Teatro Completo - Qorpo Santo
Teatro Completo - Qorpo Santo
Teatro Completo - Qorpo Santo
Teatro Completo
Livro 366
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razo, esteja ferindo os direitos do autor, pedimos a gentileza que nos informe,
a fim de que seja devidamente suprimido de nosso acervo.
Esperamos um dia, quem sabe, que as leis que regem os direitos do autor sejam
repensadas e reformuladas, tornando a proteo da propriedade intelectual
uma ferramenta para promover o conhecimento, em vez de um temvel inibidor
ao livre acesso aos bens culturais. Assim esperamos!
isso!
Iba Mendes
[email protected]
BIOGRAFIA
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Referncias Bibliogrficas:
1. Douglas Ceccagno: Ovelhas merinas: malditas feras: O imaginrio social no teatro de
Qorpo-Santo. Dissertao de Mestrado. Universidade de Caxias do Sul. Caxias do Sul/RS,
2006.
2. Carlos Augusto Nascimento Sarmento-Pantoja: Olhares caleidoscpicos do teatro de
Qorpo-Santo. Dissertao de Mestrado. Universidade Federal do Par UFPA. Belm/PA,
2006.
3. Maria Clara Gonalves: Percorrendo o universo de devaneios, distores e dualidades:
consideraes acerca da dramaturgia de Qorpo-Santo. Dissertao de Mestrado. UNESP
Universidade Estadual Paulista. Assis/SP, 2001.
NDICE
Eu sou a vida; eu no sou a morte.......................................................... 1
As relaes naturais................................................................................ 10
Um parto................................................................................................. 23
Mateus e Mateusa.................................................................................. 37
Certa identidade em busca de outra....................................................... 48
Hoje sou um; e amanh outro................................................................. 53
Um credor da Fazenda Nacional............................................................. 63
Um assovio.............................................................................................. 69
EU SOU A VIDA; EU NO SOU A MORTE
COMDIA EM DOIS ATOS
PERSONAGENS:
LINDO
LINDA
RAPAZ
MANUELINHA, FILHA DE LINDA
ATO PRIMEIRO
Lindo e Linda
LINDA (cantando)
Se no tiveres cuidado,
Algum Co danado
Te h de matar;
Te h d'estraalhar!
LINDO
Eu sou vida;
Eu no sou morte!
E esta minha sorte;
esta minha lida!
LINDA
Ind'assim, toma sentido!
V que tudo fingido;
No creias algum louvor:
Sabei: - Te trar dor!d
LINDO
Se desrespeitar
A vida minha?
A desse, asinha,
- Ao ar voar!
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LINDA
No te fies, meu Lindinho,
Dos que te fazem carinho,
Cr que te devoram
Os lobos; e no coram!
LINDO
Sabei, Lindinha:
Os que me maltratam
A si se matam:
Tu ouve; Anjinha!?
LINDA - Meu Lindo, tu sabes quanto te amo! Quanto te adoro! Sim, meu querido
amigo, quem melhor conhece do que tu o amor que neste peito mortal, mas
animado por esta alma (pondo a mo na testa) imortal, te consagro!? Ningum,
certamente. (Pegando-lhe na mo.) Adoas-me pois sempre com tuas palavras;
com teus afetos; com teu amor ainda que fingido! Sim, meu querido amigo, bafeja-
me sempre com o aroma de tuas palavras; com o perfume de tuas expresses! Sim,
meu querido, lembra-te que hei sido baixel, sempre batido das tempestades, que
por cinco ou seis vezes quase h soobrado; mas que por graa Divina ainda viaja
nos mares tempestuosos da vida!
LINDO - Ah! minha adorada prenda, tu que foste a oferenda que me fez o Criador,
em dias do mais belo amor, que pedes? Como pedes quele que tanto te ama; mais
que prpria cama?
LINDO - Estimo muito. E eu no sabia que tu tinhas o dom de adivinhar que sempre
que vou apalpar, sinto bater neste peito - pancadas de ambos os lados; isto , do
esquerdo e direito. O que por certo convence que neste vcuo estreito abrigo dois
gros coraes.
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LINDA - Ora o que h de ser! que tu tens dois coraes dentro do peito, eu tenho
duas cabeas por fora dos largos seios.
LINDO - Tu s o diabo! Ningum pode contigo! s tripa que nunca se enche, por
mais que dentro se lhe bote. s vasilha que no chocalha. s... o que eu no quero
dizer, porque no quero que se saiba.
LINDO - Bem. Vou fazer-lhe as mais mimosas que minha imaginao abundante,
crescente, e algumas vezes at demente - ocorrem! L vai uma: A Sra. pra que
no se come!
LINDO - (batendo na testa) preciso arrancar desta cabea, ainda que seja com -
algum gancho de ferro uma comparao que satisfaa a esta mulher; ao contrrio
capaz de...
LINDA - Este menino o diabinho em figura humana! Dana, salta, pula, brinca...
Faz o diabo! Sim, se no o diabo em pessoa, h ocasies em que parece o
demnio; enfim, o que ter ele naquela cabea!? (Lindo medita em p e com uma
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mo encostada no rosto.) Pensa horas inteiras, e nada diz! Fala como o mais
falador, e nada expressa! Come como um cavador, e nada obra! Enfim, o ente
mais extraordinrio que meus olhos tm visto, que minhas mos tm apalpado,
que meu corao tem amado!
LINDO - Senhora: vou me embora (Voltando-se rapidamente para ela, com aspecto
muito triste, e salpicado de indignao:) Vou; vou, sim! No a quero mais ver; no
sou mais seu!
LINDA - (com sentimento) Cruel! Tirano! Suo! Lagarto! Bicho feio! Mau! Onde
queres ir?
Por que no te casas, inda que seja com uma negra quitandeira?
LINDO - Tambm eu direi; Cruel! Ingrata! M! Feia! Por que no te ligas ainda que
seja a um preto cangueiro?
O RAPAZ - (para um, e depois para a outra) Vivam, madamas; mais que todos!
LINDO - (pondo-lhe as mos, e empurrando) O que quer pois aqui!? No sabe que
esta mulher minha esposa!?
LINDA - O que mais?! No ouviu j ele dizer que sou mulher dele!? O que mais quer
agora?
Agora fique solteiro, e v casar com uma enxada! No quer acreditar que no h
direito; que ningum faz caso de papis borrados; que isso so letras mortas; que o
que serve, o que vale, o que d direito a aquisio da mulher!? Que quem se
pega com uma, essa tem, e tudo o que lhe pertence! Sofra agora no isolamento, e
na obscuridade! Seja solitrio! Viva para Deus! Ou meta-se num convento, se
quiser companhia. No v mais reunio de outros homens.
O RAPAZ (muito admirado) Esta mulher est doida! Casou comigo o ano passado,
foram padrinhos Trico e Trica; e agora fala esta linguagem! Est; est! No tem
dvida!
LINDO - J lhe disse (muito formalizado) que fiz esta conquista! Agora o que quer?!
Conquistei - minha! Foi meu gosto: portanto, safe-se, seno o mato com este
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estoque!
(Pega em uma bengala e arranca um palmo de ferro.)
LINDA - No precisa tanto, Lindo! Deixai-o c comigo... Eu basto para nos deixar
tranquilos!
LINDA - (para o rapaz) Mas eu o no quero mais; j o mandei para o leilo trs
vezes! J o vendi em particular quinze! J o aluguei oito! E j o libertei,
seguramente por dez vezes! No quero nem v-lo, quanto mais t-lo!
O RAPAZ - (fazendo trinta mil caretas para falar, e sem poder; ultimamente,
desprende as seguintes palavras:) Ah! Mulher! mulher! diabo! diabo! (Atira-se a
ela, o revlver cai no cho; passa a derramar lgrimas, com os braos nos ombros
dela, por espao de cinco minutos.)
LINDO - (querendo levantar o revlver, que estava perto do p do rapaz; este d-lhe
um couce na cara.) Safa! Pensei que a mulher j o tinha matado com o abrao,
metendo-lhe nas entranhas todo o veneno da mais venenosa cascavel; e ele ainda
d ares de vida, e de fora, pregando-me na cara a estampa de seus finos ps! - um
morto que vive! Bem dizia certo mdico que era capaz de conservar vivo um cavalo
depois de morto, por espao de oito meses, sempre a andar; e creio que at a
rinchar! - Demo! (Atirando com a bengala.) No quero mais armas!
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SEGUNDO ATO
CENA PRIMEIRA
(Uma jovem vestida de negro com uma menina por diante. Atravessa um
cavalheiro.)
A JOVEM - (para este) Senhor! Senhor! por quem sois, dizei-me onde est o meu
marido, ou meu esposo, o meu amigo! (O cavalheiro embuado numa capa
desembuando-se) Esquecestes que ainda ontem aqui o assassinastes com os
horrores de tuas crueldades!?
ELA - (afastando-o com as mos, como querendo fugir) Quem sois vs, ingrato, que
assim me falais!?
ELE - Ainda perguntas. (Sacudindo a cabea.) Ainda respondes. Quem sou eu?
Desconheces o Lindo, teu afetuoso consorte, e ainda perguntas?!
ELE - E tu, Maga Circe: para que me iludiste! Para que me disseste que eras solteira,
quando certo eras casada com o mais belo rapaz!?
ELA - Eu... eu... no disse: mas voc... no ignorava; bem sabia que eu era mulher
de seu primo! Ignorava? Penso que no! Para que me botou fora! Para que me
procurou?
ELE - No sei onde estou, no sei onde me acho, no sei o que faa. Esta mulher
(atirando-se, como para agarr-la) o demo em pessoa; o ente mais admirvel
que eu tenho conhecido! capaz de tudo! J no digo de revolucionar uma
provncia, de pr em armas e mesmo de destruir um Imprio! Mas de revolucionar
o mundo, de fazer, de converter os gros em terras e as terras em guas; de, se tal
tentasse, fazer do globo que habitamos - peteca!
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ELA - muito exagerado. Que atrevido conceito de mim forma! Que audcia! Nem
ao menos quer ver que fala diante de uma filha de nove a dez anos!
ELE - Que fazeis por estas paragens, onde no vos mais dado vir, porque j vos
no pertencem?!
ELE - Sim: procuras-me para de novo cravar-me o punhal da traio! s bem m...
s muito m!
ELA - Clebre cousa! Quem havia de supor que este pobre homem havia de ficar no
mais deplorvel estado! Seu juzo nenhum! Sua vista... no tem; cego! Seus
ouvidos, no tm tmpanos; j no so outra cousa mais que dois formidveis
buracos! Que hei de eu fazer dele!?
(Entra o Rapaz armado, vestido de militar, e com a mo no punho da espada)
O RAPAZ - Hoje decidiremos ( parte) quem o marido desta mulher, embora esta
filha fosse fabricada pelo meu rival. (Desembainha a espada e pergunta para o
rival:) A quem pertence esta mulher? A ti que a roubaste... que lhe deste esta filha?
Ou a mim que depois com ela liguei-me pelo sangue; pelas Leis civis e eclesisticas,
ou de Deus e dos homens!? Fala! Responde! Ao contrrio, varo-te com esta
espada!
LINDO - Ela quis; e como a vontade livre, no podeis ter sobre ela mais direito
algum!
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O RAPAZ - Em tal caso... e se ela amanh disser que no quer? E se o mesmo fizer
no dia seguinte para com outro? Onde est a ordem, a estabilidade em tudo que
pode convir s famlias e aos Estados!? Onde iramos parar com tais doutrinas!? O
que seria de ns? de todos!?
LINDO - No sei. O que sei que as vontades so livres; e que por isso cada qual faz
o que quer!
O RAPAZ - Pois como as vontades so livres e cada qual faz o que quer; como no
h leis, ordem, moral, religio!... Eu tambm farei o que quero! E porque esta
mulher no me pode pertencer enquanto tu existires - varo-te com esta espada!
(Atravessando-o com a espada; h aparncia de sangue.) Jorra o teu sangue em
borbotes. Exausto o corpo, exausta a vida! E com ela todas as tuas futuras
pretenses e ambies! Morre (gritando e arrancando a espada), cruel! e a tua
morte ser um novo exemplo - para os Governos; e para todos os que ignoram que
as espadas se cingem; que as bandas se atam; que os gales se pregam; no para
calcar, mas para defender a honra, o brio, a dignidade, e o interesse das Famlias! A
honra, o brio, a dignidade, a integridade Nacional!
(Lindo cai sobre um cotovelo; a mulher cobre-se com um vu e fica como se
estivesse morta; a menina olha admirada para to triste espetculo.)
Maio 16 de 1866.
***
J se v pois que a mulher era casada, foi antes deflorada, depois roubada ao
marido pelo deflorador, etc.; que passado algum tempo encontrou-se e juntou-se a
este; que o marido sentou praa como oficial; e finalmente que para reaver sua
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legtima mulher, foi-lhe mister dar a morte fsica ao seu primeiro amigo, ou
roubador.
So portanto as figuras que nela entram:
Lindo, roubador.
Linda, mulher roubada.
Rapaz ou Japego, legtimo marido.
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AS RELAES NATURAIS
COMDIA EM QUATRO ATOS
PERSONAGENS
IMPERTINENTE
CONSOLADORA
INTRPRETA
JLIA,
MARCA E
MILDONA - MULHERES DA VIDA
UM INDIVDUO
TRUQUETRUQUE
MARIPOSA
INESPERTO, CRIADO
MALHERBE
RAPAZES
ATO PRIMEIRO
CENA PRIMEIRA
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de ter... Sim! Sim! Antes de ter numerosas moas com quem passe agradavelmente as
horas que eu quiser. (Mais brabo ainda.) Irra! Irra! Com todos os diabos! Vivo qual burro
de carga a trabalhar! A trabalhar! Sempre a me incomodar! E sem nada gozar! - No quero
mais! No quero mais! E no quero mais! J disse! J disse! E hei de cumpri-lo! Cumpri-lo!
Sim! Sim! Est dito! Aqui escrito (pondo a mo na testa); est feito; e dentro do
peito! (Pondo a mo neste.) Vou portanto vestir-me, e sair para depois rir-me; e concluir
este meu til trabalho! (Caminha de um para outro lado; coa a cabea; resmunga; toma
tabaco ou rap; e sai da sala para um quarto; veste-se; e sai o mais jocosamente que
e possvel.) Estava(ao aparecer) eu j ficando ansiado de tanto escrever, e por no ver a
pessoa que ontem me dirigiu as mais afetuosas palavras! (Ao sair, encontra uma mulher
ricamente vestida, chamada Consoladora.)
CENA SEGUNDA
CONSOLADORA - Onde vai, meu caro Sr.? No lhe preveni eu de que hoje teria em seu
palcio a mais bela das damas de So...
CONSOLADORA - J disse: o Sr. no sai daqui! (Pega uma cadeira e pe perto da porta de
sair.)
IMPERTINENTE - Senhora, se continua deste modo, fique certa que me mato! preciso ter
juzo! Ao contrrio, nem serei eu, nem a Sra. minha!
CONSOLADORA - Ah! (levantando-se) Sim: quer ir! Pois v; mas h de ir sem casaca!
(Avana-se a ele, e tira-lhe a casaca; ficando ele de sobre-casaca).
IMPERTINENTE - Ah! Ainda deixa-me a sobrecasaca! Pois irei com ela (Faz uma cortesia a
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ela e quer sair.)
CONSOLADORA - Sim! Ficou ainda vestido! Pois h de ir sem chapu. (Avana-se a ele para
o tirar; e depois de alguns saltos, consegue faz-lo; fica-lhe um bon de forma piramidal.
Olha, e diz:) Este homem o diabo! Tiro-lhe as calas... (Vai dirigir-se para tal fim; ele
agarra com uma mo em cada perna; e sai aos pulos dizendo:) Se s planeta, eu sou
cometa!
CONSOLADORA - (muito triste) E no foi o tal cometa brilhar noutro hemisfrio! Nunca
mais atendo s peties de amparo, guia, ou proteo a mais cometa algum.
CENA TERCEIRA
(Entra ele com uma menina de 16 anos a quem conhecemos por Interpreta pelo brao.)
IMPERTINENTE - uma das melhores que se podia encontrar nos maiores rebanhos
desta...
IMPERTINENTE - Pois o que mais triste que um grande rebanho de ovelhas merinas!?
INTRPRETA - Eu sempre considerei de outro modo: sempre entendo que a mulher como
o homem um ente que deve ser por todos respeitado, como a segunda primorosa obra
do Criador; e que assim no sendo, s milhares de males e transtornos se observaro na
marcha geral da humanidade!
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roupa! (Apontando) Ali um outro repleto de comestveis! Acol um guarda-loua; naquele
canto a cozinha.
INTERPRETA - (aproximando-se; olha; e nada v; voltando-se para ele) Sabes que mais? Eu
nunca me sustentei de palavras, e muito menos de mentiras!(Sai.)
IMPERTINENTE - (querendo peg-la) Meu anjo! Minha deusa! Aonde vai! Venha c!
INTERPRETA - J lhe disse: vou-me embora; e aqui no entro mais; o Sr. enganou-me: quis
enganar-me; mas enganou-se a si prprio! (Sai)
ATO SEGUNDO
CENA PRIMEIRA
CENA SEGUNDA
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Abre-se de repente uma porta; aparecem por ela, e por diversas outras, trs ou quatro
mulheres, umas em saias, outras com os cabelos desgrenhados; ps no cho, etc.
OUTRA - No sabe que sempre foi um homem honesto quanto a... e que ns somos
todas prostitutas!? um tolo! Safe-se daqui para fora, Sr. maroto! Seno,
olhe (mostrando-lhe o punho) - havemos de esmurr-lo com esta mo de pilo!
ELE - Minhas santinhas; (com muita humildade) minhas santinhas, eu queria dormir com
vocs esta noite.
UMA (para outra) No queres ver, Mana, o desaforo, a petulncia deste estrdio!? Querer
passar conosco a noite, quando ns sabemos que ele conde e tem filhos carnais!
OUTRA - Ah! ah! ah! Se fossem s os carnais era nada (batendo no ombro da que primeiro
fala) - os espirituais que ; que no tm conta.
OUTRA - Ele j est esquecido que os discpulos o fizeram padre eterno; e que por isso no
deve tocar em carne.
ELE - Isto o diabo! Estas mulheres chamam-me com o esprito quando estou em casa; e
quando saio rua, com as palavras, com as mos, com os dedos, com a cabea, com os
olhos, e se as encontro fora, ento at com seus remexidos! Mas se lhes venho casa,
isto que se v! Cruzes! (Cuspindo em todas elas.) Abrenncio! Eu as desconjuro para
nunca mais as ver! No olharei mais para estas tigras! (Sai.)
CENA TERCEIRA
UMA DELAS - (Olhando-se) Ora; ora; ainda agora que reparo! Estou quase em fraldas de
camisa! Vejam este maluco como me ps tambm maluca!
OUTRA - (alisando os cabelos) E eu com os cabelos todos desgrenhados! Se ele cair em vir
c outra vez, hei de enforc-lo com uma destas tranas, e pendur-lo no vcuo deste
salo.
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OUTRA - E que bonito ele h de ficar, mana, se qual lontra aqui o pusermos! Havemos de
enche-lo de livros; ser... - um centro! Como um sol que dardejar seus raios para todos
os cantos desta casa, para todos os cantos do hemisfrio que alumia!
OUTRA - Mas isto dar muita importncia a esse Judas, faz-lo centro de tudo.
AS PRIMEIRAS - O que tem? Esse diabo j o tem sido de luz espiritual, agora que o seja
tambm de luz material!
UMA DELAS - Sabem o que mais? - Vamos vestirmo-nos e pr-mo-nos s janelas espera
de vermos os nossos namorados!
CENA QUARTA
MARIPOSA - Muito custa a criar filhas! Ainda mais acomodar; muito mais casar; e ainda
pior atur-las! Pilham-se moas, e o que querem namorar!
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JLIA - (pondo as mos) Por piedade, minha querida Me! No faa de mim o menor mau
juzo! Sabe que sempre fui uma de suas melhores filhas, obediente e respeitosa, e mais
que tudo - amorosa!
MARCA - (irm de Jlia, entrando mui ligeiramente, ou fazendo alguns passos de dana
at chegar perto da Me; ao chegar, ajoelha-se, pega-lhe na mo e beija-a) Minha - mais
que todas as mulheres, Querida Me! Eis-me prostrada a seus ps, para pedir-lhe perdo
de quantos pecados hei cometido, ou guisados hei comido! Perdoa, Mamezinha, perdoa,
sim?
MARIPOSA - Sim; sim. Est perdoada; pode levantar-se. Mas no torne a cair em outra! Eu
conheo seus crimes.
MARCA - (levantando-se) Sim; sim. Quanto sou feliz! A minha querida me quanto boa!
Ainda pela quinta vez quis perdoar sua mais desobediente, cruel, ou mesmo - tirana
filha!
MARCA - Eu no sei deles. Vossa Merc bem sabe que moro sozinha no meu quarto; a
mana que h de saber!
MARIPOSA - (fazendo sinal com a mo) Deus abenoe a todos, que eu o fao em particular
a cada um. Sim, meninas, so horas de missa; vamos cobrir nossos vus, e sigamos a orar
ao Senhor - por ns e por nossos avs!
ATO TERCEIRO
CENA PRIMEIRA
INESPERTO - (criado) Por mais que arrume (atirando com uma bota para um lado; com um
livro para outro; com uma bandeja no cho; com um espanador para um canto; e assim
com tudo o mais que se achava arrumado), sempre encontro esta sala, este quarto, ou
como o quiserem chamar... cmara, dormitrio, ou no sei que mais - desarrumado!
Nada, nada, isto no pode continuar assim! Ou hei de deixar de ser criado desta casa, ou
as cousas ho de conservar-se nos lugares em que eu arrumo! So honras que a ningum
eu cedo... O que porm mais notvel que alm de me no respeitarem, nem
obedecerem - no pagam-me tambm nem a quinta parte dos salrios comigo
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contratados! Mas nada me ho de ficar a dever! Quando retirar-me, hei de levar o dobro
do que houver licitamente ganho, a fim de que paguem-me os prmios, pois no estou
resolvido a perd-los!
CENA SEGUNDA
INESPERTO - Qual enlouqueci... Todos os dias arrumo esta casa; e em todos os dias nela
acho que arrumar; e ainda pergunta-me por minha ama, mulher feia, velha e m! Se h
de ainda ir ver as moas, este tagarela, isto todos os dias... Ainda coisa mais mol, mais
ruim, que este meu amo (para o amo, dando com a mo): V-se embora daqui para fora,
seno - o matam, seu Judeu Errante!
MALHERBE - Este diabo est hoje com o demo nas tripas!... Judas, dize-me: o que
comeste hoje? Bebeste vinho? champanha, vinagre, gua-forte? Que diabo tens tu
hoje? Ests bbado?
INESPERTO - Qual bbado, nem meio bbado: nunca estive eu em meu to perfeito
estado de juzo ou de mais completa sade!
MARIPOSA - (entrando) Ih!... que espalhafato fez o Judeu hoje! (Querendo arrumar tudo;
para o marido:) Senhor, tome juzo; despea esse maldito, que no faz seno o que est
vendo! O Sr. parece-me cego. Embalde (metendo os dedos nos olhos do marido) tem dois
foges nesta cara; tu no enxergas.
MALHERBE - Tu, teu criado, e tuas filhas, no so entes da espcie humana.So malditas
feras que aqui habitam para flagelar-me! (Para ambos:) Fora daqui! Se demoram pego em
tudo isto (agarrando as mesas) e penduro quais rosrios nas cabeas de vocs dois!.
INESPERTO - Diz bem, minh'ama; vamos ns saindo em boa paz! (Enfia o brao na ama.)
melhor - velha, feia, m, que nenhuma! (Abanando com a mo.)Adeus, Sr. estrdio!
Adeus, at mais ver! (Saem.)
CENA TERCEIRA
MALHERBE - (s) 'Estes diabos tm tentado devorar-me por todos os modos! Mas eu os
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hei de pr no estado o mais deplorvel que se pode imaginar! Deixemos, deixemos; eles
para c ho de vir (dando alguns passeios, coando abarba, compondo o cabelo etc.)
MALHERBE - Ah! s tu, minha querida Mildona? Quanto doce vermos feitos de nossos
trabalhos de longos anos!? Um abrao, minha estimadssima, minha mesmo queridssima
filha!
MILDONA - O Sr. no reparou bem; eu no sou a sua encantadora filha; mas a jovem a
quem o Sr. em vez de amizade, sempre h confessado tributar amor!
MALHERBE - Ah! onde estava eu!? Sonhava; pensava em ti; via, e no te enxergava! Sim,
sois minha; s minha; e sers sempre minha por todos os sculos dos sculos,
Amm! (Saem.)
CENA QUARTA
O CRIADO - (entrando, p-ante-p) Amolei tudo! No pensem que faro espadas, facas,
punhais, ou lanas! Mas os amveis que desprezando todos os direitos dos cidados
brasileiros, matavam e roubavam a seu belo prazer! O tal meu amo entendia que cada
botina que comprava, e que calava, era uma mulher que condenava ao matadouro dos
seus desejos! E a tal minha ama procedia do mesmo modo quanto ao xales que a cobria;
dizia (pegando, e pondo um xale:) isto masculino, est portanto relacionado com um
homem; novo; e por isso, assim como eu me cubro com ele, tambm h de me cobrir
esta noite um bom moo! E assim que no havia Pai, nem filho; Me ou filha que
pudesse, nem por cinco minutos, ter descanso e tranquilidade em suas habitaes!
MALHERBE - (entrando de bengala) Ah! ainda ests aqui! Toma! (D-lhe com a bengala
at que sai disparando por uma das portas, gritando:) No quero mais servi-lo! No
quero! No quero! j disse.
CENA QUINTA
Que isto, que isto, Sr.? Que isto...! Entrou aqui algum ladro! Algum assassino! O Sr.,
de bengala, gritando e dando pancada!
MALHERBE (muito terno) No cousa alguma, menina; foi apenas uma lio que quis dar
a este mariola, que tem o ttulo de meu criado: quis fazer-se de amo! Agora porm que j
lecionei, podemos gozar tranquilos de uma existncia feliz! (Do dois ou trs passeios pela
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sala, e sentam-se em um sof; conversam sobre vrias cousas; ouvem bater; levanta-se a
moa; vai porta, e foge espavorida; entra assim para um dos quartos. Levanta-se ele
cheio de espanto; chega tambm porta, d um grito de dor, diz:) So eles! So eles! So
eles! (Cai desfalecido, e assim termina o segundo ato. Milhares de luzes descem e ocupam
o espao do cenrio.)
ATO QUARTO
CENA PRIMEIRA
Tudo corre; tudo grita (mulher; filhos; marido; criado, que por um dia foi amo do amo).
Incndio! Incndio! Incndio! Venham bombas! Venha gua! ( um labirinto, que ningum
se entende, mas o fogo, a fumaa que se observa, no passa, ou o incndio no real, mas
aparente).
Pegam em barris dgua, em canecas e outros vasos; e todos atiram gua para o ar; chega
uma bomba pequena, e com ela tambm atiram gua, por espao de alguns minutos; mas
o incndio parece lavrar com mais fora at que se extingue ou desaparece.
MALHERBE - (depois de todos tranquilos) Sempre a desordem nas casas sem ordem!
Sempre as perdas; os desgostos; os incmodos de todas as espcies! Santo Deus! por que
no crucificais aqueles que desrespeitam vossos santos preceitos!? Mas, que digo? Se
continuo, estas mulheres so capazes de pendurar-me naquela travessa, e aqui deixarem-
me exposto, por no querer acompanh-las em seus modos de pensar e de julgar! O
melhor retirar-me! Vou descansar por alguns minutos. (Sai.)
CENA SEGUNDA
ELAS - (umas para as outras) Preparemo-nos para pregar um susto neste mariola! J que
ele no quer obedecer aos nossos chamados espirituais, e aos das outras mulheres; j que
preguioso, vaidoso, ou orgulhoso; ao menos preguemos-lhe um susto!
UMA DELAS - (para o criado) Ora muito bem! J se v quanto bom viver conforme as
relaes naturais. Eu gosto de mingau de araruta ou de sagu, por exemplo - como; e
porque est relacionado com certo jovem a quem amo; ele aqui me aparece, e eu o gozo!
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J se v pois que, vivendo conforme elas, em duplicata!
OUTRA - verdade, mana; eu, como a comida de que mais gosto coco; e porque este se
relaciona com certo amigo de meu Pai, ele aqui tambm vir, e o meu prazer no ser s
de paladar, mas tambm aquele que provm do amar!
OUTRA - Pois eu, como o que mais aprecio chocolate, beb-lo-ei, beb-lo-ei; e por
idnticas razes gozarei dele e de quem no quero dizer! Mas o diabo que assim ficam
sem cousa alguma!
MARIPOSA - Pois eu, como gosto muito do meu criado, e ele mel de abelha, j se sabe o
que eu de hoje em diante hei de sempre comer ou beber! (Para o marido de papelo:) E o
Sr., Sr. Tralho, que no quis acompanhar-nos nas relaes naturais, importando-se
sempre com direitos; no vendo que o prprio direito autoriza, dizendo que cada um
pode viver como quiser e com quem quiser; h de ficar aqui pendurado para eterna glria
das mulheres, e exemplo final dos homens malcriados! Contamos (para o criado) com teu
auxlio.
INESPERTO - No precisamos ter trabalho, porque ele est dormindo, com certa flor que
lhe dei a cheirar!
ELAS - Oh! ento melhor! Venham as cordas! (Para o criado:) V uma escada; trepa l;
sobe naquela trave; leva esta corda, que ns c o amarremos pelo pescoo, e depois tu o
sungas.
INESPERTO - Sim; mas como diabo h de ser! Ah! preciso a Sra. pegar nele para no cair.
MARIPOSA - Eu seguro!
ELAS - (umas para as outras) H de ficar pendurado! Ah! ah! ah! H de, h de!(Batem
palmas.) Que triunfo! Viva! Viva! Agora, maninha; j enforcamos este, havemos de
enforcar tambm certo grilo; e andar com as relaes vontade dos coraes!
TODAS - Apoiado! Apoiado! Enforquemos tudo quanto autoridade que nos quer estorvar
de gozar, como se estivssemos em um paraso terreal!
20
INESPERTO - (depois de haver prendido o corpo da figura na trave) Pois no! No v que
meu amo havia de ser enforcado, para as Sras. fazerem quando quisessem! Boas! L vai
bola! Relaes, metralha (Arranca um brao, atira numa delas.)
ELAS - (uma para as outras a enxugarem os olhos:) Que tirano! Que cruel! Que brbaro!
Que assassino! De modo que assim sendo, se pode ainda hoje fazer... Cantemos todas;
1
- No nos meteremos
Mais com relaes;
Maridos procuremos;
Pois temos coraes!
2
A nenhum mais tentaremos
Destruir seus sentimentos!
A um s ns serviremos,
P'ra no ter duros tormentos!
3
Com nenhum nos contentarmos,
Ou a todos no querermos;
assim querer matar-nos,
Pondo todos quase enfermos.
4
Tenhamos pois juzo!
Cada qual com seu esposo!
Se no, no h paraso!
Tudo inferno! - nenhum gozo!
5
Para comermos;
21
Para bebermos,
No precisamos
De certos dramas!
6
De andar,
Sempre a matar,
Os coraes
Com as relaes!
7
Os que s querem
(Que desesperem!)
Por relaes
So veros ladres!
8
Basta o trabalho,
Certo, no falho;
Para vivermos;
E mil gozos termos.
***
Fim do 4. ato, e da comdia escrita em 14 de maio de 1866, por Jos Joaquim de Campos
Leo, Qorpo-Santo, em a cidade de Porto Alegre, sala n. 21, no Beco do Rosrio.
22
UM PARTO
COMDIA EM 3 ATOS
PERSONAGENS
CARIO
FLORBERTA
MELQUADES
GUINDASTE
GALANTE
RUIBARBO
UMA MULHER
UMA CRIADA
UMA VOZ
ATO PRIMEIRO
CENA PRIMEIRA
23
Guardarei (Pe no prato.) Pelo gosto (provando outra), cheiro e sabor, dir-se- que
- envenenada est. Poremos tambm a um lado. Acho esta bebida (bebendo um
clix de vinho), com quanto esprito, assaz fraca, ou como amolecida. cousa que
tambm no me agrada. No beberei mais deste liquido: veremos algum mais
forte, e por isso mesmo para mim - melhor. Qu! (pegando em outro pedacinho de
massa) Isto imagem de um turbulo! No comerei. Esta, de uma naveta, (pegando
outra) tambm no quero! Provarei esta fatia. (Corta dois ou trs pedacinhos, e
come.) Que tal? sempre igual. (Levantando-se um pouco.) Eis a barretinha de um
soldado, que ofendido ou maltratado em seus brios ou dignidade, na Vila Nova do
velho Triunfo, por um seu capito, em princpios da infausta, nefanda, prejudicial e
mais que indigna revoluo de 1835, teve a precisa coragem para salvar sua honra
e dignidade; para dar um imitvel exemplo a seus camaradas; para meter um dedo
do p no pinguelo da espingarda, encostar a boca desta no peito em frente ao
corao, e disparar assim estrondoso tiro, que o transportou instantaneamente
presena do Eterno. Feliz soldado, era de um batalho cujo ttulo ou nmero no
me lembro; suponho que paraense, e em o qual havia um capito com o nome -
Chaguinhas, de pssima fama - que julgo muito pouco tempo durou, bem como a
maior parte desse corpo de infantaria, destruda quase toda - poucos dias depois
pelos generais Neto e Canabarro. Estes coraes (pegando em um corao)
enchem-me de benes; no os quero; estou deles assaz farto. A estes gozos
preferiria a companhia, que traz alegria... (Olhando com ateno para um sinal em
uma mesa.) Este sinal feito por um pingo de espermacete; isto porm no o
que admiro: uma cabea perfeita, um nariz afilado, com uma cara completa,
queixo, barbas, um bon igual ao de um oficial francs ou alemo que h tempos
vi, e at com um penacho - o que realmente para mim no direi mais que
admirvel, mas algum tanto espantoso... Enfim, paremos com isto: so horas de
dormir; vamos deitar-nos. (Levanta-se, d alguns passos e encosta-se a um sof,
cama, ou cadeira de balano.)
CENA SEGUNDA
24
caminhar, falar, pular, danar, palrar e o exerccio de mais de um milho de verbos
acabados em ar, ar, ar, ar, etc. etc. etc. etc. Como difcil, e tantas vezes
impossvel, a conciliao de interesses opostos! Sente-se uma necessidade; -se
instado por um desejo; procura-se satisfaz-lo; encontra-se uma dificuldade...
Algum geme, algum chora, que nos di, que nos estorva. Mas por que lamentar?
Se necessrio, venamos; ou sigamos os impulsos de nossa inteligncia; os
conselhos de nosso corao; ou os conselhos daquela, e os impulsos deste.
Faamos algum sacrifcio, visto que ningum ( de conjecturar) h que viva sem os
fazer. preciso fortalecermo-nos; preciso no enfraquecermo-nos. Se eu
atendesse, direi neste momento, aos desejos que tive (depois de haver passeado e
meditado algum tempo zangado), teria escangalhado, talvez destrudo ou
inutilizado um baluarte, cujas foras j me no convm conservar. Se porm lhe
presto muito ateno, se me penalizo de seu sofrer, do que se me representa
imaginao, terei de viver qual preso em cadeia. Enquanto pois no tenho
emprego, mais que o de compositor, preciso me buscar por toda a parte, onde
houver melhor, ou mais me agradar - aquilo que me falta e de que mais careo.
(Olhando para o ar.) O baluarte sibila! No prestar-te-ei pois mais ateno,
enquanto de longe me falar teu corao! Assim triunfou (triunfarei eu tambm de
ti) um de meus amigos - de igual impertinncia - s til n'aparncia! (Pega o
chapu e sai.)
CENA TERCEIRA
FLORBERTA - Que fora tem o destino! Umas vezes cruel e destruidor como o raio
ou a tempestade; em outras vezes to benigno como o amor ou a saudade!
(Canta:)
s vezes to cruel
O brbaro, feroz destino,
Como horrosa tempestade,
Ou o raio destruidor
Os malvados (atravessando o cenrio depois que pro fere cada um perodo) esto
25
sempre condenados. Quem estar por ai se assoando, que tanto me est
enjoando! A Cincia, o ouro e a gua so cousas que quanto mais abundam, menos
param ou mais velozes necessitam correr. Quando sinto-me menos forte, ou temos
destruio, ou morte. Quando o Estado carece para sustentar-se ou progressar -
de uma parte de nossos servios justo que lhes prestamos, bem como que este,
uma parte de seus benefcios a ns quando d'Ele carecemos. com esta
reciprocidade de atenes, de benefcios, de amparo - que os Estados e os sditos
seus - conservam e prosperam. Se eu tivesse disposio de escrever sobre relaes
naturais, diria que ainda hoje o ch que tomei levou-me presena de algum, de
quem ouvi a mais tremenda descompostura!... Servir-me-, se pudermos continuar
a escrever comdias, para uma bela cena de algum dos Atos; mesmo para comeo,
parece excelente. No foi nada menos que o seguinte: Bati por duas vezes em uma
porta, ouvi mandar a pessoa a quem buscava abrir a porta; como se demorava o
criado, empurrei-a, e entrei; a pessoa era muito minha conhecida, e de baixa
esfera. Quereis saber o que ouvi dela? Eis: A Sra. muito atrevida! Teve a audcia
de entrar em minha casa sem que eu fosse abrir4he a porta! Pensa que esta casa
casa de prostitutos? Est muito enganada! Retire-se; e se est louca, v para a
Caridade! Quereis saber o que lhe respondi? Eu v-lo digo. Eis: "No se incomode,
Sr. Bem sabe que no a primeira vez que eu venho sua casa. Foi-me necessrio
c vir hoje; desculpe portanto: se a minha presena no lhe agrada, eu me retiro. E
retirei-me, sem mais cumprimentos. Fui, entretanto, opostamente, recebida por
pessoas da mesma casa, que para tal no tinha dever com o maior afeto possvel;
notando em seus semblantes o maior desprazer pela grosseria estpida daquele
que devia-me prestar ateno. H de entretanto servir para algum fim til.
CENA QUARTA
Casto - (entrando) Que mania de mil diabos! Querem por fora que eu viva
amigado - sem que isso possa ser! Sim! Irra, irra! (Sacudindo os braos.) O diabo
que satisfaa semelhante gente! Hei de mandar olaria fazer de propsito uma
mulher para com ela me ligar sem o preenchimento das formalidades religiosas... e,
pobre, - no me serve! H de ser rica, formosa, e asseada; seno, nem assim
combino, me combino... ou... concubino! Tri, tri, tri... (Faz duas ou trs piroletas,
tocando castanholas, e sai aos pulinhos.)
CRIO - (depois que entra) Como se transtornam as cousas deste mundo! Quando
pensaria eu que indo casa de um mdico fazer uma ligeira visita, havia de
transtornar uma comdia!? Quanto preciso ao homem que se dedica a
composies intelectuais, ter regime certo ou invarivel! Uma visita transtornou
26
uma comdia; qualquer ao obsta concluso do mais importante trabalho. Quo
bem foi comeada esta comdia, e quo mal acabada vai! J nem posso chamar a
isto mais comdia... Enfim, vereis se posso concertar minhas idias, e prosseguir
ento. (Sai.)
ATO SEGUNDO
Quarto de estudantes
CENA PRIMEIRA
GALANTE - Que diabo terei eu nestas cabeas (Tirando o barrete com que havia
dormido.) Parece que tem espinhos! Ora picam-me as pernas, ora as coxas e at na
cintura me importunam, ou me ferem. Safa! (Tirando a cala.) O que havia de ser?
(Pegando em um carrapicho e mostrando.) Um carrapicho!... Malditas lavadeiras,
que parece de propsito para o mais lanoso entretimento dos nscios fregueses -
porem na roupa estes espinhos! (Atirando-o.) L vai, lavadeira de roupa, v se o
engoles pelo nariz.
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RUIBARBO - (andando) Como as lavadeiras no te ho de fazer dessas, se tu no
lhes pagas a lavagem e o engomado da roupa - como elas desejam!
GALANTE - Essa boa! Essa bem boa! Essa ainda melhor!... Ainda ontem paguei
seis mil e tantos ris, e dizes que eu no pago!?
RUIBARBO - Pois s um tolo. Estuda a lavadeira, faz- lhe elogios, mostra-te a ela
afeioado, e vers como ela te trata, te lava, te goma admiravelmente!
RUIBARBO - Pois ainda pensas em estudos, depois de velho, com a prtica dos
homens, e mesmo das mulheres!?
MELQUADES - Que queres? Nasci mais para estudar que para vadiar!
GALANTE - (para Guindaste) Pois tu s casado!? Ainda agora que sei! Pois o
Melquades j tinha filhas moas!? Ainda mais esta - estudante casado e com
filhos!
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GUINDASTE - Se o no sou, ainda hei de ser. Se as no tem, ainda h de ter. E por
isso se ainda o no sou, em breve hei de ser, e posso portanto desde j i-lo
tratando de sogro.
RUIBARBO - Sim; sim. Vo indo; eu l irei logo! (Saem.) Estes meus colegas so o
diabo em figura de homens, ou de rapazes! Tudo desarrumam! preciso uma...
no: pacincia de J, ou de algum outro Santo para atur-los! Enfim, (depois de
todo o quarto arrumado) preciso atur-los! melhor que andar com eles aos
tombos, puxes ou cabeadas. (Pega em um livro.) So horas, vou s minhas lies
de Retrica! E logo continuarei a escrever a minha encantadora comdia - a
Ilustrssima Senhora Dona Anlia de Campos Leo Carolina dos Santos Beltro
Josefina Maria Leito Histria das Dores Pato, ou Bulho, etc. etc. Dizem os
mdicos, e confirmam os lgicos: As cousas que tm de trabalhar, apertadas, no
podero fazer to bom servio como - desembaraadas; e eu o creio pia e
firmemente. Exemplifiquemos com os prprios homens e seus rgos. Suponha-se
que esto a trabalhar em uma sala vinte pessoas, e que na mesma no o podem
fazer livre ou desembaraadamente mais que dez ou doze. Pergunto: seu servio,
obra, ou trabalho, sair to perfeito, como se trabalhassem aqueles que - bem - s
o podiam fazer? de crer que no. Outro: Temos rgos - da vista, do ouvido, do
olfato, que por certo oprimidos, ningum dir que - bem funcionam. Assim pois
devem ser os do nosso estmago, intestinos, etc. Apertados, no podero
funcionar, transformar ou digerir os alimentos ou cousas de que nos alimentamos,
com aquela facilidade com que o fazem ou devem fazer no opressos ou
29
desembaraados. Se aperto os meus dedos, no posso escrever, nem com a mo
cousa alguma fazer! Se porm esta est desembaraada, com ela fao o que quero,
ou o que posso. Logo - no convm a opresso; se se quer trabalho abundante e
perfeito!
CENA SEGUNDA
RUIBARBO - Doutor! Voc no v que quando assim procedo fao um grande bem
ao Estado!?
30
mau modo de se fazer o que se quer! uma capa maior que a de Satans! uma
espcie de Cu que ele tem, com que costuma abrir a terra!
MELQUADES - Enquanto passares bem assim, continua; mas logo que te deres mal,
melhor seguir a opinio geral. (Ouve-se tocar a sineta, que convida a jantar; aos
saltos; pondo as mos na cabea; e outras extravagncias.) So horas! So horas!
(Puxa Ruibarbo.) Vamos! (Este se deixa estar assentado. Puxa outro; convida; salta;
pula; pega em um rebenque.) Ah! vocs at para comer tm preguia!? (D uma
pancada com o chicote sobre urna mesa, os outros saltam ligeiramente porta; e
saem todos.)
ATO TERCEIRO
CENA PRIMEIRA
UMA MULHER - (muito atenta, ouvindo alguns gemidos) Quem gemera? Quem
estar doente? Ser minha av, ou meu av!? Sabe-o Deus; eu apenas desconfio, e
nada posso afirmar! Entretanto, convm indagar. (Aproxima-se de uma porta,
escuta, e volta.) Ah! quem h de ser? (Arrastando.) a cabritinha de minha av, tia,
31
e irm, que acaba de parir trs cabritos. Ei-los (Atira-os ao cenrio.)
A MULHER - Ora, de onde havia de vir! Boa pergunta! O Sr. no sabe que seus avs
tm o luxo de criar cabras!? E que criando-as por fora ho de parir!?
A MULHER - No foi aqui; mas eu ouvi gemer, e cuidei que era sua av ou seu av;
fui ver; encontrei-os; trouxe-os; e aqui esto!
A MULHER - (cheia de nojo) Eu, fazer? Deus me livre! Isto tem um cheiro... Seria
preciso, para se poder comer, pr de molho trs dias em alho, cebola, vinagre e
coentro.
MELQUADES - Pois ento, (muito zangado) tire-me daqui estas porcarias, que j
me esto causando nojo! Anda! Anda! Tira isto daqui!
UMA CRIADA - (puxando a cabra pelos chifres) Vem, vem, vem c, cabritinha,
cabritinha!
CENA SEGUNDA
32
GALANTE - Ensopados! (Reparando com muita ateno.) S se o foram na barriga
da me! Oh! e no me enganei; ei-la (Apontando para a cabra.)
RUIBARBO - Sim, Sr... Mas quem no poderia dizer que estivessem assados?
Galante - Ainda vocs ignoram uma cousa: Sabem o que ? que o nosso amigo
Melquades deu esta lio criada, que to pacificamente e bem sempre nos serve
- esfregou-lhe com um destes cabritos: cara, boca, nariz, olhos, e no sei que mais -
saiu daqui to enjoada, que no corria; qual guia; voava; ou ia qual avestruz
avoada!
UMA VOZ - No est! Peguem vocs cada uma no seu, e os ponham longe daqui!
GUINDASTE - (para os outros) mesmo, isto muito enjoativo! Nem eu posso abrir
um livro com eles diante de mim. Pega no teu, Galante! Ruibarbo, leva o outro!
(Pega cada um no seu e os pe fora de cena).
33
MELQUADES - Comigo - no quero cruzes! Mas, se for algum cruzeiro, ainda
poderei aceitar. Quanto a cruzes, bastam estas (apontando para os livros) que aqui
vedes.
GUINDASTE - Sem perder, no, Galante. Sem padecer ou sofrer, sim! Por fora que
gozando...
GALANTE - No sabes o que dizes: h homens que quanto mais gozam, mais
ganham! Portanto, avancei uma proposio as mais das vezes verdadeira, inda que
algumas vezes falvel.
34
GUINDASTE - (para Galante e Ruibarbo:) Sempre o nosso Pai d provas de que
ainda estudante! Sempre nos traz alguma cousa... descobertas de cousas que
ignorvamos colhidas de suas experincias filosficas! E com isso faz tambm de
Lente, pois leciona-nos.
MELQUADES - A outra verdade, ou o outro fato, que muitas vezes isto provm de
comermos dos hotis, ou de mandarmos fazer as comidas em nossas prprias
casas! Aquelas nos conduzem s primeiras; ordinariamente estas as mais das vezes
s segundas! Contudo, h nesta regra numerosas excees, e tambm conforme
so os hotis. Notai bem que muitas vezes se observa uma verdadeira confuso. O
que porm indubitvel, que as comidas e as bebidas nos conduzem a este ou
quele trabalho, a esta ou quela casa, a este ou quele indivduo, a este ou quele
negcio! Podem at conduzir-nos a um crime! Como o podem fazer, e muitas vezes
o fazem, a um ato de virtude, a uma ao herica, a uma ao vil ou indigna.
(Continuando.) Sinto s vezes certo estreitamento no canal que conduz ao
estmago. Tenho querido atribuir falta de certo ato... Mas ao mesmo tempo
lembra-me que as crianas, os velhos, as velhas, os doentes, os que viajam pelas
campanhas, os que esto em guerra - no praticam tais atos, entretanto sei de
muitos que padecem igual incmodo. Consequentemente devemos crer que a
razo principal no essa. Talvez provenha das qualidades dos prprios lquidos e
das carnes de que nos alimentamos, e at das casas em que moramos, e mesmo
das pessoas que nos servem, ou a quem mais praticamos. Meninos! quero contar-
vos mais uma verdade mdica por mim descoberta hoje; e - que sempre um
mal que incomoda, sair por cima o que deve sair por baixo! Se soubsseis quanto
me... que desagradvel efeito me produz algumas vezes o cuspir! Se ao menos
eqivaler ao que escrevo, ou ser substitudo pelos pensamentos! Mas qu! Tenho
experimentado, e sempre acho desagrado. - Outra descoberta: Certa pessoa at
certo tempo - no podia passar, quando comia ou bebia alguma cousa, sem
procurar uma pessoa, que se parecesse com o objeto ou cousa, de que se servia;
entretanto em um dia - o que havia de pensar, de que se havia de convencer: - que
devia proceder de modo diametralmente oposto, isto , que quando tomasse ch,
por exemplo, no devia para isso como antes procurar pessoas que tivessem essa
cor: e assim a outros preceitos! Acho porm bonito que pratiquemos, ou
procedamos - se isso nos no causar algum desgosto - conforme esta nos
aconselham; ainda que s espiritualmente, o que se faz de milhares de modos.
Meninos! vou descansar! (Deita-se; e enrola-se no cobertor. Para os companheiros
de quarto:) Se algum me procurar, dizei-lhe que durmo!
35
amvel como a mais amvel Princesa, interessante como o firmamento, bom como
o melhor dos Pais.
GUINDASTE - E para prova de tudo isto, vejam o que ele fez hoje: saltou; pulou;
danou; fez o diabo, como estudante! Depois aconselhou, ensinou, pregou, fez-se
santo, como Filsofo! Ultimamente, relampagou, iluminou como rei! E agora, como
acabam de ver, atirou-se naquela cama, como um cansado estudante; ou qualquer
outro ente de vida pouco sria, e bruscamente no cobertor se enrolou.
(E assim parece dever terminar este Ato - com as seguintes palavras de Melquades)
Se eu no espanto estes madraos - nem para o ch ganhariam hoje!
36
MATEUS E MATEUSA
PERSONAGENS
ATO PRIMEIRO
CENA PRIMEIRA
MATEUSA (balanando-se) - E o Sr. Que se importa, Sr. Velho Mateus, com as suas
filhas?
MATEUS (voltando-se para esta) - Ora boa esta! A Sra. sempre foi, , e ser uma
(atirando com a perna) - no s impertinente, como atrevida!
MATEUS (abraando-a) - No; no, minha querida Mateusa; tu bem sabes que isso
no passa de impertinncias dos 80. Tem pacincia. Vai me aturando, que te hei de
deixar minha universal herdeira ( atirando com uma perna) do reumatismo que o
demo do teu Av torto meteu-me nesta perna! (atirando com um brao) das
inchaes que todas as primaveras arrebentam nestes braos! (abrindo a camisa)
das chagas que tua me com seus lbios de vnus imprimiu-me neste peito! E
finalmente (arrancando a cabeleira): da calvcie que tu me pegaste, arrancando-me
ora os cabelos brancos, ora os pretos, conforme as mulheres com quem eu falava!
Se elas (virando-se para o pblico) os tinham pretos, assim que a sujeitinha podia,
arrancava-me os brancos, sob o frvolo pretexto de que me namoravam! Se elas os
tinham brancos, fazia-me o mesmo, sob ainda o frivolssimo pretexto de que eu as
37
namorava (batendo com as mos, e caminhando). E assim ; e assim , - que calvo!
calvo, calvo, calvo, calvo, calvo (algum tanto cantando) calv... calv... calv...
......!...
MATEUSA (pondo as mos na cabea) - Meu Deus! Que homem mais mentiroso!
Cus!
Quem diria que ainda aos 80 este judeu-errante havia de proceder como aso
quinze, quando roubava frutas do Pai!
MATEUS (com fala e voz muito rouquenha) - Ora, Sra.! Ora, Sra.!Quem, quem lhe
disse essa asneira?! (Profere estas palavras querendo andar e quase sem poder.
este o todo do velho em todos os seus discursos.)
MATEUSA (empurrando-o) - Ento para que fala de mim a todas as moas que aqui
vm, Sr., chino?! Para qu, hem? Se o Sr. no fosse mais namorador que um
macaco preso a um cepo, certamente no diria - que sou velha, feia e magra! Que
sou doente de asma; que tenho uma perna mais curta que a outra; que... que...
finalmente, que j (voltando-se com expresso de terror) no lhe sirvo para os seus
fins de (pondo a mo em um olho) de... O Sr. bem sabe! (esfregando com as costas
da mo o outro [ olho] com voz de quem chora). Sim, se eu no fosse desde a
minha mais tenra idade um espelho, tipo, ou sombra de vergonha e de
acanhamento, eu diria (virando-se para o pblico): J no quer dormir comigo!
Feio! (saindo da sala) mau! velho! rabugento! Tambm no te quero mais,
fedorento!
CENA SEGUNDA
PDRA (entrando) - O que , Papaizinho? O que que quer? O que tem? Sucedeu-
lhe alguma cousa? No? (Pegando-lhe no brao.)
38
MATEUS (assoando-se sem tocar no nariz, e olhando) - Vejam o que ser velho!
Menina, menina, j que ests aqui, d-me um leno; anda (pegando nos braos da
filha), anda, minha queridinha; v um leno para o vosso velho paizinho! Sim; sim;
vai; vai; anda. (Fazendo-a caminhar.)
PDRA (voltando-se) - Tambm este meu Pai cada vez fica mais porco! Por isso
que a
minha me j enjoou ele tanto, que nem o pode ver! (Saindo.) Eu j vou buscar!
Espere um minuto (com as mos, fazendo-o parar), j venho, Papai! J venho, e
vou buscar-lhe um dos mais lindos (com ar gracioso) que encontrar em meu
guarda-roupa, ouviu, Papai? Ouviu?
MATEUS - Sim, sim; j ouvi. Tu sempre foste o encanto dos meus olhos; o sonho de
todos os meus momentos... (Entra outra.) Esta menina (voltado para o povo) os
encantos da imaginao desta cabea (batendo com as mos, uma de cada lado da
cabea) e objeto que ao ver, me enche (apalpando o corao) este corao de
alegria!
CATARINA ( parte, e com expresso de dor) - Ele disse que a outra era simptica; e
de mim nem ao menos diz que sou formosa. Sempre velho: no sabe agradar a
todos!
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PDRA - Papai! Eu no fui portadora do que me pediu, porque a Silvestra muito
velhaca, e muito ligeira! Assim que me viu com o leno na mo, tomou-mo, e
correu para trazer-lhe primeiro que eu!
PDRA - Pois no! No v que a Sra. j pesou os graus de amor que em meu
corao eu consagro a meu Pai...
PDRA E CATARINA (formando com as mos pegadas umas nas outras um crculo
em roda do pai.) - Nosso Papaizinho! No h de se desgostar; no h de chorar
(danando). Ns havemos de amparar o nosso querido Papai. (Umas para as
outras: ) Vamos; pulemos; dancemos; e cantemos: todos! Todos a uma s voz. ( O
Pai vira-se ora para uma, ora para outra, cheio do maior contentamento: o sorriso
no lhe sai dos lbios; os olhos so ternos; a face se franze de prazer; quer falar, e
apenas diz: ) Meu Deus! Eu sou; eu sou to feliz! que... Sim, sou; sou muito feliz!
40
- Mataremos ao algoz
Destes dois nossos paizinhos!
No somos s anjos
Que assim pensamos;
Que assim praticamos;
Tambm so os arcanjos!
De principados - exrcitos
Temos tambm de virtudes!
De tronos! No mudes,
Papai! Vivam as ordens!
(Terminado o canto, abraaro todas o Pai, e este a elas, banhados todos na maior
efuso de jbilo.)
PDRA ( para o pai) - Agora, Papai, vamos coser, bordar, fiar; fazer renda. (Para as
irms:) Vamos, Meninas; a Mame j h de Ter a nossa tarefa pronta para nos dar
trabalho!
CATARINA- Ainda cedo; eu no ouvi dar oito horas; e o nosso trabalho sempre
principia s nove.
41
PDRA - No; isso eu no digo, porque a Sra. deu as mais deslumbrantes provas de
que h de vir a ser l... (elevando a mo) para o futuro uma moa das mais
trabalhadoras que eu conheo! E ainda hoje disso deu segurana no jardim do
quintal, em que no ficava flor que no fosse pela Sra. cultivada!
MATEUS (com muita alegria, pegando a filha) - Filha! Filha minha! Vem a meus
braos! (Abraa-a e beija-a muitas vezes.) Fazes, minha muito amada Silvestra, o
que Deus faz aos Governos! O que os bons Governos fazem aos Governados!
Prendem; castigam; melhoram; ou inutilizam os maus - para que no ofendam,
nem prejudiquem os bons! E vocs (para as outras), o que faziam, durante o tempo
em que minha inteligente Silvestra procedia com tanto acerto, praticando uma to
meritria ao e digna dos maiores elogios?
MATEUS - J vejo que todas trabalharam muito! Hei de fazer a cada uma das Sras.
O mais lindo presente! (Movendo a cabea - inclinando- a.) Isto , quando eu sair
rua! Pois bem sabem que eu aqui no tenho com que lhes presentear.
42
SILVESTRA - Eu me contento com menos! Quero um vestido de seda, lavrada a
barra, e as mangas a fio de ouro; com blonds, e tudo o mais que se usar, do mesmo
fio, ou daquilo que for mais moderno.
SILVESTRA - No, Papai; basta o vestido; o mais tudo eu tenho muito bom, e em
estado de poder servir com o lindo vestido que lhe peo. Sempre gostei da
economia; e sempre aborreci a prodigalidade!
MATEUS - Estimo muito; o mais fiel retrato da moral do velho Mateus! (Para
Catarina:)E a Sra., que est to calada! Ento, no pede nada?
CATARINA - As manas j pediram tanto, que eu no sei o que lhe hei de pedir;
parece que tudo h de custar tanto dinheiro, que se o Sr. no tivesse ainda h
pouco tirado a sorte grande na loteria do Rio de Janeiro, eu acreditaria - que teria
de vender a cabeleira, para satisfazer tantos pedidos!
MATEUS - No; no, menina! O que elas pedem custa pouco comparativamente
aos meus e vossos rendimentos. Diga, diga: o que mais estimar que eu lhe traga,
para comprar e trazer-lhe?!
MATEUS - No; no; pea o que quiser, que eu com muito prazer lhe trago!
MATEUS - E levou tanto tempo para pedir uma cousa de to pouco valor!?
MATEUS - Pois ento, isso muito barato! Mas como o que me pede, fique certa
que h de ser servida, tanto mais que tem a inteno de se apresentar com ele em
um baile, batizado, ou no sei que festa!
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CATARINA - quanto basta; e com ele ficarei muito contente!
CENA TERCEIRA
CATARINA, PDRA E SILVESTRA - Como sabe, somos obedientes filhas; deve por
isso contar que assim havemos de fazer. (Saem.)
MATEUSA - Porque achei muito feio o nome Jnatas que me puseram; e ento
preferi o de Mateusa, que bem casa com o teu!
MATEUS - Sempre s mulher! E no sei o que me pareces depois que ficaste velha e
rabugenta!
44
MATEUS (aproximando-se e ela recuando)
MATEUSA - No hei de! No hei de! No hei de! Quem sabe se eu sou sua
escrava!? muito gracioso, e at atrevido! querer cercear a minha liberdade! E
ainda me fala em Leis da Igreja e civis, como se algum fizesse caso de papis
borrados! Quem que se importa hoje com Leis ( atirando-lhe com o Cdigo
Criminal), Sr. banana! Bem mostra que filho dum lavrador de Viana! Pegue l o
Cdigo Criminal, - traste velho em que os Doutores cospem e escarram todos os
dias, como se fosse uma nojenta escarradeira!
45
uma em cada dia que estas tripas (pondo a mo na barriga) me revelarem a
necessidade de ir latrina.
MATEUSA - Ah! j sabe que isso no vale cousa alguma; e principalmente para as
Autoridades - para que tem dinheiro! Estimo muito; muito; e muito! (Pega em um
outro - a "Constituio do Imprio" e atira-lhe na cara.)
MATEUS (ao sentir a pancada, grita) - Ai que fiquei sem orelha! Ai! Ai! Ai! Onde
cairia? (Atirando os livros na velha e com raiva. ) Por mais que recomendasse a esta
endemoninhada que no queria presentes caros, este demnio havia de quebrar-
me o nariz e pr-me fora uma orelha! Mateusa do diabo! Com qu, partes desta
casa sem eu ir amanh ao baile mas qu, visitar as Pavoas!? e...
MATEUSA - Ah! dessa lei, sim, tenho medo. ( parte.) Mas ele no pode comigo,
porque eu sou mais leve que ele; tenho melhor vista; e pulo mais. (Pega em uma
cadeira e d-lhe com ela, dizendo: ) Ora tome l! (Ele apara a pancada com a
bengala, encolhendo-se todo; enfia esta na cadeira; empurram para l, empurram
para c.)
46
MATEUSA (gritando e correndo) - Ai! eu esfolei um brao, mas deixo-lhe a cadeira
enfiada na cabea! (Quer assim fazer e fugir, mas Mateus atira-lhe a cadeira s
pernas; ela tropea e cai; ele vai acudi-la; quer correr; as filhas convidam-se a fugir;
ele cai aos ps da velha).
47
CERTA IDENTIDADE EM BUSCA DE OUTRA
COMDIA EM DOIS ATOS
PERSONAGENS
ATO PRIMEIRO
BRS - (entrando) Quem diabo est nesta casa!? (Muito admirado.) Por um dos
reposteiros vi aqui a Satans com olhos adiante e pernas atrs! Depois vi Judas Iscariotes,
que andava a trotes! Por uma janela, a Micaela abrindo a boca de gamela! Mas o meu
rapaz, o meu Ferrabrs; o meu contimpina, que de dia dorme, e de noite maquina! Oh!
esse, nem por sombras me quer aparecer, ou eu pude ver! Brbaros! Assassinos!
Traidores! que tudo me roubam! Comem como burros; como cavalos; e depois querem
que eu trabalhe para sustent-los! Infames! Poluem a honra das famlias! Divorciam
esposos para massacr-los, e a seu gosto frurem seus bens! Escravizam em vez de
libertarem... Hei de lanar por terra to indigno governo! Ou ho de os governantes e
governados terem direitos e deveres, ou nenhum governo durar no poder mais que treze
meses! A Nao, cujo esprito ser como o de um s homem, - os inutilizar, a todos
embrutecendo ou a cabea fendendo! Ainda no esto satisfeitos estes entes (a que
chamam Governo porque ocupam as posies oficiais) com os milhes de desgraas que
tm ocasionado!? Querero bilhes, trilhes? Assassinos, traidores de sua Ptria! At
onde chegar a vossa perversidade? E at que ponto subir tambm, ou a que extenso
alcanar a vingana do Supremo Arquiteto do Universo!? Tremei, malvados! A trombeta
final no tardar muito a tocar a voz: - Sejam queimados e reduzidos a cinzas!
(Aparece Satans.)
SATANS - Sou Satans, rei dos infernos, encarregado pelos demnios para destruirmos os
maus!
BRS - Oh! dai-me um abrao! Sois meu Irmo, meu amigo e companheiro! Estais
armado?
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SATANS - Sim. Trago as armas - do Poder e da vingana!
BRS - Pois sabei que eu empunho a espada da justia; o revlver do direito e o punhal da
razo! Combinam-se bem com as tuas. Triunfaremos!
SATANS - Sem dvida. Com tais armas, jamais haver poder que nos possa vencer!
BRS - Muito bem! Muito bem! Venha de l outro abrao! (Torna a abra-lo.)
MICAELA - (entrando muito apressadamente) Oh! Vivam! Os Srs. juntos! Que bela liga h
de fazer Satans com o velho Brs! No esperava ter o grande prazer de os encontrar to
amigos; e at abraados! Que lindos! Modificaro suas idias!? Sem dvida grandes
negcios polticos os ho juntado... Deus os conserve para felicidade pblica e
individual. (Apontando para o prprio peito.)
BRS - Seja bem-vinda, Sra. D. Micaela! No sabe quanto aprecio a sua presena
( parte:) e ainda mais a sua ausncia - c para ns, a quem nenhum malvolo ouve. Que
notcias nos traz e o que h de novo pelo seu bairro? O que nos conta finalmente?
MICAELA - Estou muito escandalizada! Sendo eu a mulher menos faladora que h, houve
quem atrevesse-se audcia de apelidar-me Tagarela: e nesta mesma casa meus ouvidos
ouviram suas to duras palavras!
BRS - Sinto profundamente que to grande infortnio pesasse tanto sobre a cabea e o
corao de minha muito prezada... Sra D. Micaela Tagarela!
.
MICAELA - E o Sr. tambm me insulta!? Com efeito, no o esperava!
SATANS - Oh! eu no sabia de tal. Prometo que h de ser vingada, que... a Sra. bem sabe!
Eu no sou peco; e tenho minha disposio a fora e poder necessrios para punir todos
aqueles que ofendem a quem ningum ofendeu. Tenho na minha carteira as sentenas
para todas as espcies de crimes, e fique certa que ao abri-la, hei de puni-la! Isto , hei de
ving-la!
MICAELA - Muito agradecida, Sr. Satans! Muito obrigada; eu sou a sua menor, porm
mais afetuosa criada! Quer saber a nica cousa que me pesa? que quando o Sr. defende
ou castiga sempre lesa! Entretanto sou de algum modo forada a aceitar o
seu to importante oferecimento!
MICAELA - Oh! Sr. Brs! Queira retirar-se da minha presena! O Sr. bem sabe que eu no
sou dessas mulheres mundanas, para com as quais se procede de tal modo!
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BRS - Desculpe-me, Sra. Tagarela! Pareceu-me - duas lindas laranjas; por isso que quis
toc-los.
MICAELA Pois no continue a ter desses enganos, porque podem ter ms conseqncias!
SATANS - Sim! Sim! ( parte:) Penso que so conhecidos h muito! talvez minha
presena que os est incomodando! Retiro-me portanto. (Vai saindo; Brs o agarra.)
BRS - Onde vai? Aonde vai!? Somos companheiros; e se no chega para dois ao mesmo
tempo, h de chegar passada uma hora!
SATANS - No! No! Sempre tive, tenho e terei medo de mulheres. para mim o objeto
de mais perigo que o... Ah! no digo! Mas fique certo que... sim!
MICAELA - Passem bem! Passem bem, meus Srs.! (Retirando-se com a frente para ambos,
e entrando em um dos quartos.)
BRS - (fazendo um cumprimento, e seguindo-a) Ento j vai? No acha cedo? Eu... sim;
mas... Vamos juntos! (Enfia-se pela porta, atrs de Micaela.)
SATANS - (pondo as mos) Cus! Meu Deus! Que imoralidade! Deixar a minha presena,
e a minha visita, e meterem-se em quarto... em um quarto em presena... audcia!
atrevimento! Mas eu os hei de compor! (Puxa a porta e fecha por fora.) Agora ho de sair,
quando eu estiver cansado - de comer, de dormir, e de viver! J se v pois que a tm de
morrer, se algum os no acudir, e secos como uma varinha de... como um palito! Porque
j se sabe: eu c hei de durar pelo menos cem anos! Ou o que mais certo - no morro
mais! (Metendo a chave na algibeira.) C vai! Vou dar meu passeio, e no sei se c voltarei
mais! (Chegando-se para perto da porta do quarto:) minhas encomendas! Adeus, minhas
venturas! Adeus! Adeus! (Sai.)
ATO SEGUNDO
BRS - (batendo na porta; fazendo esforo para abrir; gritando) Satans! Satans!
Diabo! trancaste-me a porta!? Judeu! Que isto, Diabo! Abre-me a porta, seno te
engulo! No falas!? Querem ver que este demnio trancou-me a porta e foi-se embora!?
Tirano! Deixa estar que tu me pagas. Hei de perseguir-te at os infernos!
MICAELA - Sr. Brs, no se aflija! No se incomode! Deixa estar que tudo se h de arranjar!
Olhe! Veja! Pense! Medite, e no fale!
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MICAELA - Estou ajudando-o a bem morrer! Que mais quer!?
BRS - (tanto puxa, que cai no cenrio com Micaela e a porta. Levantando-se,
para Micaela:) Quase quebrei a cuia! Mas ao menos no fiquei enterrado! Que dizes?
Levanta-te, no tenhas preguia!
MICAELA - No posso! Estou... ai! Penso que... (esfregando uma perna) esta perna se no
est quebrada, est esfolada!
BRS - Pois quem te mandou cair junto comigo!? Eu no te disse que segurasse a porta!?
Agora levanta-te; quer possa, quer no! (Pegando-lhe em uma mo.)V! Arriba! Arriba!
BRS - (atirando-a) Pois vai-te com a porta, e com todos os diabos que sarem hoje dos
infernos!
MICAELA - (levantando-se com muito custo) Ai! Alm de ajud-lo a abrir a porta, e de cair
com ele, mais esta crueldade! Atira comigo... esmaga-me... (Endireita a cabeleira na
cabea.) Rasgou-me o vestido de que eu mais gostava, com seus modos brutais! Quase
ps-me nua. Que crueldade! (Levantando-se, compe o xale.) Muito sofre quem ama!
FERRABRS - (entrando a manejar com uma bengale, vestido muito pelintra)Oh! hoje,
sim! O dia foi grande! Grande! Muito grande para mim! Vi a minha namorada da Rua dos
Andradas! A minha amiguinha do Beco do Botabica! A minha queridinha da Travessa da
Candelria! Vi, vi, vi, que mais? Ah! a minha prima do passeio noturno; e a minha tia
av (dando uma grande gargalhada), e em visitas aos velhos tortos, aleijados! etc. etc.
BRS - Oh! rapaz! Quando tomars tu juzo!? Cada vez ficas pior! Anda para ali; anda!
Toma a beno tua me.
FERRABRS - Ora, meu pai, sempre o Sr. me est dando mes! H trs dias era uma velha
de que todos tm nojo, porque lhe sai tabaco pelas fossas, mormente pelos ouvidos, pela
boca, e at pelos olhos! Ontem era uma torta deste olho; aleijada desta perna (batendo
com a bengala na perna direita do pai.)
BRS - Mais devagar com os teus exemplos, que estas pernas j so - o Sr. sabe - algum
tanto velhas e cansadas!
FERRABRS - Senhor! Dizia eu que ontem era uma velha nestas agradabilssimas
condies, e hoje quer que eu tome a beno desta tagarela (puxa-Lhe pelo xale e quase o
tira do pescoo.)
MICAELA - Mais prudncia, Sr. Dr.! Olhe que no estou acostumada a estes insultos! Pilha-
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me abatida, seno o Sr. no ousaria insultar-me, porque eu ainda teria mos!
BRS - (muito zangado) Este rapaz no toma mais caminho! Cada vez fica mais tolo, mais
estonteado, e mais surdo! Vai, vai! (empurrando-o) Vai procurar outro pai! Eu no te
quero mais por filho!
FERRABRS - Pois meu pai, o Sr. que tem a culpa. Apresenta-me (tira-lhe a cabeleira e
atira-a no cho) com esta cabea rapada para minha me, como se eu fora alguma
criana! Que quer que eu lhe faa!?
MICAELA - (atirando-lhe com a cabeleira cara) Eu no o posso mais aturar, Sr. atrevido!
(Micaela avana bengala, toma-a de Ferrabrs e d-lhe uma bengalada; trava-se uma
peleja entre ambos; dando-lhe este com a cabeleira pelo rosto. Brs mete-se entre ambos
para apartar a briga,. apanha e d pancadas, e nesta luta termina a comedia.)
***
(Escusado dizer que nada devem poupar os cmicos para tornar mais interessante e
agradvel o gracejo.)
Note-se - podem comear a cena os trs ltimos, dando alguns saltos, preferindo palavras
sem nexo ao discurso, mostrando a respeito de Brs algum desatinamento, e retirarem-se
ao aparecer ou sentirem o rumor da vinda daquele.
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HOJE SOU UM; E AMANH OUTRO
PERSONAGENS
ATO PRIMEIRO
CENA PRIMEIRA
O REI - Ludibrias das ordens de teu Rei? No sabes que te posso punir, com uma
demisso, com baixa das honras, e at com a priso!?
MINISTRO - Pois bem, j que V.M. o ignora, eu lhe vou cientificar das cousas, que
me obrigaram a assim proceder.
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O REI (muito admirado) Oh! Dizei; falai! Que descobriram - erro!?
O REI - Estou pasmo - com a revelao que acabo de ouvir. Se isto se verifica, estou
perdido!
MINISTRO - No temais, Senhor... Todo o Povo vos ama, e a Nao vos estima; mas
desejo que aprendais a conhecer-vos, e aos outros homens. E o que o corpo e a
alma de um ente qualquer da espcie humana: isto , que os corpos so
verdadeiramente habita5es daquelas almas que a Deus apraz fazer habit-los, e
que por isso mesmo todos so iguais perante Deus!
O REI - Mas quem foi no Imprio do Brasil o autor da descoberta, que tanto ilustra,
moraliza e felicita - honrando!?
54
roubado-lhe pela morte, quando contava apenas de 9 a 10 anos de idade. Durante
o tempo do seu magistrio, empregou-se sempre no estudo da Histria Universal;
da Geografia; da Filosofia, da Retrica - e de todas as outras cincias e artes que o
podiam ilustrar. Estudou tambm um pouco de Francs, e do Ingls; no tendo
podido estudar tambm - Latim, conquanto a isso desse comeo, por causa de uma
enfermidade que em seus princpios o assaltou. Lia constantemente as melhores
produes dos Poetas mais clebres de todos os tempos; dos Oradores mais
profundos; dos Filsofos mais sbios e dos Retricos mais brilhantes ou distintos
pela escolha de suas belezas, de suas figuras oratrias! Foi esta a sua vida at a
idade de trinta anos.
O REI - E nessa idade o que aconteceu? Pelo que dizes reconheo que no um
homem vulgar.
MINISTRO - Sim, Senhor. Tudo quanto disse que havia acontecer, tem acontecido; e
se espera que acontecer!
MINISTRO - Ainda no vos disse, Senhor, - que esse homem viveu em um retiro por
espao de um ano ou mais, onde produziu numerosos trabalhos sobre todas as
cincias, compondo uma obra de mais de 400 pginas em quarto, a que denomina
E... ou E... de. .. E a acrescentam que tomou o titulo de Dr. C... s.... - por no poder
usar o nome de que usava - Q... L..., ou J... J... de Q. .. L..., ao interpretar diversos
tpicos do Novo Testamento de N. s. Jesus Cristo, que at aos prprios Padres ou
sacerdotes pareciam contraditrios!
MINISTRO - Ainda no tudo, Senhor: Esse homem era durante esse tempo de
jejum, estudo, e orao - alimentado pelos Reis do Universo, com exceo dos de
palha! A sua cabea era como um centro, donde saam pensamentos, que voavam
s dos Reis de que se alimentava, e destes recebia outros. Era como o corao do
mundo, espalhando sangue por todas as suas veias, e assim alimentando-o e
fortificando-o, e refluindo quando necessrio a seu centro! Assim como acontece a
respeito do corao humano, e do corpo em que se acha. Assim que tem podido
levar a todo o mundo habitado sem auxlio de tipo - tudo quanto h querido!
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O REI - Cada vez fico mais espantado com o que ouo de teus lbios!
MINISTRO - verdade quanto vos refiro! No vos minto! E ainda no tudo: esse
homem tem composto, e continua a compor, numerosas obras: Tragdias;
Comdias; poesias sobre todo e qualquer assunto; finalmente, bem se pode dizer -
que um desses raros talentos que s se admiram de sculos em sculos!
O REI - Poderamos obter um retrato desse ente a meu ver to grande ou maior
que o prprio Jesus Cristo!?
O Primeiro Ministro
DOUTOR S E BRITO"
(Fechou, depois de haver lido em voz alta; chama um criado; e manda por no
correio - para seguir com toda a brevidade, recomendando.)
ATO SEGUNDO
56
tm ocupado os mais importantes cargos do Estado, que vos venho pedir; a
liberdade, ou no perseguio de suas pessoas que desejo!
O REI - Bem conheo, Senhora, o interesse que tomais em tudo quanto diz respeito
minha, vossa e felicidade do Estado que por herana ou Vontade Divina -
governo: ora com sbios conselhos; ora com vossas felizes lembranas; ora com as
mais justas - vossas reflexes! Estais portanto servida, Senhora, em vosso pedido;
mesmo que o no fizsseis, a conversao que acabo de ter com um dos nossas
mais distintos polticos, e atualmente na primeira pasta do Governo, seria bastante
para perdoar a esses, de quem tive denncia de que conspiram contra o nosso
Governo!
O REI - Vai, e no te demores a vir dar-me parte do que ocorre; pois se for
57
necessrio, quero ir eu mesmo em pessoa, com a minha presena, animar as
tropas; exortar o Povo; e fazer, como me cumpre, quanto em mim cabe em
proveito dele, e da Nao! (O Ministro parte.)
O REI - (passeando) Por mais saber que se tenha; por mais previdente que seja um
monarca; por mais benefcios que derrame sobre seus Povos, e mesmo sobre os
estrangeiros, com sua cincia, e com seu exemplo; sempre lhe sobrevm males
inevitveis, que o dever, e a honra, e a dignidade obrigam a repelir! E s vezes com
que dureza ele obrigado a faz-lo! Com que dor em seu corao Ele prev os
numerosos cadveres juncando os campos da batalha! Cus! eu estremeo,
quando vejo diante de meus olhos o horrvel espetculo de um aougue de
homens! E se fossem s estes os que perecem; mas quantas famlias desoladas!
Quantas vivas sem marido! Quantas filhas sem Pai; quanta orfandade!... Quanto
pesa o Cetro na destra daquele que o empunha com os mais inocentes desejos;
com as mais ss intenes! (Tomando um aspecto resoluto.) Tudo isto verdade;
mas quando a Ptria periga! Quando o inimigo audaz se atreve a insult-la; quando
pode tudo gemer, se o Rei fraquear; no deve ele reflexionar sobre as
conseqncias; tem uma nica resoluo a tomar: Ligar-se ao Povo, ao Estado ou
Nao; identificar-se com eles, como se fora um s Ente, e debelar aquele, - sem
poupana de foras, dinheiro, e tudo o mais que possa concorrer para o mais
completo, e glorioso triunfo! Vamos pois em pessoa dar todas as ordens, dispor
tudo, e expor se for necessrio este peito s balas; este corao ao ferro insultante!
Guarda! prepara-me um dos melhores cavalos em que eu cinja esta espada.
O REI - (veste a sua farda de General, depois de haver despido a capa com que se
achava, e parte apressadamente. Ao sair, ouve um tiro de pea; desembainha a
espada, dizendo:) So eles! (e segue.)
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vamos desta janela animar as nossas tropas de terra com nossa presena, a fim de
que se houver algum desembarque, eles conheam que seramos capazes de os
acompanhar com uma arma em punho! (Aproximam-se de uma janela.)
A OUTRA - Ih!... Como a metralha varreu o convs daquela nau! Se continua assim,
deste instante a duas horas, est o combate terminado, triunfando as nossas
armas!
UMA DAS DAMAS - V. M. v? L vem o Rei a galope! Seu cavalo vem banhado de
suor; seu rosto carmesim! Sua espada, ainda desembainhada, vem tinta de
sangue! Cus! quo grande deve ser o triunfo conquistado hoje por nossas felizes
armas!
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apresenta com nova farda, calas, etc.) Adeus! Volto ao combate; e juro-vos que
antes de pr-se o sol, no ficar um soldado inimigo em territrio nosso. (Parte.)
ATO TERCEIRO
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ELES - (beijando a mo) Gratos e reconhecidos aos altos, nobres e elevados
sentimentos de Vossa Majestade, protestamos perante Vs, Deus e as Leis,
(arrancando um pouco as espadas) desembainharmos... (arrancando todas) estas
espadas e com elas - defender-vos e a Nossa mais que todas virtuosa Rainha,
fazendo cair cadveres quantos se lhe opuserem; ou cairmos por terra banhados
em nosso prprio sangue. (Fazem profunda reverncia, e saem.)
O REI - tudo isso verdade minha muito querida esposa. Agora. porm, s nos
cumpre continuar a velar sobre quanto diz respeito aos interesses pblicos d'outra
ordem. Eu continuarei a pensar; a meditar; a estudar; a cogitar quanto possa fazer
a felicidade dos homens. Tu que s mulher, de igual modo proceders a respeito
das de teu sexo. Combinaremos depois, e todos os dias por duas horas pelo menos
de cada um, sobre tais assuntos; o que for julgado melhor, isso se por em prtica.
O REI - Tenho ainda alguma cousa a fazer nesta sala. No estou bem certo do que
; porm sei que me falta no sei o qu.
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mas que em um dia, hoje cercado dos meus generais e dos mais valentes,
denodados soldados, obtive o mais completo triunfo sobre eles. sempre a
Providncia Divina que auxilia nossas Armas e que, se por alguns momentos, como
para experimentar a nossa crena, nos envia alguns flagelos, estes desaparecem
logo, como as sombras da noite aos raios da loura Aurora. Publicai este fato
glorioso de nossos concidados; de nossa f; de nossa religio;. de nossa moral; e
de nossa valentia. E conservai-vos, como sempre, no desempenho to honroso,
quo importante do Governo que vos conferiu O vosso Rei Q... s, - m. - Palcio das
Mercs, Abril 9 de 1866."
***
Produzido em 15 de Maio de 1866, por Jos Joaquim de Campos Leo Qorpo Santo,
no beco do Rosrio, em Porto Alegre, sobrado por cima do nmero 21.
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UM CREDOR DA FAZENDA NACIONAL
PERSONAGENS
CREDOR
PORTEIRO
UM MAJOR
UM CONTNUO
EMPREGADOS DA REPARTIO
OUTROS: CREDOR
LEOPOLDINO, CONTADOR
CHEFE DE SEO
SR. BARBOSA
ATO PRIMEIRO
CREDOR - Em qu?
CREDOR - Quem ?
PORTEIRO - Um Major!
PORTEIRO - Ignoro.
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PORTEIRO - No posso ir l agora.
CREDOR - Quantas horas estarei eu aqui espera que o Sr. Major saia para que eu
entre! (Passeia). (O MAJOR, saindo e encontrando-se com o Credor.)
CREDOR (para o MAJOR) - Oh! O Sr. por aqui! Julgava-o quem sabe onde!
Disseram-me que tinha ido para Rio Pardo h dias!
MAJOR - Tenho tido aqui numerosos afazeres, por isso no sei quando irei.
CREDOR - Fique certo que sinto o mais vivo prazer em v-lo no gozo da mais
perfeita sade.
CREDOR - Ah! Ento c em cima; porm nos fundos; creio que na ltima sala.
CREDOR clebre! Ento vou seo respectiva saber se foi informado o meu
requerimento! (Caminha, e entra.)
PORTEIRO - Que diabo de homem este! Tem vindo mais de um cento de vezes
repartio... se h de...
CONTNUO - Faz ele muito bem vir c ! Deve-se lhe, por que no se lhe h de
pagar?
CONTNUO - Homem; isso verdade! Qual a razo por que esta repartio h de
paliar meses e anos!?
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CONTNUO - O caso que ele tem procedido sempre com a maior prudncia!
PORTEIRO - Isso verdade. Mas quantos tero sofrido pela falta de cumprimento
de deveres de alguns funcionrios pblicos?
CONTNUO - verdade! Tem havido tantos males, que enumer-los talvez fosse
impossvel.
CONTNUO - (a correr) - Ih! Ih! Ih! Parece que j estou ouvindo o tinir das espadas!
A voz do canho troar. Deus meu! Acudi-me! Ai! Que eu morro! (Cai sentado.) Ai!
Ai! Estou cansado! Fadigado! Quase... Meu Deus! Quantas mortes vos aprazer
ainda fazer!? Quando vos compadecereis de vossos entes ainda que maus!?
Quando se aplacar a vossa ira!? Quando se saciar a vossa vingana! Cus! Que
vejo! (Como amparado com as mos; pondo o corpo de lado; ao ouvir o som da
trovoada que em cima se faz.) Ah!...
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preparando para grande revoluo! Comear de cima; e descer terra, como a
saraiva em certos dias chuvosos. (Ouve-se nova trovoada; relmpagos.)
CONTNUO - Ora, ora! E no entendo o que ter juzo, pelo que vejo, e pelo que
ouo. Vivo em minha casa. Trabalho incessantemente em proveito meu, e da
minha famlia. No ofendo a pessoa alguma! Sucede-me isto! Dizei-me: - O que
ter juzo?
PORTEIRO - Ter juzo cometer... e... ai! ai! (pondo as mos no rosto) que tambm
estou ficando doente!
CREDOR - ; ; para certos indivduos; para mim pssimo! Nunca gostei de ser
atacado em casa, quanto mais pelas ruas da cidade! Todos os que compelem a
honra, ou aos que desejam viver com seriedade, - a essas cenas, - deveriam em
minha opinio ficar condenados a idnticos; ou a outros procederes piores,
contrrios sua vontade, ou desejos.
66
O INDIVDUO (com a mo querendo fazer uma cruz) - Resqui dimpace! Resqui
dimpassere; Amem! Amem! Namem! Namem! (Saindo). E vou membora (Sai)
ATO SEGUNDO
CREDOR - Ora, com efeito! Pois tanto custa ver um ofcio da Presidncia, ou ver o
assentamento que em virtude desse ofcio deve existir no livro competente? Isto ,
no mesmo em que se acham debitados tais aluguis!? (Senta-se.)
CHEFE - V. Exa. No adianta nada em esperar aqui! Antes atrasa o servio para
conseguir o que quer; deixe estar que est se trabalhando!
CREDOR - Eu, nem venho interromper, nem venho adiantar! Mas apenas saber!
Parece-me cousa to simples; to fcil...
67
CREDOR - Srs., eu j sei o que hei de fazer, o que os Srs. querem! Voltarei em
tempo! (Ao sair, encontra-se com outro.)
CREDOR - Estou doente; e assim fico todas as vezes que venho a esta casa, e dela
saio sem dinheiro!
O OUTRO - Muito custa esta casa pagar a quem deve! Faz-se uma dzia de
requerimentos para se obter um despacho! Cada requerimento leva outra dzia de
informaes! O despacho definitivo obtm-se por milagre! E a paga ou dinheiro
que a algum se deve - quase fora, ou pela fora!
UM DOS EMPREGADOS - (para esse Indivduo) - Com efeito! O Sr. audaz de mais!
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UM ASSOVIO
COMDIA EM 3 ATOS E UM QUADRO
PERSONAGENS
FERNANDO NORONHA
GABRIEL GALDINO
ALMEIDA GARR
JERNIMO AVIS
LUDUVICA
LUDUVINA
ESMRIA
ROSINHA
CORIOLANA
TRS TOCADORES
ATO PRIMEIRO
CENA PRIMEIRA
FERNANDO - (passeando e batendo na testa) No sei que diabo tenho nesta cabea! Nem
S. Cosme, que da minha particular devoo, capaz de adivinhar o que se passa dentro
deste coco! O que, porm, verdade que todos os dias, todas as horas fao novas
preces; e todas as horas e todos os dias transgrido os deveres que em tais protestos me
imponho! (Chama.) Gabriel, Gabriel, que diabo ests fazendo nesse fogo, em que ests
pregado h mais de duas horas!? Querem ver que ests a roer os tijolos, julgando serem
de goiabada! Cruzes! Cruzes! Que gastrnomo! capaz... j estou com medo! capaz de
roer at a minha casaca velha! (Pegando de repente no nariz, tira um pedao; olha e
grita:) Oh! diabo! at j me roeu um pedao do nariz, quando eu ontem dormia! Gabriel!
Gabriel!
GABRIEL - Pronto! Ento (de dentro) que tanto me chama!? Diabos te levem! o amo
mais impertinente que tenho visto! Cruzes! Ave-maria! J vou, j vou! Deixe-me tomar o
meu quinho de caf; e tomo, porque estou transido de frio! Estou gelo! Quer derreter-
me!? Espere, espere!
FERNANDO - Diabos te levem para as profundas do maior inferno! Est este diabo a tomar
caf desde que amanhece, at que anoitece! Vai-te, diabo!
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GABRIEL - (aparecendo) Ora, graas a Deus e a meu amo! - j que com o diabo cortei de
todo as minhas relaes. (Apalpando e levantando a barriga.) Tenho esta pana mais
pequena que a de um jumento, ou de um boi lavrador! No nada (caminhando
para o lado do amo), existe aqui... quem sabe j quanto estar! (Rindo-se.) Duas chaleiras
de caf; quatro libras de acar... j se sabe - do mais fino refinado. Trs libras, no! Seis
libras de po de rala e duas de fina manteiga inglesa. (Andando para uma e outra
parte.) Troler, tror! Agora sei que sou mesmo um Manuel Jos Taquano! S me faltam
as cartas, e as parceiras! (Apalpa as algibeiras e tira um baralho.)
GABRIEL - (depois de haver examinado o baralho com ateno; para o amo)Pensei que
no tinha trazido. Est timo! Vamos a uma primeirinha? (Batendo no baralho.) Hem?
hem? (Tocando-lhe no brao.) Ento? Vamos, ou no vamos!?
GABRIEL - Ai! no me fures, que eu tenho um filho de seis meses arranjado pela Sra. D.
Luduvina, aquela clebre parteira que o Sr. meu amo melhor que eu conhece... visto que
passou as mais apreciveis noites com... ou... etc. etc.
GABRIEL - ( parte) Por isso que muitas vezes eu chupo-lhe o dinheiro, e fao d'amo!
Tem segredos, que eu sei; e que ele no quer que sejam revelados!
FERNANDO - Ento, Galdino! Encheste o teu pandulho desde (bate-lhe na bunda, que
tambm formidvel, e na barriga) esta extremidade at esta...!
GABRIEL - Ai! ai! seu diabo! No sabes que ainda no botei as preas do que pari por
aqui!... (Apalpa a bunda).
GABRIEL - Oh! pois no! (Pulando; e dando voltas.) O meu amo sabe danar a chula? (Olha
para os calcanhares.) E ainda faltam-me as esporas; seno, havia eu de fazer o papel mais
interessante que se tem visto! Nem o Juca Fumaa era capaz de me ganhar em levianeza e
linda graa! (Continua a danar a chula.)
FERNANDO - Este diabo ( parte ou para um lado) no vai me buscar caf! Ento? Vais ou
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no vais!?
OABRIEL - Ah! quer caf! J vou! (D mais duas ou trs voltas, e entra por uma porta, pela
qual torna a vir logo depois.)
GABRIEL - Eis aqui! Est melhor que o chocolate da velha Teresa l do Caminho Novo em
que no h seno velhas tabaqueiras ou espirradeiras, que na frase dos rapazes so tudo e
a mesma cousa!
FERNANDO - (pegando a xcara e levando-a aos lbios) Fum!... Fede a rato podre! E tem
gosto de macaco so! Que porcaria! Pega; pega! (Atira-lhe com o caf cara.)
GABRIEL - (limpando-se todo) No precisava fazer-me beber pelos olhos! J estava farto de
derram-lo pela cara! Agora arrumo a xcara.
FERNANDO - Quem sabe se o ftido e o gosto provem da xcara!? Pode ser! Para no
tornar a ter destes prazeres... (atirando) quebrarei as pernas deste panudo! (Atira xcara
e pires s pernas do criado.)
GABRIEL - diabo! quase me quebras as pernas! Mas ficou sem o casal da xcara! O que
me vale ( parte) que por eu h muito j o conhecer, mandei o ano passado forr-las de
ao no ferreiro das encomendas, que mora l por trs das vendas, na Rua das Contendas!
ATO SEGUNDO
CENA PRIMEIRA
LUDUVINA - O Sr. muito gracejador! Quem o manda dormir tanto! Por que no faz como
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eu, que atiro-me do mar, ponho-me no ar!? Sabe que mais?(Pondo o dedo em frente ao
rosto dele, como ameaando.) Se quiser continuar a ser meu, h de, primeiro: Levantar-se
de madrugada, seno do galo primeira cantada! Segundo; banhar-se dos ps cabea, e
esfregar-se com fino sabo ingls ou sabonete. Terceiro; alimentar-se trs vezes ao dia; e
de comidas simples e brandas; como por exemplo: uma xcara de chocolate para almoo
com uma fatia ou alguma massa fina torrada ou no; um ou dois pedacinhos de galinha ou
cousa idntica, para o jantar, e quando muito mais (o que no julgo necessrio) - um clix
de vinho superior, ou uma xcara de caf, ou de ch. A noite - qualquer lquido destes
como ceia. O melhor de tudo tomar uma s bebida para almoo, e para ceia; e para o
jantar tambm um s pratinho com um clix de vinho, ou uma xcara de caf; no primeiro
caso se for com carne; no segundo se for...
GABRIEL - Agora acabe! Depois da ceia, diga: O que havemos de fazer? Em que me hei de
entreter!?
GABRIEL - Ests gaiata; gaiatissima. Pois no basta a nossa filha Esmria para nos
entreter!? Ainda queres mais filhinhas!?
LUDUVINA - Visto que me troca o nome, eu lhe trocarei o chapu. (Tira o que ele tem na
cabea e pe-lhe outro mais esquisito.) O nome que me deu, regula com o chapu, que eu
lhe ponho: e d graas a Deus no o deixar com a calva mostra!
GABRIEL - J agora estarei por tudo. Casei-me de fato com a Sra.; no h remdio (
parte) seno atur-la...
CENA SEGUNDA
FERNANDO - (entrando) Oh! que isto? O Sr. acompanhado aqui desta dama!
GABRIEL - Pois que tem? Sim; sabe... o meu casamento... sim; o Sr. ignora! Tem razo!
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FERNANDO - Pois o Sr. casado!?
FERNANDO - (olhando para um lado) E esta! O meu criado casado; e j com uma filha.
GABRIEL - Sim, Sr. Sim, Sr. E por isso mesmo far-lhe-ei em breve as minhas despedidas!
FERNANDO - Onde diabo, em que casa tinhas tu metido a mulher, e este anjo de
bondade!? To escondidos ou bem guardados, que eu nunca pude saber que existiam!?
GABRIEL - Sei; sei de tudo isso! Mas eu no quero faz-la infeliz! O Ilmo.0 Sr. Dr. Fernando
h de ser uma espcie, ou um verdadeiro criado fiel de minha filha; e h de declar-lo em
uma folha de papel, escrita por tabelio e assinada pelo juiz competente; o dos
casamentos ou dos negcios civis. Etc. etc. e etc. Com a satisfao de todas estas
condies, ou seu preenchimento, a minha muito querida filha, se quiser, ser sua mulher.
Fora delas, ou sem elas, no falaremos, no trocaremos mais sobre to melindroso
assunto.
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que no aparecem ou no se vem milagres no tempo presente.
ATO TERCEIRO
CENA PRIMEIRA
LUDUVICA - (criada de Almeida Garrett) Depois que este meu amo se associou ao Sr.
Fernando de Noronha; que este se casou com a Sra. D. Esmria, filha de um velho criado
deste; e finalmente, depois que se juntou certa camaratica de maridos, mulheres,
genros, criados ou quiabos, anda esta casa sempre assim! Ningum os entende! Se se vai
servir Sra. D. Luduvina, eis que se ouve a voz do Sr. Fernando de Noronha, gritando -
"Luduvica! Luduvica! traz-me as botas"! Se se est servindo ao Sr. Dr. Fernando, eis que
me chama a Sra. D. Esmria: "- Luduvica! Luduvica! toma este recado e vai lev-lo casa
de minha prima Hermenutica". Finalmente, se estou servindo a qualquer destes, eis que
o Sr. Gabriel Galdino, criado outrora malcriado, barrigudo, panudo, bundudo, grita: "D
c de l os chinelos, que estou com os culos na cabea!" Enfim, o diabo! o diabo!
Muito desejo ver-me livre desta casa, em que seis ou oito meses de servio j me fedem!
Ainda que me no queiram pagar, quando no o pensarem ho de me ver raspar! (Entra
Almeida Garrett, Gabriel Galdino e Fernando de Noronha.)
GABRIEL GALDINO - Com todos os diabos! Estou hoje com tais disposies de avanar
a coraes, que se tu no fosses casada (pondo a mo em Luduvica),protesto que me no
escaparias!
LUDUVICA - Como o Sr. est engraado! Pensa que mesmo sendo, e que mesmo no
sendo, eu havia de ceder aos seus desejos brutais, sabendo principalmente que casado,
atoleimado, foi criado e que tem filhos!? Est; est - muito e muito enganado!
FERNANDO DE NORONHA - Oh! Sr. Gabriel Galdino, isso no cousa que se faa s
escondidas de algum. Eis porque no h criados que queiram servir-nos (Com fora.) Isto
envergonha! Envergonha, e faz afastar de ns todos os criados e criadas que h em toda
esta cidade! esta a dcima-oitava que para aqui vem; e que no tardar a deixar-nos! Se
o Sr. no mudar de comportamento, estamos todos perdidos! Teremos em breve de nos
servirmos com as nossas prprias mos!
GARRETT - Ainda ser bom se nos servirmos s com as nossas mos! Se no nos for
necessrio servirmo-nos com os nossos ps!
GABRIEL GALDINO No - toleires! Eu estava apenas brincando. Queria ver a que ponto
chegava a pudiccia da nossa encantadora e amvel servidora - Luduvica Antnia da
Porciuncula. (Fazendo meno de abra-la,. ela afasta-se um pouco como receosa.) No
receies, minha Menina; se vos desse um abrao - seria de amizade, ou igual queles que
os Pais do nos filhos; as mes nas filhas; etc. etc.
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FERNANDO - Luduvica, j preparaste o que te disse de manh que queria?
LUDUVICA - Como havia de preparar, se eu no me posso voltar nem mexer-me para lado
algum!? Se me volto para a direita, sou chamada da esquerda; se para a esquerda,
incomodada pela direita; e finalmente pelos flancos) retaguarda e vanguarda; sempre e
sempre chamada, incomodada e flagelada!
FERNANDO - Em vista disso, irei eu mesmo preparar! (Sai muito zangado, mas pra-se na
porta.)
LUDUVICA - No tenho tido tempo nem para coser os meus vestidos, quanto mais a sua
roupa!
GARRETT - Uma criada assim, no sei para que diabo pode servir! (Vai a sair e esbarra-se
com Fernando de Noronha, que at ento se acha srio e firme, como um soldado de
sentinela em frente do inimigo.)
LUDUVICA - Alto l! Aqui ningum passa. Ponha-se a ao lado, e firme como um soldado.
Quero ver at que ponto chega a audcia desta criada! (Garrett perfila-se ao lado direito.)
GABRIEL - Ento, alm de me negar aquilo que me deve dar, ainda hei de ter pacincia e
fazer-lhe continncia!?
GABRIEL - Em vista disso, adeus minha queridinha; adeus! (Vai a sair e encontra o mesmo
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obstculo como Garrett.)
LUDUVICA - Que faro os trs pandorgas (Passeando e vigiando-os ora com o rabo de um,
ora com o rabo de outro olho.) Que esperaro eles! Pensaro mesmo que me ho de
continuar amassar!? Esto bem servidos! Eu os componho; eu agora mostro-lhes o que a
fora de uma mulher, quando esta est a tudo resolvida, ou mesmo quando apenas quer
mangar com algum homem! (Puxa, passeando, um punhal que ocultava no
seio e conserva-o escondido na manga do vestido.) Estes ( parte) meus amos so uns
poltres; eu fao daqui carreira, fao brilhar o punhal; eles, ou me ho deixar passar
livremente, ou caem por terra mortos de terror; e no s por serem uns comiles, uns
poltres, tambm porque... no direi mas o farei! (Volta-se repentinamente; faz brilhar o
punhal; avana-se para eles, os dos lados caem cada qual para seu lado, e o do centro
para diante; ela salta em cima deste, volta-se para o pblico e grita levantando o
punhal:) Eis-me pisando um homem, como um carancho a um cavalo morto! Quando a
fora da razo, do direito e da justia, empregada por atos e por palavras, no for
bastante para triunfar, lanai mo do punhal... e lanai por terra os vossos indignos
inimigos, como fiz e vedes a estes trs algozes!
ENTREATO
JERNIMO DE AVIS - (entrando com flauta e trs tocadores, com vrios instrumentos) L
vai! (Sopra a flauta; e esta no d mais que um assovio destemperado; sopra com mais
fora, sucede o mesmo, ou ainda pior. Muito ansiado, querendo desculpar--se:) Senhores,
deu o ttano na minha flauta! Desculpem; desculpem!
JERNIMO DE AVIS - Paguem as lies que lhes dei ensinando-os a tocar flauta.
QUADRO
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violes - os seguintes versinhos:
(Repete-se.)
Trom larom,
Larom larom larom;
Trom larom larom
Larau lau lau!...
(Repete-se.)
Trom larom,
Larom larom larom;
Trom larom larom
Larau lau lau!...
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(Repete-se.)
(Repete-se.)
Cantados e repetidos estes versos por duas ou mais vozes, danando-se e tocando-se
chteze, cada um canta os que dizem respeito ao instrumento que toca.
O FLAUTISTA - (para os outros) Srs.! Silncio! O mais profundo silncio! Vou tocar a mais
agradvel pea, e de minha composio, que se possa ter ouvido no planeta que
habitamos! Ouam! Ouam! (Todos ficam silenciosos; e pem os instrumentos debaixo do
brao esquerdo. O Flautista, levando a flauta boca:)
Fi............. u..............
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