Fichamento Memoria Coletiva

Fazer download em docx, pdf ou txt
Fazer download em docx, pdf ou txt
Você está na página 1de 13

FICHAMENTO A MEMRIA COLETIVA

HALBWACHS, Maurice. A memria coletiva. Traduo de Laurente Len


Schaffter.Ed. Revista dos Tribunais: So Paulo, 1990.

Captulo I Memria coletiva e memria individual


Para Halbwachs, nossas lembranas so sempre coletivas, mesmo aquelas
referentes a eventos que presenciamos ss, porque ns mesmos trazemos
sempre impresses de outros conosco:
Mas nossas lembranas permanecem coletivas e elas nos so lembradas
por outros, mesmo que se trate de acontecimentos nos quais s ns
estivemos envolvidos, e com objetos que s ns vimos. porque, em
realidade, nunca estamos ss. No necessrio que outros homens estejam
l, que se distingam materialmente de ns: porque temos sempre conosco e
em ns uma quantidade de pessoas que no se confundem. p. 26

A lembrana, a memria coletiva est intimamente ligada ao fato de se


pertencer ao mesmo grupo.

Necessidade de uma comunidade afetiva


Para que nossa memria se auxilie com a dos outros no basta que eles
nos tragam seus depoimentos: necessrio ainda que ela no tenha
cessado de concordar com suas memrias e que haja bastantes pontos de
contato entre uma e as outras para que a lembranas que nos recordam
possa ser reconstruda sobre um fundamento em comum. No suficiente
reconstituir pea por pea a imagem de um acontecimento do passado para
se obter uma lembrana. necessrio que esta reconstruo se opere a
partir de dados ou de noes comuns que se encontram tanto no nosso
esprito como no dos outros, porque elas passam incessantemente desses
para aquele e reciprocamente, o que s possvel se fizeram e continuam a
fazer parte da mesma sociedade. P.34
Da possibilidade de uma memria estritamente individual
Haveria memria individual?
1Lembranas da infncia
Para Halbwachs no h memrias enquanto no se um ente social.
Uma corrente do pensamento social ordinariamente to invisvel como a
atmosfera que respiramos. S reconhecemos sua existncia, na vida normal,
quando a ela resistimos. P.40
Halbwachs comenta as sensaes de entrar em contato com o mundo
adulto quando se criana:

H, alis, atravs de toda a infncia, muitos momentos em que encaramos


assim o que no mais famlia; ou porque nos chocamos, ou porque nos
ferimos ao contato dos objetos, ou porque devamos nos submeter e vergar
fora das coisas, ainda que passemos inelutavelmente por uma srie de
pequenas experincias que so como que uma preparao para a vida
adulta: a sombra que projeta sobre a infncia a sociedade dos adultos, e
mesmo mais do que uma sombra, uma vez que a criana pode ser chamada
a tomar a sua parte em cuidados e responsabilidades cujo peso recai de
ordinrio sobre ombros mais fortes que os seus; e que ela , pelo menos
temporariamente e por uma parte de si mesma, colocada dentro do grupo
daqueles que so mais velhos do que ela. P.42

O contedo original de tais lembranas, que as destaca de todas as outras,


se explicaria ento pelo fato de que elas se encontram no ponto de
cruzamento de duas ou vrias sries de pensamentos, pelas quais elas se
relacionam a tantos grupos diferentes. P. 43

Lembranas de adultos
HALBWACHS disserta sobre o fato de um indivduo fazer parte de mais de
um grupo e de esse aspecto influenciar suas lembranas, exemplificando:
uma pessoa pode, ao mesmo tempo, fazer parte da comunidade de uma
pequena cidade e de uma famlia, h lembranas de cada grupo, mas elas
mesclam-se.

A lembrana individual como limite das interferncias coletivas

Estamos ento, to bem afinados com aqueles que nos cercam, que
vibramos em unssono, e no sabemos mais onde est o ponto de partida
das vibraes, em ns ou nos outros. P. 47
O autor continua defendendo o quanto os indivduos so constitudos pelas
influencias do coletivo. Para Halbwachs, as opinies e impresses dos
indivduos so sempre influenciadas pelos livros que l, pelas conversas que
tem, enfim, pela comunidade ou coletividade em que est inserido. O autor
assinala, no entanto, que muitas vezes os indivduos no conseguem
perceber tal influncia, acreditando assim, que suas impresses e opinies
so estritamente suas. interessante notar que em Obo o narrador
problematiza exatamente seu pertencimento uma comunidade negra. Tal
problematizao teria relao, se utilizar-se aqui as reflexes de Halbwachs,
com o fato de ele ter lembranas que se encontram exatamente no
entrelugar de vrias coletividades: primeiramente a comunidade negra,
segundo a comunidade dos trabalhadores da fazenda (incluindo-se a
tambm os imigrantes alemes)?, tambm como morador da regio
interiorana, e por fim, integrante de um crculo de intelectuais. De certo
modo, possvel entender que esta multiplicidade de influncias contribui
para o conflito identitrio do narrador, ainda que seu relato leve a perceber
que a aflio que traz em sua histria vem muito por conta das histrias de
sofrimento e injustia da populao negra que conheceu durante sua vida.
preciso apontar, ainda, que o narrador, por outro lado, destaca as
influncias coletivas que teve em sua vida quando, por exemplo, conta a
histria de seu professor de msica e intelectual negro No: (citar trecho
em que ele destaca a importncia do personagem para si)
E em outro momento, quando relembra com carinho a relao que teve com
o alemo Engel: (citao)
A partir dessas observaes, a complexidade no desenvolvimento do
narrador de Obo, como um sujeito mltiplo. *Pensar aqui em um terico
acerca dessa multiplicidade: talvez Hall, Bahba.

Sem dvida, deste conflito ou desta combinao de influncias, cada uma


delas deveria sobressair mais nitidamente. Mas porque esses meios se
afrontam, temos a impresso que no estamos engajados nem em um, nem
em outro. Sobretudo, o que se passa no primeiro plano a estranheza da
situao em que nos encontramos, que basta para absorver o pensamento
individual. P. 48
O autor classifica dois tipos de lembrana: em primeiro lugar aquelas que
so facilmente recordveis e que esto assentadas na coletividade, aquilo
que outras pessoas tambm recordam, a imagem que tm do indivduo. Em
segundo, vm as lembranas que so, estas sim, individuais:
Dos segundos, daqueles que no podemos nos lembrar vontade, diremos
voluntariamente que eles no pertencem aos outros, mas a ns, porque
ningum alm de ns pode conhece-los. Por mais estranho que possa
parecer, as lembranas que nos so mais difceis evocar so aquelas que
no concernem a no ser a ns, que constituem nosso bem mais exclusivo,
como se elas no pudessem escapar aos outros seno na condio de
escapar tambm a ns prprios. P. 49
Diramos voluntariamente que cada memria individual um ponto de
vista sobre a memria coletiva, que este ponto de vista muda conforme o
lugar que ali eu ocupo, e que este lugar mesmo muda segundo as relaes
que mantenho com outros meios. No de admirar que, do instrumento
comum, nem todos aproveitam do mesmo modo. Todavia, quando tentamos
explicar essa diversidade, voltamos sempre a uma combinao de
influncias que so, todas, de natureza social. P. 51
Captulo II Memria Coletiva e Memria Histrica

O autor inicia o segundo captulo ainda diferenciando memria individual de


memria coletiva, observando que a memria individual no est isolada da
memria coletiva, pelo contrrio, o tempo todo ela se contamina com
informaes que vm dos grupos dos quais o indivduo faz parte. A memria
individual est inteiramente no indivduo, no dependem da ajuda de outros
para serem evocadas, ao contrrio da memria nacional, por exemplo, que
se baseia no apenas nas lembranas do indivduo, mas tambm em
lembranas de outros.
Assim, Halbwachs esboa dois tipos de memria, uma individual, interna,
tambm chamada autobiogrfica; a outra, memria social, externa, que
poderia ser chamada de memria histrica.
Ele contesta, porm, que a memria social seja completamente individual,
defendendo que a memria individual seja envolvida com a memria social.
Sua real interpenetrao (a histria contempornea)
Assim, Halbwachs defende que as pessoas so moldadas pela poca e
sociedade em que vivem, logo, hbitos considerados pessoais e que mais
tarde sero recordados, carregam tambm uma memria social.
Aprendo a distinguir, na fisionomia de meus pais, e no aspecto desse
perodo, aquilo que se explica no mais pela natureza pessoal dos seres,
pelas circunstancias tais em que elas teriam podido se reproduzir em
qualquer outro tempo, mas pelo meio nacional contemporneo. Meus pais,
como todos os homens, eram de seu tempo e da mesma maneira seus
amigos, e todos os adultos com os quais eu estava em contato nessa
poca. P.59
No na histria aprendida, na histria vivida que se apoia nossa
memria. Por histria preciso entender ento no uma sucesso
cronolgica de acontecimentos e de datas, mas tudo aquilo que faz com que
um perodo se distinga dos outros, e cujos livros e narrativas no nos
apresentam em geral seno um quadro bem esquemtico e incompleto. P.
60
O liame vivo das geraes
Tanto verdade que os quadros coletivos da memria no se resumem em
datas, nomes e frmulas, que eles representam correntes de pensamento e
de experincia onde reencontramos nosso passado porque este foi
atravessado por isso tudo. P. 66
Lembranas reconstrudas
Temos frequentemente repetido: a lembrana em larga medida uma
reconstruo do passado com a ajuda de dados emprestados do presente, e
alm disso, preparada por outras reconstrues feitas em pocas anteriores
e de onde a imagem de outrora manifestou-se j bem alterada. P. 71
A memria individual alterada conforme o indivduo passa a ser mais ativo
e consciente dos grupos dos quais faz parte, conforme dialoga com os
outros integrantes de seus grupos, o indivduo altera sua memria pessoal.
Tambm, Halbwachs ressalta que muitas de nossas lembranas s
permanecem por conta daquilo que os outros contam ao indivduo, num
momento em que memria e imaginao misturam-se. Assim, a memria
pessoal muito mais influenciada pela memria social do que se imagina.
Lembranas simuladas
Aqui o autor trata da memria como algo que pode ser constantemente
alterada por informaes de outrem. Assim, possvel que algum, ao
lembrar-se de um fato passado, no tenha lembranas completas de tudo o
que ocorreu, ainda que supostamente tenha essas imagens completas em
seu subconsciente. possvel que haja outro indivduo que tambm tenha
informaes sobre este fato passado, e se essas pessoas dialogarem,
ambas podero reconstruir suas lembranas sobre tal fato, ampliando-as
com informaes emprestadas uma da outra. Isso ocorre porque, segundo
Halbwachs, cada indivduo guarda informaes mais precisas de um ou
outro aspecto do passado, deixando outros pontos um tanto mais obscuros
para si. Assim, a memria algo que pode ser ampliado coletivamente.

Quadros longnquos e meios prximos


Para Halbwachs h uma grande distncia entre o indivduo e a nao,
assim, os acontecimentos histricos de uma nao impactam pouco sobre
todos os indivduos.
Se por memria histrica entendemos a sequencia dos acontecimentos dos
quais a histria nacional conserva a lembrana, no ela, no so seus os
quadros que representam o essencial daquilo que chamamos memria
coletiva. P. 79
Mas, observamos, cada homem est mergulhado ao mesmo tempo ou
sucessivamente em vrios grupos. Cada grupo, alis, se divide e se
restringe, no tempo e no espao. no interior dessas sociedades que se
desenvolvem tantas memrias coletivas originais que mantem por algum
tempo a lembrana de acontecimentos que no tem importncia seno para
elas, mas que interessam tanto mais que seus membros, que so pouco
numerosos. P. 79

Oposio final
Entre memria coletiva e a histria
Halbwachs diferencia histria de memria histrica, discutindo este ltimo
termo, ou memria coletiva, para ele os fatos s passam para a narrativa
histrica quando saem da memria coletiva, pois s necessrio recorrer
escrita quando os indivduos j no so mais capazes de guardar,
naturalmente, em suas mentes tais lembranas.
Quando a memria de uma sequncia de acontecimentos no tem mais
por suporte um grupo, aquele mesmo em que esteve engajada ou que dela
suportou consequncias, que lhe assistiu ou dela recebeu um relato vivo dos
primeiros atores individuais, perdidos em novas sociedades para as quais
esses fatos no interessam mais porque lhes so decididamente exteriores,
ento o nico meio de salvar tais lembranas fixa-las por escrito em uma
narrativa seguida, uma vez que as palavras e os pensamentos morrem, mas
os escritos permanecem. P. 81
Ao distinguir histria e memria coletiva, Halbwachs destaca dois aspectos,
o primeiro que a memria coletiva uma corrente de pensamento
contnuo, sem interrupes. O segundo aspecto refere-se ao fato de que a
memria coletiva, ao contrrio da histria, no ultrapassa os limites de um
grupo:
Quando um perodo deixa de interessar ao perodo seguinte, no um
mesmo grupo que esquece uma parte de seu passado: h, na realidade,
dois grupos que se sucedem. P. 82.
Para Halbwachs a histria, diferentemente da memria coletiva, divide a
sequncia de sculos em perodos, assim como uma pea de teatro, onde
um ato sucede o outro, excetuando que, na narrativa histrica, os
personagens sempre mudam de ato para ato. Quanto diviso desses
perodos, o autor comenta:
A histria, que se coloca fora dos grupos e acima deles, no vacila em
introduzir na corrente dos fatos divises simples e cujo lugar est fixado de
uma vez por todas. Ela obedece, assim fazendo, somente a uma
necessidade didtica de esquematizao. Parece que ela considera cada
perodo como um todo, independente em grande parte daquele que o
precede e daquele que o segue, porque ela tem uma tarefa, boa, m ou
indiferente, a cumprir. P.82
J na memria coletiva no h tais linhas de separao, mas somente
limites irregulares e incertos. P 84

A histria, quadro de acontecimentos


As memrias coletivas, centros de tradies
O mundo histrico como um oceano onde afluem todas as histrias
parciais. No de estranhar de que na origem da histria e mesmo em
todas as pocas, se tenha sonhado escrever tantas histrias universais. P.
85
Halbwachs caracteriza o discurso como imparcial e objetivo, tem a inteno,
mesmo quando subdividido, em formar um conjunto. O autor tambm
lembra que no h memria universal: toda memria coletiva tem por
suporte um grupo limitado no espao e no tempo. P. 86
Ao tratar da memria coletiva, o autor aposta na multiplicidade e no carter
contnuo das memrias coletivas, para ele, a memria coletiva
o grupo visto de dentro, e durante um perodo que no ultrapassa a
durao mdia da vida humana, que lhe , frequentemente, bem inferior.
Ela apresenta ao grupo um quadro de si mesmo que, sem dvida, se
desenrola no tempo, j que se trata de seu passado, mas de tal maneira que
ele se reconhece sempre dentro dessas imagens sucessivas. P. 88
Assim, o autor termina o segundo captulo enfatizando que o grupo,
detentor de uma memria coletiva, para manter esta ltima, deve manter
os traos pelos quais ele se diferencia dos demais. P. 89
Se a histria feita de grandes quebras, diferenas e mudanas, a memria
se detm na continuidade e na semelhana.

Captulo III
A memria coletiva e o tempo

A diviso social do tempo


Aqui Halbwachs trata do aspecto social das medidas de tempo, enfatizando
que mais do que questes astrolgicas, as medidas de tempo se do num
mbito de adequao social. Alm disso, tais medidas seriam estveis e
antigas, j que um dia, por exemplo, a mesma medida h muito tempo. O
autor ainda comenta o quanto alguns indivduos no sentem dificuldades
nesta configurao social do tempo, principalmente no que se refere nsia
de no desperdiar tempo, aproveitando-o ao mximo.
A durao pura (individual) e o tempo comum, segundo Bergson
Os homens concordam em medir o tempo, por meio de alguns movimentos
que se produzem na natureza como aqueles dos astros, ou que criamos e
regulamos artificialmente, como em nossos relgios, porque no
saberamos encontrar, na sequncia de nossos estados de conscincia,
suficientes pontos de referncia definidos que possam valer para todas as
conscincias. P. 93
Em nosso pensamento, na realidade, cruzam-se a cada momento ou em
cada perodo de seu desenvolvimento, muitas correntes que vo de uma
conscincia a outra, e das quais ele o lugar de encontro. Sem dvida, a
continuidade aparente daquilo que chamamos nossa vida interior resulta em
parte de que ela segue, por algum tempo, o curso de uma dessas
correntes, o curso de um pensamento que se desenvolve em ns ao mesmo
tempo que, em outros, a inclinao de um pensamento coletivo. P.99
A data, quadro da lembrana
O quadro temporal influencia mais do que o tempo:
Acontece tambm que no reconstitumos o quadro temporal seno depois
que a lembrana foi restabelecida e ento somos obrigados, a fim de
localizar a data do acontecimento, dele examinar em detalhes todas as
partes. Mesmo assim, j que a lembrana conserva os traos do perodo ao
qual se reporta, este s foi lembrado porque havamos vislumbrado esses
traos, e pensado no tempo em que o acontecimento se realizou. A
localizao, aproximativa e muito imprecisa de incio, definiu-se em seguida
quando a lembrana estava presente. P.101
Tempo abstrato e tempo real
Aqui comea-se a opor tempo vivido, de Bergson, ao tempo matemtico e
fsico, esvaziado de vivncia, vazio de conscincia, numa busca de lidar
melhor com a questo da memria coletiva. Esse tempo seria semelhante
ao espao geomtrico. Para Halbwachs, no entanto esse tempo seria intil
ao estudo da memria, sendo til apenas aos fsicos e matemticos:
Mas, salvo a sociedade dos matemticos ou dos sbios que estudam os
movimentos dos corpos inertes, todos os grupos humanos se interessam
pelos acontecimentos que mudam de natureza e de importncia, conforme
o momento em que se produzem. Um tempo indefinido, indiferente a tudo o
que nele se posiciona de nada ajudaria na memria desses fatos. P. 103
O tempo universal e os tempos histricos
Nesta sesso o autor comea a supor um tempo universal, que abrangeria
acontecimentos de todo o mundo, de povos de todas as pocas, que
mantiveram alguma relao entre si. Esse quase o tempo histrico
mencionado anteriormente, exceto pelo fato de ter abrangncia maior.
Acontece que cidades, provncias, povos, fundem-se numa nova unidade,
logo o tempo comum se amplie e, talvez, avance mais no passado, ao
menos para uma parte do grupo, que se encontra ento a participar de
tradies mais antigas. (...)
atravs de uma construo artificial que se faz esses dois tempos
penetrar um no outro, ou que colocamos um ao lado do outro, sobre um
tempo vazio, que nada tem de histrico, j que definitivamente este nada
mais do que o tempo abstrato dos matemticos. p.106

Tradio histrica e tradio coletiva


Nesta pequena sesso o autor retoma a distino entre o relato
historiogrfico e a memria coletiva, lembrando que a narrativa histrica
baseada em um relato de mudanas, revolues e evolues. Assim, a
histria seria uma narrativa resumida, desligada do tempo, artificial e sem
ligao com tempo dos grupos.
Multiplicidade e heterogeneidade das duraes coletivas
Ainda investindo na diviso entre histria e memria coletiva, Halbwachs
comenta que o discurso historiogrfico se preocupa com um passado do
qual a memria coletiva no d conta, pois a memria coletiva interessa-se
apenas pelas lembranas de um grupo que ainda exista, ou seja, por
informaes, acontecimentos que mantenham forte relao com um
coletivo que existe no presente. Assim, o historiador precisa estar desligado
dos grupos cujo passado estuda, havendo ento a necessidade de um
intervalo de tempo entre os acontecimentos e seu relato histrico.
preciso distinguir um certo nmero de tempos coletivos tanto quanto
forem os grupos separados. 109
Apesar de haver tempos coletivos para cada grupo, as medidas de tempo,
como dias, meses e anos, so importantes para fazer correspondncias
entre esses tempos coletivos, considerando-se que um indivduo passa de
um grupo a outro.
Ainda assim, cada grupo utiliza esse tempo de modo diferente, pensando-
se, por exemplo, no calendrio religioso, no calendrio financeiro, no
calendrio poltico, e tambm no modo como se do os tempos nos grupos
familiares, nos grupos de trabalho, etc.
Sua impermeabilidade
um mesmo acontecimento pode afetar, ao mesmo tempo, vrias
conscincias coletivas distintas; disso conclumos que nesse momento essas
conscincias se aproximam e se unem numa representao comum. Mas
ser um mesmo acontecimento se cada um desses pensamentos o
representa para si mesmo sua maneira e o traduz em sua linguagem?
Trata-se de grupos que esto, tanto um quanto o outro, no espao. O
acontecimento tambm se produz no espao e pode ser que um e outro
grupo o percebam. Mas o que importa, a maneira pela qual o interpretam,
o sentido que lhe do. Para que eles lhe emprestem a mesma significao,
preciso que antes de tudo as duas conscincias estejam confundidas
p.115-116
Um fato pode afetar mais de um grupo, mas para cada grupo esse fato ter
uma significao distinta. Por conseguinte, se dois grupos derem a um
mesmo fato a mesma significao, quer dizer que estes grupos esto
intimamente relacionados, praticamente sendo um mesmo coletivo.
Percebe-se que para Halbwachs os tempos coletivos so impermeveis.
Lentido e rapidez da transformao social
O tempo no outra coisa seno uma srie sucessiva de fatos, ou uma
soma de diferenas. Somos vtimas de uma iluso quando imaginamos que
uma maior quantidade de acontecimentos ou de diferenas significa a
mesma coisa que um tempo mais longo. P. 118
Na realidade, no podemos dizer que o tempo se escoa mais rpido ou
mais lentamente numa sociedade do que na outra; a noo de rapidez,
aplicada ao curso do tempo, no oferece uma significao definida p. 120

A substancia impessoal dos grupos durveis


Quando dizemos que o indivduo se conduz com a ajuda da memria do
grupo, necessrio entender que essa ajuda no implica na presena atual
de um ou vrios de seus membros. Com efeito, continuo a sofrer a
influncia de uma sociedade ainda que tenha me distanciado: basta que
carregue comigo em meu esprito tudo o que me capacite para me
posicionar do ponto de vista de seus membros, de me envolver em seu
meio e em seu prprio tempo, e de me sentir no corao do grupo. P.121

Na sesso anterior o autor comentava sobre a relao dos diversos


coletivos com o tempo, especialmente com a forma como esses coletivos
encaravam a passagem do tempo, enfatizando que o tempo passaria da
mesma forma para os diversos coletivos. So tempos distintos, mas no
passam de forma mais rpida ou mais lenta do que os outros.
Aqui, Halbwachs analisa a forma como membros de um mesmo grupo lidam
com suas lembranas, considerando que uma lembrana no est
organizada conforme a data em que ocorreu, e que um membro pode
acessar uma lembrana que aconteceu num passado longnquo sem
necessariamente se ater a memrias que ocorreram depois, seguindo
determinada linearidade.
O estudioso lembra que que um grupo constitudo essencialmente por
um interesse, uma ordem de ideias e de preocupaes, que sem dvida se
particularizam e refletem em certa medida as personalidades de seus
membros, mas que so no todavia bastante gerais e mesmo impessoais.
P.122
Alm disso, as lembranas de um grupo podem ser evocadas sem que mais
de um membro esteja presente, isso se as relaes, a presena dos outros
membros ainda esteja em um indivduo.
O tempo onde viveu o grupo um meio semidespersonalizado, em que
podemos assinalar o lugar de mais de um acontecimento passado, porque
cada um deles tem uma significao em relao ao conjunto. essa
significao que encontramos no conjunto, e este se conserva porque sua
realidade no se confunde com as imagens particulares e passageiras que o
atravessam. P. 123
Permanncia e transformao dos grupos s pocas da famlia
Para o autor a memria no ilimitada, tem uma determinada carga de
informaes e necessita ser esvaziada conforme chega a esse limite. Mas
essa descarga est ligada s mudanas do grupo, ou seja, s necessria
se o grupo passe por uma mudana sensvel. Importante ressaltar que,
possvel que haja partes do grupo que tenha lembranas, memrias um
tanto distintas, como se uma parte fosse mais influenciada por
determinados acontecimentos.
Quando um grupo compreende mais membros, sobretudo quando estes
so de idades diferentes, entra em contato com a sociedade atravs de um
maior nmero de partes de si mesmo. Incorpora-se mais estreitamente ao
meio que compreende as outras famlias, penetra em seu esprito, sujeita-se
s suas regras. P.126

Sobrevivncia dos grupos perdidos


Assim, quando numa sociedade que se transformou, subsistem vestgios do
que existia antes, aqueles que a conheceram em seu estado primeiro
podem tambm deter sua ateno sobre esses traos antigos que lhes do
acesso a um outro tempo e a um outro passado. Poucas so as sociedades
nas quais tenhamos vivido, seja em que tempo for, que no subsistam, ou
pelo menos no tenham deixado algum trao de si mesmas nos grupos mais
recentes onde estamos mergulhados: a subsistncia desses traos basta
para explicar a permanncia e continuidade do prprio tempo nesta
sociedade antiga, e que nos seja possvel, a qualquer momento, nela
penetrar atravs do pensamento. P. 127
possvel perceber ento, que o narrador de Obo participa no
apenas de grupos distintos, mas tambm acompanhou algumas
mudanas de seu grupo negro....
As duraes coletivas: Bases nicas das memrias ditas individuais
Cada um membro de vrios grupos, participa de vrios pensamentos
sociais, seu olhar mergulha sucessivamente em vrios tempos coletivos.
desde j um elemento de diferenciao individual de modo que num mesmo
perodo, numa regio do espao, no entre as mesmas correntes coletivas
que dividem as conscincias dos vrios homens. Mas, alm disso, seus
pensamentos recuam para mais ou menos longe, deslocam-se mais ou
menos rpido no passado ou no tempo de cada grupo. (...)
A conscincia individual apenas o lugar de passagem dessas correntes, o
ponto de encontro dos tempos coletivos. P.128
Em outras palavras, na corrente das impresses necessrio distinguir as
correntes do pensamento propriamente dito ou da memria: as primeiras
esto estreitamente ligadas ao nosso corpo, no nos fazem sair de ns
mesmos, mas tambm no nos abrem qualquer perspectiva sobre o
passado; as segundas tm sua origem e a maior parte de seu curso no
pensamento dos diversos grupos aos quais nos ligamos. P. 129
Como uma sociedade qualquer que seja poderia existir, subsistir, tomar
conscincia dela mesma, se no abraasse, num olhar, um conjunto de
acontecimentos presentes e passados, se no tivesse a faculdade de
percorrer o curso de tempo e repassar incessantemente traos que deixou
de si mesma? p. 130

Captulo IV: A Memria coletiva e o espao


O grupo em seu quadro espacial: poder do meio material
Aqui o autor cita Comte para falar de como o espao, os objetos, do uma
sensao de estabilidade e familiaridade para os indivduos. Alm disso,
tambm os mveis, as casas, os objetos, dizem muito de um grupo, de uma
sociedade.
Quando um grupo est inserido numa parte do espao, ele a transforma
sua imagem, ao mesmo tempo em que se sujeita e se adapta s coisas
materiais que a ele resistem. Ele se fecha no quadro que construiu. A
imagem do meio exterior e das relaes estveis que mantm consigo
passa ao primeiro plano da ideia que faz de si mesmo. P. 133
Talvez aqui seja possvel observar a importncia que se d na descrio do
espao em Obo, a descrio da fazenda, de sua casa, etc.
As pedras da cidade
Sem dvida, a diferenciao de uma cidade resulta na origem de uma
diversidade de funes e costumes sociais; mas, enquanto o grupo evolui,
acidade, em seu aspecto exterior, muda mais lentamente. Os hbitos locais
resistem s foras que tendem a transform-los, e essa resistncia permite
perceber melhor at que ponto, em tais grupos, a memria coletiva tem seu
ponto de apoio sobre as imagens espaciais. P. 136
Situaes e deslocamentos
A aderncia do grupo ao seu lugar
Em geral os grupos se apegam aos objetos e espaos, resistindo s
mudanas, ou guardando em suas memrias dados de tais espaos.
Agrupamentos aparentemente sem bases espaciais: agrupamentos
econmicos, jurdicos, religiosos
Aqui o autor contesta a existncia de sociedades, grupos, sem apego
material ou espacial, mesmo um grupo jurdico, econmico ou religioso, tem
relao com determinado espao, monumento.
Assim, no h memria coletiva que no se desenvolva num quadro
espacial p.143
A insero no espao da memria coletiva
O espao jurdico e a memria dos direitos
A sociedade no estabelece somente uma relao entre a imagem de um
lugar e um escrito. Ela considera o local enquanto se relaciona ento a uma
pessoa, seja porque esta o tenha demarco com balizas e cercas, seja porque
ali reside habitualmente, porque o explora ou mande explorar. Tudo isto o
que podemos chamar de espao jurdico, espao permanente, pelo menos
dentro de certos limites de tempo, que permite a cada instante memria
coletiva, desde que perceba o espao, de nele localizar a lembrana dos
direitos. P.145-146
Para os antigos, a imagem da cidade no se separava da lembrana das
leis. Ainda hoje, quando deixamos nosso pas e vamos ao exterior, sentimos
claramente que passamos de uma zona jurdica a outra e que a linha que as
separa materialmente delimitada sobre o solo. P.148
O espao econmico
Precisamente porque os preos decorrem de opinies sociais em suspenso
no pensamento do grupo, e no das qualidades fsicas dos objetos, no o
espao ocupado pelos objetos, so os lugares onde se formam essas
opinies sobre o valor das coisas, e onde se transmitem as lembranas dos
preos, que podem servir de suporte memria econmica. Em outras
palavras, no pensamento coletivo, algumas partes do espao se diferenciam
de todas as outras, porque elas so o lugar comum de reunio dos grupos
que tm por funo se lembrar e lembrar aos outros grupos quais so os
preos das diferentes mercadorias. dentro do quadro espacial constitudo
por esses lugares que evocamos, para lembrar as aes de troca e o valor
dos objetos, quer dizer, todo o contedo da memria do grupo econmico.
P. 150
O espao religioso
Se, todavia, a Igreja e os fiis se acomodam a essas variaes e
contradies, no seria porque a memria religiosa tem necessidade de
imaginar os lugares, para evocar os acontecimentos aos quais ela se liga?
Sem dvida, nem todos os fiis podem ir em peregrinao a Jerusalm e
contemplar com seus prprios olhos os lugares santos. Mas basta que os
imaginem e que saibam que sobrevivem: ora, jamais duvidaram deles. P.
158
*
Jamais samos do espao. No nos encontramos, alis, num espao
indeterminado, porm em regies que conhecemos, ou as quais sabemos
muito bem que poderamos localizar, j que sempre fazem parte do meio
material onde estamos hoje. P. 160

Anexo
A memria coletiva nos msicos

Você também pode gostar