidade, com
predomnio de linguagem culta, comportamento mais refletido e vocabulrio selecio-
nado; j o registro coloquial usado em situaes familiares e em dilogos informais
nos quais ocorre maior intimidade entre os falantes, com predomnio de estruturas e
vocabulrio da linguagem popular, grias e expresses obscenas ou de natureza afetiva.
O autor menciona ainda outras subdivises dos nveis de linguagem, como o nvel
coloquial tenso e distenso. No Dicionrio de Lingustica e Fontica, Crystal (2000,
p. 224) cita tambm abordagens que distinguem cinco nveis diferentes de registro no
uso da lngua: frio, formal, consultativo, casual e ntimo.
Ainda de acordo com Preti, os limites entre o registro formal e o coloquial so in-
definidos, por isso praticamente impossvel determinar as fronteiras entre essas
gradaes, seja na lngua oral, seja na lngua escrita.
Camacho (1988 apud PRETI, 1994) afirma que a variedade estilstica o resultado
da adaptao da forma lingustica especfica do ato verbal s circunstncias em que
se produz e que, em vista disso, tantas so as variedades quantas so as situaes
momentneas em que se realiza a atividade verbal. Nesse sentido, cada ato lingustico
representa um estilo especfico, do que decorre o fato de no poder se obter uma
tipologia de estilos.
Como, todavia, o estilo varia de acordo com o grau de reflexo do sujeito falante s
formas lingusticas, podem-se estabelecer os dois limites extremos na escala, abstrain-
do-se os graus intermedirios: obtm-se um estilo em que h grau mnimo de reflexo
s formas de expresso empregadas e outro em que h um grau mximo de reflexo.
No primeiro, incluem-se os atos verbais imediatos, decorrentes do intercmbio lin-
gustico cotidiano, que se convenciona por estilo informal; no segundo, incluem-se
os atos verbais em que as informaes contidas no so de expresso diria, mas
resultado de grande elaborao intelectual, e o contedo rico e complexo estilo
formal (CAMACHO, 1988 apud PRETI, 1994, p. 40).
Nesse sentido, o aluno deve conhecer a norma padro da lngua, a fim de que possa
us-la quando necessrio, adequando-a s variadas situaes comunicativas em que
ela exigida. No se trata de supervalorizao de uma modalidade da lngua sobre
outra, ou seja, da lngua padro sobre o conhecimento lingustico prprio dos estu-
dantes, mas da adoo de uma norma que permita a avaliao justa e isonmica dos
textos produzidos. Alm disso, um usurio competente da lngua no deve conhecer
somente o registro formal, mas deve saber adequar os registros ou nveis de linguagem
s diferentes situaes comunicativas que vivencia.
(1) Se adultos j ficam facinados imagine uma criana, a propaganda as vezes tende ser abusivas
com preos fora do normal.
(2) Publicidade infantil, eis um tema bem interessante. Estes dias estava conversando com um
amigo sobre isso.
(3) Como utiliz essas propaganda sem prejudic as nossa crianas e o adolescente de forma bem
famlia e dento da lei.
(4) Comerciais de TV induzem as crianas a solicitarem de seus pais a compra de quase tudo que
elas vem passando ali, sendo brinquedos ento, quanto mais novos e modernos melhor.
(5) revista Super Interessante fez uma matria mostrando o quanto as pessoas esto consumindo
A
produtos muitas vezes voluvis que alm de prejudicar gradativamente o meio-ambiente, esto
conturbando a mente e formao das crianas devido as massivas formas de publicidade infantil.
(6) A partir do momento que a criana nasce, tem j existncia de direitos, como todos seres humano.
(7) Quem sabe daqui uns dias o Brasil tome o exemplo do Canada e da Noruega para acab com
esse tipo de publicidade.
(8) prepara a criana para o futuro pra ela se descontgia das divulgaes do mundo.
(9) Entretanto os nossos brasileirinhos precisam viver suas vidas sem muita presso, para que em um
futuro prximo, ele esteja com todo gs para vencer os desafios da vida.
(10) Porm vai da cabea dos pais saber o que bom ou no para seus filhos... Mais na minha opinio
no acho que abuso ou explorao usar crianas em comerciais de TV.
Convm ressaltar que o professor deve respeitar o conhecimento lingustico dos alunos
e seu modo de se expressar, mesmo que paream inadequados diante de determinadas
situaes, e retrabalhar os discursos a fim de adapt-los s respectivas situaes. Nesse
sentido, atividades de retextualizao so muito apropriadas (BRASIL, 2002, p. 76).
Referncias
Leitura de apoio
BECHARA, E. Moderna gramtica portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Nova Fron-
teira, 2009.
* Alzira Neves Sandoval professora da educao bsica da Secretaria de Estado de Educao do Distrito Federal e doutora em Lin-
gustica pela Universidade de Braslia.
Simone Silveira de Alcntara professora do Colgio Militar de Braslia e doutora em Literatura Brasileira pela Universidade
de Braslia.
Stefania Caetano Martins de Rezende Zandomnico professora da educao bsica da Secretaria de Estado de Educao do Distrito
Federal e doutoranda em Lingustica pela Universidade de Braslia.
2. Desvios gramaticais
(1) Vale lembrar, que existe uma corrida de empresrios para fazer propagandas ainda mais
persuazivas e com mensagens ocultas que estimulam a criana a buscar incansavelmente o
produto no qual se oferece.
(2) No Brasil a publicidade infantil est em questo pelo fato de no existir leis que proba a utilizao
de crianas em comerciais.
(3) Quando no damos a ateno necessria, estamos expondo eles em muitas situaes perigosas.
(4) Se adultos j ficam facinados imagine uma criana, a propaganda as vezes tende ser abusivas,
com preos fora do normal.
(5) Indenpende de como sejam as propagandas relacionadas as crianas, so seus valores, formao
e carter de cada uma que as definem.
(1) As crianas desta dcada, no se comparam com as de dez dcadas atrs, onde bebs levavam
trze dias para abrir os olin-/-hos e por quarenta dias eram obrigados a confinar dentro de casa.
tomavam ch, e no causava nem um mal.
(2) H pais incentivando os filhos ao mundo do crime, mes a prostituio, e outros criando cidades
corretos, honestos e verdadeiros.
(3) Em muitos pases a Publicidade Infantil proibida parcialmente. Existem muitos fatores que
contribuem para que essa atitude fosse tomada.
(4) Muitas vezes os produtos oferecidos, no esto diretamente ligados as crianas, e sim no impacto
que causariam aos seus expectadores ou consumidores.
Em (1), o pronome onde foi indevidamente empregado, uma vez que no faz refe-
rncia a um lugar. Ainda nesse exemplo, h problemas de construo em razo do uso
de vrgula, separando sujeito de predicado, do emprego de a confinar em lugar de
a ficar confinados e da ausncia de expresso que funcione como sujeito do verbo
Quando houver, no texto analisado, mais de um desvio gramatical e/ou mais de um desvio
de conveno da escrita, ele no poder receber a nota mxima na Competncia I. Em
outras palavras, uma redao ainda enquadrada no nvel 5 se nela houver: i) apenas
um desvio de conveno da escrita; ou ii) apenas um desvio gramatical; ou iii) um
desvio de conveno da escrita e um desvio gramatical. A ocorrncia simultnea dessas
duas formas de impropriedade, portanto, desde que limitada a uma nica ocorrncia
de cada, no constitui razo bastante para que se subtraia nota do participante.
2. importante destacar que um desvio gramatical considerado como tal apenas quando h respaldo na literatura para tanto. Situa-
es no pacificadas entre os estudiosos ou em transio na lngua, tais como a regncia de certos verbos, no acarretam subtrao
de nota na redao do participante.
3. A proposta de atividade apresentada aqui uma adaptao do que sugerimos em Pilati et al. (no prelo).
Consideraes finais
Para atingir esse objetivo, consideramos que atividades de reviso textual e de rees-
crita so fundamentais para que o aluno seja capaz de reconhecer padres, colocar
o senso crtico em prtica e aprender a identificar desvios de norma. Por essa razo,
sugerimos, ao final, um roteiro de atividade de reviso textual e de reescrita e refora-
mos a importncia de que atividades como a proposta faam parte da rotina habitual
de trabalho do professor de lngua portuguesa. Acreditamos que, assim, poderemos
contribuir para o desenvolvimento da competncia lingustica dos alunos, mais es-
pecificamente no que se refere ao domnio da modalidade escrita formal da lngua.
Referncia
Leitura de apoio
BECHARA, E. Moderna gramtica portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Nova Fron-
teira, 2009.
CHOMSKY, N. Knowledge of language: its nature, origin and use. New York: Praeger,
1986.
* Luclia Helena do Carmo Garcez professora aposentada da Universidade de Braslia e doutora em Lingustica pela Pontifcia Uni-
versidade Catlica de So Paulo.
Sempre que produzimos uma forma qualquer de comunicao verbal, estamos utili-
zando um dos gneros disponveis na nossa cultura. Cada gnero j traz em si algumas
escolhas prvias em relao a estruturas bsicas de linguagem que so utilizadas pelo
redator com certa flexibilidade. Os falantes de uma lngua assimilam esses formatos
porque convivem com eles nas prticas sociais. Sabem, quase naturalmente, qual
a forma de uma carta, quais so as maneiras de comear uma palestra, as diversas
possibilidades de participao em uma conversa, a melhor maneira de contar uma
anedota, como relatar um acontecimento...
Exemplo 1
Sim, leitora castssima, como diria o meu finado Jos Dias, podeis ler o captulo at ao fim,
sem susto nem vexame.
(ASSIS, 1971, p. 869)
Exemplo 2
A leitora, que minha amiga e abriu este livro com o fim de descansar da cavatina de ontem
para a valsa de hoje, quer fech-lo s pressas, ao ver que beiramos um abismo. No faa isso,
querida; eu mudo de rumo.
(ASSIS, 1971, p. 925)
Exemplo 3
Ontem eu fui ao teatro e assisti a uma pea de Nelson Rodrigues. Os atores se apresentaram
de forma magnfica.
Exemplo 4
O jogador passa pela esquerda. O artilheiro chuta na direo do gol. O goleiro abraa a bola.
Exemplo 5
O cenrio deslumbrante. H luxuosos objetos que revelam a poca em que se situa a trama.
A sala de estar se compe de mveis de estilo. H muitas flores.
O cenrio era deslumbrante. Havia luxuosos objetos que revelavam a poca em que se situava
a trama. A sala de estar se compunha de mveis de estilo. Havia muitas flores.
Exemplo 6
As peas de Nelson Rodrigues tratam de denunciar toda a hipocrisia que paira sobre uma
sociedade vtima da represso sexual. o seu teatro que abre as portas para a modernidade
na dramaturgia brasileira.
Exemplo 7
Exemplo 8
Para chegar ao teatro Joo Caetano, pegue o metr at a Estao Carioca, siga pela Rua da
Carioca at a Praa Tiradentes.
Para produzir cada tipo de texto e cada gnero, algumas habilidades especficas de
linguagem so necessrias, e muitas delas se desenvolvem durante o perodo de esco-
larizao por meio de atividades de leitura, de anlise e de produo de textos.
Como j vimos, a lista de gneros aberta e pode ser infinita. Observe o quadro abaixo,
em que esto listados alguns dos gneros mais conhecidos.
Situaes Habilidades
Tipo textual
discursivas ou de linguagem Gneros orais ou escritos
predominante
domnio discursivo dominantes
Elaborao da lingua-
Expresso gem como forma de
Literatura potica potica expresso da inter- Poesia, letra de msica.
Verso pretao pessoal do
mundo.
Situaes Habilidades
Tipo textual
discursivas ou de linguagem Gneros orais ou escritos
predominante
domnio discursivo dominantes
Contratos, declaraes,
Estabelecimento, Exposio Registro e apresenta- documentos de registro
construo e trans- o textual de fatos e pessoal, atestados, certides,
misso de realidades Injuno saberes da realidade. estatutos, regimentos, cdi-
gos, diplomas, certificados.
Referncias
ASSIS, M. de. Dom Casmurro. In: ______. Obra completa. Rio de Janeiro: Aguilar,
1971. v.1.
1. Lngua e linguagem
* Maria Luiza Monteiro Sales Coroa professora da Universidade de Braslia e doutora em Lingustica pela Universidade Estadual
de Campinas.
2. Texto
Embora haja hoje uma grande variedade de definies para texto,1 pois cada corren-
te terica prope sua prpria concepo, existe uma caracterstica que todas essas
1. Falamos aqui de textos lingusticos, embora consideremos que qualquer sistema de smbolos ou sistema semitico possa consti-
tuir textos, como um texto visual ou musical, por exemplo.
O TEXTO DISSERTATIVO-ARGUMENTATIVO 51
correntes apresentam em comum: um texto uma unidade significativa. Isto quer
dizer que a funo, a conceituao ou a definio de texto est ligada a fazer sentido.
Assim se reconhece que as partes de um texto se articulam de tal maneira que os
sentidos so construdos globalmente, solidariamente em um determinado contexto
sociocomunicativo. Trata-se, pois, no de uma mera soma de signos, mas de uma
arquitetura construda em camadas e hierarquias de significaes.
3. Gneros textuais
O TEXTO DISSERTATIVO-ARGUMENTATIVO 53
Nessa perspectiva da variao dos textos em razo dos contextos em que circulam, a
lingustica, sobretudo aquela de orientao pragmtica, tem proposto e desenvolvido
a categoria discursiva de gneros textuais, na pretenso de caracterizar as especi-
ficidades das manifestaes culturais concernentes ao uso da lngua e de facilitar o
tratamento cognitivo desse uso, seja oral, seja escrito (ANTUNES, 2009, p. 210).
2. Bakhtin (2000) define gneros a que chama discursivos como estruturas relativamente estveis que se constroem histrica e
culturalmente; por isso, culturas diferentes e pocas diferentes decidem o que um texto adequado, ou no adequado, sua situao
de produo/leitura.
4. Tipos textuais
3. O termo superfcie composicional utilizado por Marcuschi (2002b) em seu artigo fundante sobre gneros textuais.
O TEXTO DISSERTATIVO-ARGUMENTATIVO 55
o imperfeito, para o tipo descritivo; o imperativo para o tipo instrutivo; o perfeito
para o tipo narrativo etc.) no deixa de ter suas razes mais remotas em aspectos de
sua dimenso contextual (ANTUNES, 2009, p. 209-210).
Exemplo 1
No endereo dos Beauregard encontro uma casa de janelas fechadas, sem sinal de vida. uma
construo modesta, quase colada aos seus dois vizinhos, num renque de sobrados trigmeos
que s pelas cores se distinguem entre si. O deles ocre com venezianas verdes de madeira,
sendo central a janela do segundo andar, e a do rs do cho deslocada para a esquerda em
simetria com a porta.
(BUARQUE, 2014, p. 82)
Exemplo 2
Pouco antes daquela data, numa esquina a cem metros da minha escola vi grupos descendo
dos bairros elegantes rumo ao centro da cidade. Resolvi acompanh-los por desenfado, j
que, depois de uma palestra no centro acadmico sobre o embargo a Cuba, tinha assistido
duas horas de aula de alemo e a de literatura francesa eu podia dispensar por adiantado na
disciplina.
(BUARQUE, 2014, p. 47-48)
Reconhecemos com facilidade que o exemplo (1) realiza uma descrio e o exemplo
(2), uma narrao. So formas de organizar textualmente os sentidos com as quais
estamos familiarizados nas nossas prticas de leitura (e de ensino).
Ao observar o uso dos verbos nos dois fragmentos, percebemos que no primeiro deno-
tam mais estaticidade. No segundo, os verbos conferem maior movimento aos aconte-
cimentos. Relaes de temporalidade so mais relevantes no segundo fragmento, na
narrao. Na descrio, a espacialidade que predomina sobre a temporalidade: so
comuns as expresses que indicam lugares e caractersticas, como No endereo e
uma construo modesta. No exemplo (2) h vrias expresses que pem em sequ-
ncia os acontecimentos: j que, depois de uma palestra e resolvi acompanh-los.
Ao mencionar um acontecimento depois de outro que tinha ocorrido, o tempo verbal
fornece essa pista: tinha assistido.
O tipo descritivo caracteriza-se, assim, por apresentar pistas que levam a construir
imagens mentais de um objeto a partir de um ponto de vista. Por isso, o tipo des-
critivo comumente associado dimenso espacial, como se o olhar do leitor fosse
conduzido, linguisticamente, para um passeio por determinados lugares ou para a
observao de coisas e pessoas.
Exemplo 3
1.3 BATERIA
Antes de utilizar o telefone, carregue a bateria por 3 horas e trinta minutos at que ela atinja
a carga total.
Mantenha a bateria carregada enquanto no estiver usando o telefone, deste modo o apro-
veitamento dos tempos de conversao e espera sero maiores.
1.3.1 INSTALANDO A BATERIA
Para instalar a bateria, insira a parte inferior dela na abertura existente na parte traseira do
telefone. Empurre ento a parte superior de encontro ao aparelho at ouvir a trava de segurana
encaixar-se na bateria.
(Trecho do Manual do Usurio de um telefone celular)
O TEXTO DISSERTATIVO-ARGUMENTATIVO 57
Observando a predominncia das categorias gramaticais utilizadas, percebemos que
os verbos no modo imperativo so a caracterstica mais marcante do texto: carregue,
mantenha, insira. A finalidade do gnero do qual foi transcrito o trecho, manual
de instrues, favorece o emprego de estruturas lingusticas que deem ordens, que
instruam, que ensinem a usar ou estabeleam passos de comportamento. Por isso, o
tipo denominado instrucional ou injuntivo.
Os fragmentos aqui tomados como exemplos foram escolhidos por mostrarem mais
claramente as caractersticas do tipo a que remetem. Mesmo assim, apresentam uma
mescla de tipos. Podemos, por exemplo, observar alguns traos do tipo narrativo no
exemplo descritivo: No endereo dos Beauregard encontro uma casa. Tambm
vemos traos de descrio no exemplo narrativo: numa esquina a cem metros da
minha escola; ou bairros elegantes. O incio do Manual do Usurio tem trechos,
no transcritos aqui, em que o aparelho celular descrito em sua constituio.
5. O tipo dissertativo-argumentativo
Exemplo 4
A forma temporria como tratam os vdeos criados reflete outro aspecto caracterstico desses
apps. Em oposio noo de que tudo o que postado na internet fica registrado para a
eternidade (e tem potencial de se transformar em viral), os aplicativos querem passar a sensao
de efmero. Quem no viu a transmisso ao vivo dificilmente ter nova chance. Nisso, eles se
assemelham a outro app de sucesso, o Snapchat, servio de troca de mensagens pelo qual o
contedo destrudo segundos aps ser recebido pelo destinatrio.
(VEJA, 2015, p. 98)
O TEXTO DISSERTATIVO-ARGUMENTATIVO 59
Vejamos agora um exemplo do tipo argumentativo.
Exemplo 5
Fazer pesquisa crtica envolve difceis decises de cunho tico e poltico a fim de que, no
importa quais sejam os resultados de nossos estudos, nosso compromisso com os sujeitos
pesquisados seja mantido. A questo complexa por causa das mltiplas realidades dos
mltiplos participantes envolvidos na pesquisa naturalstica da visa social. Por exemplo, no
projeto de pesquisa de referncia neste artigo, havia um componente que envolvia a obser-
vao participante da sala de aula, isto , a observao procura das unidades e elementos
significativos para os prprios participantes da situao.
(KLEIMAN, 2001, p. 49)
Como, nas nossas prticas sociais e culturais, o tipo expositivo o mais indicado
para informar ou para explicar relaes entre processos ou acontecimentos, gneros
Por causa da necessidade de uma forte ligao entre a ideia selecionada para ser (com)
provada e as razes para (com)prov-la, o tipo argumentativo recorre com muita
frequncia s relaes lgicas para demonstrar a verdade daquilo que diz, como as de
causa e consequncia e as de condio. Comumente tais relaes so expressas por
conectivos de finalidade, de causa, de justificativa, como em por causa das mltiplas
realidades ou em a fim de que, no importa quais sejam os resultados de nossos
estudos, nosso compromisso. Mas tambm a seleo lexical, como complexa,
mltiplas realidades, elementos significativos, deve estar a servio do objetivo
da argumentao.
O TEXTO DISSERTATIVO-ARGUMENTATIVO 61
tipos textuais para se organizar composicionalmente. O elemento norteador (e critrio
maior de classificao) encontra-se nos sentidos globais do texto. Esses sentidos, por
sua vez, inter-relacionam-se com a veiculao social do texto, o gnero textual.
Consideraes finais
O trabalho pedaggico sobre a lngua e a linguagem, ao extrapolar as caractersticas
de cdigo, sem deixar de contempl-lo isto , ao tomar como unidade de estudo o
texto , recupera a realizao da lngua em uso nas prticas sociais. E ao considerar
a variedade dos gneros textuais nas nossas prticas de sala de aula, estamos muito
mais prximos da realidade do uso lingustico, porque assim que interagimos lin-
guisticamente, por meio de gneros adequados a cada situao sociocomunicativa.
Referncias
ANTUNES, I. Lngua, texto e ensino outra escola possvel. So Paulo: Parbola, 2009.
O TEXTO DISSERTATIVO-ARGUMENTATIVO 63
7. REDAO ESCOLAR: UM GNERO TEXTUAL?
Maria da Graa Costa Val*
Para responder pergunta que d ttulo a este texto, apresento, de incio, uma
compilao de ideias hoje bastante divulgadas sobre o conceito de gnero textual,
privilegiando aspectos relevantes para a reflexo que pretendo construir. Em segui-
da, seleciono alguns pontos dessa retomada terica para caracterizar o que estou
chamando de redao escolar.
1. Gneros textuais
Luiz Antnio Marcuschi (2002, p. 19) considera os gneros textuais como prticas
scio-histricas cuja funcionalidade prevalece sobre a forma. Segundo o autor, os
gneros so fenmenos histricos, profundamente vinculados vida cultural e so-
cial, que contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia
a dia; so entidades sociodiscursivas e formas de ao social incontornveis em
qualquer situao comunicativa.
A ideia de que os gneros organizam nossa vida social e tipificam nossas aes a
base da teoria de Charles Bazerman (apud DIONSIO; HOFFNAGEL, 2005). Para o
autor, eles definem padres para as aes de linguagem orais e escritas que realizamos
* Maria da Graa Ferreira da Costa Val professora da Universidade Federal de Minas Gerais e doutora em Educao pela mesma instituio.
1. No vou considerar neste artigo a distino terminolgica entre gnero de texto e gnero de discurso.
Para Bazerman, a padronizao das aes de linguagem que explica o sentido que
atribumos a determinados documentos e a submisso sem questionamento que
assumimos diante de certos formulrios ou procedimentos. Por exemplo: por que
aceitamos assinar ponto, quando todos sabem que estamos presentes no local de
trabalho e que realizamos nossas tarefas normalmente? Essa ao de linguagem
padronizada, embora possa parecer sem sentido, um dos elementos que organizam
nossa vida social. Ou seja, o gnero ponto um elemento de organizao coletiva nas
instituies de trabalho.
Interpretando Bakhtin, Faraco, citado por Marcuschi (2005, p. 23), afirma que g-
neros do discurso e atividades so mutuamente constitutivos.
Do ponto de vista formal, um gnero pode ser reconhecido, segundo Bakhtin (1992,
p. 277-326), por modos tpicos de organizao temtica, composicional e estilstica.
Em cada esfera de atividade, vo se constituindo formas padronizadas de organizao
dos discursos, que associam a determinadas situaes de relacionamento humano
determinadas abordagens temticas, determinados procedimentos composicionais
e determinados usos dos recursos lingusticos.
2. Bakhtin viveu de 1895 a 1975. Seu estudo Os gneros do discurso foi escrito em 1952-1953 e publicado em Moscou, em edio pstu-
ma, em 1979. No Brasil, o texto est no livro Esttica da Criao Verbal, edio de 1992.
ainda em Bakhtin (1992, p. 277, grifo nosso) que encontramos a conhecida postula-
o de que os gneros, embora atuem como padres, no so imutveis, no so inalte-
rveis: so padres de enunciado relativamente estveis. Por sua estabilidade, esses
Beth Marcuschi (2007, p. 64) considera que a redao escolar se configura como um
macrognero que abarca as subcategorias redao endgena ou clssica que
nasce e circula quase que exclusivamente dentro da escola e redao mimtica
que traz para a sala de aula modelos de gneros que circulam externamente escola
e os toma como objetos de ensino, mas numa situao que apenas imita sua efetiva
trajetria e suas funes. Vou considerar aqui apenas a chamada redao endgena
ou clssica, que se manifesta, tradicionalmente, como padro textual em trs moda-
lidades distintas: a descrio, a narrao e a dissertao.
Essa prtica sugere algumas consideraes. A primeira delas, de acordo com Schneuwly
e Dolz (1999), o desaparecimento da comunicao. Na cena discursiva, no se veem
interlocutores empenhados em dizer alguma coisa ou em compreender a palavra do
outro, escolhendo o gnero mais adequado para se expressar naquela circunstncia,
de modo a cumprir determinado objetivo e produzir determinados efeitos. Apaga-se
a dimenso discursiva do texto produzido.
A tradio escolar trabalha com tipos textuais na crena de que, focalizando exclusi-
vamente os aspectos composicionais e estilsticos, possa contribuir para o desenvol-
vimento de capacidades lingusticas supragenricas que sejam transferveis para
a escrita de textos pertencentes a qualquer gnero. Ainda que a transferncia de
aprendizado possa ocorrer, o aprendizado da dimenso discursiva dos gneros fica
excludo. A redao escolar no propicia ao aluno desenvolver-se como sujeito autor,
capaz de realizar a escolha do gnero adequado s circunstncias da interlocuo e
adaptar seu querer-dizer s exigncias desse gnero, sem renunciar sua individu-
alidade e sua subjetividade.
Referncias
MARCUSCHI, B. Redao escolar: breves notas sobre um gnero. In: SANTOS, C. F.;
MENDONA, M.; CAVALCANTE, M. C. B. (Orgs.). Diversidade textual: os gneros
na sala de aula. Belo Horizonte: Autntica, 2007.
SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Os gneros escolares: das prticas escolares aos objetos
de ensino. Revista Brasileira de Educao, n. 11, mai./ago. 1999.
Leitura de apoio
Partamos, ento, da ideia de que argumentar seja uma prtica cotidiana e que a
qualidade dos argumentos a responsvel por convencer o leitor ou o ouvinte a aceitar
a tese de quem produz o texto. Em propostas de texto dissertativo-argumentativo,
est em jogo, portanto, a capacidade do produtor de expor uma situao-problema,
apresentando uma tese (opinio) sobre o fato e articulando-a com argumentos
fortes e coerentes.
Do ponto de vista textual, numa exposio, o primeiro passo situar o leitor a res-
peito do tema. s vezes, isso se d pela contextualizao histrica do problema, at
se chegar ao presente. Outra possibilidade fazer o percurso do geral ao especfico,
apresentando o tema de forma abrangente num primeiro momento e chegando s
* Mrcio Matiassi Cantarin professor da Universidade Tecnolgica Federal do Paran e doutor em Letras pela Universidade
Estadual Paulista.
Roberlei Alves Bertucci professor da Universidade Tecnolgica Federal do Paran e doutor em Letras pela Universidade de So Paulo.
Rogrio Caetano de Almeida professor da Universidade Tecnolgica Federal do Paran e doutor em Literatura pela Universidade de
So Paulo.
Por fim, o produtor encerra seu pargrafo introdutrio afirmando que, por tudo
isso, Surge [...] o debate acerca dos limites publicidade infantil. Essa descrio da
existncia de um debate sobre o fato coloca a questo como uma situao-problema,
em que argumentos favorveis e contrrios imposio de tais limites precisaro
ser expostos. Isso deixa transparecer o carter dissertativo-argumentativo do texto.
Por outro lado, se o produtor no introduz a temtica, partindo j para uma tese ou para
uma proposta com relao ao problema, o leitor fica deriva, sem qualquer referncia;
sem uma apresentao dos fatos que geram aquela situao-problema, o avaliador
precisa considerar o vazio entre a exposio e a argumentao algo importante a ser
corrigido no processo de reescrita. o que ocorre no exemplo exposto a seguir.
Deveriam existir no Brasil leis para proibir propagandas dirigidas as crianas, com apelo para
compra e consumo de qualquer produto, em um pas onde as crianas deixaram de brincar
para assistirem TV, no vale a pena deixar que industrias de produtos infantis abusem disso.
Por outro lado, a introduo do tema pode ser direta, como se v no fragmento a
seguir (exemplo 3), em que o participante abre o texto j falando sobre o crescimento
da publicidade infantil no Brasil. No restante do mesmo pargrafo, apresenta um
argumento importante para tal crescimento: a imaturidade da criana em relao ao
poder persuasivo das propagadas, o que as torna altamente influenciveis.
A publicidade infantil um ramo que vem crescendo muito no Brasil. Afinal, as crianas ainda
no formaram toda base crtica necessria para entender toda a complexidade e persuaso
de uma propaganda, fatos que as tornam um pblico alvo facilmente convencido.
Vamos considerar tambm que dissertar seja fazer uma reflexo terica sobre um
assunto. Ento, na avaliao de textos dissertativo-argumentativos, preciso levar
em conta o grau dessa reflexo feita pelo participante. Nesse sentido, a exposio
precisa apresentar os fatos como j estabelecidos, servindo para situar o problema
em uma determinada esfera (temporal, geogrfica, humana etc.). Um exemplo seria
dizer que a publicidade infantil tem crescido nos ltimos anos, como consequncia
dos inmeros produtos que tem chegado ao mercado para esse pblico. Vemos que,
aqui, haveria poucas dvidas por parte do leitor em relao veracidade da informa-
o, inclusive por haver uma relao lgica entre a causa (aumento dos produtos) e
a consequncia (aumento da publicidade).
Hoje vem crescendo muito o nmero e taxas que comprovam, a criana como consumista
secundria.
A rea da publicidade voltada a elas utiliza recursos estratgicos, como o uso excessivo de
cores vibrantes, linguagem apelativa e voltada ao pblico infantil e suas personagens de
desenho favoritas. Outro recurso muito utilizado o horrio de exibio. Estas propagandas
so transmitidas com mais frequncia entre onze e doze horas da manh, quando a criana
geralmente chega da escola para assistir desenho, ou ainda entre trs e seis da tarde, quando
muitas assistem filmes e programas.
Claramente, vemos que o participante faz uso de uma exposio sobre o tema da
publicidade infantil, deixando claro que a forma e o horrio de veiculao so
parte da situao-problema.
Como segundo elemento crucial do texto dissertativo-argumentativo, temos a
persuaso, cujo poder deve ser matria de avaliao desse gnero. Vamos as-
sumir aqui que argumentar oferecer ideias, razes, provas to relevantes que
consigam convencer o leitor sobre um ponto de vista. Com isso, para a avaliao
de textos dissertativo-argumentativos, preciso levar em conta a qualidade dos
argumentos na composio do texto. Em geral, essa qualidade pode ser avaliada
assim: o produtor apresenta uma ideia e, em seguida, articula um raciocnio capaz
de comprov-la.
Esses argumentos (raciocnios) podem ser de diferentes tipos, como provas con-
cretas (dados ou fatos sobre o tema), exemplos (fatos similares ou relacionados
ao tema), autoridades (citao de especialistas no tema), lgica (causa e conse-
quncia, por exemplo) e senso comum (o que as pessoas em geral pensam sobre
o tema). Em geral, textos dissertativo-argumentativos devem apresentar mais de
um argumento, a fim de que a ideia possa ser defendida de diferentes maneiras,
e tambm evitar argumentos de senso comum, os quais, embora vlidos, podem
ser fruto de uma reflexo muito rasa, o que no condiz com o gnero.
No trecho que apresentaremos a seguir, verificamos a presena de dois argumentos
fortes: na primeira parte, um argumento de raciocnio lgico; na segunda, um
argumento baseado em autoridade, por ser uma referncia indireta ao Texto III
da proposta de redao de 2014.
A preocupao de ONGs e dos pais frente ao abuso excessivo das propagandas apresentadas
s crianas compreensvel, uma vez que alm de incentivar o consumo, elas vendem a ideia
de realizao, excluindo de certa maneira aqueles que no podem possuir determinado bem.
Todavia, a restrio da comunicao com o referido pblico, no resolve o problema e pode
comprometer o desenvolvimento crtico do indivduo, por no poder conhecer o mundo de
forma mais abrangente.
Aqui, certamente, o participante est fazendo uma referncia ideia geral apresentada
no Texto III da proposta, a respeito da necessidade de preparar a criana para o
que o mundo oferece, o que poder torn-la um consumidor mais consciente. Para
o caminho persuasivo, essa referncia tima porque, alm de se colocar como um
raciocnio vlido (no estar em contato com a publicidade pode comprometer o senso
crtico da criana), o produtor mostra que compreendeu o texto motivador e soube
inseri-lo no lugar correto em seu prprio texto para contrabalanar a opinio que
havia dado antes. Alm disso, pode servir como oposio a uma tese bvia: a de que a
restrio/proibio da publicidade infantil a melhor ao para combater os possveis
malefcios causados por esse tipo de marketing.
As propagandas vinculadas a esse pblico, muitas vezes geram uma influncia desnecessria. A
publicidade de alimentos que fazem mal sade, por exemplo, contribui para a disseminao
de um problema bem presente na sociedade, chamado obesidade, visto que quanto mais cedo
se adotar a essa dieta de alimentos industrializados, enlatados e com alto teor de gordura,
maiores sero as chances de tornar-se um adulto obeso e com problemas cardiovasculares.
Para finalizar, j que estamos tratando de exemplos relativos temtica do Enem 2014,
mencionemos o Texto Motivador II da avaliao, que apresenta algumas medidas toma-
das por diferentes pases com relao publicidade infantil. Caso o produtor utilizasse
dados sobre o modo como essas naes lidam com o problema, teria argumentos de
qualidade para mostrar que tanto o problema no exclusivo do Brasil, quanto as
solues podem ser diferentes. O excerto a seguir mostra que o participante tinha
conscincia desses fatos, ao mencionar a atitude do Conanda e, ao mesmo tempo, julgar
que ela no foi a melhor medida, considerando-se a interpretao do Texto II.
Alguns pases como Noruega, j estabelecem leis proibindo publicidades infantis visando assim,
um estilo de vida mais saudvel para as pessoas. Em outros lugares, ativistas e ONGs lutam por
uma amenizao do forte uso de publicidades para crianas. J outros com o Brasil procuram
criar regras e acordos com setores comerciais e governamentais para possveis atividades.
Alm disso, o trecho tem dois problemas graves: o primeiro dizer que em outros
lugares se luta por uma amenizao do forte uso de publicidades para crianas.
Essa informao, alm de no ter fonte (nem nos textos motivadores), parece ser
mais verdadeira em relao ao Brasil. Alis, o segundo problema se refere ao Brasil,
uma vez que o participante afirma que o pas procura criar regras e acordos,
quando, na verdade, foi uma resoluo a provocadora da situao-problema que
virou tema da redao. Finalmente, o objeto da criao de tais regras e acordos,
que seria para possveis atividades, fica extremamente vago, na medida em que
o produtor no faz referncia explcita ao tipo de atividade. Aqui, a sugesto seria
ele relacionar os grupos de pases e suas decises, tal como se v nos textos moti-
vadores. Como est, o avaliador poder considerar o texto como uma interpretao
equivocada deles.
Referncia
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANSIO TEI-
XEIRA INEP. Exame Nacional do Ensino Mdio. Prova de redao e de linguagens,
cdigos e suas tecnologias; prova de matemtica e suas tecnologias. 2 dia. Caderno
5, amarelo. 2014. Disponvel em: <http://download.inep.gov.br/educacao_basica/
enem/provas/2014>. Acesso em: 13 jan. 2016.
Leitura de apoio
Um texto qualquer texto costuma ser avaliado, entre outros aspectos, por sua
originalidade. Onde, porm, essa originalidade costuma ser encontrada? Para iniciar
essa discusso, o enfoque ser dado no binmio forma-contedo. Assim, por um lado,
pensa-se na originalidade como uma qualidade ligada forma: o texto to mais original
quanto mais for inventivo, ou mesmo transgressor, em relao sintaxe ou aos gneros
com os quais ele dialoga. o enfoque no como se diz. Por outro, valoriza-se a abordagem
de temas pouco usuais, ou, se na era da informao difcil encontrar temas que j no
tenham sido tratados, valoriza-se a originalidade das imagens ou informaes reunidas
para a discusso de um determinado tema, pelo fato de essas informaes ou imagens
trazerem em si novidades. o o que se diz.
* Anderson Lus Nunes da Mata professor da Universidade de Braslia e doutor em Literatura pela mesma instituio.
Suponhamos que estamos diante de uma prova como a do Exame Nacional do Ensino
Mdio (Enem). Em 2013, a prova aplicada tinha como tema Efeitos da implantao
da Lei Seca no Brasil. A proposta dos examinadores, disponvel no portal do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (Inep), alm das instru-
es de redigir texto dissertativo-argumentativo na modalidade escrita formal da lngua
portuguesa sobre o tema indicado, apresentando proposta de interveno que respeite
os direitos humanos, trazia um conjunto de textos de carter motivador, que forneciam
algumas informaes sobre o tema para aqueles que deveriam escrever a redao. Nessa
proposta, os textos discorriam sobre: i) a relao entre o nmero de acidentes e a moti-
vao para proposio da legislao; ii) os riscos envolvidos na associao entre bebida
e direo; iii) a reduo dos acidentes decorrentes de embriaguez ao volante aps incio
da vigncia da lei; iv) uma das aes de conscientizao que ocorreram nesse contexto.
Exemplo 1
O Brasil um pas muito grande. At a implantao da lei seca no Brasil, o ndice de acidentes
era muito alto. Algumas pessoas no concordam com essa lei e colocam as vidas dos outros
em risco. Para acabar com os acidentes de uma vez por todas preciso aceitar a lei. Por isso,
se dirigir no beba e se beber no dirija ou chame um txi.
Outro texto, ainda sobre o mesmo tema, Efeitos da implantao da Lei Seca no Brasil,
poderia ter um fragmento desenvolvido da seguinte maneira:
Exemplo 2
preciso ver que com essa lei muita coisa mudou. Bares tiveram que fechar as portas mais
cedo, a venda de bebidas passou a ser mais regulada e, aos poucos, pelo conjunto de aes,
no apenas pelas blitzes, as vendas foram melhorando.
Infelizmente, o ser humano se adapta, e mesmo com a maior fiscalizao e a divulgao de
campanhas contra a associao entre lcool e direo, os acidentes causados por motoristas
bbados continuam ocorrendo, ainda que em menor nmero. at possvel encontrar moto-
ristas que dizem que dirigem melhor depois de beber. Como possvel algum afirmar algo
assim quando se sabe dos efeitos do lcool no corpo? Parece bvio, mas preciso continuar a
fiscalizao e talvez endurec-la, pois sempre vai haver quem no consegue respeitar as leis.
A marca autoral intensificada, nesse fragmento, pelo modo como se diz. A pergunta
Como possvel algum afirmar algo assim quando se sabe dos efeitos do lcool
no corpo?, que segue o trecho em que sua experincia de escuta trazida ao texto,
introduz uma interlocuo com um leitor hipottico que refora a existncia de su-
jeito por detrs desses enunciados. O questionamento, que a base de toda reflexo,
constri no texto um dilogo (e um dialogismo) que torna sua argumentao mais
complexa e, por isso, mais original. Outro aspecto formal que revela indcios de
autoria no texto a autoconscincia da linguagem presente no trecho Parece bvio,
mas preciso continuar a fiscalizao e talvez endurec-la, pois sempre vai haver quem
no consegue respeitar as leis. Nesse caso, o autor demonstra estar consciente de que
o que ele vai dizer no original, mas, ao destacar a obviedade de sua concluso, ele
acaba por dar fora a ela, como se no houvesse outro modo de pensar o problema.
O emprego da expresso parece bvio antecipa a crtica que o leitor pudesse fazer,
mostrando que o autor est plenamente consciente da qualidade das informaes
que ele maneja em seu texto, o que indica, embora nem sempre garanta, que h um
projeto de texto por detrs daquela redao.
FOUCAULT, M. O que um autor? In: ______. Ditos & Escritos. Rio de Janeiro:
Forense Universitria, 2009. v. 3.
Como Marilena Chau pode concorrer com Hebe Camargo? Esta impotncia de Chau
(e no s dela!), porm, no desqualifica o valor da interveno social do escritor,
quando age como intelectual. Tambm no se pode ser escritor sem conhecimento
profundo da especialidade. Disse Ezra Pound (1976, p. 15): O cientista no espera
ter o seu valor reconhecido antes de haver descoberto alguma coisa. Comea por
aprender o que j foi descoberto. Prossegue a partir desse ponto. No se prevalece
do fato de ser pessoalmente um indivduo encantador. No espera que seus amigos
aplaudam os resultados de seu trabalho de principiante. Infelizmente, em poesia, os
calouros no ficam confinados a uma sala de aula definida e identificvel. Eles circulam
* Jos de Ribamar Oliveira Costa professor da Secretaria Estadual de Educao do Par e da Universidade Federal Rural da Ama-
znia e mestrando do Programa de Ps-graduao em Educao, Cincias e Matemtica na Universidade Federal do Par (UFPA).
Mariza Andrade Guedes professora da Secretaria Estadual de Educao do Par e mestre em Ensino-Aprendizagem do Portugus
pela mesma instituio.
A noo de autor foi objeto de reflexes do pensador francs Michel Foucault (1992),
que questionou a ideia de que o autor dono absoluto de sua obra.
Com aparente circularidade, a noo de autor que, entre outros aspectos, permite que
se fale de uma obra, especialmente em decorrncia de determinada propriedade que as
obras tm (teriam), a de se caracterizarem por uma certa unidade. Ora, exatamente a
figura do autor que confere essa unidade a uma obra. Mas fique claro que, para Foucault,
a noo de autor discursiva (isto , o autor de alguma forma construdo a partir de
um conjunto de textos ligados a seu nome, considerado um conjunto de critrios, dentre
eles sua responsabilidade sobre o que pe a circular, um certo projeto que se extrai da
obra e que se atribui ao autor etc.), da porque ele distingue to claramente a noo de
autor da de escritor (POSSENTI, 2002, p. 107).
Para Foucault (1992 apud POSSENTI, 2002, p. 107), a noo de autor se constitui a
partir de um correlato noo de obras , ou seja, s temos um autor se tivermos uma
obra cuja autoria possa ser atribuda a ele. A noo de autor para Foucault discursiva.
Desse ponto de vista, alm de ter um conjunto de textos atribudo a ele, necessrio
que este assuma a responsabilidade (poltico/social) sobre o que pe a circular na
sociedade. Remontando s ideias de Foucault sobre autoria, pode-se considerar como
autor o proprietrio da obra literria, a pessoa que goza dos privilgios trazidos pelo
reconhecimento mercadolgico.
Todas essas, alm de outras razes, poderiam ser elencadas como motivos para se
implicitar um contedo. que a lngua nos oferece possibilidades para a implicitao
daquilo que no se pode, no se quer ou no se deseja dizer, ou seja, a lngua nos
permite transmitir algo sem efetivamente diz-lo. Entre esses modos implcitos de
expresso, situa-se a pressuposio, que tambm uma deciso que confere autoria ao
texto. Austin (1990) defensor de que a pressuposio seja uma condio de emprego
do prprio enunciado. Para esse autor, o enunciado formado de itens identifica-
dores que auxiliam na funo informativa, fazendo com que o destinatrio evoque
conhecimentos de mundo, ou conhecimentos que o falante pressupe compartilhar
com sua audincia. Arruda-Fernandes (1997) destaca que, para que um enunciado
cumpra sua funo, h necessidade de que os referentes pressupostos por tais itens
no s ajudem o ouvinte a localizar o item descrito, mas, principalmente, tenham um
referente, pois este ajudar o ouvinte a localizar o item descrito.
Exemplo
J faz muito tempo que se sabe [...] [o poder que as propagandas tem sobre as pessoas]. Muitas
vezes, adultos acabam [...] sucumbindo a seus apelos. A criana sendo naturalmente imediatista,
estaria, ento mais suscetvel a tudo isso [...] Alm disso, devemos questionar se adequado
dirigir propagandas s crianas.
O Conar [sente-se eticamente autossuficiente] [...] para normatizar a publicidade destinada
s crianas. Isso seria verdadeiro? vemos propagandas com garotas magras e bonitas com
carrinhos que se chocam violentamente [...] Mostramos isso como padro a ser seguido. [...] o
prprio ato de levar o pblico infantil a consumir, [...] deve ser repensado.
(continua)
A nossa sociedade [...] influenciada pelo que circula na mdia. Baudrillard [...] defende que nos
tornamos refns de necessidades criadas. [...] O Brasil deve fazer igual aos outros pases, devemos
oferecer proteo as nossas crianas por meio da regulamentao [externa] da publicidade
infantil. H necessidade de se questionar acerca das propagandas infantis no Brasil.
necessria a unio entre famlia e escola para estimular a criana a ter um olhar crtico sobre as
mensagens divulgadas diariamente pelas propagandas. Para isso, Os pais poderiam boicotar
produtos relacionados a mensagens publicitrias inadequadas, uma boa alternativa para os
pais seria no comprar estes produtos e para as escolas seria criar projetos que fomentem
atitudes de consumo consciente.
Excerto de redao do Enem 2014 (com alteraes).
Referncias
ARRUDA-FERNANDES, V. M. B. Argumentao pressuposio e ideologia: anlise
de textos publicitrios. 1997. Tese (Doutorado) Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 1997.
AUSTIN, J. L. Quando dizer fazer: palavras e ao. Porto Alegre: Artes Mdicas,
1990.
A tradio, em boa medida incorporada pela escola durante muito tempo, props
que h trs tipos bsicos de texto: a narrao, a descrio e a dissertao. Como os
ttulos de certa forma indicam, a narrao um texto que apresenta fatos, encadeados
temporalmente ou no; a descrio um texto que mostra objetos, pessoas, paisagens
(lembre-se do incio de O guarani, por exemplo); e a dissertao um texto que
apresenta uma (vrias) tese(s) e a(s) justifica.
No impossvel dizer que um romance defende uma tese, ou mais de uma. Por
exemplo, Grande Serto: Veredas pode ser lido como um romance que discute a
existncia e a natureza do mal (e do diabo, uma de suas encarnaes), alm de outras
questes: jagunos ajudam polticos; Diadorim exerce um fascnio sobre Riobaldo
(no final, descobre-se que mulher, o que, de certa forma, resolve o problema de
Riobaldo uma soluo que algum poderia qualificar de machista) etc.
* Srio Possenti professor da Universidade Estadual de Campinas e doutor em Lingustica pela mesma instituio.
2. Sentidos de argumento
A palavra argumento tem dois sentidos bsicos: i) refere-se a uma totalidade que
inclui tanto as premissas quanto a concluso ou a tese (um exemplo o silogismo,
apresentado abaixo); ii) refere-se apenas ao enunciado ou aos enunciados que sus-
tentam a concluso ou tese; neste caso, no exemplo do silogismo, s as premissas so
argumentos. neste sentido que se diz, por exemplo, que um escritor bom porque
vende bem / elogiado pela crtica. A tese: bom; os argumentos: vende bem /
elogiado pela crtica.
Um exemplo caracterstico :
Exemplo 1
ARGUMENTAR 102
de cada um. Assim, por mais absurdo que possa parecer, o exemplo seguinte tambm
um silogismo perfeito:
Exemplo 2
Exemplo 3
Exemplo 4
Se o lemos na linguagem da teoria dos conjuntos, a demonstrao fica ainda mais clara:
Uma forma comum de silogismo apresenta uma s premissa, ficando a outra im-
plcita. Se ele humano, ento pode errar. Premissa implcita: todos os humanos
podem errar.
O que uma tese? Uma tese o resumo de uma posio (de uma teoria, de uma
ideologia). Uma tese pode ser cientfica. Por exemplo:
Exemplo 5
Os argumentos que sustentam a tese (1) viro dos laboratrios, que vo mostrar,
com anlises, que o Aedes aegypti pode estar infectado e pode transmitir o vrus s
pessoas que pica (detalhando: mostra-se tambm que so as fmeas as responsveis
pela transmisso do vrus).
ARGUMENTAR 104
Os argumentos que sustentam a tese (2) levam em conta as anlises cientficas sobre
o processo de transmisso e acrescentam, por exemplo: i) que a falta de gua leva
as pessoas a querer armazenar o lquido; ii) que, se a armazenagem no for feita de
maneira cuidadosa (por exemplo, em baldes e outros recipientes no fechados ade-
quadamente), a gua armazenada pode transformar-se em verdadeiro criadouro do
mosquito que transmite a dengue; outro argumento: se, aps a seca, volta a chover, o
perigo pode no desaparecer se houver lugares nos quais a gua da chuva se armazena
(construes, piscinas vazias, lixes, pneus velhos amontoados).
Mas uma tese pode tambm ser ideolgica1 (isto , expressar uma crena religiosa,
poltica, jurdica...) sobre um tema qualquer. Por exemplo:
Exemplo 6
Os argumentos que sustentam uma tese como essa podem ser, por sua vez, ideol-
gicos (buscados na declarao universal dos direitos humanos, por exemplo), mas
tambm podem ser cientficos (por exemplo, avaliaes genticas ou fatos histricos
que mostram que, mesmo em condies desiguais, mulheres produziram grandes
feitos nas artes, na cincia, na poltica...).
Outra diviso importante no que se refere aos argumentos diz respeito a eles serem
factuais, at mesmo numricos ou estatsticos (quantitativos) ou a serem abstratos
(expressando valores, isto , ideologias).
1. A palavra ideologia tem a ver com ideias no com ideias de esquerda, como comumente se pensa; em geral segue-se a tese que
ope ideologia e cincia, como se no houvesse nenhuma ideologia nas cincias e nada de cincia nas ideologias.
Mas houve outra maneira de fazer o clculo (que implicava defesa dos governantes),
que a mdia divulgou: considerada a populao de So Paulo, a mdia de casos por
habitante no a maior do pas. Logo, a epidemia menor em So Paulo do que em
outros estados ou do que se quer fazer crer. O argumento: a mdia de atingidos pela
dengue menor em So Paulo do que em outros estados. Ou seja: um argumento se
baseia nos nmeros absolutos, outro nos relativos.
Outra tese que surgiu, proposta por um especialista da rea da sade, bastante espe-
cializada. Segundo ele, o que explica o menor nmero de pessoas atingidas por dengue
no Rio e o maior em So Paulo foi o que ocorreu em anos anteriores: como o nmero de
casos fora maior no Rio que em So Paulo (ou menos em So Paulo do que no Rio) nos
anos, h mais imunizados no Rio (e menos em So Paulo), o que explicaria os nmeros
deste ano... A tese: houve mais casos em So Paulo do que no Rio. O argumento: h
mais cariocas do que paulistas imunizados. H uma tese implcita (isto , dada como
sabida): ter tido dengue torna o cidado imune.
ARGUMENTAR 106
valor do trabalho (Quem no trabalha no come; Deus ajuda quem cedo madruga),
ou comportamentos morais (O cio a me de todos os vcios; Vcio no castigado
cresce ilimitado). Tambm funcionam assim da mesma maneira enunciados que
tenham uma forma generalizante, como quem ama no mata.
O argumento bsico de quem contra que essa lei torna (mais) precria a situao
dos empregados. A tese sustentada por um clculo do salrio que os terceirizados vo
receber. Um exemplo: se um patro gasta R$ 2.000,00 mensais com um empregado
e se considera que esse gasto muito alto, pode contratar outro de uma empresa
fornecedora de mo de obra. Ele quer gastar menos do que R$ 2.000,00 por ms. Por
outro lado, a empresa que fornecer o novo empregado tambm quer lucrar. Digamos
que o patro quer gastar no mnimo R$ 100,00 a menos e que o novo fornecedor do
empregado quer ganhar pelo menos R$ 100,00 pelo contrato. O resultado que o
novo operrio vai custar no mximo R$ 1.800,00, ou seja, a diferena de R$ 200,00
sai do salrio do empregado (distribudo por diversos itens: contribuio menor para
o Instituto Nacional do Seguro Social INSS, para o Fundo de Garantia do Tempo
de Servio FGTS, gasto menor com suas frias e dcimo terceiro salrio etc.).
O argumento bsico de quem a favor da terceirizao tem sido que a nova lei vai
regularizar situaes irregulares (em geral, no so mencionadas). Um argumento
que a lei vai aumentar o emprego, isto , o nmero de novas vagas. Quem contra diz
que, se isto ocorrer, a razo a diminuio do custo de cada empregado. Outro argu-
mento repetido por quem defende a nova regra que ela permitir (obrigar?) maior
especializao da mo de obra. que a lei determina que cada empresa fornecedora
ARGUMENTAR 108
de empregados terceirizados s poder atuar em uma rea por exemplo, limpeza,
mecnica, marcenaria, pintura etc. O argumento que ela querer especializar seus
funcionrios para competir com mais vantagens. Um argumento sempre repetido
pelos defensores da nova regra que no haver nenhuma perda de direitos traba-
lhistas. A lei obrigar a empresa contratante a fazer as contribuies que a empresa
fornecedora eventualmente no fizer. Quem contra usa o argumento de que os
custos sero menores.
Breve concluso
Usamos a lngua na forma de textos e eles so repletos do modo como olhamos e inter-
pretamos o mundo, das nossas crenas e descrenas, das nossas posies e opinies.
Isso porque, como seres dotados de razo e de vontade, ns constantemente ava-
liamos, julgamos, criticamos, isto , formamos juzos de valor. E, por meio do que
dizemos (na fala ou na escrita), tentamos influir sobre o comportamento do outro
ou fazer com que o outro compartilhe de nossas opinies. Por essa razo, o ato de
argumentar, isto , de orientar o que se diz para determinadas concluses, constitui
o ato lingustico fundamental.
Neste artigo, veremos que toda lngua possui em seu bojo uma srie de elementos
que permitem orientar nossos enunciados para determinadas concluses. So os
operadores argumentativos, objeto de nossa ateno na primeira parte deste estu-
do. Em seguida, nosso foco recai sobre os articuladores textuais e as funes que
exercem no plano do encadeamento e da argumentao do texto. Por fim, o nosso
olhar se volta para expresses nominais referenciais e a orientao argumentativa
que imprimem ao texto.
1. Operadores argumentativos
* Vanda Maria da Silva Elias foi professora da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo e doutora em Lngua Portuguesa pela
mesma instituio.
Exemplo 1
Por qu?
1. As grandes livrarias destinam algumas das melhores estantes e balces a livros de
Histria (Argumento 1).
2. Romances histricos esto entre os best-sellers no mundo todo (Argumento 2).
3. Revistas destinadas Histria, sejam cientficas ou de divulgao, tm cada vez
mais sucesso (Argumento 3).1
No exemplo, todos os argumentos tm o mesmo valor para levar o interlocutor
concluso desejada: a Histria mesmo a bola da vez.
Representando graficamente esses argumentos que compem uma classe argumen-
tativa, temos:
Exemplo 2
Mas pode acontecer de dois ou mais enunciados de uma classe argumentativa se apresenta-
rem em gradao de fora (crescente ou decrescente) no sentido de uma mesma concluso.
Nesse caso, temos uma escala argumentativa.
Por qu?
A roupa elemento que nos define. No apenas diz aos outros quem somos, como tambm o
que queremos e at (mesmo, ainda) o que gostaramos de ser.
Exemplo 4
Operadores de adio
Somam argumentos a favor de uma mesma concluso, isto , argumentos que fazem parte
de uma mesma classe argumentativa: e, tambm, no s... mas tambm, ainda; at, at
mesmo, inclusive (estes trs ltimos marcam o argumento mais forte de uma escala).
Nunca confie em um computador que voc no pode jogar pela janela, disse Steve Wozniak,
cofundador da Apple, talvez logo aps um momento de fria com uma mquina. Mas o ditado,
que possui tom anedtico, ganha ares sinistros quando a mquina que tem capacidade de
jogar o humano pela janela.
essa possibilidade que Nick Bostrom, filsofo e professor da Universidade de Oxford, explora no
livro Superintelligence: Paths, Dangers, Strategies (Superinteligncia: Caminhos, Perigos, Estratgias,
ainda sem edio em portugus), lanado em setembro do ano passado.
Na obra, o estudioso sueco argumenta que questo de tempo at que ns, humanos, criemos
computadores que superem nosso intelecto.
Em um perodo de dcadas, portanto, algumas mquinas tero capacidade intelectual superior
de humanos como Isaac Newton, Charles Darwin e Sigmund Freud. O desafio passa a ser no s
controlar como surge essa superinteligncia, mas tambm os caminhos pelos quais se desenvolve.
(ARAGO, 2015)
Exemplo 6
Exemplo 7
Exemplo 8
Mquinas e homens falham eventualmente, por mais preparados que sejam. Contra falhas
humanas, h pouco que as mquinas possam fazer, mas desejvel que se permita ao
ser humano tentar corrigir as falhas eventuais das mquinas.
(ROSSI, 2015)
Exemplo 9
Embora representante tardio do teatro medieval, Gil Vicente, pai do palco portugus, est
entre os melhores do perodo. Dele obrigatrio percorrer O auto da barca do inferno, A farsa
de Ins Pereira e O auto da fama.
(GUZIK, 2005)
Vale ressaltar, com base em Koch (1987, 1989, 1992, 2014), que os operadores perten-
centes ao grupo do mas e do embora funcionam de modo semelhante do ponto de
vista semntico, mas de forma diferente do ponto de vista da estratgia argumentativa.
Isso porque, enquanto o uso do mas marcado pela estratgia do suspense, pois
primeiro faz o interlocutor pensar numa dada concluso para depois apresentar o
argumento que levar a uma concluso contrria, o uso do embora marcado pela
estratgia de antecipao, visto que anuncia de antemo que o argumento introdu-
zido pelo embora vai ser anulado, no tem peso, no vale.
Operadores de concluso
Introduzem uma concluso com relao a argumentos apresentados em enunciados
anteriores: logo, portanto, por isso, por conseguinte, em decorrncia etc.
Exemplo 10
Torturar um corpo bem menos eficiente do que moldar uma mente. por isso que a comuni-
cao uma potncia. O pensamento coletivo (que no a soma dos pensamentos individuais
em interao, mas sim um pensamento que absorve e difunde tudo no conjunto da sociedade)
(continua)
elabora-se dentro do campo da comunicao. Pois justamente deste campo especfico que
vm as imagens, as informaes, as opinies; alm disso, tambm por meio de mecanismos
comunicacionais que a experincia se difunde e se transmite em nvel coletivo.
(CASTELLS, 2011)
Operadores de explicao
Introduzem explicaes ou justificativas relativamente a enunciados anteriores:
porque, j que, pois, que, visto que, como etc.
Exemplo 11
Exemplo 12
Como a geografia uma rea de estudo ampla, ela foi dividida em geografia fsica e humana,
embora os profissionais ressaltem que o objetivo dessa cincia integrar os dois aspectos.
(VRIOS AUTORES, 2007)
Operadores de comparao
Estabelecem relaes de comparao entre elementos, com vistas a uma determinada
concluso: mais que, menos que, tanto... quanto, tanto... como etc.
Exemplo 13
Vou tentar ser mais claro: depois que o pintor deixou de imitar a natureza para criar a partir da
tela vazia e dos elementos grfico-pictricos, entendeu que fazer o quadro que importava
(continua)
e, para isso, tanto podia valer-se de cores e linhas, de uma figura inventada, quanto de outros
elementos como papel colado, barbante, areia ou o que fosse. Realizar o quadro (a obra) no se
limita a pint-lo, mas faz-lo. nisso que Maria Tomaselli se aproxima dos cubistas: ela tambm
faz o seu quadro; no apenas o pinta.
(GULLAR, 2014b)
Operadores de alternncia
Introduzem argumentos alternativos que levam a concluses diferentes ou opostas:
ou, ou ento, quer... quer, seja... seja etc.
Exemplo 14
Seja para os amantes da adrenalina, seja para os aficionados por parques ou para quem prefere
se aventurar na pesca, a Flrida o destino certo para te conquistar.
(Informe publicitrio. Folha de S. Paulo, 26 mar. 2015)
2. Articuladores textuais
Articular dois atos de fala em que o segundo toma o primeiro como tema com o fim
de justific-lo ou explic-lo; contrapor-lhe ou adicionar-lhe argumentos; generalizar,
especificar, concluir a partir dele; comprovar-lhe a veracidade; convocar o interlocutor
concordncia etc.
Assim sendo, so responsveis pela orientao argumentativa dos enunciados que
introduzem, como notamos nos exemplos a seguir.
Exemplo 15
Sabe quando duas pessoas esto brigando e aparece algum no meio para apartar a confuso,
pedindo para elas pararem de se agredir e tentando fazer que voltem a ser amigas? Ou quando
duas pessoas que falam lnguas diferentes no conseguem se entender e, mais uma vez, preciso
que algum resolva a situao, conversando com cada uma delas em seus prprios idiomas?
Pois mais ou menos isso que faz um diplomata, s que no entre pessoas, mas entre pases.
(VRIOS AUTORES, 2007)
Exemplo 16
Ou isto ou aquilo
Ou se tem chuva e no se tem sol,
ou se tem sol e no se tem chuva!
Ou se cala a luva e no se pe o anel,
ou se pe o anel e no se cala a luva!
(MEIRELES, 1990)
Exemplo 17
Aos sinlogos juntaram-se linguistas e especialistas em fengshui para discutir que animal
representa o ano no zodaco chins.
Afinal, o Ano-Novo chins, que comea na quinta (19), o ano da cabra, da ovelha, ou do car-
neiro? A confuso ocorre porque o caractere chins para o oitavo dos 12 signos do horscopo
chins yang, que pode se referir aos animais citados e a outros, como a gazela.
(NINIO, 2015)
Exemplo 18
Antes, preciso esclarecer como a questo do gnero tratada neste livro. Quando falamos
em gnero, estamos falando da construo cultural do que percebido e pensado como
diferena sexual, ou seja, das maneiras como as sociedades entendem, por exemplo, o que
ser homem e ser mulher, e o que masculino e feminino. Assim, podemos tratar essas
noes como conceitos histricos.
(BASSANEZI PINSKY, 2014).
Para sinalizar convite aceitao da decorrncia apresentada, pode ser usado o ar-
ticulador da que.
Quando cheguei aos Estados Unidos ano passado [...], meus amigos, colegas da univer-
sidade, estavam todos 50 por cento mais pobres. Os seus fundos de penses estavam
investidos na bolsa, a bolsa tinha cado. Ou seja, a penso passou a ser um fator de risco.
Ora, no podemos tolerar, em pases onde as desigualdades sociais so to graves, que
os sistemas de penses passem a ser mais um fator de risco para os cidados. Da que
continuo a defender o sistema pblico.
(O MUNDO..., 2003)
Exemplo 20
A leitura de um texto exige muito mais que o simples conhecimento lingustico comparti-
lhado pelos interlocutores, ensinam Ingedore Villaa Koch e Vanda Maria Elias no livro Ler e
compreender, os sentidos do texto. De fato, quanto mais rico e pleno de referncias for o universo
cultural do leitor, mais rica poder ser sua leitura. Por outro lado cabe ao autor conhecer o leitor,
o interlocutor, se de fato deseja estabelecer um dilogo frutfero e no um monlogo estril.
(PINSKY, 2010)
Marcadores continuadores como a, da, ento, agora, a ento podem ser bastante
frequentes tambm em textos escritos, especialmente quando se deseja dar uma
feio semelhante da fala.
Exemplo 22
A histria real, de to delirante, daquelas de bater o olho e decretar que daria filme. Mas,
do ponto de vista de roteiro, tem um problema grave: o final chocho. A sada do pas foi fcil.
Ningum no aeroporto deu muita bola para os gringos. Embarcaram tranquilos.
Agora, tente se imaginar no lugar do roteirista de Argo. Ele l o texto da Wired e pensa: OK,
histria saborosa, mas s at certo ponto. Como imprimir ritmo e suspense parte final?
A entra, a meu ver, a grande sacada do filme. A reportagem cita de passagem a convocao,
pelos invasores da embaixada, de crianas tapeceiras. Acostumadas a lidar com fios que, unidos,
fazem surgir os desenhos complexos da tapearia persa, foram chamadas para tentar recons-
truir documentos que os americanos, s pressas, tinham picotado no comeo da confuso.
(PEREIRA JUNIOR, 2013)
Encenar a atitude psicolgica com que o enunciador se representa diante dos eventos
de que fala o enunciado.
Exemplo 23
Quantas lnguas existem no mundo? Essa uma boa pergunta, mas lamentavelmente no h
para ela uma resposta precisa. Estima-se que haja entre seis e sete mil lnguas. Mas esse s
um nmero aproximado por dois motivos. Primeiro porque existem muitas lnguas ainda no
catalogadas na frica, na sia e na Amrica do Sul. Em segundo lugar, no fcil identificar
uma lngua, porque as lnguas no so homogneas, usadas por todos os seus falantes da
mesma maneira. Pelo contrrio, elas comportam muita variao.
(BORTONI-RICARDO, 2014)
H alguns anos, numa instncia preliminar, o Iphan atendeu ao ento Super-Eike Batista e
aprovou a construo de um centro de convenes na Marina da Glria. O projeto era amparado
pelo prefeito Eduardo Paes. Felizmente, os santos que defendem o Rio fizeram com que Eike e
seu mafu fossem lona e com que caducasse a licena para o restaurante da fortaleza.
Do jeito que esto as coisas, o monstrengo parece ter sido arquivado, mas no custa ao Exrcito
anunciar que, em nome de Jos Bonifcio, Olavo Bilac e Lott, no desfigurar a entrada da barra.
(GASPARI, 2015)
Exemplo 25
Em termos fisiolgicos, aprendizagem significa que nosso crebro fez algum exerccio digeriu
informao, relacionou conceitos e memrias de maneiras novas e por meio disso nossas
clulas nervosas foram alteradas.
(KHAN, 2013)
Exemplo 26
Do ponto de vista cientfico, os sonhos so um recurso adotado pelo organismo para deixar o
crebro ativo durante as horas de sono, perodo em que alguns dos acontecimentos do dia
so arquivados nas prateleiras de uma gigantesca biblioteca cerebral, que seria a memria
como um todo.
(TURBINE, 2015)
Exemplo 27
Mas possvel ensinar originalidade? Com franqueza, duvido. Todavia, ao mesmo tempo confio
totalmente que mais criatividade emergiria da minha escola imaginria do futuro prximo.
Meus motivos para acreditar nisso no so misteriosos. Mais criatividade emergiria porque
teria permisso de emergir e porque haveria tempo para isso.
(KHAN, 2013)
Na verdade, quase todo projeto de redao comea com um plano que visa produzir um docu-
mento de formato especfico, geralmente moldado pela experincia de geraes de escritores,
que adotam certos formatos no s para agradar os editores ou supervisores, mas para se
pouparem do trabalho de inventar um novo formato para cada projeto e, to importante
quanto isso, para ajudar os leitores a identificarem seus objetivos.
(BOOTH, 2005)
Exemplo 29
A nica opo realista seria nos instalarmos em nossa vizinha, a Lua. Mas, mesmo ali, os pro-
blemas para o estabelecimento de uma colnia humana parecem insolveis a curto prazo.
Para comear, a construo de uma pequena cidade espacial exigiria dezenas de milhares de
lanamentos para levar at l o material necessrio.
Na dcada de 1980, a Nasa calculou quanto custaria construir uma simples estao espacial
permanente na Lua.
Resumindo: no podemos usar nosso satlite como refgio no prximo ano, nem tampouco
na prxima dcada. Isso nos deixa com apenas um mundo habitvel ao nosso alcance: a Terra.
(DESPEYROUX, 2011).
Exemplo 30
A onda mais recente para novas empresas de internet apostar nos desconhecidos. Depois de
quase uma dcada buscando formas de capturar laos sociais j existentes (vide a hegemonia
do Facebook), a nova fronteira do momento usar a rede para colocar em contato pessoas que
no se conhecem, com fins diversos. Em suma, os desconhecidos se tornaram a bola da vez.
(LEMOS, 2015)
Introduzir o tpico
Conforme diz Umberto Eco, uma Europa de poliglotas no uma Europa de pessoas que falam
fluentemente numerosas lnguas, mas sim, no melhor dos casos, de pessoas que podem se
encontrar, falando cada uma a sua prpria lngua, e entendendo a do seu interlocutor, ainda
que sem ser capaz de falar esta ltima fluentemente.
A esse respeito, o Conselho da Europa elaborou ferramentas preciosas, entre as quais o Qua-
dro Europeu Comum de Referncia para as Lnguas, que prope uma escala de seis nveis
e reconhece como perfeitamente legtima a possibilidade de um aluno possuir nveis de
competncia muito diferentes nas capacidades de compreenso ou de expresso numa
mesma lngua.
(CASSEN, 2015)
Na absoluta maioria dos casos, formas referenciais encerram valor persuasivo, isto
, tm o poder de orientar o interlocutor no sentido de determinadas concluses.
Portanto, a referenciao por meio de formas nominais um dos mais importantes
recursos argumentativos que a lngua nos oferece.
Assim, a orientao argumentativa que pode ser realizada apenas por meio do
nome-ncleo ou pelo acrscimo de modificadores avaliativos (positivos ou negativos)
evidencia a relao ntima entre formas nominais referenciais e argumentao. Isso
porque o emprego de uma forma nominal implica sempre uma escolha de caracte-
rsticas ou traos do referente que possibilita ao interlocutor construir do referente
uma determinada imagem, v-lo sob um determinado prisma, o que permite a esse
interlocutor extrair do texto informaes importantes sobre opinies, crenas e ati-
tudes do seu produtor, de modo a auxili-lo na construo do sentido.
Exemplo 32
Hoje, 26 de maro de 2015, o rei Ricardo 3, da Inglaterra, voltar a ser sepultado em uma
cerimnia na catedral de Leicester, 529 anos depois de sua morte na batalha de Bosworth
Field, nas cercanias da cidade, em 1485. Ricardo 3 foi o ltimo dos reis medievais ingleses.
Reinou de 1483 a 1485. Sua morte marcou o fim das Guerras das Rosas, entre a casa de
Lancaster (representada por uma rosa vermelha) e a casa de York (representada por uma
rosa branca).
[...]
(continua)
Ainda em se tratando de remisso textual, fato bastante comum o uso de uma forma
nominal para resumir pores textuais e transformar essa poro em um referente. O refe-
rente que resulta desse encapsulamento denominado de rtulo, defende Francis (2003).
Exemplo 33
Viva a banana!
Daniel Alves, o lateral direito brasileiro que joga pelo Barcelona FC, causou um terremoto no
domingo passado (27/4) ao pegar, descascar e comer uma banana jogada nele como insulto
racista durante um jogo do campeonato espanhol no estdio El Madrigal, contra o Villarreal,
na cidade espanhola homnima. Logo depois desse episdio lamentvel, o Barcelona virou o
jogo aos 37 minutos do segundo tempo, quando o atacante argentino Lionel Messi marcou o
gol que deu a vitria por 3 a 2 equipe catal. Foi o resultado perfeito.
(MAXWELL, 2014)
O rtulo indica uma avaliao negativa do episdio (marcada pelo uso do modificador
lamentvel) por parte de quem produz o texto. Assim tambm funciona a expresso
nominal o resultado perfeito, s que, agora, esse rtulo indica uma avaliao positiva
(marcada pelo modificador perfeito) do que foi descrito no segmento textual:
O Barcelona virou o jogo aos 37 minutos do segundo tempo, quando o atacante argentino
Lionel Messi marcou o gol que deu a vitria por 3 a 2 equipe catal.
Resumindo o que foi apresentado nesta unidade, vimos que argumentar uma ati-
vidade que exige, entre outros, conhecimento e uso de recursos da lngua, como os
que foram estudados nesta unidade.
Articuladores textuais e
Operadores Expresses referenciais e
funes na organizao e
argumentativos orientao argumentativa
argumentao do texto
de adio (e, no s ... mas tam- articular dois atos de fala em que expresses nominais com funo
bm etc.) o segundo toma o primeiro como de categorizar e recategorizar
rema para justificar, contrapor ou referentes, bem como orientar
de oposio ou contrajuno
adicionar argumentos etc. (alis, argumentativamente.
(mas, todavia, no entanto, apesar
ou seja, afinal, da que etc.)
de, embora etc.) expresses nominais com funo
organizar o texto em sucesso de sumarizar e rotular segmentos
de concluso (logo, portanto etc.)
de fragmentos complementares textuais, bem como orientar ar-
de explicao (porque, pois, j que orientam a interpretao gumentativamente.
que etc.) textual (primeiro, depois etc.)
de comparao (mais que, tanto amarrar pores textuais (a, ago-
como etc.) ra, ento etc.)
de alternncia (ou, seja...seja, etc.) encenar a atitude psicolgica do
enunciador perante os eventos
de que fala o enunciado (feliz-
mente, lamentavelmente etc.)
(continua)
Articuladores textuais e
Operadores Expresses referenciais e
funes na organizao e
argumentativos orientao argumentativa
argumentao do texto
Referncias
DESPEYROUX, D.; MIRALLES, F. Sem medo de pensar: breve passeio pela histria
das ideias. So Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.
GASPARI, . Salvem a fortaleza da laje. Folha de S. Paulo, 29 mar. 2015. Poder, A10.
GULLAR, F. Papo sobre o bvio. Folha de S. Paulo, 18 mai. 2014a, Ilustrada, E10.
______. Pintar, sonhar com as mos. Folha de S. Paulo, 4 mai. 2014b. Ilustrada, E10.
LEMOS, R. Pea ajuda aos desconhecidos. Folha de S.Paulo, 20 jan. 2015. TEC, B9.
NINIO, M. Chineses divergem sobre qual animal ser smbolo de seu Ano-Novo.
Folha de S.Paulo, 17 fev. 2015. Mundo, A9.
TURBINE sua memria. Revista Ler & Saber Mais. So Paulo: Editora Alto Astral,
ano 1, n. 1, 2015.
VRIOS AUTORES. O que voc vai ser quando crescer? So Paulo: Companhia das
Letrinhas, 2007.
* Mnica Magalhes Cavalcante professora da Universidade Federal do Cear e ps-doutora em Lingustica Textual pela Universida-
de Estadual de Campinas.
tese inicial;
dados (argumentos);
garantia (conhecimentos implcitos que apoiam e complementam
os argumentos);
inferncias (ligaes implcitas que permitem relacionar os dados
concluso);
concluso nova tese (ponto de vista central).
Por isso, o primeiro desafio do corretor ao avaliar a redao de acordo com a Com-
petncia III buscar qual a tese central, ou concluso nova tese, ou ponto de vista
principal do texto. A opinio central defendida pelo participante pode no ser expli-
citada logo no incio do texto. Muito frequentemente, o texto opinativo principia com
declaraes generalizantes, por isso est prevista, na composio argumentativa, a
fase da tese inicial. A tese inicial consiste num comentrio geral, que tem o pro-
psito, muitas vezes, de apenas introduzir o tpico central do texto. Dificilmente,
revela o ponto de vista final que ser sustentado, mas pode ser que coincida. Ela vai
progredindo e se definindo aos poucos.
Assim, se o tema da redao for A imigrao para o Brasil no sculo XXI, todos os
subtpicos devem convergir para esse tpico principal, de modo a dar-lhe centrao.
Mas atender a essa condio no basta para se emitir uma opinio sobre o tema.
Um exemplo de tese poderia ser O Brasil deveria dispor de polticas pblicas de
acompanhamento aos imigrantes, ou O aumento do nmero de imigrantes tem
sido maior que a capacidade do pas de implantar polticas de controle e fiscalizao.
Qualquer que seja a concluso nova tese, ou ponto de vista central, devem ser acres-
centados dados, argumentos, como informaes estatsticas, exemplos, ilustraes,
definies, relaes de incluso ou de diviso em partes, comparaes, argumentos
de autoridade, relaes de causa-consequncia, entre outros meios de convencer o
leitor de que a opinio sustentada na redao pertinente. para esse ponto que
deve voltar-se a ateno do corretor que est pontuando a Competncia III.
Vale lembrar que, toda vez que um ponto de vista sustentado em um texto, porque
se contrape a outros que podem ser explicitados pelo autor, ou podem estar apenas
pressupostos pelos conhecimentos que se supem compartilhados por todos. Quanto
mais os contra-argumentos estiverem explcitos, mais claramente o leitor ver o
confronto dialgico entre o ponto de vista defendido e outros que ele contradita. Mas
a implicitude dos contra-argumentos no compromete a qualidade do texto. Pode ser
uma simples questo de estilo, de nfase, de focalizao de propsitos argumentativos.
Tese inicial
A primeira dcada do sculo XXI significativo para o Brasil, pois marca a entrada
do pas na lista de naes preferidas por imigrantes estrangeiros, que se dispuseram
a adotar uma nova ptria. Desde ento, o Brasil comporta o Brazil: o pas a mais
nova Pasrgada de imigrantes oriundos das mais longnquas e diversas naes.
Dados, argumentos
Por comparao
At o incio doa anos 2000, o Brasil comumente no era atrativo para imigrantes, j
que sua economia estava pautada pela instabilidade, com inflao e desempregos em
nveis elevados, repelindo, desse modo, os imigrantes estrangeiros para outros pases
que dispunham de um quadro econmico mais favorvel. A situao modifica-se quan-
do o Brasil apresenta melhores resultados econmicos, passando de uma economia
dependente externamente, principalmente no que tange ao comrcio, a uma economia
mais estvel, ganhando status de pas em desenvolvimento, ao deixar de lado a alcunha
de pas subdesenvolvido.
Por causa-consequncia
Existem diversas teorias do sentido, seja das palavras ou morfemas, seja das frases
ou oraes ou enunciados.
H teorias que privilegiam o sentido literal, em geral ligadas ao que se chama valor
de verdade. Um exemplo de tipo clssico A grama verde. A suposio primeira
que grama e verde so palavras que designam certo tipo de objeto (ou classe
de objetos no caso, diversos tipos de grama) e determinada propriedade (no caso,
uma cor). O artigo definido a pode ter dois sentidos, basicamente:
Segundo essa teoria, atribuir um sentido a esta orao saber quando verdadeira
e quando falsa. H duas maneiras de fazer isso: conferir se a grama ou no verde
ou assumir uma tese segundo a qual a orao verdadeira se a grama for verde (sem
conferir se ou no).
Mas h tambm teorias que propem que o sentido no tem apenas esse tipo de
relao com as palavras ou com as oraes, seja porque se trata de metforas, seja
porque o sentido no literal ou, pelo menos, no apenas literal.
* Srio Possenti professor da Universidade Estadual de Campinas e doutor em Lingustica pela mesma instituio.
1) uma para que as teses sejam mais bem compreendidas por todos (se
os exemplos fossem enunciados ou psicanalticos ou mesmo religiosos
ou literrios, a questo da interpretao poderia ser mais complicada);
2) outra razo que se quer mostrar que a questo do sentido no rele-
vante apenas para os campos tradicionalmente considerados profun-
dos, e, portanto, no apenas uma questo de especialistas, mas de
qualquer falante;
3) a terceira razo que, na lngua falada, a probabilidade de haver sen-
tidos implcitos maior.
Alguns exemplos: numa casa (ou num pas) em que se almoa ao meio-dia, se algum
da famlia diz so 12 horas / meio-dia / j meio-dia, bem provvel que o
implcito seja um dos seguintes: venham almoar, Maria, ponha a mesa, ainda
bem que j vamos comer etc. Se, na ltima semana, a vov tiver marcado uma visita
e informado que o nibus dela chega ao meio-dia, a mesma frase pode ter como
implcito v buscar a vov / voc j est atrasado.
1. Implcito e argumentao
como se, quando nos dizem alguma coisa, quase desprezssemos (ou deixssemos
em segundo plano) o que dito para deter-nos fundamentalmente em descobrir o
que querem nos dizer dizendo o que nos disseram. Por que disseram so 12 horas?.
Porque querem dizer que vamos almoar.
E xemplos banais como este mostram que h uma relao entre argumentao
e implcito. claro que se pode dizer venha almoar que j so 12 horas. Ou
seja, o implcito pode ser explicitado. Mas frequentemente no o . De certa
forma, faz parte das regras do funcionamento das lnguas que o que sabido
no precisa ser dito de novo (se chamamos um txi, no precisamos dizer que
o carro deve estar abastecido para viagem e que se espera que haja um taxista
para levar o carro ao destino... com o passageiro dentro dele).
Ducrot demonstrou sua tese (argumentou que sua tese era correta...) analisando
um conjunto de fatos. Centrou suas anlises em algumas conjunes, advrbios
e quantificadores.
Por exemplo, mostrou que a diferena de sentido argumentativo (de direo) que
estabelece a diferena bsica entre pouco e um pouco. Considerem-se duas pessoas
bebendo e que a garrafa de bebida esteja pela metade. Se uma das pessoas diz tem
Essas anlises explicam certas parfrases: por exemplo, tem meia garrafa pode ser
compatvel com ainda tem meia garrafa (= um pouco), mas tambm com s tem
meia garrafa (= pouco). Em outras palavras: um pouco vai na direo de muito ou
bastante, e pouco vai na direo de nada/insuficiente.
Com anlises como essa, Ducrot, indiretamente, permite que sua teoria afete outro
domnio, que se poderia chamar de coerncia textual. Se uma passagem do texto diz
que h pouca esperana de que as coisas melhorem, o texto no pode continuar num
tom otimista, com a crise logo vai acabar. Mas essa concluso pode ser enunciada
coerentemente na sequncia de h um pouco de esperana.
O caso mais analisado por Ducrot foi certamente a conjuno mas, caso que lhe serviu
tanto para justificar sua tese argumentativa quanto para mostrar o valor do implcito.
Dada uma orao como a casa grande, mas cara (um perodo composto por
coordenao, sendo a segunda orao dita adversativa), Ducrot argumenta que, de
fato, a adversidade no se d entre as duas oraes explcitas (no h nada em caro
que se oponha a grande), mas entre as concluses que se tiram de casa grande e de
casa cara. Segundo ele, o fato de a casa ser grande um argumento para comprar/
alugar, e o fato de ser cara um argumento para no comprar/no alugar.
Assim, a conjuno mas tem um sentido que se pode dizer literal, com duas faces: i) une
duas oraes, sendo que cada uma delas leva a uma concluso (implcita); ii) a concluso
da primeira orao descartada e a concluso da segunda orao aceita, dominante.
Esta anlise fica mais clara se, agora, invertermos os elementos do exemplo: quem
diz a casa grande, mas cara, implica que no compra/aluga. Mas quem diz
cara, mas grande implica que compra/aluga.
Apesar de Ducrot ter dedicado grande parte de seu trabalho a anlises como estas,
sua questo fundamental mostrar que mesmo enunciados que no contenham
palavras como estas tm valor argumentativo. Exemplos dirios desta tese so enun-
ciados como vai chover/esfriar ( leve/vou levar o guarda-chuva/uma blusa), o
cachorro no comeu tem de lhe dar rao/pode estar doente etc. A anlise das
circunstncias decisiva para a descoberta do sentido. Mas as circunstncias no
so meros contextos; so prticas e/ou esto ligadas a ideologias, a valores sociais e
histricos (dar comida para o cachorro; prevenir-se contra o frio ou chuva; dar mais
valor ao meio ambiente ou produtividade etc.).
Pedro tem dinheiro (sade), portanto feliz (que funciona com base no tpos ter dinheiro
[sade] traz felicidade).
Pedro tem dinheiro (sade), mas no feliz (que contariam os lugares-comuns, ou os valores
dominantes, por muitos considerados universais).
exemplo com mas, em outro campo, o basquete. Suponhamos que, faltando trs
segundos para o final de um jogo, o tcnico do time que est perdendo por um ponto
proponha escalar certo jogador porque ele alto (no basquete, ser alto um valor;
um lugar-comum que jogadores de basquete devem ser altos, embora se aceite que
os armadores possam ser baixos). Suponha agora que seu auxiliar lhe diga: alto,
mas lento (a velocidade outro lugar da argumentao). alto um argumento
para escalar o jogador; lento, para no escalar. A deciso do tcnico ( ele quem
decide, o que outro tpos...) depender de ele preferir velocidade ou altura, o que,
por sua vez, depende da jogada que ele vai propor aos seus atletas.
Esse exemplo serve tambm para ilustrar outra tese de Ducrot, a da polifonia. Segundo
ele, muitos enunciados apresentam mais de uma voz, que podem ser vozes de locuto-
res (como em um dilogo real) ou de enunciadores (pontos de vista representados).
Os dois casos podem ser representados por um dilogo como o exemplificado acima:
o tcnico prope escalar um jogador alto, e seu auxiliar, um jogador rpido. So dois
Exemplo 3
BRASLIA Aps um dficit de R$ 7,4 bilhes em fevereiro, o governo central que rene
Tesouro Nacional, Previdncia Social e Banco Central registrou supervit primrio de R$ 1,463
bilho em maro. Isso significa que o governo economizou para pagar juros da dvida pblica
no ms passado. No entanto, o resultado representa uma queda de 54,3% na comparao com
a poupana de R$ 3,2 bilhes registrada em maro de 2014. Os dados foram divulgados nesta
quarta-feira pelo Tesouro Nacional.
Vejamos outro exemplo, mais antigo, um caso ainda mais claro de funcionamento
textual/discursivo de mas.
O quarto pargrafo comea assim: Mas ningum engana a todos o tempo todo
(seguem-se outras 9 linhas). O que isso significa? Como esse mas pode ser analisado?
Uma sugesto: mas marca a oposio entre dois pontos de vista. Eles podem ser
expostos em duas oraes simples, claro, mas tambm podem s-lo em dois longos
trechos. Assim, mas um marcador discursivo. Uma de suas particularidades que
tambm pode funcionar e com o mesmo sentido em um perodo com duas oraes
simples. Esse apenas um dos casos, talvez o mais simples de todos.
3. Blocos semnticos
A teoria da semntica argumentativa passa por uma espcie de terceira fase, que
no muda o essencial das teses de Ducrot e Anscombre. A diferena diz respeito a
uma questo de detalhe. Nas fases anteriores, a tese bsica era que a primeira parte
de um enunciado (com mas, por exemplo) sugeria uma sequncia (chuva, ento
guarda-chuva).
A diferena nesta terceira fase consiste basicamente em propor que o primeiro enun-
ciado (ou mesmo uma palavra) forma um bloco com a sequncia. Um exemplo de
bloco pode ser rico, ento feliz. Isto , prope-se que a sequncia faz parte do prprio
sentido de rico (no mundo poltico antigo, por exemplo, comunista, portanto ateu
ou capitalista, portanto explorador).
Exemplo 4
atencioso, portanto no tem problemas com os colegas (assume que um valor universal
que pessoas atenciosas se do bem com os outros). Outro exemplo: Faz calor, portanto vamos
tomar cerveja.
atencioso, no entanto tem problemas com os colegas (contraria uma expectativa que seria
universal etc.). Outro exemplo: Faz calor, mesmo assim vou tomar vinho.
Referncias
Apesar de serem noes bastante difundidas no senso comum das aulas de redao
confirmadas, inclusive, pelos referidos manuais , basta uma leitura mais atenta das
produes textuais do Exame Nacional do Ensino Mdio (Enem) para verificar que na
construo do argumento, em uma dissertao, podem ser utilizados diversos recursos
da linguagem figurada, sem, no entanto, perder a unidade discursiva tpica desse tipo
textual. Dessa forma, possvel supor que essa produo textual contempornea, se
comparada s exigncias de dcadas atrs, mais dinmica e pode tanto transformar
quanto expandir as concepes seculares da estilstica e da retrica.
* Luiz Eduardo da Silva Andrade professor da Rede Estadual de Educao de Sergipe e da Faculdade Dcimo e mestre em Estudos
Literrios pela Universidade Federal de Sergipe.
O avaliador de redaes tem de ter clareza para perceber que o ponto de vista exigido
pela Competncia III do Enem pode ser construdo com diversos recursos lingusticos,
no necessariamente relacionados denotao. Chamamos ateno para o contedo
implcito que pode ser acrescentado pelas figuras retricas, que concebemos como
ferramentas de persuaso. Perspectiva que ultrapassa as concepes retrgradas que
as veem como causadoras do estranhamento tpico da linguagem literria.
Cometeria dois equvocos quem avaliasse um texto dessa natureza sem considerar a
linguagem conotativa: primeiramente, porque reduziria a literatura a mero discurso
representativo, sem qualquer apego realidade; depois, porque limitaria a criatividade
intrnseca a qualquer linguagem, neste caso, engessando a dissertao em uma lista
de regras e caractersticas fechadas.
No caso das figuras retricas, diante de seu uso na argumentao, entendemos que
as suas marcas implcitas esto amparadas em dois vieses: o reforo de um ethos
e a criao de um pathos, entre locutor e interlocutor. O ethos se refere ao carter
assumido pelo locutor para chamar a ateno e angariar a confiana do interlocutor.
Nessa tarefa so utilizados conceitos, citaes, exemplos, comparaes, estatsticas
etc.; j o pathos est ligado s tendncias, aos desejos, s emoes do interlocutor,
que podero aparecer nas ideias trazidas tanto do senso comum quanto de um saber
coletivo. A dinmica textual operaria entre esses dois elementos, variando conforme
a necessidade de o locutor persuadir o interlocutor e de acordo com os elementos de
prova que tenha disponveis.
Como j dissemos, toda figura retrica assim como todo discurso tem um componente
implcito. No caso dos usos localizados nos textos, percebemos que a conotao pode ser
marcada como um recurso retrico-argumentativo, que busca a interlocuo com o leitor
e uma possvel persuaso deste, e tambm como um recurso lgico-discursivo, que faz da
figura uma ferramenta de construo de sentido no intuito de conferir conciso textual.
Optamos por no descrever o conceito das figuras analisadas, uma vez que este texto
no se presta a problematizar essas categorias, alm de os conceitos serem facilmente
encontrados em outros materiais didticos. Como se pode ver na figura 1, relacionamos
na anlise dos textos as seguintes figuras: metfora, comparao, metonmia, hipr-
bole, anttese, paradoxo, ironia, personificao e perfrase, sem prejuzo daquelas que
no foram mencionadas. Optamos por manter a integridade da escrita das redaes,
inclusive com os desvios gramaticais, e os destaques aos trechos analisados foram
feitos com itlico.
Metfora
Marcador Paradoxo
Crtico-Ideolgico Ironia
Metonmia
Recurso
Retrico-Argumentativo
(interlocuo) Metfora
Hiprbole
Utilizao do Metonmia
Componente Senso Comum Anttese
Figura Retrica Comparao
Implcito
Perfrase
Exemplo 1
No contexto global onde a maioria dos pases so capitalistas a publicidade uma das ferra-
mentas mais utilizadas para persuadir os consumidores, independente da idade dos mesmos.
No Brasil uma demanda tambm elevada, pois ela tenta induzir os interlocutores prtica
do consumo para reduzir o impacto imposto pela propaganda devero ser adotadas medidas
como: controle do que ser divulgado, formas pedaggicas de consumo e uma educao
familiar direcionada para conscientizao.
A toda hora vemos na TV, jornais, revistas, internet todo tipo de propaganda pra estes peque
nos. A indstria e comrcio de produtos infantis v nas crianas de hoje potenciais consumi
dores. Eles s querem vender seus produtos.
Como a publicidade induz at quem tem uma cognio mais avanada, que so os adultos,
imagine o que far com as crianas, que ainda esto em fase de formao mental. Dessa forma,
preciso de uma parceria entre ONGs e as autoridades competentes que atuam nesse nicho
do marketing, visando proteo da criana.
Uma forma de tentar neutralizar essas mazelas que o sistema capitalista ensina a adoo de
ensino voltado para o consumo equilibrado. As escolas podem fazer isso nas aulas e em projetos
que levem as crianas a refletirem como o capitalismo utiliza a propaganda para vender.
Alm disso, uma base familiar, que ajude as crianas com dilogo e apoio, fundamental para
evitar que esses pequenos seres indefesos absorvam as informaes veiculadas pela mdia com o
intuito de for-los a levar seus pais a passarem rapidamente o carto ou clicarem repetidamente
no mouse.
Baseado no exposto acima, e sabendo que no existem leis em nvel mundial que probam
totalmente essas prticas, ou seja, esse segmento controlado apenas por resolues, ne-
cessrio que o Estado e as diversas entidades, ativistas, ONGs unam foras para proteger o
futuro das que geraes futuras.
1. Os textos pertencem ao acervo do Enem 2014 e foram digitados para integrar este artigo.
Por fim, temos uma sequncia de perfrases nas expresses pequenos seres inde-
fesos, passarem rapidamente o carto e clicarem repetidamente no mouse, em
que a primeira substitui o vocbulo crianas e as duas ltimas representam o ato de
comprar. Entendemos que no primeiro caso a figura tem funo anafrica voltada
sustentao da coerncia e da coeso textuais. Mas tambm no se pode descartar o
componente retrico-persuasivo que existe no uso do termo indefeso, sugerindo a
ativao de um senso comum sobre a criana, como tratamos acima, e a necessidade
de sua proteo. Nos outros dois segmentos, conclumos que a opo por no dizer o
verbo comprar conferiu mais dinmica ao que o verbo representaria, uma vez
que so mencionadas duas situaes bastante significativas na relao entre consu-
midor e vendedor, que so passar o carto do banco no comrcio e fazer compras
pela internet.
Alienao Comercial
Atualmente o mundo vem sofrendo uma profunda e vasta influncia por parte de grandes
corporaes globais a fim de persuadir as pessoas consumirem diferentes produtos e isto, o
processo de persuaso, vem sendo mirado nas pessoas desde cedo, ainda criana num forte
sistema de alienao comercial.
A revista Super Interessante fez uma matria mostrando o quanto as pessoas esto consu-
mindo produtos desnecessrios, que alm de prejudicar gradativamente o meio-ambiente,
esto conturbando a mente e formao das crianas devido as massivas formas de publicidade
infantil.
Alguns pases, como Noruega, j probem publicidades infantis visando assim, um estilo de vida
mais saudvel para as pessoas, Em outros lugares, ativistas e ONGs esto em um cabo de guerra
com as empresas e agncias de publicidade para discutir os limites ticos da propaganda. As
ONGs criticam o modo como a publicidade chega s crianas.
Fato que as crianas esto sendo bombardeadas com publicidade, a qual usa propagandas
para afetar o psicolgico infantil e criar adultos consumidores compulsivos de suas marcas,
trazendo tambm um prejuzo para o meio ambiente. Nesse jogo, as crianas so como peas
chave para o comrcio.
O Brasil seguindo regras e acordos com empresas publicitrias, sociedade e governo deve, pelo
bem humano e mundial, estabelecer leias claras, seguras e fixas sobre a publicidade infantil.
Quebrando assim essa alienao precoce de crianas.
O texto acima j comea com uma marca conotativa no ttulo: Alienao Comercial,
o qual ser debatido com argumentos embasados em figuras como metfora, compa-
rao, hiprbole e metonmia. A comear pelo ttulo, que j presume uma metfora,
com o deslocamento do sentido de alienao para ser atribudo ao comrcio, que por
extenso significa as empresas de publicidade.
Uma figura comum nas redaes a comparao das crianas com peas-chave, dando
a entender que so parte de um sistema maior. No texto em anlise, parece que o autor
tenta firmar uma crtica ao estabelecer uma relao semntica entre a ideia de alienao
e uma espcie de reificao (coisificao) das crianas, em prol do consumismo.
Exemplo 3
Acreditamos que esse texto se configura como uma sntese do modo como as figuras
retricas podem ser utilizadas para conferir mais fora ao argumento, sem prejudicar a
tipologia dissertativo-argumentativa. Muito pelo contrrio, as figuras parecem agregar
mais sentido e peso ideia, justamente porque conseguem inserir o interlocutor na
discusso, contextualizando-o criticamente por meio de um dilogo estabelecido
entre uma coletividade da qual locutor e interlocutor fazem parte e as opes
ideolgicas de ambos.
Observamos que na maioria dos textos analisados h alguma figura retrica. Mesmo
que esteja centrada na funo lgico-discursiva, a figurao um suporte bastante
criativo na construo do argumento, dinamizado mais ainda quando o locutor sabe
utiliz-la como ferramenta retrico-argumentativa. Sem prejuzo para a qualidade
do texto, no julgamos que todos os autores saibam que esto fazendo esse uso cons-
cientemente, mesmo assim, a necessidade de formar um significado mais complexo
e completo para suas ideias ativa um grau de criatividade que o avaliador pode
interpretar como marca de autoria.
Introduo
* Jacqueline dos Santos Peixoto professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutora em Lingustica pela mesma
instituio.
1. A construo da argumentao
O russo Mikhail Bakhtin utiliza o termo polifonia para se referir s vrias vozes, ou
seja, aos diferentes pontos de vista que o autor expressa em sua obra, principalmente
Nos debates acerca da publicidade voltada para o pblico infantil, h duas questes que se
opem. Embora para alguns as campanhas publicitrias no exeram influncia sobre o pblico
infantil, para outros, porm, elas exerceriam influncia sobre esse pblico, o que confirmaria
a necessidade de proteger a infncia da mdia.
O pai da psicanlise, Freud, afirma que a conscincia seria constituda at aos seis anos de
idade, permitindo que uma criana seja facilmente seduzida pela publicidade. Essa facilidade
usada pela indstria dos bens de consumo que, atravs de campanhas publicitrias, e com a
ajuda do sistema capitalista, molda valores e comportamentos. A massa de jovens que ostenta
o consumo no Brasil exemplar dessa situao.
Somado a isso, a presena cada vez maior da mulher no mercado de trabalho tem consequncias
na organizao familiar, criando a necessidade de se compensar a ausncia da me atravs de
bens materiais. nesse contexto que aumenta mais a quantidade de produtos feitos para o
consumidor infantil, produzindo crianas incapazes de se proteger da publicidade e merc de
seu controle.
Por conseguinte, a falta de estmulos a atividades de lazer e esportivas uma das principais
razes para o tempo que a criana dedica para assistir TV ou para ficar diante de um computador.
A disponibilidade da criana mdia favorece a ao da publicidade. Somado a isso, datas
comemorativas tambm so usadas pela publicidade para influenciar o pblico infantil.
(Excerto de redao do Enem 2014)
Exemplo 2
Uma resoluo que considera abusiva a publicidade infantil foi aprova com o objetivo de
garantir os direitos das crianas, assegurados pelo Estatuto da Criana e do Adolescente. En-
tretanto, uma questo permanece. At que ponto a publicidade infantil deve ser autorizada,
preservando o direito das crianas e sem causar prejuzos s empresas voltadas para elas?
O capitalismo, poltica econmica brasileira, baseado no consumo da sociedade. Entretanto,
para aumentar seus lucros as empresas tm como alvo muito precoce as crianas, que so
exageradamente estimuladas ao consumo atravs de propagandas. O estmulo exagerado do
consumo pode trazer problemas como a obesidade, os vcios e o sedentarismo nas crianas,
que se tornaro adultos com muitos problemas de sade.
Porm, isso no significa que se deva proibir que empresas anunciem seus produtos para as
crianas, pois elas precisam dos consumidores para existir. Alm disso, a falncia das empresas
no algo bom para o pas, visto que elas so responsveis pela criao de empregos, ajudam
na economia e atraem investimentos, ou seja, contribuem com o crescimento. Alm do que
empresas do setor infantil possuem diversos produtos feitos para estimular o desenvolvimento
das crianas, desde que utilizados moderadamente.
Assim sendo, possvel verificar a necessidade de leis que regulamentem a publicidade infantil,
sem que haja prejuzos para as empresas do setor.
2. O padro dissertativo-argumentativo, que tanto caracteriza a redao escolar, compreende um texto estruturalmente composto pela
introduo, que, alm de contextualizar a assunto ou tema, apresenta a sua proposio, pelo desenvolvimento, no qual ocorre a for-
mulao dos argumentos, e pela concluso, que decorre da formulao dos argumentos.
Exemplo 3
Referncias
Leitura de apoio
* Elen de Sousa Gonzaga professora da Secretaria de Estado de Educao do Distrito Federal e do Centro de Educao a Distncia da
Universidade de Braslia.
2. O planejamento de argumentos
Exemplo 1
Exemplo 3
Neste ano de 2014, a revista Vogue Kids gerou polmica ao trazer uma campanha publicitria
com crianas usando roupas adultas e maquiagem em excesso em poses consideradas sensuais
para a faixa etria. No mundo atual do capital, onde vender e acumular se coloca acima at
mesmo da responsabilidade social, essa publicao apenas mais um exemplo dessa falta de
responsabilidade na publicidade infantil. A fim de proteger a criana do marketing abusivo, o
Conselho Nacional de Direitos da Criana e do Adolescente (Conanda) aprovou uma resoluo
para regulamentar as aes da mdia, causando divergncias de opinies.
No de ser espantar que um bom nmero de pases com alto IDH e desenvolvimento social tenham
adotado pelo menos restries publicidade infantil. Este meio de atingir a juventude uma das
principais artimanhas perversas do capitalismo desmedido em que vivemos para estimular
a banalizao da formao cultural e ideolgica do indivduo a favor do lucro. incabvel a
alienao de crianas no caminho contnuo plena cidadania e conscincia social e ambiental
a fim de ganhos financeiros de um grupo nfimo e seleto de empresrios, promotores do raso
nvel de raciocnio sustentvel.
Exemplo 5
O poder dos anncios publicitrios age de forma poderosa no psicolgico do ser humano, segundo
diversos pesquisadores. Isso se mostra no efeito negativo que eles exercem nos consumidores, como
tambm na prpria histria da humanidade quando a propaganda foi utilizada como instrumento
decisivo para influenciar a opinio pblica a apoiar regimes totalitrios na Segunda Guerra Mundial.
Se os artifcios propagandsticos publicitrios possuem tais efeitos negativos sobre a opinio das
massas adultas, em crianas tal efeito se torna ainda maior, pois os infantis so mais frgeis e suas
personalidades ainda esto em construo, o que os torna mais passveis de alienao, so mais
facilmente ludibriados pelas maravilhas da publicidade.
(Excerto de texto da prova de redao do Enem 2014 Adaptado)
Um aspecto que deve ser relembrado em todo o processo de avaliao dos argumentos
a veracidade das informaes apresentadas. Ademais, o uso de citaes, principalmente,
no deve ser confundido com a presena de um repertrio sociocultural produtivo. Em
diversas redaes do Enem, por exemplo, os participantes incluem citaes, nomes
de autoridades (filsofos, cientistas...), conceitos de diferentes reas do saber, aluses
histricas sem articular essas informaes com o restante do pargrafo.
Exemplo 8
O atual sistema econmico em que grande parte do mundo est inserida, o capitalismo, possui
o seu cerne no capital, no consumo e nas vendas. Para isso, a mdia, sua forte aliada se faz
presente persuadindo a populao, tendo como principal alvo, as crianas.
Augusto Comte, com sua teoria sobre o Darwinismo social, onde o indivduo busca fazer o
que a maioria faz a fim de no ser excludo, o que ocorre com frequncia, gerando o bullying.
Portanto as crianas so o combustvel da mdia, um carro que no respeita sinalizaes nem
os limites de seus feitos.
No trecho em destaque, o participante muda de uma ideia a outra sem fazer as cone-
xes lgicas necessrias. Desse modo, o possvel argumento de autoridade se perde.
A seguir, mais exemplos de elementos que podem enfraquecer o esquema argumentativo:
apresentao de interpretaes ou opinies como se fossem fatos;
exposio de informaes que no so relevantes, que no confirmam
ou que contradizem o ponto de vista escolhido;
Resumo
ESCOLHA DA
TEMTICA
(caso o tema no
tenha sido proposto)
SELEO DE SELEO DE
IDEIAS/ARGUMENTOS TIPOS DE ARGUMENTOS
AVALIAO DOS
ARGUMENTOS
Leitura de apoio
FIORIN, L. J.; PLATO, F. S. Lies de texto: leitura e redao. So Paulo: tica, 1990.
Neste artigo, vamos tratar da coeso textual. Como acontece a coeso no texto? Que
estratgias podemos usar para estabelecer a conexo entre pores textuais? So
questes que discutiremos com base em estudos realizados no campo da lingustica
de texto. Por isso, vamos inicialmente apresentar a concepo de texto que ancora a
nossa discusso para, em seguida, abordar a coeso textual.
1. O que texto?
Por essa razo, quer seja formado por uma s palavra (como, por exemplo, Silncio!)
ou por 140 caracteres, quer seja formado por muitas frases, oraes ou pargrafos,
o texto no se limita ao que apresenta em sua superfcie lingustica. Assim, haver
sempre lacunas que devem ser preenchidas por meio de inferncias, se considerarmos
como pressupostos que:
o uso da lngua acontece sempre na forma de textos e com propsito
interacional;
no processo interacional, os sujeitos operam o balanceamento de
informaes, ou seja, o que explicitar ou implicitar uma operao
sustentada no princpio de compartilhamento de conhecimentos;
o texto contm pistas que orientam o preenchimento de lacunas e
a produo de sentidos. Da o argumento de Dascal (2005) de que
somos todos caadores de sentido;
o texto, metaforicamente concebido como um iceberg, apresenta uma
parte visvel, composta pelo lingustico, e outra parte que envolve conhe-
cimentos situados numa espcie de base comum que orienta a interao;
* Vanda Maria da Silva Elias foi professora da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo e doutora em Lngua Portuguesa pela
mesma instituio.
Exemplo 1
No deve haver reserva de vagas a partir de critrios raciais, seja na educao, seja no
servio pblico. So bem-vindas, porm, experincias baseadas em critrios sociais objetivos,
como renda ou escola de origem. Essa a posio da Folha
Concordando ou no, siga a Folha, porque ela tem suas posies, mas sempre publica opinies divergentes.
(FOLHA..., 2015)
No deve haver reserva de vagas a partir de critrios raciais, seja na educao, seja no
servio pblico. So bem-vindas, porm, experincias baseadas em critrios sociais objetivos,
como renda ou escolano
Observamos detexto
origem. Essa Na
trs partes. a posio daA
primeira, Folha
Folha contra as cotas raciais. Eu
tambm., chama a nossa ateno o uso de tambm, indicando ideia de incluso,
de alinhamento posio expressa no enunciado que o antecede.
Concordando ou no, siga a Folha, porque ela tem suas posies, mas sempre publica opinies divergente
Na segunda parte, No deve haver reserva de vagas a partir de critrios raciais,
seja na educao, seja no servio pblico. So bem-vindas, porm, experincias
baseadas em critrios sociais objetivos, como renda ou escola de origem. Essa
Na terceira parte, Concordando ou no, siga a Folha, porque ela tem suas posies,
mas sempre publica opinies divergentes., notamos: i) o uso das conjunes ou,
porque e mas no encadeamento de enunciados, indicando alternncia, justifica-
tiva, oposio, respectivamente; ii) o uso do pronome pessoal na terceira pessoa do
singular ela na retomada do referente Folha.
Ento, o que coeso? Numa retomada dos estudos que realizou com Dressler, em
1981, Beaugrande (1997) defende que a coeso a maneira como, numa sequncia,
os elementos da superfcie textual se encontram relacionados entre si atravs de
marcas lingusticas.
Ancorada no estudo desses autores, Koch (2004, p. 35) nos diz que
Voltando ao exemplo 1, vimos que a conexo entre partes do texto pode acontecer
de duas grandes formas:
Nos momentos iniciais da lingustica de texto, a coeso referencial era entendida como
a forma pela qual podamos remeter um elemento lingustico a outros elementos no
interior do texto.
O apaixonado
incapaz de se declarar,
ele se denuncia.
(CARPINEJAR, 2010)
No texto, o pronome ele retoma o referente que veio antes dele: o apaixonado.
Trata-se de uma forma referencial anafrica.
Exemplo 3
2.1.1 Pronomes
Exemplo 4
A derrota do Minotauro
Quando os atenienses chegaram a Creta, a filha do rei Minos, Ariadne, apaixonou-se por Teseu.
Ofereceu-lhe ajuda em troca da promessa de casamento, dando a ele um novelo de cordel.
Teseu amarrou uma das pontas na entrada do labirinto e entrou, liberando a corda conforme
caminhava. No meio do labirinto, lutou contra o Minotauro e o matou.
(WILKINSON, 2010, p. 62)
Buda
Maria de Ftima da Silva, me do bailarino DG assassinado em circunstncias ainda no
esclarecidas , medalhista de natao em guas abertas.
Andra Beltro, minha parceira em Tapas e Beijos, colega dela na turma de nado do Posto
6 de Copacabana.
Andra mora na Atlntica, Maria de Ftima no morro do Cantagalo, mas as duas desfrutam do
mesmo mar; junto com as tartarugas, os peixes e os sacos plsticos.
(TORRES, 2014)
A expresso as duas, que tem como ncleo um numeral cardinal, remete aos refe-
rentes introduzidos anteriormente: Maria de Ftima da Silva e Andra Beltro.
2.1.3 Artigos
Exemplo 6
Chico na Alemanha
No me ocorreria escrever esse livro com minha me viva, diz Chico Piau deste ms, na
nica entrevista imprensa sobre o romance O Irmo Alemo, que frequentou o topo das
listas de mais vendidos em 2014. A revista acompanhou o escritor numa viagem Alemanha
aps a descoberta do irmo Srgio Gnther, filho de um namoro da juventude de seu pai
Srgio Buarque de Holanda (1902-1982).
(COZER, 2015)
Nas formas nominais referenciais a revista e o escritor, o artigo definido indica que se
trata de referentes j apresentados no texto e facilmente identificados: (a revista Piau;
o escritor Chico).
Exemplo 7
Fui fazer faculdade nos Estados Unidos em 1995 e depois voltei pra mais dois anos de mestrado
l. Sa mais otimista em relao ao Brasil do que quando cheguei.
(IOSCHPE, 2012, p. 173)
Exemplo 9
Exemplo 10
Folia e folies
Pensei em dois assuntos para esta crnica: o Carnaval e a estupefao da sociedade com a
eleio dos novos presidentes do Congresso. Refletindo com certa calma, verifiquei que os dois
temas, aparentemente to conflitantes, no fundo so a mesma coisa: aquilo que em tempos
idos chamavam de folia.
(CONY, 2013)
Exemplo 11
Exemplo 12
Da janela da pequena casa de madeira que dividia com os pais e os trs irmos, Iagoara avistava
seu quintal. As rvores da floresta amaznica e as guas do rio funcionavam como cenrio das
brincadeiras do indiozinho da etnia kambeba. Correr, subir em rvores, caar, nadar e pescar
eram as brincadeiras que faziam o tempo passar para os curumins em sua tribo, a cerca de
quatro horas de barco de Manaus, em uma rea de proteo ambiental do rio Negro.
(LAJOLO, 2015)
Nominalizao
Exemplo 13
Uma vez anotei todas as senhas. Mas onde guardar a anotao? E como lembrar onde foi
guardada, depois? Seria preciso outra anotao, com o lugar onde foi guardada, mas onde
guard-la? No. Anotar tambm no aconselhvel. A concluso que o mais seguro de tudo
esquec-las todas. Pronto. Estou completamente blindado, inclusive contra mim mesmo.
No sou eu para nada. No existo. Melhor assim.
(TOLEDO, 2014, p. 104)
Exemplo 14
Nos casos at aqui exemplificados, vimos que a coeso se realiza por meio de recursos
de ordem gramatical ou lexical, operando a remisso a elementos textuais anafrica
ou cataforicamente.
Mas, com o avanar dos estudos de texto, chegou-se concluso de que nem sempre
o referente de uma forma coesiva pode ser apontado no texto. Vejamos um exemplo
dessa situao.
J realizei casamentos em casa, cadeia, hospital, fazenda... mas pela internet a primeira vez,
conta o juiz de paz Leonel Maciel, de 84 anos e 42 de profisso, antes de celebrar a unio civil
do engenheiro mecnico Winston Csar Silva, de 32 anos, com a assistente administrativa
Mrcia Maria Lana, de 31.
O sim do casal foi ouvido pelos familiares e testemunhas via MSN. Winston e Mrcia moram
h 3 anos na Sua e precisavam formalizar o casamento para prorrogao do visto na Europa.
As imagens dos noivos foram enviadas por uma webcam e projetadas em um telo no Cartrio
de Indaiatuba. Na Itlia, o casal tambm recebia as imagens. Nossa preocupao era se haveria
conexo, comentou o pai do noivo. Aps algumas falhas, tudo correu bem.
(SOUZA, 2010)
E agora, qual o referente das formas coesivas: o juiz de paz, o sim, os noivos?
Como de nosso conhecimento, geralmente, os referentes, quando aparecem pela
primeira vez no texto, vm acompanhados de artigo indefinido e, quando reaparecem,
vm com artigo definido.
Isso significa que uma das funes do artigo indefinido introduzir um referente no
texto. Por sua vez, o artigo definido promove a reativao ou retomada desse referente,
sinalizando a mudana de status: de informao nova para informao conhecida,
alocada na memria do leitor/ouvinte, como podemos observar em:
Era uma vez um rei que tinha dois filhos. O rei vivia descontente porque os filhos brigavam demais.
Voltando ao exemplo 15, vimos que os referentes o juiz de paz, o sim, os noivos
so introduzidos sob a capa do dado, do conhecido, da o uso do artigo definido. O
procedimento no causa estranheza nem dificulta a compreenso do texto, porque
facilmente relacionamos esses referentes ao frame ou modelo mental que temos
de casamento.
Dizendo de outro modo: os referentes o juiz de paz, o sim, os noivos so intro-
duzidos e compreendidos como alguns dos elementos que compem o nosso modelo
mental de casamento, termo que, no texto, serve de gatilho ou ncora para a intro-
duo daquelas expresses nominais definidas e sua compreenso.
Trata-se de um tipo de anfora indireta, porque, diferentemente do que ocorre no
caso das anforas diretas, como vimos nos exemplos anteriores, no h correferencia-
A coeso sequencial diz respeito a procedimentos lingusticos por meio dos quais se
estabelecem entre segmentos do texto (enunciados, partes de enunciados, pargrafos,
sequencias textuais) diversos tipos de relaes semnticas ou pragmtico-discursivas,
medida que se faz o texto progredir, nos ensina Koch (2004).
Exemplo 16
(ESTADO..., 2010)
(REVISTA..., 2015)
Por qu? Porque eles comeam sempre da mesma forma uso de forma nominal
do verbo descoberta, colonizada, erguida + agente da passiva: pelos portugueses,
pelos italianos, pelos brasileiros, respectivamente.
A que essas formas se referem? cidade de So Paulo. Essa cidade que foi des-
coberta, colonizada e erguida por agentes distintos. Da o uso do feminino na
forma nominal dos respectivos verbos.
A esse tipo de repetio de uma mesma estrutura sinttica que a cada vez preenchida
com itens lexicais diferentes d-se o nome de paralelismo: um recurso que promove
a progresso textual com funo retrica ou persuasiva.
A progresso temtica diz respeito ao modo como se encadeiam os temas (aquilo que se
toma como base da comunicao, aquilo de que se fala) e os remas (aquilo que se diz a
respeito do tema) em frases sucessivas.
Nos estudos de Danes (1970), recuperados por Koch (2004), so apresentadas algu-
mas formas de progresso temtica. Vamos tratar de algumas dessas formas a seguir.
Exemplo 19
O bobo, por no se ocupar com ambies, tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo. O bobo
capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que no faz
alguma coisa, responde: Estou fazendo. Estou pensando.
(LISPECTOR, 2010, p. 53)
T2 fisiologia vegetal
T3 morfologia vegetal
T4 fitopatologia
Botnica
T T5 paleobotnica
T6 fitogeografia
T7 sociologia vegetal
T8 ecologia vegetal
Exemplo 21
Como notamos no exemplo 21, a coeso sequencial garantida por meio da estratgia
que transforma o rema em tema do enunciado seguinte. Vamos representar esque-
maticamente, na figura 3, como isso acontece no exemplo.
A B
Tofu a ricota oriental
B C
A ricota o chuchu dos queijos
C D
E o chuchu o quarto estado da gua
2.4 Encadeamento
Exemplo 22
Recebeu, no leu...
WhatsApp passa a avisar usurios quando mensagem lida e causa irritao e ansiedade;
recurso no pode ser desativado
(ROMANI, 2014)
Exemplo 23
Quero corar
Faz tempo que eu no coro. Acho que, atualmente, s fico vermelha nas minhas aulas de ioga,
quando insisto em tentar a posio invertida.
Ser que, com o tempo, a gravidade no age s em nossa pele e nossos msculos mas tambm
em nossa corrente sangunea, impedindo que o sangue nos chegue s faces, mesmo que
numa situao constrangedora? Ou ser que no tenho tido motivos para corar? No, sempre
h motivos para corar.
(FRAGA, 2015, p. 90)
No exemplo 23, destacamos o encadeamento que ocorre por meio do uso de conec-
tores que estabelecem relaes lgico-semnticas ou discursivo-argumentativas,
conforme estudos de Ducrot (1972, 1987) e Koch (1987, 1989, 2004).
No trecho, o par correlato de conectores no s... mas tambm liga dois argumen-
tos a favor de uma mesma concluso; por usa vez, o uso do Ou indica disjuno
argumentativa que aponta para uma provocao ou convocao concordncia.
Referncias
BEAUGRANDE, R. de. New foundations for a science of text and discourse: cognition,
communication, and freedom of access to knowledge and society. Norwood: Ablex,
1997.
LAJOLO, M. Olimpadas tiro com arco. Serafina, Folha de S. Paulo, abril 2015.
IOSCHPE, G. O que o Brasil quer ser quando crescer? So Paulo: Paralela, 2012.
PRATA, A. Desmantelo s quer comeo. Folha de S. Paulo, 4 mai. 2014. Cotidiano, C2.
TOLEDO, R. P. de. Perdido nas senhas. Veja, edio 2.419, ano 48, n.13, 1 abr. 2014.
WILKINSON, P.; PHILIP, N. Guia Ilustrado Zahar: Mitologia. 2. ed. Rio de Janeiro:
Zahar, 2010.
VRIOS AUTORES. O que voc vai ser quando crescer? So Paulo: Companhia das
Letrinhas, 2007.
Leitura de apoio
Toda essa dinmica orientada e influenciada pelos papis sociais que os interlo-
cutores ocupam e pelas restries e possibilidades oferecidas pelas esferas em que
circulam os discursos, de modo que a intencionalidade nunca individual, mas
socialmente construda. No caso da redao do Enem, os papeis sociais em cena so,
de um lado, o de participante e, de outro, o de avaliador. Nesse jogo lingustico, so
acionadas, por ambas as partes, representaes sobre o perfil e a funo do outro
e sobre a prpria situao do exame. Essa compreenso sobre a cena interlocutiva
instaurada pela produo e avaliao da prova de redao do Enem a base sobre
a qual falaremos da Competncia IV do exame, que diz respeito ao uso adequado
dos recursos coesivos.
* Maria da Graa Ferreira da Costa Val professora da Universidade Federal de Minas Gerais e membro do Centro de Alfabetizao e
Leitura da Faculdade de Educao da mesma universidade.
Mrcia Mendona professora da Universidade Estadual de Campinas e membro da coordenao do Programa Institucional de Bolsa
de Iniciao Docncia de Letras da mesma universidade.
Exemplo 1
Um satlite artificial um artefato criado pelo homem e colocado em rbita ao redor da Terra
ou de outro corpo celeste. At hoje j foram efetuados milhares de lanamentos desses apa-
relhos ao espao, mas a maioria j est desativada. Quando ocorrem falhas no lanamento ou
no prprio satlite, partes do mesmo podem ficar orbitando o planeta por tempo indefinido,
formando o lixo espacial.
H satlites que servem s comunicaes, a estudos astronmicos e meteorolgicos, a fina-
lidades militares. Apesar de terem funes diversas, eles possuem partes em comum. Todos
tm antenas para emisso e recepo de dados e, como precisam de energia, a maioria conta
com painis solares.
O primeiro satlite artificial, o Sputnik, foi lanado pelos soviticos em 1957. Em tempos de
Guerra Fria, esse episdio marcou o incio da corrida espacial.
(SATLITE..., adaptado)
Em textos que exploram conceitos e processos, como o caso dos textos expositivo-
-argumentativos, alguns substantivos abstratos podem ser usados como mecanismos
de coeso nominal. Opera-se uma categorizao, que precisa ser adequada ao projeto
de dizer de quem escreve. Nesse caso, o avaliador precisa ter cuidado, porque so
comuns equvocos como: uso de aspecto para retomar o que no um aspecto,
mas uma polmica; ou referir-se a problemtica quando o que se tem uma
abordagem. apresentado a seguir mais um exemplo, em postagem sobre os vinte
anos da chacina da Candelria, retirado do blog do jornalista Leonardo Sakamoto.
Exemplo 2
A expresso nominal um cenrio de pujana como esse retoma todas as menes ante-
riores s mudanas implementadas no Brasil nos ltimos vinte anos. Mas no faz s isso:
categoriza essas mudanas como parte de um panorama ou situao, a que se refere o
autor na metfora do cenrio, enquadrando-as numa percepo positiva, de pujana
econmica. Esse recurso coesivo d o tom para o articulista introduzir o contraponto
que revela as contradies do nosso pas: vrios dos garotos que no foram atingidos
por tiros na chacina morreram doentes, entraram para o trfico ou foram assassinados,
vivendo nesse mesmo macrocenrio de grande desenvolvimento econmico. Essa linha
argumentativa est presente desde o ttulo da postagem Candelria, 20 anos Pas
rico pas sem chacina.
Exemplo 3
Pensvamos que no cometeramos os mesmos tipos de erros de 20 anos atrs, mas no foi bem
assim. Carandiru (1992), Vigrio Geral (1993), Ianommis (1993), Candelria (1993), Corumbiara
(1995), Eldorado dos Carajs (1996) ganharam roupagem nova e continuam acontecendo. Ou
seja, o modelo se manteve: continuamos matando gente pobre.
(SAKAMOTO, 2013)
O termo modelo, que remete violncia do Estado mencionada neste pargrafo e nos
anteriores agrega mais um elemento argumentao: no se trata de circunstncia,
mas de regra, padro, algo que se reconhece, se aceita e at se incentiva. Retomar
o que foi dito sobre a matana da Candelria com a expresso nominal os mesmos
tipos de erros, na qual um trao irnico est sinalizado pelas aspas, indica que no
se avaliam os ocorridos como tragdias isoladas, mas como consequncias de uma
estrutura social calcada na excluso e na violncia.
O Brasil um pas de grande divergncia, vrios ritmos, cores, culturas, crenas e desde o sculo
XIX os imigrantes ajudaram o Brasil a ser to diversificado.
Desde sculos atrs a imigrao ocorre com mais frequncia. Os imigrantes chegam de vrias
formas, raramente chegam de um modo correto, com documentao legalizada.
Nesta ltima dcada o aumento de guerras, terremotos, tsunamis e vrios fenmenos naturais
acontecem com frequncia. Por isso imigrao tambm aumentou, a opo do imigrante
sempre mudar de vida conseguir um bom emprego, ter uma boa maneira de viver social-
mente e financeiramente. da natureza humana querer tudo isso, principalmente quando
acaba de perder tudo o que tem.
A fome, o desemprego, a falta de moradia, as poucas oportunidades, tudo isso ocorreu em
alguns pases como a frica, o Haiti, algumas cidades dos Estados Unidos, aps guerras, fen-
menos naturais e outros graves acontecimentos. Fazendo com que eles resolvessem vir morar
no Brasil, sabendo que aqui eles tero facilidade para comear do zero, com o custo de vida
mais barato, opes de emprego e vrias oportunidades.
essa fcil adaptao e essa tamanha facilidade que faz com que a imigrao para o Brasil no
sculo XXI, o sculo da revoluo, seja to grande.
(Redao do Enem 2012)
Referncias
SAKAMOTO, L. Candelria, 20 anos Pas rico pas sem chacina. 23 jul. 2013.
Disponvel em: <http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2013/07/23/cande-
laria-20-anos-pais-rico-e-pais-sem-chacina/>. Acesso em: 1 ago. 2013.
* Maria de Ftima de Souza Aquino professora da Universidade Estadual Paraba e doutora em Lingustica pela Universidade Federal
da Paraba.
Tendo em vista que o trabalho com a produo textual e a leitura deve ser a base
do ensino escolar, para que o aluno se torne leitor e produtor de texto proficiente,
cabe ao professor, desde os anos iniciais de escolaridade, dar ateno ao processo de
construo do texto no que diz respeito s suas propriedades coesivas, uma vez que
no se constri um texto juntando frases isoladas.
Este estudo tem como objetivo trazer uma reflexo sobre a avaliao dos mecanis-
mos coesivos em redaes de exames como o Enem, em que se exige do participante
a produo de um texto dissertativo-argumentativo. Trataremos das seguintes
questes: como acontece a coeso nesses textos? E como acontece a avaliao dos
mecanismos coesivos que estabelecem a conexo entre as partes textuais? Para
tanto, estruturamos dois tpicos, nos quais sero abordadas a unidade do texto
por meio da coeso e a importncia da coeso na construo da argumentao em
textos dissertativo-argumentativos.
Tomemos como exemplo o seguinte fragmento retirado das redaes do Enem 2014,
cujo tema foi A publicidade infantil em questo no Brasil,1 para uma breve anlise.
Exemplo 1
Exemplo 2
Aqui no Brasil muito comum passar na televiso e anncio personagem criativo e desenho
para chamar ateno do pblico, principalmente de crianas para consumir algum produto.
Neste caso ficar mais fcil para o empresrio vender. O consumo de roupas e outros produtos
diariamente necessrio. Para o comerciante mais prtico vender quando se tem argumento
que chame ateno do consumidor.
Nesse fragmento, apesar da presena de alguns elementos de coeso, o que chama aten-
o a descontinuidade textual, causada, principalmente, pela falta de conexo entre
os perodos. O segundo pargrafo composto de frases que, embora faam referncia
ao tema proposto para a construo do texto, apresentam-se de forma fragmentada;
falta-lhe a conectividade necessria para a unidade de sentido do texto. Essas defici-
ncias do texto demonstram conhecimento insuficiente por parte do autor sobre o uso
de mecanismos lingusticos responsveis pela articulao entre os segmentos e pela
sequenciao textual. Nesse contexto, cabe ao avaliador verificar a adequao do uso
dos mecanismos coesivos, como se h clareza na retomada da informao posta e se
possvel relacionar a forma referencial a seu referente, uma vez que so essas estratgias
coesivas que garantem a clareza e a preciso das ideias apresentadas.
Vejamos um exemplo.
Exemplo 3
Exemplo 4
Consideraes finais
Lutar com palavras por meio da coeso e da coerncia, conforme Antunes (2005),
em uma situao complexa como a produo de uma redao para uma avaliao
como o Enem, um processo difcil para o aluno/participante, uma vez que uma
situao fortemente impregnada de carga ideolgica [...] com a dimenso de um
rito de passagem, atravs do qual o jovem adolescente atinge a categoria de adulto
responsvel, socialmente integrado e bem-sucedido (COSTA VAL, 1994, p. 45).
Nesse contexto, na avaliao da competncia relativa ao conhecimento dos meca-
nismos coesivos, exige-se do avaliador a sensibilidade lingustica para perceber as
estratgias coesivas usadas no texto e avaliar de forma justa a sua adequao para
a construo da argumentao pretendida.
O processo de avaliao de texto, como o que estamos discutindo neste estudo, traz
importantes contribuies para o professor, pois viabiliza um diagnstico do ensino
e aprendizagem de leitura e escrita no ensino fundamental e mdio que pode orien-
t-lo na conduo dessas atividades em sala de aula, de forma a oferecer ao aluno
condies de preparar-se para ser um leitor e um escritor proficiente em qualquer
situao comunicativa.
* Denis Leandro Francisco professor do ensino mdio e do ensino superior e doutor em Letras pela Universidade Federal de Minas
Gerais, em parceria com a Universidade do Minho.
Exemplo 2
No exemplo acima, a redao est fora do tema, mas dentro do assunto (trabalho
infantil no campo da publicidade). Entretanto, no pargrafo final, o participante
insere um longo trecho, dirigindo-se ao leitor do texto e expressando uma solicitao
a partir das suas convices religiosas. Note que essa prtica discursiva (desejar bem a
algum a partir de suas convices religiosas) comum em situaes sociais cotidianas
e efetiva-se por meio do uso de expresses como Deus te abenoe, Graas a Deus
ou Vai com Deus.
A redao a seguir exemplifica bem o que foi dito acima: o participante permeia o seu
texto com diferentes palavras ou sintagmas que remetem ao tema proposto (abuso
infantil, crianas, Brasil) e reproduz, inclusive, o tema da proposta de redao, uti-
lizando-o como um primeiro ttulo para a sua produo textual. Entretanto, o texto
desenvolve outro tema (explorao do trabalho infantil nas ruas).
Exemplo 3
(continua)
O conselho tutelar e os rgos responsveis deveriam investigar e ver quem est por trs
destas crianas e colocar estes exploradores no lugar deles que na cadeia, e levando estas
crianas a um abrigo aonde tenha educao e carinho.
Uma das estratgias textuais possveis para se assegurar o atendimento ao tema propos-
to e de se reforar a manuteno temtica ao longo da produo textual utilizar um
lxico que, alm de relacionado ao tema, esteja a favor da coeso do texto, a chamada
coeso por reiterao, que se concretiza pelo uso de hipernimos (vocbulo de sentido
mais genrico em relao a outro), expresses nominais definidas, repetio do mesmo
item lexical e nominalizaes. Isso porque a manuteno da unidade temtica de um
texto exige, sem dvida, certa carga de redundncia, que reforada pela coeso lexical
por reiterao. O produtor do texto pode estabelecer uma corrente de significados
retomando as mesmas ideias (ou partes de ideias) j expressas at aquele ponto do texto
por meio de diferentes termos e expresses. Essa corrente formada pela reutilizao
intencional de palavras, pelo uso de sinnimos ou, ainda, pelo emprego de expresses
equivalentes para substituir termos j usados ou para identificar ou nomear elementos
que j apareceram no texto.
Alm disso, para que o aluno tenha xito na sua produo textual em relao ao
atendimento a um tema previamente proposto, importante desenvolver a sua ha-
bilidade de mobilizar outros procedimentos de construo textual que tambm se
relacionam com a manuteno temtica. preciso, por exemplo, desenvolver no aluno
a habilidade de orientar aquilo que se escreve para determinadas concluses que
se deseja alcanar, ou seja, desenvolver a habilidade de argumentar. Em toda ln-
gua, h elementos que nos permitem orientar nossos enunciados para determinadas
concluses. Esses elementos so chamados operadores argumentativos e, junto com
eles, os articuladores textuais tambm exercem funes importantes tanto para o
encadeamento quanto para o direcionamento argumentativo do texto (KOCH, 1987).
Exemplo 4
Exemplo 5
O aluno precisa sempre considerar que o texto por ele produzido no ser lido/avalia-
do por ele, mas por outro leitor: no caso do Enem, como foi dito, um leitor-avaliador
altamente especializado, imbudo de determinadas prerrogativas e em consonncia
com uma Matriz de Referncia para avaliao das redaes (condies de recepo).
o leitor que precisa estar no horizonte de expectativa do aluno-participante durante
todo o processo de elaborao do texto (de todo e qualquer texto). Dessa forma, po-
tencializam-se as possibilidades de o seu texto ser bem-sucedido em uma determinada
situao comunicativa, uma vez que ele ser, desde o incio, desenvolvido buscando-se
atender s expectativas desse leitor previamente delineado.
Referncias
A redao do Enem, vista como outro aspecto digno de destaque no bojo dessa pol-
tica, tem se apresentado como um novo paradigma de concepo do gnero redao
escolar, impactando diretamente os modos de conceber o ensino da produo e da
recepo textual e a avaliao dos textos produzidos no somente pelos alunos, ao
longo da jornada escolar, mas tambm pelos participantes que se submetem ao exame.
1. Este texto parte constitutiva da obra Linguagem, interao e sociedade: dilogos sobre o Enem, organizado por Leilane Ramos
da Silva e Raquel Meister Ko Freitag e editado em Joo Pessoa pela Editora do CCTA, em 2015. Sua publicao nesta coletnea foi
autorizada pela referida editora.
* Ricardo Nascimento Abreu professor da Universidade Federal de Sergipe e doutor em Letras e Lingustica pela Universidade Federal
da Bahia.
No h como negar que o advento da prova de redao do Enem gerou uma intensa
movimentao nos modos de avaliar e conceber a produo do gnero redao escolar.
Essa forma de concluir o texto, a qual Viana (2011) chama de concluso-soluo, veio
acabar com o longevo reinado do paradigma da chamada concluso-sntese, na qual
alguns elementos utilizados durante a tessitura do processo argumentativo eram
retomados como forma de reafirmar os argumentos do autor.
A proposta de interveno precisa ser detalhada de modo a permitir ao leitor o julga-
mento sobre sua exequibilidade, portanto, (sic) deve conter a exposio da interveno
sugerida e o detalhamento dos meios para realiz-la. A proposta deve, ainda, refletir
os conhecimentos de mundo de quem a redige, e a coerncia da argumentao ser
um dos aspectos decisivos no processo de avaliao. necessrio que ela respeite os
direitos humanos, que no rompa com valores como cidadania, liberdade, solidariedade
e diversidade cultural (BRASIL, 2013, p. 22).
Passaremos a discutir como esses aspectos de importncia crucial para o bom enfren-
tamento da Competncia V da redao do Enem so concebidos no bojo do processo
educacional brasileiro, bem como quais so as fontes por meio das quais o Ministrio
da Educao, representado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educa-
cionais Ansio Teixeira (Inep), baliza o seu entendimento acerca do que pode ser
considerado respeito aos direitos humanos.
Nessa moldura, o Estado figura como responsvel por ofertar ensino em estabe-
lecimentos prprios para tal fim e deve, tambm, avaliar a educao escolar para
verificar se os seus objetivos, definidos na Constituio Federal e na LDB, esto sendo
efetivamente concretizados.
Se o objetivo precpuo deste texto fosse exclusivamente nos debruarmos sobre as-
pectos da avaliao da educao bsica no Brasil, seramos capazes de elencar diver-
sos instrumentos aplicados pelo Estado para verificao da qualidade do ensino no
pas. Perceberamos que a maioria desses instrumentos bastante eficaz em avaliar
o desenvolvimento de competncias e habilidades intimamente relacionadas com os
conhecimentos ministrados aos alunos nas disciplinas escolares. A redao do Enem,
entretanto, figura como um instrumento avaliativo que transcende a mera aferio de
contedos adquiridos em uma ou outra disciplina escolar de forma compartimentada.
Pela exigncia de que o participante elabore, em seu texto, uma proposta de interveno
para o problema abordado, que respeite os direitos humanos, a redao do Enem passa
a ser vista como o nico instrumento avaliativo capaz de aferir, de forma direta, o quo
bem-sucedidos foram a famlia, o Estado e a sociedade na consecuo do objetivo
constitucional de formar pessoas preparadas para o exerccio pleno da cidadania.
Longe de almejar ser unicamente um texto que ser avaliado apenas pelos aspectos
da coeso e da coerncia textuais, o formato do gnero redao para o Enem exige
que o participante se coloque diante de uma situao complexa da realidade brasileira
ou internacional e apresente uma proposta que contenha minimamente o binmio
agentividade e factibilidade, ou seja, quem so os agentes mais indicados para a
Analisando-se por esse prisma, no momento em que elabora sua proposta de inter-
veno na redao, o participante demonstra que capaz de interligar um conjunto de
contedos conceituais e procedimentais adquiridos em todos os processos formativos,
escolares ou no, pelos quais passou, em uma postura de contedo atitudinal que
pode ser traduzida como a sua ao cidad perante a realidade na qual vive.
O termo contedos atitudinais engloba uma srie de contedos que, por sua vez,
podemos agrupar em valores, atitudes e normas. Cada um destes grupos tem uma
natureza suficientemente diferenciada que necessitar, em dado momento, de uma
aproximao especfica.
Entendemos por valores os princpios ou as ideias ticas que permitem s pessoas
emitir um juzo sobre as condutas e seu sentido. So valores: a solidariedade, o res-
peito aos outros, a responsabilidade, a liberdade, etc.
As atitudes so as tendncias ou predisposies relativamente estveis das pessoas
para atuar de certa maneira. So a forma como cada pessoa realiza sua conduta de
acordo com valores determinados. Assim, so exemplos de atitudes: cooperar com o
grupo, ajudar os colegas, respeitar o meio ambiente, etc.
As normas so padres ou regras de comportamento que devemos seguir em deter-
minadas situaes que obrigam a todos os membros de um grupo social. As normas
constituem a forma pactuada de realizar certos valores compartilhados por uma
coletividade e indicam o que se pode fazer e o que no se pode fazer neste grupo
(ZABALA, 2010, p. 46, grifos do autor).
Na prxima seo, passaremos a discutir algumas noes acerca dos direitos humanos e
da importncia destes na elaborao de uma proposta de interveno calcada em valores
cidados, conforme se exige na Competncia V da Matriz de Referncia para Redao.
Os direitos humanos possuem uma definio que enseja um certo grau de polmica. De
forma bastante resumida, parte dessa polmica situa-se no fato de que aquilo que se
convencionou chamar internacionalmente de direitos humanos choca-se frontalmente
com a forma como algumas comunidades se articulam culturalmente. Traos culturais
vistos com certo grau de naturalidade em certas sociedades podem se configurar como
uma verdadeira afronta dignidade da pessoa humana e, como consequncia, aos
2. Sobre essa dupla abordagem acerca da dignidade da pessoa humana, Shiler (2007) relembra uma histria bastante ilustrativa ocor-
rida numa cidade francesa chamada Morsang-sur-Orge, na qual se praticava em uma taberna, aps certo horrio, um esporte cha-
mado arremesso de ano, que consistia em permitir que os clientes arremessassem, o mais distante possvel, um ano devidamente
contratado para tal fim. Ao tomar conhecimento do fato, o prefeito da cidade proibiu que a prtica fosse repetida sob o argumento
de que afrontava a dignidade humana. Diante da proibio, o estabelecimento e o prprio ano decidiram ingressar com um recurso
em desfavor da deciso do gestor municipal. O tribunal administrativo francs, compreendendo que a dignidade da pessoa humana
valor universal e que a agresso dignidade de uma pessoa importa na agresso da dignidade de todos, proibiu definitivamente a
prtica do arremesso, para a frustrao do estabelecimento, dos clientes e do prprio ano.
3. Conselho Nacional de Educao/Conselho Pleno.
De forma a sintetizar esses documentos em eixos que possam ser incorporados nos pro-
jetos poltico pedaggicos das escolas, bem como nos projetos pedaggicos dos cursos
superiores de graduao, a educao em direitos humanos, tendo como objetivo central
a formao para a vida e para a convivncia, fomentando o respeito diversidade e a
coexistncia baseada na tolerncia, alicera-se nos seguintes princpios: I dignidade
da pessoa humana; II igualdade de direitos; III reconhecimento e valorizao das
diferenas e das diversidades; IV laicidade do Estado; V democracia na educao;
VI transversalidade, vivncia e globalidade; VII sustentabilidade socioambiental.
Esses princpios que norteiam a educao em direitos humanos devem ser observados
em conformidade com as caractersticas fundantes dos direitos humanos, as quais
passamos a destacar.
Universalidade: Toda e qualquer pessoa titular de direitos humanos
sem exceo. Assim, o simples fato de a pessoa existir faz com que
ela tenha resguardados seus direitos, independente de sexo, raa,
cor, origem, etnia, nacionalidade, idade, religio, lngua, orientao
sexual etc.
Inerncia: Trata-se de um atributo imanente prpria noo de di-
reitos humanos. Basta, ento, a condio de ser humano para que a
pessoa possa reclamar para si a titularidade desse conjunto de direitos.
Historicidade e proibio do retrocesso: Diz respeito ao fato de que
os direitos humanos so fruto de conquistas da humanidade ao lon-
go da sua histria. O rol de direitos humanos apresenta-se, dessa
forma, como um catlogo aberto para que novos direitos possam ser
incorporados com o transcurso do tempo. Por outro lado, o princpio
da vedao ao retrocesso determina que uma determinada norma
de direitos humanos somente poder ser substituda por outra que
oferea mais proteo dignidade humana.
Inalienabilidade, irrenunciabilidade e indisponibilidade: Os direitos
humanos no podem ser vendidos ou negociados ou doados, mesmo
que assim queira o seu titular.
Quando nos referimos questo dos direitos humanos na redao do Enem, en-
tendemos que esses princpios e essas caractersticas servem como parmetros
Urge que as Diretrizes Nacionais sejam incorporadas nos currculos das instituies
de ensino de educao bsica, que estejam presentes nos cursos de formao inicial
e continuada dos professores e que, no esqueamos, faam parte do processo de
capacitao daqueles que se encarregaro de corrigir milhares de textos produzidos
pelos participantes por ocasio das provas do Enem.
Desvenda-se, ento, o mistrio que gira em torno da temida questo dos direitos hu-
manos na redao do Enem: o grau de distanciamento que os professores de todas as
reas e os alunos da educao bsica tiverem para com as Diretrizes Nacionais para a
Educao em Direitos Humanos ser diretamente proporcional s lacunas acerca dessa
matria que os alunos levaro consigo para a prova de redao do Enem e para a vida.
Considerao final
Buscamos, ainda que de forma bastante sucinta, revelar quais as funes da Compe-
tncia V da Matriz de Referncia para Redao.
Por outro lado, quando se trata da redao do Enem, a nossa sociedade vive um verda-
deiro paradoxo lingustico-moral. H um imenso barulho social quando alguns partici-
pantes so flagrados incorrendo em pequenos deslizes de cunho lingustico-ortogrfico
Referncias
No que diz respeito educao superior, houve uma imediata necessidade de atu-
alizao dos planos de desenvolvimento institucionais (PDI) e dos projetos peda-
ggicos dos cursos (PPC) de graduao, em especial dos cursos de formao inicial
* Ricardo Nascimento Abreu professor da Universidade Federal de Sergipe e doutor em Letras e Lingustica pela Universidade Fede-
ral da Bahia.
1. Conselho Nacional de Educao/Conselho Pleno.
2. Dirio Oficial da Unio, Braslia, 31 de maio de 2012 Seo 1 p. 48.
Neste texto, que consideramos ser uma complementao das ideias contidas em Abreu
(2015) e republicadas neste livro com o ttulo Exerccio da Cidadania e Direitos Hu-
manos: as funes da competncia V na redao do Enem, com a devida autorizao
da Editora do CCTA, da Universidade Federal da Paraba e do Grupo de estudos em
UM OLHAR TERICO, NORMATIVO E METODOLGICO SOBRE A EDUCAO EM DIREITOS HUMANOS NA REDAO DO ENEM 232
linguagem, interao e sociedade/ Departamento de Letras Vernculas/Universi-
dade Federal de Sergipe (Gelins/DLEV/UFS), sero apresentadas algumas noes
atreladas EDH, com o objetivo precpuo de colaborar com a formao continuada
dos profissionais envolvidos nacionalmente com as avaliaes dos textos produzidos
pelos participantes do Ensino Mdio. Alm disso, sero apresentadas algumas elabo-
raes metodolgicas para o tratamento da questo dos direitos humanos durante o
processo de avaliao das redaes desse exame.
Cremos que uma aproximao preliminar de alguns conceitos basilares do campo dos
direitos humanos, mesmo que de forma bastante panormica, possa nos ajudar a com-
preender melhor as formulaes contidas no Plano Nacional de Educao em Direitos
Humanos e nas Diretrizes Nacionais para a Educao em Direitos Humanos, bem como
nos usos desses instrumentos na avaliao da educao bsica na prova do Enem.
Ainda que idealmente devssemos recuar no tempo em busca das origens filosficas e das
normas de proteo aos direitos humanos, perpassando pensadores da estatura intelectual
de Thomas Hobbes, John Locke, Norberto Bobbio e Hannah Arendt, e balizas importan-
tes dessa evoluo histrica, como a Magna Carta de 1215 (Inglaterra), a Declarao de
Virgnia de 1775 (EUA) e, na Frana, a Declarao do Homem e do Cidado de 1789, por
conta dos objetivos e das limitaes de extenso do nosso texto, somos levados a ancorar
o nosso olhar majoritariamente nas concepes contidas no marco contemporneo mais
relevante, qual seja, a Declarao Universal dos Direitos Humanos, de 1948.
Indissociavelmente ligada evoluo histrica das lutas dos mais diversos povos, com
vistas a garantir a efetividade de direitos, est a classificao dos direitos humanos que
nos apresentada normalmente sob o formato de geraes de direitos. Utilizamo-nos,
neste estudo, da classificao de Giuseppe Tosi, apresentada no Caderno de Educao
em Direitos Humanos, elaborado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia
da Repblica, no ano de 2013.
Ainda em relao classificao dos direitos humanos, h quem postule, por exemplo,
a existncia de direitos humanos do mundo virtual, inseridos no rol dos direitos da
quarta gerao, bem como os direitos de manipulao de materiais genticos a serem
catalogados como sendo pertencentes aos direitos de quinta gerao.
UM OLHAR TERICO, NORMATIVO E METODOLGICO SOBRE A EDUCAO EM DIREITOS HUMANOS NA REDAO DO ENEM 234
Com o intuito de se buscar maior preciso conceitual ao termo direitos humanos,
principalmente em relao ao que se convencionou chamar de direitos fundamentais,
estabeleceu-se entre eles uma relao de hiperonmia/hiponmia na qual os primeiros
figurariam numa ordem internacional, mais ampla, aspirando validade universal,
enquanto os ltimos seriam aqueles direitos que foram inseridos na ordem consti-
tucional dos pases. Assim, cedio afirmar que todo direito fundamental direito
humano, mas nem todo direito humano pode ser considerado um direito fundamental
em alguns pases.3
Aqui assume especial relevncia a clarificao da distino entre as expresses direitos
fundamentais e direitos humanos, no obstante tenha tambm ocorrido uma confu-
so entre os dois termos, confuso esta que no se revela como inaceitvel a depender
do critrio adotado. Quanto a tal ponto, no h dvidas de que os direitos fundamentais,
de certa forma, so tambm direitos humanos. [...] Em que pese os dois termos sejam
comumente utilizados como sinnimos, a explicao corriqueira e, diga-se de passa-
gem, procedente para a distino de que o termo direitos fundamentais se aplica
para aqueles direitos do ser humano, reconhecidos e positivados na esfera do direito
constitucional positivo de determinado Estado, ao passo em que direitos humanos
guardaria relao com os documentos de direito internacional, por referir-se quelas
posies jurdicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente
de sua vinculao com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram
validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequvoco
carter supranacional (internacional) (SARLET, 2015, p. 29).
3. Pode-se verificar essa situao por meio da polmica temtica da legalidade do aborto, que, aos olhos da ONU, faz parte dos chama-
dos direitos reprodutivos da mulher e figura, portanto, no rol dos Direitos Humanos. Tal posicionamento, no entanto, no encontra
abrigo irrestrito no ordenamento jurdico brasileiro, sendo o aborto, inclusive, passvel de punio nos termos do Cdigo Penal. Esse
procedimento, portanto, no visto no Brasil (assim como em muitos pases) como um direito fundamental.
Aps essa breve exposio sobre aspectos basilares dos direitos humanos, passaremos
a estabelecer um dilogo com os trs documentos-chave da poltica de EDH no Brasil,
quais sejam: o Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3); o Plano Nacional de
Educao em Direitos Humanos (PNEDH) e as Diretrizes Nacionais para a Educao
em Direitos Humanos (DNEDH).
O percurso da EDH no Brasil tem como um dos seus marcos principais a formulao
dos Planos Nacionais de Direitos Humanos. Segundo Silva (2013), foi nesse momento
que o Estado brasileiro iniciou um processo de criao de aes estratgicas para a
defesa dos direitos humanos, atendendo ao disposto na Conferncia de Viena,4 de 1993.
Ao todo, trs verses do PNDH foram elaboradas no Brasil. Conforme aponta Silva
(2013), na primeira verso, PNDH-1, de 1996, foi criada, no mbito do Ministrio da
Justia, a Secretaria de Direitos Humanos, com o objetivo de coordenar e gerenciar
a execuo das aes do prprio PNDH.
4. A Conferncia Mundial sobre os Direitos Humanos, realizada na capital austraca em 1993, foi o ponto de partida para aDeclarao
e Programa de Ao de Viena, que marcou o incio de um esforo para a proteo e a promoo dos Direitos Humanos. Disponvel em:
<https://nacoesunidas.org/apos-20-anos-da-conferencia-de-viena-direitos-humanos-sao-mais-importantes-do-que-nunca-diz-onu/>
UM OLHAR TERICO, NORMATIVO E METODOLGICO SOBRE A EDUCAO EM DIREITOS HUMANOS NA REDAO DO ENEM 236
As atualizaes do PNDH-1, ocorridas em 2002 e em 2009, deram origem, respec-
tivamente, ao PNDH-2 e ao PNDH-3, que incluram temticas diversas, afeitas s
questes dos direitos humanos em suas propostas, entre as quais a necessidade de
elaborao de um Plano Nacional de Educao em Direitos Humanos, bem como de
Diretrizes Nacionais para a Educao em Direitos Humanos.
O PNDH-1 de 1996 tinha o foco voltado para os direitos civis e polticos, a saber: 1) Pol-
ticas pblicas para a proteo e promoo dos Direitos Humanos (incluindo a proteo
do direito vida, liberdade e igualdade perante a lei); 2) Educao e cidadania: bases
para uma cultura dos Direitos Humanos; 3) Polticas internacionais para a promoo
dos Direitos Humanos; e 4) Implementao e monitoramento do Programa Nacional
de Direitos Humanos.
O PNDH-2, de 2002, incorporou alguns temas destinados conscientizao da socieda-
de brasileira com o fito de consolidar uma cultura de respeito aos direitos humanos, tais
como cultura, lazer, sade, educao, previdncia social, trabalho, moradia, alimentao,
um meio ambiente saudvel.
O PNDH-3 lanado em 2009 e importante ferramenta para consolidao dos direitos
humanos como poltica pblica. O Brasil avanou na materializao das orientaes
que possibilitaram a concretizao e a promoo dos Direitos Humanos. Configura-se
como avano a interministerialidade de suas diretrizes, de seus objetivos estratgicos
e de suas aes programticas (BRASIL, 2013, p. 23).
Na busca de dar luzes aos aspectos mais relevantes das DNEDH, podemos verificar,
preliminarmente, pela leitura direta do caput e do 1 de seu art. 2, a importante
diferena que estabelecida pelo Conselho Nacional de Educao entre o conceito
de educao em direitos humanos e o prprio conceito de direitos humanos.
Art. 2 A Educao em Direitos Humanos, um dos eixos fundamentais do direito
educao, refere-se ao uso de concepes e prticas educativas fundadas nos Direitos
Humanos e em seus processos de promoo, proteo, defesa e aplicao na vida co-
tidiana e cidad de sujeitos de direitos e de responsabilidades individuais e coletivas.
1 Os Direitos Humanos, internacionalmente reconhecidos como um conjunto de
direitos civis, polticos, sociais, econmicos, culturais e ambientais, sejam eles indivi-
duais, coletivos, transindividuais ou difusos, referem-se necessidade de igualdade e
de defesa da dignidade humana (BRASIL, 2013, p. 532).
Os direitos humanos, por sua vez, so tomados no apenas como um processo edu-
cacional mas sim como um conjunto de valores e de direitos que so intrnsecos
condio humana e que afetam a todos de forma individual, coletiva, transindividual
ou difusa, nas esferas dos direitos civis, polticos, sociais, econmicos, culturais e
ambientais, tendo como metaprincpios5 a igualdade e a dignidade humana.
UM OLHAR TERICO, NORMATIVO E METODOLGICO SOBRE A EDUCAO EM DIREITOS HUMANOS NA REDAO DO ENEM 238
Em Abreu (2015), j se chamava a ateno para o fato de que, em termos de avaliao
da temtica dos direitos humanos nas redaes do Enem, os princpios contidos nos
incisos do art. 3 das DNEDH deveriam servir de parmetros para que as bancas de
avaliadores do Inep pudessem estabelecer critrios mais objetivos. Por meio desses
critrios, os textos dos participantes seriam submetidos ao crivo das exigncias da
EDH. So estes os referidos princpios:
I dignidade humana; II igualdade de direitos; III reconhecimento e valorizao das
diferenas e das diversidades; IV laicidade do Estado; V democracia na educao;
VI transversalidade, vivncia e globalidade e VII sustentabilidade socioambiental
(BRASIL, 2013, p. 532).
Dignidade humana
O princpio da dignidade humana coloca o ser humano e seus direitos como centro das aes
para a educao. Qualquer iniciativa deve obedecer, ou pelo menos levar em considerao, a
promoo dos direitos humanos e da valorizao da dignidade do homem.
Relacionada a uma concepo de existncia humana fundada em direitos. A ideia de dignidade
humana assume diferentes conotaes em contextos histricos, sociais, polticos e culturais
diversos. , portanto, um princpio em que se devem levar em considerao os dilogos in-
terculturais na efetiva promoo de direitos que garantam s pessoas e grupos viverem de
acordo com os seus pressupostos de dignidade.
UM OLHAR TERICO, NORMATIVO E METODOLGICO SOBRE A EDUCAO EM DIREITOS HUMANOS NA REDAO DO ENEM 240
Transversalidade, vivncia e globalidade
O princpio da transversalidade, vivncia e globalidade levanta a questo da interdiscipli-
naridade dos direitos humanos na edificao das metodologias para educao em direitos
humanos. Refere-se, tambm, globalidade, que quer dizer o envolvimento completo dos
atores da educao.
Os direitos humanos se caracterizam por seu carter transversal e, por isso, devem ser
trabalhados a partir do dilogo interdisciplinar. Como se trata da construo de valores
ticos, a educao em direitos humanos tambm fundamentalmente vivencial, sendo-lhe
necessria a adoo de estratgias metodolgicas que privilegiem a construo prtica
desses valores. Tendo uma perspectiva de globalidade, deve envolver toda a comunidade
escolar: alunos, professores, funcionrios, direo, pais e mes e comunidade local. Alm
disso, no mundo de circulaes e comunicaes globais, a EDH deve estimular e fortalecer
os dilogos entre as perspectivas locais, regionais, nacionais e mundiais das experincias
dos estudantes.
Sustentabilidade socioambiental
Por fim, o princpio da sustentabilidade socioambiental informa que a educao em direitos
humanos deve incentivar o desenvolvimento sustentvel, visando ao respeito ao meio am-
biente, preservando-o para as geraes vindouras.
A EDH deve estimular o respeito ao espao pblico como bem coletivo e de utilizao demo-
crtica de todos. Nesse sentido, colabora para o entendimento de que a convivncia na esfera
pblica se constitui numa forma de educao para a cidadania, estendendo a dimenso poltica
da educao ao cuidado com o meio ambiente local, regional e global. A EDH, ento, deve
estar comprometida com o incentivo e promoo de um desenvolvimento sustentvel que
preserve a diversidade da vida e das culturas, condio para a sobrevivncia da humanidade
de hoje e das futuras geraes.
UM OLHAR TERICO, NORMATIVO E METODOLGICO SOBRE A EDUCAO EM DIREITOS HUMANOS NA REDAO DO ENEM 242
2) legtima a exigncia de elaborao de proposta de interveno na
prova de redao, como forma de mensurar o grau de apropriao dos
discursos e das prticas de cidadania que foram sendo apresentados
aos alunos ao longo de seu processo formativo na educao bsica.
Um levantamento das propostas de redao do Enem, compreendidas entre o pe-
rodo de 1998 a 2015,7 revela que as temticas apresentadas aos participantes do
exame eram, majoritariamente, vinculadas a problemas sociais complexos, de ampla
discusso nos meios de comunicao, e possibilitavam a elaborao de proposta de
interveno (ou ao social) que levasse em considerao os discursos dos direitos
humanos, mesmo que em algumas edies do exame essa situao no constitusse
uma exigncia explcita.
Outra informao relevante diz respeito ao fato de que somente aps a publicao das
DNEDH, em 2012, que o Inep passou a exigir explicitamente em edital, em 2013, o
respeito aos direitos humanos. Antes disso, observa-se que, na maioria das edies,
havia uma recomendao na proposta de redao que orientava os participantes
a elaborarem sua proposta de interveno (ou ao social) respeitando os direitos
humanos. possvel, pois, inferir que o Inep acompanhava de perto os debates que
estavam sendo realizados no mbito do PNDH e do PNEDH, mas s obteve a legiti-
midade legal de incluir a demanda dos direitos humanos nos editais do exame, como
critrio de eliminao do certame, depois da publicao das DNEDH.
Desenvolvimento e preservao
2001 ambiental: como conciliar os interes- Sim No
ses em conflito?
(continua)
7. O Enem aplicado desde o ano de 1998, mas somente comeou a ser utilizado como acesso ao ensino superior a partir do ano de 2009.
Fonte: Inep
UM OLHAR TERICO, NORMATIVO E METODOLGICO SOBRE A EDUCAO EM DIREITOS HUMANOS NA REDAO DO ENEM 244
Analisando essas ltimas dezoito edies do Enem, podemos levantar alguns dados
sobre a evoluo metodolgica utilizada pelo Inep para avaliar os textos dos par-
ticipantes, especificamente no que diz respeito ao tratamento dado questo dos
direitos humanos.
Fato relevante para nossa anlise diz respeito s edies do exame ocorridas entre os
anos de 2005 a 2008, quando a questo dos direitos humanos deveria ser observada
pelos participantes tanto durante o processo de selecionar, organizar e relacionar fatos
e opinies para a defesa do ponto de vista (Competncia III) quanto na elaborao
da proposta de interveno (Competncia V). Apesar de parecer o modelo ideal a
ser adotado, visto que tornaria a redao do Enem totalmente blindada contra
opinies adversas aos discursos dos direitos humanos, possvel que a mudana de
entendimento do Inep sobre a exigncia do respeito aos direitos humanos na Com-
petncia III da Matriz de Referncia para Redao tenha advindo do atendimento
aos direitos fundamentais, liberdade de expresso e liberdade de pensamento,
contidos principalmente nos incisos IV e IX do art. 5 da Constituio da Repblica.
Entre os anos de 2009 a 2012, a exigncia do respeito aos direitos humanos, atre-
lada Competncia V, passa pelos ltimos ajustes, exigindo-se dos participantes a
elaborao de proposta de ao social que respeitasse os direitos humanos (2009);
a apresentao de experincia ou proposta de ao social que respeitasse os direitos
humanos (2010); a apresentao de proposta de conscientizao social que respeitasse
os direitos humanos (2011); e, por fim, em 2012, a apresentao de uma proposta
de interveno que respeitasse os direitos humanos. Este ltimo modelo tornou-se
a regra que passou a vigorar a partir do Edital Inep/Enem n 1, de 8 de maio de
2013, que apresentava, explicitamente, o desrespeito aos direitos humanos no rol de
situaes que levavam nota zero.
8 Em 2012 (ano da entrada em vigor das DNEDH), apesar de no haver previso em edital da atribuio da nota zero redao que
desrespeitasse os direitos humanos, esse comando aparecia de forma explcita nas instrues da prova de redao. A partir de 2013,
constata-se a existncia concomitante da norma editalcia e das instrues na prova.
Desde a entrada em vigor das novas diretrizes para a EDH, trs edies do Enem
foram aplicadas. Nas provas de redao desses exames, os temas sobre os quais os
participantes tiveram de formular seus textos dissertativo-argumentativos foram os
seguintes: i) Efeitos da implantao da Lei Seca no Brasil (2013);ii) Publicidade infantil
em questo no Brasil (2014); e iii) A persistncia da violncia contra a mulher na sociedade
brasileira (2015).
Passaremos, a partir de agora, a realizar uma aplicao dos princpios contidos nas
DNEDH, considerando que, na avaliao das redaes dos participantes do Enem,
cada tema exige uma orientao especfica sobre a questo dos direitos humanos que
d aos avaliadores maior segurana no momento de avaliar as redaes.
UM OLHAR TERICO, NORMATIVO E METODOLGICO SOBRE A EDUCAO EM DIREITOS HUMANOS NA REDAO DO ENEM 246
Buscaremos, agora, proceder a uma anlise da proposta de redao do Enem 2015, cujo
tema proposto foi a persistncia da violncia contra a mulher na sociedade brasileira.
Considerando tal proposta de redao, podemos afirmar que foram ativados os se-
guintes princpios do art. 3 das DNEDH:
1. dignidade humana;
2. igualdade de direitos;
3. reconhecimento e valorizao das diferenas e das diversidades.
Por se tratar de uma poltica educacional relativamente nova, j que os sistemas de en-
sino somente foram vinculados oficialmente a ela a partir de 2012, pode-se considerar
que ainda esteja em fase de implantao nos cursos de formao inicial de professores,
bem como nos projetos poltico-pedaggicos de muitas escolas brasileiras.
No que diz respeito aos envolvidos no processo de avaliao das redaes do Enem,
advogamos no sentido de que a formao continuada e o insistente aprimoramento
metodolgico do modelo de tratamento da questo dos direitos humanos sejam os
caminhos capazes de assegurar a devida preciso no trabalho de avaliao dos textos,
para que se persiga sempre a maior objetividade possvel e a certeza de aplicao da
isonomia no tratamento das redaes de todos os participantes.
Referncias
UM OLHAR TERICO, NORMATIVO E METODOLGICO SOBRE A EDUCAO EM DIREITOS HUMANOS NA REDAO DO ENEM 248
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio
Teixeira INEP. Edital n. 1, de 8 de maio de 2013 Exame Nacional do Ensino
Mdio Enem 2013. 2013. Disponvel em: <download.inpe.gov.br/educacao_basica/
enem/edital/2013/edital-enem-2013.pdf> Acesso em: 19 jul.2016.
SARLET. I. W. A eficcia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos Direitos
Fundamentais na perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2015.
Leitura de apoio
Organizao das Naes Unidas ONU. Declarao Universal dos Direitos Huma-
nos. Adotada e proclamada pela resoluo 217 A (III) da Assembleia Geral das Naes
Unidas em 10 de dezembro de 1948. Disponvel em: <http://unesdoc.unesco.org/
images/0013/001394/139423por.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2015.
UM OLHAR TERICO, NORMATIVO E METODOLGICO SOBRE A EDUCAO EM DIREITOS HUMANOS NA REDAO DO ENEM 250
REFLEXES
METODOLGICAS
Outro dia ouvi a histria da cidade do interior onde s existe um restaurante e ele
sempre fica fechado na hora do almoo e do jantar. Um restaurante que no se abre
ao pblico na hora do almoo e do jantar no um restaurante, pois no cumpre seu
papel precpuo de lugar onde so servidas refeies nos momentos em que a maioria
das pessoas se alimenta. Eu pensei: a escola, s vezes (e infelizmente), tem sido esse
restaurante fechado na hora do almoo e do jantar. Vejamos o caso especfico da
proficincia de leitura: segundo dados do Sistema de Avaliao da Educao Bsica
(Saeb), do Instituto Nacional de Estudos Educacionais Ansio Teixeira (Inep), vin-
culado ao Ministrio da Educao (MEC),1 apenas 5,34% dos estudantes concluintes
2
A pesquisa Projeto de vida: o papel da escola na vida dos jovens,2 feita com es- 3
Uma escola que, ao longo de doze anos, no consegue contribuir efetivamente para
formar leitores no nvel adequado ao que deles se espera , em certa medida, aquele
restaurante fechado no horrio das refeies principais. Informaes e dados como
esses aqui explicitados, somados aos diversos relatos de professores que atuam em
regncia de classe em todos os componentes curriculares, justificam a necessidade
de ressignificao de prticas pedaggicas no ensino e na avaliao dos processos de
leitura e de escrita. Nosso enfoque nestas reflexes ser dado avaliao formativa
da produo de textos no contexto escolar.
O que nos tranquiliza nesse debate a convico de que ler e escrever so prticas
sociais, embora complexas, suscetveis de serem ensinadas e aprendidas tambm na
escola, o que torna inadivel a discusso sobre a abordagem pedaggica e sobre a
avaliao dessas prticas no contexto escolar.
Excluir para o lado de dentro, alm de paradoxal, uma vez que toda escola deveria ser,
sobretudo, um espao de incluso social, tambm um sinal de que os modelos escolares
que seguimos hoje, e que so reproduzidos h muito tempo, esto exauridos, porque no
correspondem mais s expectativas sociais e culturais de um mundo novo, desafiador
num contexto de incluso que se devem realizar os debates acerca dos modelos de
avaliao praticados na escola, uma vez que eles revelam sobremaneira as concepes
que temos de mundo, de escola e dos estudantes. E revelam, ainda, que mundo e que
escola queremos, e que pessoas queremos formar. Nesse sentido, as reflexes sobre
a perspectiva de avaliao formativa tomam lugar muito relevante na educao bra-
sileira, tendo em vista a formao de estudantes mais autnomos e mais conscientes
de seus percursos de aprendizagem.
critrios significa tornar objetivo o que se espera dos estudantes e estabelecer com
detalhes o que ele deve ser capaz de fazer aps um perodo especfico de formao.
No caso particular da escrita no ensino mdio, preciso que o estudante saiba com
antecedncia que, ao final dessa etapa da educao bsica, ele dever ser capaz,
por exemplo, de produzir textos com predominncia argumentativa e de aprender
estratgias de defesa de um ponto de vista. Alm disso, cabe ao estudante do ensino
mdio ir alm do nvel informacional do texto, devendo construir anlises crticas
diante do que escreve ou l. O estabelecimento de critrios s ser realizado de
forma proveitosa se o professor souber fazer um diagnstico relevante do que os
estudantes sabem ou no em termos de escrita e de leitura. Por fim, dado o retrato
do diagnstico, hora de a escola propor estratgias de interveno para ajustar
o tratamento didtico natureza das dificuldades constatadas e realidade dos
progressos registrados (HADJI, 1994, p. 125). Daremos uma ateno mais deta-
lhada s estratgias de interveno mais adiante, quando discutiremos brevemente
o papel dos registros reflexivos nos processos de aprendizagem dos estudantes.
3. A regulao, muitas vezes, tomada pelo termo interveno, no sentido das aes escolares e pedaggicas que so adotadas
para que os estudantes consigam progredir no seu processo formativo. A interveno requer sempre uma reorganizao do
trabalho pedaggico.
Por meio de registros reflexivos, pessoas descrevem, por exemplo, o que aprenderam e
como aprenderam aquilo que aprenderam num determinado perodo ou durante uma
atividade. Mais do que isso: ao produzir (na modalidade oral ou escrita) os registros
reflexivos de aprendizagem, sujeitos criam narrativas do seu prprio percurso de for-
mao, registram suas dvidas e inseguranas, o que corrobora para a reorganizao
da aprendizagem, alm de levantar informaes relevantes para o professor. Ao criar
narrativas e descries sobre as produes de textos, os estudantes acabam, paulatina-
mente, por tomar conscincia do que fazem quando escrevem ou leem. E isso os leva
ao aperfeioamento das prticas de escrita e de leitura.
Desse modo, trata-se a escrita como o processo que de fato ela , e no apenas como
uma tarefa escolar espordica para o fito nico da obteno de notas e de menes.
O registro reflexivo das produes de texto realizadas pelos estudantes estabelece um
Exemplo 1
Esses dias estava conversando com uns amigos sobre esse tema da publicidade infantil. A gente
sempre custuma conversar bastante sobre os assuntos mais importante da atualidade, pois
acredito muito na opinio dos meus amigos e gosto de sempre de refretircom eles sobre todos
os temas. Desse vez, algums amigos se colocaram contra a publicidade e outros se colocaram a
favor das propaganas para crianas.
4. A proposta de Zabalza (1994) recai sobre os chamados dirios de aula. O termo registros reflexivos foi usado por Villas Boas
(2008, p. 97) por entender que a expresso tem uma conotao mais ampla. Conforme o prprio Zabalza, esses dirios no se
referem a uma atividade diria, o que de certa forma desobriga a utilizao literal da nomenclatura (LIMA, 2012, p. 107).
5. Excerto de redao do Enem 2014.
Leitura de apoio
PROJETO de vida: o papel da escola na vida dos jovens. Fundao Lemann 2014.
Quando escrevemos nas situaes prticas da vida, temos tempo para avaliar e reela-
borar o texto at constatar que ele corresponde aos nossos objetivos. Esse processo de
elaborao, releitura para avaliao e reelaborao faz parte da natureza da produo
de textos. Ningum que escreve com um determinado objetivo entrega a primeira
verso de um texto. Todos os profissionais da escrita trabalham muito para chegar
ao objetivo proposto inicialmente. Milton Hatoum afirma em um depoimento que
reescreveu seu romance Dois Irmos 23 vezes. Em situao de exame ou concurso,
como em vestibulares ou no Enem, todo o processo de escrita tem de ser comprimido,
para caber no horrio disponvel. Isso exige treino prvio.
* Luclia Helena do Carmo Garcez professora aposentada da Universidade de Braslia e doutora em Lingustica Aplicada e Estudos da
Linguagem pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo.
Uma leitura proficiente garante que o redator saber compreender a proposta de reda-
o e o recorte do assunto que proposto pelo direcionamento dos textos motivadores.
Outra caracterstica prpria da redao do Enem que ela exige no seu prprio
enunciado a apresentao de uma proposta de interveno social em busca de solu-
o para o problema colocado, e essa proposta deve respeitar os direitos humanos
(Competncia V). Portanto, imprescindvel analisar o problema cuidadosamente e
imaginar solues exequveis, consistentes e abrangentes em vrios nveis: individual,
A melhor maneira de preparar um estudante para fazer uma boa redao no Enem
lev-lo a ler jornais e revistas semanais de notcias e anlises, a escolher um tema da
atualidade (ou temas das edies anteriores do Enem), a tomar uma posio clara em
relao ao tema, a selecionar e organizar as ideias e a escrever um texto controlando o
tempo. O professor deve ler e comentar, indicando as qualidades e deficincias do texto.
importante esclarecer que necessrio que o aluno releia vrias vezes e reescreva o
seu texto de acordo com os comentrios e indicaes feitos pelo professor. Diante dos
comentrios, preciso se aprofundar especificamente nas questes gramaticais em que
o redator apresenta mais dificuldade.
Finalmente, importante lembrar que uma boa caligrafia facilita a leitura pelo exa-
minador e pode favorecer a avaliao. O surgimento de novas tecnologias de escrita,
como o teclado, no invalida a necessidade de desenvolvimento de habilidades tra-
dicionais, como a legibilidade da letra manuscrita.
Leitura de apoio
FIORIN, L. J.; PLATO, F. S. Lies de texto: leitura e redao. So Paulo: tica, 1990.
______. Aprender e ensinar com textos dos alunos. In: CHIAPPINI, L. (Coord.).
So Paulo: Cortez Editores, 1997.