Exploração e Estudo Do Valle Do Amazonas Rio Tapajós. Rodrigues, João Barbosa PDF
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sans
Gayet
(Montaigne, Des livres)
Ex Libris
Jos M i n d l i n
c
RIO TAPAJS
POR
Em commis5o*&ientifica p e l o G o v e r n o I m p e r i a l .
R I O DE JANEIRO.
TYPOGRAPHIA NACIONAL
1875.
i
I
AO
DO
DEDICA
1
RIO TAPAJS
S A N T A R M , SEUS A R R E D O R E S E SEU
HISTRICO.
Fao saber aos que esta minha Carta Patente virem que tendo con-
siderao a haver feito m e r c a Francisco da Motta F a l c o por
Alvar de quinze de Dezembro de m i l e seiscentos oitenta e quatro
de uma das quatro Fortalezas que se havia obrigado a fazer por sua
conta dentro em quatro annos pelo Rio das Amazonas acima nas
partes mencionadas, na proviso que se havia passado para o dito
effeito, qual t lle escolhesse em sua vida, e por sua morte para um
de seus f i l h o s qual elle nomeasse e hora vem representar por parte
de seu filho Manoel da Motta de Siqueira fallecer o dito seu Pay sem
dar cumprimento as condies com que lhe havia fei o a referida
m e r c e as mais com elle mencionadas e s deixar principiadas algumas
das ditas Fortalezas, e por sua morte tratar o dito Manoel da Moita de
Siqueira com todo o valor trabalho e despeza de s u a . . . . d a n o de
acabar as taes fortalezas as quaes se acham em sua ultima perfeio
como que tinha i n d i as c o n d i e s que se haviam dado ao
dito seu pay e m e r c de governal-a. escolhe-se em sua
vida, e por sua morte ao ilho que nomeasse, e que se devia verificar
no supplicante por ter satisfeito as c o n d i e s a que o dito seu pay
estava obrigado, e para se lhe passar o despacho do Governo da T a l
Fortaleza nomeando logo a dos Tapajs que elegia para sua assis-
tncia ; e tendo despeito aos documentos que apresentou e ao que
sobre este requerimento informou o Governador e Capito geral do
Estado do M a r a n h o e respondeu o meu procurador da Coroa a que
se deu vista.
Hei por bem fazer m e r c ao dito Manoel da Motta de Siqueira do
governo da dita Fortaleza do Tapajs cm sua vida e por sua morte ao
ilho que elle nomear, e que com o dito gover no haja soldo de outenta
m i l ris em cada anno pagos pelo rendimento da fazenda r e a l . Pelo
que mando ao meu governador e Capito geral do estado do M a r a n h o
faa dar posse e juramento ao dito Manoel da Moita de Siqueira do
governo da dita Fortaleza e lhe deixe exercitar em sua vida e haver
o dito soldo como dito , e aos fflciaes e pessoas que nella estiverem
ordenotarnbe m que lhe o b e d e a m e cumpram suas ordens como
;
de que se far termo nas costas desta Carta Patente que por firmeza
de tudo lhe mandei passar por duas vias por mim assigriada e sellada
com 0 sei Io grande de mhha* armas, e nos registros do dito Alvar se
p o r o as verbas necessrias, e pagou de novo direito quarenta m i l ris
da propriedade e outo m i l ris da renuncia que se carregaram do
Thesoureiro Aleixo Botelho de Ferreira, a fls. 31 e deu fiana no l i -
vro (a dobra do papel inutilizou uma linha in-
teira) do junclica, e no a apresentando no dito tempo pagar pelo
que a junta lhe arbitrar, como constou de seu em forma registado
no registro geral a fls. 47. Dada na cidade de Lisboa, aos quatorze
dias do mez de Julho. Dionizio Cardoso Pereira a fez, Anno do nasci-
mento de Nosso Senhor Jezuz Christo de m i l e setecentos e dezeseis.
(Seguia-se uma assignatura indecifrvel).
(Assignado) EL R E I .
(Lugar do scllo).
Patente por que Vossa Magestade faz m e r c a Manoel da Motta de
Siqueira do governo da fortaleza dos Tapajs em sua vida e por sua
morte ao filho que elle nomear e que com o dito governo haja soldo
de outenta m i l ris cada anno pagos pelo rendimento da azenda real,
como nella se declara que vai por duas vias.
Para Vossa Magestade ver.
Por rezoluo de Vossa Magestade de 16 de Maro de 1716, em con-
sulta do conselho ultimo de 13 do dito mez e anuo.
Pagou 400 ris.
Joseph de Carvalho Abreu. Joseph Gomes de Azevedo.
Fica assentada e>ia carta nos livros das m e r c s e pagou vinte via
e fica posta a verba que requer. Lisboa 22 de Julho de 1716. Amaro
Nogueira de Andrade.
Registada na c m a r a m r da corte e reino no livro de otticios e
meio s fls. 392. Lisba 23 de Julho de 1716. Innocencio Corra de
Moura.
Pagou X ris por ser via. Lisboa 23 de Julho de 1716. Dom J Miguel
Maldonado.
Registada na secretariado conselho ultramarino no livro 1. de
officios a fls. 12o e fica posta a verba que requer. Lisboa 23 de Julho
de 1716.
Assignatura [Inintiligivel.)
Cumpra-se como Sua Magestade, que Deus guarde manda ao go-
vernador da fazenda real desta capitania Pedro Mendes Vismas lhe
mande sentar praa com soldo de outenta m i l ris como e se
r e g i s t a r aonde...
Bellm do Par 15 de Julho de 1718. Christovo da Costa Freire
Regadas Estado no dito 15 de Julho de 1718. Antnio
Rodrigues Chaves.
Senie-se-lhe praa com soldo de oitenta mil r i s . B e l m 26
de Junho de 1818.
Mendes.
Aos dezeseis dias do mez de Julho de 1718 nesta cidade de
Belm do Par no P a l c i o em que assiste o Governador Capito
lado, defendendo os ngulos quatro baluartes. T i n h a e m
roda fossos c o m pontes levadias, e era todo construido de
taipa de pilo.
a
passagem franca pelo canal denominado impropriamente
Igarap au.
Santarm, a maior das cidades da provncia, tambm
a em que mais se v derramada a instruco. Oito esta-
belecimentos de educao ha a l l i : quatro escolas publicas
para o sexo masculino, sendo duas nocturnas para adultos
e escravos, uma para o sexo feminino e mais tres outras
escolas particulares, duas para o sexo masculino e uma
para o feminino. Alm destas sete escolas existe u m col-
legio particular j bem montado, para ensino primrio e
secundrio. Dividido em internato e externato, admitte
para ambas as divises alumnos gratuitos. Foi installado
no dia 1 de Outubro do anno de 1871, matriculando-se
nesse dia 35 alumnos. Actualmente conta 50, numero que
parece diminuto, mas que no se attendermos falta de
populao e ao facto de haverem outras escolas tambm
freqentadas. 0 augmento progressivo e o estado satisfac-
torio que se notam so devidos aos esforos do seu digno
director o tenente coronel Joaquim Rodrigues dos Santos e
do vice-director o honrado e intelligente Capito Fernando
Fiix Gomes Jnior.
Freqentam j o 1 . anno do curso secundrio oito
0
(1) Dom Frei Miguel de BuJhoens, da Ordem dos Pregadores, por merc
de Deus e de Santa S Apostlica, Bispo do Gro Par, do Conselho
de Sua Magestade Fidelissima etc.
Dada nesta cidade de Belm do Gro Par sob nosso signale sello
das nossas armas.
Passada pela Chartcellaria e registrada aonde pertencer. Aos 22 de
Abril de 1757. Assignada. f Frei Miguel, Bispo do Par.
Registrada. Ferreira Leonardo.
Ach. e sello400 rs. Recebi Ferreira Leonardo.
a
i
II
BAIXO TAPAJS.
(1) Remeiro.
5
34
da America do Norte (gaviale), chegando a ter 20 palmos;
torna-se respeitado principalmente pela enchente ou pela
vazante dos lagos, onde e m montes sobrepostos u n s aos
outros (como d-se no lago grande de Villa-Franca), assim
como que amortecidos esperam pela p r e s a sobre a qual se
lanam logo que a tm a seu alcance. Temveis e m terra,
perseguidores tona d'agua, so comtudo inoffensiveis de-
baixo da mesma. Preso n a rede quando os pescadores t i r a m
seus lances, s se deixa conhecer pelo peso ; porque torna-se
ento immovel, para ficar furioso apenas se v n a areia,
sendo os seus movimentos para os lados comtudo vagarosos,
por causa d a pouca mobilidade das vertebras salientes do
pescoo. N'agua, para melhor enganar a s u a presa, escon-
de-se todo deixando s de fra os olhos, cujas orbitas ficam
mais elevadas do que o resto d a cabea. So vorazes e ali-
mentam-se de aves paludosas e ribeirinhas, de peixes e de
qualquer quadrpede, no desprezando a carne humana,
quando lhe fcil a presa. T e m comtudo u m inimigo ao
qual no resiste e pelo contrario entrega-se como que mag-
netizado. Esse inimigo a ona (Felis sp. var.) que se
apraz, antes de comear a devoral-o, fazer-lhe negaas,
como que mostrando o pouco caso que az dos seus den-
tes e da s u a forosa e dentada cauda por onde comea a
comel-o.
Tres espcies se encontram nos rios e lagos, o jacar-au,
(A. sderops) o cura, sp. nob. e o jacar-tinga [A. pal-
pebrosus. i que muito menor, mais claro, no offende o
homem, e serve para o seu alimento, apezarde ter a s u a
carne u m certo almiscar. A m b o s p e m ovos e m ninhos nas
margens dos rios, que o sol choca, ficando a mi a vigial-os.
Nesta poca ficam mais ferozes. Os ovos so oblongos-alon-
gados, speros, duros, e maiores que os de u m a p e r u a ; no
tendo os pequenos logo que sanem destes mais do que quatro
polegadas, mostrando-se desde logo atrevidos, chegando a
morderem as caudas uns dos outros. Alm dos jacars nada
35
Em Itaituba 1.573
No Seringal 800
No Baccabal (mundurucus) 500
Nas Campinas (idem) 3.000
Maus 2.000
7.873
*- 61
Conta-se entre os 1.573 habitantes de Itaituba, 857 ho-
mens, 716 mulheres, dos quaes 290 casados, 68 vivos e
1.213 solteiros, avultando nesse numero as crianas de
ambos os sexos.
Quando to grande o numero de crianas, em estado
de freqentarem as escolas, nota-se entretanto que s ha
uma escola publica, que tem matriculados 17 alumnos,
no sendo freqentada por mais de 10.
No por falta de gosto ou aptido, que se nota essa
falta de freqncia e de matricula, mas sim pelas distancias
l . vencer. . %{; ^$'#$MW$-
Corri todos os sitios e habitaes de tapuyos, malocas de
indios e perguntando sempre porque no punham os filhos
na escola respondiam-me, como se houvesse combinao :
sentimos no poder mandar nossos filhos diariamente,
porque a escola longe, se elles podessem l dormir com
muito gosto mandariamos.
Se houvesse, pois, em vez de uma simples escola para
externos, uma que reunisse as duas classes de alumnos
internos e externos, seria essa escola muito freqentada e
prestaria innumeros servios causa da civilizao. No
se exigir muito do a,lumno, o simples ensino primrio,
satisfaz as necessidades e por certo abrir mais os olhos,
desses individuos que cegos pela educao recebida de
seus avs, no se contam no numero de cidados. Que
alm do ensino primrio, esta a parte mais essencial, o
professor, em uma hora de preleco diria, iniciasse os
alumnos nos deveres que tem o homem para com Deus e
para com a sociedade, nos deveres do cidado, nas leis que
o protegem, no conhecimento da nossa constituio polti-
ca, isto em linguagem fcil e persuasiva. Se a principio o
fructo aborta, a continuao da cultura faz com que elle se
desenvolva e sazone bem. Que o parocho auxiliasse o pro-
fessor, isso fcil porque pouco trabalho tem este nestas
povoaes, que fosse elle o professor de religio, casando
este sempre a doutrina chrisl com as garantias e regalias
que tem homem religioso na sociedade em que vive. Mostrar
que perante Deus todos so iguaes, que o nascimento no
obriga este a ser escravo daquelle, que todos devem tra-
balhar em commum para gloria de Deus e prosperidade da
ptria.
Dous internatos um na villa de Itaituba, outro em San-
tarm, trariam no s o desenvolvimento morSl do Tapa-
js, como daria importncia ao lugar augmentando o seu
commercio e a sua lavoura, porque a freqncia dos pais
e parentes dos alumnos para esses lugares, trariam ani-
mao, dariam lugar a especulaes commerciaes,chamaria
populao e portanto vida que falta agora.
Com pouco dispendio faria o governo a despeza com a
construco de casas, que no exigem luxo, mas commo-
didades,despeza que talvez os particulares a fizessem. As '
mensalidades, com um pequeno auxilio do Estado chegaro
para alimentao e mesmo vesturio, para aquelles alum-
nos que forem extremamente pobres. Para este a classe de
gratuitos indispensvel. Estes internatos estabelecidos
um em Itaituba para a populao do Alto Tapajs, outro
em Santarm seria muito freqentado, e ainda mais sero
si as autoridades no fora mas por meios persuasivos,
empregarem a sua influencia para com aquelles que
no prestarem-se a remetter seus filhos. Um auxilio an-
nual de 1:200$ para cada internato, e uma despeza de
4:000$00O a 6:000$ para construco de cada casa, no
dispendio que no possa fazer uma provncia da ordem
da do Par. Despeza que se far annualmente sem pesar aos
cofres, si se der providencias enrgicas, para que se pro-
cedam s cobranas dos impostos que ha, de maneira ano
serlezado e illudido o governo como agora. O que se no
cobra, cobrando-se dar para essas despezas. Um imposto
mesmo maior sobre o commercio da borracha, evitar os
escndalos que hoje se do, e servir para um fim que
tende ao engrandecimento da provncia. Si se quizer in-
struco na provncia, creem-se os internatos que s assim
ser ella derramada e evitar o escndalo da educao de
orphos por particulares.
Tendo sido elevada a villa em 1856 s se comeou a
cobrar impostos em Itaituba no anno de 1869, isto ,
quinze annos depois, perdendo assim a Provncia e a C-
mara, mais de 140:000^000 estabelecendo por base as
quantias de 3:300#000 de rendimentos municipaes e
6:000$00 de provinciaes, que foram os do exerccio de
1871 a 1872, da cmara municipal ecollectoria.
O rendimento do municpio poderia ainda attingir ao
triplo, si a arrecadao de impostos fossem effectuadas re-
gularmente e se empregassem as disposies das posturas
eas leis que o regem.
O commercio que havia ha alguns annos em grande escala
com a provncia de Mato Grosso, para onde se exporta-
vam milhares de arrobas de guaran, agora vai diminuin-
do a ponto de descer a exportao a 180 @ em 1872; de-
vido extraco da borracha que occupa todos, os que
outr'ora se occupavam na industria do guaran.
Diminuindo o fabrico do mesmo artigo, augmentou a
exportao da gomma elstica para a capital, que pare-
cendo primeira vista trazer melhoramento e abundncia
para o lugar, por ser grande o commercio que se faz desse
gnero, no veio mais do que trazer a misria para as
naturaes. ,
Collocada sobre uma doce eminncia, a villa, apresen-
ta vista do rio um aspecto agradvel, e delia se goza uma
bella paisagem, formada pela serra que se eleva na mar-
gem opposta, e pelas ilhas que matizam as guas. Em
frente mesmo da villa, alguns raros arbustos que se v sa-
hindo d'agua no meio do rio no tempo das cheias, nos
mezes de Outubro e Novembro, formam o matiz de uma
bella ilha deara, que se une ilha de Camararury.
As guas que beijam a elevao do terreno, descem de-
pois deixando uma extensa praia arenosa e coberta quasi
que litteralmente de seixos rolados e de molluscos fosseis.
Seu clima agradvel, (Temp. 21. Reaumur, no vero)
mas, sujeito a febres intermittentes que em certas pocas,
como as da enchente e vasante, na occasio dos repiquetes,
apparecem, e que so devidas ao pouco cuidado dos habi-
tantes qur nos banhos a horas imprprias, qur na ali-
mentao de frutas no sazonadas e finalmente agua.
A agua ahi como muitas vezes observei da meia noite at
s 10 horas da manh pouco mais ou menos, eleva-se a uma
temperatura excessivamente alta e mesmo em alguns luga-
res durante o dia v-se que a agua est impregnada de res-
duos de varias espcies em decomposio.
Os banhos e a absorpo da agua, quellas horas o na-
quelles lugares so uma das causas da molstia. Osvege-
taes em putrefaco que as cheias levam e os que so
trazidos dos leitos dos lagos e igaraps pela vasante, con-
tribuem muito para que se desenvolva o mal, que por falta
de meios desprezado e se desenvolve. Nas proximidades
da villa varias lagoas e igaraps, que seccam pelo vero,
contribuem para que se d o que acabo de relatar, vindo af-
firmar o que digo a salubridade da margem opposla, onde
a elevao no permitte lagoas nem igaraps.
Cheguei a esta localidade quando comeavam a descer
as guas, e percorrendo vrios lugares tive occasio de
fazer algumas observaes, em ambas as margens.
Logo depois que cheguei, f u i estabelecer-me na ultima
casa da villa, na mesma em que habitaro professor Hart,
quando ahi esteve, que obsequiosamente foi posta minha
disposio pelo Sr. Tenente Joaquim Caetano Corra, a
quem sou grato pelos numerosos favores que dispensou-
me.
No dia seguinte ao da minha chegada percorrendo a
praia fiquei maravilhado de ver o numero de fosseis que se
6o
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enaiVn.iL^Hon/^ ^ ^ P ,
1 3 6 1 1
> onde tem o nome de cassiripe
u i a n a s
(1) Ita, pedra ; eaa mato; paan, ilha; isto : ilha de pedra com
maio.
de uma grande elevao, formada de um sbloc de por-
phyro, com salincias angulosas que lhe do o aspecto de
uma fortaleza abandonada. Toda da mesma rocha, cober-
ta, comtudo, de mato na sua parte superior, de grami-
neas e bromelias. Depois de costeal-a dirigi-me para outra
margem e desembarquei, n'uma extensa praia arenosa,
chamada do Painim. Ahi encontrei milhares de uacuros
(caprimulgus) de uma s espcie, que cobriam espalhados
a praia. Eram pardos, com o peito branco, e quando pousa-
dos sobre a areia achatavam-se de tal maneira que torna-
vam-se pouca distancia quasi imperceptiveis.
Os seus ninhos so covas na areia, onde depositam dous
ovos brancos, que cobertos pela areia so chocados pelo
sol. Pouco acima desta praia ica um sitio com o mesmo
nome de Painim, que tem uma excellente casa de telha.
Seguindo sempre a margem, encontrei 2 milhas acima
deste sitio uma alta barranca formada de lminas de
schisto, de tres consistencias, sendo a primeira escessiva-
mente molle e pardacento e a terceira enuegrecida e bas-
tante dura.
Acima d'esta extensa barranca encontrei algumas tillan-
dsias e duas orchideas, a maxillaria rufescens e um epiden,-
drum, que pelo corymbo secco que apresentava pareceu-
me ser o S chomburgkii. Quasi na embocadura do rio Ta-
pacor-a, que ahi afflue, encontrei novas barrancas
de? schisto, onde na segunda camada, tambm molle, en-
contrei, pde-se dizer, uma mina de sulphureto de fer-
ro, tal a quantidade que ahi se encontra encravado no
schisto. Entre estas barreiras, a margem argillosa forman-
do tambm duas camadas que se distinguem pelas cores,
amarella e avermelhada. A ora bem representada
para o interior, que se cobre de densas florestas, emquan-
to que pela margem rarefeita e composta de arbustos e
pequenas arvores.
Em frente confluncia do Tapacor-a, que enca-
choeirado para o interior, fica a ilha Itapocu (1) da qual
fallarei mais adiante.
O Tapacor-a, tem cerca de 50 braas de largo, e
suas margens so ricas em madeiras de lei, e com terras
apropriadas, principalmente, para a cultura da canna e do
caf.
Atravessando em frente Ilha Itapocu tomei a margem
occidental, voltando para a villa. Ahi grandes arvores ob-
struam a margem, cabidas por desmoronamentos, causados
pela enchente. Passando em frente praia do Painim, en-
contrei o denominado lago Capituam, (2) que no mais do
que um grande saco, formado pelo Tapajs, ficando este um
pouco ao N do Igarap do mesmo nome, que desgua onde
termina a barranca calcarea. E' um riacho de grande exten-
so, porm estreito, e cheio de vegetao.
Comeando a anoitecer pernoitei no sitio Sumauma, don-
de sahi pelas 10 horas da manh do dia 12.
Devido, julgo eu ao excessivo sol que apanhei, os dias
que se seguiram, no pude trabalhar, comtudo no 16,
achando-me melhor, fui novamente ao sitio do Piracan ver
se podia descobrir ainda alguma igaaua, mas infelizmente,
ahi chegando fui accommettido por um ataque de febres in-
termittentes, ou sezes, que levou-me cama. Voltando
tarde assim mesmo doente fui a alguns sitios onde havia
deixado anteriormente encommendas de machados de pe-
dras, e pude alcanar alguns.
Agravando-se-me a molstia, pude conhecer quanto
falta de recursos a villa de Itaituba, no havendo ahi me-
dicamentos, excepo de plulas do Dr. Capper, que em
vez de minorar-me os soffrimentos, agravou-os.
Depois de alguns dias de intensa febre dia e noite, com
ALTO T AP A J8.
() Pedra chata.
11
82
(i) Comprido.
87
88
(i) Vir, pssaro, chu, que chora. E'o sabi de outras provncias.
95
\
100
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(li Antes de chegar a essa maloca passei pela foz do igarap Uru-
butu, onde pela revoluo se refugiaram muitos cabanos.
110
esto em servio. 0 uso geral do guaran entre os Mauhes,
ainda observado com todas as formalidades.
Desde o romper do dia, at s 5 horas da tarde, leva uma
mulher, que rendida quando est canada, a ralar o
guaran, no centro do rancho, emquanto as outras cosem,
ou catam-se assentadas em linha.
Os homens deitados nas redes que pendem^de todos os
esteios que sustentam o mesmo rancho, fumam o tauary,
ou se embalam.
Rodeada de grandes cuias com agua, quando a mulher
diz que o guaran est prompto, levantam-se homens e
mulheres, cada um por sua vez, com uma pequena cuia, e
vem bebel-o, indo logo aps para o seu lugar. Acabado
este, comea logo novamente a fazer-se outra poro, e
assim passam o dia, de minuto em minuto bebendo o gua-
ran. Os Mauhes, so hospitaleiros intelligentes e mais
vivos que os Mundurucus, sendo um typo mesmo diverso.
So mais claros, tm olhos mais vivos, notando eu que
geralmente as mulheres so bonitas apezar de soffrerem
quasi todas um pouco de strabismo convergente. A ceri-
monia do paric, que alguns dizem s se efectuar em oc-
casies solemnes, no exacto, tomam sempre em qualquer
occasio em que estejam atacados de constipao ou
molleza.
Empregam-se hoje na extraco da borracha ; e cultivam
algum terreno, do qual colhem o milho, a mandioca e
algum algodo, que fiam para o fabrico das suas redes.
Amando a independncia, no quizeram seguir os con-
selhos dos missionrios que por ahi passaram, reunindo a
populao dispersa para formarem um centro para a ca-
thechese dos Mundurucus das campinas. So activos, e
no to fceis de enganar como os Mundurucus.
Passando o dia entre elles, tive tambm occasio de
assistir a um simulacro da festa datocandyra, que para
me obsequiar, fizeram. Dando uma ida exaela, no
tinha comtudo a importncia da grande festa da tocan-
dyra, por faltarem dous dos principaes elementos; o
cachiry e a tocandyra. No havia enthusiasmo por isso,
assim como porque diminuto era o numero de dansantes.
Fiquei todavia satisfeito, por ficar conhecendo essa dansa,
ainda muito mal conhecida, e o uso dos instrumentos que
nella entram.
A' noite dormi entre elles, alumiado pela luz produzida
pela resina de jutahy e breu, de que se servem, fazendo-a
arder sobre um cepo, que ha fincado no meio do rancho.
Pela madrugada do dia seguinte, seguindo viagem,
cheguei s G horas cachoeira da Montanha.
E' esta uma das mais bellas e tambm a mais perigosa,
depois da do Apuhy. Uma grande ilha quasi circular, de
200 ps de altura, coberta de densa floresta, embellezada
por algumas palmeiras, divide o rio em dous braos, que
formam as duas cachoeiras, ou antes famosas corredeiras
por entre recifes, que produzem um fragor medonho. Ahi
a cana sobe sirga, com a tripolao n'agua para empur-
ral-a ou suspendl-a quando preciso. Passando a ca-
choeira o rio volta-se subitamente.
Chegando ahi a essa ponta vi que arriscava sem gloria
minha vida se continuasse a subir, porque gravemente
doente, sem recursos a morte era inevitvel ; resolvi por-
tanto descer novamente o rio. Dista esta cachoeira de
Itaituba 75 lguas e da maloca do Acar uma. Ahi as
margens so elevadas e cobertas de matas.
Voltando maloca a despedir-me desses bons amigos,
ahi me demorei um pouco, de maneira que passei a ca-
choeira do Acar s 12 horas, chegando ao Tucunar s
6 horas. Dormi esse dia na cana.
No dia seguinte sahindo dahi s 6 horas da manh cheguei
ao sitio do Manoel Raymundo s 10 horas. D'onde sahi
depois a explorar o Juanxim, de que fallarei mais tarde.
Dia 25. A's 10 1/2 passei as cachoeiras do Bobur ; s 2
112
GEOGRAPIIIA E ETHUOGRAMIIA..
( i ) Rio de Machado.
(2) Terra de papagaio.
(3) Rio de po de morro.
(4 Lugar onde desce arara.
(5) Rio de Inaj.
(6) Sahida dc Coat.
(7) Sumauma.
(8) Perna curta.
(9) Ananaz.
(10) Cabea secca.
(11) Matosecco.
(12) Paca fria.
(13) Rio dos Acarys.
(14) Rio das Lontras.
136
145
entaniados. Sopra-se por um furo lateral. 0 Ufu que
os guia ao combate.
Terminada uma batalha, os mundurucus vencedores re-
colhem os despojos assim como as cabeas dos inimigos,
o que tudo trazido para o seu acampamento. Logo que
u m
inimigo cahe, o vencedor passa-lhe uma m o aos ca-
bellos e com a outra, armada de uma faca, feita de u m pe-
dao de taquara, com a maior destreza o degola.
No dia seguinte ao do combate, empregam-se em ar-
rancar os dentes de algumas cabeas inimigas e em mu-
quear outras. O processo para seccarem as cabeas
simples 5 depois de extrahirem a massa encephalica pelo
buraco occipital e de arrancarem os olhos, mettem-as em
azeite de andiroba e expem-as ao fumeiro. O orifcio dos
olhos cheio de breu, onde collocam dous dentes de cutia
para animar o rosto. Com tal habilidade fazem estas ope-
raes, que a cabea conserva-se perfeitamente, assim
como os cabellos, que so antes penteados. Denominam
elles estas cabeas pariu-, que depois so conduzidas
em uns espetos de po, chamados pariu--renape. Gar-
bosos levam depois estes horrveis tropheus, para a maloca,
e no se separam delles seno depois da grande festa da
terminao da guerra. Como considerado guerreiro va-
lente, o indio que traz esta cabea no trabalha emquanto
no se faz a grande festa, e respeitado e presenteado
por todos. Para onde vai, a leva, e quando dorme, pelo
pariu--renape a espeta junto rede. Por somma alguma
se desfaz deste tropheu, antes de se celebrar a dita festa.
Emquanto os guerreiros apanham os despojos, as mu-
lheres recolhem os companheiros iuem-nates fl) e os
achirdus. (2)
(1) Feridos
(2) Mortos.
I
19
Os achirus so conduzidos p a r a a m a l o c a ; m a s como
h a grandes distancias a vencer,- no levam-os inteiros, m a s
s i m em quartos moqueados. Chegando aos quartis, se-
p a r a m a s carnes dos ossos e mettem estes, depois de b e m
limpos, dentro de u m cesto chamado achiru-irupd, e guar-
d a m nos mesmos quartis.
Depois de voltarem todos os guerreiros p a r a suas malo-
cas, e curados os feridos, celebra-se a festa das recompen-
sas . E m certo dia determinado, reunem-se e m u m a ma-
loca todos os m u n d u r u c u s , para a s s i s t i r e m ao fabrico e
receberem o pariudte-ran ( 1 ) ; que consiste e m u m a cinta
de i t/2 pollegada de largura, tecida defiode algodo, tendo
na parte inferior u m a franja feita com todos os dentes de
u m a queixada inimiga. Depois d a chegada de todos os
m u n d u r u c u s , o tuchua ordena u m a grande caada, a fim
de haver comestiveis para os convidados. Na noite desse
mesmo dia, comea a confeco d a cinta, q u e privativa
dos tuchauas.
Emquanto estes tecem a s cintas, os indios a r r a n c a m os
dentes das m a x i l l a s dos inimigos q u e trouxeram, l u s t r a m ,
e furam, com o dente do peixe rd-chua, ou rubd, n a l i n g u a
geral.
E m q u a n t o u n s furam os dentes, outros l u s t r a m e ou-
tros, passam aos tuchauas, que, p a r a cada dente que pren-
de cinta t e m u m canto, o u u m a quadra e m que desper-
ta os brios d a mocidade, l e m b r a aos mais velhos os seus
soffrimentos e m c a m p a n h a s passadas e mostra q u e no se
devem esquecer os exemplos dos seus maiores, e conti-
n u a r o extermnio de seus inimigos. P i n t a m a vingana com
cres seductoras, e fazem v e r que p a r a cada irmo morto
necessrio u m a cabea i n i m i g a que sirva p a r a recompen-
sar os bravos.
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