Eu Venho de Longe - 1 Reimpressão - Versao Repositorio PDF
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Eu Venho de Longe - 1 Reimpressão - Versao Repositorio PDF
Conselho Editorial
Alberto Brum Novaes
ngelo Szaniecki Perret Serpa
Caiuby Alves da Costa
Charbel Nin El-Hani
Cleise Furtado Mendes
Dante Eustachio Lucchesi Ramacciotti
Evelina de Carvalho S Hoisel
Jos Teixeira Cavalcante Filho
Maria Vidal de Negreiros Camargo
eu venho
de longe
Mestre Irineu
e seus companheiros
EDUFBA - ABESUP
Salvador - Bahia
2011
2011, by Paulo Moreira e Edward MacRae
Direitos de edio cedidos EDUFBA.
Feito o depsito legal.
1 reimpresso: 2014
ISBN: 978-85-232-0800-4
Editora filiada
EDUFBA
Rua Baro de Jeremoabo, s/n,
Campus de Ondina,
40170-115 Salvador-Ba Brasil
Tel/fax: (71)3283-6160/3283-6164
www.edufba.ufba.br | [email protected]
110 EU VENHO DE LONGE
(Mestre Irineu)
Apresentao 17
Mestre Irineu: um homem de muitas dimenses
Juca Ferreira
Prefcio 21
Domingos Bernardo Gialluisi da Silva S
Acre - Esfinge Amaznica 25
Marcus Vinicius Neves
Uma Viso Maranhense 37
Srgio F. Ferretti
Introduo 47
Captulo 1
O Tesouro na Floresta 67
As Origens Maranhenses 69
A Mudana de Nome 72
Relaes de Famlia 74
A Migrao para a Amaznia no Final do 1 Ciclo da Borracha 79
A Iniciao Ayahuasqueira 87
A Formao do Crculo de Regenerao e F (CRF) 103
Irineu Chega a Rio Branco 112
Captulo 2
A Formao do Daime 129
Mestre Irineu Inicia o Daime em Rio Branco 131
A Cura e a Formao do Primeiro Corpo de Seguidores
de Mestre Irineu (1930-1945) 142
Disciplina, Peia e Maraximb 159
Nova organizao dos trabalhos de Mestre Irineu em 1935
os primeiros hinrios 163
Bendito, Hinos da Missa e Diverses 168
Novas Mudanas na Trajetria de Mestre Irineu (1936-1938) 174
Reformulaes no Daime (1938-1940) 180
Captulo 3
A Construo do Alto Santo 209
A Segunda Guerra Mundial e a Batalha da Borracha no Acre 211
Mestre Irineu muda-se da Vila Ivonete para a
Colnia Custdio Freire 227
A Construo da Nova Sede do Alto Santo no
Incio da Dcada de 1950 244
Captulo 4
A Consolidao do Daime 263
O Reincio dos Trabalhos Aps o Retorno de Mestre Irineu do
Maranho 265
A Rede Social e Poltica de Mestre Irineu 276
A Parceria com o Crculo Esotrico Comunho
do Pensamento (Cecp) 294
Novas Propostas Rituais na Dcada de 1960 305
Reestruturaes nos Rituais 313
Feitio 334
Excees, Concesses e Casos Especiais 351
Captulo 5
Os ltimos dias do Mestre Raimundo Irineu Serra 361
Prenncios e ltimas Providncias 363
A Passagem do Mestre 380
Referncias 407
Apndices 417
Anexos 441
Entrevistados 539
Album de Fotos 547
Lista de Imagens 557
ndice Remissivo 575
Foto dos seguidores de Mestre Irineu (batalho masculino) em frente da primeira sede com
cobertura de palha no Alto da Santa Cruz. Mestre Irineu o mais alto de chapu.
Apresentao
Mestre Irineu: um homem de muitas dimenses
17
Neto de escravos que, no incio do sculo XX, migrou do Maranho
para o Acre, onde se estabeleceu e desempenhou vrios ofcios: da extrao
de borracha a policial. Nos arredores de Rio Branco passou a desenvolver
atividades de cunho espiritualista e de medicina popular, utilizando-se da
ayahuasca, bebida de fortes caractersticas psicoativas. Em 1930 funda um
centro religioso: o Santo Daime ou Daime, como mais conhecido. A co-
munidade rural que estabeleceu acolheu inmeros imigrantes e seringueiros
expulsos da floresta devido ao colapso da economia da borracha. Mestre
Irineu e sua doutrina foram sujeitos a inmeras perseguies e preconceitos
suscitados pela predominncia de afrodescendentes entre seus seguidores
e pelos temores que as elites de ento sentiam em relao a movimentos
culturais e religiosos de origem afro-indgena como aquele que liderava.
Como estratgia de defesa para si e sua comunidade, Mestre Irineu
desenvolveu fortes laos com alguns polticos influentes de sua poca, in-
cluindo governadores e autoridades do exrcito. Hoje se considera de gran-
de importncia a sua participao na colonizao do ento Territrio que
mais tarde viria a ser Estado. O movimento religioso que fundou assume
caractersticas emblemticas da identidade acreana, reminiscentes daquelas
desempenhadas pelo candombl na Bahia.
O texto do livro aqui apresentado faz uma sistematizao dos dados
j conhecidos sobre a histria do Mestre Irineu e do Daime, alm de trazer
uma preciosa coleo de depoimentos dos primeiros participantes desse
movimento religioso, muitos deles com j com idade avanada, ou j fa-
lecidos. A obra tambm enfatiza a influncia da cultura afro-brasileira no
desenvolvimento da doutrina pregada pelo Mestre Irineu.
Este livro um trabalho de preservao da memria dos primrdios
desse culto religioso, enfatizando a importncia do Daime, smbolo do hi-
bridismo cultural brasileiro, congregando diversas origens em nosso siste-
ma de significados, e destacando a presena da matriz de origem africana,
at agora pouco enfatizada nesse processo.
Este livro tambm um marco, no apenas porque passa a ser refe-
rncia obrigatria, pelo que tem de pioneiro e revelador, mas porque um
claro esforo e contribuio de dois estudiosos para uma maior eficcia das
polticas pblicas sobre substncias psicoativas muitas vezes estigmatiza-
das e simplificadas pelo nome de drogas. Para um debate pblico mais
18
condizente com o pluralismo, a diversidade e a democracia que queremos.
No podemos ignorar que da natureza humana buscar ampliar o horizon-
te do real. Tambm no resta dvida ser esta uma questo com forte impac-
to cultural. Sua gravidade e soluo nos cobram uma compreenso ampla.
No basta a descriminalizao, a questo complexa, precisamos de
estratgias complexas e da contextualizao de cada caso. Fato que so-
mente bem recentemente comeamos a reconhecer a legalidade dos usos
culturais de certas substncias psicoativas vinculadas a rituais.
Precisamos incorporar uma compreenso antropolgica sobre o as-
sunto, uma abordagem mais voltada para a ateno aos comportamentos e
aos bens simblicos despertados pelos diversos usos culturais das substn-
cias psicoativas. Isto tambm nos permite este precioso livro.
19
Prefcio
21
Na realidade, Mestre Irineu, percebeu como cuidado maior, a implemen-
tao, de todo um processo de institucionalizao e, para isso, anteviu a
importncia de formular princpios ticos em que se baseassem as normas
e procedimentos compatveis com o uso religioso da ayahuasca. Importa
transcrever as palavras dos prprios autores desta obra:
22
O hinrio O Cruzeiro, composto dos cnticos recebidos por Mestre
Irineu, constitui fonte sagrada da religio por ele fundada e valioso objeto
da investigao tica, pleno de valores morais adotados em vrias outras re-
ligies, encarnados por figuras humanas que revolucionaram a viso muitas
vezes apequenada da religiosidade. Melhor diro as palavras de franciscana
simplicidade, mas de profunda e libertadora riqueza:
23
Prefiro, entretanto, responder sadia e inteligente provocao alvitrando
Eu venho de longe... mas hoje estamos bem mais perto.
Notas
1 Trecho do hino 29 - Sol, Lua, Estrela do hinrio O Cruzeiro de Mestre Irineu.
2 Trecho do hino 64 - Eu peo a Jesus Cristo do hinrio O Cruzeiro de Mestre Irineu.
3 Trecho do hino 40 - Eu canto nas alturas do hinrio O Cruzeiro de Mestre Irineu.
4 Trecho do hino 19 - O amor eternamente do hinrio O Cruzeiro de Mestre Irineu.
5 Trecho do hino 17 - Confisso do hinrio O Cruzeiro de Mestre Irineu.
24
Acre Esfinge Amaznica
25
No deixa de ser curioso constatar que essas mesmas brincadeiras no
so to recorrentes em relao outras regies ainda mais distantes dos
grandes centros de pas. Tais como Roraima ou Amap, ambos no extremo
norte brasileiro. Isso nos faz refletir sobre o fato de que talvez o Acre pos-
sa ser realmente mais difcil de ser conhecido e/ou compreendido do que
outras regies da Amaznia, mesmo que por pesquisadores acostumados
a encarar temas ou problemticas muito complexas.
Sem dvida, foi algo diferente, inusitado, singular, o que atraiu,
irresistivelmente, ao Acre um de nossos maiores escritores, Euclides da
Cunha, logo aps a publicao e o estrondoso sucesso do grandiloquente
Os Sertes, sobre a Guerra de Canudos. Algo que o fez buscar, de forma
espontnea e determinada, sua participao na Comisso Mista Brasileiro-
-Peruana de Reconhecimento do Alto Purus, em demanda das distantes
e inacessveis nascentes do rio Purus, arrastando canoa, vencendo a
fome, as doenas, a animosidade peruana, subindo e descendo cachoeiras
e balseiros. Uma marcante experincia que o levou a afirmar, h mais de
1
um sculo, que o Acre ainda estava Margem da Histria brasileira.
Preparando com isso terreno para seu sonhado, mas no realizado, segun-
2
do livro vingador e que deveria se chamar Um Paraso Perdido .
Olhando sob essa perspectiva, no seriam, ento, as piadas e as brinca-
deiras sobre o Acre, apenas reflexos de temores inconscientes despertados
por um lugar que no s distante e desconhecido, mas que, sobretudo,
possui uma aura misteriosa, quase indecifrvel e, por isso mesmo, pode
parecer, de alguma forma, temvel?
Ou no. Poderamos tambm ponderar que esse singular estranha-
mento em relao ao Acre apenas ato-reflexo de certo peso na conscin-
cia nacional. Afinal, vrias passagens da histria acreana chegam a ser bru-
tais pela evidente recusa, descaso e irresponsabilidade com que o governo
brasileiro tratou o Acre em muitas e diferentes ocasies.
No devemos ignorar que, ainda durante o auge do Primeiro Ciclo da
3
Borracha , a Bolvia pretendeu dominar o Acre; os ingleses e norte-america-
nos tentaram arrend-lo Bolvia; o Peru fez um consistente movimento de
tomada de boa parte das terras acreanas; ao mesmo tempo em que Manaus
e Belm brigavam intensamente entre si pela posse e comercializao da
borracha acreana. Enquanto o governo brasileiro a tudo assistia inerte,
26
ausente, aparentemente preocupado apenas com os problemas ento
enfrentados pela exportao de caf, base estrutural da Repblica do Caf-
-com-leite.
4
E pior. Mesmo quando os brasileiros do Acre pegaram em armas,
por conta e risco prprios, e proclamaram a criao do Estado Indepen-
5
dente do Acre , como estratgia de defesa da soberania nacional nesta re-
gio, foi o prprio governo brasileiro quem desarmou os revolucionrios e,
surpreendentemente, devolveu o domnio do Acre para a Bolvia.
isso que faz com que os acreanos gostem tanto de dizer que o Acre
o nico estado que brasileiro por opo. Pois, enquanto Bahia, Rio
Grande do Sul, So Paulo, entre outros, lutaram em diferentes momen-
tos de nossa histria para se separar do Brasil, o Acre lutou, com imensos
sacrifcios, para ser anexado ao nosso pas, em um exemplo de identidade
nacional muito rara entre os brasileiros.
Mas mesmo isso pareceu no ser o bastante para o Brasil. J que,
como prmio aos acreanos por sua luta e conquista, o governo criou,
especialmente para o Acre, um regime poltico esdrxulo que o tornou
o primeiro Territrio Federal de nossa histria. Um indito sistema po-
ltico que na prtica condenava os acreanos a serem cidados de segunda
categoria em seu prprio pas. O Territrio era tutelado pelo governo fe-
deral no s em relao enorme arrecadao de impostos sobre a bor-
racha, mas tambm em relao escolha de seus governantes, que eram
nomeados diretamente pelo Presidente da Repblica desde seu gabinete no
Palcio do Catete, revelia dos anseios acreanos. Um povo recm-formado
e j submetido a toda sorte de governadores corruptos, autoritrios ou,
simplesmente, incompetentes.
Entretanto, tamanho prmio parece ter sido ainda insuficiente para o
governo brasileiro. O que ocasionou o singelo hbito de se enviar para o Acre
degredados de diferentes origens. Assim, foram mandados para c alguns
dos participantes da Revolta da Vacina. Mais tarde, tambm foram depor-
6
tados marinheiros envolvidos na Revolta da Chibata . E at mesmo ladres
e assassinos comuns, foram trazidos para as florestas acreanas como forma
de esvaziar as, j naquela poca, superlotadas cadeias cariocas. Mas, o mais
sintomtico que estes desterrados, no vinham para esta ou aquela priso,
mas para ser soltos na floresta e, se tudo corresse bem, morrer a mngua.
27
Para o leitor que pode estar achando isso tudo certo exagero de minha
parte, talvez seja esclarecedor saber que este costume do governo brasileiro,
no incio do sculo XX, se tornou to comum e corrente que deu origem a
uma expresso popular que usava o termo Ir para o Acre como sinnimo
de morrer. Imaginem a cena:
Cad fulano?
Ih! Rapaz! Esse foi pro Acre!
Coitado! To Jovem. Que Deus o tenha.
difcil evitar a concluso de que, de alguma maneira, o paraso
perdido vislumbrado por Euclides da Cunha, no era mais que o prprio
inferno na tica do governo brasileiro. De todo jeito, importante ressaltar
que, no faz muito tempo, esse verbete foi retirado do Dicionrio Aurlio
porque caiu em desuso.
Ao que tudo indica, portanto, talvez haja realmente algo mais por trs
das brincadeiras de mau gosto que povoam o imaginrio nacional. Acredito
mesmo que haja no Acre algo diferenciado, especial, misterioso, singular
que inspira o mais absoluto medo em alguns, ao mesmo tempo em que
induz muitos outros ao mais completo fascnio e encantamento. O Acre
no admite, neste sentido, meios-termos. Parece-se com aquele slogan da
Ditadura Militar: Ame-o ou Deixe-o. Tanto assim que, em minha coluna
semanal em jornal local, publiquei, certa vez, uma srie de artigos denomi-
nados A Esfinge Acreana, com o subttulo: Decifra-me ou devoro-te,
numa referncia ao milenar dstico com que a Esfinge desafia aos viajantes
do deserto, no qual procurei tratar de variados aspectos singulares e, ao
mesmo tempo, enigmticos da cultura acreana.
Mas, fiz toda essa longa digresso inicial sobre as singularidades da
histria e do ser acreano, apenas para explicar porque, no dia em que
conheci os autores deste livro no qual eu achava que seria s mais uma
entrevista sobre a histria acreana fiquei muito preocupado ao saber que
o tema que os havia trazido at o Acre era a vida de uma das mais signi-
ficativas e complexas personagens da trajetria acreana: o Mestre Irineu.
No consegui, ento, evitar o pensamento: Isso no vai dar certo!
Afinal, se tentar compreender o Acre, j de sada, um desafio colos-
sal, como espero ter demonstrado acima, o que dizer ento sobre a tentativa
de sistematizar a histria de vida de um homem que foi capaz de criar uma
28
nova e original religio, surpreendentemente originada nos mais profundos
confins da floresta amaznica para se espalhar por todo o mundo, mobili-
zando milhares de pessoas das mais diferentes origens e culturas.
Ou seja, Paulo e Edward, tinham, a meu ver, enormes chances de
serem devorados por nossa particular esfinge amaznica. Especialmente
levando em considerao que, desde o incio de minhas pesquisas sobre a
histria regional acreana, sempre me chamou a ateno a imensa lacuna de
nossa historiografia em relao trajetria de Raimundo Irineu Serra.
certo que, por aqui, muita coisa se conta sobre o Santo Daime.
Ou sobre o enorme negro maranhense que comandava uma comunidade
l para as bandas da Colnia Custdio Freire e tinha fama de curador.
Ou, ainda, sobre a relao poltica que aos poucos foi sendo estabeleci-
da entre as comunidades do Daime e o Governo do Territrio/Estado do
Acre. Mas, escrito mesmo, em relao vida do homem que promoveu
uma verdadeira revoluo espiritual neste pedao perdido de floresta, sem
que quase ningum percebesse, quase nada.
A esse respeito, o que mais me incomodava mesmo era a inexistncia
de uma biografia do Mestre Irineu escrita e consolidada no seio da comu-
nidade que ele prprio formou. Excetuando-se a publicao da Revista do
Centenrio, que foi em boa parte feita pelo pessoal do Alto Santo, no
existe mais nada publicado sobre a vida, as dificuldades, os sucessos e os
varadouros percorridos pelo jovem que veio embalado pela febre da bor-
racha do sculo XIX para, aqui na Amaznia, deparar-se com mistrios
e possibilidades que nunca teria sido capaz de imaginar.
O que existe, isso sim, uma vasta bibliografia desenvolvida a partir
do novo contexto que envolveu o Santo Daime desde que este comeou
a se expandir por outras regies fora do Acre e da Amaznia. O que s
aconteceu efetivamente aps a morte de Irineu. Mas no custa ressaltar
que so publicaes e abordagens que no so aceitas ou difundidas, sendo
muitas vezes repudiadas, pelos tradicionais seguidores de Mestre Irineu.
Por isso, quando h cerca de dez anos, estive no Maranho, participan-
do de um encontro promovido pela Fundao Palmares, fui tomado por um
impulso avassalador de procurar os caminhos por onde Raimundo Irineu
Serra teria passado antes de vir para o Acre. Alm, claro, de me render ao
natural encanto provocado pela antiga e fascinante Ilha de So Lus.
29
E, mesmo no estando ali para isso, logo aps o trmino do encontro
do qual estava participando, visitei a Casa das Minas, as ruas do velho cen-
tro histrico de So Lus, com suas fontes pblicas e tneis subterrneos,
nas quais tive encontros totalmente inesperados. Mas, como o instinto do
pesquisador s vezes se torna mesmo irresistvel, consegui apoio do gover-
no estadual para ir at So Vicente Ferrer, cidade natal de Irineu.
L conheci o lugar vazio onde antes havia existido uma tapera de
adobe e palha, na qual, segundo os moradores locais, teria nascido Iri-
neu. Pouco depois, encontrei com um sobrinho de Irineu que conhecia
bem a histria do jovem que partiu para ganhar o mundo e voltou como
um homem feito dono do mundo, importante lder de uma comunidade.
E, finalmente, fui ao pequeno e improvisado arquivo da parquia da cida-
de, onde encontrei o livro de registro de batismos no qual me deparei com
uma informao nova. Ao invs de nascido em 1892, como difundido no
Alto Santo e por todos seus demais seguidores, constava que Irineu havia
nascido em 1890.
Esta, portanto, deveria ser uma informao importante para toda
a comunidade daimista. Trouxe, ento, a fotografia do registro onde cons-
tavam os nomes do pai e da me de Irineu, ou seja, sem margem dvida.
7
E, assim que cheguei, fui ao Alto Santo dar conta Madrinha Peregrina do
que havia encontrado. Ao que ouvi surpreso. Que Bom! Voc encontrou
um documento sobre Meu Velho. Mas, se ele disse pra ns que nasceu em
1892, ento nasceu em 1892 mesmo. Obrigada.
Desde ento a breve histria acima descrita encerra para mim o para-
digma, ou paradoxo, instalado na comunidade fundada por Mestre Irineu.
Uma comunidade formada por uma poderosa e marcada tradio oral. To
forte a ponto de, em grande medida, dispensar o valor histrico de qual-
quer documento formal e no sentir a menor necessidade de ter a histria
formal de seu fundador escrita. No por mera recusa ou dogmatismo. Ape-
nas porque, no caso da vida de Mestre Irineu, ela to metafrica quanto
existencial, to mtica quanto histrica to inerente ao cotidiano, cultura
local, e, ao mesmo tempo, ao universo do extraordinrio e do religioso
que torna qualquer outro tipo de explicao insuficiente ou dispensvel.
Esta caracterstica, entre outras, empresta qualidades especficas ao tra-
balho histrico ou antropolgico junto ao Alto Santo e outras comunidades
30
ayahuasqueiras, como passamos a chamar ultimamente. Neste sentido os
autores tiveram que trabalhar em considerao a coletividades cujas mem-
rias sociais no tm compromisso com a histria, no sentido ocidental do
termo, mas somente com a seleo de acontecimentos relevantes para a de-
finio, organizao e continuidade da comunidade religiosa. Mais um dos
relevantes temas com que corajosamente defrontaram-se os autores deste
trabalho, sem tentar desenvolver subterfgios explicativos para as latentes
contradies memria-histria.
Sem descuidar do fato de que o movimento espiritual, cultural e social
que deu origem Irineu, junto com outros homens como Daniel Mat-
tos8 e Gabriel Costa9, espalhou-se desde ento por reas da poltica, das
instituies pblicas e privadas, pelo campo artstico, simblico e esttico
integrantes do Acre do sculo XX, e, por conseguinte, tambm do nosso
prprio mundo ps-moderno.
Neste mesmo sentido, podemos sublinhar que, em certas passagens des-
te livro, seus autores se confrontam com questes relacionadas ao contexto
poltico acreano. Momentos sobre os quais a aplicao de parmetros gerais
da histria poltica brasileira ao caso do Acre e atuao de Irineu junto s
lideranas polticas locais, pode parecer extraordinariamente tentadora. Po-
rm, no Acre no existe direita, centro, esquerda; neoliberais, democratas ou
socialistas da forma como nos acostumamos a pensar em relao ao Brasil.
Por fora de seu contexto poltico diferenciado, como Territrio Fe-
deral desde 1904, os acreanos no tinham direitos polticos que os pos-
sibilitassem ter partidos e disputas eleitorais que consolidassem espectros
ideolgicos claramente definidos.
Da, por exemplo, porque a Legio Autonomista que originou o PTB
local e que teoricamente representava setores mais populares e autono-
mistas da sociedade, foi contra o projeto que transformava o Territrio
Federal em Estado Autnomo, ao final dos anos 50. Ao passo, que o PSD,
originado do antigo Partido Construtor e, portanto, pelo menos teorica-
mente, mais conservador, elitista e favorvel s polticas do governo federal,
foi quem levantou e defendeu o movimento que resultou na tardia criao
do Estado do Acre, em 1962.
Da mesma forma, no se pode transformar a amizade de Mestre Irineu
com o Cel. Fontenele de Castro e com o Governador Guiomard Santos,
31
lderes maiores do PSD acreano, que aps 1964 seria transformado na Are-
na, em um possvel apoio poltico Ditadura Militar. Esta tentativa pode
no ser mais do que uma extrapolao de inexistentes composies polticas
e sociais do contexto acreano. Ao passo que se constitui num dos temas
mais importantes do trabalho desenvolvido neste livro.
Na verdade, as relaes de Mestre Irineu com Fontenele e Guiomard
eram muito mais pessoais, corporativas e at mesmo afetivas, do que pro-
priamente polticas. O apoio poltico de Fontenele e Guiomard, com toda
a fora de representantes da elite governante, foi o que possibilitou certa
distenso de muitos dos preconceitos da sociedade acreana em geral ao uso
religioso do Daime. Da que um apoio eleitoral de Irineu a eles era tambm
natural, permanente e independente de qualquer mudana conjuntural no
longnquo Brasil.
At porque, os vinte anos de Ditadura Militar foram, aqui no Acre, em
grande medida, simplesmente continuidade do autoritarismo e do regime
de exceo at ento vigente. Aqui no Acre, a democracia ainda no havia
chegado, a no ser pelo breve perodo de 1962-64. Importante no esque-
cer, portanto, que no podemos interpretar a histria poltica do Acre no
perodo militar sob os mesmos parmetros que aplicamos para o restante
do pas. Apenas mais uma das inmeras armadilhas da esfinge acreana.
Da o desafio imenso a que se propuseram Paulo e Edward ao pre-
tender, e conseguir, reunir documentos, depoimentos e eventos significa-
tivos na trajetria deste personagem histrico to singular que foi Mes-
tre Irineu. Por que esse trabalho tem o potencial de ressignificar no s
a formao do Acre, mas de imensas reas at ento invisveis da prpria
histria brasileira.
Com estes exemplos postos, devemos voltar ento s nossas questes
iniciais para comear a concluir esta j muito longa apresentao. Afinal,
em que outro lugar do Brasil, ndios, negros, caboclos, brasileiros e estran-
geiros conseguiram interagir a ponto de dar origem a uma nova manifes-
tao religiosa, totalmente original? O advento do Santo Daime j , por
si s, um acontecimento extraordinrio. Surgiu da floresta, de uma cultura
gestada a partir do conhecimento e da vivncia na floresta e seguiu expres-
sando suas snteses mesmo quando transportada para o meio urbano sem,
em grande medida, ceder s manipulaes e foras de mercado.
32
Tanto assim que, atualmente, a produo de novos trabalhos relacio-
nados ayahuasca assumiu uma outra caracterstica. Ela perdeu a predomi-
nncia de ttulos com abordagem esotrica, mgica ou literria que tinha
nos anos setenta aos noventa. E se tornou profusamente frtil em textos e
trabalhos acadmicos, nas mais distintas reas do conhecimento. Aspectos
legais, antropolgicos, bioqumicos, teraputicos, polticos, ganharam re-
levo em contraposio quelas publicaes de circulao mais restrita e que
dizem respeito s questes doutrinrias/religiosas.
Entretanto, faltava uma base slida para boa parte dessa produo,
considerando-se que Mestre Irineu tem papel fundante em diversas de suas
novas configuraes. Este livro esta base que faltava. Por que est situa-
da em sua origem. No ponto de passagem de uma tradio indgena para
uma tradio crist. Ponto de convergncia, de mutao, de transformao,
sintetizada atravs de uma vida humana, um personagem que se tornou
catalisador de um conjunto de referncias culturais.
10
Discutimos hoje o reconhecimento, por parte do Ministrio da
Cultura, do uso da ayahuasca daime, Vegetal, Kamarpi, Huni, ou como
se queira cham-lo como expresso cultural plena e inerente ao povo bra-
sileiro. Ou seja, uma nova compreenso de que estas prticas culturais no
podem ser simplesmente rotuladas como uma questo de sade pblica,
de legislao antidrogas ou mesmo de dogmas religiosos. O uso do Dai-
me hoje, mais evidentemente do que nunca, uma problemtica histrica
e cultural em seu sentido mais amplo e profundo. E no se muda, probe ou
promove expresses culturais com decretos ou testes de laboratrio.
As muitas manifestaes culturais relacionadas ao Daime so, neste
sentido, to complexas, intrigantes, misteriosas e relevantes, que se pa-
recem com o prprio Acre, to desafiador quanto, s vezes, ameaador.
A fora que parece emanar deste pedao da floresta tem esprito prprio e
no pode ser aprisionado por parmetros rpidos ou superficiais.
Talvez por isso o Acre tenha sido ao longo de sua breve histria e,
ainda seja, terreno frtil para tantos homens e mulheres diferenciados. J
que em todos os rios acreanos se multiplicaram histrias de seres humanos
que se tornaram extraordinrios por sua espiritualidade e foram respons-
veis por inmeras curas e milagres que so atestadas pela cultura popular
acreana. Seja o So Joo do Guarani, um seringueiro que morreu debaixo
33
de maus tratos; seja a Santa Raimunda do Bom Sucesso, uma ndia Jami-
nawa; ou o Irmo Jos da Cruz, que por muitos anos percorreu os rios do
Vale do Juru pregando e curando; entre tantos outros personagens que
parecem cumprir a risca o que Euclides da Cunha escreveu sobre suas an-
danas: Quando nos vamos pelos sertes em fora, num reconhecimento
penoso, verificamos, encantados, que s podemos caminhar na terra como
11
os sonhadores e os iluminados. Quem poderia dizer que neste pedao
esquecido, desprezado, ignorado de floresta, um dia, iria surgir um lder
espiritual da estatura de Mestre Irineu. Da mesma forma que ningum po-
deria imaginar que daqui, das distantes florestas acreanas, surgiria tambm
um lder popular e mundialmente significativo como Chico Mendes. Am-
bos coincidentemente nascidos em 15 de dezembro, ainda que com meio
sculo de diferena entre eles.
O que h, enfim, de to diferente no Acre? No sei dizer. Posso adian-
tar somente que Paulo e Edward com sua importante pesquisa, agora ma-
terializada neste belo e instigante livro, do uma enorme e inequvoca con-
tribuio para qualquer um que se proponha a, ao menos tentar, desvendar
a fascinante esfinge acreana.
Por isso, durante a leitura das pginas que se seguem, lembrem-se!
Ns que vivemos nesta extraordinria regio da Amaznia Ocidental, onde
esto as nascentes de alguns dos principais formadores do rio Amazonas,
sabemos, sem nenhuma margem a dvida, que, diferente do que possa pa-
recer primeira vista, o Acre no o fim do mundo, mas sim o incio dele.
Notas
1 Ttulo de um dos livros de Euclides da Cunha que foram publicados aps sua viagem
ao Acre ocorrida em 1905. Neste caso um livro que s foi publicado postumamente em
1909.
34
2 Inteno revelada em carta escrita a Coelho Neto, em Manaus, 10 de maro de 1905.
3 Perodo entre 1870 e 1912 quando a borracha amaznica desfrutou de alto valor
no mercado internacional e se tornou o segundo produto da pauta de exportaes
brasileiras.
4 Termo adotado pelos revolucionrios brasileiros durante a Guerra do Acre, tambm
conhecida como Revoluo Acreana, 1899-1903, para se auto-designar, uma vez que
ainda no existia um povo denominado acreano.
5 O Estado Independente do Acre foi proclamado em 14 de julho de 1899 pelo espanhol
Luiz Galvez Rodrigues de Arias para forar o governo brasileiro a negociar com a Bo-
lvia a posse definitiva das terras acreanas.
6 A esse respeito ver Carvalho (1999).
7 Madrinha Peregrina Gomes Serra, ltima esposa, atual lder e Dignatria do Alto Santo.
8 Maranhense como Mestre Irineu, Daniel Pereira de Mattos foi seu amigo e com ele
se iniciou nos trabalhos com a ayahuasca. Mais tarde fundou uma capelinha que deu
origem a vrios centros religiosos de Rio Branco, comumente designados como Bar-
quinha.
9 O baiano Mestre Gabriel fundou em Porto Velho a Unio do Vegetal, uma das mais
importantes e numerosas igrejas ayahuasqueiras da atualidade.
10 O pedido de registro do uso ritual da ayahuasca foi entregue ao Ministro Gilberto Gil
em 2008, durante cerimnia ocorrida no Alto Santo e ainda se encontra em tramitao
no IPHAN.
11 Prefcio de Euclides da Cunha escrito para o livro Poemas e Canes, de Vicente de
Carvalho.
35
Uma Viso Maranhense
37
A cerimnia da qual participamos foi realizada durante toda uma noite
num belo stio, com muita vegetao, nos arredores de So Paulo. O espao
onde ocorreu o ritual era uma espcie de castelo aberto e amplo que com-
portava uma centena de pessoas separadas por alas, masculina e feminina,
com predomnio de homens, o que foi dito no ser bom pelo desequilbrio
de energias. No espao central havia uma grande mesa, coberta por toalha
branca de croch, com diversos objetos como cristais, razes, cruz de Cara-
vaca em acrlico e outros smbolos msticos. Em torno da mesa, uma dezena
de cadeiras onde se sentaram msicos e algumas pessoas. Os instrumentos
utilizados foram: dois violes, uma flauta, uma guitarra boliviana, um vio-
lino. O acompanhamento foi muito bem executado por msicos excelentes.
Numa extremidade da mesa, um dos adeptos tocava um marac enfeitado
com fitas. Em torno do espao alguns vigilantes tambm seguravam maracs
e controlavam para que os participantes no se afastassem do recinto.
Todos os devotos fardados usavam uma estrela dourada e/ou prateada
e as mulheres levavam um diadema na cabea. Cantavam hinos, davam pas-
sos esquerda e a direita, seguidos de uma meia roda. Tomamos trs vezes
a ayahuasca durante vrias horas, estando todos envolvidos no ambiente
mstico do ritual. Constatei, na oportunidade, que pude tambm realizar o
exerccio antropolgico da observao participante.
Ao regressar, de imediato lembrei o Baile de So Gonalo que gosto
e costumo assistir no Maranho. um ritual do catolicismo popular, uma
forma de pagamento de promessa, de origem portuguesa, provavelmente
trazida por aorianos e muito comum na regio dos lagos de Viana da
2
Baixada Maranhense. Os brincantes danam em filas, vestidos com roupas
parecidas s vestimentas do Daime, todos de branco usando fitas coloridas,
as mulheres com coroas ou grinaldas na cabea e os homens com chapu
de veludo bordado. O Baile de So Gonalo, ao som de instrumentos de
corda, costuma ser realizado no perodo do vero, no segundo semestre do
ano, poca em que no chove. Pessoas procedentes de Viana, So Vicente
Ferrer, Cajar, So Joo Batista e municpios vizinhos se renem e pagam
promessas com o baile de So Gonalo que frequentemente realizado em
bairros da periferia de So Lus.
O ritual do Santo Daime lembra tambm aspectos dos toques de
Tambor de Mina, religio afro-brasileira do Maranho em que cnticos
38
ou doutrinas entoados so repetidos vrias vezes pelo coro. Tem tambm
relaes com a Pajelana ou Cura, que se inclui no universo da religiosidade
popular afro-indgena maranhense. Possui elementos da Festa do Divino,
3
como comentam Labate e Pacheco.
Desde ento, temos conversado com alguns pesquisadores que estu-
dam o Daime, apontando relaes entre seus rituais e elementos da cultura
e da religiosidade popular maranhense, especialmente com a Dana de So
Gonalo e com o Tambor de Mina, tendo em vista que o fundador desta re-
ligio foi um negro natural de So Vicente Ferrer, na Baixada Maranhense.
Em artigo publicado em 2002, Labate e Pacheco afirmam que, no universo
da encantaria maranhense h diversos conceitos e termos que so utili-
zados no Santo Daime, como doutrina, cura, firmeza, a devoo Nossa
Senhora da Conceio e outras entidades, algumas com ttulos de prncipes
e princesas. Mencionam relaes do Daime com a festa do Divino Esprito
Santo, largamente difundida no ambiente de Tambor de Mina do Mara-
nho, em que um grupo de crianas representa um imprio ou reinado.
Mostram alguns versos das caixeiras da festa do Divino que tm semelhan-
as com hinos do Daime.
Analisando relaes entre o Daime o baile de So Gonalo, Labate e
Pacheco (2002) constatam que as semelhanas estilsticas [...] so notveis.
Destacam nestas relaes a presena de roupas brancas denominadas de far-
da, o uso de terno, gravata e chapus pelos homens, de saia e coroas pelas
mulheres e de fitas coloridas por ambos. Mostram semelhanas nos instru-
mentos e nos ritmos com valsas e marchas. Consideram ser provvel que,
na composio da ritualstica daimista, Mestre Irineu tenha se inspirado no
baile de So Gonalo. Lembram ainda a importncia do marac, no bumba-
-meu-boi e na pajelana maranhense, como no ritual do Daime e comentam
que estas influncias tambm esto presentes na Barquinha, outra religio
ayahuasqueira fundada pelo maranhense Mestre Daniel Pereira Mattos.
O livro Eu Venho de Longe, Mestre Irineu e Seus Companheiros, de
Paulo Moreira e Edward MacRae, apresenta grande nmero de detalhes so-
bre a histria de vida do fundador da religio do Santo Daime, Raimundo
Irineu de Matos, maranhense nascido em fins do sc. XIX em So Vicente
Ferrer, que media cerca de dois metros e com cerca de vinte anos foi para o
Acre, chegando l no fim do ciclo da borracha.
39
Embora os autores reconstituam minuciosamente a vida de Mestre
Irineu, afirmam na introduo que no pretendem apresentar a nica e
verdadeira histria deste lder carismtico, cientes de que vrias interpre-
taes podem ser dadas sobre mltiplos aspectos de cada histria de vida.
Discutem elementos da metodologia da pesquisa, da observao partici-
pante e de sua longa convivncia com as manifestaes daimistas, afir-
mando que, sem isso, o trabalho teria sido praticamente impossvel de ser
realizado. Mencionam fontes e documentos consultados, discorrem sobre
preconceitos e discriminaes contra o negro e as religies afro-indgenas,
sobretudo por parte do fundamentalismo neopentecostal hoje largamente
difundido.
O trabalho destaca as origens maranhenses do fundador e suas razes
entre escravos e indgenas na Baixada Maranhense. Apresenta detalhes e
documentos sobre sua histria e depoimentos de familiares, com ilustraes
relativas poca em que Irineu Serra viveu em sua terra natal. Elabora re-
constituio detalhada da vida do mestre entre seus familiares. Reconstitui
sua sada do Maranho em 1909, com cerca de 18 anos e a chegada ao Acre
em 1912. Todo o texto ilustrado com vrias fotos e mapas indicando
locais de sua passagem e permanncia, comentando seu trabalho na Co-
misso de Limites entre Peru e o Acre, contatos que manteve com outros
4
migrantes nordestinos , com negros e conterrneos do Maranho. Comen-
ta tambm as origens indgenas da ayahuasca e narra mitos da fundao
da religio de Mestre Irineu. Apresenta e discute relaes de Irineu com
espritas, esotricos, com militares e polticos.
Entre outros temas, o livro analisa a formao do Daime, mostrando
que nos hinos aparecem muitos nomes indgenas provavelmente decorren-
tes de contatos de Irineu com elementos da cultura Tupi, em sua terra
natal e na Amaznia. Mostra que vrias entidades invocadas no Daime so
membros de famlias reais, Magos do Oriente, ou entes da floresta, como
ocorre nas religies populares afro-amerndias e em outras manifestaes
da cultura popular no Maranho e no Norte do pas.
Menciona o uso do tabaco, de rap e de chs, como a erva cidreira,
da macaxeira insossa e os diversos trabalhos e chamados de cura realiza-
5
dos por Mestre Irineu. Refere-se presena da linha do Tucum , ao uso
dos conceitos de irradiao e encosto, comuns no Espiritismo, no Tambor
40
de Mina e hoje muito difundido pelo Pentecostalismo. Comenta a criao
peridica de novos hinos e a criao de novos moldes de fardas que mar-
caram momentos distintos da doutrina de Mestre Irineu. Anota que certos
trabalhos de mesa organizados pelo Mestre Irineu deveriam ser realizados
com nmero mpar de participantes (3, 5, 7 ou 9), o que tambm ocorre
6
em alguns rituais do tambor de Mina como banquete dos cachorros . Co-
menta o costume de usar charuto e fumaa para curar, de beber ou passar
urina para trabalhos de cura. Assinala a presena de valsas, marchas, ma-
zurca e marac. Aponta a adoo do calendrio catlico para certas festas,
o uso de velas e de rezas populares como Ave Maria, Pai Nosso, Salve Rai-
nha, Louvado seja N. S. J. C. Destaca a presena do costume de entrega
da festa. Refere-se a no utilizao da cor preta nas faixas do fardamento.
Constata-se facilmente que a maioria destas prticas comumente encon-
trada nas religies e na cultura popular amaznica e maranhense, como no
Bumba-meu-boi, no Tambor de Crioula, no Tambor de Mina, na Pajelana
e em outras religies afro-brasileiras do Norte e Nordeste.
Os autores comentam a adoo de elementos culturais ligados s re-
ligies afro-amerndias e ao catolicismo popular, ao Ciclo Esotrico Co-
munho do Pensamento e relaes do Mestre com a linha do astral, mais
prxima ao espiritismo. Verificamos que esta religio brasileira, nascida no
Norte, que hoje se difunde no pas e no exterior, como toda religio e como
toda manifestao cultural, apresenta caractersticas do sincretismo cultural
7
e religioso, o que no retira sua autenticidade como prtica religiosa , como
julgam alguns que consideram o fenmeno do sincretismo como mistura
indigesta que diminuiria a pureza da religio.
Comentam que, na procura de uma parceria intelectual, algumas vezes,
mestre Irineu frequentou e se associou ao Crculo Esotrico Comunho do
Pensamento, trouxe para o Daime princpios filosficos inspirados nesta
doutrina e incluiu nos rituais smbolos como a Cruz de Caravaca. Trouxe
tambm ensinamentos de um guru indiano e outros princpios teosficos.
Somou conhecimentos da cabala judaica, da astrologia e do budismo, in-
fluenciado pela leitura de textos esotricos. Segundo nossos autores, a pro-
cura de aproximaes com a religio catlica, com o protestantismo e com
outras tradies, demonstra a necessidade de legitimao de sua doutrina
para minimizar esteretipos decorrentes de seu fentipo de negro, para evi-
41
tar perseguies ao Daime e ao curandeirismo, relacionadas com acusaes
de feitiaria que foram atribudas ao fundador.
O livro menciona diversos incidentes de vida pessoal do mestre, que,
algumas vezes, foi temido e considerado como um negro feiticeiro, que ma-
tava crianas, que ao longo de sua vida teve diferentes esposas e ao mesmo
tempo era uma figura carismtica, de grande liderana, respeitador das leis
e respeitado pelas autoridades locais como um guia que organizava, orien-
tava e dirigia grande nmero de adeptos.
Diversas passagens mencionam a rede de relaes sociais e polticas
do Mestre no Acre, sua participao em apoio a candidatos a cargos ele-
tivos e os benefcios destes contatos para seu grupo religioso. Comentam
que Mestre Irineu sempre foi um homem que estava ao lado do Governo
e, por isso, muitos polticos iam pedir o seu apoio. Desenvolveu laos de
amizade com governadores e deputados do Territrio e depois do Estado
do Acre, que frequentavam sua casa e tomavam Daime para tratamento de
sade. Mostram sua proximidade com a cpula do governo local, dizendo
que foi cortejado por polticos em busca de votos. Afirmam que o mestre
nunca teve vocao para a oposio. Sempre foi homem da lei. Mante-
ve boas relaes com os governos militares e foi considerado como lder
espiritual e conselheiro poltico, uma vez que reunia muita gente e tinha
grande liderana. Pretendendo salvaguardar seu grupo, possivelmente tra-
balhava por uma acomodao com o poder poltico. Lembram tambm
que um lder do Daime, amigo do mestre, foi torturado pelos militares
por ser de esquerda. Informam que atualmente o pessoal do Daime man-
tm grande proximidade com partidos de esquerda no Acre. Verifica-se
por estas informaes que Mestre Irineu foi de fato um lder religioso
carismtico com grande capacidade de influenciar pessoas. Lembro que
grandes lderes religiosos populares como Me Menininha do Gantois, do
candombl da Bahia, Me Andresa Maria e Dona Celeste Santos na Casa
das Minas do Maranho e vrios outros tiveram caractersticas similares,
de somar foras e reunir pessoas. O Mestre desenvolveu um novo sistema
religioso original, procedente de mltiplas origens, que soube sintetizar
com maestria. Sua doutrina tem elementos do catolicismo, da umbanda,
da medicina popular, das religies amerndias e revela conhecimentos de
inspirao sobrenatural.
42
O trabalho mostra a consolidao do Daime aps o retorno de Mestre
Irineu de viagem que fez ao Maranho em meados dos anos de 1950, mencio-
nando a adoo de diversas alteraes nos rituais e no fardamento dos devotos.
Comenta a aproximao, sobretudo a partir da, das fardas usadas nos rituais
do Daime com as vestes do baile de So Gonalo maranhense. O livro mostra
fotos e menciona a proximidade de Irineu Serra com seu primo Mestre Elpi-
dio, exmio tocador de tambor de crioula de So Lus e com o maranhense
de Vargem Grande, Daniel Mattos, que mais tarde foi o fundador do ritual
ahyuasqueiro da Barquinha, que possui semelhanas com a linha da umbanda.
Narra, com descrio detalhada, as maneiras de confeccionar o Daime,
mostrando que as plantas devem ser colhidas na lua nova, afirmando que,
quando bem preparada, a bebida chega a durar 30 anos fora da geladeira.
Moreira e MacRae comentam ainda diversos problemas que Irineu Serra
enfrentou no fim da vida, como polmicas, tenses e rivalidades entre os
seguidores, que ameaavam o poder que sempre tivera e que se refletia no
8
ttulo de Mestre Imprio ou Imperador .
Sua morte, em 06 de Julho de 1971, com mais de 80 anos, provocou
grande consternao, deixando viva sua esposa dona Peregrina, ento com
33 anos. O velrio foi muito concorrido e ele foi sepultado como grande
lder, como um chefe militar, ou uma autoridade poltica. So apresentadas
fotos do velrio e do caixo coberto com a bandeira nacional.
O trabalho contm ainda uma dezena de pginas de referncias biblio-
grficas e vrios apndices e anexos. Possui grande nmero de notas, fotos,
mapas, documentos escritos, letras e msica de hinos e doutrinas. Inclui r-
vores genealgicas e esquemas de parentescos de Mestre Irineu e de alguns
de seus colaboradores mais prximos. Expe tambm croqui com grfico
da arrumao de um salo de reunies do Daime.
O livro apresenta muitos detalhes e informaes sobre circunstncias
em que os hinos foram recebidos. Mostra aspectos da identidade de Mestre
Irineu, um negro maranhense que saiu do interior com cerca de 20 anos e
foi para a Amaznia, levando consigo elementos da personalidade negra e
cabocla, amaznica e nordestina e, sobretudo maranhense como podemos
ver ao longo de todo o trabalho e em muitas passagens de sua vida.
De acordo com Motta, na Regio da Baixada Maranhense onde nas-
9
ceu Mestre Irineu, a Pajelana de negro encontra-se amplamente difundida.
43
Nela encontramos crenas em seres encantados que so prncipes, prince-
sas, ndios, caboclos etc. Na orelha do livro de Christiane Motta (2009),
Mundicarmo Ferretti afirma que, na pajelana maranhense (prticas da
medicina popular da Amaznia), no se pode separar terapia da religio.
A pajelana surgiu do encontro de culturas nesta regio com a juno de
crenas, prticas e rituais do catolicismo europeu, das crenas dos amern-
dios e dos ritos dos afro-descendentes. A religio do Santo Daime fundada
pelo Maranhense Mestre Irineu tem muito de sua terra natal.
Bastante longo e minucioso, o livro, em algumas passagens, talvez pe-
que pelo excesso, quase barroco de detalhes e informaes, mas sua leitura
fcil e agradvel. um trabalho de flego e de grande interesse justamente
pelo estudo minucioso, como uma filigrana sobre a histria de vida de um
negro nascido no interior do Maranho poucos anos aps a abolio da
escravatura e que fundou uma religio. Como outros nordestinos, aos 20
anos chegou Amaznia no fim do ciclo da borracha. Enfrentou problemas
no novo ambiente, estabeleceu-se no Acre desde antes da Primeira Guerra
Mundial. Diante das dificuldades de vida, procurou e encontrou junto aos
nativos uma combinao de plantas mgicas, que, com a ajuda de encan-
tados e entidades sobrenaturais lhe ensinaram a organizar os fundamentos
de uma nova religio de cura de males materiais e de orientao espiritual.
A combinao de conhecimentos de plantas da regio amaznica, preserva-
dos pelos indgenas e adaptados por Mestre Irineu, com os ensinamentos
conseguidos junto a seus protetores espirituais, fez com que ele, com seus
companheiros, organizassem uma nova religio brasileira, surgida entre se-
ringueiros da Amaznia, que hoje se difunde em toda parte. Os rituais desta
religio se inspiram na religiosidade e na cultura popular de sua terra e da
Amaznia. Esta religio veio trazer alento e cura aos caboclos dos seringais
do Acre, ampliou-se pelo pas, pelo exterior, entre diferentes classes sociais
e se apresenta a novos devotos nas grandes cidades, ansiosos por uma f que
traga mais coragem para enfrentar as dificuldades atuais da vida urbana, na
busca de um retorno natureza e a um mundo mais simples.
44
Notas
1 Sobre o uso da ayahuasca na Unio do Vegetal em So Lus ver: SOUZA, Valdir Maria-
no. Ayahuasca, identificando sentidos: o uso ritual da bebida na Unio do Vegetal. 2010.
180 p. Dissertao (Mestrado) Programa de Ps-graduao em Cincias Sociais, Uni-
versidade Federal do Maranho, 2010.
2 Sobre o Baile de So Gonalo em So Lus e em So Vicente Ferrer, ver Pereira (2008).
3 LABATE, Beatriz C.; PACHECO, Gustavo. Matrizes Maranhenses do Santo Daime.
In: LABATE, B. C.; ARAUJO, W. S. (Org.). O uso ritual da Ayahuasca. Campinas:
Mercado de Letras; FAPESP, 2002. p. 303-344.
4 Ver: PANTOJA, Mariana Civatta. Os Milton: cem anos de histria nos seringais. Com
ps-escrito sobre os Kuntanawa. Rio Branco, AC: [s.n.], 2008.
5 No Tambor de Mina do Maranho a linha do tucum tambm aparece nos rituais de-
nominados de Tambor de ndio. A respeito, ver: FERRETTI, Mundicarmo M. R.
A representao do ndio em Terreiros de So Lus. Pesquisa em Foco, So Lus: UEMA,
v. 6, n. 8, p. 47-57, 1998.
6 Sobre o banquete dos cachorros na Casa das Minas. Confira FERRETTI, Srgio. Repen-
sando o Sincretismo. So Paulo: Edusp, 1996.
7 Sobre Sincretismo ver Ferretti (1996).
8 Titulo que remete figura do Imprio do Divino, elemento essencial da Festa do Divino
Esprito Santo que est presente praticamente em todos os terreiros de Tambor de Mina
do Maranho. (FERRETTI, 1996)
9 MOTTA, Christiane. Pajs, curadores e encantados: pajelana na Baixada Maranhense. So
Lus: Edufma, 2009.
45
Introduo
47
Alm disso, devemos lembrar que o mesmo ocorre com os autores dos
diversos relatos, que tambm tiveram que escolher o que contar e como,
levando em conta, no s a quem faziam as revelaes, mas tambm os
longos anos e tudo o que sucedeu a partir dos fatos narrados. Esse passado,
nem sempre muito recente, inevitavelmente os leva a avaliar hoje os fatos
narrados de forma diferente daquela de quando ocorreram. Assim, o que
poderia parecer uma atitude positiva no passado, hoje j pode ser avaliado
de maneira mais crtica. O que poderia ser motivo de orgulho no passado,
hoje talvez seja melhor esquecer. Ou vice-versa.
Adicionalmente, devemos lembrar que quem conta uma histria ine-
vitavelmente tem um propsito. Seu relato deve ter incio, meio e fim para
fazer sentido e merecer ser contado. Deve, se possvel, tambm haver uma
moral da histria. Assim, sem nem o perceber, quem faz um relato tam-
bm faz uma reorganizao dos elementos, buscando impor uma ordem
e um sentido que, em ltima instncia, so reflexos de sua prpria viso
de mundo. Alm disso, com o passar do tempo, a lembrana tende a se
esvair naturalmente, ocorrem os chamados vazios mnemnicos e os in-
divduos, e at os grupos, so frequentemente levados a preencher os espa-
os deixados na memria pelo esquecimento, com material inventado ou
emprestado de outro lugar, que eles passam a confundir com lembranas
genunas. Temos bastante clareza a respeito da natureza, at certo ponto
inconsciente, desse processo, o que, para ns, isenta os narradores de qual-
quer suspeita de mentira proposital.
Outra fonte de conhecimento que nos foi muito importante foi o
que os antroplogos chamam de observao participante: a nossa lon-
ga convivncia com diferentes manifestaes daimistas, que nos ajudaram
a avaliar, tanto a representatividade dos informantes, quanto a relevncia
de diferentes temas levantados nas discusses. Nossas experincias, par-
ticipando da vida e dos rituais de comunidades daimistas sem deixar de
tomar muito daime foram essenciais para compreendermos a importncia
que essa prtica tem para a viso de mundo apresentada por Mestre Irineu
em sua doutrina e organizao comunitria.
Para lidar com a fluidez das memrias de nossos informantes, recor-
remos tambm a pesquisas documentais e bibliogrficas, buscando cote-
jar informaes que nos eram oferecidas pelas lembranas com aquilo que
48
poderia ser apurado a partir de documentos oficiais e relatos da imprensa.
Isso no deve ser confundido com uma simples verificao, em que o
documento seria tomado como sendo mais confivel e verdico do que a
memria. provvel que tenhamos feito mais frequentemente o contr-
rio. Assim, colocamos em questo diversos documentos oficiais como, por
exemplo, a data do nascimento de Mestre Irineu, registrada no seu docu-
mento de bito, ou certas datas de falecimento inscritas em lpides de ce-
mitrio. Talvez o maior uso que tenhamos feito dessa pesquisa documental
e bibliogrfica tenha sido para nos embasarmos em termos da histria mais
geral, tanto do que ocorria no Brasil como um todo, quanto no que era
especialmente pertinente ao Acre.
De igual relevncia foi a contribuio de todos os pesquisadores, aca-
dmicos ou no, que nos antecederam e nos legaram consideraes e es-
clarecimentos sobre nosso tema e (de importncia crucial!) entrevistas de
grande riqueza com personagens centrais histria que hoje j so faleci-
dos. Assim agradecemos muitssimo a Jair Facundes, pelo acesso s entre-
vistas gravadas com descendentes de antigos frequentadores do Crculo
de Regenerao e F (CRF), polticos amigos de Mestre Irineu e os filhos
destes, que atualmente so polticos cuja importncia extrapola os limites
acreanos e adquire dimenso nacional. Foi Jair Facundes que tambm me-
diou as nossas entrevistas mais difceis em campo. Sem sua ajuda, nosso en-
tendimento da vida e obra de Mestre Irineu teria sido muito mais limitado.
Estamos, da mesma forma, agradecidos pelos dilogos com o seu pai, Joo
Rodrigues.
Outras fontes que pudemos consultar e que, em alguns casos, repro-
duzimos aqui foram entrevistas e outros relatos colhidos por Clodomir
Monteiro da Silva, Antnio Macedo (vdeo documentarista), Arneide
Bandeira Cemin, Fernando de La Roque Couto, Sandra Goulart, Beatriz
Labate, Gustavo Pacheco, Vera Fres, Francisco Cal Ovejero, Eduardo
Bayer Neto, Saturnino Brito do Nascimento, Jairo Carioca, Luiz Carlos
Teixeira de Freitas, Florestan J. Maia Neto, e, da Revista do Centenrio,
Ana Ruttimam, Laura Van Erven e Rolando Monteiro. Agradecemos
a todos eles por suas pesquisas, reflexes e publicaes que ajudam a com-
por o campo de estudos que se estrutura atualmente em torno da vida
e obra de Mestre Irineu.
49
Tambm foi muito importante o acesso a documentos possibilitado
por diferentes rgos dos Governos Estadual e Municipal do Acre que vm
mantendo registros de diferentes naturezas e de grande valia para o traba-
lho de reconstituio histrica do passado acreano: o Patrimnio Histrico
do Acre, o Instituto de Terras do Acre (ITERACRE), o Instituto Nacional
de Colonizao e Reforma Agrria (INCRA), a Fundao Elias Mansour, a
Fundao Garibaldi Brasil, o Frum de Rio Branco e o Frum de Brasileia.
Finalmente no podemos deixar de ser extremamente gratos aos nossos
entrevistados que compartilharam conosco suas lembranas de juventude.
Entre eles destacamos Daniel Serra, Paulo Serra, Lourdes Carioca, Adlia
Granjeiro, Luis Mendes, Z Dantas. Embora no tenhamos podido entre-
vistar a saudosa Perclia Ribeiro, fizemos amplo uso dos inmeros depoi-
mentos que deixou, fundamentais para o nosso trabalho.
Ao publicarmos as letras de diversos hinos do repertrio do Daime,
consideramos ser essencial acompanh-las das partituras de suas respectivas
melodias, uma vez que acreditamos que elas s podem ser adequadamente
avaliadas quando executadas; de preferncia, no contexto de um ritual da
doutrina. Levando em conta as grandes variaes, registradas nas perfor-
mances executadas nas diferentes casas e tradies daimistas, foi necessrio
realizar um estudo comparativo das diferentes interpretaes musicais de
hinrios oficiais conforme registrado em gravaes feitas em rituais dos
centros: Centro Rainha Floresta, Centro de Iluminao Crist Luz Univer-
sal Juramidam, Centro Livre Caminho do Sol e Alto Santo, consideradas
por muitos como as mais fiis tradio deixada por Mestre Irineu.
Queremos deixar claro que a anlise musical aqui empregada no pre-
tende apresentar uma nica e verdadeira verso musical dos hinos do Dai-
me. Acreditamos que empreitadas com essa inteno no tem fundamento,
pois qualquer execuo de hinos inevitavelmente uma interpretao de
quem a faz, uma performance marcada pelas especificidades do momento
em que ocorre, incluindo-se a a evoluo tcnica alcanada pelo msico.
Tambm temos conscincia que nossos conceitos e expectativas pessoais
no deixam de influenciar a nossa prpria anlise dos hinos. Assim, neste
livro, optamos por compilar e comparar vrias verses de hinos datadas no
tempo e locadas em espaos distintos, selecionando a verso final baseada
na congruncia de interpretaes meldicas.
50
O que poderia ser considerado como falta de pureza na nossa pro-
posta j fica evidente no uso que fizemos das gravaes nossa disposio,
uma vez que no deixamos de selecionar certos registros para receberem
uma ateno mais destacada. Embora tenhamos utilizado para isso critrios
de representatividade e coerncia meldica que nos pareciam ser os mais
apropriados, esse processo no deixa de refletir, mesmo que indiretamente,
nossas avaliaes e at preconceitos. Estamos cientes de que, sem nem o
perceber, quem faz uma anlise musical tambm faz uma reorganizao dos
elementos, impondo uma ordem e um sentido que, em ltima instncia,
so reflexos de sua percepo meldica pessoal. importante lembrar que,
neste caso, estamos diante de uma cultura musical viva e dinmica, baseada
na memria, que difere de culturas musicais clssicas, nas quais predomina
a escrita musical, capaz de cristalizar de maneira mais definitiva e universal
as verses consideradas mais fiis ou corretas. Assim como nos casos dos
depoimentos orais, temos conscincia de que o passar do tempo tambm
afeta a memria musical dos intrpretes dos hinos de vrias maneiras e que
suas performances vo se modificando no decorrer dos anos.
Levando em conta que os registros aqui publicados podem tambm vir
a servir de orientao para a execuo desses hinos onde a memria musical
daimista falha ou inexistente, e mantendo-nos dentro da tradio do canto
unssono vigentes nos centros e igrejas do Daime, procuramos partiturar
os hinos usando tons musicais que no ultrapassassem a nota r de dentro
do pentagrama da clave de sol, para garantir assim um melhor alcance vo-
cal. Sabe-se que, de forma geral, um nmero reduzido de pessoas consegue
atingir notas mais agudas. Portanto, achamos importante tomar o cuidado
de publicar partituras que fossem fceis de cantar. Outro aspecto essencial
em nosso estudo foi que s registramos as melodias, pois, acreditamos que
a estrutura meldica dos hinos a que menos diverge nas verses analisadas.
Da mesma forma, entendemos que a estrutura rtmica no Daime
tem pouca variabilidade de execuo entre as sedes do Alto Santo, mas,
ao mesmo tempo, esta demonstra um padro identitrio bastante pecu-
liar na expresso musical da cultura. Assim, reservamos uma parte neste
livro exclusivamente direcionado a anlise do ritmo (ver Anexo N). J a
sua estrutura harmnica, pelo prprio fundamento da arte musical, suscita
maior variedade de possibilidades, assim preferimos deix-la a critrio das
51
preferncias dos leitores msicos. Alm disso, entendemos que no ob-
jetivo do nosso livro aprofundar um debate musical sobre os hinos, mas
apenas registr-los sem maiores complexidades. De outra forma, o livro
exigiria um conhecimento mais aprofundado dos leitores em msica, limi-
tando o seu alcance.
Acreditamos que seja necessrio deixar claro o ponto de vista de onde
falamos. Apesar da pesquisa de campo ter sido em sua grande parte realiza-
da no Acre, com breves passagens pelo Maranho, So Paulo e Rondnia,
a elaborao do texto final ocorreu no contexto universitrio baiano, na
Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas da UFBa. L, refletindo pre-
ocupaes que atualmente agitam a sociedade baiana, so frequentes as
discusses sobre a composio tnica da sociedade brasileira e a maneira
como valores originrios da Europa e Amrica do Norte assumem posies
de destaque, enquanto nossa rica herana indgena e africana relegada
a uma condio subalterna, frequentemente ignorada e at negada.
O grande motor dessas discusses a insatisfao com a desigualdade
social e a maneira como aqueles que mais visivelmente carregam os fenti-
pos associados ascendncia africana e indgena enfrentam maiores dificul-
dades em sua luta pela sobrevivncia e ascenso socioeconmica, sofrendo
claras discriminaes, especialmente nas esferas da educao e do trabalho.
A estigmatizao sofrida na esfera pblica se reflete na sade psquica dos
indivduos, que muitas vezes acabam por internalizar os preconceitos vi-
gentes na sociedade e passam a sofrer de sentimentos de inferioridade e
inadequao. Em ateno a esse problema, ocorre atualmente na Bahia
uma forte mobilizao social que visa resgatar a importncia do legado cul-
tural africano e indgena, dotando-o de maior visibilidade e prestgio. Para
tanto, formam-se agremiaes de diversos tipos que buscam no s dotar
de valor positivo a aparncia pessoal e os elementos culturais claramente
de origem afro-indgena, como incentivar aqueles indivduos que, em suas
vidas pessoais, tm apagado ou camuflado essa condio, a se proclamarem
publicamente como negros ou ndios.
Outro importante elemento nesse esforo a mobilizao contra as
discriminaes e vilipndios sofridos pelos cultos de matriz afro-indge-
na da parte de grupos que se proclamam cristos, em sua grande maio-
ria protestantes neopentecostais, mas ocasionalmente tambm catlicos.
52
De forma bastante bizarra em seu anacronismo, esses grupos insultam
e at agridem fisicamente os praticantes de outras modalidades religiosas,
alegando que seus rituais de transe seriam de natureza satnica. As entida-
des espirituais de origem africana e indgena so desqualificadas e tratadas
desrespeitosamente como encostos.
Em reao a esse estado de coisas, a sociedade baiana vem sendo palco
de vigorosas mobilizaes poltico-sociais e a comunidade universitria tem
procurado fazer a sua parte, direcionando vrios de seus projetos de forma-
o e pesquisa para a questo das relaes raciais. Uma consequncia disso
uma crescente racializao do debate social, que em certas ocasies parece
at dar mais destaque a questes de cunho cultural e tnico do que aquelas
de natureza socioeconmica. Tambm h uma tendncia a reificar as ml-
tiplas categorias raciais vigentes na sociedade, diminuindo seus aspectos
subjetivos e de autoidentificao em favor de categorizaes que s vezes
se apresentam como sendo mais objetivas por assentar suas bases de classi-
ficao em categorias mais simplistas de brancos e negros, juntando-se
nesta ltima todos os de cor de pele preta e parda. Atualmente na Bahia
a questo se apresenta como polmica e de forte carga emocional.
A partir desse contexto sociopoltico, desenvolvemos o costume de
submeter as questes sociais a uma anlise das relaes raciais implicadas
e, no caso atual, no fugimos da regra. Assim, demo-nos conta de que,
apesar de grande parte dos daimistas que conhecemos em diversas regies
do Brasil serem brancos de classe mdia, os seguidores das vertentes mais
ortodoxas do Daime em Rio Branco apresentam caractersticas sociais di-
ferentes. Estes, remanescentes dos antigos companheiros de Mestre Irineu
ou seus descendentes, so provenientes das classes populares, embora, mui-
tas vezes, estejam atualmente em plena ascenso social, e, quanto cor de
sua pele, seriam mais bem classificados como pardos, vaga categoria da
estatstica censitria, pouco empregada na linguagem popular do dia-a-dia,
mas que serve para englobar uma ampla gama dos brasileiros de descen-
dncia visivelmente mestia, afro-ndio-europeia e potencialmente sujeitos
a estigmatizaes, em maior ou menor grau, devido a isso.
Temos plena conscincia de que o sistema de relaes raciais vigente
em uma determinada localidade deve sempre ser entendido no seu prprio
contexto histrico e social, recomendando-se evitar transposies mecnicas
53
de categorias de uma regio ou poca para outra. Sabemos tambm das
importantes diferenas entre os processos de colonizao da Bahia e do
Acre. O primeiro, marcado pelo sistema de agricultura baseada na mo-
-de-obra escrava, em sua maioria de origem africana, engendrou uma
sociedade claramente dividida entre uma minoria de senhores brancos e
uma maioria despossuda, formada por escravos e homens livres, negros
e mestios.
Nessa sociedade senhorial, na qual no deixavam de estar presentes
a sofisticao urbana e o fausto dos mais ricos, os espaos de vivncia
e atuao social desses dois grupos sociais eram nitidamente separados.
Embora houvesse uma considervel proporo de negros livres, caracte-
rsticas fsicas denotando ascendncia africana eram geralmente associadas
ao cativeiro e servido. Atualmente, apesar das considerveis mudanas
sociais que vm ocorrendo no sentido de um real aumento da democracia,
assim como da recente revalorizao dos traos culturais africanos, ainda
persistem situaes de discriminao racial. Estas, interagindo com outros
aspectos do sistema econmico vigente no Brasil, promotor de concentra-
o de renda e excluso social de grandes parcelas da populao, continu-
am produzindo situaes vexatrias para os indivduos e para a sociedade
como um todo.
J no Acre, encontramos outra histria, igualmente opressora e pro-
dutora de sofrimento, mas diferente. Aqui a colonizao foi mais recente
e fundamentada no sistema seringalista, com uma populao ribeirinha e
dispersa pela floresta, formada em sua maioria por migrantes nordestinos
vivendo em isolamento e grande pobreza. O regime de trabalho, ainda que
formalmente livre, levava o seringueiro a incorrer em dvidas com o dono
do seringal, a partir das quais entrava em relaes anlogas escravido.
Mas a sociedade que se formava no tinha caractersticas urbanas e as pri-
meiras cidades acreanas, inicialmente pouco mais que vilarejos, somente
surgiram em finais do sculo XIX. Os donos dos seringais mais ricos ge-
ralmente residiam com suas famlias em regies distantes, como Manaus,
deixando suas terras no Acre sob o domnio de prepostos locais, provenien-
tes da mesma mistura tnica que os seringueiros. Esta era constituda por
ndios, migrantes vindos de regies do Nordeste de grande mestiagem,
negros, muitas vezes do Maranho, comerciantes de origem srio-libanesa
54
e alguns outros poucos aventureiros brancos, vindos de outras regies do
pas ou do estrangeiro. Como o contingente populacional de migrantes
era predominantemente formado por homens, estes acabavam por tomar,
como parceiras, mulheres indgenas, aumentando ainda mais as caracters-
ticas mestias da populao acreana.
Assim, a sociedade acreana resultante seria muito mais pobre e menos
sofisticada, mas com menos possibilidade de segregao baseada em crit-
rios de classe ou raa, j que quase todos eram pobres: mestios, ndios ou
negros, vivendo em condies bastante parecidas. Provavelmente, isso se
refletiria numa menor percepo de diferenas baseadas em critrios raciais,
embora os estigmas associados a fentipos negros mais pronunciados no
fossem de todo ausentes. Esta situao s viria a sofrer maiores mudanas j
na dcada de 1970, com o mpeto do governo militar de integrar a Amaz-
nia e a implantao de um sistema de agropecuria que trouxe novas levas
de fazendeiros e trabalhadores rurais brancos provenientes de regies do sul
do Brasil. A partir desse momento, o desenvolvimento da regio passa a se-
guir uma lgica similar do resto do pas, reproduzindo-se no Acre os pro-
cessos socioculturais que ocorriam mais geralmente, inclusive no mbito das
relaes raciais. Dessa forma, atualmente encontra-se em desenvolvimento
na regio um movimento visando conscientizao da populao negra
local e, significativamente, uma de suas primeiras proposies a de chamar
1
a ateno para a prpria existncia de uma populao negra na regio.
De toda maneira, mesmo tendo em mente as diferenas entre as con-
figuraes sociais das duas regies, algumas similaridades no podiam dei-
xar de ser percebidas. Das mais pertinentes para o nosso tema, a histria
comum de estigmatizao e at perseguio policial sofridas pelos cultos
de matrizes africanas e indgenas tanto na Bahia quanto no Acre. Assim,
j em 2000, colocvamos em questo a alegada natureza satnica dos
primeiros rituais ayahuasqueiros dos quais Irineu Serra teria participado no
Peru sob a orientao de um xam indgena ou mestio. (MACRAE, 2000,
p. 15) Tambm temos chamado ateno, em comunicaes pessoais e apre-
sentaes pblicas, para o fato de a grande maioria daqueles retratados em
antigas fotografias de Mestre Irineu e seus seguidores serem negros, algo
que raramente mencionado em relatos de antigos daimistas, nos quais
somente o lder explicitamente apresentado como sendo negro.
55
Este ponto cego comea, porm, a ser reparado. Em recente publi-
cao oficial voltada para o resgate da importncia da influncia negra na
formao do Acre, Mestre Irineu e Mestre Daniel Pereira de Matos foram
destacados por terem criado religies tipicamente acreanas e de configu-
rao amaznica, incorporando elementos religiosos de matriz africana.
(NRCNIRCN, 2007, p. 14)
Alm disso, no se pode negar que no processo histrico, bastante
recente, de formao de uma identidade regional acreana, Mestre Irineu e
2
sua comunidade do Daime desempenharam papis de considervel impor-
tncia, ao proporcionarem s levas de ex-seringueiros, expulsos da floresta
por ocasio de derrocadas da economia da borracha, grupos associativos
religiosos capazes de ajud-los a se integrarem, tanto materialmente quan-
3
to em termos ideolgicos, no seu novo contexto urbano. A importncia
de Raimundo Irineu Serra atualmente reconhecida em Rio Branco pela
atribuio de seu nome a logradouros pblicos, a uma rea de Proteo
Ambiental, um bairro e a uma linha de nibus.
Procuramos continuar atentos aos perigos de se fazer releituras de
pocas passadas usando, de forma automtica, categorias de nossa contem-
poraneidade. Assim, nos foi apontado que, mesmo nos tempos atuais, para
alguns de seus seguidores no Acre, a ideia de Mestre Irineu como um lder
que militava em prol de posies polticas, tal como a defesa de tradies
culturais negras, parece um tanto forado e no comprovada. Tal opinio,
nos foi apresentada por Jair Facundes, estudioso e profundo conhecedor
da comunidade do Daime de Rio Branco, da qual tem participado desde a
sua infncia. Para sermos coerentes com a nossa postura inicial, de abertura
para a diversidade de posicionamentos que encontramos no campo, s nos
resta registr-la. Acreditamos que esta colocao seja, em parte, um reflexo
da maneira como no se d muita ateno atualmente para distines ba-
seadas em cor de pele entre a populao acreana, devido sua constituio
predominantemente mestia e ao fato de, nessa regio, as relaes raciais
tenderem a se apresentar de forma relativamente menos polarizada que em
outras partes do pas. Igualmente refletiria o baixo impacto que o golpe
militar teve na sociedade acreana em 1964, acarretando, inicialmente, em
pouco mais do que reacomodaes no costumeiro jogo de mudanas de
poder entre as elites tradicionais da regio. J para Facundes:
56
[...] Mestre Irineu era negro e sofreu bvio preconceito. Mas no tinha
um discurso de libertao do negro ou de afirmao da cultura negra.
As declaraes que nos chegaram indicam que ele no se via como
negro, pois referia muito "ao velho Maranho", mas no destacava
O aspecto negro. Por certo possvel se interpretar tambm, tanto
quanto eu estou interpretando que ele no tinha um discurso negro,
de afirmao ou libertao, que ele TINHA um discurso de liberta-
o; afinal, so interpretaes. Ocorre que toda interpretao deve se
lastrear em fatos e estes no se mostram aptos a sustentar que Mestre
Irineu conscientemente ou inconscientemente lutava contra a situao
de excluso sofrida pelos negros no pas. E aqui um detalhe impor-
tante: sua comunidade era formada por pessoas que iam do genrico
e indefinvel pardo a brancos e negros.
Em suma: Mestre Irineu no se insurgiu contra o regime militar, como
tambm no se insurgiu contra a explorao desumana que ele prprio
sofreu nos seringais; bem assim como no questionou a condio de
negro na sociedade da poca, nem da mulher submetida a condio
inferior; ou s prticas ambientais no recomendveis. Mas nisso no
h novidade: vrios lderes religiosos ou doutrinrios no se insurgiram
contra injustias aberrantes de sua poca: Gandhi no se insurgiu contra
o regime de castas da ndia, nem Buda; Cristo no se insurgiu contra
o domnio e opresso romana ou contra a situao de inferioridade da
mulher na sociedade judaica. Isto ler o passado com as referncias
polticas e filosficas de nosso tempo. E parece-me um erro. A Igreja
Catlica impulsionada pela teologia da libertao que viu um Cristo
4
socialista e revolucionrio, em releitura da Bblia [...]. (Jair Facundes)
57
atendimento mdico, havendo somente a alternativa de remdios caseiros,
nem sempre muito eficazes. Em momentos de maior aflio, s restava o
recurso a rezadores e pajelana indgena ou mestia.
Atuando como curador e influente lder comunitrio, Mestre Irineu
desenvolveu ao longo de sua carreira uma forte aura carismtica. Era con-
cebido por seus seguidores como detentor de poderes milagrosos de cura e
se destacava como o homem das situaes de crise, quando a ordem parecia
romper-se ou o futuro parecia incerto; sendo capaz de produzir um discur-
so proftico em que eles podiam se reconhecer, quando os representantes
5
da ordem instituda no tinham nada a dizer.
Dessa forma, a partir do seu prestgio social, Mestre Irineu teria im-
plementado um poder simblico capaz de construir uma nova realidade
social, na qual formas de percepo e ao seriam inscritas nas mentes e nos
corpos dos seus seguidores de maneira permanente, instaurando entre eles
6
novas formas de ver e agir no mundo. A legitimidade de seu carisma era
reforada ritualmente pela execuo de seus hinos que apresentavam seus
poderes extraordinrios como tendo sido conferidos a ele pela prpria Me
Divina. De certa forma, poderamos dizer ento que Mestre Irineu instau-
rou uma cultura do uso da ayahuasca, mas esta, como qualquer ordem de
classificao, estaria sujeita a constantes reavaliaes de seus sentidos origi-
7
nais. Como veremos a seguir, tal reavaliao constante pode ser observada
ocorrendo no Daime, como uma dinmica intensa, resultante da disposi-
o de Mestre Irineu de aperfeioar sua criao religiosa em intercmbio
permanente com seu contexto pessoal, social e poltico, mas sem deixar de
8
preservar certos princpios bsicos, norteadores da religio.
De importncia central aqui seriam as regras que desenvolveu para
a produo e uso religioso do daime, estabelecendo padres para a inter-
pretao das experincias produzidas sob a influncia da bebida dentro de
um quadro religioso que abarcava uma ordem de valores, regras de condu-
ta e rituais, de grande importncia em estruturar a vida dos seus adeptos.
Estes elementos so hoje reconhecidos oficialmente como promovendo
9
uma reduo de danos e riscos, possibilitando, assim, usos da bebida que
so considerados individual e socialmente sadios e construtivos, a despeito
dela conter o psicoativo dimetiltriptamina ou DMT, geralmente considera-
10
da uma droga de abuso.
58
Tericos do carisma apontam s vezes para certos aspectos conserva-
11
dores da atuao daqueles que detm esse tipo de poder , por consagrarem
no campo religioso a ordem sociopoltica vigente. No caso de Mestre Irineu,
veremos como, ao longo do desenvolvimento de sua doutrina, ele paulatina-
mente foi descartando ou dando menor nfase aos traos de origem indgena
que at ento caracterizavam o uso tradicional da ayahuasca ou huasca, tais
como o uso de chamados e do tabaco, assim como a invocao de seres
claramente externos ao panteo catlico, como Currupipiragu ou Papai Pax.
Igualmente repeliu energicamente os antigos usos agressivos da ayahuasca,
como o exerccio da feitiaria para os mais variados fins. Em seu lugar, adotou
o canto de hinos, e outras prticas mais prximas das tradies crists. Efetuou,
assim, uma importante atualizao dos cdigos ayahuasqueiros, at ento
somente compreensveis para determinados grupos tnicos, tornando-os mais
compatveis com o processo que vinha ocorrendo no Acre de implantao de
uma cultura verdadeiramente nacional brasileira, mas que no deixava de apre-
sentar as marcas da hegemonia crist/ocidental imperantes no Pas.
Alm disso, salta vista a sua apropriao dos smbolos de ordem e
civismo correntes no seu tempo. Assim encontramos no Daime diversos
elementos da organizao militar, desde a adoo de fardas distribuio
de patentes inspiradas na hierarquia das casernas; a utilizao de emblemas
cvicos, como a bandeira, mas acima de tudo sua proximidade a lideranas
polticas tidas por conservadoras, em especial a sua adeso ao regime im-
posto pelo golpe militar de 1964.
Sabemos que Mestre Irineu, apesar das perseguies (incluindo at
um episdio de priso) que sofria, costumava adotar uma postura concilia-
tria em relao ao governo. Acreditamos que era como estratgia poltica
de sobrevivncia para sua religio que, em sua posio de grande vulne-
rabilidade social, escolhia adotar sempre atitudes conciliadoras ou legalis-
tas de apoio ordem constituda, mas sem maiores aprofundamentos em
discusses de ideologia partidria. Aps a implantao da ditadura militar,
tomou uma posio de neutralidade, no se comprometendo com os des-
mandos ou violncias cometidas pelo novo regime. Manteve, dessa forma,
o beneplcito de aliados militares e polticos, alguns bastante graduados,
e pde, ento, dar continuidade s suas atividades religiosas sem maiores
perseguies contra si ou seus seguidores.
59
Durante esse perodo, aconteciam situaes anlogas em outras partes
do pas. Na Bahia, o Candombl e outras religies de matriz afro-indgena
eram sujeitas a estigmas e perseguies similares s do Daime no Acre. At
1976, por exemplo, o funcionamento dos terreiros baianos esteve submeti-
do fiscalizao da polcia, atravs da Delegacia de Jogos e Costumes. Mas,
em diversas ocasies durante o regime militar, o Candombl conseguiu
se aproximar do poder estatal e obter o seu apoio. A partir da restaurao
da democracia, a religio dos orixs e seus seguidores, antes mantidos sob
suspeita, passou a ter relaes positivamente valorizadas e publicizadas pelo
poder pblico (SANTOS, 2005, p. 142-145), o que hoje contribui de for-
ma significativa para o prestgio e a autoestima do povo negro, tanto em
nvel local, quanto nacional.
O posicionamento poltico de Mestre Irineu no deve ser percebido
como contraditrio, pois as relaes entre cultura (incluindo a religio)
e poder so de indissociabilidade e interdependncia embora, em casos
como estes, passveis de intermediao pela leitura das relaes raciais no
plano da sociabilidade, mestiagem ou desigualdade. (SANTOS, 2005,
p. 235) Devemos tambm lembrar que o universo da poltica necessita de
representaes favorveis e legitimadoras no mbito da cultura e, ao lado
do tempo, tem encontrado parcerias em diversas esferas, no s da religio,
mas tambm das artes e da academia, por exemplo.
A aproximao entre o Candombl e o poder estatal, ocorrida na
Bahia foi similar que se viu no Acre entre o Daime e o governo. Em am-
bos os casos, os lderes religiosos necessitavam salvaguardar da perseguio
as suas religies, conhecidamente minoritrias e estigmatizas localmente.
No pode haver dvidas de que a aceitao poltica foi importantssima
para que, nos ltimos anos de vida de Mestre Irineu, o Daime se consoli-
dasse como cultura legtima no Acre.
Classicamente se concebe que o carisma de um lder, aps sua reti-
rada de cena, transferido para as instituies que ele lega. a chamada
burocratizao do carisma. (WEBER, 1991) No caso de Mestre Irineu,
o processo parece ter sido um tanto quanto diverso. Ao final da sua vida,
quando Mestre Irineu deixou a parceria com o Crculo Esotrico Comu-
nho do Pensamento (CECP), teria dito: Se no querem o meu daime,
12
tambm no me querem, eu sou o daime e o Daime sou eu. Aqui fica
60
explcito que ele se considerava como sendo a bebida, a forma de faz-la,
a doutrina e a prpria instituio religiosa. So observveis na comunidade
interpretaes desses dizeres no sentido de que ele passou a ser a bebida no
sentido literal, como uma espcie de esprito do daime. Assim, podemos
dizer que a bebida ganhou um capital simblico, representativo do prprio
mestre. Desse modo, onde est o daime (a bebida ou a instituio religiosa)
ele est.
Dito de outra forma, tudo indica que, em vida, Mestre Irineu seria um
foco atrativo maior que a bebida em si, pois era dele que partiam as prescri-
es, os ritos e os mitos da religio. Era ele o epicentro do culto daimista.
Mas, com sua morte, a bebida e a instituio passariam a represent-lo
como agente legitimador e, como o ser espiritual Juramid, ele estaria
ento presente em todos os rituais do Daime, em que se toma a bebida da
maneira que ensinou.
Observa-se que, atualmente, a memria do Mestre Irineu (Juramid)
vinculou-se ao daime de tal forma que outros movimentos espirituais usu-
rios da bebida, conhecidos genericamente como neo-ayahuasqueiros
persistem em reivindicar a sua legitimidade atravs de uma conexo com
13
a sua tradio, mesmo se no mais compartilham dos mesmos cdigos.
Hoje encontramos, no campo das religies ayahuasqueiras, centros
que apelam para a legitimidade da tradio, sem ter realmente vnculo com
ela, somente uma conexo distante apoiada no uso da bebida, numa esp-
cie de continuidade e rompimento com o modelo antecessor. (LABATE,
2004, p. 271) Dessa forma, acreditamos que a bebida em si tende a ser um
foco atrativo maior que Mestre Irineu para as geraes posteriores dos cen-
tros do Alto Santo, outras linhas daimistas e, at, outras religies ayahuas-
queiras que se utilizam de sua memria atrelada bebida como referencial
para se legitimarem no campo religioso.
O crescimento das religies ayahuasqueiras e a sua concomitante ex-
panso para outras regies do pas, assim como para o estrangeiro, tem
levado o Conselho Nacional de Polticas Sobre Drogas (CONAD) a se pre-
ocupar com a normatizao do uso religioso da ayahuasca. Assim, durante
o ano de 2006, um grupo de trabalho oficial foi constitudo, composto
14
de cientistas e de representantes de diferentes religies ayahuasqueiras
com a finalidade de garantir o livre exerccio de seus cultos dentro de um
61
marco deontolgico elaborado em comum acordo. Essa foi a primeira vez
em que os prprios adeptos dessas religies foram convidados a participar,
e de forma paritria, de discusses oficiais sobre a regulamentao de suas
prticas. Durante todo o processo, os representantes da Secretaria Nacional
de Polticas Sobre Drogas (SENAD), encarregados de sua realizao, de-
monstraram grande empenho em assegurar que os procedimentos fossem
realizados da maneira mais democrtica possvel e que uma ampla gama
de diferentes pontos de vista fosse levada em conta. Como resultado, foi
elaborado um relatrio final com as concluses acordadas pelo grupo de
trabalho que foi finalmente aprovado pelo pleno do CONAD em 6 de no-
vembro de 2006 (ver Anexo K) e oficializado pela Resoluo n1 de 25 de
janeiro de 2010, emitida pelo Gabinete de Segurana Institucional e pelo
Conselho Nacional de Polticas Sobre Drogas (ver Anexo L). Concomi-
tantemente vem se discutindo a possibilidade de registrar o uso religioso
da ayahuasca como parte do patrimnio cultural acreano e possivelmente
nacional.
Para finalizar, gostaramos de fazer alguns rpidos comentrios sobre
a elaborao deste livro. Ele o resultado conjunto de contatos que os
autores vm mantendo, cada um ao seu modo, com o Daime, desde 1988,
para Edward MacRae, e 1995, para Paulo Moreira, perodos durante
os quais ambos vm realizando pesquisas, em conjunto e separadamente,
sobre o tema.
Beneficirio de uma bolsa de mestrado da FAPESB e uma bolsa-aux-
lio do CNPq, Paulo Moreira realizou pesquisas de campo em Rio Branco,
no decorrer de 2006 e no incio de 2007, aprofundando em trs visitas
os conhecimentos sobre Mestre Irineu e o Alto Santo que j adquirira
em diversas visitas anteriores de diferentes duraes. Integrou tambm um
projeto, coordenado pelo seu orientador de dissertao, Edward MacRae,
denominado A trajetria de Mestre Irineu e da Religio do Santo Daime
Ingesto de Ayahuasca e a Produo de Transes, Miraes e Incorporaes
15
nas Linhas do Alto Santo e do CEFLURIS. A partir de financiamentos
provenientes desse projeto e de um auxlio pesquisa do CNPq, Moreira
pde ento cobrir as demais despesas com viagens, estadia, coleta e anlise
de dados para a sua dissertao de mestrado em antropologia, defendi-
da finalmente em dezembro de 2008 no Programa de Ps-Graduao em
62
Cincias Sociais da UFBa. O presente livro uma reelaborao dessa
dissertao, realizada conjuntamente pelos dois pesquisadores entre 2008 e
2010, contando tambm com o apoio da Associao Brasileira de Estudos
Sociais do Uso de Psicoativos (ABESUP) e do Grupo Interdisciplinar de
Estudos de Substncias Psicoativas (GIESP).
Notas
1 Ver a propsito a publicao Negros no Acre produzido pelo Ncleo Regional do Cen-
tro Nacional de Informao e Referncia da Cultura Negra (NRCNIRCN) no Ins-
tituto do Meio Ambiente do Acre, onde um dos artigos tem como ttulo: E l vem
novamente o mesmo papo! Tem negros no Acre?. (NRCNIRCN, 2007, p. 37)
2 Antes de prosseguirmos nossas anlises queremos deixar claro que empregamos em
todo livro o termo daime com d minsculo para identificar a bebida (ayahuasca),
e utilizaremos o termo Daime com D maisculo para identificar a religio fundada
por Mestre Irineu, que leva o mesmo nome da bebida e da comunidade.
3 O antroplogo Clodomir Monteiro da Silva desenvolveu essa ideia em sua pioneira
dissertao O Palcio de Juramidan - Santo Daime: um ritual de transcendncia e des-
poluio. (SILVA, C., 1983)
4 Jair Facundes em comunicao feita por e-mail enviado a Edward MacRae em 2009.
5 Sobre esse tema ver: Weber (1991, p. 158-159), Bourdieu (2005a, p. 73) e Moreira
(2008).
6 Para uma discusso do conceito de habitus religioso de consumo de ayahuasca, ver as
conceituaes de Bourdieu e Mauss em Moreira (2008).
7 Referimo-nos aqui ao que o antroplogo Marshall Sahlins denomina de reavaliao
funcional de categorias. (SAHLINS, 1979, p. 9-10)
8 A nosso ver, Mestre Irineu formou paulatinamente atravs de seu carisma, um Ha-
bitus de Consumo Religioso da ayahuasca entre seus seguidores, no sentido da cate-
goria habitus empregado pelo socilogo Pierre Bourdieu. Para o autor a categoria
Habitus assume vrias acepes congruentes, ou seja, para ele primeiramente um
conhecimento adquirido e tambm um haver, um capital, que indica uma disposio
incorporada, quase postural de um agente em ao, ou uma espcie de sentido de jogo
que no tem a necessidade de raciocinar e se situar de maneira racional num espao.
(BOURDIEU, 1998, p. 61-62) Bourdieu tambm emprega a noo de habitus como
no s sendo um cdigo comum, ou mesmo um repertrio comum de respostas a
problemas comuns, ou um grupo de esquemas de pensamento particulares e parti-
cularizados, mas como, sobretudo, um conjunto de esquemas fundamentais, previa-
mente assimilados, a partir dos quais so produzidos, segundo uma arte da inveno
semelhante da escrita musical, uma infinidade de esquemas particulares, diretamente
aplicados a situaes particulares. Ou ento como sistema dos esquemas interiorizados
que permitem engendrar todos os pensamentos, percepes e aes caractersticas de
uma cultura. (BOURDIEU, 2005b, p. 349) O habitus para ele tambm produziria
prticas individuais e coletivas, portanto histricas, em conformidade com esquemas
63
engendrados por essa mesma histria, ou seja, um sistema de disposies do passado
que sobrevive no atual e que tende a perpetuar-se no futuro, atualizando-se em prticas
estruturadas segundo os seus prprios princpios. (BOURDIEU, 2002, p. 178)
9 A abordagem de reduo de danos pressupe um entendimento mais complexo da
questo das drogas transcendendo o reducionismo que considera o efeito dessas subs-
tncias como determinada primariamente por processos de natureza farmacolgica.
Esta maneira de lidar com os efeitos tanto psicolgicos quanto sociais do uso de subs-
tncias psicoativas, tentando diminuir os riscos e danos que podem ser ocasionados,
considera que o entendimento dos efeitos dessas substncias requer no somente um
conhecimento de sua atuao no organismo, como tambm uma compreenso da psi-
cologia de determinado usurio e um conhecimento do contexto sociocultural em que
se d o uso. Pesquisadores como o socilogo Howard Becker (1976), o psiquiatra
Norman Zinberg (1984) e o psiclogo Jean-Paul Grund (1993), entre outros, tm
apontado para a necessidade de se levar em conta o saber detido pelo grupo de usurios
(a chamada cultura da droga ou, neste caso, o habitus do uso religioso da ayahuasca),
incluindo aspectos como os valores, as regras de conduta e os rituais sociais que regem
diferentes modalidades de uso, assim como a estrutura de vida do usurio e o grau de
disponibilidade das substncias. Edward MacRae (1992) vem apontando desde 1992
para como as doutrinas e os rituais das religies ayahuasqueiras incorporam importan-
tes elementos que conduzem ao uso controlado, e de baixos riscos, das substncias
psicoativas empregadas em seus rituais.
10 Em 6 de novembro 2006, o Conselho Nacional Antidrogas aprovou um relatrio pro-
pondo a regulamentao oficial do uso religioso da ayahuasca no contexto de rituais
das religies Santo Daime, Unio do Vegetal e Barquinha, assim como nas de outros
grupos espirituais chamados genericamente de neo-ayahuasqueiros. Uma discusso do
processo de elaborao desse relatrio pode ser encontrada no artigo de Edward Ma-
cRae (2008) A Elaborao das Polticas Pblicas Brasileiras em Relao ao Uso Religioso
da Ayahuasca.
11 Ver por exemplo Bourdieu (2005a, p. 75).
12 Entrevista com Joo Rodrigues em maro de 2007.
13 Weber (1991) denomina de legitimao tradicional aquela que se refere tradio, ao
que sempre foi assim, assim que se fazia, e de legitimao carismtica aquela le-
gitimao associada ao contato direto com o plano divino. Assim, Mestre Irineu, como
sabemos, gozava da legitimao carismtica, mas os seus sucessores e outros centros
afins passaram a gozar da legitimao tradicional.
14 Edward MacRae participou como antroplogo do Grupo de Trabalho Multidisciplinar
da Ayahuasca constituido pelo CONAD e a partir dessa experincia elaborou um artigo
discutindo vrios aspectos da questo. (MACRAE, 2008)
15 Processo CNPq n 402398/06-8.
64
Mestre Irineu a paisano
Captulo 1
O Tesouro na Floresta
As Origens Maranhenses
69
e 2) com Sancho Martinho de Mattos, com quem teve seis filhos, Rai-
mundo Irineu, Vernica, Maria Serra, Raimunda (Nh Dica), Raimundo
(Dico) e Matilde (ver Apndice B).
2
Figura 2 Segunda parte do registro de casamento dos pais de Irineu.
70
Nunes (o mesmo vigrio que realizou o casamento de Joana e Sancho) na
4
igreja matriz de So Vicente Frrer. Teve como padrinhos o casal Maria
Xavier de Moraes e Joo Moraes.
5
Figura 3 Certido de batismo de Irineu.
Figura 4 Casa onde nasceu Irineu. Figura 5 Igreja Matriz de So Vicente Frrer
Santa Tereza So Vicente Frrer - MA. onde se casaram os pais de Irineu e onde ele foi batizado.
71
Em 1866, a populao de So Vicente Frrer era de 8.320 habitantes,
sendo 6.580 livres e 1.740 escravos. Neste perodo, os avs de Irineu eram
escravos de Salustiano. Seis anos depois, em 1872, ocorreu um grande di-
ferencial populacional, quando diminuiu a quantidade de pessoas livres para
5.847 e aumentou a quantidade de escravos para 2.920. (PINTO, 2001,
p. 19) Reflete-se aqui o quadro configuracional escravocrata em seus lti-
mos momentos quando a estrutura produtiva do pas passava por profun-
das transformaes. A economia de So Vicente era baseada na pecuria de
corte e de leite (em regime de transumncia), engenhos, fazendas de ar-
roz, algodo e cana. (PINTO, 2001, p. 25) A agricultura e piscicultura de
subsistncia (devido geografia privilegiada) eram atividades concomitantes
7
e complementares na regio. Nesse momento, grande parcela da famlia de
Joana Assuno Serra, trabalhava no corte do babau (quebra do coco do ba-
bau), para extrao de leo vegetal, insumo utilizado na indstria de sabo.
A Mudana de Nome
Sabe-se que Raimundo Irineu de Mattos, ainda cedo mudou seu nome
para Raimundo Irineu Serra, abandonando o nome do seu pai para adotar
o sobrenome materno. Essa alterao provavelmente refletia uma tenso e
ruptura com a figura paterna, devido a Sancho Martinho de Mattos ter se
separado de Joana, abandonando a convivncia com os filhos. Em entrevis-
ta Dona Rita Serra disse que tal evento parece ter marcado mais especial-
mente o primognito, Irineu, j que este foi o nico a mudar seu nome,
seus outros cinco irmos mantendo o sobrenome paterno (Figura 6).
A mudana de nome parece apontar tambm para uma alterao mais
geral na maneira pela qual Irineu concebia a sua identidade e a sua ligao
com a sociedade de So Vicente Frrer. Possivelmente, no sentia nenhu-
ma ligao mais profunda com seu sobrenome, j que tanto os nomes Serra
como Mattos provinham da antiga aristocracia escravocrata da regio. Alm
disso, deve-se tambm lembrar que, nessa poca, os sobrenomes eram me-
nos estabelecidos e que aquele era um perodo de profundas reformulaes
institucionais e sociais que no deixavam de ter seus reflexos na vida pessoal
dos brasileiros. Velhas estruturas identitrias de origem colonial passaram
72
por importantes transformaes e, tanto para os proprietrios quanto para
os escravos, era necessrio buscar novas formas de relacionamento, mais
adaptadas ao novo modelo de explorao que se institua.
73
Figura 7
Carteira de Identidade de
Raimundo Irineu Serra.8
Relaes de Famlia
Na poca em que Irineu nasceu, a vida no campo girava em torno da
grande lavoura de exportao e da pequena lavoura de subsistncia. Como
eram pouqussimos os centros urbanos que, aps o trmino do perodo
fundado no trabalho escravo, podiam absorver a populao livre ou criar
mercado para os pequenos produtores agrcolas, aos homens livres sem
recursos, mestios ou libertos s era possvel uma existncia margem do
grande sistema econmico colonial ou ps-colonial, quer como agregados,
quer como produtores independentes, mas isolados e autossuficientes.9
Na regio de So Vicente Frrer, os latifndios tiveram que se readaptar s
novas condies de trabalho e a populao que vivia sua margem, des-
cendente de portugueses, negros e ndios, vivendo em grande isolamento,
desenvolveu uma cultura cabocla de subsistncia, a nica forma possvel de
trabalho livre naquelas condies de precariedade econmica.
Nessas condies, a vida comunitria e produtiva se organizava em
torno de grupos domsticos autnomos, formados por famlias patriarcais
extensas. Nas famlias pobres, o cuidado da roa exigia grandes esforos
dos membros adultos do grupo, inclusive da me. Para se realizar plena-
mente, a famlia precisava contar com uma prole numerosa, sem a qual era
impossvel manter os padres mnimos de conforto, tal como eles eram
definidos tradicionalmente. Alm disso, a cooperao interfamiliar era in-
74
dispensvel em diversas fases de seu ciclo de existncia. Porm tais arranjos
eram bastante vulnerveis, sendo difcil evitar a desorganizao decorrente
dos casos relativamente frequentes de morte precoce, abandono ou incapa-
cidade dos cnjuges. (DURHAM, 2004, p. 150)
Para alm do grupo restrito de pais e irmos, o sistema definia um
crculo mais ou menos amplo de parentes mais distantes (tios, sobrinhos,
primos) para quem as mesmas obrigaes gerais de solidariedade se impu-
nham com rigidez decrescente. A concretizao dessas relaes potenciais
dependia assim da proximidade fsica, da simpatia e afinidade entre as pes-
soas, e das possibilidades econmicas de cada um num momento determi-
nado. Isso levava ao desenvolvimento de fortes laos entre conjuntos de
famlia e a multiplicao de laos de parentesco muitas vezes levava o grupo
local a ser considerado como um grupo de parentes.
No caso em questo, a ruptura de Sancho Martinho de Mattos com
sua esposa Joana DAssuno Mattos teria repercutido negativamente no
primognito Irineu, que supostamente teria entre dez e doze anos quando
ocorreu a separao. Joana DAssuno Mattos voltou usar seu nome de
solteira, casando-se consensualmente, logo aps a separao, com Ezequiel
10
de Mattos , com quem teve os filhos: Z Cuia e Tertuliana. Mas antes de
se casar com Ezequiel (Apndice A), buscou o apoio de seu irmo, Paulo
Serra.11 Por um perodo, Irineu e seus irmos menores foram criados por
esse tio, em conjunto com os demais filhos de sua famlia, nos arredores de
So Vicente Frrer (ver Figura 8), organizando-se numa estrutura produti-
va de sobrevivncia familiar.
O apoio dado por Paulo Serra sua irm foi muito importante e aps
a sua nova unio com Ezequiel de Mattos, Irineu se aproximou ainda mais
do tio. A seriedade com que este assumia as suas novas responsabilidades
paternas ainda lembrada em vrios depoimentos de parentes e discpulos
12
do futuro lider daimista.
Ele veio para c seguindo o conselho de seu tio, Paulo, que foi quem
criou o Mestre. Esse tio disse que, para ele se tornar um homem de
verdade, ele tinha que correr o mundo inteiro, viajar, conhecer as coisas
do mundo. [...] E foi o que ele fez. [...]
Mas j era a mo do destino, do caminho dele mesmo... de Deus... Por
isso ele fez essa viagem at a Amaznia... porque aqui que ele ia receber
o tesouro dele... que essa doutrina [...].13 (GOULART, 2004)
75
Figura 8
Ruas de So Vicente
Frrer no comeo
do sculo XX.
Aos quinze anos, o Mestre pensava em se casar. Ele tinha uma preten-
dente. Era sua prima [...] A, a me dele [...] chamou a ateno dele:
Olha, voc est querendo casar, namorando a sua prima. Mas deixa isso
de mo, porque voc novo e ela nem moa mais. O povo j fala dela.
Mame, se ela for moa, eu caso com ela. Se no for, eu no caso [...]
E contou a histria para o tio, a quem ele tinha muita obedincia [].
Eles estavam no roado trabalhando, quando seu tio perguntou:
Raimundo, voc est com vontade de casar?
T, meu tio.
bom. Porque voc se casa cedo, tem logo famlia [...]. Sabe, Raimundo,
o homem para se casar deve primeiro dar uma volta no mundo. Quando
volta, j sabe quanto custa 1 kg de sal, quanto custa 1 kg de acar [...]
A, j d para o homem casar [...]. (Granjeiro, 1992, p. 18)
A deciso de deixar sua terra natal pode ter ocorrido num momento
de impulsividade, durante um conflito familiar e diante de uma realidade
circunscrita, sem perspectivas promissoras para o futuro. A prpria ruptura
de seu pai com o grupo domstico j era um exemplo que pode ter refora-
76
do seu projeto de deixar o ncleo familiar e sair em busca de terras virgens
e de uma nova vida. O motivo de sua sada de So Vicente Frrer costuma
ser atribudo a trs fatores: o namoro com a prima, o conselho do tio e
14
uma briga num tambor de crioula. Possivelmente todas essas verses
tenham sua razo e nenhuma delas exclui a outra. (BAYER NETO, 1992,
p. 3; LABATE; PACHECO, 2004, p. 308-309)
Vejamos uma verso dessa histria, conforme contada por Eduardo
Bayer Neto e baseada em entrevista com Marciano Bonifcio Siqueira (so-
brinho de Fernanda, antiga noiva de Irineu em So Vicente Frrer):
Desde cedo destacado pela grande estatura fsica, incomum entre o povo
da regio, Irineu era ainda um adolescente quando namorou a jovem
Fernanda, filha do senhor Cndido Alpio, com quem esteve noivo para
casar, segundo o depoimento do senhor Marciano Bonifcio Siqueira,
vicentino (assim se denominam os cidados de So Vicente) nonagenrio,
sobrinho da dita cuja.
Foi nessa poca que uma briga de rapazes num tambor de crioula fez
com que Raimundo Irineu Serra deixasse a terra onde nasceu e ganhasse
mundo em direo a So Lus, a capital.
Ele foi pra festa, mas nessa poca os filhos que no tinham pai eram
criados pelos tios. O Irineu foi fugido da me dele pra esse tambor
de crioula, combinado com o Casimiro, primo dele que era do mesmo
tamanho, e quando foi dez, onze horas da noite pegaram um barulho:
a, comearam a briga, botaram todo mundo pra correr e inventaram
de pegar num faco e cortar tudo quanto era punho de rede do dono
da casa, derrubaram porta e tudo, conta Aprgio Antero Serra, primo
do Mestre.
A, mandaram avisar a me dele. J quase uma hora da manh ela foi bater
na casa do irmo, o Paulo Serra, para contar o que tinha acontecido. Ele
disse que de manh, quando fosse botar gua pro gado, passava na casa
dela, acrescenta. E assim foi segundo sua narrao:
Quando chegou perguntou: Cad o preto?
E a me dele, que estava enchendo as cabaas de gua na cacimba, disse:
T a.
E o padrinho Paulo, com um rebenque de duas batedeiras com oito per-
nas de cada lado, chamou o sobrinho brigando. E foram trs tacadas em
cima da cabea de Irineu. Foi o padrinho sair, ele pegou uma cala de saco,
uma camisa de brim alfacim, tudo dentro de um saco de trigo, e ganhou
mundo: s foi aparecer de novo quarenta e seis anos depois, ningum
no sabia nem se estava vivo ou morto. (BAYER NETO, 1992, p. 3)
77
Aps sair de So Vicente Frrer, Irineu, seguiu at a cidade de Caja-
pi, trilhando por um caminho que passa a maior parte do ano alagado, e
de l para o litoral da Baa de So Marcos, onde era possvel pegar um barco
15
para a capital, So Lus. No temos como avaliar quanto tempo ele levou
para chegar a So Lus e nem se levou consigo dinheiro suficiente para as
despesas de viagem, ou se foi fazendo pequenos trabalhos para chegar
capital. Diz-se que, quando chegou a So Lus, recebeu abrigo na casa de
16
seu tio paterno, Noberto Mattos e de sua esposa Anastcia (Apndice D),
no antigo bairro do Cavaco, hoje Monte Castelo. Diz-se tambm que, ao
chegar aos dezoito anos, serviu ao exrcito em So Lus, na companhia de
17
infantaria. Sobre este perodo existem vrios depoimentos, mas nenhum
relata suas primeiras experincias no exrcito. Focalizam mais as suas outras
ocupaes. Paulo Serra, seu filho de criao, diz que antes de embarcar
para Amaznia ele trabalhava como leiteiro, j Antero Serra, filho do tio de
Irineu, relata que ele trabalhou no cas do porto.
De toda maneira, parece que logo aps dar baixa do servio militar,
Irineu trabalhou no cas do porto como estivador, carregando navios, e l
conheceu Daniel Pereira de Mattos, grumete da marinha e ex-seminarista.
Daniel, a quem chamava de primo, devido ao sobrenome em comum,
tornou-se um dos seus maiores amigos pessoais. Quando Irineu resolveu
deixar So Lus, Daniel ajudou-o a encontrar uma posio entre a tripulao
78
de um navio que rumava ao Sul, passando pelo Rio de Janeiro e So Paulo.
(BAYER NETO, 1992, p. 3) Posteriormente, ao se reencontrarem em Rio
Branco, Irineu ajudou Daniel a se livrar do alcoolismo e ele, por sua parte,
converteu-se em seguidor do Daime. Aps seu tratamento, viria a fundar
uma nova religio ayahuasqueira, hoje conhecida como Barquinha.
79
O fato de muitos dos migrantes (homens em sua maioria) chegarem sol-
teiros fez surgir disputas e a venda de mulheres nos seringais, onde serviam
de moeda de troca. Nos seringais, era tambm proibida a agricultura de
subsistncia ou mesmo a caa e a pesca. Essas eram restries impostas pelo
prprio sistema de aviamento, que sujeitava o seringueiro a adquirir seus
alimentos somente no barraco, mantendo-o preso a dvidas contradas
a partir de sua sada do Nordeste.
O primeiro surto ou corrida da borracha amaznica chegou ao fim
quando os empresrios ingleses resolveram produzir borracha por um cus-
to mais barato na Malsia. L estabeleceram plantaes extensivas com tc-
nicas modernas, possibilitando o trabalho mecanizado de automotores.18
Com a decorrente crise, iniciada em 1910, toda a Amaznia sentiu
o impacto econmico e as consequncias da quebra do preo da tonelada
de ltex. Muitos seringais foram abandonados e muitos seringueiros opta-
ram por voltar para o Nordeste. Os que ficaram foram obrigados a traba-
lhar em vrios ramos da agricultura. O governo adotou medidas paliativas,
como baixar o imposto de exportao, mas no conseguiu evitar a falncia
de muitos seringalistas. Essa crise levou a uma diversificao das frentes
de produo; surgiram dentro dos seringais novas modalidades agrcolas,
plantando-se mandioca, feijo, arroz, milho, castanha do Par, oleagino-
sas e madeiras. A migrao de ex-seringueiros para Rio Branco aumentou
consideravelmente a sua populao e propiciou a formao das primeiras
colnias agrcolas no entorno da cidade, como a So Francisco, a Apolnio
Sales e outras. (SOUZA, 2005, p. 87-88)
Foi nesse perodo que Irineu saiu de So Lus, estimulado pelos rumo-
res de que, no Amazonas, estavam contratando pessoas para trabalhar na
extrao da borracha, e de que l se fazia muito dinheiro. Comprou uma
passagem num vapor para Belm, provavelmente em 1909, saindo do Cais
da Praia Grande em So Lus, seguindo pela ilha de Maraj e subindo o Rio
Amazonas at chegar capital do estado do Par. Alguns informantes rela-
tam que viajou com passagem paga pelas casas de aviamento para trabalhar
na seringa, mas isso difcil de acreditar pois, se tivesse viajado nessa con-
dio, estaria preso a uma dvida e no teria chance de aportar livremente
em Belm para trabalhar como jardineiro por alguns meses e comprar ou-
tro trecho at Manaus para trabalhar como magarefe numa cidade vizinha
80
chamada Taquatiara (como relata em entrevista Daniel Serra em fevereiro
de 2007 em So Lus). Esse percurso gradual de viagem reiterado em
19
vrios outros relatos sobre a sua chegada ao Acre.
Figura 11
Cais da Praia Grande.
Porto da onde Irineu
partiu para Amaznia
em 1909.
Figura 12
Embarcaes a vapor
da poca que saam de
So Lus-MA para
Belm-PA.
81
Figura 13 Localizao do Acre.
Parece haver duas possibilidades. A primeira sugere que ele teria sado
de Manaus, subindo o Rio Solimes, seguindo pelo Rio Purus at Boca do
Acre, e de l continuando no Rio Acre at Xapur. Por esse trajeto, Irineu
deveria ter passado obrigatoriamente por Rio Branco, mas sobre isso no
dispomos de nenhum depoimento, ningum fala de ele ter passado por
Rio Branco nessa poca. O que ponto comum entre os depoimentos a
participao de Irineu na Comisso de Limites nas fronteiras entre Peru e
o Acre. Esta comisso s veio a funcionar depois de o governo brasileiro
convencer o governo peruano a retirar-se da regio acreana, aps o tratado
20
realizado pelo Brasil com o Peru, em 8 de setembro de 1909. Assim, se
for verdade que Irineu chegou a Xapur em 14 de maro de 1912 (NEVES,
1981, p. 5), deve ter trabalhado na Comisso entre 1910 e 1912.
82
Mas h uma segunda possibilidade. O acesso natural regio de dis-
puta, entre o Peru e o Brasil no Alto Purus o prprio Rio Purus. Subindo-
-o a partir da cidade de Boca do Acre, no Estado do Amazonas, adentrando
o territrio acreano, chega-se ao Peru atravs do prprio rio. Deste modo,
para a comisso organizada em Manaus o caminho mais curto para o Peru
seria pelo Rio Purus.
83
como se estava roando e puxando mato com o gambito. A, ele se
interessou por aquilo, lembrou do conselho do tio e veio.
Quando ele chegou em Manaus, ele sorteado pra vir pra c, cor-
tar seringa que ele achava bonito, dizia que aqui tava muita coisa e
tal. Quando ele chegou em Boca do Acre, no estado do Amazonas,
contrataram ele para a Comisso de Limites, a ele subiu pelo Rio
Purus e foi subindo para tirar o limite do Acre com o Peru por esse
meio mundo.
Ele foi subindo at a Serra do Moa, Juru e de l ele cortou para o
Peru aonde ele tomou daime pela primeira vez com os Incas. Enten-
deu, aoasca. A, ele conheceu aoasca, l ele tomou umas duas vezes.
De l ele j cortou para o rumo de Assis Brasil, ele veio descendo at
quando chegou em Brasileia. Foi quando ele encontrou com Andr
Costa, Z Costa e Antnio Costa, dois irmos e um primo. A, foi que
21
ele comeou a tomar aoasca novamente [...]. (Paulo Serra)
84
1984, p. 4) Esse trabalho possivelmente foi o que o levou a conhecer
22
as fronteiras do Territrio Federal do Acre, Serra do Moa no Juru ,
23 24 25
a regio de Taruac , regio de Assis Brasil , Xapur e Brasileia, na di-
visa com Peru e Bolvia.
85
experincia, pois, mesmo aps a quebra do preo da borracha, as relaes
trabalhistas nos seringais continuavam sendo de servido. De toda forma,
ele parece ter passado cerca de dois anos nas cercanias de Xapur e depois
seguiu para Brasileia. (ALVES, 1984, p. 4; GOULART, 2004, p. 30)
86
A Iniciao Ayahuasqueira
Desde tempos imemoriais, xams indgenas e curandeiros mestios da
regio do antigo imprio incaico e da Amaznia ocidental brasileira tm usa-
do, para diversas finalidades, uma bebida conhecida pelos peruanos como
ayahuasca (cip das almas em quechua), mas que tambm recebe muitos
outros nomes de origem indgena, em suas regies de uso, como: caapi,
yaj, pild, dapa, kamaranpi. Entre caboclos da regio brasileira,
38
tambm conhecido como cip, vegetal, daime e corruptelas da
palavra ayahuasca como: aoasca, huasca, uasca, hoasca e oas-
ca. Em torno das experincias de forte carter mstico que proporciona,
desenvolveram-se prticas xamansticas voltadas para a cura, a adivinhao, a
caa, a guerra e outros propsitos em que a bebida serviria como um veculo
de comunicao, dando aos homens o acesso ao mundo espiritual.
A bebida produzida de diversas maneiras e com diferentes plantas.
Mas, em sua forma mais difundida feita atravs do longo cozimento de uma
39
combinao do cip Banisteriopsis caapi e da folha Psychotria viridis. Os prin-
cpios ativos do preparado so os alcalides harmina, harmalina, d-leptaflorina,
presentes no cip, e dimetiltripamina, na folha. Estudos farmacolgicos suge-
rem que a harmina e a d-leptaflorina (ambas beta-carbolinas) inibem a produ-
o da enzima monoamina oxidase (MAO). Esta, normalmente presente no
sistema digestivo, tem a funo de decompor ou oxidar compostos do tipo da
triptamina. Na sua ausncia esse alcalide chega ao crebro e o responsvel
pelos efeitos psicoativos da bebida. (BRITO, 2004) Embora haja relatos de
ndios que simplesmente mascam a Bannisteriopsis caapi, conseguindo obter
efeitos psicoativos mesmo na ausncia do inibidor de MAO tradicional, estu-
dos realizados por Dennis MacKenna sugerem que para isso so necessrias
grandes quantidades do cip. (OTT, 1994, p. 33-50)
Tudo indica que Irineu passou a ter interesse em conhecer a aoasca,
como a bebida provavelmente era ento mais conhecida entre os caboclos
amaznicos, quando se aproximou dos irmos Costa nas imediaes de
Brasileia. Antonio Costa sabia da existncia de certos caboclos que con-
sumiam a ayahuasca nos seringais do Peru e juntos, seguiram viagem para
conhecer aquela bebida. No fica claro em nenhum dos depoimentos se
Antnio Costa j fazia uso da ayahuasca.
87
Chamou-nos a ateno nos depoimentos sobre este episdio a aura
pejorativa e estigmatizante que era associada bebida, e que fora transmi-
tida a Irineu antes de ele a consumir pela primeira vez. Em geral, os relatos
sobre sua iniciao apresentam o grupo de ayahuasqueiros como voltado
a prticas satnicas. Esse um conceito que precisaria ser reexaminado,
levando em conta os preconceitos ento vigentes a respeito de qualquer
prtica cultural ou religiosa que no se conformasse com os padres da
cultura crist dominante. Assim, acreditamos que a falta de familiaridade
40
com a cultura vegetalista tenha fomentado preconceitos tanto entre os
participantes dos eventos aqui narrados quanto entre aqueles que at hoje
tecem relatos a seu respeito. Provavelmente, ao invs de demnio, o que
se invocavam nas cerimnias ayahuasqueiras eram entidades caboclas ou
indgenas, desconhecidas por Irineu e seus colegas. Assim, se ele conce-
beu as suas primeiras experincias ayahuasqueiras como sendo chamados
aos demnios, isso provavelmente foi resultado de crenas depreciativas
que lhe haviam sido repassadas. Mas os relatos mostram como, ao conhe-
41
cer melhor o assunto, ele mudou de ideia. Observemos diretamente nos
relatos de Luis Mendes do Nascimento (1992, p. 14) para a Revista do
1 Centenrio a persistncia, at o presente, da concepo de que os rituais
ayahuasqueiros que Irineu presenciou seriam de natureza satnica.
88
O Mestre comeou a analisar: O diabo tem medo da cruz, e na medi-
da em que eu chamo por ele, aparecem as cruzes. Tem coisa a [...].
Ele pediu para ver uma srie de coisas. Tudo que ele queria, ele pode
ver [...] E assim foi a primeira vez [...]. (Luis Mendes)
[...] Essa primeira vez, o Antnio Costa levou o Mestre para participar
de uma sesso com um pessoal [...] na selva peruana. Era uns caboclos
que bebiam a uasca. O cip, tinha vrios nomes [...], os nomes que os
ndios davam [...] Mas l o pessoal fazia um trabalho de magia negra.
Bebiam a uasca para chamar o demnio [...] O Mestre no quis saber
dessa histria, porque ele tinha uma misso maior, que era fazer o bem,
curando com o daime [...]. (GOMES apud GOULART, 2004, p. 32)
89
para afludo, um termo mais associado ao esoterismo branco e prova-
velmente considerado na poca como mais digno do que aquele termo
espanhol, sinnimo de embriagus. A narrativa deixa tambm implcita a
manuteno de certas prticas da tradio Vegetalista, como a realizao
44
de sesses no escuro e o uso de tabaco.
90
Apareceu uma cruz grande. A, ele pde ter na idia, que no era,
porque o Co tem medo de cruz. Co no gosta de cruz. A, ento ele
pde compreender que no era. Ele dizia no era coisa do diabo, n
45
[...]. (Francisco Granjeiro)
91
tudo, at as sobrancelhas, nos mnimos detalhes. Ela falou para ele:
Tu tem coragem de me chamar de Satans?
Ave Maria, minha Senhora, de jeito nenhum!
Voc acha que algum j viu o que voc est vendo agora?
A, ele vacilou, pensando que estava vendo o que os outros j tinham
visto.
Voc est enganado. O que voc est vendo nunca ningum viu.
S tu. Agora, me diz: quem voc acha que eu sou?
Diante daquela luz, ele disse: Vs sois a Deusa Universal!
Muito bem. Agora, voc vai se submeter a uma dieta. Para tu poder
receber o que eu tenho para te dar.
A dieta era passar oito dias comendo macaxeira insossa [...].
(Luis Mendes)
92
[...] A histria do Mestre, no incio dos seus trabalhos com o daime,
se centraliza com Antnio Costa. Eles eram to amigos, que a Rainha
ao repassar o poderio pro Mestre, com a mesma medida passou tambm
para Antonio Costa. Era como se o Mestre fosse governar uma metade
do mundo e ele, a outra metade. S que Antnio Costa viu que para ele
no daria. Ele era comerciante e por isso foi impossvel realizar negcio.
Por isso, ele pediu Rainha [ele tambm se comunicava com ela] que o
que era pra ser dele, ela repassasse pro Irineu. (Luis Mendes)
[...] A nisso ele olhou. Ele viu a Lua cheia. A dentro da Lua ela repre-
sentou-se Lua Nova e no centro da Lua, uma princesa no meio da Lua
Nova, n? A ela foi perguntou pra ele e disse: O que que tu estais
vendo?
Ele disse: T vendo dentro da Lua uma princesa, que se o mundo
todo visse parava. At navio no oceano, se visse essa princesa que eu
t vendo, parava no oceano pra olhar.
A, ele comeou a ver muita coisa. Ela perguntou pra ele:
Tu tem coragem de dizer que essa bebida o diabo?
No.
E ela disse:Tu tem coragem de dizer que essa bebida uma cobra?
No. Eu posso dizer que dentro da Lua tem uma princesa, no pode
ser o diabo, n, t vendo uma princesa dentro da lua, no posso dizer
que uma cobra.
Ela disse:Voc t enganado, pois isso a que voc t dizendo.
No, no pode ser.
A, ela disse: Tu acredita que isso a que tu t vendo, nunca no mun-
do ningum viu? Nunca no mundo teve quem visse.
93
Ele disse:
Ah, essa no!
A, duvidou-se.
Aonde tem muitos e muitos chefes da oasca, ento, eles nunca viram
nada?
No. Vou te provar, se eles vissem o que tu t vendo eles diziam que
nem tu, ento... Tu t vendo uma princesa dentro da Lua, pois bem
se eles vissem, eles diziam mesmo que nem tu, eles nunca viram.
49
E tal e tal e tal, a, passou a mirao [...]. (Francisco Granjeiro)
94
quarto, n, s os dois. A, o Antnio Costa foi disse pra ele: Raimun-
do eu t vendo aqui uma senhora muito bonita, ento, ela t com uma
laranja na mo. Pra te entregar a laranja.
A, ele foi e disse:
Antnio porque ela no entrega pra ti?
No ela no quer entregar pra mim, ela quer entregar pra voc, e ela
t dizendo aqui que desde que tu saiu do Maranho, que ela vem te
acompanhando.
A, ele foi e disse: No.
Ele foi se lembrar se tinha na viagem arranjado alguma namorada. Mas
nada. A, ele se lembrou e disse:
Antnio pergunta como o nome dela?
Raimundo ela t dizendo que o nome dela Clara.
Clara!
A, ele procurava, procurava, e nada. A, ele foi trabalhar. Quando
um dia, ele tomou daime de novo, a, ela chegou, pegou a laranja e
entregou na mo dele.
Tome a laranja, essa laranja, voc o dono dela.
A, ele olhou na cabea dela tinha uma lua nova, e em cima da lua tinha uma
guia n. A, como que pode? E assim ele veio, foi chegando pra perto,
pra compreender depois de muitos e muitos trabalhos que Clara a Luz.
A guia que ele viu na cabea dela a guia. Clara a luz, a guia, a guia
a guia. Ento, dentro dessa estrela que a gente usa, ele queria que
colocasse dentro da lua a guia, assim como o pssaro que quer voar.
Mas o pessoal faz aberta as asas. Quando o pssaro tava no ponto de
querer voar, ento, aquele ponto que ela queria voar, era o ponto
que ele tava querendo seguir. No difcil pra ns ver e compreender?
O camarada vem e quer saber.
Isso foi antes a, passou a duvidar. Com cinco anos, foi que ele veio a
deixar de duvidar. Ele ia cortar, a, ela dizia:
Tu vai amanh cortar a estrada fulano de tal. Quando tu for descer
aquela baixinha que, tem uma madeira bem dentro da grota, tu olha
assim o lado direito.Tem um p de jarina. Debaixo tem deitado um
veado. Tu atira e mata e trs aqui pra comer.
Ele dizia: conversa!
95
A, ele esquecia daquilo. Quando ele chegou na madeira, ele lem-
brou-se.
Quando ele olhou pra l tava um p de jarina e o veado deitado debai-
xo. A, foi que cinco anos ele passou duvidando que no era verdade [...].
A, ele veio com a bebida, a, ele foi fez um teste. Porque ns, o nosso
direito... de ter a certeza. Ele me deu essa dica, n. Voc pode fazer
um teste, eu, voc, qualquer um, pode fazer um teste, se no testar
no d. Ento ele dizia:
S acredito que essa bebida boa, se eu aprender a ler.
Porque ele no sabia ler, no sabia nada. Nada de leitura. [...] A, um
dia o patro dele foi e perguntou pra ele:
Raimundo voc sabe ler?
Ele disse: Sei sim senhor.
Mas no sabia no. A, ele foi pediu l ao regato:
O senhor me mande, quando for l pra margem, mande que me
traga uma carta de ABC.
A, foi o comboio. A, o comboeiro chegou l com a carta de ABC,
passar uma lio pra ele, n. E o cara passou s o ABC, n. Com um
ms ele escreveu uma nota pro barraco, n. Agora como dizia ele:
53
Escreva quem quiser, leia quem souber, n [...]. (Francisco
Granjeiro)
96
Depois saiu nas estradas
De seringa da colocao,
Cortando as seringueiras
Em profunda meditao.
97
Est at adivinhando,
V em frente companheiro.
Disse ele se desculpando.
No precisou tomar Daime
Do quarto dia em diante.
A fora lhe acompanhava
A toda hora e todo instante,
Sempre dentro da sequncia,
Daquele apuro constante.
98
E isto o incomodava.
Pois bem saia de mulher
Poderia avistar.
Mulher seria difcil
Aparecer naquele lugar.
E que histria essa?
Ficou a se perguntar.
99
Ela disse: Est pronto,
Agora posso te entregar,
O mundo est em suas mos,
Para voc doutrinar,
Simbolizado nesta laranja
Que agora vou te repassar.
(NASCIMENTO, 2005, p. 45-49)
[...] Ela disse que ele ia precisar ficar vrios dias na mata [...] oito dias,
sozinho, sem ver ningum, afastado de tudo. Ele no podia nem ver saia
de mulher... no podia chegar perto de mulher... Era para ficar na dieta,
100
s podia comer macaxeira, sem sal nem nada, tomando daime [...] Quan-
do foi um dia, o Antnio Costa, que estava por perto, cuidando dele, foi
l e, escondido, botou sal na macaxeira dele [...] Mas o Mestre, quando
viu aquela macaxeira, foi logo dizendo para o Antnio Costa: Ento,
quer dizer que voc quer me enganar, botando sal na macaxeira?
O Antnio Costa se assombrou com aquilo, e pensou: Como ele podia
saber?
A, ele viu que o Mestre j estava entendendo das coisas [...] O Mestre
passou muita provao na mata, viu muita coisa [...].
Quando terminou a dieta, a Rainha apareceu para ele [...] A, ela disse
que ele j estava pronto para receber o que ela tinha para lhe entregar
[...] Ela disse para o Mestre que ele poderia pedir o que ele quisesse [...]
O Mestre pediu para ser o maior curador do mundo, e para ela colocar
tudo que pudesse curar naquela bebida [...] Foi a, tambm que ela disse
que a bebida se chamava daime. um pedido, uma prece que a gente
faz a Deus... dai-me sade, dai-me amor [...] A gente pode pedir tudo
porque essa bebida divina mesmo, ela tem tudo que a gente precisa
57
[...]. (GOULART, 2004, p. 34-35)
[...] Ele veio, trilhando, trilhando, trilhando, a foi colocando nome nas
coisas, como a Clara dizia, o nome dela era oasca, ele botou o nome de
daime, n, o nome que era afludo, era borracheira, ele tirou e colocou
58
afludo, que tem que a pessoa fluir e assim por diante [...].
[...] Na mata, ele viu um cip e viu que era marir. Ali perto ele encontrou
um p de folha. Quando chegou em casa, ele disse: Antnio. Achei um
p de marir e outro de chacrona.
Quem te mostrou?
Ningum!
Vamos l ento pra ver.
Antonio Costa confirmou que era verdade. Eles cortaram, bateram
e prepararam a bebida [...]. (Granjeiro, 1992, p. 18)
101
Alm dessa renomeao evidenciar um esforo de Irineu na constru-
o de uma identidade prpria para o seu novo uso da bebida, devemos
lembrar o contexto sociopoltico da poca, enfrentado por ele, no qual
suas prticas religiosas e seu uso da ayahuasca poderiam ser enqua-
60
drados nos artigos do cdigo penal vigente. Deste modo, sem des-
cartar seu aspecto proftico, a mudana do nome de ayahuasca para
61 62 63
daime, de borracheira (o efeito) para afludo , e de Marir
64
(o cip) para Jagube e de mescla ou chacrona (a folha) para rainha,
dava mais respeitabilidade e proteo ao grupo de Antnio Costa e Irineu.
Outro elemento que surge de forma ambgua nos relatos o perso-
nagem Don Pizango. Este seria um caboclo mestio peruano, introduzi-
do por Joo Rodrigues (Nica) no episdio da iniciao de Irineu com a
ayahuasca. Em seu depoimento, Rodrigues o apresenta inicialmente como
se fosse um ser humano, um chefe da ayahuasca, amigo e instrutor de An-
tnio Costa, uma espcie de mestre e conhecedor da bebida, com muito
a ensinar a Irineu. Porm, em outro momento da narrativa, ele passa ser
representado como uma entidade espiritual, capaz de se transportar para
dentro do recipiente de ayahuasca. S quem tivesse a capacidade de v-lo
poderia trabalhar com a bebida e, dentre os participantes da cerimnia,
Irineu teria sido o nico a ver Pizango dentro da cuia. No depoimento
ele apresentado como descendente dos incas, o que pode ser uma ma-
65
neira de lhe atribuir um valor, uma garantia para a sua sabedoria. No
fica claro no relato se Pizango seria tambm o responsvel pela primeira
experincia de Irineu com a ayahuasca (aquela em que ele teria chamado
pelo demnio).
102
Eles olhavam e diziam que s viam o daime. A Pizango falou: S usted
tem condies de trabalhar com o daime. Ningum mais est vendo o
que tu esta vendo.
Ele se deslocou dali pra casinha que defuma a borracha o defumador,
pedindo para algum levar um bao, a vasilha com o daime, pra l.
O Mestre chamou um dos seus companheiros. Foi Andr Costa que levou
o bao. Quando trabalho terminou, s encontraram a vasilha seca.
O daime tinha se consumido. (RODRIGUES, 1992, p. 21)
103
Figura 17 Cabealho do papel timbrado do Crculo Regenerao e F.
104
s quartas-feiras. Sabe-se que, por muito tempo, essas reunies eram iti-
nerantes, para evitar a perseguio policial. Muitas vezes, eram realizadas
em clareiras, casas de amigos seringueiros, ou outros lugares que propor-
cionassem certo acobertamento. Existem atas do CRF referentes a sesses
realizadas nos seringais Marapani (Bolvia), Porvenir (Bolvia), Longa Vida
(Brasil), Lago Valncia (Peru), Maldonado (Peru), Novo Plano (Brasil),
assim como na sede em Brasileia. O CRF sofria grande perseguio policial,
provavelmente por ser visto pelas autoridades como uma agremiao de
75
negros curandeiros, usurios de substncias venenosas.
Beatriz Costa nasceu no seringal Guanabara nas imediaes de Bra-
sileia em 1917. Ela lembra ter participado das sesses do CRF quando
pequena e tambm das ocasies em que a polcia chegava para reprimir
a reunio. Vejamos sua narrativa sobre esses acontecimentos e a maneira
76
como os membros do CRF usavam a dana para despistar a polcia.
[...] Era assim como se fosse fazer uma festa. S que eles eram perse-
guidos. Nesse tempo no era liberto, no! Tinha de fazer a festa na
sesso escondido. Eles faziam um bosque, meu tio e meu pai Andr
Costa. Um bosque na mata, n, limpava aquela mata muito grande,
quando acabava ia pro rio e de noite a gente ia pra l. Eu me lembro
que era pequenininha, tinha uns seis anos pra sete anos. A, eu me
lembro que tomava o daime [...]
[...] A nossa janta era macaxeira insossa com ch de laranja, bem frio
e doce. A, que a gente ia tomar aquilo ali. Quando mais um pouco,
no sei l como que ele (meu tio) sabia, nos avisavam. Eu no me
lembro bem, mas de repente, eles encerravam a sesso. Pois a polcia
ia de Cobija atrs de prender l eles [...]. A, eles avisavam e acabavam
a sesso, no sei como. Era que eles iam e nos avisavam. A, a gente vi-
nha pra casa, sabe? E se tornava uma dana. A gente ia danar pra eles
chegar. A, a gente tava danando, eles chegavam e no viu nada [...].
77
A, eles voltavam, deixava a gente em paz tambm. (Beatriz Costa)
105
tos, elaborados na poca, com registros dessas comunicaes. Geralmente
era Antnio Costa quem recebia as comunicaes e as repassava ao secre-
trio, Alfredo Lins, para serem transcritas. Esses registros eram assinados
por entidades espirituais de nomes e ttulos tais como: Rainha da Flores-
ta, Prncipe Aristomundos, Marechal Grujirio, Princesa Tremira, Rainha
Delatada (sic) da Floresta. Alm deles, os seres Rei Titango, Rei Tituma e
79
Rei Agarrube tambm faziam parte do panteo de entidades que se co-
municariam durante as sesses do CRF. Para invocar esses seres faziam-se
80
chamadas ou chamados. (BAYER NETO, 2003) Jesus Costa e Beatriz
Costa fizeram comentrios sobre essas comunicaes:
[...] Nessas sesses que eram feitas l, com meu pai e minha me, eles
recebiam um tipo mensagem ou prtica. Ele chamava de prti-
81
ca. Eram orientaes repassadas pelo esprito. Aquilo era um tipo
de regulamento que se devia seguir. Toda sesso tinha isso a [...].
Rainha da Floresta era uma denominao quando era dada a Nossa
Senhora. Geralmente ela tinha muita mensagem. Vinha diretamente
dela, a Rainha da Floresta. Quando terminava a mensagem ela assina-
va, Rainha da Floresta. [...] Na mesa deles tinha caneta, tinha papel,
tinha tudo. [...] Eles se concentravam. A, meu av ia recebendo e ia
passando pro secretrio e o secretrio ia escrevendo [...]. L assinava a
82
Rainha da Floresta [...] . (Jesus Costa)
[...] De tudo saa. Eles escreviam tudo, por fim dos tempos muitas
coisas iam acontecer. Tudo saa das prticas. Chamava-se prtica
83
[...] . (Beatriz Costa)
106
Figura 18
Anotaes de
Alberto Costa
de 1972 sobre
Livro Ata
do CRF - I.
Figura 19
Anotaes de
Alberto Costa
de 1972 sobre
Livro Ata do
CRF - II.
Figura 20
Anotaes de
Alberto Costa
de 1972 sobre
Livro Ata do
CRF - III.
107
O CRF parece ter funcionado de 1916 a 1943. Tudo indica que suas
reunies foram suspensas entre 1926 e 1936, mas no temos dados sufi-
cientes para indicar com segurana as razes para isso. Cremos que possi-
velmente tenha sido devido perseguio policial.
108
Da mesma maneira, no podemos afirmar com preciso quando
foram reabertos os seus trabalhos, entretanto, estima-se que o CRF en-
cerrou suas atividades definitivamente no ano de 1943. O documento em
papel timbrado do CRF, que encontramos, datado 22 de novembro de
1942. Supostamente esta seria a data de uma das ltimas atividades do
Centro, que teria mantido o modelo de comunicao, ou prtica, espri-
ta como padro das reunies durante toda sua existncia.
A seguir vemos a foto de um documento original transcrevendo co-
municaes ou prticas. No final do texto observamos a assinatura de
uma entidade chamada Vossa delatada da Floresta.
Assim como as comunicaes ou prticas eram praxe no centro,
havia tambm, um momento no ritual para se consultar as entidades para
obter conselhos sobre situaes difceis ou questes de sade. Nestas con-
sultas eram sugeridas solues pelas entidades para as variadas questes dos
consulentes, como tambm eram passadas receitas de remdios da floresta
e remdios industrializados. Isso demonstrado na foto do fragmento do
livro ata do CRF.
109
Outra prtica dentro do CRF era o uso pelos participantes de ttulos
de nobreza ou de patentes militares semelhantes aos atribudos s enti-
dades. Beatriz Costa lembra que sua tia Josefina Ortiz Costa, esposa do
Antnio Costa, usava o ttulo de rainha, j uma participante, de nome
Dulce, usava o ttulo de princesa. No se sabe ao certo as implicaes
destes ttulos. A importncia atribuda a certas entidades que se manifes-
tavam no centro pode ser avaliada pelo fato de Antnio e Andr Costa
batizarem suas filhas em homenagem a duas destas. Assim, do casamento
de Antonio Costa com Josefina Ortiz nasceram duas filhas e uma das
meninas foi batizada com o nome de Nobina (ver genealogia da fam-
lia Costa em Apndice E), correspondendo manifestao da Princesa
Nobina. J o casal Andr Costa e a peruana rsula Gana batizou uma
de suas filhas com o nome de Maria Tremira, em homenagem entidade
84
Princesa Tremira. s vezes, certos cargos, desempenhados durante os
rituais por participantes mais graduados, recebiam ttulos de entidades
espirituais. Alm disso, usavam-se tambm patentes da hierarquia militar,
que variavam de soldado a marechal, para fazer distines entre os par-
ticipantes do culto. Antnio Costa ocupava o cargo de Marechal, Andr
85
Costa e Irineu ocupavam o de General , outros, os de major, tenente,
sargento e assim por diante. Fala-se que usavam uma farda branca com
detalhes azuis, onde as distines eram marcadas por divisas pregadas nas
86
roupas. Seguem trechos de relatos de Jesus Costa e Beatriz Costa sobre
estes temas.
[...] Eles tinha, assim, patente, n. Era Presidente, era General, era
Marechal, era tudo. Meu tio Antonio Costa era o Presidente da Asso-
ciao e ele o Praticante. Da ia baixando, mesmo que num quartel n?
Tinha Major, Tenente... Tudo era assim. O Hermgenes era Tenente
88
[...]. (Jesus Costa)
110
A iniciao ayahuasqueira de Irineu, concomitante de Antnio Cos-
ta, e seu ingresso no CRF, tornaram-no alvo da perseguio que a polcia
movia contra a feitiaria. A pele negra exacerbava a estigmatizao que ele
e seus companheiros sofriam, exigindo que tomassem medidas de precau-
o, como variar os locais de seu culto, chegando at a fazer suas reunies
do outro lado da fronteira. Foi provavelmente nessa poca que aconteceu
um episdio, envolvendo a perseguio dos frequentadores do CRF pela
polcia de Cobija, que deixou uma marca fsica permanente em Irineu:
uma cicatriz entre os dedos da mo direita, prxima ao dedo mindinho
e que chegou a ser registrada em sua carteira de identidade. Segundo seu
sobrinho, isso teria sido resultado de uma bala que o atingiu num conflito
com os policiais bolivianos. Conforme Daniel Serra relata, esse conflito
foi prximo a um rio (no se sabe ao certo qual rio, se o Rio Xipamanu
ou Rio Acre). s suas margens, Irineu, aps tentar fugir, em determinado
momento resolveu enfrentar seus perseguidores, chegando a segurar um
deles e a arremess-lo contra os outros. Em seguida, atirou-se no rio, sob
forte saraivada de tiros disparados pelos policiais bolivianos, e teria sido
89
durante sua travessia a nado que sua mo foi atingida pelo projtil. No
se tem clareza sobre quando ocorreu esse episdio, se foi no incio ou no
final de sua passagem pela regio. De toda maneira, seria mais um exemplo
das agruras que Irineu sofreu naquela poca e que terminaram por lev-lo
a deixar a regio.
Outro fator importante que tambm poderia ter determinado a sua
sada de Brasileia foi a convivncia conflituosa que mantinha com sua com-
panheira Emlia Rosa Amorim, j que esta no aceitava seu uso de daime e
nem sua participao naquele centro, to estranho s suas crenas religio-
sas. Provavelmente ela compartilhava da viso generalizada de que aquela
era uma bebida demonaca, considerando os companheiros de Irineu como
seus comparsas num culto ao demnio. Alm disso, diz-se que Elias Manga
da Silva, seu filho, que j tinha sete anos na poca em que Irineu se juntou
sua me, rejeitava-o por ser negro. Desse modo, Irineu tambm enfrentava
dentro de casa um estigma anlogo ao que sofria no mundo externo.
Irineu teve dois filhos com Emlia: um menino que no recebeu o
90
seu sobrenome, chamado Valcrio Gensio da Silva , e uma menina bati-
91
zada com o nome de Valcirene. Valcrio , o primognito, nasceu no dia
111
20 de Janeiro de 1918. J a menina nasceu por volta de setembro de 1918.
Afirma-se que ela s viveu cerca de um ano e oito meses (SILVA, P., 1992,
p. 22), mas se tomarmos por base a data de chegada de Irineu a Rio Bran-
co, no dia 2 de janeiro de 1920 (HOLDERNES apud ALVES, 1984, p. 4),
ela teria vivido apenas um ano e quatro meses.92
Em condies to adversas, no surpreende que tenham surgido de-
savenas entre os membros do centro e, mesmo sabendo-se pouco sobre
os detalhes do episdio, parece certo que Irineu se desentendeu com
93
Antonio Costa e deixou o CRF. Esta foi somente uma das rupturas que
sofreu nesse perodo. Alm de sair do centro, abandonou tambm a ocu-
pao que exercia, seja de mateiro, ajudante de regato (junto a Antnio
Costa) ou outra sorte de trabalho ligado extrao da borracha, atividade
que j estava ento em plena decadncia econmica. Separou-se de Em-
94
lia Rosa Amorim logo aps a morte prematura de sua filha Valcirene,
deixando seu filho Valcrio aos cuidados da me, e tomou o rumo de Rio
Branco. Este parecia ser um local promissor, j que circulavam rumores
95
de que, em breve, se tornaria a capital do territrio acreano , passando a
ter um governador geral, nomeado pelo Presidente da Repblica. Irineu
entendeu que l estava uma nova chance de se integrar devidamente
sociedade acreana.
112
uma instituio forte, representante do Governo Federal e que, desde
sua formao at a sua elevao a estado, o Territrio Federal do Acre foi
comandado por inmeros governadores e secretrios gerais oriundos das
hostes militares.
Figura 23 Porto da cidade de Rio Branco em 1912 (oito anos antes da chegada de Irineu).
96
A entrada de Irineu para a Fora Policial marca tambm uma impor-
tante inverso de papis em sua vida. De perseguido pela polcia, passou a
membro daquela instituio. Fala-se que Irineu, em suas folgas, continuou
discretamente a fazer uso de daime (depoimento de Ceclia Gomes em
97
comunicao pessoal a Saturnino Brito do Nascimento ), pois, o cip e a
folha abundavam na regio de Rio Branco. Embora nesse momento no
fizesse mais parte de um grupo daimista, continuou, mesmo que solitaria-
mente, seus estudos com a bebida.
Logo ao entrar na Fora Policial, Irineu fez amizade com Germa-
no Guilherme, o msico Joo Pereira e Joo Leo, que viriam a ser seus
primeiros discpulos. Germano era um negro pernambucano apelidado de
Maninho por Irineu, e, inicialmente, deve ter sido o nico a acompanh-
-lo no seu consumo de daime. Diz a histria que Germano, desconfiado
do sumio ocasional de Irineu, perguntou-lhe se podia acompanh-lo nas
folgas e, dessa forma, acabou sendo iniciado no Daime.98
113
Figura 24 Boletim da Fora Policial, n. 172 (documento inteiro).
Figura 26 Germano Guilherme e Joo Pereira constam na lista de louvor de 23 de junho de 1922.
114
Figura 27 Quartel da Fora Policial construdo em alvenaria e inaugurado
a 15/11/1929 em Rio Branco-AC.
115
Figura 28 Carteira de identidade Figura 29 Fontenele no
Manoel Fontenele de Castro. incio da carreira militar.
116
regio e desenvolveu-se o comrcio de peles e couros de animais silvestres,
com alto valor de mercado. Assim, a modificao da configurao produ-
tiva da regio foi paulatinamente formando mercados diferenciados das
velhas modalidades de produo. (SOUZA, 2005, p. 172)
Com a chamada Revoluo de 1930, realizada por polticos de Minas
Gerais e Rio Grande do Sul, Getlio Vargas assumiu a Presidncia da Rep-
blica. Entre outras medidas ditatoriais, extinguiu todas as Cmaras Munici-
pais do Territrio Federal do Acre, tirando da sua populao qualquer direito
de eleger seus representantes polticos. O Acre continuou como Territrio,
administrado pela Presidncia da Repblica e governado por interventores
nomeados por Vargas.102 Por outro lado, a Revoluo de 1930 representava
tambm uma ruptura com um passado no qual sobreviviam ainda muitas
caractersticas coloniais. Deu lugar implantao de um novo modelo socio-
econmico marcado pela urbanizao e industrializao. Essa nova situao
fomentava novas ideias e a reinterpretao de antigas tradies. (ORTIZ,
1988, p. 31-32) Tais mudanas seriam importantes nos processos de forma-
o da Umbanda no Rio de Janeiro e em vrios outros estados brasileiros,
assim como na configurao do Daime em Rio Branco.
Em 1928, Irineu conheceu Francisca, uma cearense, vinte anos mais
velha do que ele, e a tomou como companheira ele tinha trinta e oito
anos e ela cinquenta e oito. Aps a sua sada da polcia, Irineu, junto com
D. Francisca, procurou um lugar para morar no entorno de Rio Branco.
A regio onde acabou se instalando fazia parte do Seringal Empresa e,
na poca, ainda havia por l muitas colocaes de seringa (termo usado
no primeiro e segundo ciclos da borracha para denominar o lugar onde
o seringalista colocava o seringueiro), apesar da baixa pela qual passava o
mercado da borracha. Essas localidades eram pouco assistidas pelo governo
e careciam de qualquer benfeitoria. Irineu, quando chegou ao local de sua
nova moradia, utilizou o conhecimento que adquirira em suas andanas
pelas florestas acreanas, ajudando a populao local a se livrar de um mal
at ento inexplicvel. Daniel Serra lembra duma histria que seu tio lhe
contou sobre este perodo.
Era no tempo que o Mestre foi morar novamente numa antiga co-
locao de seringa. L nessa colocao, todo mundo que ia morar
117
l morria. Quando morreu uns quatro ou cinco por l, ele decidiu:
Eu quero morar l nesse lugar. Eu quero tomar conta de l.
Ele foi pra l. Foi no tempo que ele morava com a dona Francisca.
Quando ele arriou a bagagem, disse para ela: Olhe no beba gua.
Espera a, vamos ver o que tem a.
A, saiu procurando a vertente. A, quando ele chegou na vertente, ele
encontrou uma planta chamada capana encostada na gua. Eles
tomavam a gua com o veneno da capana. Ela um veneno muito
forte, ela igual ao assacu e outros venenos violentos que tem por l.
Com uma semana ou duas, as pessoas morriam. Ele tirou a capana
de dentro da vertente, a, ningum mais morreu naquela colocao.
O ano que ele viveu l, todos viveram com sade.103 (Daniel Serra)
118
Notas
1 O nome deste municpio vem do processo de catequese missionria dos Mercedrios,
Jesutas e Franciscanos. Consagraram o nome do municpio a uma homenagem ao
frade dominicano So Vicente Frrer, um pregador da igreja espanhola do sculo XV.
Nascido na cidade de Valncia, Espanha (1355), faleceu na cidade de Vannes, na Fran-
a (1419), em cuja catedral se encontra seu tmulo, objeto de venerao.
2 E seguinte o contedo da certido de casamento: Aos vinte e trs de janeiro de
oitocentos e noventa, na matriz desta Villa de So Vicente, feitas as denominaes ca-
nnicas, sem se descobrir impedimento algum, em minha presena e das testemunhas
de Jesus Arajo e Marianno Jos de Mattos, se casaram religiosamente por palavras do
presente Sancho Martinho de Mattos e Joana DAssuno Serra, ele filho legtimo de
Fabrcio Pacheco de Mattos e Lourena Rosa de Mattos e ela filha legtima de Andr
Cursino Serra e Leopoldina Filomena Madeira, naturais e familiares desta freguesia: e
logo lhe dei as bnos conformes os ritos e cerimnias da Santa Igreja Romana. E para
amostrar fiz este termo, eu, o Padre Jos Brulio Nunes, Vigrio encomendado.
3 A casa feita toda com palha onde Mestre Irineu nasceu pegou fogo muitos anos aps
sua partida. Posteriormente foi construda outra nos mesmos alicerces, sendo as paredes
de taipa e o telhado coberto de palha. esta a casa da figura 4, tirada quando Eduardo
Bayer Neto esteve em So Vicente Frrer em 1992. J em janeiro de 2007, quando
o pesquisador e coautor deste livro, Paulo Moreira, esteve no local com Seu Daniel,
sobrinho de Mestre Irineu, s encontrou os seus alicerces.
4 A construo da igreja matriz foi em 25 de outubro de 1830 pelo vigrio encomendado
Francisco de Paula e Silva, conforme registro no arquivo da arquidiocese de So Lus.
A igreja foi muitas vezes reformada, e totalmente reconstruda entre 1958 e 1960 pelo
padre Heitor Piedade Jnior.
5 o seguinte o contedo do registro na ntegra: Aos vinte dois de maro de mil oito-
centos e noventa e um, na matriz desta vila de So Vicente, batizei solenemente e ungi
com os santos bens o inocente Irineu, nascido a quinze de dezembro de ano ltimo
findo, filho legtimo de Sancho Martinho de Mattos e Joana da Assuno Serra: foram
padrinhos Joo Crisogino de Moraes e Maria Xavier de Moraes. E para constar fiz este
termo, eu, Padre Jos Brulio Nunes, Vigrio encomendado.
6 No h registros de nascimento em cartrio neste perodo, somente batistrios.
7 Relato feito por Dona Rita Serra, filha de Paulo Serra, sobrinha de Joana da Assuno
Serra e prima de Irineu, em entrevista realizada por Moreira em 03 de fevereiro de
2007.
8 Servio de Identificao Nome: Raimundo Irineu Serra; Data de nascimento: 15 de
dezembro de 1892; Filiao: Sancho Martins de Matos e Joana de Assuno Serra; Na-
cionalidade: brasileira; Estado: Maranho; Forma fsica Cor: preta; Olhos: castanhos
escuros; Cabelo: preto e cacheado; Cicatrizes: cicatriz de golpe na mo direita; Rio
Branco/Acre: 18 de setembro de 1945.
9 A respeito ver: Prado Jr. (1945, p. 41), Furtado (1961, p. 459) e Holanda (1998, p. 87).
10 O sobrenome de Ezequiel de Mattos pode ser ou no um indcio de que ele seja paren-
te de Sancho Martinho de Mattos.
11 Paulo da Assuno Serra morreu em 25 de outubro de 1958, meses aps a visita de
Mestre Irineu a So Vicente Frrer no fim de 1957 e incio de 1958.
119
12 Confira: Revista o Centenrio (1992, p. 18), Cemin (2001, p. 77-78) e Goulart (2004,
p. 28).
13 Entrevista concedida a Sandra Goulart por Luis Mendes em 1994.
14 O tambor de crioula uma dana de roda realizada ao som de tambores feitos de tron-
cos, um folguedo caracterstico da cultura negra do Maranho, realizado por devotos
para pagar promessa a So Benedito. (FERRETI, 2002)
15 No comeo do sculo os viajantes que saam de So Vicente Frrer com destino a So
Lus, deslocavam-se at cidade de Cajapi, e de l para o Porto Beira da Costa. Outra
opo era ir para So Bento, ou, ao porto de So Joo Batista, conhecido como Porto
de Raposa, onde se podiam pegar barcos ou igarits (canoas de maior porte), havia
tambm as gambarras, embarcaes para o transporte de animais para o matadouro.
(PINTO, 2001, p. 13)
16 Comunicao pessoal de Z Maria, irmo de Daniel Serra, ambos filhos da irm de
Mestre Irineu, Maria Mattos fevereiro de 2007 ( ver Figura 6).
17 Comunicao pessoal de Daniel Serra, sobrinho de Mestre Irineu que hoje mora em
So Lus, em fevereiro de 2007.
18 Os ingleses conseguiram sementes da seringa da Amaznia, atravs de um compatriota
chamado Henry Wichham, em 1876, que levou as sementes para a Inglaterra, onde fo-
ram preparadas, para serem plantadas na Malsia conseguindo assim um produto mais
barato que o da Amaznia brasileira.
19 Confira: Revista o Centenrio (1992, p. 7-18), Cemin (1998, p. 80), Carioca (1998,
p. 2), Maia Neto (2003, p. 93) e Goulart (2004, p. 29).
20 O Acre era formado por 191.000 km2, diminuiu sua extenso para 152.589 km2,
ficando o restante com o Peru aps o tratado do dia 8 de setembro de 1909.
21 Paulo Serra entrevista em 14/03/2007, Rio Branco-AC.
22 Antes de sua fundao, em 28 de setembro de 1904, pelo coronel do Exrcito Nacional
Gregrio Thaumaturgo de Azevedo, se chamava Centro Brasileiro sede do munic-
pio do Juru, depois renomeado como Cruzeiro do Sul.
23 A sede do municpio foi fundada em 1 de outubro de 1907, por Antonio Antunes de
Alencar.
24 Na poca, Assis Brasil era regio do municpio de Brasileia, s depois, em 14 de maio
de 1976 foi desmembrado.
25 Chamava-se Mariscal Sucre, foi elevado categoria de Vila em 25 de agosto de 1904 e
tornou-se municpio pelo decreto nmero 9.831 de 23 de outubro de 1912.
26 O trabalho do gerente era inspecionar o seringal e substituir o seringalista em suas
ausncias.
27 Responsvel pelo estoque de mercadorias do barraco do seringalista e tambm pela
produo de borracha entregue pelos seringueiros.
28 Coordenava os depsitos de borracha e peles de animais silvestres trazidas pelos serin-
gueiros.
29 Responsvel pelo transporte de mercadorias para as colocaes de seringa e a retirada
da borracha em burros de carga.
30 Responsvel pela identificao de novas reas de florestas que continham rvores serin-
gueiras.
120
31 Era responsvel pela abertura das estradas de seringa.
32 Responsvel pelo abastecimento de carne de caa para o seringalista.
33 Era o responsvel em fiscalizar os cortes das seringas, para no danificar as rvores de
seringa e tambm impedir a plantao de gneros alimentcios na colocao.
34 Barqueiro que burlava o sistema de barraces trazendo gneros alimentcios em troca
de pelas de borracha.
35 A antiga Braslia foi desmembrada do municpio de Xapur em 1938 e seu nome mo-
dificado para Brasileia em 1943. Braslia foi fundada em 3 de julho de 1910, localizada
na margem esquerda do Rio Acre, era apenas um vilarejo com poucas casas, abrigando
alguns seringalistas, juristas e alguns homens e mulheres do povo.
36 Antonio Raimundo Costa era filho de Joo Gualberto Costa e Maria da Anunciao
Caxias. Nasceu no Maranho, aproximadamente, em 1882 e morreu em 1950 no Se-
ringal Porvinir em Brasileia/Acre (entrevista realizada a Jesus Costa, neto de Antnio,
em maro de 2007).
37 Andr Avelino Costa tambm filho de Joo Gualberto Costa e Maria da Anunciao
Caxias. Nasceu no Maranho em 10 de novembro de 1888 e morreu em Rio Branco,
Acre, em 24 de julho de 1951 (Certido de bito no frum de Rio Branco ver foto-
grafia em Anexo A).
38 Em decorrncia dos eventos discutidos neste livro, o nome difundido por Mestre Iri-
neu: daime tornou-se especialmente conhecido.
39 Comumente conhecidos pelos nomes mariri ou jagube e chacrona ou rainha
respectivamente.
40 Como j foi colocado na introduo, o uso desta bebida de procedncia indgena
(KENSINGER, 1973; LAGROU, 1996; LANGDON, 1986; REICHEL-DOLMA-
TOFF, 1976) foi disseminado na regio do Alto Amazonas entre comunidades ribeiri-
nhas e urbanas. Estas absorveram fragmentariamente as prticas dos rituais indgenas,
reinterpretando e sistematizando novas matrizes, inserindo o uso dentro da cultura
religiosa e curandeira local. Este uso no indgena da bebida fora do Brasil verifica-
do exclusivamente por tradies xamansticas denominadas como Vegetalismo bo-
liviano, peruano e colombiano, classificadas tambm como uso mestio. Os relatos na
histria da Amaznia ocidental constatam a existncia desses curandeiros, conhecidos
como mestres vegetalistas, ou chefes da ayahuasca, desde meados do sculo XIX
(LUNA, 1986; TAUSSIG, 1993), vistos na poca como brujos (bruxos) ou hechiceros
(feiticeiros) geralmente vinculados a caractersticas ambguas, aptos a curar, como a
efetuar feitios malficos. Eram vistos como mediadores entre a divindade e o cliente.
Interpretao similar desse episdio foi feita anteriormente por Edward MacRae (2000,
41
p. 15): Durante una estada en El Peru, fue presentado por un coterrneo suyo, Antonio
Costa, a unos caboclos que tomaban ayahuasca, llamada por ellos purgante. La intencin
de esta prctica era atraer fortuna y felicidad, pero como el ritual inclua la invocacin de
entidades espirituales indgenas, muchos lo consideraban un pacto Satnico. Posterior-
mente Goulart desenvolveu tambm o tema de maneira similar. (GOULART, 2004)
42 Este um dos termos que definem a categoria de lder nas sesses ayahuasqueiras do
vegetalismo peruano, boliviano e colombiano.
43 Nasceu em Xapur no dia 26 de Junho de 1921. Comeou a tomar daime em 1950
com Mestre Irineu, convivendo com ele por 21 anos nesse perodo foi designado por
Mestre Irineu para ser feitor de daime.
121
44 O suposto contexto satnico da experincia inicial de Irineu com ayahuasca j foi inter-
pretado de diversas maneiras por antroplogos pesquisadores da rea. A antroploga
Arneide Bandeira Cemin correlaciona este episdio ao tema fustico de Goethe, e ao
ciclo do demnio logrado dos folcloristas brasileiros (CASCUDO, 1976; FERREI-
RA, 1995). Para ela, esse modelo reproduzido em diferentes narrativas populares,
preservadas e difundidas nos folhetos literrios e nas inmeras edies dos livros de
So Cipriano e Oraes da Cruz de Caravaca, compondo uma espcie de vrios faustos
(CEMIN, 2001, p. 199). Dentre os temas fusticos, ela correlaciona especificamente
a experincia de Irineu categoria de Fausto da Salvao de Jerusa Ferreira (1995),
onde o heri convertido por interveno do bem. A nosso ver, Cemin baseia suas
interpretaes nas narrativas mticas sobre a experincia de Irineu com a ayahuasca
num contexto satnico. Entretanto, se considerarmos que possivelmente estas narra-
tivas expressam ecos de uma imagem distorcida repassada a Irineu sobre o contexto
vegetalista (como contexto satnico), a ddiva de um pacto satnico surgir como
mais uma possibilidade. Outra interpretao desse contexto feita pela antroploga
Sandra Goulart, que constata que seguidores de Irineu associam o seu contato ini-
cial com a ayahuasca no ambiente vegetalista (caboclo ou mestio) como lcus do
demnio, ou, da magia negra (contexto negativo), e outras vezes, esse mesmo
ambiente em outro momento referenciado como lcus da sabedoria e do conheci-
mento dos incas (como contexto positivo), quando citado o caso do caboclo D. Pi-
zango (iniciador de Irineu na ayahuasca). A nosso ver, essa lgica binria contraditria
talvez fique mais compreensvel se levarmos em conta que para os habitantes da regio
daquela poca a prpria cultura indgena era vista como demonaca. Assim, como j
colocamos antes, necessrio lembrar que nos mesmos relatos, Irineu ao final da expe-
rincia desconstri a distoro dos valores depreciativos sobre a bebida e sobre a cultura
vegetalista. Desse modo, para ns, a constatao de tal lgica binria incongruente nos
relatos possivelmente resultado da prpria incompreenso repassada a Irineu antes
da experincia. Portanto, partindo-se do nosso ponto de vista, a suposta compreenso
de Irineu ressignifica tal lgica, tambm constatada pela antroploga Sandra Goulart.
Assim, pode-se dizer que alguns aspectos do vegetalismo passaram a ser ressaltados,
outros esquecidos e outros ainda ressignificados a partir da revelao dada a Irineu por
uma entidade feminina que lhe props uma misso espiritual particularizada e distinta
do contexto vegetalista.
45 Entrevista de Francisco Granjeiro dada a Antnio Macedo em 1999.
46 Mirar o termo usado para o processo visionrio, tambm conhecido como mira-
o, desencadeado pela ingesto da ayahuasca.
47 Sobrinho de Joo Rodrigues (Nica) que mantm arquivo pessoal de entrevistas sobre a
doutrina de Mestre Irineu.
48 Devemos aqui lembrar que nas tradies vegetalistas a ayahuasca frequentemente
associada a um ser espiritual em forma de cobra.
49 Entrevista de Francisco Granjeiro dada a Antnio Macedo em 1999.
50 Conjunto de hinos recebidos sob efeito da bebida. Os hinos so canes temticas,
de doutrinao, louvao e ensinos da Rainha da Floresta.
51 Lua Branca, Me Divina, Virgem, Rainha da Floresta, Lua Cheia, Luz, Virgem Me,
Me Celestial, Virgem da Conceio, Me de Deus da Criao, Virgem Senhora, Santa
Virgem, Me de Piedade, Me, Me do Redentor, Virgem Maria, Rainha do Mar, Pro-
fessora, Divina Me, Me de Todos, Mezinha, Estrela que me Guia, Me Protetora,
Minha Rainha, Mame e Minha Flor. O importante destas nominaes a variedade
122
das categorias empregadas por Mestre Irineu na identificao desta divindade, ou seja,
o carter cambiante e simblico dos significados em relao ao significante. Enfim,
esses elementos vo transitar nos relatos, nas letras das msicas executadas no ritual, e
no imaginrio dos seguidores ampliando-se ainda mais o sentido metafrico, principal-
mente, sob o efeito do psicoativo.
52 Segundo Turner, os smbolos possuem propriedades de condensao, unificao de
referentes dspares, e polarizao de significado. Um nico smbolo, de fato, representa
muitas coisas ao mesmo tempo, multvoco e no unvoco. Seus referentes no so
todos da mesma ordem lgica, e sim tirados de muitos campos da experincia social e
de avaliao tica. (TURNER, 1974, p. 70-71)
53 Entrevista de Francisco Granjeiro dada a Antonio Macedo em 1999.
54 Em vrias tradies indgenas usurias da ayahuasca ocorrem as prescries de evitar
certas comidas e intercurso sexual, antes e aps a ingesto da bebida.
55 Comunicao pessoal, em fevereiro de 2007, em So Lus.
56 Contempornea de Irineu e sua antiga secretria pessoal.
57 Entrevista dada a Sandra Goulart em 1994.
58 Entrevista de Francisco Granjeiro dada a Antnio Macedo, 2000.
59 No podemos deixar de fazer aqui uma analogia preocupao atual dos daimistas
em negarem que sua bebida seja uma droga, mesmo reconhecendo que contenha o
elemento psicoativo DMT.
60 A poltica oficial de represso feitiaria era baseada no decreto de 11 de outubro de
1890, que introduzia no cdigo penal os artigos 156, 157 e 158, referentes prtica
ilegal da medicina, da magia e que proibia o curandeirismo e o uso de substncias ve-
nenosas (MACRAE, 1992, p. 65).
61 Termo cujo significado em espanhol, embriaguez, traria conotaes obviamente des-
qualificadoras para o estado de conscincia resultante do uso da ayahuasca.
62 Termo associado ao espiritismo ou esoterismo de origem europeia que, embora tam-
bm perseguidos, eram menos estigmatizados que o baixo espiritismo, de origem
afro-indgena.
63 Termo de origem quchua.
64 Termo de origem quchua.
65 Sugesto feita em Goulart (2004, p. 37).
66 Departamento de Pando Bolvia.
67 Segundo a entrevista de Valcrio Gensio dada a Ovejero (1996, p. 61, traduo nossa):
Ela chegou ao Acre em 1909, quando estas terras estavam praticamente desabitadas,
nos tempos que vieram depois do Tratado de Petrpolis, ao fim da revoluo. Veio
como empregada a um seringal, em um navio onde viajavam trezentos homens e trs
mulheres, que eram ela, a esposa e a cunhada do patro (sabe-se que para vir naquela
poca mulher para o Acre era um sacrifcio, a no ser que fosse boliviana ou peruana).
Pois, a chegou minha me com um filho no seringal Porvenir, onde conheceu um baia-
no com quem se casou. Depois de um tempo, saram do seringal para vir para Cobija,
onde ela era lavadeira. Logo, o marido faleceu e ela conheceu meu pai, Mestre Irineu,
com quem ela gerou uma menina.
68 Comunicao pessoal de Paulo Serra julho de 2007 ver grfico genealgico da Fam-
lia de Irineu Serra III, no Apndice C.
123
69 Crculo Esotrico da Comunho do Pensamento (1997, p. 12-13) uma ordem ocul-
tista fundada pelo portugus Antonio Olvio Rodrigues, a 27 de junho de 1909, em
So Paulo, inspirada nos ensinamentos do guru indiano Swami Vivekananda e nos
princpios teosficos de Madame Blavatsky. Sabe-se que esta instituio esotrica, atra-
vs de uma publicao chamada Revista do Pensamento, teve ampla divulgao de sua
filosofia circulando pelo Brasil at em regies mais longnquas como a Amaznia e o
serto nordestino. Segundo Vera Fres (1986, p. 47), Mestre Irineu teria se filiado
a esta ordem esotrica (recebeu honrarias e certificados dessa organizao) somente
em 1955, e, tambm, a ordem Rosa Cruz, ambas, com representao em Rio Branco.
Identificam-se varias influncias destas duas organizaes refletidas na doutrina do San-
to Daime. (MACRAE, 1992)
70 Procuramos nos arquivos da matriz do CECP em So Paulo, o cadastro do Centro de
Irradiao Mental Tattwa Circulo de Regenerao e F. Mas no encontramos nenhuma
referncia ou cadastro oficial do CRF entre 1910 e 1925. Continuamos a investigao
sobre o cadastro de filiao dos membros do CRF e mesmo assim nada encontramos
sobre os Costa ou Irineu.
71 Foi escrivo do frum de Brasileia na poca. Ele tambm foi quem possivelmente regis-
trou a associao em cartrio. Procuramos algum cadastro dessa associao no frum
de Brasileia, mas o livro com essas anotaes foi perdido num incndio na dcada de
1940.
72 Fala-se que existiam alguns cargos como comando fiscal, comandante de regimento e
outros (comunicao pessoal de Jesus Costa julho de 2007).
73 Filha de Andr Avelino Costa, do seu primeiro casamento com Maria Nlia.
74 Entrevista de Beatriz Costa dada a Jair Facundes, 2004.
75 Termo oficialmente usado na poca para designar o que hoje seriam chamadas de drogas.
76 Estratgias similares foram usadas em outras partes do Brasil para acobertar a realizao
de vrias atividades culturais perseguidas pela polcia tais como a prtica da capoeira ou
a realizao de cultos do Candombl.
77 Entrevista com Jair Facundes em 2004.
78 O recebimento de comunicaes desse tipo chamado pelos espritas de psicografia.
79 O antroplogo Clodomir Monteiro da Silva levantou essa informao em entrevista
realizada com Andr Raimundo Avelino Costa, filho de Andr Costa. Os reis Titango,
Tituma e Agarrube so entidades mencionadas por Mestre Irineu no hino 64, Eu peo
Jesus Cristo do seu hinrio O Cruzeiro. Este hino foi recebido por Mestre Irineu no
incio da dcada de 1940, na Vila Ivonete, arredores de Rio Branco
80 Possivelmente esse seria outro exemplo da busca por nomes, ento menos carregados,
de conotaes pejorativas do que trabalho ou sesso.
81 Possivelmente esse seria outro exemplo da busca por nomes, ento menos carregados,
de conotaes pejorativas do que trabalho ou sesso.
82 Entrevista com Jair Rodrigues em 2004.
83 Idem.
84 Mestre Irineu referiu-se a Princesa Tremira como sendo uma entidade protetora ou
guia de seu filho de criao Paulo Serra, filho de Ceclia Gomes e Z das Neves. Possi-
velmente existia um chamado na poca do CRF para esta entidade.
124
85 Nos primeiros anos do Daime na Vila Ivonete, em Rio Branco, Mestre Irineu props
tambm uma hierarquia militar. O mais interessante neste perodo a autoatribuio
de Mestre Irineu do ttulo de General Juramid (reconfirmada no hino 13 de Antnio
Gomes antigo seguidor de Mestre Irineu, av da sua ltima esposa D. Peregrina). No
CRF ele j tinha o cargo de General, e possivelmente o nome Juramid seja tambm
proveniente de alguma nomeao ou titulao adquirida neste centro.
86 Comunicao pessoal de Jesus Costa, julho de 2007.
87 Entrevista com Jair Rodrigues em 2004.
88 Idem.
89 Comunicao pessoal de Daniel Serra abril de 2005.
90 Silva era o sobrenome do primeiro marido de Emlia.
91 Valcrio Gensio da Silva tinha por padrinho de batismo Antnio Costa, que assim
tornou-se compadre de Mestre Irineu.
92 Encontramo-nos aqui numa situao em que mais uma vez os dados disponveis sobre
a vida de Mestre Irineu se mostram contraditrios, s nos restando registrar a existncia
de uma diversidade de verses. Diante desta contraposio de dados, temos trs pos-
sveis desfechos Primeiro: o perodo que ela permaneceu viva diferente do que foi
afirmado por Valcrio. Segundo: o ano de nascimento de Valcrio que consta na entre-
vista da Revista do Centenrio estaria errado; desta maneira, a data do seu nascimento
seria 1917. (CARIOCA, 1998) Finalmente, o ano de chegada de Irineu a Rio Branco,
relatado pelo major Holdernes, em entrevista ao Jornal Rio Branco em 1984, estaria
errado. De qualquer maneira, no momento no temos dados suficientes para esclarecer
com preciso tal passagem.
93 Tomamos conhecimento de trs verses sobre esse acontecimento. A primeira, pouco
clara, sugere que Irineu estaria responsvel por zelar pelo dinheiro das contribuies
e sentiu-se ofendido por censuras recebidas em torno da questo, at mesmo do seu
compadre Antnio Costa. (MENDES, 1992, p. 15) Na segunda verso ocorre o in-
verso. Irineu que teria se contrariado com Antnio Costa por causa da no prestao
de contas das contribuies (comunicao pessoal de Joo Rodrigues em maro de
2007). Na terceira verso, fala-se que foi por disputa de cargo ou liderana que eles
teriam se desentendido (Ceclia Gomes em entrevista com Sandra Goulart em agosto
de 1994; MACRAE, 1992, p. 62).
94 Emlia Rosa Amorim morreu em Brasileia, no ano de 1946. (BAYER NETO, 1992,
p. 2) Outro fato importante que no fica claro o batismo de seu filho Valcrio com
o sobrenome Silva, do antigo marido de Emilia, em vez de colocar o sobrenome de
Irineu, Mattos ou Serra.
95 Os antigos departamentos do Alto Acre, Alto Purus, Alto Juru e Alto Taruac seriam
extintos. Rio Branco ficaria sendo a capital do Territrio Federal do Acre, de onde o
governador administraria toda regio acreana, desta vez com autorizao do Congresso
Nacional, pelo decreto nmero 4.058, de 15 de janeiro de 1920. Na verdade, a criao
de um Governo Geral para o Territrio Federal do Acre foi a forma que o governo
federal encontrou para diminuir os poderes dos movimentos autonomistas acreanos
que desejavam a elevao do Acre categoria de estado. O poder poltico passou a ser
centralizado em Rio Branco, ficando os outros municpios isolados. A maior parte dos
recursos enviados eram gastos na capital. (SOUZA, 2005, p. 169)
125
96 De forma geral, na literatura existente sobre este perodo, fala-se que Irineu serviu na
Guarda Territorial. Tudo indica que a maioria dos autores faz afirmaes a partir de
memrias de seguidores de Irineu, ou de outros pesquisadores que confundiram os mo-
mentos histricos. Contrariando o afirmado na Revista do Centenrio (Publicao que
se tornou clssica na literatura sobre o Daime) de 1992, encontramos claramente dois
relatos sobre a passagem de Irineu pela polcia. O primeiro de Luiz Mendes (1992,
p. 15) e o segundo de Joo Rodrigues (1992, p. 21). Conforme a nossa investiga-
o, a instituio que Irineu serviu na poca chamava-se Fora Policial; foi extinta
no Governo do Major Guiomard dos Santos, passando a ser chamada de Guarda
Territorial, em 1948. A Guarda Territorial (instituio Federal) foi extinta 1974
(SOUZA, 2005, p. 141) sendo substituda pela Polcia Militar do Estado do Acre
(instituio estadual).
97 Filho de Lus Mendes do Nascimento e afilhado de Mestre Irineu.
98 Na bibliografia existente, so comuns os comentrios sobre o encontro de Irineu com
Germano Guilherme dentro da polcia. J o encontro de Irineu com Joo Pereira
comentado apenas por Bayer Neto, que diz que Joo Pereira era msico da Polcia.
(BAYER NETO, 2003, p. 3) Pde-se confirmar a passagem deles pela polcia depois
de investigar os arquivos da Fora Policial e encontrar o nome dos dois num boletim
dirio do quartel. Geralmente estes boletins designavam os militares de planto, os
alistamentos, baixas, passagens de comando e louvores (uma espcie de elogio pelos
servios prestados). O documento encontrado foi recuperado em uma edio em mi-
megrafo, constando os nomes de Germano Guilherme e de Joo Pereira num louvor
(ver fotos do documento). Nesta investigao dos arquivos da polcia, no consegui-
mos localizar nenhum documento ou boletim contendo o nome de Irineu. Sabe-se
que muitos dos documentos do quartel da Fora Policial foram perdidos ou extra-
viados em transferncia para o Arquivo Geral do Estado. Assim o esforo de levantar
o passado nos arquivos da polcia em Rio Branco foi fragmentrio e s parcialmente
frutfero. Deste modo, nos propomos fundamentar a passagem de Irineu pela polcia a
partir de relatos orais e entrevistas de seus discpulos mais antigos dados ao Jornal Rio
Branco.
99 Manoel Fontenele de Castro nasceu em 8 de junho de 1898, em Viosa no Cear,
terceiro filho de uma prole de onze do casal Jos de Castro e Maria Fontenelle de
Castro. Migrou para a Amaznia em 1917, chegando ao Territrio Federal do Acre
pelo Rio Envira, municpio de Feij, para trabalhar na seringa. Com a quebra do
mercado da borracha dirigiu-se capital do territrio, Rio Branco. Sentou praa
na Fora Policial em 22 de maio de 1922. Dentro da Polcia chegou patente de
Coronel. (LEITE, 1990, p. 12)
100 Foi nessa poca que se inaugurou o novo quartel da polcia, uma das primeiras cons-
trues de Rio Branco a ser construda em alvenaria.
101 Durante esse perodo, houve uma intensa troca de governadores interinos no Territ-
rio Federal do Acre. Quando Irineu entrou para a fora, estava interino Epaminondas
Jcome (combatente da Revoluo Acreana) e sucederam-no o Major Manoel Duarte
de Menezes, Francisco de Oliveira com Epaminondas como vice; depois vieram o Ma-
jor Ramiro Afonso Guerreiro (intendente), Major Joo Cncio Fernandes, Jos Tho-
maz da Cunha Vasconcelos, Coronel Antnio Ferreira Brasil, Alberto Augusto (Diniz),
Laudelino Benigno e Hugo Carneiro. Este ltimo promoveu grandes avanos para o
Territrio e para a capital. Governou o Acre de 15 de junho de 1927 at 03 de julho de
1930. Instalou o Conselho Penitencirio do Acre, a Agncia do Banco do Brasil S/A,
126
inaugurou a primeira maternidade, fundou o Instituto Histrico Geogrfico Acreano,
inaugurou tambm o Mercado Pblico de Rio Branco, o Palcio do Governo e o Quar-
tel da Polcia Militar do Acre. (SOUZA, 2005, p. 172) Presume-se que foi durante o
seu governo que Irineu saiu da Fora Policial.
102 O Decreto n 19.398 com essas determinaes foi promulgado em 11 de novembro
de 1930. (SOUZA, 2005, p. 169)
103 Entrevista com Daniel Serra fevereiro de 2007.
104 Comunicao pessoal de Joo Rodrigues em maro 2007.
105 Depois que deixou a Vila Ivonete, em 1945, Mestre Irineu vendeu a terra para um
certo Posidoni, que a revendeu a Manuel Julio, que loteou a rea, dando lugar a um
bairro de Rio Branco com seu nome.
127
Captulo 2
A Formao do Daime
Mestre Irineu Inicia o Daime em Rio Branco
1
No dia 26 de maio de 1930, numa segunda feira, Mestre Irineu jun-
tamente com Z das Neves, Terto, e talvez, sua companheira, D. Francisca,
realizaram a primeira sesso aberta com daime. Guilherme Germano no
teria participado dessa sesso, no se sabe ao certo se por ele estar de servio
na polcia, ou por no saber ainda da volta de Mestre Irineu a Rio Branco.
Na entrevista abaixo de Z das Neves ao Jornal Varadouro ele comenta so-
bre como se desenrolaram os trabalhos de Daime naqueles tempos iniciais.
131
e este trabalho foi de concentrao. ramos trs pessoas. J faz muito
2
tempo. (Joo das Neves)
132
discpulos mais antigos que executassem os seus prprios, se os recebessem
do astral e se fossem aprovados por ele ou por D. Perclia. Segue uma en-
trevista de D. Perclia Ribeiro, dada a Antnio Macedo em 1999, falando
a respeito dos chamados.
133
107 - LINHA DO TUCUM
(Mestre Irineu Serra)
Enxotando os malfazejos
Que no querem me ouvir,
Escurecem o pensamento
E nunca podem ser feliz.
134
31 - MARAXIMB
(Joo Pereira)
Chamei Maraximb
Para ele vir c
Traz o corpo e fica firme
Faz lombo pra apanhar
Chamei Maraximb
Para ele vir aqui
Segue em frente e pisa firme
E marca passo pra seguir
135
Os seguidores de Mestre Irineu tm muitas histrias sobre castigos
sofridos em decorrncia do uso inadequado dos chamados. Tal uso
inadequado consistiria em entoar os chamados desnecessariamente, em
circunstncias do cotidiano, (lavando-se roupa, por exemplo), com desdm
ou em gozao, em conversas fteis, ensaios coletivos, ou at em entrevis-
tas com pesquisadores. As consequncias podem ser variadas e os levianos
se expem ao risco de sofrer os mais variados dissabores, tais como: aciden-
tes, doenas repentinas ou outros males inexplicveis. Em geral, considera-
-se que o mais apropriado seria ento-los, com firmeza e convico, em um
momento de ritual e dentro da sede de trabalhos. Adlia Gomes, esposa do
Francisco Granjeiro, filha de Antnio Gomes (uns dos primeiros discpulos
de Mestre Irineu), falou-nos sobre esse tipo de acometimento.
136
O carter reservado dos chamados dificultou sua difuso entre os
seguidores e a sua transmisso intergeracional, assim so poucos os que ain-
da sabem fragmentos de certos chamados e, durante pesquisa realizada
entre alguns dos mais prximos seguidores de Mestre Irineu, s pudemos
apurar um conhecimento fragmentrio de doze dos chamados recebidos
por Mestre Irineu.
6
Na lista entidades invocadas pelos Chamados , encontramos ttulos
de realeza, assim como nomes indgenas. A Princesa Tremira, refere-se a
uma entidade que j se comunicava com os participantes do CRF. Mas o
chamado Pakaconxinaw nos intrigou por sugerir um possvel contato
de Mestre Irineu com a cultura indgena do tronco lingustico Pano, pos-
sivelmente durante o perodo de sua iniciao ao uso da ayahuasca no Alto
7
Purus. Os nomes dos chamados, Tamarac, Manac, Maraximb, pro-
vavelmente so de procedncia Tupi, assim como a inspirao para alguns
de seus primeiros hinos. Encontramos tambm em seu hinrio, outros no-
mes de matriz tupi como: Tuperci (filho de Deus), Jaci (lua), Ripi (curio-
so, pessoa, voc), Tarumim (Me Dgua), Currupipiragu (Curupira) e
Solona (nome de pessoa). O Tupi no um tronco lingustico presente
137
na regio do Alto Amazonas, portanto, essas nomenclaturas utilizadas por
Mestre Irineu devem ser frutos de seu contato com a cultura Tupi em sua
8
terra natal. Existia tambm, um chamado de diagnstico. Este era o
chamado Senso-cheiroso ou Senso-perfumoso, usado por Mestre Irineu
quando ele queria saber se a doena tinha cura ou se o doente iria conti-
nuar vivo. Pedro Matos, esposo de D. Perclia Ribeiro, nos falou como era
empregado esse chamado.
138
J outros nomes que surgem nos hinos de Mestre Irineu so de pro-
cedncia desconhecida, como Titango, Tituma e Agarrube. Muitos de seus
discpulos falam que so os trs Reis Magos do Oriente, que saudaram
Jesus, identificados com nomes indgenas atribudos por Mestre Irineu.
Chama-nos a ateno a quantidade de nomes indgenas ou de matriz
10
africana que aparecem nesses chamados, refletindo uma incomum valori-
zao dessas culturas, muito estigmatizadas na poca. Porm, nomes desse
tipo ocorrem muito mais nos primeiros tempos da formao da nova dou-
trina, uma vez que, posteriormente, tanto a cosmologia indgena quanto a
africana, foram perdendo espao para elementos do catolicismo, numa es-
pcie de branqueamento de seus valores e de perda de lembrana de seus
significados originais. Assim, muitos daimistas, quando indagados sobre
esses seres ou nomenclaturas provenientes de outras lnguas, consideram-
-nos como atributos do prprio Mestre Irineu, ou melhor, de sua perso-
11
nalidade espiritual Juramid. Esse processo de branqueamento seria
reflexo de um processo que se manifestava na cultura brasileira como um
todo e, como veremos mais adiante, afetaria as prprias representaes pic-
tricas de Mestre Irineu, cujos traos negros s vezes eram modificados ou
atenuados.
Acredita-se que a maioria dos chamados de Mestre Irineu foram re-
12
cebidos quando ele ainda estava em Brasileia. Essas invocaes se asse-
melham em muito s canes ou caros dos vegetalistas, inclusive pelo
fato de vrios no terem letras, sendo apenas melodias assobiadas. A palavra
caro uma corruptela do verbo quchua ikaray, que significa assoprar
fumaa para curar. (LUNA, 1986a) Isso remete prtica vegetalista de
assoprar fumaa de tabaco sobre seus clientes ou sobre a ayahuasca a ser
oferecida aos enfermos. (DOBKIN DE RIOS, 1972) Inicialmente, Mestre
Irineu tambm costumava fazer uma prtica anloga, soprando fumaa de
tabaco sobre a bebida, para fazer o que chamava de daime curado. Luiz
Mendes confirma que o uso ritual do tabaco agregado ao daime ainda per-
sistia na dcada de 1960. Outros, como Daniel Serra e sua esposa Otlia,
tambm fazem relatos similares:
139
ele ganhava muitos de presente, n?, e soprava a fumaa dentro do
copo... e a tampava com a mo um pouco, dava uma baforadinha as-
sim de longe... fuuu, fazia uma pequena concentrao... destampava e
13
dava para o doente tomar. Era chamado o daime curado do Mestre.
(LABATE; PACHECO, 2007, p. 28)
Quando a gente tava mirando muito, ele tirava a mirao. Ele acendia
um charuto e soprava fumaa na cabea e passava a mo e tirava logo
14
a mirao e passava a agonia. (Otlia)
Quando a pessoa estava doente, ele jogava a fumaa no copo e tapava
com a mo. Muitas vezes ele jogava a fumaa no copo. J para passar
a mirao, ele usava s a mo, passando na cabea da pessoa ou, se
estivesse com um charuto ele soprava em cima da cabea da pessoa e
15
passava a mirao. (Daniel Serra)
140
origem vegetal em conjunto com o daime, tambm seguindo ensinamentos
seus. So cinco os produtos mais comumente usados junto com o daime:
1. Ch de erva cidreira;
2. Charutos e cigarros de tabaco bruto;
3. Rap (tabaco, sementes de imburana, erva-doce, cravo,
pio e cabacinha);
4. Caissma (bebida feita de macaxeira, erva-doce e gengibre
fermentados);
5. Macaxeira insossa (Manihot utilssima, cozida sem sal).
141
foeniculum, imburana de cheiro - Amburana cearensis, pio do paraguai -
Jatropha curcas, cabacinha - Luffa operculata e tabaco - Nicotiana setacea).
J a caissma, uma bebida de origem indgena, muito usada nas tri-
bos de tronco lingustico Pano. O uso da caissma entre os frequentadores
do CRF foi detectado por Jair Facundes na entrevista que ele fez com Bea-
triz Costa, filha de Andr Costa. Dessa forma, plausvel que Mestre Irineu
tenha aprendido a fazer a caissma a partir de sua iniciao com os chefes
da ayahuasca. O preparo da bebida foi ensinado a todos da irmandade
que desejassem aprender. Valcrio Granjeiro (filho de Francisco Granjeiro
e Adlia Gomes neto de Maria Gomes) nos revelou a receita repassada
por Mestre Irineu.19
142
co Joaquim Portugus e sua esposa Maria, Jos Afrnio e Jos Capanga.
Em 1932 chegou o casal Damio Marques de Oliveira e Maria Francisca
Vieira (Maria Damio ou Maria Marques Vieira; ela era carvoeira e vende-
dora de tapioca ver Apndice I) e a famlia do magarefe Manoel Dantas.
J em 1933, chegaram ao Daime a famlia de Maria Franco com seus filhos
Antnio Roldo, Antnio Tordo e Raimunda Marques Feitosa. Neste pe-
rodo, Mestre Irineu convocava a irmandade uma vez por semana para se
encontrar e realizar os trabalhos.
No comeo, os trabalhos de Mestre Irineu eram voltados concentra-
o e cura. Problemas relacionados sade eram as principais razes para
as pessoas o procurarem, desde o incio dos seus trabalhos com daime em
Rio Branco at seus ltimos dias de vida. Frequentemente, pessoas que se
sentiam agraciadas com cura tornavam-se seus seguidores juntamente com
seus familiares. Foi o que aconteceu com a famlia de Antnio Ribeiro de
Matos e Firmina Maria de Matos (ver Apndice J), cearenses que vieram no
ciclo da borracha em busca de uma vida melhor. Desiludidos, encontraram
muitas dificuldades de sobrevivncia nas terras acreanas e suas vidas ficaram
ainda mais difceis quando toda a famlia contraiu paludismo ou malria.
Vejamos o relato de D. Perclia Ribeiro, filha do casal, a respeito do contexto
da poca, da chegada deles ao Daime e das tcnicas de cura com a bebida:
143
no tive isso no. Eu foi quem mais peguei. Quando a mame tambm
melhorou logo, cuidou, tomou conta [...]. Pr mim no tinha rem-
dio, no tinha injeo, no tinha nada, pra mim nada servia. A, o Joo
Paulino, um conhecido de papai, chegou e disse: Olha Ribeiro, ali
tem um homem que tem um trabalho que uma coisa incrvel, que eu
nunca vi, mas s vendo pra a gente crer. Ele trabalha com uma bebida.
A pessoa toma essa bebida e se concentra e v tudo, at os parentes
que j morreram.
Papai ficou assim. Papai no era homem de andar acreditando em
qualquer coisa no. Mas quando ele ouviu falar do Mestre Irineu ele
disse: Eu vou l, eu vou ver isso como que . A, ele foi com o
Joo Paulino. [...]
Na outra vez que ele foi, arranjou um vidrinho. Minha me me deu
uma colher, j era muito. Eu tinha oito anos. Foi no fim de outubro
de trinta e quatro. [...] Eu fiquei deitada, cuidei de quietar minha
cabea pra dormir, fui aquietando, [...] quando dei f as coisas foram
ficando bem diferentes, foi crescendo e tal. A eu gritei: Mame!
Ela respondeu: O que menina?
Chega aqui depressa que eu vou j morrer.
Correu, mandou chamar o papai. L se vem. Quando ele vem de lon-
ge, ele j vinha rindo chegou e disse: Voc t com medo, isso no
faz medo no, assim mesmo, coisa e tal. [...]
Mas eu j estava assombrada.
Mame, a senhora arma uma rede pra mim l fora que eu no fico
aqui nessa cama.
Mame armou a rede e eu fiquei l. Ora, pra mim, os arvoredos, era
tudo falando, eram tudo se mexendo. Eu disse: Que negcio foi
esse?
Foi indo, foi indo, passou. J me sentia melhor do paludismo. Quando
foi na outra semana papai disse: Se arrume a e vamos comigo. [...]
Cheguei l, o pessoal tudo, s existia concentrao cerrada mesmo,
que ningum nem fungava no. [...] At quando terminou, o Mestre
disse assim:
Antnio Ribeiro, cad a moa que voc disse que ia fazer zoada aqui
atrapalhar todo mundo?
144
Ele disse: ela, me desmentiu.
O Mestre disse: Ora, essa a vai ser aoasqueira at debaixo dgua.
[...]
A, aqui, acol, a febre sempre me aparecia. Toda semana ainda tinha
que ir no hospital. [...] sei que com poucos dias apareceu ararem,
essa plula que chamava ararem. O Mestre procurou no trabalho um
remdio pra mim pra acabar com aquilo; disseram que meu remdio
era aquele. Ele foi e disse pra papai comprar uma caixa de ararem, se
eu tomasse uma caixa eu ficava boa.
As primeiras doses dela vai ser dose dupla, depois ela vai ficar toman-
do uma um dia sim outro no, at terminar a caixa.
E assim eu tomei. A febre ficou foi com medo de mim. Graas a Deus
21
fiquei boa e completamente curada. (Perclia Ribeiro)
Eu nem sei que doena era. Assim tipo era macumba que fizeram pra
ele, mas no sei se existe macumba, n? Mas, pelo que o pessoal diz,
era perseguio; Ele era valente em casa, batendo nos meninos, era
com a mame gritando. No queria comer, no dormia. Ele mandava
todo mundo ir embora, depois chamava todo mundo pra casa de vol-
ta. Ele saa, a os amigos dele l disseram que era bom viajar pra San-
tarm. O pessoal l que trabalha com essas coisas. Ele tava vendendo
tudo que tinha pra ir viajar.
145
A, encontrou Z das Neves, que era muito amigo do Padrinho Mes-
tre Irineu. O pessoal falava que era a segunda pessoa dele. Ele tinha
uma padaria e o papai ia sempre pra l conversar com ele, comprar
po, comprar alguma coisa pra levar pra casa. A contou pra ele como
ele tava, que ia viajar. A, ele disse:Seu Antnio, eu tenho um amigo
que, se o senhor for l conversar com ele, capaz de lhe curar. Se o
senhor viajar vai acabar com tudo que tem e a sua famlia fica a. Se o
senhor quiser ir l eu lhe levo l.
A, ele disse que queria. A, ele foi l. S em conversar com ele, ele j
sentiu a melhora, j sentiu aquela calma e tudo. A, marcou outro dia
pra ele ir, pra ele fazer o trabalho, uma quarta-feira. A, ele foi.
Eu no fui, e nem sei dizer como foi. Sei que ele tomou o daime.
Quando ele chegou em casa tava bom, bonzinho. Ele no dormia.
Fazia tanto tempo que ele tava assim, eu no me lembro. Eu no sei
quanto tempo passou. Passou o tempo, ele ficou bom. A, nunca mais
23
ele deixou Mestre Irineu e levou ns pra l. (Adlia Gomes,)
146
Agora, o remdio importante dizer, como uma coisa to frgil
e to valiosa. Por que o caso dele era uma pedra na uretra, era uma
coisa muito perigosa, n? Ento, o remdio saiu. A gente no cozinha
e joga os ossos fora? Ele mandou juntar da montura que j t se derre-
tendo. Porque, quando ele j t muito velho fica farelozinho, derrete.
Mandou juntar e lavar muito bem lavado. Depois, cozinhar, fazer
aquele cozido daqueles ossos. Quando acabar, coar muito bem co-
ado, pra ele tomar aquela gua. E com esse remdio o homem ficou
bom. Tomando daime e tomando esse remdio desses ossos velhos.
24
Ele viveu muitos e muitos anos. Ele morreu, mas no dessa doena.
(Perclia Ribeiro)
147
crise, concebido como detentor de poderes e qualidades sobrenaturais que
o dotavam de carisma e liderana. Isso, por outro lado, no podia deixar
de suscitar as desconfianas de membros das elites oligrquicas locais que
se sentiam ameaados por sua influncia sobre a comunidade rural ento se
formando ao redor da Vila Ivonete.
148
uma coisa, o senhor entregar ele pra eu levar l pra casa.
Papai disse:Ele vai estar sua vontade.
Ele mandou o Antnio Roldo, que era o cunhado dele, irmo da
esposa dele, a D. Raimunda, ir buscar uns homens. Eles vieram e trou-
xeram um pau, e botaram o pau em uma rede e me levaram.
Mestre Irineu ordenou pra dona Raimunda me dar logo uma colher-
zinha de daime, e atar a rede no canto da sala. O daime bateu dentro e
eu sa do ar, muito fraco, ento eu fiz uma bonita viagem. Me vi em um
lago grande com umas canoas. Ainda me lembro, como se fosse hoje, a
primeira mirao da minha vida. Quando foi de tarde, ele chegou.
Raimunda, como que est o rapaz?
29
Ele est a, tomou o daime e no provocou mais.
Por que era assim; tudo que batia dentro, eu botava fora, quando no
saa por cima, descia por baixo direto. [...] Ele foi, tomou um banho
trocou de roupa, e ele me deu duas colherinhas de ch de daime. Eu
tomei, no provoquei mais. Eu voltei a engatinhar como criana den-
tro de casa. O remdio que ele me deu foi s daime. [...]
Com poucos dias eu estava comendo tudo e andava a casa, eu podia
andar engatinhando tudo. Me levantei com as graas de Deus; hoje eu
estou contando a histria; eu agradeo ao Daime. Eu passei um ano e
quatro meses sem andar e passei dois meses de tratamento. Eu voltei
com os meus ps; eu voltei andando escorado na bengala. Cheguei em
casa, levando o daime pra mim tomar e continuei tomando aquele dai-
me. Papai achou que foi um milagre de Deus. Ele convidou a mame:
Antnia vai ter um hinrio, vamos? Antnia, eu vou pro hinrio.
L ns fomos. Papai tomou daime e mame tambm e gostaram. Gos-
30
tar foi esse que papai e mame morreram sendo aoasqueiros. (Paulo
Ferreira Lima)
149
O tema da cura parece estar no mago do Daime. Ele se faz presente
desde o contato mtico de Mestre Irineu com Clara (ou Nossa Senho-
ra), sua instrutora, at o dia de seu desencarne. Como vimos acima, foi
principalmente atravs de suas atividades voltadas para a cura que Mestre
Irineu constituiu o Daime e agregou em torno de si uma comunidade de
seguidores, em constante crescimento. A cura, para ele e seus seguidores,
se apresentava como uma espcie de misso. Tudo indica que, para a co-
munidade, tanto a bebida quanto o prprio Mestre Irineu estavam inextri-
cavelmente relacionados questo da cura. Esta era tomada num sentido
amplo, abrangendo tanto o corpo quanto o esprito. Isso fica patente em
depoimentos de seguidores de Mestre Irineu, como o seguinte relato de
Luis Mendes sobre a relao de Mestre Irineu com o que percebia como a
sua misso de curar:
Aps cumprida a dieta, ela chegou para ele, clara como a luz do dia.
Ela disse que estava pronta para atend-lo no que ele pedisse.
Pediu que ela lhe fizesse um dos melhores curadores do mundo.
Ela respondeu que ele no poderia ganhar dinheiro com aquilo.
Minha Me, eu no quero ganhar dinheiro.
Muito bem! Mas voc vai ter muito trabalho. Muito trabalho!
Ele pediu que ela associasse tudo que tivesse a ver com a cura, nessa bebida.
No assim que tu ests pedindo? Pois j est feito. E tudo est em tuas
mos. E entregou para ele.
Mas o Mestre sabia que no era o suficiente para ele ser. No! Ele
recebeu e a foi se fazer. Trabalhar para ir adquirindo. Se aperfeio-
ando, recebendo a cada dia os poderes que preciso ter. Nessa fase,
ele falava que ficou cerca de cinco anos. (NASCIMENTO, 1992,
p. 14-15)
O tema da cura est fortemente presente, tanto nos mitos e nos ritos
do Daime quanto na mente e no imaginrio de seus seguidores. A fama de
Mestre Irineu como curador dotou-o de grande carisma e no relato sobre
como recebeu seus poderes diretamente da Rainha da Floresta, por exem-
plo, fica aparente uma fuso entre a bebida, o carisma do Mestre Irineu e o
poder de cura dos dois. Mestre Irineu o escolhido, e a bebida, seu veculo
de cura. No relato abaixo de D. Perclia Ribeiro, feito a Jair Facundes,
refora-se a ideia de que Mestre Irineu detinha, de uma forma pessoal,
o poder de cura.
150
Porque o poder quem recebeu foi ele. O nosso Mestre foi quem rece-
beu o poder dessa misso. Se todos ns soubermos compreender, pro-
curar, e quem quiser pode tomar daime e ir ver se eu estou errada ou
no. Porque, quando ele comeou a trabalhar, ela perguntou o que
que ele queria. Ele disse que queria ser o melhor curador. A, ela disse:
Voc tem esse poder, mas tem uma coisa, voc nunca cobre dinheiro
pela cura que voc faz. Todas as curas que voc fizer no tem direito de
cobrar nenhum dinheiro por essas coisas. Porque se voc pedir dinheiro
31
por essas curas, voc vai pedir fora ao dinheiro e no do poder divino.
(D. Percla Ribeiro)
151
32
Agora, a maior perda dentro desse trabalho a pessoa se exaltar.
(D. Perclia)
152
Jair Facundes cita mais um exemplo para demonstrar como Mestre
Irineu tratava casos de sentena. Conta que, quando Germano Guilherme
estava muito doente, sua esposa, Ceclia Gomes, foi at a casa do Mestre
Irineu dizer que sua doena tinha se agravado. Este teria dito: diga ao
Manim (nome que mestre Irineu se dirigia a Germano) que se prepare,
pois sua hora chegada (existe outra verso de sua fala: pois ir fazer
sua viagem). Jair Facundes ressalta que Mestre Irineu no convocou um
Trabalho de Cura e nem apresentou um remdio. Este seria um de vrios
episdios em que ele j antecipava que o caso no teria cura, ou apenas
dava um paliativo para dor ou um conforto espiritual. Alis, muitas vezes
a prpria ausncia de uma receita clara ou de um pronunciamento j era
compreendido como uma certeza quanto morte prxima. Seguindo esta
linha de raciocnio, Jair Facundes comenta que foi somente pouco antes de
falecer que Mestre Irineu desenvolveu o ritual dos Trabalhos de Cura e de
Mesa (ou de desobsesso). A seu ver, foi s mais tarde que seus seguidores
compreenderam que, dessa forma, Mestre Irineu estava preparando a co-
munidade para sua ausncia. O Trabalho de Cura, para Jair Facundes, seria
o mais emblemtico e o mais difcil de ser realizado mais at do que o
trabalho de Mesa. Isso porque exigira algo dificlimo: o sacrifcio em favor
34
do prximo. Justamente por isso que no seria muito utilizado.
Do mesmo modo, a seu ver, Mestre Irineu no precisava participar do
Trabalho de Mesa para lidar com situaes de possesso. Pouco antes de
seu falecimento, Mestre Irineu assistiu a Trabalhos de Mesa realizados por
seus seguidores. Segundo nosso interlocutor, estes no percebiam, mas
estavam sendo treinados para o seu ps-desencarne. Dessa forma, a viso
de Jair Facundes refora a nossa ideia de que, tanto Mestre Irineu quanto a
bebida, estariam envolvidos de forma conjunta no fenmeno da cura, mas
no estariam ligados obrigatoriamente aos ritos. Assim, podemos conjec-
35
turar que os mediadores do fenmeno da cura seriam o Mestre Irineu,
o imaginrio da comunidade (reflexo da fama de curador e do carisma do
lder), a bebida e seus mtodos, sem vnculo de tempo, lugar e rito.
Neste caso, mais uma vez nos deparamos com noes contraditrias
sendo defendidas pelos seguidores de Mestre Irineu. Pois, apesar das ob-
servaes transcritas acima, temos conhecimento de relatos, como o de
D. Perclia, sobre os primrdios da Doutrina, onde se afirma que Mestre
153
Irineu participava de sesses de cura e executava chamados. Porm, para
ns, isso no significa que Mestre Irineu teria de participar pessoalmente
de todos esses trabalhos, embora nos parea que a sua fora curadora fosse
sempre invocada.
Dessa maneira, no podemos determinar o grau de sua participao nas
sesses de cura. Segundo relata Jair Facundes, o Trabalho de Mesa tambm
era realizado sem a participao do lder. Aqui ele fornece, como exemplo,
um relato de Daniel Serra que seria muito semelhante a vrios outros, em
que se sustenta que Mestre Irineu mandava fazer o Trabalho de Mesa e s
assistia, sem nada fazer enquanto o ritual era conduzido por D. Perclia.
Jair Facundes afirma que h tambm outras histrias nas quais se conta
que Mestre Irineu resolvia o problema de possesso s vezes diretamente,
sem convocar uma Mesa. Ele relata uma histria, clssica entre os seguido-
res mais antigos, e presenciada, entre outros, por seu pai. Nesse episdio,
uma mulher foi conduzida amarrada a Mestre Irineu, mas ele mandou tirar
as cordas e simplesmente passou a conversar com ela, de modo calmo e
sereno. Em seguida, encaminhou a mulher para o hospital, pois ela estava
prestes a dar luz. Alm desse caso, ele relata outro, envolvendo um ho-
mem, que tambm foi trazido amarrado, e cuja soluo no passou por um
trabalho de Mesa, embora ele estivesse, segundo a linguagem e conceitos
da irmandade, com possesso.
Talvez uma pista para se compreender o que ocorria, tanto nos casos
de Trabalhos de Cura quanto nos de Mesa, seja a nossa observao da ma-
neira de agir atualmente de certos antigos seguidores de Mestre Irineu que,
posteriormente, tornaram-se tambm lderes de centros daimistas, buscan-
do manter-se em sintonia com os ensinamentos recebidos do fundador da
Doutrina. Constatamos, por exemplo, a atuao tanto de Luis Mendes
quanto de Wilson Carneiro, que, j idosos, transferiram as tarefas mais r-
duas relacionadas conduo dos rituais para assistentes, geralmente seus
filhos e futuros sucessores na liderana comunitria. Apesar disso, no dei-
xavam de participar das cerimnias, ocupando a cabeceira da mesa e, pelas
suas simples presenas, exercendo as funes de liderana no Astral. Em
alguns casos, j vimos certos lderes ancios, dessa gerao, at dormirem
no decorrer das sesses, sem que a ningum ocorresse colocar em ques-
to a importncia de suas presenas. Possivelmente essa prtica tenha sido
154
aprendida com o prprio Mestre Irineu, especialmente nos ltimos anos
de sua vida, quando delegaria a certos seguidores mais prximos, como
D. Perclia, por exemplo, a conduo dos Trabalhos, sem porm aban-
donar a sua responsabilidade pelo comando no Astral, at mesmo quan-
do ausente fisicamente.
Em nossas pesquisas, tambm encontramos relatos de tratamentos
feitos por Mestre Irineu, em que no constam referncias a um Trabalho
de Cura especfico, embora tanto ele quanto o paciente tenham tomado
daime vrias vezes, seja para consultar a Rainha da Floresta, no caso do
curador, seja como remdio, no caso do enfermo. O prximo relato, alm
de ilustrar um caso desses, serve para nos dar uma ideia do grau de aban-
dono e sofrimento em que se encontrava a populao acreana da poca e a
maneira como Mestre Irineu se destacava como uma fonte de esperana e
alvio nesse cenrio. Trata-se aqui do caso de Edilza, filha de Loredo, um
antigo seguidor do Daime. Segundo relata, passou doze anos em grande
sofrimento, recebendo parca assistncia mdica, mas obtendo grande apoio
pessoal de Mestre Irineu, com seus tratamentos base de daime e outros
procedimentos de ordem mgica.
155
E ele disse assim: Se eu soubesse que era isso a, no deixava essa
doena engolir o seu corpo. Tinha atinado h mais tempo, pensei que
era uma feridinha besta... D daime para ela.
Mesmo eu tomando daime o tempo todo, a doena invadiu e tomou
o meu corpo todo. Fiquei na palha da bananeira. Passei doente doze
anos. Mame tirava a palha da bananeira arrancando o couro (pele), e
eu aos gritos. E o Mestre Irineu mandando eu tomar daime e banhos
de folha.
Mame fazia banhos de urtiga, capeba, s vivia atrs de erva pra fazer
o p. Mestre Irineu fazia umas garrafadas de laranja da terra que amar-
gava. Passei muito tempo tomando.
Tinha um mdico muito amigo de Mestre Irineu, que passou umas
36
SUFRAS para mim. Passei foi muito mais de ano tomando SU-
FRAS, hoje em dia, no existe mais no. Depois deixou de me dar, e
eu s vivia reclamando.
Mestre Irineu disse: No se incomode no, que eu vou tomar um daime,
e vou conversar com a Rainha para encontrar um remdio pra lhe curar.
Um dia eu cheguei na casa de Padrinho (Mestre Irineu). E perguntei:
Que tal, j saiu o remdio padrinho?
Voc est avexada, no t?
Padrinho eu queria era ficar boa.
Voc vai ficar boa.
At que um dia eu cheguei l de novo. E a padrinho j saiu?
J achei o seu remdio, que a Rainha passou para mim, para voc
fazer o sumo da cidreira com trs pingos de querosene e beber, e to-
mar uns banhos com daime.
Ele me deu um litro de daime, e mandou eu ir para mata tomar banho
com aquele daime. Sa me lavando. O que ele me mandou eu fazer,
eu fiz, com o daime. Foram trs vezes, trs banhos. Passei um tempo
bebendo, no lembro bem, foi mais quase um ano.
Um dia Mestre Irineu disse que conversou com a Rainha.
Ela disse e que tem outro remdio para voc. Dizer trs palavras gri-
tando dentro da mata virgem, nua, sozinha.
Ele me deu as trs palavras em um papel e mandou papai me deixar
l dentro da mata onde mais nunca eu andasse por ali, naquele canto.
156
Papai foi me deixar. Quando chegou um certo meio, ele brocou
o caminho e disse: Voc vai e volta, vai ter um lugar limpo, voc
fique l.
Ele no podia ir no. S eu mesmo, assim, ele foi at um ponto. Ali no
lugar, limpo por papai, eu tirei a roupa e deixei, e segui nua. No corre-
dor do pau (rvore), nua, eu peguei o papel que Mestre Irineu tinha
me dado e disse aquelas trs palavras gritando bem alto. Alto mesmo,
o tanto que eu pude gritar. No me lembro mais as palavras que ele
me deu. Quando estava nas trs vezes e fui terminando de dizer a
palavra, junto do pau que era cheio de cip, comeou um negcio
mexendo.
No era para eu ter medo. Comecei a espiar, espiando pro pau e um
negcio se mexendo, vinha descendo e eu me fazendo que estava com
coragem.
Eu s pensava: Padrinho Irineu me mandou eu vir pra c.
E l se vem o negcio descendo, l vem se mexendo. Depressa fui
terminando as palavras, terminei de rezar, no olhei pra trs e corri at
onde estava a minha roupa. Peguei a roupa, e depressa sa na carreira
at chegar no varadouro. Era onde papai deixou o caminho limpo do
roado. Na mata ele fez s o caminhozinho para eu passar. Quando eu
cheguei l no caminho, vesti a minha roupa e sa na carreira com medo
do bicho que estava se mexendo l no pau.
Contei pra papai. No era para eu ter medo. Esse foi o remdio que
Mestre Irineu fez para mim. Foi o banho com trs litros de daime que
tomei trs vezes, querosene com erva cidreira e as trs palavras. Fui to-
mando devagarzinho, vagarzinho, foi se acabando e fiquei assim boa.
Nunca deixei de tomar daime, Padrinho disse que eu no parasse de
tomar daime. O meu corpo era tudo branco, bem branco. A mo
branca, branca mesmo, os ps tambm, tudo da doena. Pois , no
parei de tomar daime no, todo dia tomava de noite e de manhazinha.
por isso que D. Zumira cansou de dizer: Tu devia fazer uma histria
sobre a tua vida, o que tu passou. incrvel o que tu passou na tua vida,
s quem te viu que vai dizer que verdade. Quem no te viu, vai dizer
que mentira. O que tu passou, o que tu sofreu, ningum acredita no,
incrvel.
157
Muita gente que me v hoje na sede, fala: essa menina que era doen-
te e ficou boa. E agora a mais velha e a mais nova de todas.
Antes de ficar boa, ainda foi no tempo que eu comecei a namorar com
Mrio. Eu fui uma pessoa que namorei pouco, porque eu era toda
rajada. Mario foi o Mestre que me deu. Foi o nico que teve coragem
de casar comigo.
Eu ainda tinha coceira quando eu sa gestante do primeiro menino.
A, eu fiquei toda entabuada de novo, meus dedos eram tudo cheio
daquelas bolhonas dgua. Elas pocavam, eu no fazia nada em casa.
Meus dedos tudo cheio de pus. Fiquei assim at ganhar o primeiro
filho.
Quando eu ganhei o primeiro filho, que evacuei aquele sangue, o
Mestre Irineu cansou de dizer: Minha filha voc s vai acabar de ficar
boa, limpa mesmo, quando casar e comear a ter filho, que vai eva-
cuando aquele sangue. Vai tirando aquele sangue remoso, quando
voc vai se limpar.
E no foi mesmo? Quando a menstruao estava perto de vir, enta-
boava todo o meu corpo. Quando a menstruao ia embora, ficava
limpa de novo. Do jeito que o Mestre Irineu dizia.
Tive o segundo, s no terceiro (filho) foi que saiu bem pouquinho os
caroinhos. No quarto no saiu mais. Hoje eu sou me de nove filhos.
Do quarto em diante no saiu mais.
Fiquei boa do jeito que ele disse. Sofri, sofri que no foi brincadei-
ra, doze anos sofrendo, desenganada de tudo que foi mdico de Rio
Branco. At mdico que vinha de So Paulo.
A, Papai me levava e tirava do Mestre Irineu e l comeava a passar
remdio e mais remdio, mas, ficava na mesma e a Papai disse:
Ou morrer, ou viver, no tiro mais do Mestre Irineu no. E l mesmo
eu fiquei (na casa do Mestre Irineu). Morei l com ele bem uns trs
anos. Por que era muito longe a casa do meu pai no Saituba para o
Alto Santo.37 (Edilza)
158
torno da fuso efetuada entre o seu carisma pessoal, a bebida, diferentes
procedimentos xamnicos, o imaginrio dos seguidores e sua Doutrina,
independente de ritos formalizados, lugar e tempo. Como vimos antes,
a cura se constituiu no Daime como elemento essencial ao culto. Atra-
vs dela, muitos consulentes se tornaram adeptos da religio e o carisma
de Mestre Irineu se consolidou perante a sua comunidade e a sociedade
acreana, como um todo.
159
cerimnias). A partir de suas experincias pontuais, vivenciadas no contex-
to ritual, os seguidores de Mestre Irineu deveriam aprender a aderir a esses
valores em todos os momentos de suas vidas.
No hinrio do Mestre Irineu, encontramos hinos que falam desse as-
pecto. O hino mais explcito o 55 Disciplina, no qual ele assume o lugar
do disciplinador punitivo.
55 - DISCIPLINA
(Mestre Irineu)
160
No imaginrio do Daime, fortemente influenciado pelas experincias
de conscincia alterada, proporcionadas pela bebida sagrada, a peia pode
assumir formas de demnios, seres gigantescos, entidades punitivas, vises
de desastres, sensao de morte e outras imagens negativas. Expresses
como jogou a tbua, desceu a trana, ou mesmo, encontrou com
a velha, ou, simplesmente a velha veio falar com ele, so termos que
j foram e ainda so bastante usuais na comunidade do Daime para fa-
38
lar da peia. Esta comumente entendida como uma surra aplicada
pelo prprio daime. A peia pode ser qualquer dificuldade ou sofrimento
vivenciado pelo indivduo durante o ritual ou em sua vida, em geral. Ela
, contudo, vista como benfica na medida em que auxilia no processo de
limpeza fsica, moral e espiritual do indivduo e na conscientizao sobre
39
os motivos das dificuldades vivenciadas. (SILVA, L., 2004, p. 3)
Mas a mais conhecida personificao mtica da peia parece ser Mara-
ximb. Este integra o panteo das entidades espirituais daimistas como um
ser severo, que castiga as transgresses das normas e valores doutrinrios,
ao mesmo tempo em que "apura" e "ordena" os indivduos. (SILVA, L.,
2004, p. 2) representado como um disciplinador por excelncia, descri-
to, s vezes, como um caboclo baixo, moreno, que traz mo um chicote,
com o qual aoita o adepto do culto que no se conduz de acordo com as
Leis de Juramid. (CEMIN, 1998, p. 118) Ele pode ser invocado pelo
j mencionado hino Maraximb, recebido por Joo Pereira, que tambm
pode ser usado como chamado. Nesse caso ele chamado para resolver
questes em que o invocador acha necessria a punio.
Maraximb chega para apurar. Esse termo, para os daimistas, expres-
sa a limpeza fsica e psquica do fiel. Por apurado, entende-se tambm o
grau de desenvolvimento espiritual ou, em termos nativos, a graduao
do aparelho. Existem desdobramentos desta expresso, com significados
distintos como, por exemplo, apurao, um momento de balano, de
julgamento dos atos praticados, ou ainda apuro, que indica dificuldades
vivenciadas durante o ritual. (SILVA, L., 2004, p. 1, 2)
Diz-se que a Mestre Irineu no lhe apetecia cumprir a funo de dis-
ciplinador dos rebeldes e que, portanto, depois de receber o hino Dis-
ciplina, entregou esse encargo a Z das Neves, um de seus mais antigos
seguidores, embora fosse ele quem de fato a executava, por ser o Chefe,
161
o que detinha o conhecimento sobre o poder. Isso fica explcito no seguin-
te relato annimo, colhido por Arneide Cemin (1998, p. 119).
162
estava nos ritual dos trabalhos [preceitos]. A, Z das Neves pegou e
deu um copo de daime, isso eu vi no festejo que fizeram dentro da
mata em um bosque, mas de dia, num hinrio festejado na floresta.
Deu um copo de daime pro Ivone e o Ivone endoidou. Ganhava a
mata, cip dessa grossura ele levava nos peito, apanhou do cip mes-
mo. Depois de ele t bem disciplinado, j a roupa um bocado extravia-
da, Z das Neves preparou quatro homens e disse: Quando ele pintar
aqui no meio do crculo, pega ele.
Quando ele veio da mata, assim adoidado, parecia um bicho doido
dentro da mata, um ndio alvoroado, que bateu no meio do crculo.
Aqueles homens agarraram ele e botaram ele no cho e o Z das Neves
encheu outro copo de daime, que j estava atordoado, tomar outro, e
botou na boca dele e fez ele beber fora. E quando ele terminou de
beber, disse que podia soltar o homem. Ele levantou-se bonzinho, pa-
recia que nunca tinha tomado daime na vida dele. Isto eu vi com esses
dois olhos que a terra h de comer. (CEMIN, 1998, p. 120-121)
163
hinos do irmo Germano Guilherme e dois do Joo Pereira, cada um
tinha dois hinos e o Cruzeiro do Mestre tinha apenas cinco. E quando
ns chegamos na casa do Mestre, eu com meu pai e a nossa famlia
toda, s tinha Lua Branca. Era o hino que tinha, era Lua Branca.
Ento ele falava que Lua, n. A, eu era criana naquele tempo, eu
tinha nove anos. [...] Saiu o Tuperci, logo veio o Ripi. Eu imaginei
assim:Eu vou numerar quantos hinos que vai sair.
A, tive aquela idia. Mas foi Deus que me deu aquele dote n. Saiu
um, depois saiu outro e depois saiu outro. E eu numerando um atrs
do outro n. [...]
Quando chegou no So Joo, ele disse que queria fazer um trabalho de
hinrio, mas a casa dele era muito pequena e tal. A, o finado Damio
Marques que era o marido da Maria Damio, ofereceu a casa dele pra
ele fazer o hinrio. Ele aceitou, a, ns fomos. Eles cantavam cada hino
repetido trs vezes pra aumentar. Quando chegava no ltimo, voltava
comeava de novo porque; era pouco demais. At quando chegou l
pela onze horas da noite, a, deu intervalo. Nessas alturas, precisava voc
ver uma mesa repleta, era pamonha, era canjica, era aquele outro que
chama p-de-moleque, n, era tanta da comida. Passamos a noite, n.
Depois de tudo fomos cantar novamente. Com nove hinos apenas.
Foi at o amanhecer do dia, o primeiro hinrio cantado. Mas era sen-
tado, no dava pra bailar. Alm de ter poucos hinos era pouca gente
tambm, n. Foi sentado, cada qual nos seus lugares e assim foi reali-
41
zado [...]. (Perclia Ribeiro)
164
pantes cantando, diferenciando-se desta maneira das matrizes vegetalistas,
em que as execues das canes so geralmente realizadas pelo condutor
do ritual, em solo. Os hinos adquirem assim uma natureza coletiva, ao in-
verso dos chamados, de ordem pessoal, restrita e sujeita a certos tabus.
Os hinos se direcionam a matrizes mais crists, ainda que os primeiros
hinos de Mestre Irineu mantenham uma conexo com antigas tradies ve-
getalistas. A expresso coletiva do grupo atravs dos hinrios levou, por seu
lado, a certas dificuldades e desafios liderana de Mestre Irineu quando
diversos dos seus seguidores comearam a receber seus prprios hinos e, de
espectadores do ritual, passaram a atuantes. Comearam a surgir melodias
similares a de msicas populares da poca, letras de hinos com contedos
da vida cotidiana e etc. Perante a essa nova situao, Mestre Irineu sen-
tiu a necessidade de criar critrios de anlise dos hinos para determinar se
eram recebidos ou se eram inventados. No comeo do trabalho era ele
mesmo quem corrigia os hinos da irmandade, mas depois passou a funo
para D. Perclia Ribeiro. Esta tornou-se seu brao direito em vrios aspec-
tos: ajudava-o a corrigir hinos; organizar o batalho feminino; costurar as
fardas; redigir documentos; realizar trabalhos de cura e de mesa; alm de
zelar pelo seu hinrio O Cruzeiro. Dessa forma, foi sua grande auxiliar
durante quarenta anos.
Tamanha era a relao de cooperao de estabeleceu com ela que Mes-
tre Irineu chegou a identificar D. Perclia como a encarnao de sua irm
Vernica, que havia morrido jovem em So Vicente Frrer (comunicao
pessoal de Daniel Serra em Janeiro de 2007). Posteriormente concedeu-lhe
tambm a patente espiritual, Tai Siris Mid. Como j foi dito antes, den-
tro do culto Mestre Irineu tinha a sua patente espiritual, Juramid. Alm
dele, somente D. Perclia e a Maria Gomes, esposa de Antnio Gomes, vi-
riam a adquirir patentes espirituais. A patente de Maria Gomes era Maria
Nanair (ela era a parteira oficial da comunidade). No se sabe ao certo o
significado ou as razes culturais lingusticas do ttulo recebido por D. Perc-
lia, seno, que a terminologia similar ao nome Juramid.
Por outro lado, o termo siris aparece tambm no hino 26 de Ger-
mano, chamado Me deram este Cntico, onde no primeiro verso da primeira
estrofe, fala-se da Condessa Siris-Beijamar. D. Perclia exerceu a funo
de fiscal de hinos at o falecimento de Mestre Irineu. Joo Pereira, segundo
165
D. Perclia, teve mais de doze hinos reprovados e Antnio Gomes, dois.
Vejamos abaixo a narrativa dela sobre a correo de hinos.
166
A construo do pensamento de Mestre Irineu foi codificada paulatina-
mente em seus hinos. O hinrio O Cruzeiro visto pelos seguidores como
livro sagrado ou fundamento da religio. L constariam todos os cdigos
morais e sociais a serem cumpridos. Temas variados so abordados neles,
desde passagens de sua vida e da vida de seus seguidores (marcando o tempo
e o espao) a questes que afetaram o pas, o mundo ou o cosmo. Seu hin-
rio reitera, de modo enftico, a legitimidade de seu carisma, que teria sido re-
cebido da Me Divina (Nossa Senhora da Conceio). Encontram-se termos
n O Cruzeiro como: A Virgem Me foi quem me deu, Deus do cu foi
quem mandou, Divino Pai Eterno, quem me deu este poder, de ensinar as
criaturas, conhecer e compreender, A minha Me que me mandou trazer
Santas Doutrinas, A Virgem Me que Ensinou, Vs mandou para mim
ensinar os meus irmos. Certas passagens servem tambm para legitimar
Mestre Irineu como lder detentor de carisma, como nos seguintes hinos:
45 46
28 Eu Quero Cantar Ir , 30 Devo Amar Aquela Luz , 38 Flor de Ja-
47 48 49
gube , 44 A Virgem Me Que Me Mandou , 61 Rainha da Floresta , 65
50 51 52 53
Eu Vou Cantar , 79 Jardineiro , 106 Fortaleza , 109 Tudo, Tudo e
54
125 Aqui Estou Dizendo , de seu hinrio (ver em Anexo B).
Nestes hinos o Mestre Irineu apresentado como agraciado pelo po-
der que recebeu de Nossa Senhora da Conceio, ou do Pai Eterno para
ensinar os irmos. Encontram-se tambm outros focos temticos, que, ora
remetem a questes como sade (doena e cura), natureza (floresta, mar,
gua, Sol, Lua, estrela), a bebida (cip, folha) e a morte. Igualmente so
abordadas questes morais e sociais, como ensinar, aprender, disciplina,
firmeza e perdo.
Outros hinrios alm dO Cruzeiro tambm se consolidaram na co-
munidade do Daime como oficiais. Destacam-se os hinrios de Germano
Guilherme, Joo Pereira, Maria Damio e Antnio Gomes (nenhum desses
quatro hinrios recebeu um nome especfico, sendo conhecidos pelos no-
mes de seus donos). No comeo da comunidade religiosa, cantavam-se
todos os hinos da comunidade nos dias de festejos do Daime, j que eram
poucos. Os hinrios dos adeptos foram sendo construdos conjuntamente
com o de Mestre Irineu, tendo-o como referncia. De forma especial, o
hinrio de Antnio Gomes se destaca entre os outros. Nele no s se re-
fora repetidamente a legitimidade da revelao de Mestre Irineu, como
167
tambm, ocorre uma ruptura com o contedo comum aos outros hinrios,
j que efetua um deslocamento do epicentro da doutrina, a revelao da
Virgem da Conceio, para o prprio Mestre Irineu. Dessa forma Antnio
Gomes refora a ideia de que Mestre Irineu seria uma espcie de redentor,
escolhido pela divindade. Na acepo de seus seguidores seria ou Jura-
mid ou Mestre Ensinador ou mesmo, como Antnio Gomes coloca,
Meu Prncipe Imperial, dotado do mesmo poder de Jesus Cristo. Uma
anlise cuidadosa do hinrio revela certa ambiguidade, pode-se interpret-
-lo como uma simples aproximao, por semelhana das duas figuras, mas
certos hinos parecem sugerir que Mestre Irineu era de fato a prpria en-
carnao de Jesus Cristo. No Hinrio de Antnio Gomes a simbiose entre
a figura de Mestre Irineu com a figura do Cristo perceptvel nos hinos:
55 56
09 O Chefe Que Veio a Terra , 11 A Virgem Me Purssima , 14 Jesus
57 58
Cristo Redentor , 17 A Rainha Ao Nosso Mestre , 23 Esse Mestre Que
59 60
Est Aqui e no 30 Recebemos Com Amor.
A partir disso, comeou-se uma tradio de hinos divinizando Mestre
Irineu. Mas nem todos concordavam com esse endeusamento absoluto do
seu lder. Afinal, acompanhavam o seu dia-a-dia e sabiam das dificuldades
humanas com que enfrentava os transtornos do cotidiano da comunidade
e os seus prprios problemas familiares e existenciais, como sua relao,
em alguns momentos conturbada, com o lcool, por exemplo. So vrios
os hinrios que evitam compar-lo a Cristo, mesmo que muitos o con-
siderassem como um ser iluminado e dotado de poder divino. Embora
essa questo gerasse conflitos em certas esferas da comunidade, o enorme
respeito que todos tinham por Mestre Irineu evitou que isso levasse a de-
sentendimentos mais srios.
168
recebidos outros hinrios, como os de Maria Franco, Joaquim Portugus
(com poucos hinos), Antnio Roldo e Manoel Dantas. Estes hinrios no
chegaram a ganhar destaque dentro da comunidade, no se consolidaram
como oficiais nas sesses e, algumas vezes, caram no esquecimento.
Como exceo, o hinrio do Joaquim Portugus teve um hino seu sele-
cionado por Mestre Irineu para compor o conjunto de hinos chamados
de Missa, a serem executados em dias fnebres e no dia de Finados. o
nono da Missa e chama-se Despedida. Alm desse hino, Joaquim Por-
tugus teve outra cano colocada por Mestre Irineu no ritual do Daime da
poca, neste caso, para ser cantado no final dos trabalhos de concentrao.
da categoria Bendito, mas no se sabe ao certo se esse Bendito foi
recebido por Joaquim Portugus ou se ele o trouxe da Igreja Catlica
para o Daime.
169
Missa, e outro que s cantado na Missa, o nmero 1 Senhor Ama-
do. Outro hino selecionado foi do Joo Pereira, que tambm s cantado
na Missa, o nmero 8 Oh Meu Pai Eterno. A Missa, entre as dcadas
de 1940 e 1970, era composta por nove hinos, cinco de Mestre Irineu (hi-
nos selecionados de dentro do seu hinrio), dois de Germano Guilherme,
um de Joo Pereira e um de Joaquim Portugus. O ltimo hino da Missa
o 10 Pisei na Terra Fria de Mestre Irineu s veio a ser colocado no
hinrio de ritual fnebre no ltimo ano de sua vida (ver em Anexo D os
Hinos da Missa)
Outro tipo de cano do Daime, oposto contrio da Missa e for-
malidade da linha hinria, o conhecido como diverso. Mestre Irineu
tinha cinco diverses, todas elas recebidas na Vila Ivonete, provavelmen-
te entre 1934 e 1936. A sequncia das diverses de Mestre Irineu a
seguinte: 1 Pra Pilar, 2 Cacheado, 3 Cantar me Apareceu, 4 Devo
Acochar o N e 5 Aurora da Vida. A histria desta ltima serve para
demonstrar como certas das canes aoasqueiras de Mestre Irineu no che-
garam a ser plenamente reconhecidas como sendo hinos, embora parti-
lhassem do imaginrio do Daime. A diverso 5 Aurora da Vida fala de
uma passagem na vida da esposa de Z das Neves que terminou seu casa-
mento aps se apaixonar pelo cunhado, Fabiano, o qual no correspondeu
sua paixo e posteriormente, mudou-se para Belm, Pa. Este fato teria
acontecido no ano de 1935, enquanto a diverso foi recebida por Mestre
Irineu em 1936.
170
No vou fazer isso, sou amigo do Jos das Neves, eu no vou fazer
isso. O Z das Neves no merece que eu faa isso com ele. Pra qu a
senhora fez isso e tal?
Ainda a repreendeu. A, ela: Mas, agora j aconteceu no tem mais
jeito.
Ela ainda ficou mais um pouco pra ver se assim ele queria. Mas, ele
no quis.
O que eu posso fazer alugar uma casa pra senhora, pra senhora no
ficar no meio da rua.
A, ela ficou decepcionada, ela resolveu voltar pra casa da me dela em
Xapuri. A, a famlia toda ficou revoltada com ela, que ela no precisa-
va ter feito aquilo, n? A. passou-se um bom tempo, e a ltima notcia
que ns tivemos era que ela estava plantando na praia de rio, puxando
enxada pra sobreviver. Quem vivia numa pose de rainha como ela vi-
via, pra ir arrastar enxada, hein? Olha doloroso, depois tivemos outra
notcia que ela tinha se juntado com um seringueiro e ai ningum teve
mais notcia dela.
Quando um belo dia o Mestre sonhou, teve um sonho com ela, que
ele ia em uma estrada direta, nessa estrada l adiante, ele disse que
tinha uma volta, aquela que chama de rodeio. Quando ele chegou na
entrada daquela volta, ele avistou ela no sonho, mas, antes dele che-
gar perto dela, ela avistou ele e no quis cumpriment-lo. Acho que
ela envergonhou-se dele, o esprito dela envergonhou-se do dele, no
? E no quis nem chegar a ele, ela entrou pelo rodeio e ele seguiu a
reta, n? Da reta que ele vai, ele foi escutando ela vai cantando nesse
rodeio, pra sair l na frente. Quando chegou l fim, ela terminou, j na
sada do rodeio, a, ele acordou, e foi logo cantando a msica:
Se eu soubesse no tinha nascido, para hoje eu andar sofrendo, a pieda-
de me disse, o que que tu andas fazendo... a, continua, n? Foi assim.
Algum pensa que essa msica diverso, mas, uma coisa muito
dolorosa, se a gente for prestar ateno serve de exemplo no , pra
61
muita gente. (Perclia Ribeiro)
171
do meu pai, Jos das Neves. Ela tinha muito cime do meu pai, era
a aquela confuso medonha. Quando foi um dia, parece que ela en-
controu ele conversando com outra mulher. A foi atrs de se vingar.
Da ela foi embora para Brasileia. L, ela [o esprito dela] recebeu esse
hino. A, ela [o esprito dela] veio e cantou pro Mestre [em sonho].
A, ele colocou nas diverses. Esse hino, veio para ele como numa
parte da msica de uma valsa antiga que tem, entendeu? No foi pra-
ticamente assim, como se recebe um hino dentro do Daime. Ele foi
recebido dentro do sonho [pelo Mestre]. O que sei desse hino foi que
eu ouvi o velho contando. Esse hino dentro dele, j vem uma histria,
o sofrimento que ela passou por ter feito o que fez. (PAULO SERRA
apud MAIA NETO, 2003, p. 71, grifo do autor)
172
5 - AURORA DA VIDA
(Mestre Irineu)
173
Por muito tempo as diverses de Mestre Irineu eram cantadas nos
intervalos dos hinrios oficiais. Na poca em que recebeu as diverses,
os hinrios oficiais ainda eram constitudos por poucos hinos de diferentes
donos. Depois que cada hinrio ficou independente, as diverses passa-
ram a ser executadas sempre no intervalo d O Cruzeiro. Diz-se que, antes
de falecer, Mestre Irineu recebeu uma cano no bosque perto de sua casa,
quando em companhia de Francisco Granjeiro. Depois de sua morte, este
lembrou-se dela e ela foi colocada nas diverses como a sexta diverso do
Mestre Irineu. Chama-se Bom Trabalhador.
174
O uso do murur passou a ser um recurso teraputico utilizado regularmente
pela comunidade de Mestre Irineu, adquirindo forte teor simblico por ser
associado sua memria; seria o remdio do Mestre. Mas a doena de
D. Francisca evoluiu e ela tornou-se paraltica das pernas. A sua piora fez
com que o casal tivesse que contratar uma menina para ajudar nos servios
de casa. Esta menina era Raimunda Marques Feitosa, filha de Maria Fran-
co, recente discpula de Mestre Irineu e viva de Marcullino Marques, to-
dos maranhenses de Cajapi (cidade prxima a So Vicente Frrer, cidade
natal de Mestre Irineu). A famlia Marques (ver Apndice K) havia chegado
ao Acre com a leva de migrantes no ciclo da borracha, para trabalhar nos se-
ringais do territrio. Mas, com a quebra do mercado da borracha, a famlia
se deslocou para capital, Rio Branco, estabelecendo-se como agricultores,
em posses doadas pelo governo na Vila Ivonete.
L tiveram a oportunidade de conhecer o trabalho de Mestre Irineu
com a ayahuasca. A menina Raimunda tinha quinze anos quando chegou
comunidade do Daime e comeou a trabalhar para o lder e sua com-
panheira. Quando tinha 19 anos, por insistncia da prpria D. Francisca,
casou-se com Mestre Irineu que tinha ento 47 anos. Continuou cuidando
da casa e dos seus antigos patres. Um ano depois do casamento, D. Fran-
65
cisca, com o corpo cada vez mais desvalido, veio a falecer, aos 68 anos.
Paulo Serra explicou o caso da seguinte maneira:
175
Foi quando ele casou-se com a minha me de criao na Igreja Ca-
tlica. A minha me de criao (Raimunda) ficou tomando conta de
66
D. Francisca. Depois de um ano de casados, foi que ela morreu.
(Paulo Serra)
176
adquirir significados mais amplos, servindo at como exemplos universais.
O ttulo do hino Dois de Novembro nos remete ao dia do calendrio cristo
dedicado aos mortos.
7 - DOIS DE NOVEMBRO
(Mestre Irineu)
177
O casamento de Mestre Irineu com D. Raimunda foi no dia 31 de
67
julho de 1937, na igreja matriz de Rio Branco. Esse enlace parece ter
gerado muito desconforto dentro da comunidade do Daime por causa do
convvio anterior dos dois com D. Francisca. Assim, so poucos os seguido-
res antigos de Mestre Irineu que se dispem a comentar sobre o casamento
com D. Francisca. De toda forma, este perodo da vida de Mestre Irineu foi
marcado por fortes mudanas.
68
Figura 31 Certido de casamento de Mestre Irineu Serra com Raimunda Marques Feitosa - 31/7/1937.
178
a partir de meados do sculo XIX. Os imigrantes rabes constituram uma
camada da sociedade acreana, responsvel pelo abastecimento e comrcio
na regio, inicialmente negociando com borracha. Esse mais um exemplo
de como Mestre Irineu cultivava relaes de amizade com os mais variados
setores da sociedade riobranquense, incluindo pequenos agricultores, oficiais
militares, polticos e comerciantes imigrantes da Sria e do Lbano. O fato do
casamento de Mestre Irineu ter sido celebrado numa igreja catlica aponta
tambm para sua relao com aquela instituio. Lembremos que no esta-
beleceu nenhum rito de casamento em sua religio, restringindo-se a realizar
batizados com daime. Mestre Irineu apenas estimulava o casamento de seus
adeptos, mas deixava ao encargo dos mesmos os encaminhamentos e a ce-
rimnia religiosa, que, no incio do Daime, geralmente se deram dentro da
Igreja Catlica, uma vez que a maioria de seus adeptos provinha de famlias
dessa religio, a nica que na poca era vista como tendo legitimidade civil.
Figura 32 Da esquerda para direita, Francisca Marques Feitosa, Laura filha de Maria Marques Vieira
(Maria Damio), Veriana Brando, Maria das Dores Ribeiro (Bibi irm de D. Perclia), Maria Franco
(me de D. Raimunda), Perclia Ribeiro, D. Raimunda, Paulo Serra (criana) e Mestre Irineu.
(foto tirada em 1949)
179
Depois desse casamento, a famlia de D. Raimunda ganhou prestgio
dentro da comunidade do Daime. Antnio Roldo, irmo da noiva, passou
a ser Comandante do Salo e feitor de daime, junto com outro irmo,
Antnio Tordo. A me, Maria Franco, tambm viria a se juntar com Joo
69
Pereira.
Os irmos de D. Raimunda tambm estabeleceram unies estveis um
pouco depois do seu casamento. No sabemos o nome do esposo de Fran-
cisca e nem das companheiras de Antnio Tordo e de Antnio Roldo, ou
o grau de importncia desses consortes na estrutura do culto da poca. De
toda forma, a famlia comeou a exercer papel de destaque na comunidade
e a ganhar valor simblico como a famlia da esposa de Mestre Irineu.
180
em cima da mesa central que, colocada no meio do salo serve para separar
homens e mulheres nos rituais de concentrao, baile e cura.
No sabemos como Mestre Irineu veio a adotar a cruz de Caravaca
nos rituais do Daime. Talvez a tenha conhecido nos primrdios de sua ini-
ciao com ayahuasca nas sesses dos vegetalistas mestios na fronteira do
Brasil com o Peru. Outra possibilidade que ele a tenha conhecido atravs
do livro A Cruz de Caravaca Tesouro de Oraes, considerando-o um
bom smbolo para seu culto ayahuasqueiro esotrico. A respeito da adoo
dessa cruz Paulo Serra comentou:
Ele no comeo fez uma cruz. Era s uma cruz de um brao. Mas, a
quando ele comeou a receber os hinos e tudo, diz ele que recebeu a
mensagem pra botar dois braos no Cruzeiro. Foi l na Vila Ivonete.
Era logo no comeo. Quando ele recebeu, o vov Antnio Gomes
nem vivia ainda aqui (antes de 1939).
Diz que ele em um determinado tempo. [...] recebeu a mensagem
pra botar dois braos no Cruzeiro. Foi quando ele viu o livro Cruz de
Caravaca, que tem a Cruz com dois. Foi a, que ele achou que estava
71
certo, como ele recebeu. (Paulo Serra)
181
Alm da adoo da cruz de Caravaca, Mestre Irineu props aos seus
seguidores o uso de fardas e um novo formato de ritual para as sesses de
festejos, o Baile. A partir de ento, os rituais de festejos passaram ser
executados em forma danante, no mais com os participantes sentados.
Tambm se introduziu o uso de maracs, para marcar o ritmo. Com a
introduo do toque de maracs aliado aos passos do baile, foi tambm
necessria a proviso de ensaios para o treino do ritual. Inicialmente foram
72
constitudos trs passos no baile: marcha (ou xote), valsas e mazurcas.
Os seguidores mais antigos dizem que, desde o incio do culto, em
1930, Mestre Irineu separava os seguidores por sexo em lados opostos de
uma mesa central retangular. Reservou o lado direito da mesa (de quem
entrava no local do rito) para os homens e o lado esquerdo para as mu-
lheres. Os jovens e crianas do sexo masculino eram postados na cabeceira
da mesa, logo na entrada. J, as jovens e as crianas do sexo feminino
eram postadas na cabeceira oposta, no fundo da mesa. Ocorrendo uma
maior presena de adultos, os lugares nas cabeceiras da mesa eram pre-
enchidos por estes, seguindo a separao por sexo. As crianas ocupavam
preferencialmente as filas da frente nas cabeceiras. As filas geralmente eram
ocupadas por ordem de chegada na comunidade, com os mais antigos no
comeo. No se sabe ao certo se esta organizao foi modificada com a
introduo das patentes. Adlia Granjeiro nos relatou como Mestre Irineu
implementou o novo formato do ritual na comunidade do Daime, e as
dificuldades iniciais que seus seguidores enfrentavam para tocar o marac e
acertar os passos do bailado.
J estava com um ano por a, que a gente estava por l, quando surgiu
o marac. Ele disse que recebeu ordem da Rainha que era pro pessoal
bailar e bater o marac. Teve uma noite que estava tudo l, e ele cha-
mou todos pra fazer um ensaio do bailado e do marac. S ele que
tinha marac. Ele tinha mandado fazer um pra ele.
A, as mulheres todas elas fumavam e tinha uma latinha aonde elas co-
locavam o tabaco dentro pra fazer o cigarrinho pra fumar ou cachim-
bo. Elas desocuparam a lata e botaram uns caroinhos de milho ou
feijo dentro, ou, coisa assim que fizesse zoada e ficavam balanando.
Eu ainda me lembro disso. Ele ria tanto que o pessoal no acertava.
182
Ele cantando, l com a madrinha Raimunda, e o pessoal batendo
a lata, e o pessoal errava. Batia uns nos outros, uns iam pra frente ou-
tros iam pra trs, e ele ficava rindo e comeava tudo de novo.
Era para a Perclia ensinar. Ele j tinha ensinado pra Perclia. Ela en-
to comeou a ajudar a dar a instruo para as outras. Era uma graa,
ele ensinando com toda calma com aquela alegria, sempre sorrindo,
quando um errava, ele ficava rindo e mandava amolecer o corpo: T
com as pernas duras, t todo duro...
Todo mundo ria e ele chamava pra comear de novo. Foi indo at que
73
todo mundo aprendeu. (Adlia Granjeiro)
A farda era diferente dessa de hoje. Era uma tnica azul marinho e uma t-
nica branca. Depois ele mandou trocar, a tnica azul marinho com a cala
branca e a cala azul com a tnica branca, com gola e com bolso na frente.
As das mulheres tinham uma gola de marinheiro, tinha um lencinho
e um cordo toral com duas pernas, uma verde e a outra amarela,
colocada por debaixo da gola e trazia pro lado da cintura, tinha um
cinto preto, passava o cinto e a ponta do toral prendia do lado a saia.
No era de prega a saia. Tinha um nome que chamava rabo de peixe,
na barra rodeando. Se a farda fosse branca, botava trs listras azuis da-
quela. Se a farda fosse azul colocava trs listras brancas. A manga era
183
comprida e tambm acompanhava trs listras, do mesmo jeito da barra
da saia, igual que tinha na manga.
Agora eu no consigo me lembrar como era o pano da cintura. Acho
que era cheio de preguinha, assim, bem miudinha, em uma pala pre-
gada na saia pra fazer a cintura (Entrevista com Adlia Granjeiro em
24 de fevereiro de 2007).
184
mente geridos por seus Chamados em solo, acompanhados pelo uso
do tabaco. Tampouco ocorriam maiores participaes de seus seguidores
que, nesse perodo, desempenhavam um papel mais passivo. Buscando uma
maior formalidade, Mestre Irineu comeou a focar em seus rituais a sepa-
rao, a classificao e a hierarquizao de elementos, categorias e regras
que estavam at ento menos presentes no seu imaginrio e no cotidiano
da comunidade.
Mas, Mestre Irineu em contraposio a esses formalismos, instituiu
tambm celebraes mais informais, com menos regras e hierarquizao de
papis. Estas ficaram conhecidas como festinhas do Mestre ou festas com
daime, onde a separao entre os sexos era abolida e eram tocadas msicas
do cancioneiro popular da poca. Nessas festinhas tambm eram tocados
hinos, em ritmo de danas de salo, que eram executados aleatoriamente.
As fardas e as patentes eram trocadas por roupas de festa (paisanas) he-
terogneas. Neste caso, somente se exigia o uso de um palet. Essas festas
tambm no obedeciam a um calendrio fixo, ficando reservadas a datas
de aniversrios, em comum acordo com a comunidade, marcando de certa
forma uma espcie de inverso dos ritos religiosos.
Mestre Irineu tambm manteve as concentraes (sesses mediadas
pelo silncio) sem farda, ou seja, sem hierarquizaes explcitas. Assim, du-
rante esses rituais, os discpulos mais graduados e os novatos ficavam lado
76
a lado indistintamente. Ele porm, instituiu dias da semana regulares para
os rituais de concentrao. Vejamos o relato de Z Dantas sobre esse novo
ordenamento:
[...] Se a minha memria est certa, a farda azul [tnica ou dlm] era
usada na Semana Santa e So Joo. Conceio, Natal e Reis, era branca.
Na poca, no tinha essa concepo de hinrio fixo para cada data,
era o que o chefe determinava. No tinha o calendrio de hinrio que
hoje ns temos. Data santa tinha, mas no tinha a classificao de qual
hinrio. No tempo anterior, ele convocava tal data para as concentra-
es, sem dia marcado.
A data de quinze e trinta de cada ms, ela surgiu de sessenta e dois pra
c, quando foi inaugurada a primeira sede exclusivamente para traba-
77
lho [...]. (Z Dantas)
185
Nesse perodo, novos seguidores e novas famlias se integraram co-
munidade. Entre esses seguidores e famlias que chegaram podemos citar:
Sebastio Gonalves e esposa, Manoel Belm e sua esposa Maria Cndida,
Antnio Gomes e Maria Gomes, Rita Gomes (ver Apndice F e Anexo G),
Pedro Corrente e Daniel Pereira de Matos. Com a nova demanda de segui-
dores, o terrao de Damio Marques tornara-se pequeno para as reunies do
Daime. Mestre Irineu reuniu ento o corpo de seguidores para um mutiro
78
de construo de uma ramada. Levantado prximo casa de Mestre Irineu,
perto do Igarap Fundo, o espao construdo pela comunidade tambm re-
presentava o incio de uma nova fase nos rituais do Daime: uma espcie de
consolidao da religio, junto com as fardas, as patentes e todas as outras
mudanas efetuadas por Mestre Irineu. Instituiu-se tambm uma separao
formal entre os espaos reservados aos rituais e os do cotidiano domstico.
Entre os novos membros da comunidade, destacava-se Daniel Pereira
de Mattos, o antigo amigo que Mestre Irineu conhecera quando ainda tra-
balhava como estivador no Cais da Praia Grande, em So Lus. Na dcada
de 1920, haviam voltado a se encontrar em Rio Branco quando Mestre
Irineu estava na polcia e Daniel trabalhava, provavelmente, como barbeiro
e sapateiro.
Figura 35 Mestre Irineu Serra e a irmandade na ramada da Vila Ivonete no final dcada de 1930.
Da esquerda para direita: Raimundo Gomes, Joo Ribeiro, Manoel Dantas, Antnio Gomes,
Manoel Belm, Germano Guilherme, Daniel Pereira de Mattos, Jos das Neves, Raimundo Irineu
Serra, Joo Pereira, Antnio Roldo, Pedro Corrente, Joo de Sena, Pedro Ribeiro, depois do
prximo, Sebastio G. Nascimento e o velho Tamandar. Na frente, as crianas:
Adlia, Laura, Perclia, Bibi (identificadas) e outras no identificadas.
186
Daniel Pereira de Mattos nasceu na antiga freguesia de So Sebas-
tio de Vargem Grande, no Maranho, no dia 13 de junho de 1888, filho
de Anna Francisca do Nascimento e Thoms Pereira de Mattos e Mattos.
Em agosto de 1897, quando tinha nove anos de idade, seu pai faleceu,
deixando-lhe como herana uma faixa de terra na localidade de Barra do
Rio Munim. rfo de pai, ingressou como grumete na Marinha de Guerra
Brasileira, atravs da qual fez sua primeira viagem para o Acre em 1905.
Depois de uma viagem de instruo no navio Benjamim Constant, pediu
baixa, como 2 sargento, indo para o Acre em 1907, onde passou a morar
em definitivo. (MARGARIDO; ARAJO NETO, 2005, p. 44) Daniel era
um homem de vrios ofcios: barbeiro, sapateiro, poeta, arteso, cozinhei-
ro, carpinteiro, marceneiro; alm de compositor, tocava violino, cavaqui-
nho e violo, instrumentos que tambm fabricava. Fala-se que,
[...] era bomio, poeta e msico, o que lhe trouxe vrios problemas, inclusive
de sade. Na profisso de barbeiro, instalou-se no ano de 1925 em uma
das primeiras ruas de Penaplis, na Epaminondas Jcome. Morou na Rua 1
de Maio, antiga Rua da frica (rea de Rio Branco de concentrao negra)
e em 1926 transferiu sua barbearia para Rua 6 de Agosto, onde ficou at
meados de 1930. Posteriormente, mudou-se para Rua General Rondon, no
bairro do Papco. (MARGARIDO; ARAJO NETO, 2005, p. 44)
[...] casou-se em 1928 com Maria do Nascimento Viegas e com ela teve
quatro filhos: Naraz, Creuzulina, Ormite e Manoel. Os problemas com
a boemia e o lcool fizeram com que a sua famlia o abandonasse em
1937, voltando para o Maranho. At seu falecimento, em 1958, Daniel
nunca mais teve notcias dela. (MARGARIDO; ARAJO NETO, 2005, p. 44)
187
no, por concesso de Manoel Julio, o administrador das terras do Seringal
Santa Ceclia, pertencentes a uma senhora chamada Isaura Parente. Assim,
Daniel deu continuidade aos trabalhos de Mestre Irineu, em sua casa, um
pouco mais acima do Igarap Fundo. Atendia irmandade que ficara na-
quela regio, fazendo trabalhos de cura.
Durante um breve perodo, Mestre Irineu abasteceu-o com remessas
de daime, mantendo o espao de Daniel como filial de seu trabalho. Aps
um ano, Daniel comeou constituir outro ritual, conforme revelaes que
recebera diretamente, quando ainda se tratava com Mestre Irineu. Dessa
forma, comeou sua prpria misso espiritual, seguindo outras mensagens
e adotando rituais diferenciados dos trabalhos de Mestre Irineu. Seguindo
a sua prpria revelao, Daniel abriu espao para a incorporao de espri-
tos curadores, semelhante linha de umbanda, o que levou Mestre Irineu
a lhe propor que seguisse o seu prprio caminho, separado dele. Passando
a fazer o seu prprio daime, Daniel deu incio a uma nova religio ayahuas-
queira, que veio a ser conhecida como Barquinha.
Figura 36
Foto de Daniel Pereira de Mattos.
188
Daniel Pereira de Mattos recebeu em mirao o Livro Azul, que lhe
foi entregue por dois anjos, bem como o esclarecimento do seu significado.
Apontavam para o hinrio que ele haveria de criar, contendo uma doutrina
prpria, a ser ensinada, juntamente com o uso do daime e da nova rituals-
tica. Durante os doze anos seguintes cumpriu a sua misso em Rio Branco.
Devoto de So Francisco das Chagas, Daniel dedicou o seu trabalho ao seu
santo padroeiro e, em 1945, ergueu em sua homenagem uma capelinha de
taipa no seu terreno e l passou a realizar os seus trabalhos espirituais.
Frei Daniel Pereira de Mattos, como se denominava, ou Mestre
Daniel, como seus seguidores chamavam-no, faleceu no dia 8 de setembro
de 1958, durante de uma Romaria de So Francisco, depois de fazer
uma penitncia de 90 dias. Desencarnou nos braos do amigo e seguidor
Manoel Arajo, dentro da casinha do Daime, e s 18h30min foi velado na
Igreja, sobre a mesa central em forma de cruz. Mestre Irineu, que j havia
pressentido esse falecimento, devido ao recebimento de um hino que de-
nominou Chamei l nas alturas, compareceu ao velrio, juntamente com
outros de seus seguidores. Entre esses seguidores estava D. Perclia Ribei-
ro, que fez os seguintes comentrios sobre esta passagem e sobre o hino
que Mestre Irineu recebeu nesse momento.
189
107 - CHAMEI L NAS ALTURAS
(Mestre Irineu)
190
Maria Francisca Vieira, tambm conhecida como Maria Marques Viei-
ra (nome de casada), ou Maria Damio, tornou-se viva aos 30 anos de
idade. Seu hinrio foi muito apreciado pelos daimistas e viria a se tornar
um dos mais importantes do Daime. Sabe-se que nasceu no Cear, no dia
4 de novembro de 1910, e chegou ao Acre no final da dcada de 1920, ao
lado de Porflio, seu primeiro esposo, mas com quem no teve filhos. Um
pouco depois de sua chegada, ele foi assassinado e, em seguida, ela conhe-
ceu Damio Marques de Oliveira, casando-se com este no incio da dca-
da de 1930. Juntos tiveram seis filhos, Raimundo, Laura, Lcio, Hugo,
Waldir e Matilde. O casal tambm chegou a criar um sobrinho de Damio,
80
Wilson, filho de Manoel Marques (irmo de Damio). Os irmos de Da-
mio, Pedro, Manuel e Lucas, tambm se tornaram seguidores de Mestre Iri-
neu, juntamente com suas esposas e filhos (ver genealogia em Apndice I).
A famlia de Damio teve grande importncia na rede de amizades de Mestre
Irineu. Foram eles que lhe deram apoio para a realizao dos rituais do Daime
num espao mais amplo, no terrao de sua casa, onde cabiam mais participan-
tes. Maria Damio desempenhava um papel importante nos rituais de Mestre
Irineu, dando auxlio aos novatos e aos que necessitavam de conforto.
Depois da morte de Damio, ocorreu tambm, em 1941, a morte de
Antnio Ribeiro, pai de D. Perclia, e, mais tarde, a de Joaquim Portugus,
em 1942. Todos eles deixaram esposas e filhos ainda jovens. Tanto Maria
Damio quanto a famlia de Antnio Ribeiro foram assistidos por Mestre
Irineu e Manoel Dantas. D. Perclia comenta a morte de seu pai e como
Mestre Irineu veio a se responsabilizar pela sua famlia da seguinte maneira:
191
O Mestre disse: T feito. No se preocupe, faa sua viagem.
81
E recomendou o esprito dele. (Percilia Ribeiro).
17 - CONFISSO
(Mestre Irineu)
192
Meu Divino Pai do Cu,
Soberano Onipotente,
Perdoai as minhas culpas
E vs perdoe aos inocentes.
J para os dias dos Santos Reis, alm da Confisso, Mestre Irineu apre-
sentou outro hino, para ser executado no final do trabalho, o de nmero
25 Oferecimento. Este hino marca a finalizao do calendrio dos rituais
do Daime a cada ano e s deve ser cantado nessa data.
25 - OFERECIMENTO
(Mestre Irineu)
193
Neste mundo de iluso.
Oh! Minha Virgem Me,
vs quem me d a luz!
Me dai a salvao
Para sempre, amm, Jesus.
194
tagem da prtica no seria usada somente para esse fim, mas tambm para
controlar a mente e fortalecer a irradiao da prece (Comunicao Pessoal
83
de Lourdes Carioca em Junho de 2007). Joo Rodrigues e D. Perclia
explicam o processo em suas palavras:
Sempre, ningum pode dizer que no tem alterao, por que tem, no ?
Alterao encrenca, so desavenas, so desentendimentos em casa,
fora ou com a irmandade, seja com quem for, qualquer alterao,
isso ai que alterao.85 (Perclia)
Outro ritual proposto por Mestre Irineu foi o de batismo no Daime, in-
troduzido em meados da dcada de 1930. A partir de ento, os filhos de seus
seguidores passaram a ser batizados por ele. No batismo concebido por Mes-
tre Irineu, usa-se sal, gua e daime, colocados sobre uma mesa em pequenas
vasilhas, bem como um facho de algodo. A criana acompanhada dos
195
padrinhos que ficam em torno da mesa. Os demais participantes do ritual,
que deveriam ser de trs a nove pessoas, segurando velas acesas na mo, re-
zam em voz suave o Pai Nosso e a Ave Maria. O oficiante, postado ao centro
da mesa, primeiramente pega um chumao embebido com daime, chama a
criana pelo nome completo proposto pelos pais e em seguida espreme o
chumao em seus lbios, dizendo: Eu te batizo com o daime que luz para
te guiar na vida espiritual. Em nome do Pai, do Filho e do Esprito Santo.
O oficiante d prosseguimento ao ritual pegando outro chumao com um
pouco de sal, e novamente chama a criana pelo nome completo, dizendo:
Eu te batizo com o sal para teres fora de lutar contra as adversidades, em
nome do Pai, do Filho e do Esprito Santo. Para finalizar, o oficiante repete a
mesma operao, s que agora com gua, e mais uma vez, chama a criana
pelo nome completo, dizendo: Assim como So Joo batizou Jesus no Rio
Jordo, eu te batizo com gua em nome do Pai, do Filho e do Esprito Santo.
Amm. O ritual de batismo no Daime geralmente feito aps os trabalhos
de bailado realizados nos dias de So Joo e Natal.
Sempre ele fazia batismos na data de So Joo e Natal. Mas uma coisa
que ele nunca gostou foi fazer batismo meia noite [...] ele s fazia
ao amanhecer do dia.
Ele disse que era pra dar felicidade ao inocente, n? Com a luz do sol
que vem trazer a luz da memria, da sade, d tudo de bom pra
aquela criana, n? E no noite. A noite s tem escurido n?
No tem luz, ento, a histria essa.86 (Perclia)
196
Na Vila Ivonete, no se tinha um espao prprio para enterrar os
seguidores, e os enterros eram feitos no cemitrio municipal de Rio Branco,
o So Joo Batista. Quando Mestre Irineu se mudou para a colnia Espa-
lhado, na Estrada Custdio Freire, criou no Alto um espao para o cemit-
87
rio, chamado Palmeiral devido s suas muitas palmeiras. L os mortos
eram velados na sede e depois carregados pela irmandade at o espao
do cemitrio. Antes do final da dcada de 1940, Mestre Irineu, devido
queixa de um agricultor vizinho da Custdio Freire, denominado Jos
Bencio, foi chamado polcia para responder a um inqurito por criar
um cemitrio particular. Na queixa de Jos Bencio, constava que Mestre
Irineu estava enterrando crianas e lanava-se a suspeita de que ele as teria
matado (comunicao pessoal de Joo Rodrigues em Junho de 2006). Esse
mais um exemplo do preconceito sofrido por Mestre Irineu e o Daime,
numa poca em que grande parte da populao de Rio Branco via seu culto
com suspeitas, acusando-o e seus seguidores de praticarem macumba.
Fala-se que Mestre Irineu foi polcia e respondeu s acusaes, levando
suspenso do inqurito. provvel que a criana tenha sido filho de um
dos seus seguidores e, assim, enterrada no Palmeiral. O problema estava na
irregularidade do cemitrio, mas, diante da existncia de outros cemitrios
comunitrios sem registro, a questo foi arquivada.
Mestre Irineu tambm props ou aceitou inovaes nos passos do
bailado de alguns hinos. Foi, por exemplo, o caso do hino 36 Amigo
Velho, do seu hinrio O Cruzeiro. Durante um perodo, o bailado desse
hino era iniciado em passo de Marcha, mas, quando se chegava ao estri-
bilho, o passo e a direo mudavam e, em vez de danar lateralmente, os
participantes dirigiam-se para a frente e os homens e as mulheres se cum-
primentavam. Porm, a presena de uma mesa/altar no centro do salo,
causava dificuldades, levando suspenso dessa novidade (Comunicao
pessoal feita, em fevereiro de 2007, a Paulo Moreira por Veriana Brando,
seguidora de Mestre Irineu desde a dcada de 1930).
197
36 - AMIGO VELHO
(Mestre Irineu)
O Patriarca So Jos
Todo mundo se esqueceu.
Jesus, filho de Maria,
Com o Divino Senhor Deus.
Patriarca So Jos,
Vs, esposo de Maria,
Que o Divino Pai lhe deu
Para a Vossa companhia.
Viveram honestamente
Dentro da soberania.
Jesus, quando nasceu,
Foi na vossa companhia.
198
O Divino Senhor Deus
Foi quem me mandou dizer
Que ns somos filhos eternos,
Somos, somos e deve ser.
Ns somos filhos eternos,
Somos, somos e deve ser.
199
Notas
1 Acreditamos que foi a partir do momento que nosso protagonista comeou a realizar tra-
balhos pblicos e a liderar uma comunidade religiosa em Rio Branco que ele passou a ser
popularmente conhecido como Mestre Irineu. O ttulo Mestre popularmente atribudo
a pessoas que se destacam em seus ofcios, mas era tambm empregado para denominar
os curandeiros chefes da ayahuasca. Fala-se que Mestre Irineu brincava com esse ttulo,
dizia que as pessoas o chamavam de Mestre, porque ele era mestre de carpintaria.
2 Jos das Neves em entrevista ao Jornal O Varadouro, ano 4, n. 20, p. 5, abr. 1981.
3 Entrevista de Luiz Mendes a Beatriz Labate em fevereiro de 2007.
4 Atualmente utilizam-se duas grafias diferentes para esse nome: Marachimb e Maraxim-
b. Escolhemos a segunda opo por ser a utilizada em estudos botnicos sobre a planta
que leva o mesmo nome, j que acreditamos ser possvel que originalmente a entidade
relacionada peia no Daime tenha sido associada espcie vegetal de igual denominao.
Diversas espcies botnicas recebem esse nome popularmente, sendo chamadas tambm
de catingueira ou caneleiro A Cenostigma macrophyllum uma angiosperma per-
tencente famlia Leguminosae, subordinada subfamlia Caesalpinioideae e includa
na tribo Caesalpinieae que possui 47 gneros, entre os quais se inclui o Cenostigma
Tul; constitudo de quatro espcies de hbitos arbreos e arbustivos distribudas nas
formaes de mata, cerrado e caatinga das regies Norte, Nordeste, Centro-Oeste e
Sudeste do Brasil. Das quatro espcies identificadas, Cenostigma tocantinum Ducke,
Cenostigma gardnerianum Tul., Cenostigma macrophyllum Tul., Cenostigma sclero-
phyllum, somente a ltima, que ocorre no Chaco paraguaio, no exclusivamente brasi-
leira. <http://www.fapepi.pi.gov.br/novafapepi/sapiencia10/pesquisa1.php>.
5 Entrevista com Adlia Granjeiro, em maro de 2007.
6 Esta lista e os ttulos dos Chamados so o resultado da pesquisa feita a partir das lem-
branas de Joo Rodrigues (Nica), Pedro Matos, Paulo Ferreira Lima, Adlia (Gomes)
Granjeiro, Lus Mendes do Nascimento, Lourdes Carioca e Jos Dantas. Partimos da
confrontao dos relatos dos entrevistados para chegar a uma lista de consenso de ttu-
los desses Chamados. Podem haver mais Chamados do Mestre Irineu, no cata-
logados nesta lista, mas, partindo-se da memria desses entrevistados foram levantados
somente este doze.
7 A terminao Nawa tpica do tronco lingustico Pano, quer dizer; gente, homem
ou pessoa. Segundo J. Capistrano de Abreu no seu livro R-Txa Hu-ni-ku-i: Gra-
mtica, texto e vocabulrios kaxinaw, a palavra Paka quer dizer: Taboca, bambu,
taquara (ABREU, 1941, p. 544, 600); j, a palavra Conxi ou Cuxi quer dizer:
Forte, fora, duro (ABREU, 1941, p. 534, 584); e a palavra Naw ou Nawa como
j falamos, quer dizer: Homem, gente, povo, pessoa (ABREU, 1941, p. 535, 594).
Desta forma, o conjunto da expresso, Pakaconxinaw, quer dizer: Homem da taboca
forte ou gente da taboca forte.
8 A regio do municpio de So Vicente Frrer, no Maranho, terra natal de Mestre
Irineu, era ocupada inicialmente por indgenas conhecidos localmente como Tapuias e
Guajajaras (tronco lingustico Tupi), antes do processo de catequizao.
9 Entrevista com Pedro Matos em maro de 2007.
10 Iai (Senhora Virgem, ou, senhorinha - iorub), Pax, Barum, Marum e Beg (ibeji
esprito de criana iorub)
200
11 Existe uma polmica em torno da grafia desta palavra, alternativamente escrita nas
formas Juramidan, Juramidam e Juramid. J que o Daime constituiu-se como uma
cultura de tradio oral, no haveria uma autoridade nativa qual recorrer para
resolver esse impasse. Assim resolvemos seguir modelos da norma culta do portugus,
onde palavras terminadas com a nasal so escritas com til, a exemplo de ma, irm
e m.
12 O termo recebido muito utilizado no Daime para denotar que as canes so pro-
venientes do astral e no inventadas propositalmente.
13 Entrevista de Luiz Mendes Beatriz Labate em fevereiro de 2007.
14 Entrevista de Otlia, esposa de Daniel Serra, em janeiro de 2007 em So Lus-MA.
15 Entrevista com Daniel Serra em janeiro de 2007, em So Lus-MA.
16 Comunicaes pessoais de Lourdes Carioca, Adlia Gomes e Paulo Serra feitas em
julho de 2007.
17 Uso associado uma categoria que propomos para identificar outros usos de subs-
tncias ligadas ao consumo de daime.
18 A respeito ver: Weiss (1969), Naranjo (1983, p. 47-67), Mckenna, Towers e Abbott
(1984, p. 195-223), Gates (1986 , p. 49, 73), Ott (1994), Luz (2002, p. 45) e Mabitt
(2002, p. 146, 152, 154-155).
19 Esse modo de preparar diferente daquele adotado entre os ndios. Estes usam uma
espcie de batata que cuspida na macaxeira e deixada para fermentar durante alguns
dias, tampouco temperam com gengibre, erva doce ou acar.
20 Entrevista com Valcrio Granjeiro em fevereiro de 2007.
21 Entrevista de Perclia Ribeiro a Jair Facundes em 2003.
22 Sandra Goulart (2004, p. 72) aponta para alguns destes remdios.
23 Entrevista com Adlia Gomes, filha de Antnio Gomes em maro de 2007.
24 Entrevista de Perclia Ribeiro dada a Antnio Macedo em 1999.
25 Michael Taussig (1993, p. 369-371) em Xamanismo e Colonialismo e o Homem Sel-
vagem: um estudo do terror da cura aborda a cura com o iag, no universo vegetalista
colombiano, do feitio e da inveja.
26 Transe Xamnico um estado de transe alcanado pelo xam. A palavra xam tem
suas razes ontolgicas na Sibria na cultura dos tungues. Como substantivo a palavra
tungue samam deu origem a xam, significaria excitado, comovido, alterado. Como
verbo ela quer dizer conhecer de forma exttica. O xam uma figura carismtica por
excelncia, ou melhor, aquele que revela a presena do sagrado quando se encontra
num estado de transe exttico. (LINDHOLM, 1993, p. 184)
27 Esta estratgia de cura, segundo Levi-Strauss, pode ser melhor apreendida atravs do
conceito psicanaltico de ab-reao; ou seja, o momento decisivo no tratamento,
quando o paciente revive intensamente a situao inicial, a partir da qual seu distrbio
se originou, antes que ele finalmente o supere. O xam para Levi-Strauss (1989) um
ab-reator profissional. De certa forma, todos os xams da tradio vegetalista podem
ser considerados ab-reatores, assim como Mestre Irineu.
28 Ver: Weber (1991, p. 158-159), para uma discusso relevante a isso.
29 O verbo provocar usado na regio muitas vezes para significar vomitar.
30 Entrevista com Paulo Ferreira Lima em maro de 2007.
201
31 Entrevista de D. Percla Ribeiro dada a Jair Facundes em 2003.
32 Entrevista de D. Perclia dada a Eduardo Gabrich em: <www.mestreirineu.org>.
33 Segundo Facundes, Joo Rodrigues tem a cpia deste caderno de Daniel.
34 Comunicao feita por Jair Facundes a Edwaer MacRae em email, enviado em 2009.
Aqui Facundes deve se referir a determinados centros daimistas, pois em outros tais
cerimnias so bastante frequentes.
35 Na perspectiva metodolgica do antroplogo Bruno Latour, todos os aspectos ou fa-
tores ligados ao fenmeno so considerados mediadores da cadeia de elementos que os
interligam. Segundo Latour, se no nos interessa criar uma dicotomia grandiosa crian-
as versus adultos, primitivos versus civilizados, homem versus natureza, s nos resta
explicar o nmero de pontos ligados, a fora da extenso de cada ligao e a natureza dos
obstculos. Para o autor, cada uma dessas cadeias lgica, ou seja, vai de um ponto a ou-
tro, mas algumas cadeias no associam tantos elementos ou no conduzem aos mesmos
deslocamentos. Na verdade, para Latour, fomos da lgica (esse caminho reto ou torto?)
para a socio-lgica (esta associao mais fraca ou mais forte?). Segundo sua metodolo-
gia, a nica coisa que podemos fazer observar tudo o que est atado s afirmaes. Ou
seja, como so feitas as atribuies de causas e efeitos; que pontos esto interligados; que
dimenses e que fora tem essas ligaes; quais os mais legtimos porta-vozes; como esses
elementos so modificados durante a controvrsia. (LATOUR, 1997, p. 330-331)
36 Acreditamos que aqui a entrevistada se refere ao bactericida Sulfa.
37 Entrevista concedida a Paulo Moreira por Edilza, filha de Loredo, em maro de 2007,
no Barro Vermelho, Rio Branco-Acre.
38 Comunicao pessoal de Lourdes Carioca e Pedro Mattos, dada a Paulo Moreira em
julho de 2007.
39 Concordamos aqui com a hiptese apresentada por L. Silva, segundo a qual a peia
se constitui como uma experincia essencialmente simblica de carter polissmico ou
mltiplo, no limitada somente ideia de castigo. A sua interpretao e significao es-
to intimamente relacionadas com as noes de cura e doena, e tem como implicao
principal a ordenao simblica dos adeptos. Os efeitos purgativos comuns bebida so
significados e interpretados a partir de um sistema de valores que prioriza o bem, a luz,
a verdade, em detrimento do mal, das trevas e da iluso. A peia tem, assim, ao co-
ercitiva e mediadora, agindo no sentido de promover o aprimoramento da conduta dos
adeptos segundo o modelo idealizado pelos fundadores. A peia, enfim, no se constitui
como um fenmeno a priori, produto cultural das experincias idiossincrticas dos l-
deres e demais daimistas e, dessa forma, tem tambm importncia histrica e pedaggica,
na medida em que peias marcantes so relembradas como momentos de dificuldades.
(SILVA, 2004, p. 3)
40 Entrevista de Paulo Serra concedida a Paulo Moreira em julho de 2007.
41 Entrevista com Perclia Ribeiro dada a Antnio Macedo em 1999.
42 Entrevista de Perclia Ribeiro dada a Antnio Macedo em 1999.
43 Curiosamente Mestre Irineu quando recebeu o hino 52 A febre do amor - determi-
nou o limite de hinos que completariam O Cruzeiro, no seguinte verso: Completei o
meu Cruzeiro com cento e trinta e duas flores, se tiver alguma a mais, vs acrescente o
meu amor.
44 Diverses so cinco canes que Mestre Irineu recebeu para serem cantadas em
intervalos de rituais, em ocasies festivas.
202
45 O Divino Pai Eterno / Quem me deu este poder / De ensinar as criaturas / Conhe-
cer e compreender; A Virgem Me me deu / O lugar de professor / Para ensinar as
criaturas / Conhecer e ter amor; Jesus Cristo me mandou / Para mim viver aqui / Sou
eu, sou eu, sou eu / Sou eu, sou bem feliz. Trecho do hino 28 Eu Quero Cantar Ir
do hinrio O Cruzeiro de Mestre Irineu (ver em Anexo B).
46 Virgem Me foi quem me deu / Ensinar aos meus irmos; Deus do cu foi quem
mandou / Deus do cu foi quem mandou a luz. Trecho do hino 30 Devo Amar
Aquela Luz do hinrio O Cruzeiro de Mestre Irineu (ver em Anexo B).
47 Eu canto com alegria / A minha Me que me mandou; A minha Me que me mandou
Trazer santas doutrinas. Trecho do hino 38 Flor de Jagube do hinrio O Cruzeiro
de Mestre Irineu (ver em Anexo B).
48 A Virgem Me que me ensinou / A Virgem Me foi quem me deu. Trecho do hino
44 A Virgem Me Que Me Mandou do hinrio O Cruzeiro de Mestre Irineu (ver em
Anexo B).
49 Vs mandou para mim / Ensinar os meus irmos. Trecho do hino 61 Rainha da
Floresta do hinrio O Cruzeiro de Mestre Irineu (ver em Anexo B).
50 Esta luz da floresta / Que ningum no conhecia / Quem veio me entregar /
Foi a Sempre Virgem Maria; Quando Ela me entregou / Eu gravei no corao / Pra
replantar santas doutrinas / E ensinar os meus irmos; Eu agora recebi / Este prmio
de valor / De So Jos, da Virgem Me / De Jesus Cristo Redentor. Trecho do hino
65 Eu Vou Cantar do hinrio O Cruzeiro de Mestre Irineu (ver em Anexo B).
51 Minha Me Minha Rainha / Foi Ela que me entregou / Para mim ser jardineiro /
No jardim de belas flores. Trecho do hino 79 Jardineiro do hinrio O Cruzeiro
de Mestre Irineu (ver em Anexo B).
52 Dono de todo poder / E dono da fora maior / Ele quem me ensina/ Para ensi-
nar os menores. Trecho do hino 106 Fortaleza do hinrio O Cruzeiro de Mestre
Irineu (ver em Anexo B).
53 A minha Me que me ensina / Que me entrega este poder / Tomo conta e dou
conta /E eu no posso me esquecer. Trecho do hino 109 Tudo, Tudo do hinrio
O Cruzeiro de Mestre Irineu (ver em Anexo B).
54 A Virgem Me soberana / Foi Ela quem me ensinou / Ela me mandou pra c /
Para ser um professor. Trecho do hino 125 Aqui Estou Dizendo do hinrio O Cru-
zeiro de Mestre Irineu (ver em Anexo B).
55 O chefe que veio Terra / Como Mestre ensinador / Recebeu esta misso / Que a
Virgem Me lhe entregou. Trecho do hino 09 O Chefe Que Veio a Terra do hinrio
de Antnio Gomes (ver em Anexo C).
56 A Virgem Me Purssima / Mandou o Mestre aqui / E ele veio para nos ensinar /
Com amor e com alegria / Todos ns devemos acompanhar; Acompanhemos meus
irmos / O nosso Mestre ensinador / Que ele veio para nos ensinar / E a Virgem Me
foi quem nos mandou. Trecho do hino 11 A Virgem Me Purssima do hinrio de
Antnio Gomes (ver em Anexo C).
57 Jesus Cristo Redentor / o dono destes ensinos / Mandou o nosso Mestre / Para
seguir o seu destino; A Sempre Virgem Maria / Foi quem veio lhe acompanhar / Man-
dou o vosso filho / Para sempre nos guiar. Trecho do hino 14 Jesus Cristo Redentor
do hinrio de Antnio Gomes (ver em Anexo C).
203
58 A Rainha ao nosso Mestre / Ela entregou todo poder / Para ele nos dar a luz / Para
ns se defender; Este poder quem mandou / Foi nosso Rei Onipotente / Para entre-
gar ao nosso Mestre / Porque Ele competente. Trecho do hino 17 A Rainha Ao
Nosso Mestre do hinrio de Antnio Gomes (ver em Anexo C).
59 Esse Mestre que est aqui / Entre ns ele uma flor / Com todo poder na mo / De
Jesus Cristo Redentor; Desde do seu nascimento / Que ele trouxe o seu valor / Com
a Virgem Me Purssima / Que o Divino Pai talhou. Trecho do hino 23 Esse Mestre
Que Est Aqui do hinrio de Antnio Gomes (ver em Anexo C).
60 Jesus Cristo veio ao mundo / Terminou o que veio fazer / Entregou ao nosso Mestre
/ Ele tem o mesmo poder. Trecho do hino 30 Recebemos Com Amor do hinrio de
Antnio Gomes (ver em Anexo C).
61 Entrevista de Perclia Ribeiro dada a Antnio Macedo em 1999.
62 A valsa-serenata Ave Maria foi composta por Erothides de Campos. Fala-se que foi
seu primeiro sucesso no cenrio da msica popular brasileira. O autor nasceu em 15 de
outubro de 1896 na cidade de Cabreva. Sabe-se que ele passou a maior parte da vida
em Piracicaba, cidade onde veio a falecer em 20 maro de 1945. Ele era compositor,
msico de vrios instrumentos. Foi professor de fsica e qumica na Escola Normal Sud
Mennucci. De sobrenome Neves pelo lado materno, ele usava o pseudnimo Jonas
Neves quando fazia letras, como o caso desta cano, que muitos pensam ser de duas
pessoas. Erothides de Campos comps a valsa-serenata Ave Maria em 1924. Dois anos
depois chegou ao disco na voz de Pedro Celestino. Mas foi somente a partir de 1939,
com a gravao de Augusto Calheiros, depois Alvarenga e Ranchinho em 1941 e no-
vamente com Francisco Alves em 1947, que a cano comearia a se fazer notar mais
amplamente no Brasil. Ele seguramente deixou mais de 230 composies, que abran-
gem formas musicais variadas: valsas, choros, maxixes, marchinhas, tangos, sambas.
63 Ver a discusso de Moreira (2008) sobre a criao por Mestre Irineu de um habitus re-
ligioso em torno do consumo do daime, seguindo os argumentos de Bourdieu (2001,
2002) e Mauss (2003).
64 Fala-se que Mestre Irineu sentia dores reumticas quando estava em Brasileia, e que
lhe foi indicado o uso da seiva do murur. Sem saber a dosagem, Mestre Irineu to-
mou mais de meio copo da seiva. Pouco depois ele caiu no cho com dor pelo corpo
todo e febre alta. Passou um dia e meio sentindo os efeitos da seiva do murur.
Quando se sentiu recomposto, dirigiu-se a casa do senhor que lhe tinha indicado a
seiva. Indignado com sua experincia, diz-se que sentia at vontade de bater nele,
mas, acalmando-se, ouviu sua explicao. O senhor disse que no sabia a dosagem
certa, que s tinha ouvido falar no remdio, que era bom para dores de reumatismo.
Mestre Irineu deste dia em diante ficou bom das dores reumticas e descobriu que
a dose correta seria uma colher de sopa. (Entrevista com Saturnino, filho de Lus
Mendes, em de janeiro de 2007).
65 Fala-se que D. Francisca morreu em 1938, e que ela estaria enterrada no cemitrio p-
blico Joo Batista de Rio Branco. Procuramos levantar mais dados sobre D. Francisca,
tentando saber sobre sua famlia, sua ascendncia e de que local do Cear ela vinha.
Chegamos at a investigar o arquivo do cemitrio, mas vrios cadastros foram perdidos
na dcada de 1940, devido a uma infiltrao no telhado do prdio. A grande quantida-
de de tmulos e a falta de identificao em muitos deles desestimularam a busca lpide
a lpide.
66 Entrevista com Paulo Serra em novembro de 2006.
204
67 A Igreja em que ele casou foi demolida e se construiu outra nas proximidades. A igreja
que foi construda em seu lugar teve suas obras iniciadas na dcada de 1950. Ento,
quando se fala da Igreja Matriz na certido de casamento, esta no corresponde atual
Igreja Matriz construda na dcada de 1950 no centro de Rio Branco. A primeira Igreja
Matriz era feita de madeira, perto do local onde construram a atual, de alvenaria.
68 Contedo do documento: Aos trinta e um dias do ms de julho de mil novecentos
e trinta e sete, pelas oito horas da noite, nesta igreja matriz da freguesia Rio Branco.
Depois de habilitados canonicamente, por palavras dos presentes na forma do ritual
em minha presena e das testemunhas de Joo Baptista Lopes, Wagib Elir Jacury,
Benjamim Rachide Amim, Raymunda da Amunciao de Oliveira. Receberam-se em
matrimnio os contraentes Raymundo Irineu Serra e Raimunda Marques Feitosa, ele
com 44 anos de idade, solteiro, filho legtimo de Sancho Martins de Mattos e Joana
de Assuno Serra, batizado na Freguesia de So Vicente de Frrer, Maranho e ela
com dezenove anos de idade, solteira, filha legtima de Marcollino Marques e Maria
Marques, batizada na Freguesia de Cajapi, Maranho. Moradores nestas Colnias.
E para constar lavrou-se esse assentamento que assino O Vigrio, Carlos Cumerlato
n. do DOCUMENTO 253.
69 Joo Pereira nessa poca trabalhava com transporte de cargas usando um carro de boi.
70 A respeito ver: Luna (1986) e Taussig (1993).
71 Entrevista com Paulo Serra em maro de 2007.
72 No ritmo da marcha, os participantes do baile movimentam-se lateralmente dois passos
para direita e depois dois passos para esquerda, girando o tronco conjuntamente na
direo dos passos. A valsa diferencia-se da marcha por seu ritmo ternrio (trs tem-
pos), onde os participantes fazem movimentos pendulares para esquerda e para direita,
movendo o ombro e mantendo o corpo no mesmo lugar; levantam o p levemente nos
dois tempos iniciais, abaixando-o no terceiro tempo (tempo forte) alternando o p di-
reito e o p esquerdo. O passo da mazurca se distingue da marcha (de quatro tempos)
e da valsa (de trs tempos), por ser executada em seis tempos (musicalmente fala-se seis
por oito). Geralmente, inicia-se o passo da mazurca para esquerda (como tambm os
outros dois passos descritos), girando o corpo completamente para mesmo lado, do-
-se ento trs passos nessa direo, depois gira-se o corpo para o lado direito e faz-se o
mesmo movimento de volta. Repetem-se esses movimentos at o final da msica.
73 Entrevista com Adlia Granjeiro em 24 de fevereiro de 2007.
74 Fala-se que poca da introduo das fardas por Meste Irineu no havia um ritual es-
pecfico para o fardamento. Simplesmente era comunicada a vontade ao Mestre, e este
marcava o dia.
75 Entrevista de Perclia Ribeiro a Antnio Macedo em 1999.
76 Ver em Moreira (2008), uma discusso sobre os rituais daimistas em termos das cate-
gorias de reforo, neutralizao e inverso, propostos em Da Matta (1991, p.50).
77 Entrevista com Z Dantas em Porto Velho em julho de 2007.
78 Galpo coberto de palha, caracterstico da regio.
79 Entrevista de Perclia Ribeiro dada a Antnio Macedo em 1999.
80 Os pais de Wilson, Manoel (irmo de Damio) e Lcia (da etnia kashinaw) morreram
quando ele era ainda jovem. Maria Damio teve que fazer uma procurao em meados
da dcada de 1940 ao juizado de Boca do Acre para ter a guarda de Wilson.
81 Entrevista de Perclia Ribeiro dada a Antnio Macedo em 1999.
205
82 Para benzer-se, dentro da tradio de Mestre Irineu, comea-se com o polegar da mo
direita em cima da testa, depois, desce-se o dedo pelo rosto at a ponta do queixo,
dizendo: pelo sinal da santa cruz. Depois se coloca o mesmo polegar na linha aci-
ma das sobrancelhas, e cruza-o da esquerda para a direita, dizendo: Livre-nos Deus
Nosso Senhor. Logo, continua-se com o polegar fazendo uma cruz em cima da boca,
desta vez dizendo: Dos nossos inimigos. Prossegue-se colocando novamente o pole-
gar em cima da testa, em seguida, ele levado ao umbigo, dizendo-se: Em nome do
Pai (testa), do Filho (umbigo). Em seguida deve-se cruz-lo do ombro esquerdo para
o direito dizendo: Do Esprito Santo, amm. Termina-se o ato de benzimento com
as mos estendidas ou beijando-se as pontas do dedo da mo direita. (Comunicao
pessoal de Lourdes Carioca, Maro de 2007).
83 Atualmente a questo da entrega dos trabalhos recebe diferentes interpretaes de
diferentes membros e autoridades do Daime. Encontram-se diferentes concepes do
que seriam as alteraes. Alguns consideram que qualquer pequeno desentendimen-
to entre os membros da comunidade configuraria uma alterao, outros acreditam
que estas se refiram somente a grandes e graves problemas. Tampouco se costuma
atualmente contar o nmero de preces.
84 Entrevista com Joo Rodrigues em maro de 2007.
85 Entrevista de Perclia Ribeiro com Jair Facundes em 2002.
86 Entrevista de Perclia Ribeiro dada a Antnio Macedo em 1999.
87 Em nossa pesquisa procuramos saber da prefeitura de Rio Branco a respeito do registro
do cemitrio Palmeiral. L, foi-nos dito que esse cemitrio, assim como mais uns vinte
nos arredores do municpio, no tinha registro. Sabia-se da existncia deles, mas, eram
considerados como sendo comunitrios. Atualmente, j possvel fazer o documento
de bito no cartrio com o nome do cemitrio comunitrio. Mas, na poca, poucos
bitos eram registrados, documentando somente os que davam entrada no Cemitrio
Joo Batista. Levando isso em considerao, procuramos, no cartrio geral de Rio
Branco, os registros de bito de Maria Damio, Joo Pereira, Antnio Gomes, Germa-
no Guilherme e outros seguidores de Mestre Irineu que esto enterrados no Palmeiral.
No se encontrou nenhum registro do cemitrio, dos bitos desses seguidores e nem
do inqurito respondido pro Mestre Irineu.
88 Entrevista com Z Dantas em julho de 2007 - Porto Velho-RO.
206
Mestre Irineu com o cajado e chapu.
Captulo 3
211
Figura 37
Servio Especial de Mobilizao de
Trabalhadores para a Amaznia.
212
Figura 38 Passeata dos soldados da borracha.
213
Figura 40 Seringueiros.
214
O hino mencionado na narrativa o 43 O Prensor. Comumente tem
se dito que esse hino foi recebido por Mestre Irineu na poca da guerra
entre o Paraguai e a Bolvia. D. Perclia Ribeiro deu vrios depoimentos,
como aquele publicado na Revista do Centenrio do Mestre, falando nes-
2
se sentido. A chamada Guerra do Chaco foi um conflito armado entre a
Bolvia e o Paraguai, porm, chama-nos a ateno a data do conflito que
ocorreu entre 15 de junho de 1932 e 12 de junho de 1935. Nessa poca,
segundo os relatos de antigos daimistas, inclusive o de D. Perclia, Mestre
Irineu teria apenas cinco hinos. Portanto, a data mais plausvel para o re-
cebimento do hino O Prensor, que de n43, seria o perodo da Segunda
Grande Guerra, como sugere a narrativa de Zumira Gomes.
Vejamos abaixo esse hino, provavelmente marcado pela Segunda
Grande Guerra, em que Mestre Irineu externa a sua crtica social com con-
tundncia pouco usual.
43 - O PRENSOR
(Mestre Irineu)
215
Esse perodo presenciou tambm uma intensificao da persegui-
o ao Daime, e a presso contra Mestre Irineu atingiu seu maior grau.
No governo do Territrio Federal do Acre estava Luiz Silvestre Gomes
Coelho, que governou de 25 de outubro de 1942 a 22 de fevereiro de 1946.
Estava em curso o Estado Novo, de Getlio Vargas, com clara inspirao
fascista. Pregava-se por todo o Brasil os valores da ordem, do patriotismo,
do cientificismo positivista e da eugenia branqueadora. Nesse quadro pol-
tico-cultural, a comunidade de Mestre Irineu, formada em sua maioria por
negros ou mestios, usurios de uma bebida indgena de supostos poderes
mgicos, passou a ser vtima de um preconceito ainda mais acirrado. Desde
o seu incio, o culto daimista fora estigmatizado como sendo macumba,
e Mestre Irineu, temido por alguns por sua cor e sua avantajada estatura,
era acusado de ser macumbeiro. O seu costume de indicar casamentos
entre os seguidores era tambm muito mal visto pela sociedade acreana
e corriam boatos de que separava casais, tomando as mulheres para si. Aqui
se repetia, com Mestre Irineu, um velho preconceito, bastante difundido
na Amaznia, em relao aos pajs masculinos que, alm de feitiaria, so
frequentemente acusados de mexerem com as mulheres que esto sob
seu tratamento, ou seja, de tentarem assediar ou molest-las sexualmente.
(MAUS; VILLACORTA, 2001, p. 33) Surgiam tambm outros rumores
a respeito do seu carisma entre os seguidores: diziam que enfeitiava as
pessoas atravs de trabalhos de macumba, para mandar e desmandar nelas.
Havia outras ms interpretaes de suas atividades devidas, por exemplo,
ao termo trabalho usado para os seus rituais e que era ento tambm
comumente aplicado a rituais de macumba ou magia negra. Desse modo,
assomaram-se vrias incompreenses e estigmas sobre Mestre Irineu e seus
seguidores. Isso foi relatado por uma frequentadora do Daime das dcadas
de 1930 e de 1940, que no quis ser identificada, em entrevista que deu
antroploga Sandra Goulart (2004, p. 47).
[...] Era muito difcil naquela poca. Tudo tinha que ser muito oculto,
escondido, porque tinha muita perseguio, at da polcia [...].
Se falava muita coisa do Daime e do Mestre Irineu, e o pessoal tinha
muito medo porque no entendiam o poder do daime, como que
aquele ch podia curar [...].
216
Tinha at caso de pessoas que pediam a ajuda do Mestre, tomavam
o daime com ele e, mesmo assim, depois, ficavam dizendo que tinham
sido enfeitiadas, ou que o Mestre tinha feito macumba contra elas [...].
Tinha at quem dissesse que o Mestre era um charlato [...].
217
Porque, quando ele falava, todo mundo parava para escutar. E o que
ele dizia a gente seguia mesmo, porque sabia que era uma orientao
certa [...]
E a, falavam mal dele, s vezes at por inveja, tinha gente que no
gostava dele [...] Como foi o caso daquele tenente Costa que quis
5
botar o Mestre na cadeia [...]. (Lurdes Carioca)
[...] Eu sei que meteram na cabea do policial que o Mestre estava l...
fazendo e desfazendo... casando e descasando [...]
218
Era um tal de Tenente Costa, que no gostava mesmo do Mestre,
e que vivia inventando coisa para perseguir o Mestre [...]
A, mandaram um contingente, mais de trinta homens, para prender
o Mestre! Imagine s! [...] Um pessoal indisciplinado, iam entrando,
derrubando as coisas [...] Da, o Mestre estava at descansando nessa
hora, sem saber de nada [...] Eles chegaram invadindo, e era o tal de
Tenente Costa que ia na frente [...]
Iam invadindo... sem considerao... entraram no quarto dele, mexe-
ram na gaveta da mulher dele... Uma falta de respeito! [...]
Quando o Mestre acordou, eles estavam com o revlver na cabea
dele j. E o tenente disse assim para o Mestre: No estremea.
[...] Eles desceram... A, foi que foram dizer que eles tinham uma
queixa l contra o Mestre, e que queriam prender ele [...] Esta-
vam dizendo que o Mestre estava acobertando o Z das Neves [...]
Porque o Z das Neves estava sempre envolvido com as mulheres [...]
E estavam dizendo que ele tinha roubado uma dona, era uma mulher
da vida, e que ele tinha escondido a mulher na casa do Mestre, e que
o Mestre ia casar os dois e tudo mais [...]
O Mestre no sabia dessa histria no, nem sabia onde estava o Z das
Neves [...]
Eles j iam prender o Mestre, mas a chega uma ordem do Coronel Fonte-
nele que j sabia o que estava acontecendo mandando dizer que se to-
7
cassem num fio de cabelo do Mestre iam ter que se ver com ele. (Perclia)
219
cercada a mando do Tenente Costa por quarenta policiais. Pegaram
ele, e algemaram ele. Nesse tempo, o papai era carvoeiro do Coronel
Fontenelle, que era o comandante da Guarda Territorial na poca.
A pegaram ele, trouxeram e meteram ele no xadrez l do quartel.
A, a mame [Ceclia Gomes] avisou ao papai [Z das Neves], a ele
correu e contou para o Coronel Fontenelle.
O Coronel Fontenelle foi l no quartel mandou cuidar dele muito
bem. Mandou tirar ele e botar numa cela especial, com todos os seus
direitos. Ele passou a noite l, mas s que bem tratado. O prprio
Coronel Fontenelle foi atrs de advogado. Quando foi oito horas da
manh do outro dia, houve audincia e dez horas acabou, e ele foi
8
embora para casa. (Paulo Serra)
220
Esse incidente marcou profundamente a comunidade do Daime.
Tudo indica que foi um dos principais fatores que o levaram a vender as
terras da Vila Ivonete, para se mudar para a Colnia Custdio Freire. Fala-
-se que, nessa poca, havia muitas desavenas entre os frequentadores do
seu centro, algumas vezes devidas a problemas de alcoolismo e cimes.
O uso de bebidas alcolicas, especialmente da cachaa, tem sido uma
constante na histria do Brasil desde os seus primrdios prtica essa que fre-
quentemente ensejou srios problemas de ordem individual e social. Sabe-se
que o prprio Mestre Irineu tinha o hbito de beber em festividades, aniver-
srios, casamentos e algumas festas crists (como So Pedro), ou, idas ao co-
mrcio de Rio Branco para negociar a produo agrcola, quando frequentava
bares no Papco. Com o passar do tempo, a incompatibilidade desse costume
com o consumo do daime ficou clara para ele, principalmente devido ao n-
mero de pessoas que buscavam a sua comunidade para se livrarem de depen-
dncia alcolica e necessitavam de seu exemplo para se manterem abstinentes.
Mas outras desavenas perturbavam Mestre Irineu no seio de sua pr-
pria famlia, envolvendo sua sogra, Maria Franco e sua esposa D. Raimun-
da.9 Em certo momento, a situao ficou to insuportvel que ele foi levado
a determinar o fechamento dos trabalhos de Daime. Isso aconteceu depois
da mudana da comunidade da Vila Ivonete para a Colnia Custdio Frei-
re ou Colocao Espalhado (Alto Santo) no ano de 1946. Sabe-se que
a suspenso dos trabalhos durou cerca de seis meses e que estes s viriam a
ser retomados aps a morte de Antnio Gomes (ocorrida em 14 de agosto
de 1946). Durante o perodo de suspenso dos trabalhos este havia recebi-
do um hino em que se comentava a situao.
221
Durante sua relao com Mestre Irineu, D. Raimunda teve um grande
aprendizado, tornando-se a comandante feminina no Daime. A partir dessa
relao de confiana, Mestre Irineu, algumas vezes, repassava para ela a
responsabilidade de fazer trabalhos de cura, executar chamados, organizar
o grupamento feminino e memorizar as melodias dos seus hinos. Adlia
Granjeiro falou a respeito dessa relao de confiana.
Fala-se que ela recebeu um hino que foi includo no hinrio O Cru-
zeiro, o hino 57 Eu convido meus irmos. D. Raimunda teria recebido esse
hino em um sonho, onde Mestre Irineu o cantava para ela. Ao acordar,
lembrou o hino e cantou para ele. Mestre Irineu reconheceu o hino, como
se ele realmente o tivesse cantado para ela e o colocou n O Cruzeiro. Entre
os antigos seguidores, quem se recorda dessa passagem novamente Adlia
Granjeiro.
222
57 - EU CONVIDO OS MEUS IRMOS
(Mestre Irineu / Madrinha Raimunda)
223
Comenta-se, porm que relao de Mestre Irineu com D. Raimunda
era feita de altos e baixos, confiana e desconfianas. Alm disso, sua so-
gra Maria Franco, conhecida pelo seu alcoolismo, se envolvia em conflitos
com outros membros da comunidade, como Maria Damio, por exemplo,
o que acabava fomentando mais desentendimentos entre o casal. Passagens
conflituosas desse tipo encontrariam expresso em certos hinos como o
48 A Rainha da Floresta e o 81 Professor. Fala-se que, originalmente,
expressariam uma certa indignao com D. Raimunda e Maria Franco, por
no prestarem ateno aos seus ensinamentos, mas a natureza multvoca de
suas letras ampliou-lhes os significados, universalizando e tornando pertinen-
13
tes as suas mensagens a todos os seus seguidores. Vejamos os hinos abaixo.
48 - A RAINHA DA FLORESTA
(Mestre Irineu; considera-se que este hino foi recebido em 1942)
A Rainha da Floresta,
Ela veio me acompanhar.
Todo mundo ri e graceja
Para depois ir chorar.
224
No hino seguinte, Mestre Irineu parece expressar sua frustrao peran-
te a falta de ateno que recebiam as suas orientaes. Observemos tambm
que Mestre Irineu nesse hino cogita novamente parar os trabalhos de daime,
mas, dessa vez isso soa como uma espcie de desabafo. Desse modo, no
trmino do hino ele recebe a instruo que no se pode obrigar ningum a
aprender.
81 - PROFESSOR
(Mestre Irineu; o recebimento deste hino estimado como ocorrendo
entre os anos de 1948 e 1949)
Eu entrei em conferncia
Para deixar de ensinar.
A Virgem Me me disse
Ningum no pode obrigar.
225
Se ensina, ningum faz caso,
Ningum trata de aprender.
Depois no se admirem
De tudo que aparecer.
72 - SILENCIOSO
(Mestre Irineu)
226
Divino Pai,
Soberano Criador,
Perdoai os Vossos filhos
Neste mundo pecador.
227
compreendia cinco estradas de seringa (medida das terras na poca que
contabilizava entre 150 e 200 seringueiras por estrada), cerca de quinhen-
tos hectares. Em 15 de maio de 1945, mudou-se para a colocao.
Na literatura existente e em certos relatos de antigos seguidores, surgem
opinies discordantes sobre esse perodo. Alguns sustentam que as terras ad-
quiridas por Mestre Irineu foram uma doao do Major Guiomard dos San-
14
tos. Mas isso no leva em conta o fato de que, quando Mestre Irineu se
mudou para a Colocao Espalhado, na Custdio Freire, em 1945, como
unanimemente aceito, o governador da poca no era Guiomard dos Santos e
sim Luis Silvestre Gomes Coelho, cujo mandato foi de 25 de outubro de 1942
a 22 de fevereiro de 1946. Outro fato importante, que o processo de coloni-
zao proposto pelo governo de Guiomard dos Santos s teve incio a partir de
sua assinatura do Decreto Lei 83, de 3 de maio de 1947. A verso mais veros-
smil nos parece, assim, ser a de que Mestre Irineu, trs anos aps a compra da
terra, pediu um emprstimo ao Banco do Brasil para incrementar sua produo
agrcola. Sabe-se que ele no conseguiu saldar a dvida no prazo dado pelo
banco, aumentando o seu dbito, devido cobrana de juros. Mestre Irineu
pediu ento ajuda a Fontenele para interceder junto ao Banco do Brasil. Este
foi ao governador, na poca o Major Guiomard dos Santos, que deu o dinhei-
ro em emprstimo. Quando Mestre Irineu conseguiu levantar fundos com a
venda de sua produo agrcola e foi saldar a dvida com Guiomard, este no
quis receber, dizendo que lhe tinha emprestado o dinheiro e sim dado como
ajuda. No relato abaixo Paulo Serra esclarece o assunto.
228
Brasil, pra pagar com seis meses. Tinha prazo para pagar o emprstimo
pra agricultura. Eu sei que quando chegou a poca de pagar, ele no
tinha o dinheiro.
Papai olhou pro lado, olhou pro outro, procurou o Fontenele. A, o
Fontenele foi pro Governo. A, vai pra um e vai pra outro. O Fonte-
nele era Comandante da Guarda Territorial. Sei que ele foi e procurou
Guiomard dos Santos e conversou. Da, ele deu o dinheiro.
Quando foi no vero, ele recebeu um dinheiro e foi devolver para
o Guiomard. A, Guiomard disse: Irineu eu no emprestei esse di-
nheiro, quem te emprestou foi o Banco, eu te ajudei. Eu te dei uma
ajuda, agora Irineu s tenho uma coisa pra lhe dizer, banco foi feito
pra sentar, Banco ele ajuda, mas, se voc no chega na hora certa ele
toma tudo que voc tem.
Tanto que papai no quis saber mais de Banco. Quando foi em cin-
qenta e dois, papai queria fazer um negcio aqui e no dava certo.
Ele queria transformar aqui em colnia. Ele soube que j tinham trans-
formado as Placas [bairro de Rio Branco] em colnia. A, Guiomard
disse: Irineu tu coloca o teu pessoal, tu vai derrubando a seringa e vai
fazendo o acero do roado e vai deixando, ai t bom!
Quando passou uns tempos, isso foi em cinqenta e quatro ele disse:
Irineu eu vou te dar um Titulo Provisrio pra tua terra. A, tu manda
e desmanda, tu faz o que tu quiser nela.
Em cinqenta e nove, veio o IBRA que hoje o INCRA; fez a medio
toda da terra, e entregou pra ele. O IBRA botava na poca gente pra
trabalhar na terra. Dava terra pra qualquer um que quisesse trabalhar
em colnia. O rgo transformou as estradas de seringa, todinhas, em
colnias. O que pertencia tambm a ns, era aqui, onde hoje o Dis-
trito Industrial at a beira do So Francisco, aquilo ali pertencia a ele.
Esse perodo histrico foi marcado pelo fim da ditadura e do Estado Novo.
Getlio Vargas foi afastado do poder em 29 de outubro de 1945 e o pas todo
passou a respirar novos ares, livre do regime ditatorial e do fardo da guerra.
Rio Branco, com o fim do conflito, teve de absorver novamente outra grande
massa de seringueiros, os ex-soldados da borracha que se deslocavam dos se-
ringais para a capital. A reconfigurao estrutural da capital com esse aumento
229
populacional era inevitvel. Luis Silvestre Gomes Coelho, o ltimo interventor
do Territrio Federal do Acre indicado por Getlio, j se preparava para sua
sada do governo. Com o retorno da democracia ao pas, foi eleito Presidente
da Repblica, em 2 de dezembro seguinte, o General Eurico Gaspar Dutra.
O novo Presidente indicou como interventor para o Territrio Federal do Acre,
o Major Guiomard dos Santos que assumiu o governo em abril de 1946.
A sada, nesse momento, de Mestre Irineu da Vila Ivonete para uma
rea mais afastada, parece ter sido providencial para a comunidade de for-
ma geral. Vila Ivonete logo virou um bairro populoso. Alocado em uma
rea maior, de cerca de 500 hectares, Mestre Irineu pde acolher vrios
novos seguidores que no tinham terra e tambm se preservar de outro
possvel aumento populacional em seu entorno. Ele agora tinha tambm
terra suficiente para desenvolver mais livremente seus trabalhos religiosos,
que necessitavam de certa privacidade. Vejamos a abaixo um croqui do
entorno de Rio Branco do final da dcada de 1950, incio da dcada 1960,
detalhando a mudana efetuada por ele em 1945.
230
Mestre Irineu se mudou da Vila Ivonete para a Colocao Espalhado,
na Colnia Custdio Freire, no dia 15 de maio de 1945, na mesma semana
em que a Segunda Guerra Mundial se encerrou oficialmente. Chegando
l, se instalou em uma pequena casa de pachiba, juntamente com sua es-
posa D. Raimunda e seu filho de criao, Paulo Serra. Ao mudar-se para a
nova morada, trocou de imediato o nome Colocao Espalhado para Alto
da Santa Cruz. A sua preocupao inicial foi organizar um espao para a
realizao dos trabalhos de sua doutrina espiritual, pois o hinrio oficial de
So Joo estava prximo. Apesar da distncia da Vila Ivonete para o Alto
da Santa Cruz ser de aproximadamente sete quilmetros, a mudana no
alterou o ritmo dos trabalhos espirituais. Embora sentissem a ausncia do
lder, todos continuavam suas vidas normalmente. Nos dias em que ha-
via sesses de concentrao ou hinrios, todos caminhavam pela Estrada
Alberto Torres, para chegar ao Alto da Santa Cruz.
Figura 42 Mapeamento do INCRA das terras nos arredores de Rio Branco 1980. A rea em
evidncia no mapa corresponde s terras de Mestre Irineu com suas respectivas divises atuais.
231
Dando seguimento ao projeto governamental de implantao de
colnias agrcolas, iniciado no governo do Major Guiomard do Santos,
o ttulo provisrio das terras de Mestre Irineu foi finalmente expedido em
27 de julho de 1950, no Governo do Major Raimundo Pinheiro Filho (ver
foto do ttulo). Cerca de 80 mil hectares do Seringal Empresa (terras onde
estava instalada a capital) fizeram parte do projeto e ainda no governo de
Guiomard j haviam sido implantadas em Rio Branco as colnias: Alberto
Torres, Mncio Lima, Ceclia Parente, Dias Martins, Souza Ramos e Juarez
Tvora. (SOUZA, 2005, p. 106)
Figura 43
Licena de
Ocupao
a Ttulo
Provisrio.
232
Figura 44
Verso da folha
de Licena de
Ocupao e
Ttulo Provisrio.
Logo aps mudar para sua nova morada, Mestre Irineu comeou a
preparar um local para receber os discpulos. Inicialmente, era possvel aco-
mod-los a cu aberto, no laranjal que ficava ao lado de sua casa de pachi-
ba, j que ms de junho no Acre inverno de estiagem. Assim, o primeiro
hinrio no Alto da Santa Cruz foi realizado nesse local, na vspera do dia
de So Joo, em 23 de junho de 1945. Como lembra D. Perclia Ribeiro:
233
Foi um trabalho inesquecvel, era um dia muito frio, todo mundo
pensava como ia suportar a frieza da mata naquela noite. Mas nem
sentimos o tempo passar, tomamos o daime e comeamos a cantar os
hinos do Mestre, sentindo aquele conforto que parecia vir de cima.
E vinha mesmo, em meio a toda aquela mata, cantamos como se esti-
15
vssemos em pleno salo. (D. Perclia Ribeiro)
60 - LARANJEIRA
(Mestre Irineu)
(LARANJEIRA)
Laranjeiras carregadas
De laranjas boas,
Assim algumas pessoas.
234
Vou vivendo e vou dizendo,
De acordo o que vai chegar
O ouro que tem na Terra
a luz que brilha mais.
(LARANJEIRA)
Laranjeiras carregadas
De laranjas boas,
Assim algumas pessoas.
235
pelas costas, causando-lhe dores intensas, que o levaram cama. Passou
ento vrios meses acamado e, em lugar de melhorar, seu estado de sade
piorava. Alarmado, pediu a Mestre Irineu que lhe desse algum conforto.
Este recebeu o hino 74 S eu cantei na barra e o cantou para ele. Ao
ouvir esse hino, onde fica muito explcito o pensamento de Mestre Irineu
sobre reencarnao, Antnio Gomes se acalmou, conformando-se com a
proximidade de seu fim. Em outra visita que Mestre Irineu lhe fez antes
de seu falecimento, Antnio Gomes pediu a ele que cuidasse de sua fam-
lia. Em ateno a esse pedido, Mestre Irineu passou ento a dedicar uma
ateno paterna aos seus filhos (ver genealogias em Apndices G e H).
Dlia Granjeiro, filha de Antnio Gomes, falou assim sobre o acometi-
mento de seu pai:
236
O Mestre chegou e me chamou e disse: Eu recebi uma cura pro
Antnio Gomes.
A, eu disse: Recebeu, graas a Deus.
A, ele foi e cantou: S eu cantei na barra, que fiz estremecer, tu que-
res vida eu te dou, que ningum no quer morrer...
Ele cantou todinho, n. A, quando ele acabou eu digo: J estou
ciente do que vai acontecer.
A, eu pensei que o que ele tinha recebido era uma cura pra ele, mas
foi uma cura eterna. Com dois dias ele faleceu, mas, foi uma morte to
bonita a dele, n. Ele estava consciente de fazer a passagem, quando
chegou a hora, ele reuniu todas as pessoas que estavam ali. A, com
todas ao redor dele, mandou todo mundo rezar, quando chegou l
numas alturas ele olhou assim e disse:
Tem gente a que no est rezando.
E ele rezando tambm, foi rezando, quando chegou na Santa Maria,
ele a foi se entregando. Foi uma morte bonita, bonita mesmo a morte
18
dele. Poucas pessoas tem coragem de fazer um trabalho desses, no ?
(D. Perclia Ribeiro)
74 - S EU CANTEI NA BARRA
(Mestre Irineu)
S eu cantei na barra,
Que fiz estremecer.
Se tu queres vida Eu te dou,
Que ningum no quer morrer.
237
Depois que desencarna,
Firmeza no corao.
Se Deus te der licena,
Volta outra encarnao.
Figura 45 Foto dos seguidores de Mestre Irineu (batalho masculino) em frente da primeira sede
com cobertura de palha no Alto da Santa Cruz. Mestre Irineu o mais alto de chapu.
238
os homens passaram a usar sobre a camisa apenas um palet branco, sem
gravata, o que correspondia ao traje social cotidiano ento mais usado, feito
geralmente em algodo ou linho (Veja a foto Mestre Irineu o mais alto
que est ao centro de chapu). As patentes foram substitudas por um modelo
mais implcito de graduao. Mestre Irineu passou a classificar os mais gradua
dos como Estado Maior. Estes seriam aqueles detentores de maior experincia
com a bebida e capazes de dar suporte aos novatos. Os graduados do Estado
Maior eram escolhidos por Mestre Irineu nos hinrios de So Joo e Natal.
Fizeram parte dessa categoria: Z das Neves, Germano Guilherme, Joo Pereira,
Antnio Gomes, D. Raimunda, Maria Damio, Maria Gomes e D. Perclia.
A farda feminina tambm sofreu mudanas: passou-se a usar tambm
uma farda s para festejos, consistindo em camisa branca de manga com-
prida com uma faixa verde cruzada na frente e saia branca. A faixa verde
cruzada da esquerda para direita era usada por mulheres adultas e a faixa da
direita para esquerda por meninas ou virgens (veja foto abaixo).
Figura 46 Foto do grupamento feminino, D. Raimunda est ao centro sem farda. Fala-se que
D. Raimunda passou a usar duas faixas verdes cruzadas na frente da camisa.
239
No final da dcada de 1940, a comunidade do Daime recebeu uma
notcia inesperada: o falecimento de Maria Damio. Diz-se que ela estava
trabalhando numa caieira (forno de fazer carvo) a cu aberto, quando
de repente chegou uma friagem. As friagens no Acre so muito comuns e
quando ocorrem no inverno (muitos em Rio Branco chamam esse perodo
de vero, pela ausncia de chuvas) a temperatura pode baixar repentina-
mente de 39 graus para 15 graus ou menos (no sendo raro cair granizo).
Acredita-se que Maria Damio, exposta a altas temperaturas na beira da
caieira, teve um choque trmico. De imediato ela sentiu o choque e foi
levada s pressas para sua casa na Alberto Torres. Seu rosto comeou a
inchar, ficando ela trs dias acamada. No terceiro dia resolveram chamar
Mestre Irineu no Alto Santo. Ele imediatamente enviou D. Perclia, mas,
quando ela chegou, j no havia mais o que se fazer e Maria Damio veio
19
a falecer no dia dois de abril de 1949. Vejamos os relatos de Raimundo
Damio, filho primognito de Maria Damio e de D. Perclia, sua amiga
pessoal, sobre o falecimento.
240
A passagem de Maria Damio foi em 1949. Ela tava boazinha n,
a morte dela foi rpida demais. Foi uma extravagncia que ela fez, no
? Porque o tempo dela era chegado. A com trs dias l se vai.
Eu tava aqui, a gente j morava no Alto Santo e ela morava ali na
Alberto Torres. Quando eu recebi o recado que ela estava muito do-
ente, mas eu pensei que era uma coisa vaga, no ; a eu disse: Faz
muito dias que ela est doente?
A, o menino dela foi me avisar. O igarap estava alagado, o So Fran-
cisco, e no tinha ponte e no tinha canoa. Nesse tempo, a gente passa-
va por cima de uma rvore que tinha cado, por cima dos galhos, com o
maior sacrifcio. A notcia chegou por umas dez horas do dia, n.
O menino me disse que ela estava muito doente, mas ele no soube
nem dizer como comeou, nem como era, n. A eu pensei que no
fosse coisa ... A, eu ia fazer o almoo ainda. Depois do almoo eu vou
l. Eu devia ter ido antes, n? A fui fazer almoo. Almocei.
Quando acabei de almoar, eu fui l no Alto Santo. Cheguei l, falei
pro Mestre que ela no tava bem, que o menino tinha ido me avisar
que ela estava assim desse jeito. Que ela era muito unida comigo. Vi-
che, a Maria Damio comigo mesmo parecia que ns ramos gmeas.
No passava nada entre ns. A, eu cheguei l, falei pra ele. A, ele
pensou um pouco assim:
Voc v depressa e chegue l; mande comprar um purgante, aguar-
dente alem e, se der tempo, voc aplique aguardente alem com
sene.
A, eu me mandei, cheguei l, ela estava sem fala. Ningum sabia aon-
de era os olhos nem a boca nem nada, o rosto todo inchado. Ficou
assim aquela coisa mais horrvel do mundo. Minha Nossa Senhora.
Chegando assim mesmo ainda mandei comprar o remdio, quando
20
chegou ela j tinha falecido. (D. Perclia Ribeiro)
241
Posteriormente, Raimundo disse ter ido a contragosto e, segundo alguns
relatos, a estada da famlia de Maria Damio na casa de Mestre Irineu te-
ria sido marcada por relaes conflituosas com sua esposa, D. Raimunda.
Sobre essa passagem de sua vida, Raimundo comenta:
Os polticos que tomaram daime muito tempo com ele, foi o Guio-
mard dos Santos e doutor Valrio Magalhes, que por sinal eram mui-
to amigos dele. Ningum mexia com o papai que eles no deixavam.
O Valrio Magalhes s tomava daime mais por curiosidade mes-
mo. Mas, o Guiomard dos Santos tomou porque teve uns problemas
de sade. Ele ficou bom na poca que ele veio pra c. Nessa poca,
242
o carro nem entrava pra c. Do quartel, ele montava num cavalo e vi-
nha bater aqui. Quando davam umas 11 horas, ele montava no cavalo
e se despedia de dona Raimunda e ela dizia: Fique com Deus.
Ele no participava dos bailes. Ele vinha mais para assistir. Acredito
que ele no tinha mesmo o dom da histria, mas, ele gostava. Ele
vinha pra c, tomava o daime, mas, no bailava no.22 (Paulo Serra)
Figura 47
O Governador
Guiomard dos Santos
discursando por ocasio
da inaugurao
do novo prdio da
Imprensa Oficial,
em 1948.
Guiomard dos Santos tinha muita admirao por Mestre Irineu e teria
at proposto conseguir para ele uma aposentadoria como veterano de guer-
ra, mas Mestre Irineu no aceitou, dizendo que no sabia mentir. Porm,
a partir dessa amizade, passou a apoiar Guiomard politicamente, cedendo
espao em sua casa para o diretrio do seu partido, o Partido Social Demo-
crtico (PSD). Assim, o Alto Santo foi palco de muitos comcios e Mestre
Irineu parece ter estado presente ao lado de Guiomard em reunies de
cunho poltico realizadas tambm em outras localidades. Ele se entusias-
mava principalmente pela proposta de emancipao do Territrio Federal
do Acre a Estado. Conforme lembra D. Peregrina Gomes Serra, viva do
Mestre Irineu:
Esse Guiomard dos Santos vinha aqui, passava dias aqui em casa conver-
sando com ele. Uma vez ele chegou, o velho estava no roado. A, ele
mandou chamar. Disse: Ora Irineu, eu venho aqui passar o dia contigo
e tu ests no roado. Acaba com isso, tu no para trabalhar assim.
243
A, o velho respondeu: Eu tenho que trabalhar porque no tenho
quem me d nada.
O Guiomard ento disse: Eu vou te aposentar como veterano, tu
queres?
23
Mas, ele respondeu: No, eu no quero porque no sei mentir.
(Peregrina Gomes Serra)
Passamos uma poro de dias nessas matas tirando a madeira que o Mestre
havia pedido. Tambm trabalhei na construo, o Mestre estava sempre
frente de tudo, tinha muita fora, colocou essas balizas do casaro
praticamente s. (CARIOCA, 1998, p. 20)
Figura 48 Foto da sede e casa de Mestre Irineu construda no incio da dcada de 1950.
Mestre Irineu est na porta da casa.
244
A casa era de grande porte, com paredes de madeira e telhado de
cavaco (telhas de madeira): o necessrio para sediar os rituais do Daime
e acomodar a famlia de Mestre Irineu. Na frente ficava um salo grande,
de ambos os lados havia os quartos, nos fundos a cozinha e um gabinete,
onde at hoje so guardados os garrafes de daime e que na poca servia
tambm para o lder receber seus seguidores. Uma vez concluda a obra,
os trabalhos espirituais foram transferidos da ramada (galpo de palha)
para a sala de entrada da casa (vejamos na figura acima a sede e casa de
Mestre Irineu).
Pouco depois da construo da sede/casa de Mestre Irineu, Francisco
Granjeiro Filho juntou-se comunidade do Daime. Suas habilidades natu-
rais o destacaram como chefe da equipe da mata, responsvel pela busca do
cip e da folha, e feitor de daime. Posteriormente, tambm veio a fazer par-
te do Estado Maior. Sua famlia de forma geral se integrou nos trabalhos
de Mestre Irineu e, a partir da dcada 1950, os Granjeiros constituram
uma famlia de grande importncia dentro do Daime (ver em Apndice L o
grfico genealgico dos Granjeiros). Nesse perodo tambm aproximou-se
do Daime o Major Holdernes Maia, que viria a ser uns dos maiores defen-
sores de Mestre Irineu em Rio Branco. A histria de sua aproximao do
Daime mais um relato dos poderes de cura de Mestre Irineu. Francisco
Cal Ovejero reproduz a histria que ouviu de Holdernes Maia, sobre sua
chegada ao Daime:
[...] Contavam, por exemplo que, quando iam homens e mulheres sua
casa, (Mestre Irineu) dava um dedo de sua beberagem e os deixava todos
atordoados, levando, ento, as mulheres para a mata, onde fazia com
elas o que queria. Decidiram impulsionar o Tenente do Exrcito Hol-
dernes Maia a carregar sua pistola com munio de calibre 45 enquanto
se aprontava para ir ao terreiro da Custdio Freire. Pensou Holdernes:
Se verdade o que dizem, meto bala em todo mundo.
Para Holdernes aquela era a sua ltima oportunidade. Passara os ltimos
16 meses recorrendo aos hospitais do Rio de Janeiro. Esteve internado
em um Hospital Central do Exrcito e depois em um Hospital da Pol-
cia e depois na Policlnica Geral; foi operado no Botafogo e voltaram a
intern-lo na Casa de Sade de Santa Rita do Rio Cumprido, de onde
lhe mandaram ao Hospital dos Servidores do Estado. E assim foi indo
de um para o outro, pois, sua cirrose estava definitivamente em fase
terminal e o que melhor ele podia fazer dos ltimos meses de vida que
245
lhe davam era passar com sua famlia. Ento regressou a Rio Branco,
para esperar seu final entre sua mulher e seus quatro filhos. Holdernes
se inteirou de que havia na cidade um homem negro que curava e se
disps a queimar um ltimo cartucho em prol de sua vida. Teve que
recorrer a suas influncias para poder arranjar um cavalo, em uma tarde
de inverno; assim atravessou as dificuldades da estrada para chegar a
Custdio Freire. Foi uma dura travessia. Ele, sem nenhum governo de
seu intestino, chegou ao Alto Santo, amarelo, esgotado, empapado com
suas fezes. L tiveram que desc-lo do cavalo e um corpulento negro
que fumava tabaco puro saiu a receb-lo. Holdernes Maia lhe contou
em poucas palavras seu caso, o outro o ouviu com naturalidade e disse:
Eu estava lhe esperando, Deus no desengana ningum, eu aqui curo
com esta bebida. Voc quer se curar?
Holdernes lhe advertiu que lhe faltava coragem. O Tenente Holdernes
assistiu aquele homem que lhe serviu meio copo de um lquido pardo e
lhe soprou um bocado de fumaa de seu cigarro. Nesse dia o Tenente
Holdernes s tinha ingerido uma infuso, e logo depois de tomar daime
comeou a passar mal. Chegaram fortes sensaes de vertigem e mal
estar que ameaavam derrub-lo. Holdernes fez seus rogativos e sentiu
como se algo se partisse dentro dele. Sabia que a pele que envolvia seu
fgado estava solta, como gua podre, que de pronto, foi parar no es-
tmago. Vomitou tudo aquilo sentindo que em cada golfada lhe dava
alvio em todo seu corpo. Holdernes se restabeleceu em seguida de
sua crise e passou a freqentar as sesses do Alto Santo. Entre Mestre
Irineu e o militar surgiu uma amizade que perduraria atravs dos anos.
Este ascendeu a Major do Exrcito e passou a ser Assessor Militar do
Governo do Acre. Assim se erguera um dos mais eficazes escudos contra
as perseguies de que Mestre Irineu fra objeto. (OVEJERO, 1996,
p. 55-57, traduo nossa)
O Joo Pereira trabalhava pro Antnio Carpina que tinha uma serra-
ria. O Joo Pereira carregava madeira daqui dessas colnias e levava
pra vender para ele l. Foi no tempo que ele adoeceu. Foi quando ele
veio pra c se tratar de uma tal de alastrim, cai o couro da pessoa todi-
nho. No comeo, parece com uma catapora, se no tratar direito, ela
vai comendo, comendo e vai ficando carne viva.
246
Passou dois meses se tratando com o papai (Mestre Irineu). Foi no
tempo que ele estava quase bom. A, chegou o Manoel Belm e
disse:Joo Pereira vamos l pra casa passar uns dias.
Ele disse: Quem sabe o Mestre.
Ele foi e perguntou a papai, papai disse: Olhe, v, mas olhe a sua
dieta!
T bom.
Ele foi pra l, quando foi com uns trs dias o Manoel comprou um
pirarucu preparou o pirarucu no leite da castanha e deu pra ele comer.
A o Joo Pereira disse: No vou comer no, que faz mal.
A, o Manoel Belm disse: Pereira, faz mal pra gente o que sai da
boca da gente, o que entra no faz mal no, alimentao.
Ele pegou e comeu com todo gosto. A ele foi piorando e teve que
ficar na palha da banana sem roupa, porque ele no agentava roupa.
Quarentas dias depois ele morreu.
O Papai at deu uma suspenso no Manuel Belm de seis meses. Esse
camarada, com dois meses de suspenso, deu um tiro no urubu, matou
o urubu e mandou a mulher tratar o urubu, depois ele obrigou ela
comer, mas, ele no comeu. Depois de seis meses ele se apresentou e
o papai o afastou de vez.
O Manoel Belm com raiva pegou gua fervente e matou cerca de 100
24
ps de jagube e uns duzentos ps de folha que tinha em seu terreno.
(Paulo Serra)
247
foram tambm perdidas as datas. Poucos so os antigos que tm a lembran-
a precisa da data de seu falecimento, apenas afirmam que ele morreu no
incio da dcada de 1950. O mesmo acontece com os dados de sua origem
no Cear. Pelo que se sabe, no tinha famlia no Acre.
Depois de seu falecimento, passaram-se trs anos sem que o seu hinrio
fosse executado na comunidade do Daime. Fala-se que as circunstncias e
a doena que o levou a falecer tiveram um forte impacto na comunidade.
Alm disso, Joo Pereira morreu sem deixar claro quem deveria zelar por seu
hinrio. Antnio Roldo (cunhado de Mestre Irineu) se prontificou a ser seu
zelador, mas faltou-lhe a lembrana de um dos seus hinos. D. Perclia tam-
bm no conseguiu se lembrar do hino e, assim, do hinrio de Joo Pereira
que continha quarenta e cinco hinos, s se conhecem quarenta e quatro.
O zelador de hinrio a pessoa designada para manter a memria oral,
ou melhor, musical do hinrio. Assim, quando Antnio Gomes faleceu,
sua filha Adlia assumiu a responsabilidade pela zeladoria de seu hinrio,
j quando morreu Maria Damio, a zeladora de seu hinrio foi D. Perclia.
No caso de Joo Pereira, a responsabilidade foi atribuda a Francisco Gran-
jeiro. Observemos o relato abaixo de D. Perclia sobre isso.
Rapaz, a doena dele foi uma doena to esquisita que eu no sei nem
dizer. Eu sei que ele esteve doente prostrado muito tempo. At tem
um hino dele, um hino muito bonito, j chegando nos ltimos, que
esse ficou fora da linha. Eu sabia o hinrio dele, sabia todinho, mas
quando ele estava doente me falhou na memria alguns hinos. Quan-
do eu vi que ele j estava nas ltimas mesmo, mas ele estava com o
pensamento dele firme, a gente via que ele no tinha mais jeito, mas
ele falou at no ltimo momento.
[...] Fui vendo que a coisa estava aproximando, que eu no lem-
brava todo o hinrio dele, chamei o Antnio Roldo que era irmo
da dona Raimunda, cunhado do Mestre. Ele sabia o hinrio tam-
bm. Eu fiz assim, vou pedir pra ele cantar os hinos arrastado ou
no. O Antnio veio e disse: No se preocupe no, que eu sei do
hinrio dele todinho.
Eu fiquei descansada. Quando o homem morreu, ele no sabia, falta-
va esse que ele no sabia. A no tinha mais jeito. O hinrio do Joo
248
Pereira ficou arquivado trs anos. Um dia o Mestre me chamou e
disse: Voc ainda se lembra do hinrio do Joo Pereira?
Lembro sim senhor.
Pois voc escolha uma pessoa a, pra ensinar esse hinrio pra ele ficar
na ativa.
Eu escolhi o Chico Granjeiro. Chamamos ele, perguntamos se ele
queria, ele disse: Quero sim.
Eu comecei ensinando a ele, mas ele sofreu pra tomar conta. Eu no
sei por qu. Quando comeou a cantar os hinos, diz ele que dava ago-
nia, dava frio, dava tudo, quando era pra ir pros trabalhos. Depois ele
25
aprendeu direitinho [...]. (Perclia Ribeiro)
No, nunca vi o papai doente. A doena que ele teve mais grave que
eu vi, foi quando ele veio tirar umas pachibas mais o Chico Martins,
no ano de 54 pra 55. Chico Martins falou pra ele: Compadre, eu vim
porque eu lhe prometi de vim, mas eu tive um sonho to esquisito essa
noite, eu sonhei eu me cortando com o machado.
Ele disse: No nada Chico, as vezes impresso da gente.
Eu achava melhor a gente no ir.
No rapaz, vamos embora.
A, eles pegaram os machados e vieram pra c. Chegando aqui limparam
o p de uma pachiba, foi quando ele cortou um cip com o machado.
A, o machado passou direto e cortou os dedos dele. Cortou os dedos do
p direito, chegando a cortar o nervo. Os dedos dele ficaram tudo cado.
249
Ele passou seis meses lendo livros. Ele leu o Livro de Oraes Cruz de
Caravaca e as revistas do Crculo Esotrico Comunho do Pensamento,
a Bblia, e o Velho Testamento. Ele disse que aqueles seis meses foi
que fizeram ele parar. Ele durante todo esse tempo leu e aprendeu
26
mais alguma coisa. (Paulo Serra)
Acredita-se que foi nesse perodo de repouso que Mestre Irineu co-
meou a formular o Trabalho de Mesa (ritual para afastar pensamentos
negativos e encostos ou maus espritos) e a parceria com o Crculo Esot-
rico Comunho do Pensamento. Porm, tanto o Trabalho de Mesa, como
a parceria com o Crculo Esotrico Comunho do Pensamento, somente
viriam a se efetivar no final da dcada de 1950.
O ano anterior ao ferimento de Mestre Irineu havia sido marcado pelo
falecimento de seu seguidor Sebastio Gonalves do Nascimento, em 22 de
junho de 1953. Este havia chegado doutrina de Mestre Irineu por volta
de 1938 (NASCIMENTO, 2005, p. 68), no mesmo ano que Antnio
Gomes e sua famlia. Casou-se com Zulmira Gomes, filha de Antnio Go-
mes e juntos tiveram seis filhos: Raimundo Gonalves, Heloisa, Benedito,
Peregrina, Jovita e Joca (ver em Apndice G, grfico da famlia Antnio
Gomes e Nazar). Sua filha Peregrina, depois da separao de D. Raimun-
da e Mestre Irineu, tornar-se-ia esposa do lder. Mas esse casamento s viria
a ocorrer trs anos aps a sua morte.
Nessa mesma poca, Mestre Irineu e D. Raimunda tiveram um fi-
lho que viveu apenas trs meses. Diz-se que depois da morte da criana,
D. Raimunda pediu a Mestre Irineu para adotar a pequena Marta, filha do
casal Josefa e Lourival. Segundo Paulo Serra, Marta conviveu com D. Rai-
munda por quatro anos e tinha aproximadamente cinco anos quando ela
e Mestre Irineu se separaram.
250
Isto ocorreu em maro de 1955, quando D. Raimunda resolveu pedir
a separao. (SILVA, P., 1992, p. 8) No se sabe ao certo o que realmen-
te levou D. Raimunda a tomar essa atitude, existindo vrias verses para
o fato. Segundo a mais recorrente, Maria Franco seria a piv de conflitos
28
entre os dois, pregando a desunio do casal.
Em resposta ao pedido de separao, Mestre Irineu teria solicitado a
D. Raimunda que aguardasse um pouco antes de ir embora, enquanto ele
reunia dinheiro para dar a ela. Assim, pediu a seu seguidor, Manoel Dan-
tas, que era magarefe, que abatesse trs porcos e trs bois. Este, depois de
abat-los, entregou a carne para ser vendida. Mestre Irineu juntou ento o
dinheiro da carne dos animais e deu a ela. Logo depois, ainda em maro de
1955, D. Raimunda, juntamente com sua me e Antnio Roldo, viajaram
para So Paulo. Nessa viagem, foram guiados por Pedro Ferreira Lima (Pe-
dro Severino), um comerciante que costumava ir para aquela capital com
certa frequncia para comprar bijuterias que depois revendia em Rio Branco.
Mestre Irineu ficou sozinho com os dois filhos de criao, Paulo e
Marta, de maro de 1955 a 15 de setembro de 1956, quando se casou com
Peregrina Gomes do Nascimento. Observemos o relato abaixo de Paulo
Serra, sobre o perodo que Mestre Irineu passou sem esposa.
251
Zulmira Gomes aceitou que Mestre Irineu pedisse sua filha em casa-
mento, agindo como intermediadora entre os dois. Em 1984 o Jornal
Rio Branco publicou um relato desse acontecimento, conforme contara
D. Peregrina:
252
e mais alguns de seus seguidores o levaram para pegar o avio no campo de
pouso que ficava no bairro de Rio Branco, chamado Bahia. O avio o levou
at Belm e, de l, ele prosseguiu de barco at So Lus, no Maranho. De
So Lus, pegou outro barco que foi pela Baa de So Marcos at o porto
de Raposa. O restante do trecho foi feito por terra at chegar a So Vicente
Frrer. O pesquisador Eduardo Bayer escreveu sobre esta viagem.
31
Figura 49 Foto do registro civil de casamento de Mestre Irineu e D. Peregrina.
253
Figura 50
Foto de Casamento de Mestre Irineu
e D. Peregrina.
254
Irineu) e que tinha muita vontade de rev-lo antes de morrer. Joana faleceu
quando Daniel estava em Penalva (cidade prxima a So Vicente Frrer).
Seu enterro, no cemitrio de So Vicente Frrer, ocorreu no dia 13 de ju-
nho de 1945 e contou com a presena macia da sua famlia.
32
Figura 51 Foto do registro de bito de Joana Serra, me de Mestre Irineu.
255
Logo que chegou sua cidade natal, Mestre Irineu encontrou seu
irmo Jos Serra que foi quem primeiro lhe deu as informaes sobre fa-
miliares (ver Apndice A). Em seguida, procurou Paulo Serra, seu tio, que
o havia criado, para saber mais notcias de sua famlia. Este sugeriu-lhe
que ficasse hospedado com seu filho, Aprgio Antero Serra, cuja casa ficava
prxima sua. Existem duas verses sobre os encontros de Mestre Irineu
com seu tio. Segundo a pesquisa que Bayer Neto realizou em 1992, Mestre
Irineu no levara daime, somente cantou os hinos para seu tio. Entretanto,
Rita Serra, filha de Paulo Serra, d a entender que o seu pai chegara a tomar
daime com Mestre Irineu.
Durante dezembro de 1957, quando estava hospedado em So Vi-
cente Frrer, Mestre Irineu visitou parentes em vrias localidades prxi-
mas, perguntando a muitos deles se queriam ir para Rio Branco com ele.
A proposta foi tambm estendida aos parentes que estavam mais distantes,
em outros municpios. Enquanto aguardava a resposta, ajudou tambm a
erguer uma casa, no bairro de Casa Grande. (BAYER NETO, 1992, p. 3)
Essa histria foi assim: ele chegou e veio direto do Acre visitar a famlia
em 1957. Ele chegou aqui; no encontrou a famlia. Estava toda esfa-
relada. Para a gente encontrar um, era o maior problema. Era um pro
canto, outro pra outro. Tinha gente no Acre [Domingas, Francisca e
Benedito], Maranho, Rio de Janeiro, Roraima, t tudo esfarelado,
tudo Brasil. Ele chegou aqui, Mestre Irineu fra ao Maranho na
esperana de ainda encontrar viva sua me, mas em So Luis, antes
mesmo de chegar a So Vicente Frrer, soube que isso no era mais
possvel. Procurou onde estava morando seus parentes. Ele encon-
trou poucos irmos morando l em So Vicente Frrer. Na poca eu
morava em Penalva. Fiquei sabendo que ele tava chamando os que
quisessem ir com ele. Arrumei minhas malas e fui encontr-lo em So
33
Vicente Frrer. (Daniel Serra).
256
Matos, irm de Mestre Irineu), Zequinha (filho de Raimunda, irm de
34
Mestre Irineu) e Joo (filho de Fernanda, sobrinha de Mestre Irineu).
Fernanda filha de Matilde, irm de Mestre Irineu (ver genealogia da fa-
mlia materna de Mestre Irineu II em Apndice B). Uma vez prontos,
partiram todos para o vilarejo de So Jernimo e de l para Cajapi, para
embarcarem no porto de Raposa. Daniel Serra relatou da seguinte maneira
sua viagem com Mestre Irineu para Rio Branco:
Quase todos j tinham comprado as coisas antes dele viajar. Ele com-
prou um monte de coisa, era sela para cavalo, era coisa de animal, rede,
ferramentas, muita coisa que dava quase pra encher um caminho.
Levou tambm frutas da regio, muita coisa, no foi s babau no.
Ns samos l de So Jernimo, passamos em So Vicente, depois
passamos em So Joo Batista e fomos embarcar l no Cajapi, num
lugar que se chamava Raposa. Passamos dois ou foi trs dias esperando
o barco, s comendo sardinha fria com farinha, fazendo farofa de fari-
nha dgua. Quando o barco chegou embarcamos e viajamos para So
Lus. Inclusive o nosso guia era um parente dele, era o Z de Paula
que irmo da Rita Serra. Severina vinha todo tempo com a gente at
So Luis. Quando chegou em So Luis, desembarcamos e fomos pra
casa de um tio nosso que se chamava Raimundo Barbadinho. Passa-
mos uns dias l com o Raimundo, no sei direito quantos dias. Mas
foram muitos, at que ele conseguiu a passagem pra viajar pra Belm.
Pegamos o barco no Porto da Praia Grande, era uma sexta-feira, seis
horas da tarde do dia 18 de janeiro de 1958. Embarcamos num barco
chamado Z Lobato que ia para Belm. Foram trs dias no mar pra
chegar a Belm. Na viagem passamos pela Ilha de Maraj. Ns chega-
mos l no dia de So Sebastio, era domingo de manh bem cedinho
do dia 20. O Fabiano, irmo do seu Z das Neves, foi nos pegar no
porto. Ele morava perto da igreja de Nossa Senhora de Nazar. Fica-
mos em Belm uns dias na casa do Fabiano.
Meu tio [Mestre Irineu] se comunicou com o pessoal do governo do
Acre. Aguardamos o pessoal mandar as passagens pra ns. Ele sempre
falava no Coronel Fontenele de Castro [Secretrio Geral na poca].
Embarcamos num outro barco chamado Joo Gonalo. Chegamos ao
257
Acre no dia 14 de manh cedinho. Desembarcamos no porto de Rio
Branco. Ainda no tinha ponte, era um lugarzinho muito atrasado.
Inclusive ns saltamos no porto que se chama Porto da Tamarina,
perto do mercado.
Chegamos, estava aquela fileira de gente esperando o Mestre desem-
barcar. A, subimos, no chegava carro l. A, levaram a bagagem at
o meio do caminho, na casa de seu Guilherme Gomes. De l carregou
em um carro de boi, l pra casa do Mestre. Quando chegamos l, an-
damos umas duas horas de p, era um atoleiro doido. Era inverno, no
ms de fevereiro. O pessoal j estava esperando ele. Quando entramos
na casa do Mestre, fomos logo l arrumando as coisas.
Foi a primeira vez que eu ouvir cantar um hino. Foi cantado o hino
Centenrio eu nem sabia o que era. Fiquei at desconfiado. Quan-
do ns entramos l dentro do salo dele, a Perclia chamou o pessoal
que ficaram de um lado e ele bem na frente. A, cantaram, foi muito
bonito, foram dois dias de festa de banquete. Depois fizeram uma ses-
so de concentrao. Foi a primeira vez que eu vi o pessoal tomando
daime (Entrevista com Daniel Serra em fevereiro de 2007).
258
nio Gomes). Esse intercruzamento entre famlias levou a uma consolidao
cada vez maior de seus vnculos com a doutrina de Mestre Irineu. Juntamente
com os Granjeiros, chegaram tambm o casal Elias e Ana com seus filhos. Em
1956, chegaram o casal Raimundo Ferreira (Loredo) e Alzira Alves Ferreira,
tambm com seus filhos. Estes posteriormente se estabeleceriam como uma
extenso do Daime no Barro Vermelho (Seringal Saituba). Dois anos depois,
o casal Maria de Lourdes e Julio Carioca e seus filhos tambm ingressaram na
comunidade (ver Apndice M). Estes se estabeleceram no prprio Alto Santo e
foram os responsveis pelo reforo musical nos rituais do Daime, pois a famlia,
de forma geral, era muito musical, e seus membros deram importantes contri-
buies aos festejos do Daime. Destacamos estas famlias de recm-chegados
por elas terem se estabelecido permanentemente na comunidade. Outras ape-
nas passaram por ela, no sendo seguidos por seus descendentes.
Talvez a razo para Mestre Irineu ter procurado os parentes do Maranho
tenha sido sua conscincia do avano da idade e da sua falta de herdeiros. Por
isso, teria se esforado, durante sua estada em So Vicente Frrer, para trazer
de volta consigo alguns parentes que se integrassem comunidade do Daime.
Subsequentemente, Daniel Serra se tornou uma espcie de brao direito seu,
vindo a se responsabilizar pelo comando do salo durante os rituais.
Notas
1 Entrevista concedida ao Jornalista Antonio Alves, publicada no Jornal O Rio Branco,
n. 2.299, p. 4 11 jul 1984.
2 A origem dessa guerra foi uma disputa pela regio do Chaco Boreal, no sudeste da
Bolvia, hoje norte do Paraguai, tendo como um dos motivos a descoberta de petrleo
no sop dos Andes. Deixou um saldo de 60 mil bolivianos e 30 mil paraguaios mortos,
resultando na derrota dos bolivianos, com a perda e anexao de parte de seu territrio
pelos paraguaios.
3 Montero (1985), Maggie (1988), MacRae (2000, 2008) e Goulart (2004, p. 56; 2008,
p. 259).
4 Nome que Mestre Irineu usava para seus ensinamentos.
5 Entrevista que Lurdes Carioca deu a Sandra Goulart em novembro de 2002. A respeito,
confira Goulart (2004, p. 48).
6 Ver: Fres (1986, p. 20).
7 Entrevista que Perclia deu a Sandra Goulart em agosto de 1994. Sobre o assunto, ver
Goulart (2004, p. 49).
259
8 Entrevista com Paulo Serra em julho de 2007.
9 Este tema retomado em Moreira (2008).
10 Trecho do hino 38 - A Minha Me Me Mandou do hinrio de Antnio Gomes (ver em
Anexo E).
11 Entrevista com Adlia Granjeiro em fevereiro de 2007.
12 Entrevista com Adlia Granjeiro em fevereiro de 2007.
13 Durante a vida de Mestre Irineu cantava-se no primeiro verso da terceira estrofe do
hino 48 - A Rainha da Floresta,Vai chorar de arrependida, mas aps a sua morte
substituiu-se arrependida por arrependido descolando a suposta referencia a Rai-
munda para universaliz-la. (Comunicao pessoal de Veriana Brando, antiga segui-
dora de Mestre Irineu desde a dcada de 40, em maro de 2007)
14 Ver: Carioca (1998, p. 17) e Cemin (1998, p. 81).
15 Depoimento de D. Perclia Ribeiro em Carioca (1998, p. 18).
16 Termo muito usado nos hinos do Daime significando: se arrepender, pedir descul-
pas, deixar de ser orgulhoso.
17 Entrevista de Dlia Granjeiro, filha de Antnio Gomes, em maro de 2007.
18 Entrevista de D. Perclia Ribeiro dada a Antnio Macedo em 1999.
19 Durante muito tempo se divulgou que Maria Damio morreu em 1942. Possivelmente
o equvoco comeou com relatos de terceiros que no a conheceram e foi perpetuado
na lpide do seu tmulo. Porm, a afirmao de que o ano de falecimento de Maria
Damio 1942 no plausvel, pois os prprios filhos dela comentam que ela morreu
quando Guiomard era governador (25 de abril de 1946 a 30 de junho de 1950). Ou-
tro fato que desfaz esse engano a confirmao de D. Perclia Ribeiro, amiga prxima
de Maria Damio, que afirma que ela morreu em 1949. Alm de D. Perclia, confir-
mam o ano de 1949 a famlia de seu Elias e Paulo Serra. O caso da inscrio na lpide se
explicaria pelo fato de que o cemitrio do Palmeiral sofreu uma reforma. Sabe-se que,
durante as obras, alguns tmulos foram transferidos de lugar devido maneira aleatria
e desalinhada com que haviam sido distribudos originalmente. Ocorreu tambm uma
repadronizao dos tmulos, vrios dos quais j haviam perdido a identificao. Prova-
velmente uma nova identificao do jazigo de Maria Damio foi feita erroneamente e
at hoje a sua data de falecimento consta como sendo 2 de abril de 1942.
20 Entrevista de D. Perclia Ribeiro dada a Antnio Macedo em 1999.
21 Entrevista com Raimundo Damio em Fevereiro de 2007.
22 Entrevista com Paulo Serra em julho de 2006.
23 Relato de Peregrina Gomes Serra, viva de Mestre Irineu. (CARIOCA, 1998, p. 26)
24 Entrevista com Paulo Serra em Maro de 2007.
25 Entrevista de Perclia Ribeiro dada a Jair Facundes em 2003.
26 Entrevista com Paulo Serra em maro de 2007.
27 Entrevista com Francisco das Chagas, em Fevereiro de 2007.
28 Para maior discusso desse episdio, ver Moreira (2008).
29 Entrevista com Paulo Serra em julho de 2006.
30 Entrevista concedida ao Jornalista Antonio Alves, publicada no Jornal O Rio Branco,
n 2.299, p. 4 , 11 jul 1984.
260
31 Livro 12, Folha 110 sob o nmero 1485: Casamento de Raimundo Mestre Irineu Serra
com Peregrina Gomes do Nascimento, aos 15 dias do ms de setembro de 1956, nesta
cidade de Rio Branco, capital do Territrio Federal do Acre, s 9 horas no edifcio do
frum. Presente excelentssimo senhor doutor Paulo Itamar Teixeira, juiz de direito
desta comarca, e o escrivo de seu cabo, e as testemunhas adiante nomeadas e no fim
assinadas. Com toda humildade receberam sim o matrimnio como esposo Raimundo
Mestre Irineu Serra, brasileiro, solteiro, agricultor, residente domiciliado na colnia
Alberto Torres, sub-distrito desta cidade, com 64 anos de idade, nascido a 15 dias de
setembro de 1892, na cidade de So Vicente Frrer no estado do Maranho filho de
Sanches Martins de Matos e de Joana de Assuno Serra, naturais do estado do Mara-
nho, j falecidos, e como esposa Peregrina Gomes do Nascimento que passar para Pe-
regrina Gomes Serra, brasileira, solteira, residente domiciliada na colnia Alberto Tor-
res, subdistrito desta cidade com 20 anos de idade, nascida a 14 de julho de 1936, no
Rio Branco, Acre, ela filha de Sebastio Gonalves do Nascimento, natural do Acre e j
falecido, e de Zulmira Gomes do Nascimento natural do Cear, residente e domiciliada
nesta cidade. Os nubentes se habilitaram na forma da lei, apresentaram os seguintes do-
cumentos: declarao de estado residncia em seu pas, o ttulo de eleitor dos nubentes,
consentimento para casamento firmado pela me da nubente e finalmente uma declara-
o firmada por Guilherme Gomes da Silva e Francisco Granjeiro atestando conhecer os
nubentes e que ante as mesmas no existe impedimento algum matrimonial. Os editais
de proclama de casamento foram fixados porta do frum tendo decorrido prazo da lei
sem que aparecesse oposio pelo presidente do ato, ouvido dos nubentes afirmaes
de que persistem no firme propsito de casar por suas livres e espontneas vontades, em
nome da lei os declarou casados. Foram testemunhas do ato o senhor Raimundo Este-
ves Neves e sua digna esposa dona Erecina Amaral Neves, brasileiros, maiores de idade,
residentes e domiciliados nesta cidade, do que para constar, lavro este termo que lhe
conforme vai assinado pelo meritssimo doutor juiz de direito, nubentes e testemunhas.
Eu, Tadeu Duarte Macedo escrivo o escrevi. Assinam: Paulo Itamar Teixeira (Juiz),
Peregrina Gomes do Nascimento, Raymundo Mestre Irineu Serra, Raimundo Esteves
Neves, Erecina Amaral Neves, Jos Francisco das Neves, Francisco Carlos de Alencar,
Perclia Gomes de Matos, Maria das Dores Gomes, Paulo Ferreira Lima, Tadeu Duarte
Macedo.
32 Registro n 21. Aos catorze dias do ms de junho de mil novecentos e quarenta e cinco
nesta cidade de So Vicente Frrer, comarca de So Bento no estado do Maranho, em
meu cartrio compareceu o senhor Vicente Pestana, encarregado do servio declarou
que neste Municpio perante as testemunhas abaixo, assinado em domiclio prprio
no lugar Santa Tereza neste termo, no dia doze do corrente, s cinco horas faleceu de
causa de morte natural Joana Serra, domstica solteira filha de Cursino Serra e Leo-
polda Serra, e seu cadver foi sepultado no cemitrio desta cidade, em firmeza lavrei
o presente, que vai assinado pelo declarante, testemunhas e por mim Joo Batista de
Carvalho Sales, escrivo que escrevi. Testemunhas: Vicente Pestana, Vicente Soares,
Edgar Sales e Joo Batista de Carvalho Sales.
33 Entrevista com Daniel Serra em fevereiro de 2007.
34 Joo foi amplamente divulgado na literatura existente como sendo seu sobrinho (BAYER
NETO, 1992, p. 3; CARIOCA, 1998, p. 22; MAIA NETO, 2003, p. 100), mas, na
verdade, como j colocamos acima, ele filho de Fernanda Serra (sobrinha de Mestre
Irineu), filha de Matilde. (Comunicao pessoal de Daniel Serra janeiro de 2007)
35 Revista do 1 o Centenrio (1992, p. 8).
261
Captulo 4
A Consolidao do Daime
O Reincio dos Trabalhos Aps o
Retorno de Mestre Irineu do Maranho
265
Anteriormente, as mulheres usavam uma saia branca comum e uma
faixa verde colocada por cima da camisa de manga comprida, geralmente
cruzando o tronco, apoiada no ombro esquerdo, descendo para a direita
da cintura, pela frente e pelas costas. As meninas usavam essas mesmas
faixas s que no sentido contrrio, da direita para esquerda. Ao retornar
a Rio Branco, Mestre Irineu props s mulheres usarem uma saia branca
pregueada e, na faixa, adicionarem outra perna, presa no ombro direito,
figurando um Y na frente da blusa de manga comprida. Em cada per-
na da faixa deveria ser adicionada uma rosa de tecido (verde e branca).
A rosa do lado esquerdo da faixa deveria ser menor do que a do lado
direito. Para completar o fardamento, elas deviam usar fitas ou alegrias
de diversas cores (exceto preto) presas ao ombro esquerdo, em nmero
de sete. As mulheres do Estado Maior passaram a usar um prolongamen-
to da perna direita da faixa, passando para as costas at encontrar com a
outra faixa, formando tambm um Y atrs. Alm do prolongamento de
uma das pernas da faixa, as mulheres do Estado Maior deveriam usar doze
fitas no ombro esquerdo. Outro adereo colocado na farda feminina foi
o solidu ou coroa de lantejoulas em diversos modelos.
Figura 52
Farda das meninas.
Figura 53
Fardas das mulheres.
266
Nas fardas das meninas, o formato do Y das faixas deveria ser ao
contrrio do das mulheres: assim, a faixa principal que cruza a camisa viria
da direita do ombro para a esquerda da cintura. Nesta faixa, passou-se a
usar o ramalhete, um arranjo representando um galho de planta, feito
com lantejoulas prateadas colocada no lado direito da faixa. Na outra per-
na da faixa do lado esquerdo que forma o Y, colocou-se a mesma rosa
pequena das mulheres, geralmente em cima do corao. No grupamento
feminino, s sua esposa D. Peregrina e D. Percilia Ribeiro usavam a faixa
verde cruzada em forma de X na frente e Y nas costas. As fitas das me-
ninas deveriam ser sempre sete, continuando presas do lado esquerdo do
ombro (Figura 52).
Os homens, nesta nova fase, passaram a usar palet branco com grava-
ta preta ou de outra cor escura. A nova farda tinha uma faixa verde cruzada
por cima do palet, do ombro esquerdo para o quadril direito. No mesmo
ombro de onde partia a faixa, colocou-se uma rosa (verde e amarela), em
tamanho grande, toda feita de tecido. Outro adereo da farda masculina
era o uso de fitas ou alegrias no nmero de doze para o Estado Maior e
sete para os demais.
Figura 54
Fardas dos homens
com uso de fitas.
Figura 55
Farda dos meninos
com fitas.
267
Num primeiro momento, Mestre Irineu e Z das Neves passaram a
usar uma palma (espcie de rosa verde e branca com trs pontas de pape-
lo na parte de cima, cada ponta ostentando uma estrela de cinco pontas,
feita de cola cinza com brilho). Os meninos passaram a usar um palet com
a mesma faixa, mas, ao contrrio daquela usada pelos mais velhos, a deles
corria da direita do ombro para a esquerda do quadril, mantendo-se a fitas
em nmero de sete.
Os meninos maiores usavam uma gravata preta, os menores no. Nas
fotos acima pode-se ver os adereos nas fardas que os homens e os meninos
usavam nos rituais de bailado. Na foto a seguir de um bailado, realizado
em 1963 na casa e sede de Mestre Irineu, destacam-se novamente as fardas
j modificadas.
Figura 56 Ritual de festejo realizado de farda branca na sede e casa de Mestre Irineu
Foto tirada em no incio de 1960.
268
O novo formato das fardas, onde o Estado Maior se destacava pelo uso
de palmas, foi implantado aps a construo da nova sede. Esse salo foi cons-
trudo perto do aude, no mesmo lugar onde fica a sede atual. Sua estrutura
era toda de madeira e as tbuas usadas nas paredes, no telhado, assim como
nos cavacos que serviam de telha, eram provenientes das matas existentes nas
terras da comunidade. A sede seguia um modelo de quatro guas, com uma
varanda circundando o salo central. As obras de construo foram encabea-
das pelo prprio Mestre Irineu, cujos seguidores o acompanhavam em regime
de mutiro. Segundo D. Peregrina, quando chegava o final do dia de mutiro,
ele pagava aqueles que no podiam lhe dar um dia de servio gratuitamente.
A inaugurao foi na noite da vspera de So Joo, no dia 23 de junho de 1960
(ver no Apndice O a disposio das pessoas no ritual de baile).
Comenta-se que o modelo de fardas proposto por Mestre Irineu
na volta do Maranho se assemelha ao modelo de fardas usadas no folgue-
do de So Gonalo da Baixada Maranhense, conforme realizado na regio
de So Vicente Frrer. Esse folguedo tem origem portuguesa e pode ser
encontrado em diversos estados do Brasil, com caractersticas prprias em
cada local. No Maranho, ele aparece em vrias regies do estado sob a
forma de danas, conhecidas como Baile de So Gonalo, tambm com
particularidades distintas em cada localidade.
A tradio do Baile de So Gonalo parece ter se originado em meados
do sculo XIX. Esse folguedo realizado com a finalidade de pagar pro-
messas feitas ao santo. Durante seu desenrolar, os participantes bailam e
recitam versos em louvor ao santo. A similaridade entre essa celebrao e os
rituais daimistas bastante impactante e j foi assinalada por diversos pes-
quisadores. Assim, tanto em um quanto no outro, usam-se termos como
1
dias de festejo ou bailado . Alm disso, a disposio arquitetnica
das igrejas do Alto Santo costuma ser muito parecida com as ramadas
como so chamados os barraces retangulares onde se realizam os festejos
maranhenses. As ramadas, cobertas com palha de babau, costumam ser
ladeadas por muretas a meia altura, caractersticas tambm das igrejas dai-
mistas mais tradicionais. Alis, esse tipo de construo muito comum no
Maranho e palco para diferentes tipos de celebrao, como o Tambor
de Crioula e o Bumba Meu Boi. J no Acre, tornou-se um sinal diacrti-
co, distinguindo as igrejas daimistas mais tradicionalistas, de outras onde
269
alteraes doutrinarias e ritualsticas so refletidas tambm na arquitetura,
com os sales tendendo a adotarem formas hexagonais, fechadas por pare-
des inteirias.
2
Outra similaridade que chama a ateno relacionada s fardas usa-
das nas cerimnias daimistas institudas por Mestre Irineu ao voltar de sua
viagem sua terra natal, muito parecidas com a roupa usada pelo bailan-
tes de So Gonalo em certas cerimnias. Em ambos os casos, os homens
vestem ternos brancos enquanto as mulheres usam saias brancas e levam
coroas na cabea. Na festa maranhense todos usam fitas coloridas (similares
s que fizeram parte da farda daimista no inicio da dcada de 1960) e faixas
atravessando o peito. No Baile de So Gonalo ela vermelha, enquanto
nas cerimnias do Daime as mulheres portam faixas verdes cruzando o
trax. Encontra-se tambm o uso de flores de papel ou plstico, reminis-
centes dos diferentes distintivos como as palmas e rosas que, em diferentes
momentos, compuseram a farda do Daime. (ver figura 57)
O acompanhamento musical tambm bastante parecido nos dois
casos assim como o uso dos ritmos de valsa e marcha. As celebraes mara-
nhenses so tambm pontuadas por momentos de queima de fogos, assim
como ocorre durante a execuo do hinrio O Cruzeiro de Mestre Iri-
neu (ver no Anexo O - tabela de Hinos d O Cruzeiro em que so dados
os Vivas e feita a queima de fogos). Desse modo, parece vlido conjeturar
Figura 57
Baile de So Gonalo realizado
em So Vicente Frrer.
270
que o Baile de So Gonalo tenha possivelmente inspirado em Mestre Iri-
3
neu vrios aspectos do Daime.
Alm das mudanas nas fardas, este perodo tambm foi marcado por
hinos que parecem tambm de inspirao afro-maranhense. Pouco depois
de seu retorno, por volta de 1959, Mestre Irineu recebeu o Hino 108 -
Linha do Tucum (ver hino abaixo). Aqui a palavra Tucum possivelmente
refere-se a uma palmeira (Acrocomia Officinalis) cheia de espinhos, encon-
trada no Maranho. O tucunzeiro, que tambm muito comum em diver-
sas outras regies do Brasil, apresenta na cultura afro-indgena maranhense
relaes estreitas com pelo menos dois grandes grupos de entidades espi-
4
rituais: a famlia de Lgua Boji e a famlia dos Currupiras . Estas so for-
madas por encantados violentos que costumam aplicar castigos impiedosos
em pessoas que, por qualquer razo, os venham desagradar. Uma das suas
punies favoritas seria fazer suas vtimas entrarem em touceiras de tucum,
onde ficariam presas nos espinhos. No universo afro-indgena maranhense,
5
o tucum tambm considerado o local de moradia dos Currupiras . Entre
os pajs de Cururupu-MA, o tucum, alm de ser usado em remdios, pode
funcionar como uma espcie de depurador espiritual e o tucunzeiro
utilizado como local onde os pajs depositam os feitios e substncias ma-
6
lignas retiradas do corpo dos doentes . Assim, no complexo cultural afro-
-indgena maranhense, o tucum um smbolo rico em significados relativos
ao poder sobrenatural e magia.
O hino 108 Linha do Tucum de Mestre Irineu parece filiar-se a esse
universo simblico. considerado no Daime como sendo um hino de
fora ou hino de enxotamento de maus espritos. A partir de 1963, ele
passou a ser usado em conjunto com uma orao de exorcismo do livro
Oraes da Cruz de Caravaca, no ritual chamado Trabalho de Mesa cria-
do por Mestre Irineu para afastar encostos ou maus espritos. Neste
hino, ele introduziu tambm um passo chamado Marcha Valseada que
executado aps a Marcha do primeiro estribilho (praticado apenas nos
festejos). O bailado do hino inteiro deve seguir o modelo de passo misto.
A Marcha Valseada diferencia-se da Marcha por ser bailada sem se sair
do lugar, colocando-se alternadamente uma perna frente e torcendo-se
os ombros alternadamente aos movimentos das pernas. O toque do mara-
c neste passo lembra o instrumento de percusso conhecido como caixa.
271
Cada vez que se coloca a perna frente, ao retorno desta, bate-se o marac
na mo com um toque seco (ver Anexo N).
Enxotando os malfazejos
Que no querem me ouvir,
Escurecem o pensamento
E nunca podem ser feliz.
272
(ver genealogia da famlia materna de Mestre Irineu em Apndice A), e at
chegou a se hospedar na casa de Raimundo Barbadinho, irmo de Elpdio.
Este ltimo era um famoso mestre tocador de Tambor de Crioula, mani-
festao cultural maranhense de razes negras realizada em devoo a So
7
Benedito. Fala-se que Mestre Irineu, junto com seus sobrinhos e o filho
de sua sobrinha, no perodo que ficaram em So Lus, antes de seu retorno
8
ao Acre, foram ao Tambor de Crioula onde tocava Elpdio.
Chamamos ateno para a amizade entre Mestre Irineu e seu primo
Elpdio (ver foto abaixo) porque acreditamos que muitos dos vnculos de
Mestre Irineu com as tradies afro-maranhenses podem ter se dado prin-
cipalmente atravs do Tambor de Crioula, sem desconsiderar o Baile de
9
So Gonalo e o Bumba Meu Boi. Lembremos que foi depois de um
Tambor de Crioula, do qual teria participado em So Vicente Frrer, no
comeo do sculo XX, que o jovem Irineu decidiu partir e tomar o rumo
que acabaria por lev-lo ao Acre. Embora tambm consideremos muito
pouco provvel que Mestre Irineu tenha sido frequentador costumeiro do
Tambor de Mina,10 no cremos que se possa negar a possibilidade dele t-
-lo feito esporadicamente.
Esta observao pertinente discusso sobre o pouco espao exis-
tente na doutrina original de Mestre Irineu para os transes de incorporao,
apesar de sua frequncia nas manifestaes culturais afro-maranhenses pelas
quais foi to influenciada. O que encontramos no Daime a irradiao,
termo empregado para certo tipo de transe em que o sujeito no perde
completamente a sua noo de si ou a memria do ocorrido durante sua
vigncia. Essa categoria usada tambm no Crculo Esotrico Comunho
do Pensamento, fonte de onde Mestre Irineu extraiu considervel parcela
de seus conceitos espiritualistas. De certa maneira, a irradiao no Daime
pode ser vista como parte do contnuo medinico que engloba tambm
o fenmeno da possesso. (CAMARGO, 1961) Fala-se que a irradiao
ocorre quando h uma comunicao no Astral com seres e memrias de
fora positiva. (CAMARGO, 1961) A possesso ou encosto seria a
comunicao com o Astral inferior, sob influncias de foras negativas
ou memrias negativas.
Tudo indica que em sua concepo do Astral, Mestre Irineu enfatiza-
va aspectos psquicos e interiores (estado de humor, pensamentos positivos
273
e negativos), mas tambm no h dvida de que ele admitia a atuao de
foras externas positivas e negativas (seres encantados e espritos que tanto
poderiam ser benignos ou malignos). Antigos seguidores seus falam que
Mestre Irineu tratava a possesso com frmulas exorcistas, no sentido de
afastamento imediato de pensamentos ou outras foras negativas. Desta
forma, a sua relao com o Astral se distancia de outras prticas religio-
sas (espiritismo, umbanda, tambor de Mina, candombl e outros) onde a
incorporao valorizada e at incentivada. O hino 108 Linha do Tucum
marca sua posio em relao aos fenmenos de possesso, onde so consi-
derados malfazejos, embora se valesse de cdigos vinculados ao universo
afro-maranhense onde esses episdios so percebidos de maneira positiva.
Continuaremos a anlise sobre irradiao e possesso mais adiante, quando
falaremos sobre Trabalho de Mesa.
Figura 58
Elpdio (primo de Mestre
Irineu) - antigo tocador de
Tambor de Crioula
de So Lus.
274
Marcha na primeira frase e depois se passa para uma Marcha Valseada
na segunda frase, retorna-se para a Marcha na terceira frase e encerra-se o
verso na quarta frase com outra Marcha Valseada, continua-se assim su-
cessivamente nos versos seguintes. Este hino parece apontar tambm para
um vislumbre de sua eternizao ou encantamento (termo da encan-
taria maranhense) aps a morte.
A minha Me me trouxe,
Ela deseja me levar.
Todos ns temos a certeza
Deste mundo se ausentar.
Eu vou contente,
Com esperana de voltar.
Nem que seja em pensamento
Tudo eu hei de me lembrar.
Aqui findei,
Fao a minha narrao
Para sempre se lembrarem
Do velho Juramid.
275
A Rede Social e Poltica de Mestre Irineu
Mestre Irineu, desde que deu incio ao Daime na dcada de 1930,
pde contar com o apoio de alguns amigos polticos. Nessa poca, o Go-
vernador e o Secretrio Geral (que correspondia a Vice-governador) eram
geralmente interventores militares. Como j vimos, durante sua passagem
pela Fora Policial, Mestre Irineu havia cultivado uma grande amizade com
o oficial Fontenele de Castro. Inicialmente, este era um simples colega seu
e os dois chegaram a prestar o curso de cabo juntos. Aps deixar a Fora
Policial, Mestre Irineu manteve sua amizade com ele, que prosseguiu na
sua bem sucedida carreira militar at alcanar o posto de Coronel, vindo
a ser vrias vezes Governador e Secretrio Geral do Territrio Federal do
Acre. Nessas posies de autoridade, Fontenele sempre defendeu Mestre
Irineu das perseguies policiais. Este tambm nunca deixou de visit-lo.
Outro aliado e amigo poltico de Mestre Irineu, j citado anteriormen-
te, foi Guiomard dos Santos. O Major Guiomard viera do Rio de Janeiro,
em 1946, agia como Interventor, nomeado pela Presidncia da Repblica.
Em Rio Branco, Guiomard procurou Mestre Irineu por motivos de sade e
a partir da tornaram-se bons amigos e ele at passou a frequentar a comu-
nidade do Alto Santo. Guiomard chegaria ao posto de General do Exrcito
e depois seria eleito duas vezes Deputado Federal.
Fontenele e Guiomard tornaram-se polticos aclamados pelo povo e
figuras emblemticas no Acre. Muitos consideram que foram os melhores
governadores que o Acre j teve. Os dois tambm influenciaram toda uma
corrente poltica em favor da emancipao do Territrio Federal do Acre
para Estado, o que finalmente ocorreu em 15 de junho de 1962, atravs da
lei n 4.070, assinada pelo ento Presidente, Joo Goulart.11
Em 1955, durante o governo do Coronel Paulo Francisco Torres, um
pouco antes do Territrio Federal do Acre virar Estado, o contexto poltico
voltou a ser mais favorvel para Mestre Irineu. Adilar dos Santos Teixeira,
que fazia parte do Partido Social Democrtico (PSD) e era correligion-
rio de Guiomard (ver foto abaixo), fora nomeado Secretrio Geral e, na
ausncia de Torres, assumiria vrias vezes o governo. Fala-se que Mestre
Irineu procurava, quando possvel participar de encontros polticos com
as lideranas do governo. Embora alguns desses polticos no fossem
276
especialmente prximos a ele, eram aliados de seus velhos amigos, Fonte-
nele e Guiomard. Naquela poca, essa sua proximidade com a cpula do
governo possivelmente serviria para garantir ao Mestre Irineu a paz que
necessitava para tocar a sua doutrina religiosa, ainda to estranha aos h-
bitos de grande parte da sociedade acreana e de seus lderes. Assim, com
apoio dos seus amigos, Mestre Irineu pde, por exemplo, trazer benefcios
para a Estrada Custdio Freire, onde ficava a comunidade do Alto Santo.
Fala-se tambm que conseguiu subsdios agrcolas do governo e que pde
alocar cerca de 40 famlias de seus seguidores em suas terras no Alto Santo,
embora avisasse a todos que lhes dava o cho para plantarem, mas no o
ttulo. Agia assim para evitar que fragmentassem os lotes na regio ou trou-
xessem moradores de outras crenas para a localidade. Muitos membros
dessas famlias trabalhavam em regime de mutiro, semelhante ao modelo
produtivo, implantado nos anos 1930 e 1940 em Vila Ivonete.
Figura 59 Reunio poltica em 1955: Mestre Irineu est direita, de roupa e chapu brancos.
277
Logo depois de Adilar, que de Secretrio Geral foi promovido a Gover-
nador, Valrio Caldas Magalhes assumiu o governo do Territrio Federal
do Acre, em 30 de abril de 1956. (SOUZA, 2005, p. 173) Nessa ocasio,
o Tenente Coronel Manuel Fontenele de Castro assumiu o cargo de Se-
cretrio Geral. Aps Valrio Caldas Magalhes deixar o Governo, no final
de outubro de 1958, Fontenele foi designado Governador novamente, em
10 de novembro de 1958, e s veio a deixar o cargo em 18 de maro
de 1961. Foi por intermdio de sua amizade com Fontenele e Valrio
que Mestre Irineu conseguiu a passagem de avio para Belm - PA, em
13 de novembro de 1957, quando foi visitar seus parentes. Igualmente,
as passagens de navio para o trecho entre Belm e Rio Branco, utilizadas
por Mestre Irineu e seus parentes na volta do Maranho, tambm foram
obtidas atravs desses amigos. Com o crescimento do status de Mestre Iri-
neu na regio ele passou a ser cortejado por polticos em busca de votos,
que intensificaram suas idas ao Alto Santo. Muitos deles iam se aconselhar
com o lder religioso, outros iam apenas cumpriment-lo. Abaixo se v uma
foto de Valrio e Mestre Irineu no Alto Santo.
Figura 60
Valrio Caldas Magalhes e Mestre Irineu
no Alto Santo.
278
A dcada de 1960 foi um perodo de grande prosperidade para a dou-
trina de Mestre Irineu e de consolidao do culto daimista na sociedade
acreana. A fora de seu carisma como curador e a liderana que exercia na
comunidade so evocados nos versos de Saturnino Brito do Nascimento
(2005, p. 99-100):
279
Em sua campanha eleitoral para Governador, Guiomard dos Santos,
ento no Partido Social Democrtico (PSD), recebeu amplo apoio de Mes-
tre Irineu e at realizou comcios no Alto Santo.
Mas o projeto do Deputado Jos Guiomard dos Santos sofria forte
oposio de membros do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), ento lide-
rado no Acre pelo militar e poltico Oscar Passos. Os polticos desse partido
defendiam a posio de que o Acre no tinha condies econmicas para
tornar-se um estado autnomo naquele momento. Por trs das discordn-
cias entre PSD e PTB, a respeito da elevao ou no do Acre categoria de
Estado, estava a disputa pela conquista do poder poltico local. As contra-
dies entre esses dois polticos, ambos militares, refletiam as divergncias
entre os seus partidos (PSD e PTB). As suas discusses visariam, de fato,
a manuteno de suas influncias sobre o eleitorado e a batalha foi longa.
Atualmente diz-se que, quando por fim o Governo Federal aceitou elevar o
Acre categoria de Estado, isso s foi devido ao fato de ele no mais render
maiores quantias em dinheiro para os cofres do governo federal. A relao
de Mestre Irineu com os polticos locais fica clara no depoimento de Wilde
Viana, importante poltico acreano do perodo:
280
As pessoas daqui da cidade achavam que l no Mestre Irineu havia
uma organizao, uma sociedade, um negcio. Outros achavam que
era at macumba. Tinham outros que acolhiam, aceitavam bem, acei-
tavam, iam l se aconselhar com Mestre Irineu. Ele sempre foi um
homem muito equilibrado, adorava dar conselho. Quando um casal
brigava, interferia. Um conselheiro. Eu fui a muitos comcios na casa
dele. Era muito comum ter comcio l. Eram comcios do PSD, que
era o partido do General Guiomard, do lado do Governo.
O Mestre Irineu nunca teve vocao para oposio no. Foi sempre
homem da lei; estava sempre do lado do Governo. Os polticos iam
muito l pedir apoio. Ele congregava muita gente em volta dele, que
obedecia e que cumpria as determinaes dele. No precisava ele nem
determinar, bastava eles entenderem que ele tinha aquela pessoa, eles
j estavam l. Na poca, no tinha eleio pra Governo. O Governo
era nomeado, mas tinha Deputado Federal e Deputado Estadual.
[...] Meus filhos, Thiago [Tio Viana] e o Jorge eram pequenos, mas
foram algumas vezes comigo l no Mestre Irineu. O Wilde, esse que
morreu, chegou a tomar daime com ele, os outros dois no. O Jorge
hoje Governador do Acre e o Thiago hoje Senador, Vice-Presiden-
te do Senado no Congresso Nacional.12 (Wilde Viana13)
281
115 - BATALHA
(Mestre Irineu)
A Virgem Me,
Com o poder que Vs me d,
Me d fora, me d luz,
No me deixa derribar.
A Virgem Me,
Com o poder que Vs me d,
Me d fora, me d luz,
No me deixa derribar.
282
militar de 1964 no mudaram muito as configuraes polticas do antigo
Territrio, de tradio militar. O Acre de 1964 a 1982 foi governado por
polticos filiados Aliana Renovadora Nacional (ARENA), nomeados pe-
los generais do exrcito. Assim, devido s suas amizades com os militares
e demais autoridades, a situao poltica continuou favorvel a Mestre Iri-
neu. Alm disso, em 21 de maio de 1966, o Secretrio de Sade e Servio
Social, Carlos Meixeira, enviou um Ofcio, de nmero 208, juntamente
com amostras do cip e folhas da chacrona para Dcio Parreira, Presidente
da Comisso Nacional de Fiscalizao de Entorpecentes (Servio Nacional
14
de Fiscalizao de Entorpecentes). Este respondeu por telegrama que,
desde 1962, no tinha sido observado nenhum caso de intoxicao pelo
uso de daime, no havendo assim nenhuma objeo ao seu uso em ritos
espirituais. Isso foi de grande importncia para que Mestre Irineu e sua
comunidade pudessem continuar normalmente seus trabalhos com daime
durante a ditadura militar, sem sofrer nenhum impedimento mais srio.
Em 1966, o Presidente Marechal Humberto de Alencar Castelo Bran-
co nomeou como Governador do Acre Jorge Kalume da ARENA. Este
governou de 13 de setembro de 1966 a 15 de maro de 1971, perodo que
foi muito positivo para Mestre Irineu e sua comunidade. A configurao
poltica havia mudado no se podia mais contar com a ajuda de Fontene-
le, que havia falecido em 25 de outubro de 1965 mas, por outro lado,
o General Guiomard havia se tornado Senador. Mestre Irineu continuava
a ampliar a sua rede social; muitos polticos de destaque, a reboque do ca-
risma de Guiomard e do falecido Fontenele, prestigiavam a ele e ao Daime.
Seu carisma ampliava-se atravs da sua rede social e poltica, sua fama como
lder espiritual e conselheiro poltico propagava-se dentro da esfera polti-
ca. Embora seu culto continuasse minoritrio e ainda serem relativamen-
te poucos os polticos que frequentassem os rituais do Daime ou mesmo
tomassem a bebida, tal prestgio ajudou Mestre Irineu em sua busca por
recursos do Governo Municipal e Estadual para sua comunidade. O texto
abaixo, publicado pelo jornal O Rio Branco nos fornece uma ideia sobre as
suas relaes polticas nesses tempos.
283
passando s vezes semanas inteiras no Alto Santo. Agnaldo Moreno
conta que uma vez, quando Guiomard contava com a ajuda de Deus
para poder se eleger, Mestre Irineu, respondeu: Eu estou aqui.
Conta ainda Agnaldo Moreno: Quando recebeu a planta do Centro
e efetivou a campanha para obter recursos para constru-lo, poderia ter
recolhido o triplo do que precisava, se no fosse honesto.
Inmeras pessoas se apresentaram para auxiliar. Todos, concretamen-
te, pretendiam o apoio poltico que o Mestre era detentor. Apoiou
a campanha Ary Rodrigues instruindo-o a fazer um cartaz onde apa-
reciam alguns raios iluminando a cabea do candidato. Dizia que ele
teria de vencer pela luz, pois o adversrio trabalhava no escuro. Con-
tam os mais antigos que Ary perdeu a eleio mediante uma fraude
habilmente orquestrada.
Previu a ascenso e a queda de Vargas, de Jnio e de Jango. Avisava
15
com antecedncia coisas que iriam acontecer na poltica do pas.
284
personalidades como Agnaldo Moreno (Secretrio de Produo), o Prof.
Rego (Assessor do Secretrio), Jorge Kalume (Governador), Jos Guio-
mard (Senador) e sua esposa Ktia.
Eu era arrogante. Assim achava que sabia tudo, que tudo era racional,
sabe? Que tudo podia ser racionalizado, tudo a cincia dava conta.
E diante daquele homem eu me senti pequeno, assim como Agnaldo
Moreno. Me senti, de alguma forma, impressionado, impactado.
[...] Eu vi um homem com grandeza sabe? Eu no sabia de onde vi-
nha a grandeza, nem que tipo de grandeza era, mas que ele era supe-
rior. Fui ser funcionrio subordinado a um poltico que era deputado.
285
Tinha sido secretrio duas vezes, ento era autoridade. E aquilo ali me
mostrou uma coisa: que a autoridade era aquele senhor. Ele no era auto-
ridade, mas ficou igual a mim ali diante dele, n? Porque... a eu entendi,
que quando o Agnaldo se referia ao Senhor Mestre Irineu, de uma outra
forma, mais humilde, com uma certa venerao pelo Mestre Irineu Serra.
Ali ele no era nem secretrio, nem deputado, ele era um homem diante
dele e [...] ele certamente julgava, avaliava, valorizava como algo muito
maior, como sendo um homem muito maior do que os outros.
Eu sabia que ali reunia muita gente que tinha uma grande liderana.
Eu antes pensava, no, o que o Agnaldo estava querendo era se bene-
ficiar politicamente de alguma forma, mas naquele momento eu desfiz
a essa impresso. Acho que aquela venerao era verdadeira e eu sentia
a mesma impresso, uma grandeza enorme e tinha algo de divino ali.
No era algo terreno, algo material. Essa impresso eu levei, t levan-
do para a vida toda e onde chego eu conto, assim d uma impresso
que muito uma limpeza.
No me recordo bem, mas eu fui outra vez com Agnaldo em algum
lugar, no lembro se foi na casa ou se foi em outro lugar, e uma tercei-
ra vez l na inaugurao do ncleo mecanizado. O ncleo mecaniza-
do, de alguma forma, foi feito para atender comunidade do Mestre
Irineu Serra e de alguma forma eu sentia que o propsito do Agnaldo,
ao propor ao governador Jorge Kalume, que pegou isso como sendo
uma coisa prioritria, era para homenage-lo. Ao mesmo tempo que
era para servir comunidade. No dia da inaugurao, deu muita gente
e ele estava tambm presente, com aquela mesma coisa, aquela mes-
ma serenidade. S a presena dele era capaz de falar. Ele falava pelo
prprio silncio. Tanto que, no dia que a gente teve l, eu no me
lembro mais de muito dos detalhes. Mas, me lembro que ele falou
muito pouco. O Agnaldo falou mais, para comentar algumas coisas
da comunidade, mas sempre com o desejo de lhe agradar. Eu fiquei
calado o tempo todo e no falei nada. No conseguia falar com aquele
homem de jeito nenhum, no sabia o que dizer.
[...] Na poca era assim mesmo, todos aqueles polticos, tinham uma
enorme venerao a ele. Isso era geral. O Agnaldo nos contava que
o General Guiomard, depois Senador Guiomard, freqentava o Alto
286
Santo. O Agnaldo era um discpulo do Senador Guiomard, ele seguia
rigorosamente a ao do Senador Guiomard. Eu vim com trs colegas
para o Acre na verdade pelas mos do senador Guiomard.
Ele ficou muito feliz com a presena da gente l e organizou a vida
da gente.16 (Professor Rego17)
[...] O Agnaldo falava que o Daime era uma espcie de religio, e que
o senhor Mestre Irineu era o chefe espiritual daquele grupo e que toda
aquela comunidade devia uma grande obedincia a ele [...] e que era
muito respeitado por todas as autoridades.
Todo mundo que vinha para o lado de c tinha esse ritual, de passar na
casa do Mestre Irineu para tomar a beno, e foram esses os comentrios.
Ele passava essas informaes para a gente, passava essas impresses. Que
era uma liderana espiritual grande na regio, e toda a autoridade que
respeitava tinha que ir l se aconselhar, ou pedir a beno, como eles
falavam. Pedir conselho, se abenoar ou coisas assim, e isso era o normal.
E ele sempre que vinha para c, ou vinha com essa inteno ou vinha fazer
18
outra coisa, passava l, isso era obrigatrio. [...] (Professor Rego)
Depois eu soube que colocaram o nome dele numa rua. At... foi bom,
porque essa memria tem que ser preservada. E essa rua eu acho, que
at um colega meu morava l, ali para o lado do Avirio. A rua se
chama Mestre Irineu Serra. E assim, n? Havia um grande respeito.
287
Senhor Mestre Irineu era uma pessoa admirada. O tipo de respei-
to que voc tem com o governador, com o desembargador, com o
ministro. uma coisa que vem um pouco do poder que as pessoas
exercem dentro do contexto da lei, do Estado, de tudo voc tem de
poder. Voc pode ser at respeitado a partir disso, fora daquele lugar.
Esse respeito, ele norma da sociedade. Voc tem que respeitar, n?
Agora esse respeito era um respeito diferente; no vinha nem da ri-
queza, porque voc respeita s vezes uma personalidade porque ela
rica e tem um poder econmico muito grande, ela notvel por isso.
Outros outro tipo de poder, o poder poltico, n? Quando voc
governador, deputado, um poder institudo.
Mas tem um outro respeito que no material nem poltico, digamos
assim, jurdico, n? Dentro de um tribunal de justia voc chega com
respeito, quer dizer, tem uma forma especial de se reportar, a referncia
para outras pessoas. No caso do Mestre Irineu, no, porque ele no tinha
riqueza, no tinha poder poltico nenhum, no tinha nenhum poder ter-
19
reno. Digamos assim, o poder dele era natural. (Professor Rego)
288
Irineu vindo do rio e subindo em relao ao Palcio. Eles param de
brincar. Cumprimentam Mestre Irineu e so correspondidos. Mestre
Irineu continua. Depois que se distancia, eles retornam brincadeira.
Indaguei porque haviam parado de brincar. Ele disse que simplesmen-
te reconheciam Mestre Irineu como uma autoridade, algum merece-
dor de respeito, que Mestre Irineu era uma autoridade de fato ao lado
das autoridades de direito. Observe: ningum mandou Geraldo Mes-
quita dedicar respeito e reverncia a Mestre Irineu. Ciro Facundo de
Almeida foi presidente da OAB, secretrio de segurana, advogado,
juiz, desembargador e professor universitrio da UFAC. Em seu relato
ele diz que algum para ser uma liderana naquela poca necessitava
gozar da amizade e respeito de Mestre Irineu.20 (Jair Facundes)
289
membros de partidos que, em sua poca, estariam na oposio. Mestre
Irineu continua vivo na memria de Rio Branco atravs de nome de bair-
ro, acervo de museu, nome de avenida, nome de rua, nome de rea de
proteo ambiental e nome de linha de nibus. Em 2010, a Assemblia
Legislativa lhe concedeu o ttulo de Cidado Acreano. No relato abaixo,
Jorge Viana, que foi governador do Acre pelo PT e filho de Wilde Viana,
discorre sobre a reverberao do carisma de Mestre Irineu.
Meu pai me levava no Alto Santo. O Alto Santo era muito longe da
cidade, tudo era longe. [...] Voc chegava l e via as maiores autori-
dades do Estado fazendo reverncia a ele, se curvando diante do Mes-
tre Irineu. Ento, para mim, isso era um ato formal. Quem aquele
homem to grande, negro, com a mo grande, enorme, que pegava e
engolia a mo da gente, que fazia as maiores autoridades do Estado se
curvar diante dele?
Essa a lembrana que eu tenho dele, sentado em uma cadeira e os polti-
cos, inclusive alguns beijando a mo dele, pedindo a beno a ele, beijando
a mo dele. Aquilo ali, pra mim, nunca mais saiu da minha mente. O pessoal
chegavaepediabenoaopadrinho,proMestreIrineu.Squenoerasomente
gente comum, simples, do povo, l da comunidade dele. Eram autoridades
do Estado, eram deputados, polticos, vereadores, governadores. Na poca,
eu me lembro do Guiomard Santos, Jorge Kalume, os polticos dos anos
sessenta e do final dos anos sessenta. Inclusive meu pai.
Meu pai um dos que tinha muito respeito. Papai sempre trabalhou
muito pela comunidade rural. Ele sempre foi animado pela criao e
pela produo, trazia sementes, trazia casais de animais para reprodu-
zir, e sempre muito vinculado com os produtores. [...]
O Acre isso. Eu volto a falar que o que vem da floresta e o que vem
das nossas entranhas o Daime. O Daime daqui, tem uma diferena
grande, inclusive na diferena de valor, tem a nossa cara, o nosso jeito.
expresso da nossa cultura. Eu tenho muito orgulho disso, inclusive
tenho todo o cuidado com essa religio, essa doutrina, que ela possa
ser registrada de forma honesta correta, para que no fique nos clichs
que alguns tentam distorcer.
Nas aldeias indgenas, os ndios tm um respeito muito grande pelo
uso do daime. Tem um ritual, uma bebida sagrada. Eles tm um
290
respeito por aquele momento de se tomar o daime. O que significa
pros jovens, crianas e idosos... Se a liderana no autoriza, no tem
como ser consumido.
uma coisa muito bonita o que o Mestre Irineu e seus seguidores fizeram.
Foi uma associao dessa cultura indgena da floresta, compartilhando
com a vida urbana e rural, fazendo essa interface. Interessante que est
vivo, que sobreviveu at hoje. Que no tenho duvida que vai seguir em
frente. O mundo precisa, o Acre precisa, o Brasil precisa.
A coisa mais bonita pra mim a capacidade de criar uma harmonia,
uma convivncia, que no fcil. O mundo ainda no achou um
modo correto de viver. Ali me parece um lugar que est bem resolvido.
A contribuio social que o Daime tem dado aqui no Acre algo ines-
timvel. As tentativas de distoro, as tentativas de malhar ou at de
intervir, graas a Deus todas no tiveram sucesso. A fora do Daime,
a fora da doutrina, no permitiu. Isso motivo de orgulho, a festa
religiosa. Voc tomando daime, voc fica ali uma hora, sai fortalecido,
quase purificado. So momentos especiais e de respeito. [...]
Tinha um pouco de tudo, como, alis, ainda tem. Um pouco mais naque-
la poca, era mais forte ainda. Voc tinha respeito, medo, preconceito.
Uns estavam l com medo, outros falavam mal por preconceito, outros
21
estavam l por respeito, outros em busca de conhecer. (Jorge Viana)
291
e lderes religiosos. Quanto mais profunda a anlise, mais claro fica que,
em nvel geral, a relao entre cultos e poltica irracional, imprevisvel,
contingente. (BRUMANA; MARTNEZ, 1991, p. 78) Assim, atualmente
no Acre, o Daime mantm relaes de grande proximidade com os parti-
dos de esquerda que ocupam o governo a partir de 1998, com a eleio
do Governador Jorge Viana, do PT. Este filho de Wilde Viana, que foi
um dos fundadores da UDN acreana e amigo pessoal de Mestre Irineu.
Seu primeiro mandato terminou em 2002, quando foi reeleito novamente
cumprindo seu mandato at 2006. Seus sucessores, tambm do PT, Binho
Marques e Tio Viana, continuam sua poltica de amizade com o Daime.
Figura 62
Foto de Jorge Viana Governador do
Acre pelo PT ao lado de D. Peregrina
Gomes Serra, viva de Mestre Irineu
e presidente do Daime.
292
Mestre Irineu viveu sob um regime brutal de explorao nos seringais,
naquilo que o grande e insupervel Euclides da Cunha afirmou que o
seringueiro trabalha para ser escravo. Ele prprio foi vtima desse sis-
tema e dessa explorao. Ele foi colocado numa colocao e entregue
prpria sorte, sujeito malria e outras doenas, feras, subnutrio
(a alimentao disponvel era pobre em nutrientes). Pois bem. Em ne-
nhum momento Mestre Irineu buscou se insurgir contra tal sistema.
Nunca promoveu reunio para instalar associaes ou cooperativas.
Nunca promoveu (ou no se tem notcia) de que tenha reunido um
grupo de seringueiros ou agricultores e buscado pressionar o governo
objetivando melhorias das condies de vida e trabalho (os relatos do
conta, como narrado no livro de vocs, que Mestre Irineu fazia pedi-
dos pessoais e era atendido em razo de seu prestgio). Atente-se: isto
num Estado de Chico Mendes e Wilson Pinheiro, lderes sindicais que
organizaram o movimento campesino no AC,que perderam a vida pela
causa. Talvez se diga que justamente o fato de Mestre Irineu no ter
se insurgido contra tal estado de coisas caracteriza a concesso e a bar-
ganha e a troca de interesses (Ele no insurgia contra o sistema e o
sistema no lhe incomodava a ponto de sufocar sua doutrina). Esses
so os fatos brutos. No h outras informaes. O trabalho de cam-
po no insinua outras possibilidades. Contudo, com base apenas nes-
se contexto ftico, extrai-se concluses que mais parecem especulaes
22
e se assim forem, devem assim ser identificadas. (Jair Facundes)
293
trabalhava por uma acomodao com o poder poltico, sem necessariamente
se confundir com ele. No se furtou tambm, no decorrer de sua longa tra-
jetria, de optar por formas de culto que se coadunavam melhor com a for-
mao catlica de parte preponderante da populao brasileira, tornando sua
doutrina mais compreensvel aos membros da sociedade maior e atenuando
o temor popular, ento bastante forte e generalizado, ante qualquer manifes-
tao religiosa que fugisse dos cnones da Igreja de Roma.
294
Ele veio receber de uns tempos pra c, quando a gente j estava aqui j
na [Colnia Custdio Freire]. Agora, era o Daniel que trazia pra ele.
Um amigo de Daniel era da revista do Crculo Esotrico, a, repassava
23
para o Daniel que trazia pra ele. (Paulo Serra)
295
Sabemos, porm, que um ano aps dar incio aos trabalhos de con-
centrao, nos quais tambm eram feitas leituras das Instrues do CECP,
Mestre Irineu pediu a seus discpulos que se filiassem diretamente sua
sede nacional. As primeiras inscries que encontramos no cadastro do
CECP dos seguidores de Mestre Irineu foram as matrculas de Jos Fran-
cisco das Neves, Holdernes Pereira Maia, Lencio Gomes da Silva, Francis-
co Granjeiro Filho, Jos Dantas do Nascimento, Antnio Jos Rodrigues
(Canco), Peregrina Gomes do Nascimento, D. Perclia Ribeiro de Mattos,
Isis Vieira Maria, Adlia Gomes Granjeiro, Madalena do Carmo Gomes,
Clicia Pereira Cavalcante e Obed Moreno da Silva, todas datando 25 de
Maio de 1961. Essas primeiras filiaes de daimistas no CECP foram de
discpulos muito prximos a ele, levando-nos a supor que atuavam sob sua
orientao.
296
Aos poucos, outros seguidores de Mestre Irineu foram se associando
ao Crculo Esotrico Comunho do Pensamento, at que em 27 de maio
de 1963, foi efetivada a filiao do prprio Centro instituio central.
Inicialmente Mestre Irineu props o nome Centro Livre (esse era o se-
gundo nome informal criado por Mestre Irineu para o Daime o primeiro
tinha sido Centro Rainha da Floresta) para a direo do CECP. Esse foi
recusado, adotando-se ento Centro de Irradiao Mental Tattwa Luz
Divina, nome proposto pela instituio matriz. Veja a foto abaixo do ca-
dastro de filiais do CECP onde est destacada a de Rio Branco.
Assim, parece provvel que, por um tempo, o centro criado por Mes-
tre Irineu transformou-se numa filial do CECP. Mas as expectativas do
escritrio central do CECP e do Centro de Irradiao Mental Tattwa
Luz Divina (CIMTLD) eram distintas. De um lado, o CECP, dirigido
na poca por Matilde Preiswerk Cndido, parecia ansiar pela propagao
da filosofia espiritualista do seu Crculo aos lugares mais longnquos. Do
outro lado, Mestre Irineu possivelmente esperava da parceria uma funda-
mentao terica do espiritualismo e a legitimao dos trabalhos do Daime
como filosofia irm. Assim, a unio oficial entre as duas organizaes se
limitou ao perodo entre 1963 e 1970. Joo Rodrigues fez um relato sobre
esta parceria.
297
O Mestre Irineu era filiado ao Crculo Esotrico e Rosa Cruz. Ele nos
aconselhou tambm a se filiar no Crculo Esotrico. O Padrinho at
colocou ns na parede pra a gente se filiar. Ele dava apoio a esta com-
posio aqui dentro, porque dava certo.
Ele comeou lendo as instrues do Crculo Esotrico da Comunho
do Pensamento nos dias das sesses de concentrao. Depois passou
a ter as sesses Esotricas que era dia 27 de cada ms, e as Exotricas
na segunda-feira l na casa do Presidente, na casa de seu Francisco
Ferreira Chico.
As sesses Esotricas, com S, eram dia 27, na sede, e as sesses Exo-
tricas, com X, na casa do Presidente, l na rua. L era uma hora, no
dava pra tirar o sono de ningum.
As sesses do Crculo Esotrico no dia 27 eram com daime. Ele che-
26
gou a fazer as segundas-feiras com daime tambm. (Joo Rodrigues)
298
Lourdes Carioca e Luis Mendes tambm falaram sobre as sesses em
parceria com o Crculo Esotrico:
Nessa poca foi quando dei meus primeiros passos na oratria. Pois
, com um certo tempo de concentrao, lia a Consagrao do Apo-
sento e ouvamos, com muita maestria, comadre Lourdes cantar as
canes do crculo. As vibraes de harmonia, amor, verdade e justia,
constantemente invocadas pela comunho dos trabalhos esotricos,
iluminavam os pensamentos de unificao objetivados pelo Mestre.28
(Luis Mendes do Nascimento)
299
HINO ESOTRICO
(Letra de Violeta - Odete)
300
HINO ESPIRITUALISTA
(Letra de Lina Marcel)
301
dos discpulos de Mestre Irineu. Nessas ocasies, era feita a concentra-
o e depois lido o Livro de Instrues do CECP e trechos da revista
O Pensamento.
Lourdes Carioca e D. Perclia Ribeiro falaram sobre essas sesses das
segundas-feiras.
[...] Fora da sesso dos dias 27, nas reunies de todas as segundas-feiras,
lamos as Revistas do Pensamento, as oraes do iniciado; enfim, elev-
vamos o nosso pensamento como determinava a Ordem. (CARIOCA,
1998, p. 27)
302
retirada de Mestre Irineu e de seu daime, os outros daimistas membros do
Tattwa tambm se afastaram. Como relata Joo Rodrigues Nica:
303
Mas, de toda forma, esse perodo de associao com o CECP foi pro-
vavelmente quando a doutrina de Mestre Irineu mais evoluiu, em termos
de conhecimentos esotricos e posturas de meditao. Embora no tenha-
mos registro das palestras e leituras feitas durante as reunies esotricas e
exotricas, provvel que nessas ocasies, entre outras instrues, fossem
fornecidas indicaes sobre como cada participante devesse proceder no
recndito de sua mente durante as sesses de concentrao. Aps o rompi-
mento, as sesses de daime foram abandonando seu antigo carter explici-
tamente instrutivo sobre questes esotricas. Mas vrios traos importantes
do CECP foram incorporados aos trabalhos daimistas. Foi a partir da rela-
o com ele, por exemplo, que Mestre Irineu props os dias 15 e 30 como
datas oficiais das sesses de concentrao e os princpios de Harmonia,
Amor, Verdade e Justia como fundamentos doutrinrios.
Mesmo deixando de lado os estudos explicitamente livrescos, os traba-
lhos de daime continuavam a ter momentos quando certas instrues eram
repassadas pelos lderes. Assim, nos versos de Saturnino Brito, podemos vis-
lumbrar as recomendaes que Mestre Irineu fazia, ao conduzir as cerimnias:
304
Novas Propostas Rituais na Dcada de 1960
O Trabalho de Mesa
A dcada de 1960 para Mestre Irineu foi um dos perodos mais fru-
tferos, em termos de inspirao. Ele continuou a efetuar mudanas nos
rituais, em uma espcie de dinmica cultural de erros e acertos. Embora
haja os que considerem que esse ritual s foi introduzido em poca mais
35
prxima da morte do lder , contemporneos seus indicam que foi a
partir de 1963, que ele desenvolveu o chamado de Trabalho de Mesa.
Este ritual parece ter sido inspirado nas suas leituras do Livro de Oraes
Cruz de Caravaca, que ele teria conhecido atravs do CECP. Deste livro,
ele selecionou a Orao para esconjurar os malefcios dos maus espritos
e dos demnios infernais. (MOREIRA, 2008, p. 222) Junto a esta ora-
36
o, adicionou dizeres, preces e o hino 108 Linha do Tucum. Sabe-se
que o Trabalho de Abrir Mesa era utilizado para afastar ou enxotar
maus espritos de pessoas que estariam sofrendo de obsesso, ou tam-
bm, que seriam vitimas de mentalizaes negativas prprias ou de
algum, ou seja, de feitio. Fala-se que idealmente o requerente deveria
estar presente, mas a cerimnia tambm poderia ser realizada na sua au-
sncia. Francisco Granjeiro comentou sobre a introduo do Trabalho
de Mesa no Daime:
305
Inicialmente Mestre Irineu teria ensinado o Trabalho de Mesa para
D. Perclia Ribeiro. Esta, no fim da dcada de 1960, o repassou para Lour-
des Carioca. O Trabalho de Mesa deve ser realizado com um nmero
mpar de participantes, podendo ser formado com trs, cinco, sete ou nove
pessoas. Esse nmero no deve ser aumentado e tampouco o ritual deve
ser realizado por um nmero par de pessoas. Primeiramente, reza-se uma
Salve Rainha, e depois recita-se a Orao de Mesa. No meio da Ora-
o de Mesa, rezam-se trs Pai Nossos. Ao final da Orao de Mesa,
canta-se o hino Tucum trs vezes em forma de chamado, terminando
com a Salve Rainha. Segundo o relato de D. Perclia Ribeiro sobre a
execuo do rito, so tambm necessrios certos cuidados ao abrir e ao
fechar o trabalho:
306
Pra fechar, em nome das Cinco chagas que apaixonou Senhor Jesus e
para Nossa Senhora do Desterro, para que seja desenterrado todo mal
que estiver perturbando aquela pessoa ou aquelas pessoas. Porque
s vezes no um s, so uns, que esto naquela lista, no ? Aquelas
pessoas que estejam completamente beneficiadas pela divindade e que
Nossa Senhora do Desterro desterre todo mal e todas as perseguies
e todas as perturbaes que estiver havendo contra aquelas pessoas, e
a fecha. Chama-se o Tucum. Depois eu recebi autorizao de chamar
37
por ele. (Perclia Ribeiro)
307
os antigos seguidores de Mestre Irineu, a crena de que, algumas vezes, as
perturbaes tratadas nos Trabalhos de Mesa, seriam resultado de ma-
cumba ou dos trabalhos feitos por pessoas que se deixam conduzir por
seres inferiores ou pensamentos negativos. (GOULART, 2004, p. 76) Por
outro lado, em aparente contradio a esta afirmao, Luis Mendes afirma
que Mestre Irineu, em determinada ocasio, chegou at a negar a exis-
tncia de feitios dizendo: Rapaz, isso no existe no, esse negcio eu j
38
procurei e no encontrei, j procurei at no inferno e no encontrei. Lus
Mendes tambm afirma que Mestre Irineu no gostava de fomentar essas
ideias de feitio e falava que:
308
Ele no acreditava em incorporao. Ele disse uma vez: Eu perguntei
Rainha minha me sobre isso, a ela disse assim: De mil talvez, de tal-
vez, trs vezes de mil se tire uma. Agora, aonde que est essa uma, que
verdadeira, ningum sabe. O resto tudo so fantasias atrs de dinheiro.
Ele disse assim: Mesmo que a pessoa no souber o que est fazendo,
ele enrolado, que a fora negativa t bem pertinho das pessoas e s
vezes a pessoa no est preparada.
Disse ele que, quando foi a essa viagem pro Maranho, ele passou por
Belm. E o Fabiano, irmo do Z das Neves, chamou ele pra ir em um
lugar desse e ele foi. Quando ele chegou l, o pessoal chamou ele pra
dar um passe. Ele disse que sentiu faltar terra no cho, ele pediu licena
foi l fora e pisou no cho, olhou pro firmamento e voltou e pediu pra
continuar. E no quiseram continuar, dizendo que ele tinha o corpo
fechado e no pegava nada no. Mas dizia ele, que se a pessoa facilitar,
h uma fora negativa, que agarra a pessoa. No que a pessoa incor-
pora. A pessoa j traz consigo, dado por Deus, o seu esprito. Mas [se]
a pessoa se afastar pra entrar outra, pode entrar as foras negativas [...].
[...] Realmente so influncias negativas. Se a pessoa no se prepara,
como est dizendo o hino: fica esprito vagabundo. Aquele esprito
vagabundo est atrs de luz. Se o senhor tem muita luz vo atrs do
senhor. A pessoa no sabe se defender, vai ficando desnorteada, fazen-
do tolice, asneira mesmo. Existe este trabalho mesmo, para justamen-
te afastar essas entidades. para aquela pessoa que no est capaz de
lutar com aquela entidade.40 (Joo Rodrigues)
309
O trabalho de mesa, a gente faz para estes casos, para espantar essas
41
coisas ruins, esses espritos malignos... (Lourdes Carioca)
Ele dizia que de tudo existe. Agora, ele tratava de caboclo, de pessoas
que comeava a pinotear. As pessoas chegavam viradas, mas s era va-
lente at chegar l. Quando chegava l, a gente amansava. Teve uma
vez que, um dia de manh, chegou uma mulherzinha baixa, que che-
gou l quebrando tudo. Tinha quatro lutando com ela e no agen-
tava. Ela estava atacada, a, uns homens chegaram no porto com ela,
eles pelejaram, pelejaram. A, ele mandou eu dar uma ajuda. Eu j
estava com a mo nela, bem na hora do trabalho. Eu tive que segurar
ela pelo ombro, que ela era baixa e no dava pra bater o p no cho.
A comadre Perclia rezando pra fazer um trabalho de cura. No era
preciso uma sala cheia. Ela pinoteando e eu segurando. Eu segurei at
o final, quando terminou ela dormiu em meu brao.
Quando ela dormiu, o Mestre mandou colocar na rede. Tinha uma
rede e tinha um quarto pra isso. Ele chamou dona Perclia e mandou
tomar conta dela. Esses trabalhos era s ele e a Perclia. Ele foi traba-
lhar e disse para Perclia: A senhora no fale nada quando ela acordar,
mande chamar o marido dela pra vir buscar.
Quando foi umas duas horas, a mulher levantou. A primeira coisa que
ela pediu foi pra ver os filhos dela. A Perclia tranqilizou ela, dizendo
que o marido j vinha busc-la. Quando o marido chegou, que ela viu,
chamou ele, botou na frente. At hoje aonde eu tenho conhecimento
nunca mais ela voltou.
[...] Uma vez uma de Xapuri. No tinha quem agentasse, era um
quebra, quebra. Mais de dez homens querendo segurar. Na hora que
ela chegou l, era durante um trabalho um hinrio grande. A o Mes-
tre disse: Segura essa mulher a.
310
S dava a eu pra segurar. Quem que ia segurar? Ele no mandava
outro segurar. Chegou uma hora que ela caiu nos braos e j estava
dormindo. A, o pessoal comeou a rezar e ela ficou boa e nunca mais
apareceu no trabalho. O Mestre no cobrava nada por isso, ele fazia o
42
bem sem reparar a quem. (Daniel Serra)
311
assumia aspectos principalmente interiores (estado de humor, pensamentos
positivos e negativos), mas tambm no pode haver dvida de que ele con-
cebia a possibilidade de foras externas positivas e negativas (seres encanta-
dos positivos e espritos malignos) atuarem sobre os indivduos. No Daime,
o termo irradiao empregado para identificar contatos com seres di-
vinos, memrias prprias, ou mesmo memrias de desencarnados evolu-
dos. Assim, a noo de irradiao contrape-se noo de possesso
(onde atuariam foras negativas), por ser um contato no astral de carter
positivo, ou, um contato no astral com foras positivas, ao contrrio do
que ocorreria no caso de possesso ou encosto. Este implicaria numa co-
municao com o Astral inferior. Joo Rodrigues deu um depoimento
em que fala sobre o quanto Mestre Irineu acreditava em irradiao.
312
A, depois eu fui ver quem era os caboclos dele, era ns. Esse Mestre
s vezes botava as pessoas pra l, pra acol. E ele estava to pertinho da
gente. Agora era aquele negcio, ele no se declarava. E aqui acol ele
45
esta dizendo quem ele e a pessoa passa por cima. (Joo Rodrigues)
313
Dores ou Nenen e Maria Zacarias). J outros seguidores falam que o hin-
rio das mulheres s foi oficializado na Sexta-Feira Santa, depois da morte
de Mestre Irineu em 1972.
A Sexta-Feira Santa
Guardamos com obedincia
Trs antes trs depois
Para afastar todas doenas.
314
igreja catlica. Mestre Irineu o achou apropriado e o introduziu no ritual
da Pscoa em 1964. Vejamos abaixo o relato de Francisca Mendes sobre
este passagem e logo depois o Bendito.
315
Na sexta-feira, Jesus subiu ao horto.
Foi rezar trs horas de orao.
Encontrou Judas na frente de uma tropa.
J vinha ele de alferes capito.
316
As constantes inovaes introduzidas ao culto por Mestre Irineu pare-
ciam exercer um fascnio entre seus seguidores. Estas podiam ser um novo
hino, mudanas nas fardas, ou at mesmo um novo rito. Diz-se que Mestre
Irineu, em 1963, parou de receber hinos por um tempo. Parece-nos que
este silncio se prorrogou at 1968. Alguns sugerem que uns dos possveis
fatores que contriburam para tal silncio de Mestre Irineu teria sido o
falecimento de seu amigo e seguidor Germano Guilherme em meados de
1964.
O ano de 1964, para a comunidade do Daime foi de grande apreen-
so, principalmente depois que foi instaurada a ditadura militar. Era um
momento de muitas incertezas. O Acre fazia apenas dois anos que alcan-
ara a condio de Estado e acabara de realizar sua primeira eleio para
governador. A perda do direito ao voto, aps tantos anos de luta para
conquist-lo, foi muito sentida e, na comunidade do Daime, o golpe re-
percutiu como mais uma incerteza na legitimao do culto. Desde o incio
do Daime na dcada de 1930, sempre houvera a preocupao com o seu
direito de existir. Em alguns momentos histricos a preocupao era mais
forte, em outros era amenizada por circunstncias favorveis. De toda for-
ma, podemos dizer que este momento se acercou de muitas incertezas.
Como que para marcar a dramaticidade daquele momento histrico, ocor-
reu ento o falecimento de um dos mais importantes integrantes do Dai-
me, Germano Guilherme. Ele fora um dos primeiros discpulos de Mestre
Irineu, talvez o mais prximo. Mestre Irineu o conhecia desde que servira
na Fora Policial. Germano sofria h anos de um problema na perna e,
ao entrar o ano de 1964, teve uma acentuada piora no seu estado de sa-
de, vindo a falecer em 22 de junho de 1964. Vejamos o relato abaixo de
D. Perclia Ribeiro no qual a doena de Germano explicada como sendo
decorrente de crueldades que haveria cometido em uma encarnao ante-
rior. Fala tambm da importncia de seu hinrio, cuja execuo era reser-
vada para ocasies especiais.
317
Um dia ele tomou daime e foi ver porque no ficava bom. Primeiro
ele viu um senhor de engenho. Que era ele. Ele era um desses fortes,
l no tempo da escravatura. Ele era um dos malvados, que mandava
dar surra naqueles pobres coitados de tirar sangue nas costas. Depois
ele viu a me dele gestante, e era dele. Quando a me dele andou de
l pra c [Acre], quando nasceu era ele. Agora, ele sendo o fulano que
era o malvado. E foram mostrar [na mirao] porque aquela ferida
nasceu na perna dele. Era o exemplo das malvadezas que ele fazia com
os pobres coitados.
[...] Ele dizia que aquilo ali era perpetuamente [sentena divina]. Ele
tinha que cumprir. Porque ele estava pagando o que ele devia. Pagan-
do a dvida que ele tinha com a divindade. E ele morreu e no ficou
bom dessa ferida no. O Mestre Irineu chamava ele de maninho. Era
de um para o outro. Eu acho porque era tudo da mesma cor, trabalha-
ram juntos e serviram juntos.
[...] Tem os dias de trabalho que a gente canta o hinrio do Germano
com o Cruzeiro, na Nossa Senhora da Conceio. Primeiro era o
48
hinrio de Germano. O dia de Natal era do mesmo jeito. (Perclia
Ribeiro)
Ele teve outra mulher, sei que a ele largou de mo. Ele era meio
ranzinza. Diz que um dia ela botou a mo em cima dele, quando ele
calou o sapato sentiu a ferrada no p e surgiu esse negcio na perna;
Era um caroo assim que parecia uma verruga. Aquilo ali tinha tempo
que rebentava. Sei que depois de uns cinco anos dele ter deixado ela
[ex-esposa], passou a conviver maritalmente com a minha me [Cec-
lia Gomes].
318
Ele e minha me se juntaram em 1943 a 1964. Do casamento anterior
dele, ele tinha uma filha com ela. A filha se chamava Francisca das Cha-
gas. Logo depois ele se tornou vivo e enterrou a esposa. A filha no
gostava de tomar daime. Ela foi para Porto Velho morar com o marido.
O marido tomava cachaa e ela acabou aprendendo com ele. Ela mor-
reu por l, em Porto Velho, de alcoolismo. Ela morreu antes do marido,
sei que logo depois dela, ele se foi tambm. Os dois faleceram antes do
49
Germano. O Germano faleceu em 28 de junho de 1964. (Paulo Serra)
Teve uma poca que a metade do hinrio era tocada apenas com ma-
rac. Depois do hino 66 eram tocados os hinos s nos instrumentos
musicais. Mas se podia bater o marac. Eram todos, mas sem cantar,
at o fim. S se cantava os hinos de fora, 86 Eu Vim da Minha
Armada, 87 Deus Divino Deus, 95 Mensageiro, 104 Sexta-Feira
Santa, 108 Linha do Tucum, 111 Eu Estou Aqui e 116 Sou Filho
do Poder. A obrigao era dali do 66 pra frente deveria ser s a m-
sica e o marac. A primeira parte tinha de ser s voz, s cntico, depois
50
do intervalo entrava a msica [...]. (Pedro)
319
Sou filho do Poder. O ltimos treze hinos, recebidos entre 1968 e 1971,
corresponderiam a uma segunda parte, vindo a ser conhecidos como os
Hinos Novos (ver os Hinos Novos em Anexo H). Doze destes tm letras e
so cantados com acompanhamento instrumental. De um s se conhece
a melodia e, assim, apenas tocado. Os Hinos Novos comeam com o
117 Dou viva a Deus nas Alturas e vai at 129 Pisei na Terra Fria.
O hino sem palavras, conhecido como Marchinha, geralmente no recebe
numerao, mas, sabe-se que foi recebido antes do hino 127 Eu Pedi.
Para outros seguidores, como Jair Facundes, por exemplo, O Cruzeiro em
duas partes nunca existiu e o prprio nome Hinos Novos teria surgido de
forma acidental, sem maior significado. Segundo raciocina, Mestre Irineu
teria passado muito tempo sem receber hinos e, quando comeou a receb-
-los de novo, as pessoas diziam: Vamos ouvir os hinos novos de Mestre
Irineu. Essa expresso acabou pegando. No haveria qualquer distino
entre uns hinos e outros. Mas ao formatar o Trabalho de Concentrao,
51
reservou para essa cerimnia os hinos novos.
De toda maneira, atualmente na comunidade do Daime, costumeiro
ouvir-se dizer que os Hinos Novos seriam um resumo de todos os ensina-
52
mentos de Mestre Irineu. sua maneira, retratam tambm os dias finais
de Mestre Irineu. A cada hino que ele recebia, seus seguidores pressentiam
que seus dias estavam prximos do fim e com o ltimo, 129 Pisei na
Terra Fria, ficou explcita a iminncia do seu inevitvel falecimento.
Este conjunto de hinos passou a ser usado em festejos no oficiais
(aniversrios de centros, de seguidores, com o uso da farda de concen-
trao). Tais comemoraes se iniciavam com a execuo dos hinos 29
Sol, Lua, Estrela e 30 Devo Amar aquela Luz do hinrio O Cruzeiro,
dando-se seguimento ao hinrio de algum seguidor de Mestre Irineu e
encerrando-se o ritual com a execuo dos Hinos Novos. H porm, quem
diga que estes dois hinos s devem ser cantados nos hinrios oficiais onde
se canta O Cruzeiro.
Diante do que parece ter sido uma srie de disputas travadas entre
os seguidores, tendo por pretexto os diferentes adereos de distino a se-
rem usados nas fardas pelos componentes do Estado Maior e pelos demais,
Mestre Irineu resolveu nivelar novamente a hierarquia dos distintivos.
Desse modo, foram retiradas as rosas, as faixas verdes cruzadas e as fitas dos
320
homens, substituindo-as pelas palmas j descritas anteriormente. O lder
resolveu tambm trocar o seu prprio distintivo, uma palma grande, por
uma estrela de cinco pontas. Ele tambm sugeriu a Jos das Neves (o Con-
selheiro) e a Lencio Gomes (o Presidente) que usassem uma estrela de
cinco pontas iguais sua. (Veja foto abaixo) No grupamento das mulheres,
no houve mudanas e as mulheres do Estado Maior continuaram a usar
um maior nmero de fitas (12) e o Y de distino nas costas.
Figura 66 Na foto s Mestre Irineu e Lencio esto com a estrela de cinco pontas.
Os demais homens portam a palma (uma espcie de smbolo em forma de braso ou escudo
contendo uma rosa ao centro, verde e amarela). A ordem da foto da esquerda para direita e a
seguinte: D. Peregrina, (?), Antonio Pereira (por traz), Mestre Irineu, Virglio (Porto Velho),
Joo do Rio Branco, (?), Lencio, Bino, Antnio Canco.
321
Figura 67
So as seguintes pessoas
da foto: (?), Osmarino,
Raimundo e Albano.
322
Em meados de 1970, Mestre Irineu comeou a sofrer de srios problemas
de sade, constatando que estava bastante doente do corao e dos rins. Seus
antigos companheiros lembram que ele perdia peso rapidamente e que, com o
passar dos meses, pressentia que seu fim estaria prximo. Pretendendo deixar
o grupo em harmonia, em preparao para sua futura ausncia, imprimiu mais
mudanas nas fardas e no ritual. Resolveu novamente nivelar a todos, prova-
velmente buscando minimizar as disputas pelo poder e outros problemas que,
na sua ausncia, ocorreriam devido s distines hierrquicas. Assim, sugeriu
que fossem trocadas a rosa, a faixa cruzada verde, as fitas dos jovens e a palma
dos homens, por estrelas de seis pontas. Props que a estrela tivesse no centro
uma guia, em posio de alar voo, em cima de uma lua nova (o tamanho
da lua nova deveria ser a do terceiro dia smbolo do dia da retirada do cip).
H tambm quem diga que a estrela com a guia sobre a lua deveria ser re-
servada ao Estado Maior. Diz-se que Mestre Irineu, adotando o smbolo da
guia, fazia uma referncia sutil guia, uma referncia Doutrina e Vir-
gem da Conceio. Esta estrela deveria ser usada no lado direito do terno
branco, em cima do peito, ou na lapela do palet. Os jovens poderiam usar
simplesmente uma camisa branca de manga comprida, com gravata preta, sem
palet, e a estrela pendurada do lado direito, como os mais velhos. Na foto
abaixo se pode ver o uso da estrela de seis pontas ainda durante a vida do lder.
Figura 68
Estrela de Seis
Pontas nas fardas
do Daime.
323
Mestre Irineu possivelmente escolheu a estrela de seis pontas inspi-
rado no smbolo do Circulo Esotrico Comunho do Pensamento. Esse
smbolo composto por dois tringulos entrelaados harmonicamente. Em
cima da estrela formada pelos tringulos h quatro letras em hebraico, sim-
bolizando as quatro letras do nome de Deus IOD-H-V-H (Daniel
Pereira de Matos chegou a utilizar estes caracteres na fachada de sua igreja
Barquinha). Alm dos caracteres e da estrela, o smbolo composto por
um par de asas saindo da estrela. O smbolo expressa diferentes conceitos
esotricos do CECP. Assim, os dois tringulos cruzados que formam a
estrela de seis pontas significam o equilbrio universal entre a f e a razo,
o feminino e o masculino, e entre o fsico e o astral. (CRCULO..., 1957,
p. 83) J as asas que saem da estrela significam a vibrao mental do pensa-
mento em Deus (IOD-H-V-H).
324
pontas usada agora por todos. Esta foi a ltima medida de Mestre Irineu
para simplificar as fardas de trabalhos oficiais e igualar a todos. Outro reto-
que final na doutrina foi a instituio do uso de fardas nas concentraes.
A farda de concentrao deveria ser azul e branca. Os homens deveriam
usar cala social azul marinho (tom noite) e camisa de manga comprida
branca (a mesma usada na farda branca por debaixo do palet) com uma
gravata preta. Convencionou-se tambm, na poca, que quem pudesse,
usaria um sapato preto social. A farda de concentrao feminina deveria
ser uma saia pregueada (no mesmo modelo da farda branca) azul marinho
(tom noite) e uma camisa branca de manga curta com um bolso do lado
esquerdo bordado com as letras CRF (abreviatura de Centro Rainha da
Floresta). D. Perclia Ribeiro comentou a respeito da farda:
325
(igualmente saia branca), e nas suas laterais deveriam ser adicionadas fai-
xas verdes do cs at a bainha da saia branca, uma de cada lado.
Figura 70
Foto tirada dois
anos aps a morte
de Mestre Irineu.
Da esquerda para
direita esto as
seguintes pessoas:
Alzira (esposa de
Raimundo Ferreira
- Loredo), Sgt.
Auriclio, Raimundo
Ferreira (Loredo),
Otilia (esposa do Sgt
Auriclio).
326
Os hinrios que se procederam a por diante, ns cantvamos. Este
hino saiu n O Cruzeiro ainda. Inclusive ele muito bom de bailar.
Mas depois que ele foi embora criaram isso a. Por exemplo, o ani-
versrio dele dia quinze. Mesmo em vida, o aniversrio dele era dia
15. Mas s foi feito com hinrio no ltimo ano, antes era festejo com
forr com daime. Mas no ano de 70 foi feito no dia 15, s 18:00h.
Ele chamava a Perclia e Maria Gomes para comearem a rezar o ter-
54
o, depois se servia o daime e comeava a cantar s 19:00h. (Joo
Rodrigues)
327
O crescimento na variedade de interpretaes feitas da Doutrina do
Daime e nas maneiras de executar os seus rituais, possivelmente, teve incio
a partir dos desmembramentos ou extenses do centro de Mestre Irineu.
Fala-se que algumas vezes Mestre Irineu se referia a estes centros como
Pronto-Socorros. Este tipo de associao ou referncia metafrica a ser-
vios de sade repetia-se em relao aos componentes do Estado Maior,
principalmente em relao s mulheres, a quem ele se referia como En-
fermeiras. De todo modo, o primeiro Pronto Socorro ou extenso do
Daime teria sido o de Daniel Pereira de Matos (fundador da Barquinha)
em meados da dcada de 1940.
Posteriormente, veio a extenso da Colocao Chapada, liderada por
Raimundo Gomes, filho de Antnio Gomes. Este, depois de se separar de
D. Perclia Ribeiro, casou-se com sua prima Dima e o casal mudou-se para
a Colocao Chapada em 1961. L ele reuniu a maioria dos parentes que
havia trazido de Bragana, Pa em viagem realizada pouco aps o retorno
de Mestre Irineu do Maranho. Estes outros moradores tambm passaram
a participar do Daime. Mestre Irineu instruiu Raimundo Gomes para que
realizasse somente concentraes e trabalhos de cura na localidade. Nos
festejos oficiais do Daime, todos os agregados da Colocao Chapada de-
veriam se deslocar para a sede principal com suas fardas brancas. Instrues
similares foram dadas a outros grupos de Daime que comearam a surgir
em diferentes regies de Rio Branco durante a dcada de 1960, conforme
mostrado no croqui abaixo.
328
Figura 71 Extenses ou Pronto-socorros do Daime no entorno de Rio Branco.
329
Na Colocao Chapada, Raimundo Gomes e Dima (ver Apndices
F e G) reuniram os casais: Cipriano e Alzira (irm de Dima), Judite e Al-
bano, Sancleir e Aurinha, Osmarino e Francisca. A maioria desses casais
tambm levava seus filhos aos trabalhos do Daime. O nico participante
no casado era Antnio Rebouas.
Em 1961, outra extenso foi instituda na colocao Saituba (hoje
Barro Vermelho), liderada por Raimundo Ferreira (Loredo). O casal Lo-
redo e Alzira atraiu outras famlias extenso do Saituba, como: Maria e
Estcio, Antnio Martins e Raimunda Brasil da Silva, Cabral e Jovelina,
Alipe e Lia, Joaquim Baiano e Maria. Muitos dos filhos destes casais tam-
bm passaram a participar como agregados. Esta extenso foi denominada
Saituba ou Barro Vermelho.
Outra extenso foi estabelecida numa colocao chamada Limoeiro.
Formada no inicio de 1963, sob a liderana de Jos Nunes e sua esposa
Maria, reuniu diversas famlias: Severino e Francisca, Jos Francisco e Judi-
te, Sebastio Ferreira da Rocha e Francisca Avelino dos Santos, Joo Vieira
Avelino dos Santos (filho de Sebastio e Francisca) e Francinete Oliveira
dos Santos (ex-esposa de Daniel Pereira de Matos). Outros filhos casados
do casal Sebastio e Francisca, tambm se agregaram extenso Limoeiro.
Eram: Francisca Avelino dos Santos, Raimunda, Manoel Vieira Avelino dos
Santos e Francisco Vieira.
Figura 72
Foto do seu Z Nunes tirada
na dcada de 1970.
330
No bairro do Bosque, em Rio Branco, existia outra extenso, conhe-
cida pelo nome de Pronto Socorro Wilson Carneiro. Esta extenso teve
incio em 1966 na casa de Wilson Carneiro no Bairro do Bosque-Rio Bran-
56
co. O Pronto-Socorro de Wilson Carneiro era basicamente formado por
ele, Zilda Teixeira de Souza (sua esposa) e os filhos: Jos, Francisco das
Chagas, Raimundo Nonato, Gecila, Ramiro e Tnia Teixeira (filha de cria-
o). Diz-se que, devido acessibilidade do bairro, os trabalhos de cura
atraiam muitos visitantes e curiosos moradores de Rio Branco. Fala-se que
Sebastio Jaccoud e Zizi passaram a participar dos trabalhos de Wilson
Carneiro em 1969.
Na Colnia Apolnio Sales, beira do Igarap So Francisco, ficava a
famlia dos Fernandes Filho, sob a liderana de Pedro Fernandes Filho. Co-
nhecidos como Os Treme Terra, iniciaram os seus trabalhos em 1968.
Essa extenso era formada em sua maioria pela famlia de Pedro Serin-
gueiro e Francisca Barros e seus filhos, Francisco Fernandes Filho (Tetu),
Edmilson, Pedro Fernandes, Raimundo, Joo, Jos, Ccero, Francisco,
Raimunda, Dulcina, Lusa, Maria, Maninho e Nenm. Os fardados efeti-
vos no Daime eram Francisco, Pedro, Raimundo e Ccero, todos casados.
A maioria de seus filhos tambm se agregaram ao Daime.
Estima-se que a extenso da Colnia Cinco Mil tenha sido forma-
da em 1968 por Sebastio Mota de Melo. As terras da Colnia Cinco
Mil eram pertencentes a vrias famlias, entre elas, a famlia dos Gregrio
de Melo (famlia de Rita Gregrio, esposa de Sebastio Mota de Melo).
Os agregados ao Daime na Colnia Cinco Mil eram basicamente membros
da famlia da viva Maria Gregrio e seus filhos: Manuel, Rita (esposa de
Sebastio), Jlia, Luiza, Ana, Nel, Tereza (Tet) e Francisco. Todos eram
casados. A comunidade era liderada por Sebastio Mota de Melo (Padri-
nho Sebastio). Alm da famlia Gregrio, eram agregados na extenso,
o casal Eduardo e Maria Brilhante, Manoel Corrente, Francisco Corrente,
Paulino, Manoel Paulo e Nogueira57 Os filhos de Sebastio tambm parti-
cipavam: Valdete, Valfredo (Alfredo), Nonata e Marlene.
331
Figura 73A Foto de Sebastio Mota de Melo Figura 73B Mestre Irineu ladeado por
e sua esposa Rita Gregrio. Valdete e Valfredo (Alfredo) .
332
Pode-se dizer que a formao de linhas ou expresses distintas no
Daime no teve apenas o seu incio nestas extenses, mas tambm em va-
riadas lideranas potenciais que frequentavam a sede de Mestre Irineu. De-
pois da morte de Mestre Irineu, ocorreriam diversas divises e rupturas no
Daime, no necessariamente protagonizadas pelos lderes das extenses.
Algumas dessas dissidncias tiveram uma existncia breve e desaparece-
ram. As linhas parecem ser resultado de uma poltica de autonomia que
Mestre Irineu legou s extenses e s potenciais lideranas que surgiam
dentro do seu centro. A falta de uma organizao federativa formal, para
os diversos grupos de seguidores, que lhe assegurasse a unidade; a natureza
oral e musical de sua doutrina acabaram propiciando o surgimento de uma
srie de diferentes interpretaes sobre suas prticas e postulados.
Nesse processo de propagao de extenses, Mestre Irineu tambm
concedeu, em meados da dcada de 1960, uma autorizao a Regino Silva
(um militante da esquerda poltica) e a Antnio Sapateiro para a inicia-
rem uma extenso do Daime em Porto Velho. Foi a partir da criao desse
grupo que Mestre Irineu teve contato com Jos Vieira, um ex-escrivo
da polcia que viria a ser o mentor e o redator do estatuto do centro de
Mestre Irineu (CICLU), oficializado s vsperas de sua morte, em 1971.
(CEMIN, 1998, p. 40) Em outubro de 1967, o casal Francisca Nogueira
e Virglio Nogueira do Amaral, tambm se agregou ao grupo de Regino
e Antonio Sapateiro em Porto Velho. Diferente das extenses acreanas,
esse grupo no produzia seu prprio daime, recebendo regularmente re-
messas enviadas por Mestre Irineu atravs de um portador, geralmente Vir-
glio Nogueira. Em 15 de julho de 1968 (CEMIN, 1998, p. 36), Regino
veio a falecer de tuberculose (fala-se que ele contraiu a doena durante o
encarceramento que sofreu no regime militar) em Rio Branco, na residn-
cia de Mestre Irineu. (CARIOCA, 1998, p. 35) Coube a Virglio Nogueira
assumir a presidncia do grupo de Porto Velho, diante da desistncia de
Waldemar, a quem Mestre Irineu havia originalmente nomeado.
Mestre Irineu mobilizou ento uma equipe de instrutores de feitio
de Rio Branco para se deslocarem em comisso para Porto Velho. Assim,
foram para Porto Velho: Lencio Gomes, Francisco Granjeiro, Jlio Ca-
rioca, Francisco Martins e Daniel Acelino Serra, com a misso de ensinar
o grupo de Virglio a fazer daime. A misso levou onze dias. Foram feitos
333
51 litros de daime na ocasio. (CARIOCA, 1998, p. 38) A partir de ento,
o grupo de Virglio comeou a se tornar autnomo. Os agregados da ex-
tenso de Porto Velho se esforavam em seguir as mesmas normas do cen-
tro de Mestre Irineu. Assim, do mesmo modo que o centro de Mestre
Irineu havia se filiado ao CECP, o grupo de Porto Velho tambm se as-
sociou quela instituio. No momento dessa afiliao, o grupo de Porto
Velho adotou o nome Fraternidade Luz no Caminho, mas depois da
morte de Regino passou a se chamar Centro Humilde Rui Barbosa e,
posteriormente, Centro Ecltico de Correntes da Luz Universal - CECL.
Feitio
O uso da ayahuasca se encontra disseminado por uma vasta rea da
Amrica do Sul que cobre o noroeste da Amaznia, as plancies do Oreno-
co e as costas do Pacfico no Panam, Colmbia e Equador. Nessa regio,
setenta e dois grupos tnicos, pertencentes a vinte famlias lingusticas,
usam preparados base de Bannisteriopsis caapi, para os quais existem mais
de quarenta nomes em uso corrente. So usados para os mais variados fins
tais como: para estabelecer contato com o mundo espiritual e conhecer o
passado e o futuro, para explorar o mundo natural em sua geografia, flora e
fauna, e, especialmente, para fins teraputicos. (LUNA, 1986b, p. 57-60)
Concebida como sendo uma planta professora, a ayahuasca assume, as-
sim, diversos significados nas diferentes culturas. Tal diversidade se espelha
nas diferentes maneiras de preparar a bebida, cada uma compreendendo
frmulas mgicas, assim como observncias alimentares e corporais pr-
prias, geralmente concebidas como exclusivas e essenciais para dotar a bebi-
da de suas caractersticas sagradas. No Daime, isso se repete e a divinizao
da bebida depende tanto da maneira como se preparam os ingredientes
quanto da confeco da bebida em si. Esta realizada em etapas que de-
mandam a execuo correta de uma srie de tcnicas corporais que teriam
sido ensinadas pelo prprio Mestre Irineu. A bebida daime seria, ento,
o resultado de todo um processo cultural institudo pelo lder carismtico.
Assim todas as tcnicas envolvidas no processo do feitio seriam divinas para
os seguidores, refletindo o conhecimento e poder de seu lder. Para os
334
daimistas, as plantas na natureza ou a bebida feita seguindo outra tradi-
o, empregando tcnicas corporais diferentes das recomendadas por Mes-
59
tre Irineu, seriam outra coisa, diferenciada do Daime. Joo Rodrigues
(Nica) comenta sobre isso:
Ento isso nos comprova que realmente o daime, quando ele est sen-
do feito, vamos dizer assim: vai sofrendo a metamorfose. [...] comple-
tamente uma transformao. diferente do que a gente possa pensar
do que seja o ch em muitos centros por a, que chamam de ch. Eu
no chamo de ch, porque eu sei que essa transformao que ele passa
no cientificamente no. divinamente. Ele no passa a ser um ch,
60
ele no passa a ser um lquido qualquer. (Joo Rodrigues)
335
Esse fenmeno claramente percebido em campo, principalmente
no ritual de feitio. Por exemplo: unnime a verso de que Mestre Irineu
instrua ou preferia que a arrumao do material na panela (folha rainha
e cip jagube), para cozimentos e apuros da bebida, fosse iniciada com folhas
e fechada com folhas. Mas, existiam feitores que no se adaptavam a esse
modelo de preparo, queimando a folha no fundo da panela. Desse modo, h
verses que dizem que Mestre Irineu abriu concesses a estes feitores para
que arrumassem a panela iniciando com cip e fechando com cip. Outro
aspecto das diferentes interpretaes, expresso no feitio do daime, a escolha
do dia de retirada ou corte do cip, em relao ao ciclo lunar. A mais comum
entre os feitores, a verso segundo a qual se deve cortar o cip estritamente
no terceiro dia da Lua Nova, mas alguns grupos afirmam que se pode cortar
ou retirar o cip trs dias antes ou trs dias depois do primeiro dia da Lua
Nova, fazendo referncia a interpretao do hino 105 Sexta Feira Santa
que fala sobre a dieta sexual de trs antes e trs depois.
Existem tambm verses segundo as quais o cip deve ser batido at
virar p, invocando como justificativa a autoridade do hino 33 Papai Velho
Reduzi meu corpo em p e o meu esprito entre flores. Mas a noo mais
comumente aceita como sendo a verdadeira tradio que se deve bater o cip
separando-se o bagao (cordes ou fios de cip resultantes da macetagem) e
p da casca. Assim, o bagao passaria ser utilizado no cozimento (a primeira
fervura) e o p da casca no apuro (a fervura final com o lquido do cozimen-
to). Atribui-se casca do cip a maior concentrao de princpios ativos.
Cipriano, agregado da antiga Colocao Chapada, falou o seguinte
sobre o feitio:
336
fazer dieta de 3 dias, do mesmo tamanho do preparo para tomar dai-
me. Porque tem de tirar o jagube, 3 dias depois da lua nova. s vezes
passa 2, 3, 4 dias pra fazer [cozinhar], a, fica naquele balano. Tem
gente que fala 3 antes e 3 depois, mas ele ensinou que pode ser 3 dias
depois da lua nova. S no podia cortar no dia da lua nova, no outro
61
dia voc pode cortar at uns 3 dias depois. (Jair Facundes)
337
comprar um saquinho de carvo, se pergunta se de cumaru-ferro.
um carvo muito bom, ento a lenha, o fogo o qual a gente precisa
pra fazer o santo daime um fogo seguro de boa presso. Depois,
vem o ip [Tecoma ipe], que chamamos aqui de pau darco, o roxo.
O pau darco tem um fogo to quente que ele derrete fundo de pa-
nela. Acaba com o fundo de panela rpido, o sujeito vai fazer feitio de
daime com ip, sai todo mundo moreno, aquela fumaa escura, tipo a
do diesel, mas uma lenha tambm muito forte, muito boa tambm.
Ento essas trs eram as essenciais.
Fora isso, se encontrasse dificuldade em achar, voc poderia pegar
maaranduba [Maaranduba emarginata], a quari-quari [?] e a cara-
panaba [Aspidosperma nitidum]. O problema est na presso, no
deixar a presso cair. O fogo tem de ser o todo tempo numa mdia s.
[...] A gente no trabalho, na hora, na hora, na hora vai chegar a essa
concluso. Tem gente que mete muito fogo. O que que aconte-
ce? A fervura chega rpida, o daime seca antes do tempo, sem tirar
a essncia da coisa. Tem tudo isso, ento a gente prestando ateno,
trabalhando, que a gente vai vendo todas essas coisas que a gente
precisa. Tem pessoas que pegam um saco de cip, bate, bate, bate faz
as arrumaes. A, vamos dizer, que deu 5, 6, 8 litros de daime, por
qu? s vezes ele no est nem bem cozido, porque no deu tempo,
teve fogo demais, o que que acontece? Seca, rapidinho e no tira a
essncia que tem de ser tirado do cip, da folha. Ento, esses macetes
62
a gente aprende trabalhando. (Joo Rodrigues)
Voc comea com folha, a primeira camada no fundo da panela for fo-
lha [pouca quantidade], terminaria em cima com folha. Poderia ser 2,
4, 5, 8, 10 camadas e em espessuras iguais. A mesma grossura da folha
tem de ser a mesma do bagao do cip batido e assim por diante. Mas
teria de terminar com folha. Se o senhor comeasse com cip, tambm
terminaria com cip, essa era a exigncia dele. Foi como ele aprendeu
338
com a Rainha e repassou pra ns, e eu ainda me porto por a, e tenho
63
muito medo de mudar. (Joo Rodrigues)
Existem relatos de antigos que dizem que Mestre Irineu proibia o uso
de ferramentas de metal, como martelos ou mquinas para fazer o daime.
Fala-se que ele estimulava enfaticamente que a bateo do cip fosse
feita com marretas de madeira. Dizia que sua instrutora espiritual, Clara,
havia proibido qualquer outro mtodo. Vejamos o relato abaixo de Joo
Rodrigues sobre essa orientao.
339
com a equipe do cip, Mestre Irineu designava para a equipe da catao
da folha, mulheres e homens. A busca da folha s acontecia depois que a
quantidade de cip a ser usada j estava definida, ou seja, aps o retorno da
equipe. A equipe da mata, assim chamada na comunidade, era respons-
vel pela pesquisa (procura), retirada e transporte do jagube.
Muitas vezes, o cip era encontrado em locais de difcil acesso que
exigiam deslocamentos por ramais (termo usado no Acre para designar
estradas) repletos de lama, a dezenas de quilmetros do centro. Quando
chegava beira da mata, a equipe s vezes tinha que fazer marchas de dez
a quinze quilmetros pelos varadouros (picadas ligando os ps de serin-
gas) at chegarem ao p do cip. Enfim, as situaes de busca variavam
conforme as dificuldades, mas eram geralmente rduas. Os homens iam
devidamente equipados com sacos para recolher o cip, faces (chamados
no Acre de terados) e machados. Antes de iniciar o corte do cip, podia-
-se tomar um pouco de daime que era sempre levado nas misses da mata.
Os cips encontrados variavam de porte. Consideram-se cips de pe-
queno porte os de 8 a 10 cm de dimetro, j os cips de grande porte,
geralmente chamados de General ou Marechal, variavam de 20 a 30 cm
de dimetro (jagubes de 20 a 30 anos). O cip normalmente se agarra
a rvores de seis a vinte metros de altura, como o caso de castanheiras
(Johannesia heveoides).
Mestre Irineu instrua a equipe da mata a sempre fazer cortes retos e
precisos no cip, sem deixar fiapos sobressaindo da casca. Diz-se que ele
falava que, se ocorressem, estes tipos de falhas causariam interferncias
no acesso ao astral promovido pela bebida. O mesmo aconteceria com
cortes diagonais ou enviesados. Segundo Valcrio Granjeiro (filho de Fran-
cisco Granjeiro, feitor da sede de Mestre Irineu de 1953 a 1971), Mestre
Irineu falava para seu pai que o corte do cip deveria ser iniciado pela base,
deixando o corte das ramas para um segundo momento. Comumente na
equipe da mata, participavam homens capazes de subir nessas rvores para
cortar os ramos mais finos do jagube presos nas galhas mais altas da rvore
hospedeira. A maioria da equipe da mata ficava embaixo para puxar o cip.
Em certas ocasies, quando, por exemplo, a rvore estivesse apodrecida,
cheia de espinhos ou apresentasse colnias de insetos como cupins, formi-
gas ou vespas, poderia ser derrubada para facilitar a retirada do cip.
340
Com o cip no cho, eram feitas as primeiras triagens, separando-se as
ramas: grossas, mdias e finas, sempre efetuando cortes retos. Depois dessa
seleo, eram feitos novos cortes resultando em padronizados pedaos de 20
65
ou 30 cm, conforme fosse o dimetro da boca da panela a ser utilizada. Os
pedaos do cip eram, em seguida, condicionados em sacos de 40 kg. Muitas
vezes, o material era levado nas costas pelo varadouro at a beira do ramal de
entrada da mata para depois ser colocado em carroas puxadas por bois. Na
dcada de 1960, passou-se a usar tambm veculos utilitrios.
Depois que as sacas de cip chegavam sede do Daime, estas eram enca-
minhadas casa de feitio. Esse o nome geralmente dado a um galpo aberto
com um cercado ao centro, uma espcie de meia parede de madeira fechando
um retngulo com uma nica entrada num dos lados mais estreitos. Dentro do
cercado, ficam seis tocos de madeira de um lado e seis tocos de madeira do ou-
tro, com seus respectivos banquinhos. Cada toco tem aproximadamente 40 cm
de largura. Nesses tocos, o cip submetido a uma bateo com marretas de
madeira, que pode durar vrias horas, conforme a quantidade de cip.
Antes de dar incio confeco da bebida, em primeiro lugar, despeja-
-se o cip vindo da mata num piso previamente lavado. A seguir, se neces-
srio, d-se incio limpeza do cip com pequenas talas afiadas de madeira,
retirando-se o barro, pequenas teias e fungos. Diz-se que Mestre Irineu
66
no recomendava retirar ou raspar a casca do cip , pois, nela estariam as
maiores quantidades de princpios ativos do jagube. E com os resduos
dela, em forma de p, depois da macetao, que feito o apuro com novo
material e o lquido do primeiro cozimento.
Uma vez limpos, os pedaos de jagube so arrumados em montes, ao
lado de cada toco. Depois de ter uma noo precisa da quantidade de jagu-
be a ser usada, o feitor determina a colheita da folha rainha (Psicotria viri-
dis). Observamos em campo que a maioria dos feitores do daime emprega,
para cada saca de cip de 40 kg, meia saca de folha de 6 Kg. Comumente
a colheita de folha pode ser feita no dia seguinte chegada do cip, ou at
cinco dias depois. Tanto os ps de rainha, quanto os ps de cip geralmente
se concentram na mata, em um s lugar, em uma espcie de ilha, ou, na
linguagem do Daime, reinado de rainha ou de jagube.
Durante muitos anos, a colheita era feita na mata. Depois, passou ser
feita nas plantaes, cultivadas em terrenos da sede, com a participao tanto
341
de homens quanto de mulheres no caso das folhas de rainha. As folhas co-
lhidas com resduos, de barro, teias, ou mesmo folhas muito amareladas so
retiradas durante uma triagem feita na prpria sede. Tanto a colheita do cip
quanto a da folha so feitas cantando-se hinrios. O mesmo acontece com na
bateo e o cozimento do material nas panelas. O hinrio O Cruzeiro de
Mestre Irineu, geralmente o primeiro a ser cantado nesses rituais.
A confeco de daime, propriamente dita, comea quando todo material
j est na casa de feitio. Durante o feitio, espera-se que os participantes da
equipe tomem somente daime, caissuma ou ch de erva cidreira e comam ma-
caxeira insossa (sem sal). Acreditamos que estes preceitos ou tcnicas corpo-
rais, vigentes durante o feitio, constituam uma espcie de ritual de revisitao
simblica mtica ao momento em que Mestre Irineu recebeu a revelao de
Nossa Senhora. Foram oito dias de iniciao tomando somente ayahuasca e
ch de erva cidreira e comendo macaxeira insossa (lembremos que a caissuma
utilizada no feitio tambm feita de macaxeira insossa). Em sinal de respeito e
na esperana de produzir um bom daime, os participantes geralmente procu-
ram manter rigorosamente esses preceitos durante o ritual de feitio.
O feitor previamente seleciona equipes de bateo, compostas por
grupos de doze homens, para bater o cip. Dentro do local de bateo, a
primeira equipe se posiciona nos tocos. Nesse momento, a equipe toda fica
de p e canta os hinos de abertura 29 Sol, Lua, Estrela e 30 Devo Amar
Aquela luz do hinrio O Cruzeiro de Mestre Irineu. Aps a execuo dos
hinos de abertura, os membros da equipe sentam-se em frente dos tocos
e comeam a bater o cip com marretas de madeira. Enquanto isso, os
da reserva s vezes cantam hinrios, embora, atualmente nos centros do
Alto Santo, geralmente se recorra a gravaes. De duas em duas horas, as
equipes se revezam. A bateo s termina quando todo o cip est batido
e selecionado, separando-se o bagao e o p.
Nas primeiras horas de bateo, o feitor designa um homem para re-
colher o bagao e d incio aos primeiros cozimentos de folha e cip. Nesse
momento, o feitor posiciona-se com a panela (geralmente de 100 litros)
na entrada da casinha de bateo para receber o bagao de cip. Assim,
alternadamente, ele coloca na panela pores de folha e bagao de cip,
preenchendo-a at quase a boca. Com a panela j arrumada, despeja-se
uma quantidade de gua suficiente para encobrir o material. Leva-se ento
342
a panela, ou as panelas, ao fogo da fornalha, geralmente de trs bocas.
O foguista, responsvel pela manuteno do fogo, mantm as chamas a
determinada intensidade (o que chamado manter a presso). Outros
dois homens se responsabilizam pelo estoque de lenha, cortada ali na hora
a golpes de machado e com o auxlio de uma cunha.
O lquido, retirado das panelas aps uma longa fervura, chamado de
cozimento e separado em um tanque reservado s para isso enquanto
o bagao cozido dispensado. Quando j se tem cozimentos suficientes
no tanque, arruma-se uma panela com mais cip e folha, mas desta vez, em
lugar do bagao, coloca-se o p da casca do jagube na arrumao das cama-
das da panela, para ento preench-la com os cozimentos. Desta panela
que resulta o daime. Para fazer o seu cozimento ou apuro, ferve-se at
reduzir a quantidade de lquido na panela para um tero do volume origi-
nal. Como se diz no Daime, o feitor faz uma base de clculo, mas quem
lhe d o ponto a Divindade. Nos centros que utilizam as folhas para
fechar a panela, ou seja, para formar a derradeira camada, o ponto tam-
bm determinado pela textura e pelo visgo da folha cozida.
O feitor geralmente coordena dois ou trs ajudantes (um por panela),
para reter com um gambito (varinha de madeira com trs pontas) o material
que sobe quando comea a fervura. Os mesmos so requisitados pelo feitor
para retirar as panelas das fornalhas quando o feitor determina ter sido atingi-
do o ponto. Depois de se retirar a panela, dois encarregados levam a mesma
para um escorredor. Se o lquido for cozimento vai para o tanque reservado
para ele, se for apuro vai para o tanque reservado ao daime feito. Ao final de
todo o processo, enchem-se as panelas (geralmente trs) com o daime feito e
inicia-se o seu esfriamento com movimentos de suspenso e despejo do lquido
utilizando cuias de cabaa. Aps o esfriamento, engarrafa-se o daime em garra-
fes, previamente lavados e esterilizados, vedando-os com rolhas. O feitor faz
ento a contagem de litros produzidos no feitio. A partir do final da dcada de
1960, o fechamento do trabalho de feitio passou a ser marcado pelo canto dos
hinos novos de Mestre Irineu. Vejamos o relato abaixo de Joo Rodrigues
sobre a prtica de feitio na poca de Mestre Irineu:
343
Trabalhvamos com doze homens em doze tocos. A casa de feitio era
l na casinha, mais ou menos entre a sede e a casa dele. Ficava perto da
67
vertente dele, e perto da casa dele tambm. (Joo Rodrigues)
Concentrao
344
Os Hinos Novos. Mas, mesmo propondo inovaes, seu carisma permitia que,
ao mesmo tempo em que impunha novidades, desautorizasse qualquer modi-
ficao subsequente que no fosse de sua autoria, conforme vemos no relato
sseguinte:
Figura 75 Homens, mulheres, moas e rapazes usando a farda de concentrao. Da esquerda para
direita: Daniel Serra (sobrinho de Mestre Irineu), Maria (sua filha), Otlia (sua esposa), (?), (?), (?) e (?).
345
Com o agravamento de seus problemas de sade, Mestre Irineu
comeou a sentir a necessidade de deixar instrues por escrito para serem
lidas nas concentraes. Assim, provavelmente nos meados de 1970, pediu
a D. Perclia para redigir instrues intituladas Decreto de Servio. Vejamos
a foto e o texto do Decreto de Servio.
346
Figura 76
Foto das cinco folhas do Decreto de Servio
de Mestre Irineu redigidas por Perclia Ribeiro
no ano de 1970.
347
que possam prejudicar o conceito da criana; ensinar aos seus filhos,
quais so os direitos de um Cidado Brasileiro: tratar bem ao seu
prximo, desde o mais graduado, at o mais humilde; ensinar quais
so os deveres religiosos; que, se deve respeitar a Deus sobre todas
as coisas, rezar todos os dias, para afastar os maus, as doenas e as
dificuldades, etc.
Dentro desta casa, no pode haver intrigas, dio, desentendimentos
por mais insignificante que seja; todos que tomam esta Santa Bebi-
da, no s devem procurar ver belezas, primores, e sim; corrigir os
seus defeitos, formando, assim, o aperfeioamento da sua prpria per-
sonalidade, para poder ingressar neste batalho e seguir nesta linha.
Se assim fizerem, podero dizer: sou irmo. Dentro desta igualdade,
todos tero o mesmo direito; em casos de doenas, ser expressamente
designada uma comisso em benefcio do irmo necessitado. Nos dias
de trabalho, todos que vieram procura de recursos fsicos, moral e
espiritual, devem trazer consigo sempre uma mente sadia, cheia de
esperana, implorando ao infinito eterno esprito do bem, Virgem
Soberana Me Criadora, que sejam concretizados os seus desejos de
acordo com seus merecimentos. Para iniciar nossa meditao, depois
da distribuio do Daime, todos iro colocando-se em seus respecti-
vos lugares, com exceo das senhoras que tm crianas. As mesmas
devero primeiramente agasalhar os seus filhos.
Continuando a nossa meditao: ao chegar a hora do intervalo, ao efe-
tuar-se a primeira chamada, todos devero colocar-se em forma, tanto
o batalho masculino, quanto o feminino, pois, todos tem a mesma
obrigao. A verdade que o Centro livre, mas quem toma conta,
deve dar conta; ningum vive sem obrigao e quem tem obrigao
tem sempre um dever a cumprir.
A disciplina uma meta, no pode ser aprendida em livros, tudo de-
pende de nosso prprio eu. S a experincia nos traz a realizao.
O Poder da existncia Divina, nos mostra igualmente o contato da
nossa evoluo individual no plano terrestre, em relao ao plano su-
perior. Alm disso, nos dado saber que existem, em nossa mente,
atraes superiores e inferiores. O conhecimento elementar nos leva
mudana completa de todos os nossos valores, dos nossos hbitos
348
e a compreenso mtua, relativamente com os exames da nossa pr-
pria conscincia. Existe em nossa mente um conjunto de atraes; su-
periores e inferiores, esta atrao, posta em prtica diariamente, trar
um desenvolvimento capaz de produzir os resultados mais altrusticos.
Isto depende da nossa prpria conscincia, se praticarmos o bem, o
bem nos conduzir, se praticarmos o mal, claro, s podemos ser
derrotados.
Se assim fizermos, estaremos marchando para o caminho da perfeio,
e em busca de novas realizaes. Ficar assim declarado: doravante
o irmo ou irm que, por fora de incompreenso, no cumprir fiel-
mente com os deveres acima citados, resolvendo enveredar para os
caminhos contrrios, pela primeira falta, ser chamado a um conselho;
pela segunda falta, ser suspenso por trinta dias e se continuar ser
eliminado definitivamente. Assinado: Raimundo Mestre Irineu Serra
(Presidente)
349
normalmente ocorria nos rituais do Daime, separavam-se as mulheres e os
homens que eram alocados a lugares distintos do salo. Durante a cerim-
nia, todos deveriam manter-se eretos, em posio de meditao. Dando
prosseguimento ao ritual, fazia-se uma hora ou uma hora e meia de silncio
absoluto, conforme o critrio do comandante ou oficiante da cerimnia.
Segundo Pedro Matos, aps o silncio, iniciava-se novamente a leitura do
Decreto de Servio, em seguida as dez mulheres cantoras ou todas elas
se levantavam para puxar de p os Hinos Novos (acompanhados em
unssono por todos os outros). Quando chegavam aos ltimos dois hinos,
todos se levantavam para cantar. Encerrava-se a sesso com as preces finais
e a frmula de fechamento costumeira no Daime. Vejamos abaixo o relato
de Pedro Matos (vivo de D. Perclia) sobre a concentrao:
350
Excees, Concesses e Casos Especiais
Em todas as sociedades, existem incongruncias e contradies entre
os vrios conjuntos de normas nos diferentes campos de ao. Perante as di-
ficuldades decorrentes da necessidade de conviver com tais incongruncias
comum recorrer-se manipulao de normas, como maneira de garantir
a continuidade da ordem social. Em outras palavras, perante a necessidade
de aplicar normas e regras gerais de conduta em situaes especficas, os
indivduos (ou o lder carismtico em questo) frequentemente as manipu-
70
lam para determinados fins. Observamos que h certa discrepncia entre,
por um lado, as crenas das pessoas e a sua declarada aceitao de certas
normas, e, por outro lado, o seu comportamento real. Tais discrepncias
muitas vezes no podem ser entendidas simplesmente como excees,
pois anlises mais detalhadas podem revelar que elas tm suas prprias re-
gularidades e lgicas prprias. (VELSEN, 1987, p. 364)
Mestre Irineu teve que enfrentar vrias situaes difceis em sua co-
munidade devido a divergncias entre as suas prescries rituais e o real
desempenho de seus seguidores. Nesses momentos, s vezes impunha a
sua orientao, mas, em certas ocasies, mostrava-se disposto a negociar,
fazendo concesses e abrindo excees para casos especiais. Podemos ob-
servar, nos relatos de antigos seguidores, situaes desse tipo. Embora os
relatos procurem afirmar a uniformidade dos moldes prescritos por ele, em
certos momentos, fica claro que excees s suas normas gerais eram admi-
tidas, mesmo que nem sempre de maneira explcita.
Foram diversas as ocasies em que Mestre Irineu teve que acatar e
at impor excees s suas prescries rituais, para melhor administrar o
convvio de seus seguidores. Um exemplo foi a sua prescrio para o fei-
tio, quando geralmente insistia que as panelas de daime deveriam receber
uma camada inicial de folhas, mas, perante as dificuldades enfrentadas por
certos feitores que levavam sua queima, aceitou que iniciassem com uma
camada de cip. Aqui poderamos falar simplesmente que foram criadas ex-
cees, mas, talvez esse termo no reflita a maneira como isso era percebido
por seus seguidores. Na viso dos seus seguidores o que ocorria era uma
concesso. Enquanto concesso tal ato no comprometeria o exerc-
cio da autoridade de Mestre Irineu sobre seus seguidores, pois indicaria o
351
seu poder de conceder algo aos seus discpulos. Dessa forma, as excees
negociadas viravam concesses.
Outro exemplo foi que, embora Mestre Irineu sempre insistisse na
separao de homens e mulheres durante o ritual, em meados de 1950,
concedeu ao Major Holdernes Maia, a licena de participar dos rituais do
Daime acompanhado de sua esposa (Isis) no lado do salo de ritual geral-
mente reservado somente a homens (Comunicao pessoal de Paulo Serra,
Lourdes Carioca e Lus Mendes em maro de 2007). O casal Holdernes e
Isis foram os nicos a receberem tal concesso, talvez devido importncia
poltica do Major. muito provvel que, no primeiro momento, essa ex-
ceo possa ter causado um mal-estar geral. Mas, com o passar do tempo,
a prpria rotinizao dessa exceo virou norma, e at reforava o prestgio
de Mestre Irineu perante seus seguidores, que a entendiam como mais
uma manifestao de seu poder de arbtrio, capaz de se contrapor sua
prpria norma perante a comunidade. Mas, existem tambm outros relatos
que concebem essa situao de outra maneira. Segundo Jair Facundes, por
exemplo, aquela cena tinha o efeito de valorizar a ordem de separao, que,
no fundo, era mantida, pois, eles ficavam juntos exatamente no meio do
71
salo, homem de um lado e mulher no outro.
Outro exemplo de exceo/concesso no Daime foi a introduo do
festejo de So Jos. Sabe-se que Francisco Granjeiro pediu a Mestre Irineu
permisso para celebr-lo em sua casa, em 19 de maro de 1971 (comu-
nicao pessoal de Joo Rodrigues Nica em maro de 2007). Fala-se
que Mestre Irineu permitiu a execuo do ritual, mas sem o uso da farda.
Granjeiro reuniu a famlia e os amigos para realizar o Hinrio. Vejamos
o relato annimo abaixo transcrito por Arneide Bandeira Cemin (1998,
p. 127):
352
Figura 77 Da esquerda para direita: Zelito, (?), Major Holdernes Maia e sua esposa Isis (ao centro),
Loredo, Alzira, (?), (?). Foto tirada na sede do Loredo Saituba.
353
Antes destas concesses, o hinrio O Cruzeiro era estritamente pre-
servado por Mestre Irineu, para ser executado de farda branca somente em
determinadas datas festivas: Reis, So Joo, Nossa Senhora da Conceio e
Natal. Mas depois de iniciadas as primeiras excees, Mestre Irineu fez ou-
tra concesso, desta vez para Lencio Gomes (a quem nomeou Presiden-
te), para que fosse executado aquele hinrio no dia de seu aniversrio, em
10 de fevereiro de 1970. Possivelmente, essa medida visava a legitimao
de Lencio Gomes como seu sucessor, pois, Mestre Irineu sabia que estava
muito doente e em breve se ausentaria da matria (faleceria).
Mestre Irineu voltou a fazer outra concesso em relao execuo
de seu hinrio por ocasio do aniversrio de D. Peregrina, no dia 14 de
julho de 1971. Diz-se que ele havia marcado essa data com a finalidade
de apresentar o seu hinrio a uma comisso de padres e freiras da Igreja
Catlica. Esta apresentao, que ele no alcanou em vida, faria parte de
suas metas de se aproximar daquela instituio uma de suas ltimas tenta-
tivas de apaziguar as crticas e a intolerncia estigmatizante reiteradamente
manifestada pelas lideranas catlicas acreanas contra a sua doutrina. Alm
disso, provavelmente visava legitimar a autoridade de sua esposa dentro da
comunidade, pois, como se sabe, ela era ainda muito jovem quando casou
com ele e tinha somente trinta e trs anos ao se tornar viva.
Notas
1 Srgio Ferreti (2002) e sua esposa Mundicarmo Ferreti, antroplogos da UFMA, foram
os primeiros a chamar a ateno para essas semelhanas. Posteriormente, os antroplo-
gos Beatriz Labate e Gustavo Pacheco realizaram uma pesquisa de observao partici-
pante e escreveram sobre o tema (LABATE; PACHECO , 2004).
2 Note-se que em diversas partes do Brasil, como no Norte e no Nordeste, esse termo
usado para significar qualquer tipo de uniforme, e no somente o militar.
3 LABATE; PACHECO, 2004, p. 331-332; 334.
4 EDUARDO, 1966, p. 59-83; S, 1974, p. 20.
5 FERRETTI, 2000, p. 148.
6 LABATE; PACHECO, 2004, p. 321.
7 Embora o Tambor de Crioula esteja relacionado com a devoo de So Benedito, sendo
muitas vezes realizado como pagamento de promessa a esse santo, trata-se de uma mani-
festao de carter essencialmente profano, muito diferente do Tambor de Mina, que
um culto religioso de incorporao de espritos. No obstante, comum que essas duas
354
manifestaes da cultura negra do Maranho sejam confundidas e que o Tambor de
Crioula seja considerado no um folguedo, mas uma espcie de culto religioso inspirado
nos moldes do Tambor de Mina. Foi o que ocorreu, com a Misso de Pesquisas Folclri-
cas do Departamento de Cultura da Prefeitura de So Paulo, que esteve no Maranho em
julho de 1938, sob a orientao de Mrio de Andrade. (ALVARENGA, 1948) Segundo
o antroplogo Srgio Ferreti, apesar de o Tambor de Crioula, ter caractersticas prprias,
isso no impede que, dentro de alguns terreiros de Tambor de Mina, seja danado o
Tambor de Crioula, com manifestao de incorporao. (FERRETI, 2002, p. 118-120)
8 Comunicao pessoal de Daniel Serra, sobrinho de Mestre Irineu, em janeiro de 2007.
9 Questionamos assim vrios autores os quais afirmam que Mestre Irineu frequentava
terreiros de Tambor de Mina. (FRES, 1986, p. 36; SILVA apud LABATE; ARA-
JO, 2002, p. 381)
10 Concordamos assim com Labate e Pacheco (2004, p. 314).
11 O projeto que transformou o Acre em Estado havia sido apresentado ao Congresso
Nacional em 1957, pelo ento Deputado Federal, Jos Guiomard dos Santos, do PSD.
Mas Guiomard, mesmo sendo o autor do projeto, no conseguiu se eleger nas eleies
de 1962 para governador, sendo derrotado por Jos Augusto de Arajo do Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB). Este assumiu em 1 de maro de 1963 e foi deposto pelos
militares golpistas em 8 de maio de 1964. (SOUZA, 2005, p. 174)
12 Entrevista de Wilde Viana, dada a Jair Facundes em 2004.
13 Wilde Viana, em 1962, fez a campanha de Z Augusto para Governador do Acre.
Em 1963, foi filiado e fundador do PTB no Acre. Depois fundou a Unio Democrtica
Nacional (UDN) e, no mesmo ano, foi eleito pela composio da UDN/ PTB. Foi
prefeito de Rio Branco, e trs vezes Deputado Estadual de 1966 a 1978. Em seguida,
foi duas vezes Deputado Federal pelo Acre de 1979 a 1987.
14 Declaro que com o nico interesse de zelar pela sade do pblico, foi que tomei a inicia-
tiva de encaminhar para o Servio Nacional de Fiscalizao de Entorpecentes, em ofcio
n 208 de 21/05/1966, uma amostra do cip e das folhas de nome regionalmente co-
nhecidas por JAGUBE, do qual feito o xarope por nome de DAIME ou UASCA,
que vem sendo usado em certos ritos religiosos em nosso Estado. Declaro outrossim que
em telegrama recebido do Sr. Dr. Dcio Parreira, Presidente da Comisso Nacional de Fis-
calizao de Entorpecentes foi dito que nenhum caso de intoxicao foi observado desde
o ano de 1962 pelo uso da bebida IAG ou similar, nome pelo qual cientificamente
conhecido o cip JAGUBE. Assim sendo, a Secretaria de Sade e Servio Social, nenhu-
ma objeo tem a fazer no uso do IAG, DAIME ou UASCA em ritos espirituais,
como j h muitos anos vem sendo feito em nossa regio (Ofcio escrito em 16 de Maio de
1966, Rio Branco, pelo Dr. Carlos Meixeira Afonso, Secretrio de Sade e Servio Social
texto extrado do Estatuto do Centro de Iluminao Crist Luz Universal).
15 Entrevista concedida ao Jornalista Antonio Alves, publicada no Jornal O Rio Branco,
n. 2.299, p. 4, 11 jul 1984.
16 Entrevista com Professor Rego, dada a Jair Facundes em 2004.
17 Professor Rego veio para o Acre, em 1968, trabalhar na Secretria de Agricultura,
como coordenador tcnico. No governo de Kalume, Agnaldo Moreno era o Primeiro
Secretrio. Agnaldo saiu para se candidatar a deputado federal. Rego assumiu a Secre-
taria. Depois Rego foi vice-governador no Governo do Joaquim Macedo, e continuou
coordenando as polticas de produo para o meio rural. Trabalhou recentemente no
Governo do Jorge Viana.
355
18 Entrevista com Professor Rego, dada a Jair Facundes em 2004.
19 Idem.
20 Mensagem enviada por Jair Facundes a Edward MacRae em 2009.
21 Entrevista de Jorge Viana, Governador do Acre, dada a Jair Facundes em 2005.
22 Mensagem enviada por Jair Facundes a Edward MacRae em 2009.
23 Entrevista com Paulo Serra em julho de 2006.
24 Ver: Fres (1986, p. 47), Carioca (1998, p. 27) e Goulart (2004, p. 69).
25 Quando perguntamos ao presidente do CECP sobre a possvel existncia de um cadas-
tro desses ttulos de Presidente de Honra e Honra ao Mrito dos centros filiados na
instituio central, ele nos respondeu que esse tipo de titulao no tinha cadastro na
sede central do CECP, ficando por conta dos centros filiados (Comunicao pessoal de
Jos Maria Nogueira, diretor responsvel pelo CECP, em maro de 2007).
26 Entrevista com Joo Rodrigues em Maro de 2007.
27 Lourdes Carioca (apud CARIOCA, 1998, p. 27).
28 Luis Mendes (apud CARIOCA, 1998, p. 27).
29 Hoje o local ocupado pelo estacionamento de uma agncia do Banco do Brasil, no
encontro da Rua Alvorada com a Rua Dom Bosco.
30 Entrevista de Perclia Ribeiro dada a Antnio Macedo em 1999.
31 Lembremos que durante a primeira metade do sculo XX at o protestantismo hist-
rico era estigmatizado.
32 Note-se que aqui aparece uma clara identificao pessoal de Mestre Irineu tanto com a
bebida quanto com a doutrina.
33 Entrevista com Joo Rodrigues em Maro de 2007.
34 As filiais do CECP usam a sigla Centro de Irradiao Tattwa antes de qualquer
outro nome. O nome tattwa segundo Jos Maria Nogueira diretor atual do CECP
um nome de procedncia Indiana que identifica os 25 componentes do cosmos, ou
tambm princpios vitais do corpo humano.
35 Jair Facundes, em comunicao feita em mensagem pessoal enviada a Edward MacRae
em 2009, defende posio contrria dos autores deste livro a esse respeito.
36 Apesar de ser comum a afirmao de que Mestre Irineu havia retirado essa orao do
Livro de Oraes da Cruz de Caravaca, durante muito tempo nenhum pesquisador
conseguiu encontrar uma, das diversas edies existentes do livro, onde constasse
essa orao. No decorrer da pesquisa para a edio final deste livro, Paulo Moreira
encontrou um site na Internet onde se anunciava a venda de mais uma edio da
coletnea, na qual justamente o trecho da obra contendo a orao procurada era re-
produzido on line. Trata-se da 7 edio de O Genuno Livro da Cruz de Caravaca,
compilado por Prcio Ankara, publicado no Rio de Janeiro pela Editora Palas em
2009, pp.39-43. (Note-se que nesta edio no consta o pargrafo final da orao,
conforme ensinada por Mestre Irineu, uma prece em latim.) No se pde determinar
a data de edies anteriores dessa compilao, s quais Mestre Irineu possa ter tido
acesso, mas de toda maneira fica comprovado que essa orao realmente faz parte
do corpus maior, a partir do qual as diversas verses do livro fizeram suas respectivas
selees.
37 Entrevista de Perclia Ribeiro dada a Antnio Macedo em 1999.
356
38 Entrevista de Luis Mendes do Nascimento dada a Edward MacRae em 6 de junho de
1993.
39 Entrevista com Joo Rodrigues, o Nica, em maro de 2007.
40 Entrevista com Joo Rodrigues em maro de 2007.
41 Entrevista de Lourdes Carioca dada a Sandra Goulart em novembro de 2002.
42 Entrevista com Daniel Serra, em janeiro de 2007.
43 O texto da orao provavelmente resulta de uma colagem de vrios outros textos e j era
existente ou ento foi reelaborado por intelectuais ocultistas do CECP da poca. Assim,
na orao para Esconjurar os Malefcios dos Maus Espritos e dos Demnios Infernais, que
teria sido selecionada por Mestre Irineu do livro Oraes da Cruz de Caravaca, havia
uma parte do texto em latim. Segundo a anlise do telogo Raimundo Nonato Santos
Pereira, transmitida em comunicao pessoal, a parte do texto supostamente em latim,
no contm apenas latim; ele afirma que algumas palavras so do grego, do hebraico e
do aramaico. Outras palavras so ininteligveis para ele, ou por serem signos de outra
lngua, ou por serem nomes prprios, de seres, de pessoas, escritos nas lnguas anterio-
res, mas de toda forma so desconhecidos por ele. Como por exemplo: Largarot, Al-
ponidos, paatia, vrat condio, fondo; Arpago, Artamar, Bourgasis veniaat Serabani.
Para Raimundo Nonato, a frase: Ez, verbum varo Vacty meestm, et habitabit i obis, pare-
ce a corruptela de: z Verbun varo Vacty meestm et habitabit i nobis, que quer dizer:
E o verbo se fez carne e habitou entre ns. Conforme sua anlise, as palavras abaixo
cujos caracteres em grego, hebraico e aramaico no so muito comuns nos teclados
de PC, parecem significar: Autem Alm de; Superaltem por ser vencedor; Ogios
possivelmente a corruptela de Agios, significando Santo; Sohier parece a corruptela da
palavra grega Soter que significa Salvador (sem os caracteres de grego); Mesias Mes-
sias; Emanuel ou Imanuel significa Deus Conosco; Sabhot parece ser hebraico sebatn
que significa exrcitos; Ademy parece ser em hebraico Adam uma cidade da tribo
Neftali; Athamato talvez seja a corruptela de atnatos que significa imortal; Isquiro
(sem os caracteres do Grego) quer dizer forte robusto; Tegramatos significa as quatro
letras do nome de Deus em hebraico que se pronuncia Ywa ou Yav (Jeov ou
Jav ou Adonai). Raimundo Nonato, em sua anlise, comenta que o pargrafo final
escrito em latim, vejamos por frase: Cristus vivit Cristus regnat Cristus maledicti er
escomunicati daemones, significa: Cristo vive, Cristo Reina, Cristo vos amaldioe e exco-
mungue os demnios; invirtude istorum Deu nominu significa pela fora destes nomes,
isto ; Messias Emanuel,(que correspondem a Salvador e Deus Conosco); et ab omni
loco et domo fuerint haec, nomina, et digna dei preacipimus vobis at que ligamus vos ut
nom habeatis protestem per pestem Nec per aliquod qua de um per maleficium no cereci
incantationem, nequi nianima nec incorpore, quer dizer: Em todo lugar que estejam
estes nomes, dignos de Deus, ordenamos a vocs e impedimos que no tenham poder seja
pela peste ou qualquer outro malefcio, nem na alma nem no corpo; Ite,ite,ite maledicte
instagnum ignis sive ad locavocis a Deo assignata Imperar Vobis Deus + Sanctissima
Trinitas uns Deus. +, significa: ide malditos para o lago de fogo ou para outros lugares
preparados por Deus Uno-Trino (Santissima Trindade) para vs. Antes do trmino do
pargrafo surge em portugus a palavra Oremos, logo depois vem outra frase em
latim: Accipi quaccemos domie Deus nos ter benedictionem tuani criatura tua ista, Qua
corpore salvetur, ataquem tu propations beneficia semper inveniat per Cristium Amem,
que significa: Pedimos Senhor Nosso Deus que receba esta criatura cujo o corpo, pela tua
beno seja salvo e por tua paixo receba sempre os benefcios por Cristo. Amm.
357
44 Ver Lvi-Strauss (1989), em que o autor discute a eficcia do feiticeiro e sua magia em
termos similares .
45 Entrevista com Joo Rodrigues em maro de 2007.
46 Comunicao pessoal de Joo Rodrigues em Julho de 2007.
47 Entrevista com Francisca Mendes em maro de 2007.
48 Entrevista de Perclia Ribeiro dada Jair Facundes em 2003.
49 Entrevista com Paulo Serra, em julho de 2006.
50 Entrevista com Pedro, vivo de Perclia Ribeiro, em fevereiro de 2007.
51 Comunicao pessoal de Jair Facundes feita a Edward MacRae por e-mail em 2009.
52 Essa srie de hinos tambm conhecida como Cruzeirinho.
53 Entrevista de Perclia Ribeiro dada a Antnio Macedo em 1999.
54 Entrevista com Joo Rodrigues, em maro de 2007.
55 Comunicao pessoal de Jair Facundes dada por e-mail a Edward MacRae em setem-
bro de 2009.
56 Comunicao Pessoal de Raimundo Nonato.
57 Comunicao pessoal de Eduardo Bayer Neto, em 2007.
58 Comunicao pessoal de Emilio, Francisca e Lourdes Carioca em julho de 2009.
59 A partir disso, os detalhes do processo do feitio tornam-se importantes sinais para a
classificao das diferentes linhas do Daime.
60 Entrevista de Joo Rodrigues dada a Jair Facundes em 2001.
61 Entrevista de Cipriano dada a Jair Facundes em 2005.
62 Entrevista com Joo Rodrigues em maro de 2007.
63 Idem.
64 Entrevista de Joo Rodrigues dada a Jair Facundes em 2001.
65 Comunicao pessoal de Joo Rodrigues Nica, em maro de 2007.
66 Comunicao pessoal de Joo Rodrigues em 2007.
67 Entrevista com Joo Rodrigues em maro de 2007
68 Entrevista com Joo Rodrigues [Nica] em maro de 2007.
69 Entrevista com Pedro, vivo de Perclia Ribeiro, concedida a Paulo Moreira em fevrei-
ro de 2007.
70 Ver: Velsen (1987, p. 349 - 355).
71 Mensagem enviada por Jair Facundes a Edward MacRae em 2009.
358
Mestre Irineu, Paizinha (filha de Teteo),
Maria (filha de Daniel Serra)
Captulo 5
Desde meados de 1970, Mestre Irineu vinha sentindo pioras nos sin-
tomas de seus problemas renais e cardacos. Diz-se que chegou a passar
at trs dias em coma, em estado febril. Vrios dos Hinos Novos foram
recebidos aps longos estados de letargia. Durante as crises mais graves
organizavam-se comisses que atuavam em turnos para assisti-lo. Eram cla-
ros os sinais de que seu fim estava prximo. Ao acordar de sua ltima crise
febril, Mestre Irineu recebeu o hino 128 - Cheguei Nesta Casa em que fica
explcito o tema de sua partida.
363
Eu estou dentro desta casa,
Aqui no meio deste salo,
Estou alegre e satisfeito
Junto aqui com os meus irmos
Me mandaram eu voltar,
Eu estou firme, e vou trabalhar.
Ensinar aos meus irmos,
Aqueles que me escutar.
Pouco antes de comear a passar por suas crises mais agudas, fez uma
preleo durante um trabalho de concentrao, criticando a desarmonia
entre seus seguidores. Segundo um de seus seguidores, Pedro Matos, nessa
ocasio ele teria dito que estava muito desapontado com o comportamento
de alguns deles e chamou a ateno de vrios participantes casados devido
aos seus desentendimentos com as suas esposas. Afirmou tambm que o
daime no era para guerra; [...] que na guerra precisa-se de bala, de muita
bala e que para se ter o daime em casa necessrio ter paz e amor [...].
Comentou tambm sobre a falta de respeito de alguns de seus seguidores
que estariam entrando em terras alheias para colher a produo, sem pedir
licena ao dono. Repetiu muitas vezes durante sua palestra que essas pesso-
as no estavam aprendendo nada no Daime, que ele no dava exemplo para
ningum dali ser ladro. Nas palavras de Pedro Matos:
Fui l casa dele. Cheguei l, logo falei pra ele. Ele disse: J t sa-
bendo. J estou sabendo dos irmos que chega no roado do outro
e tira macaxeira, tira banana, abacate, laranja e tira tudo. E o irmo
no dando, no chega nem a pedir. Eu doei terra aqui pra todo mun-
do, para poderem ter uma terrinha pra trabalhar. Mas no entro na
364
propriedade de ningum antes de pedir ao dono. E porque um irmo
chega no roado do outro e faz isso? Deixe comigo que, na reunio de
15 de novembro, eu vou fazer uma palestra. No do meu costume
no, mas t sendo necessrio eu fazer. Sem citar o nome de ningum.
Foi quando ele disse que guerra precisa de muita bala. A, ele falou
e disse:
Meus irmos, todo mundo aqui corre atrs do Mestre, todo mundo
toma daime e no aprenderam nada. Daqui a pouco o Mestre morre,
e como que vo ficar? Ningum aprendeu nada, e quem toma daime
para aprender. Isto uma das metas que eu quero falar. E outra, eu
quero falar com todos, sem falar nas senhoras, que elas no devem t
procedendo desta maneira. Me dem licena, me desculpe, me perdo-
em que eu aqui no quero chamar ateno de ningum. Mas, como
chefe, como comandante do trabalho, mas como chefe dessa doutrina,
eu tenho de falar. Ns devemos respeitar os direitos dos outros, seja
qual for o tamanho do direito, ns temos de respeitar. Se voc tem
um stio com bananal, canavial ou qualquer coisa, e pega sem falar pro
dono, roubo. Voc no tem f. Aqui eu t formando um grupo de
homens, no de moleques no.
Isso uma parte, a outra a unio, como se respeita a famlia, como
se respeita os filhos, como se respeita o padre, a esposa, e no caso
de ambas as partes, do jeito que a mulher tratar o marido com todo o
respeito, o marido deve tratar a mulher tambm. Com a unio, com
o amor e com sinceridade, porque como diz o hino: o escudo ns
temos na mo, e a firmeza no corao, no assim que o hino diz...
Ele estava falando com D. Perclia.
Ns temos de tomar daime e aprender aquilo que o daime t nos
ensinado. No fazer aquilo que o nosso pensamento t pensando,
nosso corao t pedindo. Porque tem coisas que est no nosso cora-
o, no nosso pensamento, na nossa imaginao, que est totalmente
fora do poder, do poder divino. Deve-se, sim, ter a unio, a verdade,
amor e justia. Deve-se ter todo dia, e que cada dono de casa tem de
pedir ao outro dono.
A primeira coisa que voc faz quando abre a porta de casa pedir a
Deus: Me d paz, me d harmonia, amor, verdade, e justia minha
365
famlia. Voc pedindo paz, amor, verdade e justia, vem o po, vem a
sade, vem tudo, mas se voc pedir guerra s chega guerra. E pra ter
paz muita reza, e pra guerra muita bala. A casa que t com daime
pra ter respeito. A casa que existe guerra no pode ter daime. Porque
daime no para guerra, para a paz. O daime Deus, daime sade,
amor. Onde existe guerra, descompostura, palavro pode ter daime?
Como que Deus pode encostar nisso?
Deus sabe que voc existe, mas voc no t guardando ele dentro.
Voc t guardando dentro de si, ento, voc tem de saber dar valor
sua casa. No dar palavres, endiabrados, endemoniados, porque so
coisas do outro lado, o das trevas, da escurido. E no isso que ns
queremos na nossa misso. Ns queremos paz, amor, verdade, justia,
pra unio, pro amor. Pro Daime muita reza e pra guerra muita bala.1
(Pedro Matos)
366
fsica, mas ao mesmo tempo, alguns de seus seguidores j comeavam a ma-
nifestar seus projetos de poder (diz-se at, que existiam aqueles que dese-
javam cantar seus prprios hinrios no iminente enterro de Mestre Irineu).
O que tornaria esse pronunciamento ainda mais significativo era o fato de
que Mestre Irineu raramente palestrava durante as sesses de daime.
Uma faceta marcante de Mestre Irineu era a sua habilidade no uso da
linguagem, conforme a situao, ora empregava palavras, ora o silncio,
como recursos retricos. Assim, embora s vezes se diga que era um ho-
mem de poucas palavras, uma espcie de mestre do silncio, h tambm
relatos de momentos em que dominava as conversas e do fascnio que exer-
cia quando contava histrias durante reunies informais. Joo Lima, antigo
seguidor de Mestre Irineu, conta:
367
doutrina religiosa, ainda comumente concebida como coisa de nego.
(CEMIN, 1998, p. 40) Podemos dizer que a condio minoritria do gru-
po de Mestre Irineu no campo religioso o impelia a buscar permanente-
mente a sua legitimao e aceitao. Lembramos que a sua aproximao do
Crculo Esotrico Comunho do Pensamento (CECP), alm de ser uma
busca de parceria intelectual, fora tambm uma tentativa de fuso com uma
instituio vista como mais bem integrada junto s estruturas de poder e
prestgio. Essa preocupao de Mestre Irineu em associar-se a instituies
com maior legitimidade no campo religioso teve continuidade mesmo com
o fim da parceria com CECP. Pois, nesse momento, parece ter buscado
legitimar a sua Doutrina ao lado das religies catlica e protestante, mesmo
sabendo das diferenas entre essas verses do cristianismo e a dele.
Assim, solicitou a Jos Vieira, membro da extenso do Daime em Por-
to Velho, que lhe ajudasse a criar um estatuto para a institucionalizao do
Daime. Este fora escrivo da polcia civil e escrevia muito, de forma met-
dica, embora seu estilo no deixe de nos parecer hoje como excessivamente
rebuscado e pedante. Atendendo ao seu pedido prontamente, Vieira tratou
de trabalhar na redao do documento. A elaborao de um estatuto que
ajudasse a tornar o culto aceitvel s autoridades civis, catlicas e evang-
licas exigiu-lhe muito esforo, tanto intelectual quanto poltico, e diz-se
que ele chegou a tomar cinco litros de daime para compor o documento,
buscando sempre respaldo nas Sagradas Escrituras. Em 26 de novem-
bro 1970, oito meses antes do falecimento de Mestre Irineu, ele redigiu
uma carta ao Caro irmo e Mestre Imperador Raimundo Irineu Serra,
agradecendo a incumbncia. Nessa carta, cuja retrica difere claramente
do estilo mais simples comumente usado pelos seguidores de Mestre Iri-
neu, diz que est trabalhando diplomaticamente junto s Igrejas Catlica
e Protestante de Porto Velho para desfazer a imagem negativa que tinham
do Daime. Vejamos abaixo o contedo da carta (CARIOCA, 1998, p. 39):
Agradeo sua amvel lembrana pela missiva do ltimo dia 19, me re-
portando ao programa antes j esboado, afirmo estar firme junto com
nosso irmo em Cristo, na consolidao da reforma que empreende ao
nosso ritualismo. Prescindindo por isso a conscincia das vises, me
usou como instrumento na elaborao de nossos estatutos e outros
368
meios que provavelmente se assestaram nos objetivos globais de sua
plataforma, no mais diante dos rumores que faziam do nosso veculo
no meio religioso, me pus a campo, partindo de uma entrevista com
o reverendo Padre Mrio, conforme cpia do pedido que a ele fiz e
que lhe enviei, da tendo ido a presena de sua Rev. Dom Joo Batista
Costa, Bispo prelado do Territrio [de Rondnia] que est ansioso
para conhecer nosso estatuto mediante esboo que a ele apresentei.
Em seguida, conferenciei com alguns pastores evanglicos dados que
alguns crentes buscam conhecer o nosso mistrio e um deles j fazer
parte de nossos outros trabalhos, quase j convertido venerao da
Virgem e de seus mritos, pateando nossas concepes e princpios
para a segurana ao nosso culto e registro ante a necessidade de coor-
denao face s divergncias aos nossos fundamentos, sempre alertan-
do contra os falsos Cristos, isto , as falsas doutrinas com aparncia de
verdadeiras, estes e outros pontos foram o principal tema que apresen-
tei por escrito ao nosso Bispo prelado, o qual parece que nos apoiar
3
juntamente com a Igreja Catlica.
369
Mas essa preocupao com a respeitabilidade e a busca a qualquer
custo por aceitao pela sociedade da poca no era restrita a Jos Vieira,
sendo compartilhada por vrios outros daimistas. Afinal, num momento
em que as tradies de origens afro-indgenas ainda eram sujeitas a muita
discriminao e at perseguio, a cor negra, tanto de Mestre Irineu, quan-
to da maioria dos seus antigos seguidores, era motivo de continuadas estig-
matizaes e desqualificaes. Sua comunidade, por exemplo, era s vezes
acusada de fazer culto de adorao ao castanheira queimada, em aluso
cor e altura de Mestre Irineu. (CEMIN, 1998, p. 39) Assim, no de se es-
tranhar que certos participantes do Daime buscassem branquear a imagem
de Mestre Irineu, para melhor projet-la junto sociedade acreana. Para
tanto tentavam projetar uma imagem de seu lder como algum que, ape-
sar de ser negro, seria identificado com os valores ento hegemnicos, ou
seja, teria uma alma branca. Essa tentativa de branqueamento transpare-
ce explicitamente em certas ilustraes produzidas dentro da comunidade,
que retratam Mestre Irineu de maneira a minimizar seus fentipos negros,
como sua cor e cabelo.
370
Figura 80 Ilustrao com traos Figura 81 Ilustrao com traos
de branqueamento. Cabelo liso acentuadamente brancos. Cabelo grisalho
e pele esbranquiada. liso e pele totalmente branca.
Figura 82 Foto da ata de constituio do Centro de Iluminao Crist Luz Universal (ver Anexo J).
371
Nesse mesmo ms, Mestre Irineu convocou uma reunio, com os
membros da diretoria e participantes do seu derradeiro feitio, para a pri-
meira leitura do estatuto. Lus Mendes foi escolhido para faz-la em voz
alta para todos ouvir. No relato seguinte, feito por Joo Rodrigues (Nica)
sobre essa leitura, fica patente a recepo, conformada, mas pouco entu-
sistica, que recebeu. Tambm ficam sugeridas nesse relato as rivalidades
pessoais e as dificuldades organizacionais pelas quais a comunidade viria
passar aps a iminente morte do seu lder.
372
Ele foi e me repassou essa documentao depois de lida, dizendo que
era pra eu guardar aqui at um dia.
No trabalho que ns fizemos pra ele, a gente entrava de dois em dois
onde ele estava para no tumultuar. Era l no quarto dele. Quando
entrou eu e o Lencio, ele foi e disse pro Lencio que no inventasse
moda e nem consentisse moda dentro do trabalho dele. A dosagem de
daime de agora por diante seria meio copo. Acima de meio copo era
por conta de cada um. Pra concentrao de uma hora era aquela parte
4
ali. (Joo Rodrigues)
373
O pessoal maculava muito a imagem do daime. A maneira de se
expressar foi muito visvel. Agora certamente registrado, legalizado,
no havia mais porque tanta mcula. Ele disse:
5
Guarde consigo at um dia. (Joo Rodrigues)
374
com traos espritas e esotricos. observvel que a doutrina religiosa de
Mestre Irineu fundamenta-se na memria oral e musical, sintetizada nas
mensagens de seu hinrio, igualmente a outras manifestaes do catolicis-
mo popular. No seu hinrio podemos encontrar referncias fragmentrias
a personagens bblicos como Jesus, Maria, Jos, Salomo e Samuel, ao
lado de personagens de outras cosmologias: Curupipiraqu, BG, Princesa
Solona, Papai Pax, Papai Velho, Mame Velha. Alm desses variados per-
sonagens, coexistem no hinrio de Mestre Irineu fragmentos de princpios
interpretativos do esoterismo do CECP e outros elementos poticos de
louvao a Deus. De toda forma, no vem ao caso, nesse momento, fazer-
mos uma anlise completa de todos os elementos fragmentrios empresta-
dos de outras cosmologias e agregados por Mestre Irineu sua doutrina.
O que nos cabe afirmar que o estatuto de Jos Vieira utilizava cdigos
e preceitos distantes do universo do Daime. Provavelmente para atender a
fins formais e burocrticos de registro junto ao estado. Portanto, deixa de
representar adequadamente os princpios do Daime, sendo somente uma
espcie de smbolo de existncia e legitimao formal da doutrina.
Existem at verses, comentadas de maneira reservada na comunidade,
segundo as quais Mestre Irineu teria ficado desgostoso com esse estatuto e teria
afirmado a Francisco Granjeiro que esse estatuto era para ele uma machadada
em seu pescoo, ou seja, ele o sentia como uma violncia contra suas posies.
Mas no se tem clareza sobre qual era a parte do estatuto que lhe desagradava
e nem se esse seu sentimento foi despertado antes ou depois de seu registro
em cartrio. O mais provvel que, perante o documento, tenha sentido o
mesmo estranhamento dos outros daimistas, em relao s suas reais prticas
e vidas.
Conversando com antigos seguidores, levantamos algumas hipte-
ses, impossveis de confirmar, sobre quais seriam os itens que ele poderia
considerar mais em desacordo com seus princpios. Entre eles estariam os
seguintes:
375
legalmente constitudas. Pargrafo nico. Os familiares dos filiados
sero passveis de penalidades menores nos casos de incidncia.
Art. 59 Internamente constitui falta grave ofender a dignidade ou os
brios do mestre Imperador, do mestre Imediato ou de qualquer mem-
bro da entidade e externamente s autoridades civis, religiosas e mili-
tares. 1 Penalidade do 1 e 2 caso: suspenso do veculo divino de
1 a 6 meses conforme a honorabilidade do ofendido e o carter ofen-
sivo arrazoado. 2 Nas reincidncias a punio se far em dobro,
podendo no 1 caso, se o infrator postular, ser comutada a suspenso
em multa que vai de 10 a 30 mil cruzeiros conforme a honorabilidade
do ofendido com atenuante, se ambas as partes foram litigantes.
Art. 60 passvel de pena ostensivamente transmitir a estranhos pro-
fanos as comunicaes astrais recebidas, expondo-as frivolidade e
execrao. Pargrafo nico. A penalidade no caso varia de 1 a 3 meses
de suspenso do veculo divino ou multa de 5 a 15 mil cruzeiros. (ver
em Anexo G: o estatuto).
376
a ddiva de se tornar o maior curador do mundo, era que ele no ga-
nhasse dinheiro com a bebida. (NASCIMENTO, 1992, p. 15) Assim, para
uns, a existncia do estatuto implicava na formao de uma diretoria, onde
inevitavelmente deveria haver um tesoureiro, que estaria ligado a dinheiro.
Para eles, estas conexes estariam em desacordo com o pedido da Rainha
a Mestre Irineu. Vejamos os relatos sobre as questes contraditrias de
arrecadao, e a formao do estatuto na comunidade:
377
doassem sem ser preciso nem falar, mas, no todo mundo que tem
essa espontaneidade de chegar assim e dar pra ajudar, s vezes, pedin-
7
do, as pessoas no querem dar. (Valcrio Granjeiro)
378
quando o falecimento do lder parecia prximo, o clima de rivalidade entre
seus seguidores j era bastante marcado e discusses sobre formalidades
desse tipo provavelmente refletiam as fissuras e tenses devidas competi-
o que se instalava para decidir quem seria o prximo lder.
Pelos relatos de que dispomos, Mestre Irineu estaria dividido entre
um sentimento de alegria pela legitimao do seu culto, de dar nome a
quem no tinha, e o desgosto pela burocratizao que, como possivel-
mente intusse, no seria capaz de evitar as disputas de poder que ameaa-
vam cindir a comunidade aps sua morte. Talvez tambm percebesse essa
formalizao da distribuio de responsabilidades dentro do centro como
uma ameaa ao poder soberano que at ento detivera e cuja abrangncia
era claramente refletida no seu ttulo de Mestre Imprio ou Imperador.
Essa seria uma possvel explicao para o longo adiamento que impusera
institucionalizao de seu centro. Lembramos que a entrega do estatuto
s foi feita um dia antes de sua morte, por Joo Rodrigues (Nica), s sete
horas da noite. No podemos tambm esquecer o grande desconforto que
sofria, devido aos seus graves problemas de sade, em si j uma boa causa
para desgosto.
O trmite formal do registro do Centro de Iluminao Crist Luz
Universal (CICLU) exigiu a elaborao de uma ata da assembleia geral
convocada para formar uma diretoria, que aconteceu em 27 de janeiro de
1971, e outra, para a aprovao do estatuto, no dia 20 de abril de 1971
(ver foto do registro do estatuto no frum de Rio Branco). No se sabe
ao certo em que dia este foi encaminhado e nem o dia que foi publicado
no Dirio Oficial. Mas, segundo os relatos existentes, deve ter sido pouco
antes do falecimento de Mestre Irineu, que ocorreu no dia 6 de julho de
1971. De toda maneira, dado o seu total alheiamento das reais prticas e
concepes vigentes entre os membros da comunidade, esse estatuto nun-
ca foi efetivamente implementado. Posteriormente, aps uma srie de desa-
venas internas, que acabaram por levar fragmentao do grupo original
e constituio de novos centros, esse texto foi abandonado e substitudo
por novos estatutos, mais adequados.
379
Figura 83 Registro do Estatuto no Frum de Rio Branco.
A Passagem do Mestre
Fala-se que, meses antes de sua morte, Mestre Irineu recebeu press-
gios da iminncia de seu fim. Diz-se que foram comunicaes de sua guia
espiritual, a Rainha da Floresta, avisando-o de que o dia de sua passagem
estava prximo. Segundo D. Perclia Ribeiro (CARIOCA, 1998, p. 39),
ele teria recebido aps seu aniversrio, por volta dos dias 17 ou 18 de de-
zembro de 1970, a primeira dessas comunicaes, na forma do hino 129
Pisei na Terra Fria. Nessa poca, os seus seguidores vinham acompanhan-
do a piora de sua sade e, ao ouvirem o novo hino, entraram em estado de
tristeza profunda, muitos at caindo aos prantos, temendo o pior. Paulo
Serra comentou sobre o recebimento do hino 129 Pisei na Terra Fria:
Quando ele teve um problema, a ele recebeu esse hino. Todo mundo
chorava, aquela confuso medonha e tal. A, que ele disse: Pediram a
minha volta e eu voltei e tal [...]
Pensei, a, depois ele recebeu Terra Fria. Eu cheguei assim, e disse:
Papai esse hino no t indicando que o senhor no vai fazer a sua
passagem no?
380
Ele disse: No, no assim no, se fosse no tava a tempo no!
Eu disse: No senhor, no t no, no papai, se for assim eu vou me
embora..
Ele disse: No meu filho eu ainda vou viver muito. Se Deus permitir,
vou buscar os cem anos.
9
A, eu me tranqilizei, n? (Paulo Serra)
381
Assim, dias depois do recebimento do hino, Mestre Irineu viu-se obri-
gado a convocar uma reunio para apaziguar o sofrimento dos seus segui-
dores. Segundo Wilson Carneiro, ele chamou uma reunio e esclareceu:
Esse hino no s para mim, para todo mundo, todo mundo que nasce
morre. (CARIOCA, 1998, p. 39)
Refletindo a notria tenso, ento existente, entre a Igreja Catlica e
o Daime, dizia-se que, quando chegasse um padre na sede de trabalhos do
Daime, faltariam poucos dias para ele se ausentar da matria. Segundo
Jlio Carioca, membro da diretoria do CICLU:
Assim que eles saram, seu Mestre Irineu me chamou e disse: Jlio,
amanh voc vai cidade e avise a todo mundo que dia 14 o fardamento
branco, para esta apresentao ao padre.
Mestre Irineu complementou: Recebam eles com todas as honras.
(CARIOCA, 1998, p. 39)
382
Considera-se que essas suas palavras finais para Jlio Carioca j pre-
nunciavam o que estava para acontecer. Seria uma maneira de Mestre Iri-
neu dar a entender que no estaria mais presente. Logo depois, pergun-
taram a Mestre Irineu se ele queria que fosse feito um trabalho no dia
30 de julho de 1971. Fala-se que ele aceitou. Nesse tempo, embora j ti-
vesse passado a presidncia dos trabalhos para Lencio Gomes, diz-se que
Mestre Irineu o advertira, de que ele iria assumir a direo dos trabalhos,
mas que no quisesse ser chefe, pois a chefia ainda continuaria com ele,
no astral.
Arneide Cemin colheu um interessante relato annimo da maneira em
que Mestre Irineu preparou Lencio Gomes para assumir a funo, sub-
metendo-o a uma fortssima experincia com o daime, que parece remeter
ao antigo costume dos ayahuasqueiros indgenas de ocasionalmente tomar
a bebida em busca de fortalecimento. Percebe-se, no decorrer da descrio
desse evento, como apesar de estar passando o comando dos trabalhos ao
seu seguidor, Mestre Irineu mantm a sua preponderncia sobre ele.
383
horas da noite que tava sofrendo, na preparao que ele achava que no
dava conta do recado, at trs horas da madrugada.
Chegou l, ele disse: Levante!
Lencio levantou-se, preparado pra todos os efeitos. Isso eu vi. (CEMIN,
1998, p. 121-122)
384
direo dos trabalhos. Voc no vai ser chefe. A chefia comigo mesmo.
Mas fique a para receber as pessoas, para ensinar a Doutrina e tudo bem.
Escute o que estou dizendo, no faa mais do que eu estou lhe entre-
gando. Porque, se alterar alguma coisa, voc no vai resistir.
No dia 30, nos reunimos para a Concentrao. Quando terminou, ele
perguntou para o povo: Quem foi que viu o meu enterro?
As pessoas disseram que no tinham visto nada. E ele falou que tinha
recebido um remdio e que ia ficar bom.
E que remdio esse, Mestre?
um remdio que tem em todo canto.
Continuou. Eu cheguei num salo onde tinha uma mesa ornada, toda
composta, com as cadeiras em seu lugar. S tinha uma cadeira vazia: a
da cabeceira.
Foi a que a Virgem Soberana Me chegou ao lado dele e disse: De hoje
em diante, voc o chefe geral desta misso.
Depois de 50 anos de trabalho que ele foi receber o comando. Voc
o chefe. No cu, na terra e no mar. Para todos os efeitos. Todo aquele
que se lembrar de voc e chamar por voc, de corao, e confiar, rece-
ber a luz.
Isso foi no dia 30 de junho de 1971. No dia 06 de julho, ele foi embora.
E a histria do remdio a terra, que se pisa em cima. Ele no foi para
debaixo da terra? E ningum entendeu. Ele no disse que tem em todo
canto? a prpria terra [...]. Outro pai ningum encontra. (SILVA,
P., 1992, p. 9-10)
Um dia ele disse pra mim que ele ia se perpetuar. Tanto que, quan-
do chegou a notcia que ele tinha falecido, eu estava achando que
era mentira de quem chegou dizendo. Mas, na realidade foi verdade.
Depois eu fui juntar os pingos nos i. Ele me disse na realidade que
estava fazendo a viagem, mas [...]. Mas, eu no peguei direitinho. [...]
Eu perguntei a ele antes (do dia da concentrao) qual era o estado de
sade dele. Ele disse: Estou bem compadre.
Est bem mesmo padrinho?
385
Estou.
Mas, t bem mesmo padrinho?
Eu insisti um pouquinho. Ele disse:
compadre, s esse frio que est me acatruzando um pouco. Mas a
minha cura est em minhas mos. A minha me me disse que botou
em minhas mos. A hora que eu quiser fazer a minha passagem eu
fao. No vai demorar muito no.
Mas eu no fazia idia que seriam oito dias depois, ou melhor, sete.
Ns fizemos o trabalho em uma quarta e ele foi, na tera, ento, deu
12
sete. (Joo Rodrigues)
386
Joo Rodrigues (Nica) esteve tambm com Mestre Irineu nessa se-
gunda-feira, por volta das 19h30min, para lhe entregar a documentao
do centro, devidamente registrada no livro de pessoas jurdicas do Frum
da Comarca de Rio Branco. Foi seu ltimo encontro com o velho lder
ainda em vida. Todos estavam preocupados e muito aflitos com a sade de
Mestre Irineu e uma Comisso de Cura havia programado realizar, na
quarta-feira dia 7 de julho de 1971, a terceira sesso de um trabalho que
estava sendo realizado em seu benefcio. Assim, ainda no dia cinco, seu
filho de criao, Paulo Serra, passou em sua casa, depois que Joo Rodri-
gues tinha sado, para ver se ele precisava de alguma coisa. Mestre Irineu
o tranquilizou como se nada estivesse para acontecer. Paulo Serra conta
sobre suas ltimas horas com seu pai de criao:
Na tera-feira dia seis, antes das nove horas da manh, tudo parecia
estar tranquilo. De repente, Otlia (esposa de Daniel Serra, sobrinho do
Mestre) e Maria Zacarias ouviram um barulho no quarto de Mestre Iri-
neu. Era ele que agonizava e passava por uma crise de mico. Fala-se que
387
D. Peregrina levantara e estava fora do quarto. Chico Martins (antigo
seguidor de Mestre Irineu casado com a viva de Antnio Gomes, Maria
Gomes) estava por perto e correu para acudir. Existem duas verses para
esse momento: numa se diz que Paulo Serra foi chamado por Maria Za-
carias e, de imediato, foi socorrer seu pai de criao. Nessa verso, fala-se
ainda que ele, sentindo que Mestre Irineu ia fazer a passagem, botou-lhe
uma vela na mo, segundo o costume local. Segundo relata:
Saiu o Nica, tio Lencio foi pra l, outro pessoal foi tudo pra longe de
casa. Tio Lencio me adulou pra eu ir buscar borracha. Eu no quis
ir, eu tava montando o motor do meu jipe. Quando Maria Zacarias
chegou, Z Paiva disse: Quem t dentro de casa, v tomando banho
na cacimba l em baixo.
A, a Maria Lourdinha chegou e disse: Compadre, o Padrinho, o pa-
drinho compadre, o padrinho.
Eu tava s com uma bermuda, s fiz pegar a camisa, botar no ombro.
Quando acabei de vestir a camisa, tava l dentro do quarto dele. Ele
levantou-se da rede foi pra cama, da cama veio pra rede, no deu
certo, foi pra cama. Quando ele veio pra rede aqui assim, ancorei ele
no ombro, aqui eu j senti peso. Levei para a rede. Ele passou perto
de mim, a, eu olhei no olho dele, j vi diferente. Olhei pro armrio
tinha uma vela assim, botei na mo dele. Chico Martim chegou, e o
14
segurou, a, ele deu o ltimo suspiro [...]. (Paulo Serra)
Os relatos em que nos baseamos para escrever este livro muitas vezes
se revelam incongruentes. Isso se deve, em grande parte, natureza fluida
de recordaes evocadas longo tempo aps os eventos lembrados e que
no podem deixar de se contaminar pelos significados que lhes so atri-
budos posteriormente. Passado tanto tempo, a ns, atualmente, somente
nos cabe registrar as diferentes verses. Assim, diversas pessoas dizem ter
estado presentes nos momentos finais de Mestre Irineu, enquanto outros
contestam suas afirmativas. Existem, por exemplo, outras verses desse epi-
sdio, segundo as quais Paulo Serra no teria estado presente e Mestre
Irineu estaria deitado numa rede quando sofreu a crise urinria seguida
por um infarto. Fala-se que, nesse instante, Mestre Irineu se levantou da
388
rede, ficou em p e logo depois desfaleceu nos braos de Chico Martins,
que o colocou novamente na rede, j sem vida. Comenta-se que ele estava
suando muito, com um largo sorriso e lgrimas lhe caindo no rosto. Nesse
momento, deram-se conta de que Mestre Irineu j no estava mais vivo
(comunicao pessoal de Otlia, esposa de Daniel Serra, que estaria presen-
te na hora). Eram nove horas da manh de tera-feira do dia 6 de julho de
1971. Nesta verso, diz-se que logo depois do seu falecimento Maria Zaca-
rias, chamou Paulo para comunicar-lhe a morte de seu pai. De toda forma,
o relato de Paulo Serra continua, narrando os momentos que se seguiram
ao falecimento de Mestre Irineu.
[...] A, eu fui atrs de tio Lencio, e fui atrs do senhor Jos das Ne-
ves (pai biolgico de Paulo Serra). Fui avisar. Antes de ir atrs de Jos
das Neves, fui ao Palcio avisar ao Dantinha (Wanderley Dantas) que
era o Governador. No queriam deixar eu entrar, que eu estava de
bermuda. A, eu empurrei um pro lado, outro pra outro. O soldado
pegou o meu brao, eu puxei ele pra frente, no sei aonde eu arranjei
fora. Foi quando eu dei a frente do Dantinha. A, ele disse: Deixa o
homem entrar, o homem esta em estado de desespero. O que que
est acontecendo meu filho?
Eu disse: Sua Excelncia, eu vim avisar que Raimundo Irineu Serra
faleceu.
Ele disse assim: J pegaram o caixo dele para ele.
Eu disse: No senhor, foi agorinha, agora, agora, t com questo de uns
dez minutos. Quero que o senhor ponha o anncio na rdio, veja o
que o senhor puder fazer.
Ele disse: Vou levar o caixo.
Eu disse: Ento leve que eu vou atrs de senhor Lencio.
Fui atrs do tio Lencio no quilmetro quarenta, da estrada de Por-
to do Acre. Trouxe ele e o deixei aqui. E fui atrs de Z das Neves.
Tudo bem, a, eu fiquei pensando na minha vida. Se eu soubesse que
era assim, no tinha vindo pra c, mas tava escrito, n? Eu no sabia
15
disso. (Paulo Serra)
389
Jair Facundes, filho de Joo Rodrigues Facundes (Nica) manifesta
suas dvidas sobre esse relato. Em suas palavras:
390
Mas eu no queria acreditar. Desistimos de fazer as compras e passamos
em frente ao mercado. L estava o maior burburinho, gente se mo-
vimentando, arrumando um carro para ir at a colnia. Pegamos um
carro tambm. Parecia uma procisso. A notcia tinha se espalhado. Mas
eu no acreditava, Ser que verdade? Passei em casa rapidamente e
fomos para l. S acreditei quando cheguei. Ele ainda estava na cama.
O suor derramando como se estivesse trabalhando muito [...]. (SILVA,
1992, p. 9-10)
391
eram visveis por todo lado, principalmente durante a execuo do hinrio.
Diz-se que os semblantes dos seguidores pareciam flutuar no vazio, atingi-
dos por um acontecimento inesperado. (CARIOCA, 1998, p. 42)
Figura 84 Foto do velrio de Mestre Irineu. Esta ocorreu entre o final da tarde de
tera-feira, dia 6 de julho, e o final da manh de 7 de julho de 1971.
392
em que se executou o hinrio O Cruzeiro e se ouviu os discursos profe-
ridos por autoridades e oradores do centro, foram tomadas as primeiras
providncias para organizar o cortejo que levaria o caixo de Mestre Iri-
neu ao local do jazigo que ele havia escolhido. Somente ento, no meio
da manh de quarta-feira, os homens que estavam perfilados ao caixo
puderam deixar suas posies para seguir o cortejo fnebre. Assim, tanto
o velrio quanto o enterro tiveram dimenses formais que lhe empresta-
vam um ar de solenidade oficial. As pompas do velrio de Mestre Irineu
se assemelhavam s de sepultamento de oficiais militares ou autoridades
polticas. A cerimnia tambm se diferenciava daqueles de antigos se-
guidores seus j falecidos, uma vez que estes haviam sido velados sem os
presentes estarem fardados.
Figura 85 Foto do velrio de Mestre Irineu na quarta-feira pela manh do dia 7 de julho de 1971.
Nota-se no agrupamento feminino a presena de fardadas do Estado Maior. Estas usam uma
faixa em forma de Y nas costas. Este adereo, junto com uma maior quantidade de fitas
pregueadas no ombro, foi o nico indicador de patente diferenciada nas fardas do
Daime que perdurou at o dia de hoje no Alto Santo.
393
Comenta-se que Mestre Irineu, desde a poca em que estava casado
com D. Raimunda, j falava abertamente sobre o local onde queria ser en-
terrado. Havia escolhido um terreno para seu jazigo, 200 metros frente
de sua casa, ao lado da residncia de Lencio Gomes. Mesmo assim, o local
teve que ser preparado s pressas, enquanto ocorria o seu velrio, segundo
o relato de Paulo Serra:
18
Paulo Serra pediu ao Governador Wanderley Dantas a autorizao
para enterrar seu pai no local escolhido por ele. Fala-se que o Governador
j estava ciente da solicitao e logo autorizou a realizao do enterro na-
quele terreno. O Governador enviou tambm a banda da Polcia Militar,
fazer as honras e tocar no cortejo de seu amigo, na manh da quarta-feira
do dia 7 de julho de 1971.
394
Figura 86
A despedida do
Mestre. A menina na
foto Maria, filha de
Daniel Serra.
395
Figura 87
Sada do Cortejo
da Sede do
Centro de Mestre
Irineu.
396
Assim, seu caixo era enorme e pesado. Sabe-se que seu sobrinho Daniel
Serra segurou a ala da esquife do comeo ao fim do trajeto, mas isso no
foi possvel para Lencio Gomes, cujo fsico no era adequado para supor-
tar por muito tempo todo esse peso. Calcula-se que, ao todo, cerca de 300
pessoas, entre amigos, conhecidos e seguidores, acompanharam o corpo de
Mestre Irineu no cortejo fnebre.
Figura 88 Foto do cortejo fnebre de Mestre Irineu. Da esquerda para a direita esto a seguintes
pessoas: Joo Pedro, Lencio (logo atrs ostentando no peito a estrela de cinco pontas), (?),
Daniel Serra (sobrinho de Mestre Irineu), Zequinha (sobrinho de Mestre Irineu), Joo (homem
negro ao lado direito por trs da primeira fila - filho de uma sobrinha de Mestre Irineu),
Francisco Granjeiro, (?), (?), Joo Nunes (Joo do Rio Branco), Sebastio Jaccoud.
397
Figura 89 Cortejo passando ao lado do aude no incio da subida da ladeira.
398
Figuras 90A e 90B Fotos da ltima abertura do caixo no terreno
escolhido por Mestre Irineu antes de p-lo no jazigo.
399
srie de segmentaes. Uma das maneiras em que a competio se manifes-
tava era atravs de diferentes interpretaes que passaram a ser apresentadas
sobre quais teriam sido as verdadeiras vontades e intenes de Mestre Irineu.
Assim, nesse momento, instaurou-se uma discusso sobre como ele queria
ser sepultado. Alguns lembravam a letra de seu ltimo hino, onde ele falava
em terra fria, apontavam tambm que havia dito a seus discpulos que seu
remdio tinha em todo lugar, era a terra, alegando que isso estaria em con-
tradio com a forma de sepultamento escolhida. Criticavam o fato de que,
ao invs de ser colocado sob a terra, seu corpo havia sido depositado acima
do cho, em um jazigo, construdo s pressas, em forma de gaveta.
Figura 91
Foto da gaveta
do jazigo onde o
corpo de Mestre
Irineu foi depositado.
Na foto o
Pedreiro conhecido
como Guajar,
que era fardado da
doutrina, ainda est
sujo de cimento.
Figura 92
Local onde se
realizaria o enterro
de Mestre Irineu.
O jazigo fica na
palhoa ao fundo.
400
Como temos ressaltado, nos relatos da vida de Mestre Irineu, so fre-
quentes os dados contraditrios ou discrepantes. Assim, na certido de
bito consta que Mestre Irineu morreu de infarto do miocrdio, diag-
nosticado pelo mdico Dr. Jos Cerqueira. Nela tambm esto seu nome
completo, sua residncia, o dia do bito e sua causa, assim como outros
dados pessoais, como cor, profisso, idade, estado civil, filiao, naturalida-
de e lugar de sepultamento. Apesar de serem registrados de maneira oficial,
alguns desses dados no podem ser tomados como factuais. Em relao
sua idade, por exemplo, h controvrsia, conforme j se apontou ante-
riormente. Na sua certido de batismo est registrado que ele nasceu no dia
15 de dezembro de 1890 (ver figura 93), mas na sua carteira de identidade
consta que ele nasceu em 15 de dezembro de 1892. Quando perguntado,
Mestre Irineu sempre dizia que nascera em 1892. Embora no se tenha
dados suficientes para resolver a questo de forma definitiva, vale lembrar
que muito comum pessoas pouco alfabetizadas no saberem a data de seu
nascimento com preciso, alm de ser muito frequente o erro de datas nos
registros de nascimento. Contudo, isto geralmente implica em se atribuir
ao indivduo uma data de nascimento posterior verdadeira, geralmente a
do dia do registro. No caso de Mestre Irineu, a data apresentada no batis-
trio expedido em So Vicente Frrer anterior do seu registro de nas-
cimento. Alm disso, normal surgirem enganos em registros civis feitos
muitos anos aps o nascimento da pessoa. Mas, no caso do batistrio de
Mestre Irineu, observa-se que ele se apresenta entre outros registros feitos
em ordem sequencial, o que parece indicar que seu batismo se deu pouco
depois de seu nascimento e que a data inscrita no batistrio seja a mais cor-
reta. Assim o mais provvel que ele tenha nascido em 1890.
Outro problema que se apresenta relacionado ao seu nome. Seguin-
do-se as normas costumeiras, este deveria ser Raimundo Irineu de Mattos,
mas o que consta em seus documentos oficiais Raimundo Irineu Serra.
Como j comentamos, tudo indica que foi ele o responsvel pela troca de
sobrenome, optando pelo materno ao invs do paterno. Seu desejo de se
afastar do nome paterno parece ter se estendido tambm maneira como
falava de sua me, a quem sempre se referiu como Joana da Assuno Ser-
ra, embora na certido de bito dessa senhora conste o nome Joana de
Assuno de Matos. Supe-se que isso seja devido ao desgosto que sentia
401
em relao separao de seus pais, talvez atribuindo ao pai a culpa pela
dissoluo do casal. Nosso raciocnio parece ser confirmado pelo fato de
que sua irm no optou por uma mudana desse tipo, mantendo em sua
carteira de trabalho o sobrenome paterno.
A trajetria subsequente de Mestre Irineu gerou outros dados discre-
pantes, agora no registro de bito. Consta nesse documento que ele foi
sepultado em Rio Branco, no cemitrio So Joo Batista (o mesmo onde
estava sepultada D. Francisca, sua segunda mulher, e seu amigo Manoel
Fontenele de Castro). Mas, como acabamos de apresentar, no h dvida
de que Mestre Irineu esteja sepultado no Alto Santo, num terreno a cerca
de duzentos metros de sua antiga casa.
402
Nossa investigao nos revelou que no existem registros de cemitrios
comunitrios daquela poca na prefeitura de Rio Branco. Na prefeitura nos
explicaram que, para todos os efeitos, os registros de enterros ocorridos em
cemitrios comunitrios da cidade de Rio Branco, eram, na poca, lavrados
como se tivessem acontecido no So Joo Batista, para que o cartrio de
registros de nascimentos e bitos reconhecesse os sepultamentos. Para ca-
sos como o de Mestre Irineu, em que o corpo estava sepultado fora at do
cemitrio comunitrio, era mais difcil ainda se conseguir tal registro. Enten-
demos assim que o fato de ele ter sido sepultado no terreno de sua escolha
devia-se mais a um arranjo de seu amigo, o Governador, do que um ato de
sepultamento legitimamente legalizado no Acre. Vale a pena dizer que, no
antigo Territrio Federal do Acre, no se tinha muito controle de registros
de cidados. Atualmente, o cartrio j reconhece o cemitrio comunitrio do
Palmeiral, no Alto Santo, assim como reconhece outros cemitrios comuni-
trios de Rio Branco. Portanto, a partir do ano de 2000, todos os mortos
da comunidade que so sepultados no Cemitrio Palmeiral tem seus bitos
legitimamente reconhecidos em cartrio, mesmo continuando a inexistir um
registro formal do Cemitrio Palmeiral na Prefeitura de Rio Branco.
A nova fase da comunidade do Daime, iniciada com o falecimento
de Mestre Irineu, continuou a ser marcada por fortes rivalidades e compe-
tio pelo comando do centro. Estas j haviam afligido o prprio Mestre
Irineu, levando-o a recorrer a diversas estratgias para neutraliz-las, ainda
em vida. Agora, na sua ausncia, s restava aos seus seguidores a recordao
de sua liderana e de seus ensinamentos (ver Anexo O - Calendrio Ritual).
O estatuto estava oficializado e Lencio fora indicado para a Presidncia,
mas, para muitos, ele no era o Mestre. Ele no detinha o poder e ins-
piraes que o Mestre recebia da Rainha da Floresta e nem mesmo seu
carisma inovador. Lencio tinha sido designado por Mestre Irineu para ser
o zelador de sua Doutrina, mas fora tambm advertido de que no deveria
querer ser chefe, pois o chefe ainda seria o Mestre no Astral. Daquele
momento em diante, Lencio tinha que gerir uma complexa rede social e
procurar reconciliar as interpretaes das vrias correntes de poder, forma-
das por diferentes grupos e famlias das vrias extenses agregadas sede
central. Mas, para tanto, ele no contava com o prestgio do Mestre e era
apenas visto como seu seguidor. Comeava ento, um novo perodo na
403
comunidade, em que o carisma tinha que ser transferido do Mestre Irineu,
atravs do uso da bebida sacramental, para ser depositado na comunidade
e nas suas novas lideranas.
Os anos que seguiram viram o acirramento das tenses comunitrias
que, em alguns casos, acabaram se tornando irreprimveis, dando lugar a
dissidncias do grupo original e resultando at no surgimento de profundas
animosidades pessoais entre antigos integrantes do Daime. Atualmente,
em certos momentos, ainda se podem perceber tenses entre as diferentes
faces que se instauraram, mas a crescente legitimidade e o prestgio ofi-
cial que vem sendo alcanado pela religio deixada por Mestre Irineu tm
contribudo para a amenizao de muitas das desavenas.
Porm, acima de tudo, deve prevalecer a lembrana dos seus ensina-
mentos e a f em sua continuada presena nos rituais do Daime, conforme
colocado no hino 111 d O Cruzeiro:
Estou aqui
Eu no estando como
Eu penso na verdade
Me vem tudo que eu quiser
A minha me me trouxe
Ela deseja me levar
Todos ns temos certeza
Deste mundo se ausentar.
Eu vou contente
Com e esperana de voltar
Nem que seja em pensamento
Tudo eu hei de me lembrar.
404
Aqui findei
Fao a minha narrao
Para sempre se lembrarem
Do velho Juramid.
Notas
1 Entrevista com Pedro Matos, vivo de Perclia Ribeiro, em maro de 2007.
2 Suposta capacidade de falar lnguas desconhecidas quando em transe religioso, como
no milagre do Dia de Pentecostes.
3 A antroploga Arneide Cemin apresenta uma verso ligeiramente diferente desse texto
em Cemin (1998, p. 40).
4 Entrevista de Joo Rodrigues dada a Jair Facundes em 2005.
5 Entrevista com Joo Rodrigues dada a Jair Facundes em 2005.
6 Entrevista com Joo Rodrigues em maro de 2007.
7 Entrevista de Valcrio Granjeiro, filho de Francisco Granjeiro, em fevereiro de 2007.
8 Entrevista com Joo Nunes, Joo do Rio Branco, em fevereiro de 2007.
9 Entrevista de Paulo Serra dada a Jair Facundes em 2004.
10 Tal ideia reflete tambm as divergncias e desconfianas existentes na poca entre os
membros do Daime em relao Igreja Catlica, e pode ter sido originalmente vista
de forma irnica, tendo adquirido significado portentoso a posteriori.
11 Valcrio Gensio da Silva (filho legtimo de Mestre Irineu com Emlia Rosa Amorim)
veio para Rio Branco em 1970 atravs de Luiza, sua filha, para conhecer o pai. Fala-
-se que ele de imediato entrou para o Daime e tornou-se seguidor de Mestre Irineu.
Segundo Valcrio, em sua entrevista para Revista do Centenrio: Apresentei-me a meu
pai por intermdio de meus filhos. Tinha uma filha que estava fazendo um curso junto
com a Perclia, e l elas se deram muito. Falaram do padrinho Mestre Irineu Serra, e
minha filha interessou-se por vir at aqui, no Alto Santo. Por intermdio dessa minha
filha, ele mandou fotos, jornais, entre outras correspondncias. Assim pude fazer um
pensamento de ir at a casa dele. Isso foi no dia 15 de agosto de 1970. Ao visit-lo
pela primeira vez, eu tinha 53 anos. Eu no conhecia nem o caminho. Fui indagando
a um e a outro, fui chegando, perguntando por ele. Ele estava repousando, me man-
daram sentar. Eu no soube nem fazer o meu improviso a ele, que me abraou com
muita dedicao e carinho. Fiquei muito satisfeito! Depois, de repente, num momento
de descuido, ele me pegou e perguntou: Voc no tem vontade de morar perto do
velho? Eu disse: Tenho. (GENSIO, 1992, p. 22)
12 Entrevista de Joo Rodrigues dada a Jair Facundes em 2004.
13 Entrevista com Paulo Serra em julho de 2006.
14 Entrevista de Paulo Serra dada a Jair Facundes em 2004.
15 Entrevista de Paulo Serra dada a Jair Facundes em 2004.
16 Comunicao pessoal dada a Edward MacRae, por e-mail, 2009.
405
17 Entrevista de Paulo Serra dada a Jair Facundes em 2005.
18 Governador de Rio Branco no perodo de 15 de maro de 1971 a 15 de maro de
1975.
19 Arneide Cemin (1998, p. 38) chama ateno para os esforos dos daimistas em legiti-
mar-se, procurando colocar-se em consonncia com a ideologia do Estado brasileiro.
Assim muitos elementos cvicos irrompem na religio daimista, tais como a bandeira do
Brasil e o lema Ordem e Progresso.
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416
Apndices
Apndice A
Famlia Materna de Raimundo Irineu Serra
419
Apndice B
Descendncia de Joana dAssuno Serra
420
Apndice C
Casamentos de Raimundo Irineu Serra
421
Apndice D
Famlia Paterna de Raimundo Irineu Serra
422
Apndice E
Famlia Costa
423
Apndice F
Famlia de Antonio Gomes
424
Apndice G
Descendncia de Antonio Gomes e Maria de Nazar
425
Apndice H
Descendncia de Antonio Gomes e Maria Gomes
426
Apndice I
Famlia de Maria Francisca Vieira (Maria Damio)
427
Apndice J
Famlia de Perclia Ribeiro
428
Apndice K
Descendncia de Maria Marques Feitosa (Maria Franco)
429
Apndice L
Famlia Granjeiro
430
Apndice M
Famlia de Jlio e Lourdes Carioca
431
Apndice N
Disposio do Ritual do Bailado
432
Apndice O
Hinos
433
032 Cantei Hoje Marcha
033 Papai Velho Marcha Fogos e Vivas
034 Estrela Brilhante Marcha
035 Santa Estrela Marcha
036 Amigo Velho Marcha
037 Marizia Marcha
038 Flor de Jagube Marcha
039 Centro Livre Marcha
040 Eu Canto nas Alturas Marcha
041 Estrela Dgua Valsa Fogos e Vivas
042 A Terra Aonde Estou Marcha
043 O Prensor Marcha
044 A Virgem Me Quem Me Ensinou Valsa
045 Eu Estava em P Firmado Marcha Fogos e Vivas
046 Eu Balano Marcha
047 Sete Estrelas Marcha
048 A Rainha da Floresta Marcha
049 A Minha Me Me de Todos Marcha
050 Salomo Marcha Fogos e Vivas
051 Eu Devo Amar Marcha
052 A Febre do Amor Marcha
053 Virgem Me Divina Marcha
054 Pedi Fora a Peu Pai Marcha
055 Disciplina Marcha
056 Santa Estrela Que Me Guia Marcha Fogos e Vivas
057 Eu Convido Os Meus Irmos Marcha
058 Todo Mundo Quer Ser Filho Marcha
059 Divino Pai Eterno
060 Laranjeira Valsa e Meia Valsa
061 A Rainha da Floresta Marcha
062 Quem Quiser Seguir Comigo Marcha
063 Princesa Soloina Marcha
064 Eu Peo a Jesus Cristo Marcha
065 Eu Vou Cantar Marcha
066 So Joo Marcha Fogos e Vivas
067 Olhei Para o Firmamento Marcha
068 Chamei L Nas Alturas Marcha Vivas
069 Passarinho Marcha
070 Firmeza Marcha
071 Chamo o Tempo Marcha
434
072 Silencioso Marcha
073 Eu Vi a Virgem Me Marcha
074 S eu Cantei na Barra Marcha
075 As Estrelas Marcha
076 A Virgem Me Soberana Marcha
077 Chamo e Sei Marcha
078 Nas Virtudes Marcha
079 Jardineiro Marcha Vivas
080 Chamo a Fora Marcha
081 Professor Marcha
082 Campineiro Marcha
083 O Divino Pai Eterno Marcha
084 Ia Guiado Pela Lua Marcha Fogos e Vivas
085 Vou Seguindo Marcha
086 Eu Vim da Minha Armada Marcha
087 Deus Divino Deus Marcha
088 Chamo Estrela Marcha
089 Eu Canto, Eu Digo Marcha
090 No Jardim, Mimosa Flor Marcha
091 Choro Muito Valsa
092 Sou Humilde Marcha
093 O Cruzeiro Marcha
094 Perguntei a Todo Mundo Marcha
095 Mensageiro Marcha Fogos e Vivas
096 As Campinas Marcha
097 Centenrio Marcha
097 Sou Filho Desta Verdade Marcha
099 Sei Aonde Est Meu Pai Marcha
100 Eu Sou Filho da Terra Marcha
101 No Brilho da Lua Branca Marcha
102 Sou Filho Desta Verdade Marcha
103 Todos Querem Marcha
104 Sexta-Feira Santa Marcha
105 Sou Filho Deste Poder Marcha Vivas
106 Fortaleza Marcha
107 Chamei L Nas Alturas Marcha
108 Linha do Tucum Marcha e Marcha Vivas
Valseada
109 Tudo, Tudo Marcha
110 De Longe Valsa
435
111 Estou Aqui Marcha e Marcha
Valseada
112 Meu Pai Marcha
113 Sigo Nesta Verdade Marcha
114 Encostado a Minha Me Marcha
115 Batalha Marcha
116 Sou Filho do Poder Marcha
117 Dou Viva a Deus Nas Alturas Valsa Fogos e Vivas
118 Todos Querem Ser Irmo Marcha
119 Confia Marcha
120 Eu Peo Marcha
121 Esta Fora Valsa
122 Quem Procurar Esta Casa Marcha
123 Eu Andei na Casa Santa Valsa
124 Eu Tomo Esta Bebida Marcha Vivas
125 Aqui Estou Dizendo Marcha
126 Flor Das guas Marcha
127 Eu Pedi Marcha
128 Eu Cheguei Nesta Casa Marcha Vivas
129 Pisei Na Terra Fria Cantado em Reis e na
Santa Missa nunca
Bailado
436
Apndice P
A Histria da Cruz Caravaca
A Igreja Catlica afirma que a origem desta cruz milagrosa. O seu apare-
cimento teria ocorrido na Espanha, no sc. XIII. A histria da cruz de Caravaca
origina-se a partir de um fato lendrio ou mtico, que a Igreja afirma como
verdico e milagroso. No ano de 1231, reinava o rei Cyd Abu Zeyd (Periodo
de dominao islmica na Espanha) na regio da Murcia (Cartagena, Caravaca,
Cuenca e Valncia). Em Caravaca (nome da cidade originrio de um perodo
pr romano, de natureza tnica hispano-romano), na fortaleza maior, Cyd Abu
Zeyd mantinha prisioneiros um grupo de cristos, suspeitos de tramarem contra
os rabes. Entre o grupo, de aproximadamente quinze pessoas, encontrava-se,
incgnito, um sacerdote de nome Gines Perez Chirinos, que ministrava aos seus
companheiros o conforto da religio. Essas prticas foram descobertas pelos
guardas e o fato chegou aos ouvidos de Cyd Abu Zeyd que, interessado, man-
dou vir sua presena o religioso prisioneiro, para conhecer as suas atividades e
descobrir se estava sendo arquitetada a insurreio. Vrias foram s audincias
mantidas com Cyd Abu Zeyd, que ficou impressionado com o religioso, a pon-
to dele se interessar pela atividade do sacerdote e o que significava a celebra-
o da Santa Missa. Chirinos viu a oportunidade, no exatamente de melhorar
a sua situao de prisioneiro, mas a de preparar a alma do Rei para uma utpica
converso ao Cristianismo. Certo dia Cyd Abu Zeyd, mais tolerante, pediu a
Chirinos que lhe explicasse o mistrio da Eucaristia. Chirinos disse de que no
poderia fazer o desejo do Rei, porque no dispunha dos elementos necessrios
para celebrar o ato sagrado. Cyd Abu Zeyd, julgando que Chirinos no desejava
satisfazer a sua curiosidade, irritou-se, com Chirinos e recomendou aos guardas
severidade no tratamento dos prisioneiros. Com o passar dos dias, a curiosidade
e talvez o toque espiritual divino, passaram a preocupar o Rei a ponto dele per-
der a tranqilidade. Mandou trazer, novamente, sua presena Chirinos, que
se apresentou em lastimvel estado de penria e sofrimento. Cyd Abu Zeyd,
com palavras suaves, tornou a pedir ao sacerdote que celebrasse a Missa e que
fizesse uma relao de tudo quanto necessitaria para o ato. Comovido, Chirinos
foi enumerando todos os objetos necessrios e pediu um local apropriado; foi
escolhido um recanto da fortaleza, prximo torre, que foi limpo, ordenado
e preparado para a instalao de um altar. Ao chegarem s mos de Chirinos,
verificou-se que os artefatos haviam sido retirados dos altares das igrejas, re-
sultado (no seu entendimento) de uma profanao. Assim, Chirinos negou-se
a realizar a cerimnia, pois, o que havia sido profanado, no poderia servir ao
437
sacrifcio. Cyd Abu Zeyd ento exigiu de Chirinos o prosseguimento dos
preparativos, sob pena de serem os seus companheiros de crcere tortura-
dos at a morte. Assim no dia 3 de maio de 1932 (dia que celebrado o
aparecimento da cruz em Caravaca), sem alternativa Chirinos prosseguiu.
Chirinos havia montado o altar, preparado o vinho e o po e treinado dois
companheiros de priso para servirem como aclitos, todos devidamente
trajados de conformidade com os costumes da Igreja; o sacerdote estava
comovido. O Rei mandou chamar os seus amigos e familiares e se disps
com grande ateno e emoo a presenciar o ato mximo de uma Magia
Crist. Foi naquele preciso momento de expectativa que Chirinos se deu
conta de que havia se esquecido de pedir o elemento principal: uma Cruz!
Notando o nervosismo de Chirinos, e vendo lgrimas em seus olhos, Cyd
Abu Zeyd indagou o que estava acontecendo. Quis saber o que significava
a Cruz e por que era imprescindvel a presena daquele smbolo. O local
onde se encontravam era iluminado pela luz solar que penetrava atravs
de uma abertura sobre o Altar. Chirinos vendo frustrado seu trabalho e
temendo ser castigado como ameaara o Rei, com palavras confusas e bal-
buciantes tentou descrever a Cruz. Cyd Abu Zeyd, com o olhar posto na
abertura sobre o Altar, apontou com as mos para ela e com voz embargada
pela emoo: isso a, a Cruz ?, Chirinos acompanhou o gesto de Cyd
Abu Zeyd e viu assomarem pela janela dois anjos luminosos, trazendo em
suas mos uma Cruz! A Cruz, que tinha um formato curioso, uma compo-
sio da Cruz Latina com Tau, (uma cruz com dois braos) revestida de pe-
draria, toda de ouro, foi colocada pelos anjos, no seu devido lugar, sobre o
Altar. Um dos Anjos disse que a Cruz era parte da Cruz do Calvrio. Todos
tinham os seus olhares fixos na Cruz e no perceberam como os Anjos de-
sapareceram. O silncio era comovente. Chirinos, como possudo por uma
fora estranha, comeou a celebrar. Cyd Abu Zyed, seus familiares e todos
os presentes, converteram-se naquele momento ao Cristianismo (ESPI-
NOZA, A. Marim. Memrias Para La Histoia de La Ciudad de Carava-
ca, Caravaca, 1856, p. 26; MARTINEZ, Q. Bas Y. Historia de Caravaca
y Su Stma. Cruz, Caravaca, 1885). Todos os prisioneiros foram liberta-
dos e aquela fortaleza foi transformada em Igreja (mais tarde transformada
na torre dos templrios). Fala-se que a cruz de Jesus e dos ladres foram
encontradas por Helena (Santa Helena) que retirou dos madeiros cinco
438
pedaos. Helena deixou os cincos pedaos de madeira em um dos cmodos do
palcio de Jerusalm, quando retornou ao cmodo, encontrou os pedaos em
forma de uma cruz de dois braos. Helena deu a cruz para o Bispo de Jerusalm.
O Bispo colocou a relquia em uma capela da Baslica do Santo Sepulcro.
A cruz desapareceu e apareceu vrias vezes, misteriosamente, no tempo das
cruzadas. Roberto Patriarca de Jerusalm encontrou-a, e fez dela um amuleto
para carregar no peito. Em 1229, Frederico II, imperador da Alemanha, em
acordo com os mulumanos, invadiu a Palestina e se apoderou de Jerusalm.
Foi quando Roberto, na solenidade de posse do Imperador Frederico, teve a
sua cruz arrebatada do peito por dois anjos. Os anjos desapareceram com a cruz.
Esta s voltou aparecer em 3 de maio de 1232 em Caravaca. Depois de muitos
sculos, curiosamente, no dia 14 de Fevereiro de 1934, a Cruz desapareceu. Fa-
la-se que foi a equipe de Hitler que a pegou, atrs de relquias esotricas (ocul-
tistas). Outro fato interessante que uma cpia foi trazida para o Brasil pelos
primeiros colonizadores, na esquadra de Martin Afonso de Souza, que a usava
junto ao corao. Vale lembrar que a expedio de Martin Afonso de Souza, foi
uma das primeiras esquadras de Portugal que vieram comear a colonizao do
Brasil. Souza fundou a nossa primeira vila (So Vicente), montou o primeiro
engenho e trouxe as primeiras reses; apenas a sua capitania e mais outra, deram
certo, todas as demais fracassaram. Podemos assim dizer que esta Cruz se liga a
prpria origem de nosso pas, e dos pases sul-americanos que a tiveram tambm
como smbolo de vrios colonizadores.
439
Anexos
Anexo A
Certido de bito
443
Anexo B
Hinos do Mestre Irineu
(segundo Perclia Ribeiro)
28 - EU QUERO CANTAR IR
(Mestre Irineu)
Eu quero cantar ir
Que me ensina eu seguir
Sou eu, sou eu, sou eu
Sou eu, sou eu, sou eu
A Virgem Me me deu
O lugar de professor
Para ensinar as criaturas
Conhecer e ter amor
444
30 - DEVO AMAR AQUELA LUZ
(Mestre Irineu)
38 - FLOR DO JAGUBE
(Mestre Irineu)
Eu venho da Floresta
Com meu cantar de amor
Eu canto com alegria
A minha Me que me mandou
445
A minha Me que me mandou
Trazer santas doutrinas
Meus irmos todos que vem
Todos trazem este ensino
A escurido to terrvel
Que ningum pode enxergar
Vs me d a santa luz
Para eu poder navegar
446
A Virgem Me soberana
Ela Rainha do mar
Quando v ns na aflio
Ela vem nos consolar
Consolai Me Divina
Jesus Cristo Redentor
quem pode nos livrar
Neste mundo pecador.
61 - A RAINHA DA FLORESTA
(Mestre Irineu)
A Rainha da Floresta
Vs venha receber
Estes cnticos aqui na mata
Que eu venho oferecer
447
65 - EU VOU CANTAR
(Mestre Irineu)
Eu agora recebi
Este prmio de valor
De So Jos, da Virgem Me
De Jesus Cristo Redentor
Eu tenho f de vencer
E ganhar com os meus ensinos
Porque Deus soberano
E ele quem nos determina.
448
79 - JARDINEIRO
(Mestre Irineu)
449
106 - FORTALEZA
(Mestre Irineu)
450
A minha Me que me ensina
Que me entrega este poder
Tomo conta e dou conta
E eu no posso me esquecer
A Virgem Me soberana
Foi Ela quem me ensinou
Ela me mandou pra c
Para ser um professor
451
Vamos seguir, vamos seguir
Vamos seguir vamos embora
Que ns somos filhos eternos
Filhos de Nossa Senhora.
452
Anexo C
Hinos de Antnio Gomes
(segundo Adalia Granjeiro)
453
11 - A VIRGEM ME PURSSIMA
(Antnio Gomes)
A Virgem Me Purssima
Mandou o Mestre aqui
E ele veio para nos ensinar
Com amor e com alegria
Todos ns devemos acompanhar
454
14 - JESUS CRISTO REDENTOR
(Antnio Gomes)
455
17 - A RAINHA AO NOSSO MESTRE
(Antnio Gomes)
456
23 - ESSE MESTRE QUE EST AQUI
(Antnio Gomes)
457
Ns devemos reparar
O filho da Virgem pura
Que ele sofreu por ns
Muitos golpes de amargura
458
Ele veio ser a baliza
Deste mundo de iluso
Com o poder do Pai Eterno
Ele traz na palma da mo
Manda ns se corrigir
E ter toda conscincia
Para ver o que ns precisa
Para a nossa existncia
459
Anexo D
Hinos da Missa
01 - SENHOR AMADO
(Germano Guilherme)
Senhora Me Santssima.
Eu vim me apresentar.
Atender Vosso chamado,
Que Vs me, que Vs me mandou chamar.
460
Confessa os teus crimes
Do mundo de iluso.
Que para ver se eu posso,
Para ver se eu posso,
Para ver se eu posso dar o perdo.
02 - DOIS DE NOVEMBRO
(Mestre Irineu)
461
Tu pedes aos teus amigos,
Pelo nome de Jesus,
Que te rezem umas preces,
L no p da santa cruz.
462
Tantos anos que vivestes,
No mundo da iluso.
Eu rogo a Deus do cu,
Que te d o santo perdo.
04 - ME CELESTIAL
(Mestre Irineu)
463
05 - EQUIR PAPAI ME CHAMA
(Mestre Irineu)
464
Meu irmo que se mudou,
Saiu com alegria.
Eu rogo a Deus por ele
E Sempre Virgem Maria.
07 - SENHORA ME SANTSSIMA
(Germano Guilherme)
Senhora Me Santssima,
O Vosso Filho Ela mandou.
Esta na frente da estrada,
Para quem lhe acompanhar.
465
Todos filhos l chegar
E Ela todos receber.
Para dar a Santa Gloria,
Aqueles que merecer.
466
Oh! Meu Pai Eterno do Cu,
Jesus Cristo Salvador.
Nasceu de Maria Virgem,
Sofreu por Vosso Amor.
09 - DESPEDIDA
(Joaquim Portugus)
467
10 - PISEI NA TERRA FRIA
(Mestre Irineu)
468
Anexo E
Hino n 38 de Antonio Gomes
38 - A MINHA ME ME MANDOU
(Antnio Gomes - segundo Adlia Granjeiro)
A minha Me me mandou
Eu vim me apresentar
Para contar os meus crimes
A meu Prncipe Imperial
469
minha Virgem Me
Me do meu corao
Vs perdoe os meus crimes
Virgem da Conceio
Vs tenha d de mim
Neste mundo deserdado
Vs perdoe os meus crimes
Deste seu irmo errado
470
Assim mesmo que eu quero
Que todos venham chegando
Para me dizer a verdade
Sempre aqui estou esperando
Tenho f na Me Divina
Que agora eu tenho que seguir
Com meu Prncipe Imperial
O general que me trouxe aqui
471
Anexo F
Hinos do Cruzeiro
(segundo Perclia Ribeiro)
01 - LUA BRANCA
(Mestre Irineu)
472
Tu sois a flor mais bela
Aonde Deus ps a mo.
Tu sois minha advogada,
Oh! Virgem da Conceio
Estrela do universo
Que me parece um jardim,
Assim como sois brilhante,
Quero que brilhes a mim.
02 - TUPERCI
(Mestre Irineu)
Tuperci no me conheces,
Tu no sabes me apreciar,
Tu no sabes me compreender,
A minha flor cor de Jaci.
473
03 - RIPI
(Mestre Irineu)
04 - FORMOSA
(Mestre Irineu)
Formosa, formosa,
bem formosa.
474
Formosa bem formosa.
Tarumim, tu sois formosa.
Formosa, bem formosa.
Formosa, formosa,
Formosa bem formosa.
05 - REFEIO
(Mestre Irineu)
(antes da refeio)
Papai do cu do corao
Que hoje neste dia
quem d o nosso po
Graas a mame
Mame do cu do corao
Que hoje neste dia
quem d o nosso po
Louvado seja Deus
(aps a refeio)
Papai do cu do corao
Que hoje neste dia
Foi quem deu o nosso po
Graas a mame
Mame do cu do corao
Que hoje neste dia
Foi quem deu o nosso po
Louvado seja Deus
475
Anexo G
Estatuto do Centro de Iluminao
Crist Luz Universal
(segundo transcrio datilorafada em posse de Daniel Serra)
476
o mesmo objetivo a colimar a razo de sua procedncia e a personificao
de seus foros docentes para a instituio no alcance a seus direios na forma
do art. 180 da Constituio vigente e cumprimento s leis e aos princpios
que dela promanam. CAPITULO II - Art. 4 Dos sentimentos e atributos
este assoalhados: (a)o amor (b)a igualdade (c)a justia (d)a harmonia (e)
a verdade, tem entre outros, carter coexistente de par com a dignidade e
disposio moral de cada membro, graas ao que cada comunho com N.
S. Jesus Cristo pelo santo daime lhe ser facultada, bem como os congre-
gantes que tem por ordenana a mesma f sero portanto defendidos na
sua pratica crist, se destacando o lema por; I- Ideais nobres e; II- Deter-
minantes; III- A elevao de esprito e IV- A rejeio de espritos vulner-
veis aos princpios cristos nas Sagradas Escrituras, mediante o que a ao
liberal expressa ao livre arbtrio dos adeptos e estranhos, no alcanar: (a)
os amorfos (b)os ateus (c)os anticristos (d)os marcadamente incrdulos
(e)os energmenos (f)os agnstico. CAPITULO III - Disciplina Crist -
Art. 5 Reservando-se ao direito de abster-se s heresias do anticristo, no
ter entidade: I Ensino ou pratica na forma expressa, em Malaquias 3:5-6;
Isaias 8:19 e semelhantes das Sagradas Escrituras: II Nem encenaes mer-
cenria de estranhos ou adeptos que no proclamarem N. S. o Deus Filho
e trino por desconhecimento ou estagnados do primarismo farisaico, nem
qualquer outra forma escariotista, evitando-se contendas e ameaas que
ofendam s funes ou o carter pessoal e doutrinrio de estranhos opos-
tos, resguardando-se assim. (a)o mandamento hiperblico de amar aos
contrrios por Cristo ensinando em S. Lucas 6:27-35; S. Mateus 5-47 e
Romanos 12:14-21 e (b)a liberdade pessoal de culto expressa no Cdigo
Penal, arts. 147 e 196, incisos I e III e na Constituio vigente 8 e ca-
pitulo IV Das Garantias Individuais. 1 Por outro lado a absteno em
completar tais oponentes. I Porque se algum no traz a doutrina de
Cristo, no se deve receb-lo nem tampouco saud-lo para no comparti-
lhar das suas ms obras (2 S. Joo 1:10-13); II Porque ningum pode
por outro fundamento alem do que j est posto, o qual Jesus Cristo (1
Corntios 3:11); III Porque muitos viro em nome de Cristo e engana-
ro a muitos ( S. Marcos 13:5; S. Mateus 24:5 e S, Lucas 21:8). 2
A inobservncia desta norma comprometer a entidade ante a Constituio
predispondo-a perda das garantias e prerrogativas expressas por lei e
477
internamente implicar em medidas que vo da perda das funes invali-
dade dos direitos dos membros previstos no estatuto. CAPITULO IV -
Caractersticas Eclticas - Art. 6 No vestindo a entidade doutrina com
padronagem sua nem cingida a formalismo, entrando regida por uma
concepo liberal em aspectos, todavia conservando o essencial e a nature-
za das so doutrinas com incurses na magia divina e nas santas Escrituras,
constando de: a)ensino e revelaes propulsores de encontro a solues de
problemas; (b)o alcance a horizontes novos pela abertura dos arcanos as-
trais, desvendando enigmas e mistrios no labirinto do desconhecido, con-
tribuindo para: I- A promoo das criaturas s suas respectivas doutrinas;
II- Ajuda no possvel a estancar a ignorncia religiosa; (a)estoicamente obe-
dientes ao Apocalipse 3:19 e semelhantes em que Cristto disciplina aos que
ama para galardo ou glria com estes nos cus ou: (b)na forma fraterna do
cap. 6 e versculo 2 de Glatas,conforme os pendentes; III- Incentivo
evoluo e aos requisitos a cristos e a cidados, gradativamente; IV- Abs-
teno de elementos doutrinrios no construtivos ao bem da entidade.
CAPITULO V- Apologia Bendita Virgem e SS. Trindade - Art. 7
Ajustada pragmtica do culto, alinha-se a exegese Virgem Santssima e
ao excelso e Trino Ser Supremo, aos quais no licito tornar-se em repdio
ao impulso de falso princpios e ao talante de contradies levianas, emitar-
-se de nossos conceitos. Art. 8 Se considerando ter ela a primazia que
apregoam as multides que a veneram e os mritos a que faz jus a honraria
que lhe tributam todas s geraes (S. Lucas 1:48-49) tropear em erro
no conhecer a mstica divina e macular lhe o quilates com sentido mera-
mente humano, querer ofuscar-lhe as grande coisas (bengnidade, mri-
tos, etc.) que o Salvador lhe salvara posta em privilegio. 1 Por mais no
diz a Bblia os filhos de Maria e nem que ela os teve alm do Verbo, sendo
os irmos de Jesus em sentido mstico e na f sem agnao portanto con-
forme o apstolo Paulo gerou tambm o seu filho Onsimo (epstola Fi-
lmon 1:10) e o mesmo que Jesus Cristo emprega em S. Marcos 10:20-30
com vista aos irmos e filhos para os que o seguirem, bem assim Jesus com
a natureza divina(primeiro plano), jamais admitiu fosse ela sua me carnal
e sim a genitora da humanidade em sentido mstico, tornando-a por me
do apstolo Joo e a este por seu filho como expresso do gnero humano
(S. Joo 21:21-27), cujo simbolismo depois consolidou at a sua volta ao
478
grande juzo (S. Joo 21:21-23), portanto a medianeira entre Cristo a Hu-
manidade e Pai. Art. 9 Avulta que os irmos de Jesus em sentido sang-
neo, mero engano pois os dois irmos Tiago 1 e Joo, so filhos de
Zebedeu e Tiago menor, filho de Alfeu (S. Mateus 10:2-4; S. Lucas 6:14-
16; Atos 1:13 e S. Judas 1:1 e quanto ao esposo da Virgem no t-la infa-
mado (S. Mateus 1:19) por amor fraterno, s a conheceu depois pelas
provas em contrrio (pureza, santidade, excelncia e fins) plenamente sal-
vas na eleita de Deus, portanto, no diz o texto ter o patriarca a conheci-
mento maritalmente, sendo Jesus em sentido humano, o primeiro e o ni-
co Filho Virgem. Art. 10 Dealbando a verdade, no era concebvel Alma
do Ser Supremo fica restrita aqueles templo corpreo, devestida apenas da
natureza humana (segundo plano) inferior aos do anjos por causa da pai-
xo da morte a que sujeitara-se (Hebreus 2:7-9) e da Virgem alijasse as
grandes coisas, transformando em instintos carnais os privilgios da pre-
destinada, invalidando-lhe a pureza inerente a sua alma no cu criada qual
potestade para aquele grande evento, parecendo oculto este principio ape-
nas ao entendimento vulgar dos que ao curso de juzo mercenrios meca-
nizando as idias por uma concepo espria, menos para os afeitos ao
exame racional e lgico das vises e das Sagradas Escrituras em realidade e
conscincia. Art. 11 Levando apologia ao principio teolgico valido o
critrio de a Virgem em segundo plano (natureza humana crist) se consti-
tuir a me do verbo correspondendo a me de Deus posto que ele chama
as coisas que no so como se j existissem (Romanos 4:17) e porque para
ele nada impossvel (S. Lucas 1:37 e S. Marcos 10:27), e qual glorifica-
do pelo Filho e este por ele antes que o mundo por este fosse criado (S.
Joo 1:1-4 e Hebreus 1:2 ), o qual voltou glria tanto mais excelente que
a dos anjos (Hebreus 1:4), portanto o Pai e o Filho a eles se superam e pelo
pai e o Filho serem um s Ser Supremo (S. Joo 10:30), sendo Jesus, por
isso, o Caminho, a Verdade e a Vida e quem a ele chegue desde j est
vendo o Pai e j o ter visto, pois quem v a Jesus est vendo o Pai porque
ele est no Pai e este nele (S. Joo 12:44-45 e 14:6-11), o qual com dupla
natureza divina e humana, com esta deu-se ao martrio e morte e com a
primeira conservou a divindade, tendo assim a vida por se mesmo, por cujo
principio que recebe o Filho est recebendo o Pai e quem a este recebe
est recebendo o Filho (S. Mateus 10:40), bem como todos que honra-
479
rem a Cristo esto honrando ao Pai e todos aquele que assim no honra ao
Filho, est desonrando o Pai o qual passou ao Filho o julgamento (S.
Joo 5:22-23), portanto tudo o Pai passou ao Filho, o qual a imagem do
Deus invisvel (Colossenses1:15) e ningum o conhece seno o Pai e a este
seno o Filho e aquele a quem ele quer revelar (S. Lucas 11:27) envolven-
do este critrio a indivisvel dualidade, de cujo principio procede o Esprito
santo, formando com o Pai e o Filho a SS Trindade, a qual d testemunho
do Esprito, da gua e do Sangue que nos cus e na terra so um s Ser
Supremo (1 S. Joo 5:7-8). Art. 12 Segue-se que negando o Filho est
negando o pai e do anticristo e todo aquele que proclama Jesus Cristo,
este do pai e tem a vida eterna (1 S. Joo 22-25) tendo a se conhecer
que o Pai est no Verbo e este Nele no como as potestades e os espritos
que nos cus vivem nem como os que ho de voltar mas porque no princi-
pio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus e todas as
coisas foram feitas por Ele e sem Ele, nada do que foi feito se fez sem Ele
(S. Joo 1:1-4 e Hebreus 1:2 supracitados), pelo que no houve e nem
haver outros deuses nem h outro Salvador seno Ele (Isaias 43:10). Art.
13 Sabendo-se que todo principio foram os cus (2 S. Pedro 3:5) e que
imprimiu o Pai sua natureza e divindade o nome Filho (Salmos 2:7; Atos
12:33 e Hebreus 1:5 e 5:5) em outros termos o Mistrio que esteve
oculto desde todos os sculos e em todos as geraes e que agora foi ma-
nifesto aos seus santos, aos quais quis Deus fazer conhecer as riquezas da
glria deste Mistrio entre os gentios que Jesus para conhecimento do
Mistrio de Deus-Cristo (Colossenses 1:26 e 2:22), cuja analogia em Je-
remias 31:31-34 Jesus Cristo a Aliana prometida em que o pai se mos-
trar a todos, da ser o Pai a cabea de Cristo (1 Corntios 11:3) e nin-
gum ter visto o Pai seno o que de Deus a essncia que em outro termos
o Filho (S. Joo 1:18 e 6:46 e Timteo 6:16). Art. 14 Levando o con-
texto o Pai maior que o Filho no direito de a este passar todo poder nos
cus e na terra (S. Mateus 11:27 e S Lucas 10:22) posto que o Verbo Alma
e Natureza do Pai no se engrandece por se mesmo (S. Joo 8:54) mas a
ele se iguala (S. Joo 13:16) e porque Jesus com a natureza humana baixa-
ra-se em relao ao Pai. 1 No obstante, este ordena aos anjos adorao
a Jesus Cristo e a este diz: Deus, o teu trono subsiste pelo sculo dos
sculos, por isso Deus o teu Deus te ungiu (Hebreus 1:6-9), cujo princi-
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pio em Romanos 9-5 anlogo em que Cristo o Deus sobre todas as
coisas, se constituindo assim o grande poder que converte o impossvel ao
concebvel na mstica divina, sem o que a sabedoria suprema seria insusten-
tvel. Art. 15 Sabendo-se que Jesus Cristo antes de todas as coisas que
por ele subsistem (Colossenses 1:17), retornou aos cus com as naturezas
divinas e humana (segunda a natureza) como se infere dos evangelhos ao
Apocalipse e o nosso Deus e Pai (2 Tessanolicenses 2:16); nosso Deus
salvador (2 S. Pedro 1:1); verdadeiro Deus a vida eterna (1 S. Joo
5:20); finalmente o Maravilhoso, Conselheiro Deus forte e Pai da eterni-
dade (Isaias 9:5); o Alfa e o Omega, o comeo e o fim de todas as coisas, o
Deus de todos que venceram e o templo celestial (Apocalipse 1:8; 21:6 e
22) justificando assim ser Ele verdadeiramente o Pai e o Esprito Santo na
Trindade e Unidade pela essncia e natureza divina e humana, esta ultima
enfatizada pela Bblia para que a adorao, louvor, honra e gloria a Ele
tributadas no seja uma impostura divina mas a livre expresso do arbtrio
humano ao seu querer supremo conforme determina o Pai para as criatu-
ras. CAPITULO VI- Carter Terico- Art. 16 Imprimindo a este: I- A
vocao e a prtica II- A livre manifestao do raciocnio e liberdade regido
pelo: (a)livre arbtrio alternadamente ao (b)determinismo, esquadrinha-
do na reflexo: I- O comportamento individual e traadas as normas do
sistema com ressalva s leis de causas e efeitos e. II- manifesto em suma os
atributos da alma. 1 pelo determinismo so condicionadas as leis que
regem: (a)os acordes das junes em idias e transformaes reguladoras
do pensamento comunitrio. (b)as aes e causas a que subordinam-se suas
funes e a seqncia de fatos oriundos do poder supremo. nico. O
outro fato a interveno divina que faz compreender a sua vontade e que
vai alem dos limites humanos, os quais so por assim dizer os limites de
Deus, refratrios e irrevogveis. CAPITULO VII- A Polidelia e suas Qua-
lidades- Art. 17 Passando ao primado dos mistrios,destaca este capitulo
a atuao das plantas sagradas jagube e mescla, de cuja seiva vem a polide-
lia, designado genrico vertido do prefixo grego poly = excelente e do
substantivo latino delicia aportuguesado sinteticamente, cuja neologia
provem de ayahuasca convencionada em santo daime pela luz dos mist-
rios que encerra e a maneira de pedir-se, projetando a abstrao do esprito
simultaneamente em cautrio e pula, a odissia do mundo invisvel em
481
realidade passada, presente e futura: I- O simbolismo das vises e suas rela-
tividade; II- A elevao de esprito; III- A inspirao da alma; IV- A luz
divina; V- As vibraes; VI- As comunicaes ou revelaes; VII- A ilumi-
nao da conscincia por cujo alcance a prefiguraes do Esprito Santo se
projeta conforme Deus prometera at ao grande juzo ( Joel 3:1-5 e Atos
2:17-21), ao influxo do ego impondo ele a f e no as concedendo a titulo
de meta iluso nem a quem dela duvide o alcance do alvo desejado
(S. Marcos 11:22-23 e S. Mateus 21:21-22). nico Csmicos destes
princpios, cada obreiro ir se evoluindo proporo que os fundamentos
e os mistrios lhes sejam revelados sem pretenso a conhecimentos que
ainda lhes sejam vedados mas buscando sempre o aprimoramento dos valo-
res humanos e os atributos da alma, convenientemente. CAPITULO VIII-
Normas Crists e Cvicas- Art. 18 Consolidados os fundamentos da Or-
dem na constituio evanglica suas bases se erguem na disciplina crist
consagrando seus filiados seus foros de obreiros a margem de eroso vicio-
sa, tendo o Centro por norma no facultar o uso da polidelia aos a que a
titulo religioso se apresentarem idneos mas ao corrente da pratica atenta-
rem contra aos dispositivos da lei, cujos os viciados queiram burlar o crit-
rio da entidade e sem ilaes confundirem os efeitos traumticos ou a crise
por que passa o esprito em depurao por estes agentes e incidem a estes
princpios, sero proscritos da comunidade e entregue as autoridades para
conseqentes disciplina. 1 Por outro lado, apta a instituio a admitir
para higiene mental e cunho educativo na forma da lei os: (a)intempestivos
(b)desvairados (c)paranicos (d)procazes (e)retardados (f)protervos (g)sa-
lazes (h)rufies ou afins como viabilidade ou no de recuperao moral e
mental, pelos quais assinaro seus responsveis um termo condicional ao
regulamento do Centro e sero mantidos em observao pelo tempo ne-
cessrio ao equilbrio mental ou moral ou ao resultado negativo, colabo-
rando assim a entidade com: I- Os poderes pblicos no aprimoramento dos
valores humanos e com: II- As doutrinas legais constitudas. nico Quan-
do aos que preenchem os requisitos morais prescritos, no se far restrio
desta espcie, se empenhando a direo em mostrar-lhes o retrato fiel deste
colrio portador da magia divina concorde com o Apocalipse, cap. 3; e ver-
sculo 18 e dissecadas que foram as tergificaes quando h entorpecente e
dirimida a censura, cujas provas se esbaldam mediante anlise qumica de
482
laboratrio efetuada e mencionada em anexos. CAPITULO IX- Moral e
Profilaxia- Art. 19 Capitulando pela moral e a sade da agremiao, a
todos vedado na forma da alnea b e art. 8 da Constituio e decreto-lei
159 e art. 281 do Cdigo Penal e afins , o uso ou o trafico dos inebriantes,
refutando-se: (a)a morfina (b)a herona (c)a cocana (d)maconha (e)a ma-
rijuana (f)a cachaa (g)o LSD e outros tambm de efeitos deletrio incom-
patveis com a dignidade humana, os quais obscuream a conscincia e os
sentimentos nobres levando perverso e o fatalismo suas vitimas na anci
insopitvel de alegrias fortuitas e degradaes. nico Requisitar-se na
insensatez da liberao e tripudiar as finalidades da alma mergulhar o ego
em panancia de iluses e atos que avitam a integridade moral e compro-
metem a sade e a personalidade, levando suas vitimas ao escravismo vicio-
so e ao fim contristador expresso em 1 Corntios 6:10 e afins, cujo viciado
no entraro no reino dos cus. CAPITULO X- Carter Ptio e Altrusti-
co- Art. 20 Feitos archotes desta luz sublime, tem os eclticos por alvo
tambm a evocao dos valores ptrios. 1 Da o ter assento no estatuto
e a devida aplicao o reconhecimento e o tributo Ptria a qual no : I-
Monoplio II- Formalismo ou seita mas ao invs justamente: (a)o cu e
o solo (b)a tradio e o regime (c)a coletividade e os costumes (d)a liber-
dade e o folclore (e)o idioma e o ensino (f)as leis e a justia, cuja orgnica
este grmio rende homenagem compartilhado dos; I- Sacrifcios II- Ale-
grias coletivas e III- Ajudam a contornar situaes. 2 Fazendo-se instin-
tiva a harmonia da classe, ela tende alegrar-se amando sincera e fraternal-
mente uns aos outros com naturalidade e simplicidade, espiritualmente
confinados periferia, do Centro, sem pretenso nem prepotncia interna
e externamente para com os estranhos, todavia se abstendo ao uso do mes-
mo veiculo nas entidades congneres em defesa tradio do CICLU e
respeito s mesmas. 3 A revelia a esta norma implica em suspenso que
vai de 3 a 6 meses ou da suspenso do daime ao infrator por igual pero-
do e nas reincidncias ser dobrada a penalidade, com atenuante com caso
especiais e se as circunstncias forem ponderadas pelo Mestre Imperador.
4 Inspirada neste propsito, promover a entidade a igualdade com as
congneres sem competir contra mesmas usurpa-lhe, os direitos para que o
xito as bafeje igualmente, bem como ajuda no possvel, conforme o car-
ter doutrinrio que as definam e os pendentes. CAPITULO XI- Composi-
483
o Religiosa e Social- Art. 21 O Centro de Iluminao Crist Luz Uni-
versal, cuja a estrutura se efetua religiosa e social ter por rgos distintos:
O Conselho Superior e o Conselho Comunitrio, compondo-se o 1 dos
titulares: I- Mestre Imperador II- Mestre Imediato III- Conselheiros IV-
Conciliares, estas nas categorias de provectos, nocivos, leigos, benemritos
e benemritos-provectos. CAPITULO XII- Ttulos e Deveres do Mestre
Imperador- Art. 22 Investindo de poder discricionrio, ter este por ttu-
los e deveres: (a)Um passado digno, pleno de mritos espirituais a que fa-
am jus a sua honrabilidade; (b)Primar com a irmandade pelos deveres
ptrios em resguardo Constituio Brasileira e s Leis vigentes; (c)Ter as
Sagradas Escrituras e a Luz do Daime por princpios cristos de seu apos-
tolado, pelas quais exera a plenitude e a fidelidade de suas funes. nico
Regendo-se pelo critrio que imprimir a sua alada: I- Manter sua investi-
dura como Imperador vitalcio legitimado os seus direitos pelos quais pro-
ver o veiculo divino do santo daime para seus usurios e proceder; II-
A equiparao e padronizao do CICLU ao CECLU em Porto Velho;
III- Far sempre que oportuno averiguar a eleviao da irmandade, tendo
em vista o art. 1, inciso III e suas alneas do presente estatuto; IV- Norte-
ar suas diretrizes e base conforme seu elevado censo e probidade. CAPI-
TULO XIII- Atributos e Direitos do M. Imperador- Art. 23 Exercendo
seu domnio com supremacia, lhe ser facultado: a)Aplicar medidas disci-
plinares quando lhe aparecer viveis; (b)Consultar e ser consultado; (c)
Apreciar matrias que subam sua apreciao; (d)Aprovar ou refutar pro-
jetos, medidas e empreendimentos concernentes instituio; (e)Justificar
as medidas de seu critrio, sempre que oportuno; (f)Eximir-se de qualquer
omisso que possa lhe ocorrer por motivos alheiros a sua vontade; (g)Abs-
teno de contribuio financeira para com a entidade; (h)Auxlio financei-
ro para provimento ao santo daime; (i)Designar, quando oportuno, seu
representante junto s Igrejas Crists em solenidade, contaves e afins, coor-
denando relaes entre o Ecletismo e as mesmas; (j)Entrar em recesso
quando lhe aprouver ou por circunstancia especial; (k)Salvaguardar a enti-
dade ante as heresias e falsos princpios que exprobam a bendita Virgem, as
Sagradas Escrituras, a SS. Trindade e os fundamentos especificamente cris-
tos; (l)Nomear e mudar os titulares de ambos os Conselhos em suas res-
pectivas funes na forma regulamentar ou mant-los por convenincia de
484
par com a aprovao da assemblia; (m)Ser agraciado com os distintivos e
smbolos da entidade bem assim ser contemplado por outros direitos, con-
forme sejam, no previsto no estatuto. CAPITULO XIV- Ttulos e Deve-
res do Mestre Imediato- Art. 24 Possuidor de virtudes e vida exemplar a
este incumbir: (a) Cumprir e fazer cumprir as funes estatutrias e a cujo
critrio imprimir suas diretrizes realizando as sesses normais e extras de
concentrao e as instrues seguidas sempre de ritual cristo; (b)Dimen-
sionar medidas que promovam o fortalecimento da instituio e condies
de propriedade: (c)Primar com a irmandade pelo disposto no art. 86 da
Constituio vigente e no que a mais lhe seja ela atinente; (d)Com a apro-
vao do Imperador, consignar o templo e suas dependncias para: I- Con-
ferencias, santas missas, cultos clericais ou evanglicos, cuja ao no con-
traste os princpios estabelecidos pela entidade; II- Abrir os egressos de
entidades congneres, cujo desligamento esteja plenamente consumado e
que busquem se evoluir dos princpios cristos exarados pela entidade; (e)
Proceder a aplicao do santo daime aos dotados de estado volitivo e
abster-se da aplicao do mesmo aos acometidos de estado ablico ou por
circunstancia especial; (f)Doutrinalmente, empregar seus requisitos de ma-
neira clara e acessvel, partindo dos pontos mais elementares preliminar-
mente conforme I Corntios 3:1-2 e a seguir, promover; I- A elevao do
ensino, a cujo foro repassem os princpios da SS. Trindade e Unidade de
Deus; II- A salvaguarda teoria criacionista em diversificao evolucionis-
ta; III- A reformulao das instrues que o critrio indique o desuso ou
agiortamento nos pontos a obliterar; IV- Em padro mais elevado alcantilar
posteriormente o culto aos os obreiros proporo que os mesmos se tor-
narem espiritualmente mais fortalecidos e mais elevados, todavia em mol-
des que promanem condies a um Cristianismo sem fronteiras inspirando
no ideal de liberdade solidariedade-unidade (art. 176 da Constituio vi-
gente). (g)Incentivo lealdade, ao congraamento e fraternidade , infle-
tindo o separativismo e preconceitos doutrinrios, racista ou de cor para o
bem comum e a salubridade espiritual da unidade: (h)Correo aos desali-
nhos e incidncias passiveis de represso; (i)De forma elucidante procura
eliminar da classe os erros e enganos provindo de doutrinas no-crists e
falsos princpios, tendo presente de que quem em Cristo confia no ser
confundido mas importando a vigilncia que ele determina; (j)Para melhor
485
ndice evolutivo da classe, examinar sempre que oportuno o teor das vises
e dos mistrios nelas contidos e nas Sagradas Escrituras; (k)Instruir a classe
como empregar humanamente o carisma e as foras divinas consignadas
por N. S. Jesus Cristo, de efeitos benficos e verdadeiros; ( l)A disciplina
(penalidades em que suas especificaes) conforme os ditames do Mestre
Imperador; nico. No mbito em que mais diretamente possa incidir a
sua alada, resolvera ao seu critrio e autorizao do Mestre Imperador sem
opo da classe, conforme os ditames regulados e a natureza das circuns-
tncias. CAPITULO XV- Ttulos e Deveres do Conselheiro- Art.25 Im-
primindo em seu domnio espiritualidade e cultivo pautar-se-:(a) Na for-
ma expressa em S. Tiago cap. 1:4-6, cap. 3:13-18; Romanos cap. 12:7-8;
Cap. 13:7; 1 S. Pedro; cap. 2:13-15 e 2 S. Pedro cap. 1:5-10, cujo apa-
ngio tenham reflexos para a comunidade; (b)Afeitos aos lineares eclticos,
inferir dedues conceituao doutrinaria, em cujo padres aflorem suas
qualidades emritas; (c)Conduzir-se em carter igualitrio nivelando clas-
se e aos Mestres em tudo que concerne os princpios sociais, morais, cultu-
rais, religiosos e afins prescrito, ressalvando-se suas funes; (d)Assessorar
o Mestre Imediato nas dissertaes conceituao doutrinaria em cujo
padres afins a que for mister e substitu-lo em suas eventuais ausncias; (e)
Envidar esforos no desembaraos de problemas, conjunturas e afins a que
possa se prender a entidade, tudo fazendo o alcance para que a f crist sob
seus matizes encontre no ativismo ecltico sua verdadeira imagem com
vista ao mbito interno; (f) Ajudar a conformar as dissenes, digresses,
invectivas e dislates que por acaso se faam internamente ou venham a en-
tidade a se defrontar; (g)Aquilatar os membros a desfabular as inverdades
que por acaso aviltarem a dinmica centrista; (h)Cultuar o mrito das Sa-
gradas Escrituras e seus derivados em prol da f crist, por cujo descortino
possa elevar o mrito da entidade e sanar as discrepncias de ordem doutri-
naria que por acaso se faam no seio da classe ou ferir os princpios cristos:
( i)Endossar medidas que levem a pujana os padres da Ordem e seu res-
tabelecimento nos desgastes e crise, se isso ocorrer; (j)Auscultar seus com-
pares na apreenses, expectativas e casos excepcionais de ordem legal;(k)
Fazer que os dispositivos que regulam a vigncia estatutrias sejam por seus
membros bem definidos e se ajustem s peculiaridades que integram seus
objetivos; (l)Colimar em acertos as necessidades, contingncias, utilidades,
486
convenincias, viabilidades e insolvncias atinentes instituio; (m)Rei-
vindicar com o Dignatrio e o Presidente, quando for o caso, medidas de
amparo dos poderes pblicos para a mesma e devotar-se ao desembarao
de qualquer pendente; (n)Ater-se divulgao de trabalhos culturais, dou-
trinrios e afins que visem pr a entidade em evidncia e a salvo de compli-
caes com que tentem solapar sua estrutura. CAPITULO XVI- Ttulos e
Deveres da Classe em Geral- Art. 26 Atuando livremente na agremiao
com os requisitos prescritos, as categorias ou classes conjuntamente deno-
minados de Conciliares (art. 20 e seus incisos) constaro de; I- Provectos,
os filiados cuja elevao e discernimentos das vises corram de par com os
da Sagradas Escrituras e conhecimentos teolgico da doutrina crist e os
demais princpios exarados; II- Novios, os que mesmo radicados ao Cen-
tro no possam ainda auferir os ttulos cabveis apenas aos primeiros; III-
Leigos, os que mesmo radicados ao Centro seus graus estejam em desnvel
com os provectos e desobrigados de afinidades e deveres que s aos primei-
ros e aos segundos comportaro; IV-Benemritos, Os que duram 10 anos
prestarem ao Centro servios relevante ou que uma s vez contriburem
com vultosa importncia para a entidade, cuja abnegao e altruismo pos-
sam superar as deficincias comuns; V-Benemritos-provectos, os que pe-
los requisitos prescritos possam reunir ambos estes ttulos; Art. 27 Cons-
tituindo cada membro um soldado das milcias crists (1 Timoteo 7:3-4)
devero todos reger-se pelas seguintes normas exageradas. (a)Pautar-se
condignamente nas sees e trabalhos de qualquer teor; (b)No incidir em
atividades ilcitas internas ou externamente; (c)Primar pelos deveres p-
trios, s leis vigentes e Constituio Brasileira em seu art. 86 e os demais
a que estejam sujeitos (art. 21 e lnea b do estatuto); (d)Internamente
no ferir ao poltica e inclusive respeitar a seus lideres; (e)Com exceo
dos leigos, prestar fidelidade instituio e colaborar para sua perfeita fun-
cionalidade; (f)Respeitar seus compares e superiores e a este ater-se s deli-
beraes; (g)Observar a vigncia de medidas normais da instituio, omi
ssas no estatuto que a direo imprimir; (h)Desobrigar-se de suas contri-
buies financeiras para com a mesma e no escantinar seus bulos ao de-
sembarao de maiores problemas que a ela sobrevivem; (i)Apoiar sempre
que possvel os superiores e mestres nas resolues e projetos, quando cha-
mados a optar; (j)Acautelar-se das heresias e falsos princpios que contras-
487
tarem as verdades manifestadas pela instituio em unssono f catlico-
-evanglica; (k)No empregar meramente as Sagradas Escrituras nem sob
critrios de avaliao humana o seu carter divino; (l)Tomar o veiculo do
santo daime com a confiana que N. S. Jesus Cristo exige em S. Marcos
16:18; 11:22-23 e S. Mateus 21:21-22 para o alcance ao xito a que alude
o art. 16 e seus incisos; (m)No fazerem mal uso dos correntes de fora
quando estas passarem ao seu domnio simbolicamente conferidas nos mis-
trios e com ela ou no, todo o bem que praticar, seja em nome de N. S.
Jesus Cristo; (n)Perdoar as injurias uns aos outros (Romanos 13:18) e no
se arvorar de salvos se julgando a si prprios, mas dar estes testemunhos
quando a imensurvel bondade de N.S. Jesus Cristo; (o)Reciprocamente
ajudar uns aos outros sempre que possvel (Glatas 6:2) e dentro ou fora
dos mistrios no dar vaso a anseios que impliquem nos direitos do prxi-
mo, inslitos vontade divina; (p)Com tenacidade e firmeza ajudar a im-
pulsionar os empreendimentos e aes de carter objetivo legal que a enti-
dade possa empreender; (q)Ater-se projeo das vises ou miraes e
quando o mestre ordenar expender testemunhos fiis e verdadeiros do que
os cenrios faam expor e do quanto a verdade impe no negar, diminuir
ou acrescer ao que emergir para exame, estudo e pratica da f crist. 1
A inexatido de qualquer teor, se apercebida implicar a corretivo que vai
da suspenso do daime para o infrator de 1 a 6 meses conforme o caso,
contudo sem perda da assistncia doutrinaria e da freqncia se convenien-
te: (a)Por ao mais fluente despertar as foras criativas ao revigoramento
dos sentimentos nobres sempre vinculada doutrina crist que desposar;
(b)Firma-se nas tradies crists, no se embutir em misticismo ou seitas,
nem nas suas retaliaes e sofismas; (c)Tomar por principio a resignao
nas agruras, embates e reveres que a fatalidade no permita erradicar; (d)
Estreitar os liames solidariedade, igualdade, fraternidade e salubridade
espiritual na periferia do Centro e em suas relaes a mais, conforme possa;
(e)Pugnar pelos princpios cristos lustrados nas Sagradas Escrituras con-
correndo ao bem-estar conjuntamente e em particular; (f)Abster-se das ce-
gueiras, relutncias, sectarismo e das frivolidades que obscurecem as verda-
des e verbarem os princpios cultualmente levantados pela ao crist; (g)
De todo corao adorar e proclamar N. S. Jesus Cristo o Deus Altssimo
com todas as letras, conforme os elementos probatrios das Sagradas Escri-
488
turas e as revelaes e vises; (h)De todo corao venerar e proclamar a
bendita Virgem me de Deus sem profana-lhe os mritos, conforme as
Sagradas Escrituras e identificada que pelas revelaes e vises; 2 Aos
leigos vedado dialogar com os circunstantes ou estranhos, matria de
carter teolgico, miraes ou outro gnero que envolva conhecimento e
raciocnio em profundidade. 3 Indistintamente, a todos vedado o uso
ou o trafico de txico, narcticos e entorpecentes previsto neste estatuto,
cap. IX, art. 18 e suas alneas em resguardo s leis que os condenam e aos
princpios morais e salutares que a instituio proclama. CAPITULO XVII-
Conselho Comunitrio e Suas Funes- Art. 28 Se constituindo estes dos
principais titulares: I- Dignatrio II- Presidente e III- Monitor, tem por
complementares: IV- O gestor V- O secretrio VI- O tesoureiro e VII- O
zelador e por funes: (a)Assumir a alada do 1 Conselho, sempre que
oportuno, objetivando sua plataforma e meta; (b) Argir as convenincias,
faltas e incidncias de carter social ou equivalentes e que possam incidir
seus subalternos, tudo fazendo ao alcance para as mesmas no tomarem o
maior curso; (c)Executar o presente estatuto, as leis e os atos oriundos dos
poderes pblicos; (d)Assegurar o normal funcionamento da entidade e im-
primir suas atividades sociais, culturais, administrativas e afins; (e)Patetear
sua dinmica, representar em publico suas finalidades e tornar viveis seus
objetivos e programas; (f)Responder pela onerao de ttulos a que venha
ela a se empenhar e pelos seus bens mveis e imveis patrimoniais; (g)Dar
quitao e assumir responsabilidade de carter exterior (divulgao, publi-
cidade e propaganda); (h)Contrair obrigaes morais, firmar e resgatar
seus compromissos assumidos; (i)Expandir seus limites, comprovar sua
idoneidade, autenticidade e paradigmas; (j)Assumir seus encargos, impri-
mir sua regulamentao, atribuies e funcionalidade, cujo critrio este su-
bordinado CEPE. Art. 29 Ao gestor, compete administrar os bens mveis
e imveis da entidade, a fiscalizao de obras a que venha a mesma realizar
e se incumbir da obteno aos vegetais do santo daime e correlatos. Pa-
rgrafo nico. Semestralmente prestar contas das despesas, gastos, saldos,
aplicaes e recebimentos passados pelo seu controle. Art. 30 Ao secretario
seu mister tomar conhecimento da afluncia ao Centro das matrias ad-
ministrativas que escapem alada do gestor, tais como biblioteca, a disco-
teca e proceder as atas e assin-las juntamente com o monitor e o Presiden-
489
te. Pargrafo nico. Reserva-se com estes quando necessrios nos ocasionais
impedimentos e executar as notificaes, recibos, quitaes, provas e vistas
s meterias de carter externo e colaborar com o tesoureiro nas anotaes,
relatrios e afins. Art. 31 Ao tesoureiro, cumprir e receber as contribuies,
donativos, bulos e as mensalidades dos contribuintes ao santo daime
mediante recibo, conforme a modalidade e afinidade do usurio. 1 Tri-
mestralmente, apresentar a relao dos filiados no-quites e dos quites, efe-
tuar a cobrana, o recebimento, a receita e a despesa; registrar os gastos, os
saldos e afins passados pelo seu controle. 2 Controlar as fichas de assis-
tncia ao trabalho e registrar a freqncia das pessoas nas sesses. Art. 32
Ao zelador, cumprir, zelar e por em ordem o ambiente, os assessrios e as
dependncias do templo. CAPITULO XVIII- Previdncia Social Ecltica-
Art. 33 Se considerando o problema da entidade e em particular os de cada
obreiro em que a assistncia aos membros matria de relevante teor, a
existncia de uma caixa econmica pela unio de associados altura de suas
possibilidades obviamente utilitria e se impe resolutamente. 1 Fica
assim criada a Caixa Econmica da Previdncia Ecltica (CEPE) em Rio
Branco e em Porto Velho no Banacre, destinada a acudir s principais ne-
cessidades de ambos os Centros, o CICLU e o CECLU respectivamente
em ambas as cidades. Art. 34 As condies para associar CEPE e dela al-
canar seus benficos seguramente constar de: (a) Iniciar seu montante no
mnimo com 10 mil cruzeiro ou em cotas mximas de limite indefinido; (b)
Lanar mensalmente suas cotas em seqncias ao seu montante reservan-
do-se intervalos por impossibilidades financeiras ou qualquer outras; (c)
Aps a sua fase primaria posterior aos 3 primeiros anos poder um a um os
seus consorciados emitir seus emprstimos, se a mesma tiver fundos supe-
rior a 3 milhes de cruzeiros dentro ou acima de seu prprio montante
com juros no superior a 5% e resgate a curto ou longo prazo. 1 Com
este critrio poder cada usurio da CEPE emitir seus emprstimos to
logo faam os primeiros amortizar os seus, em molde a se manter a mesma
com fundos de reserva destinados a todos os contribuintes ou consorcia-
dos. Art. 35 Decorrida a fase primria de instalao da CEPE, entre os
consorciados ter prioridade a emprstimo o que tiver maior montante,
cujo saque se destine inteiramente a entidade, pessoa jurdica responsvel
mesma nas pessoas dos 3 primeiros titulares do 2 Conselho a quem fica
490
subordinada a mesma. Art. 36 Respeitando este principio do art. anterior,
o patrimnio ou imvel assim adquirido pela colaborao conjunta, passar
possesso de quantos para isso se empenharem. Art. 37 A todos os ben-
ficos da CEPE indistintamente vedado lanar mo de seus montantes em
parte ou no todo a titulo de emprstimo sem anuncia de seus principais
titulares do 2 Conselho e demais contribuintes ou consorciados. Pargra-
fo nico Qualquer quantia assim sacada ser considerada obsoleta e impli-
car em punio requerida dos poderes pblicos e expulso do infrator
entidade pelo 2 Conselho, para o que reunir todos os seus membros
em assemblia. Art. 38 Se o emprstimo tomado destinar-se inteiramente
edificao ou aquisio de prprio para entidade, a amortizao do referido
emprstimo se far sem juros e conjuntamente pela contribuio de todos
associados CEPE. Art. 39 Os lanamentos destinados aos fundos da mes-
ma se faro no referido Banco pelo prprio associado ou mediante o presi-
dente e o monitor do 2 Conselho que informaro aos demais contribuin-
tes todo movimento do Caixa. Art. 40 A quitao das quantias tomada
CEPE destinadas entidade ou beneficirios, s ser valida mediante
amortizao total referidos emprstimos a qual se far por cotas que totali-
zem o montante retirado. Art. 41 No poder a CEPE acudir seguidamen-
te a entidade alem de 3 consecutivos emprstimos, por cujo critrio tenham
seus usurios margem altura a seus direitos e atendimentos. Art. 42 Para
validade aos montantes, emprstimos e resgates, a aprovao do Presidente
e do monitor ter alcance, os quais convocar os consorciados da CEPE,
para o devido conhecimento e a opinarem quando for o caso. Art.43
O consorciado da CEPE que no curso de suas emisses houver legado ao
Centro, importncia equivalente a 300 mil cruzeiros, ser agraciado com o
distintivo mximo da Ordem (a cruz com a aliana e as correntes) e gozara
de imunidade que ficaro a critrio do Conselho Superior. Art. 44 Qual-
quer pessoa idnea ainda que no vinculada ao CICLU, poder ser consi-
derada da CEPE e dela alcanadas suas vantagens como o quanto satisfaa
a regulamento pela qual ela se nortear. Art. 45 Sob qualquer condio
no poder a CEPE em seu primeiro decnio cair em regime de falncia
enquanto houver margem ao seu soerguimento e suficincia e, se aps esse
perodo no houver adquirido seu equilibro, ser ela dissolvida e cada asso-
ciado reembolsado em suas respectivas quantias. Art. 46 A CEPE entrar
491
em vigor na data de seu montante e se apresentar ao comprimento de suas
terminaes dentro das atribuies e possibilidades, como ser reformulada
se a isso lhe convir posteriormente. CAPITULO XIX- Atribuies e Direi-
tos a Todos- Art. 47 Satisfazendo aos deveres exigidos poder cada mem-
bro ou titular:..(a)Se congregar no Centro e comungar com N.S. Jesus
Cristo pelo santo daime e seu estado espiritual: (b)Orar e cantar livre-
mente os hinos e cnticos nas sesses instrutivas no expediente apropriado;
(c)Ouvir as gravaes e acordes que completem o louvor a Deus na forma
do salmo 150 e versculo 1-5 das Sagradas Escrituras e se concentrar, espe-
cialmente nas sesses de concentrao; (d)Tomar a polidelia (santo dai-
me) para cautrio e xito a quem possa chegar (miraes, inspirao, reve-
laes, melhor ndice, cultural e evolutivo ou afins) proporcionais a seus
mritos e graa de N. S. Jesus Cristo; (e)Emitir parecer e ser ouvido, cuja
franquia se estenda aos assistentes; (f)A defesa a seus valores morais, cultu-
rais, religiosos e demais, sempre que necessrio, por si e pela instituio; (g)
Nutrientes espirituais e medidas que operem o bem espiritual e matria e
em particular, conforme possa a entidade; (h) Desagravar-se de qualquer
pendente que o comprometer em sua posio social e individual e sua re-
posio s funes e atribuies quando delidas por qualquer penalidade
sancionada; (i) O livre arbtrio manifestao dos sentimentos nobres e a
adorao e culto a Deus em moldes cristos inteiramente sem contrastes
aos princpios consagrados pela Constituio e a entidade; (j) Usufruir das
contribuies da CEPE quando a ela associado; (k)Aos provectos, seus
respectivos comprovantes, constituindo diploma e distintivos; (l)O filiado
ou membro que dispuser de seu imvel ou patrimnio a servio da entida-
de, estar isento de contribuio financeira para com a mesma e fruir prer-
rogativas que ficaram a critrio do Conselho Superior; (m)A todos os
membros filiados que durante 10 anos houver cumprindo fielmente seus
encargos e deveres para com a entidade, far jus a um prmio a ser conferi-
do em assemblia ou nas sesses ordinrias, pelo Conselho Superior; (n)Ao
Imperador, ao mestre Imediato e ao Conselheiro lhe sero facultado o di-
reito ao recesso quando por necessidade, os 2 ltimos por solicitao ao
primeiro e este por comunicao aos 2 ltimos a qualquer tempo; (o) Ao
primeiro titular, lhe ser ainda concedida ajuda pelas contribuies que a
entidade, dispuser na forma prescrita em S. Lucas 10:7 e S. Mateus 10:9;
492
(p)Os 3 primeiros titulares esto isentos de contribuio financeiras para
com a entidade, s fazendo liberalmente e se a isso no opuserem a maioria
dos congregados. 1 Quanto aos demais titulares cuja atuao seja utili-
tria, tambm ficaram isentos de obrigaes financeiras decorrido ao 1
trimestre de sua funo ou exerccio, revogando-se as disposies em con-
trrio para todo se a entidade necessitar. 2 O congregado ou membro
que na forma do art. 41 e cap. XVIII houver contemplado a entidade, ser
agraciado com o referido smbolo e fruir as atribuies em apreo. 3 O
filiado quites com suas obrigaes, poder invocar seus direitos, caso se
julgue burlado em suas prerrogativas. CAPITULO XX- Qualidades e Ttu-
los Referidos Filiao- Art. 48 O candidato a se filiar ao Centro, preen-
cher os seguintes requisitos: (a)No exercer e nem ter exercido aes sub-
versivas ou criminosas; (b)Ser conceituado e ter boa conduta; (c)Respeitar
a doutrina crist (ascendentes e descendentes), bem assim se acautelar das
heresias e falsos princpios; (d)Prestar fidelidade aos princpios cristos e
identificar suas qualidades morais e aptides; (e)Prestar informaes as
mais exigidas a sua completa inscrio (idade, filiao, estado civil, naciona-
lidade, estado de sade etc.); (f)Sendo menor, ter autorizao de seus pais
ou responsveis; (g)Pagar o donativo de ingresso requerido para este fim e
concordar com o pagamento das mensalidades destinado ao seu estgio;
(h)No perder a tradio da doutrina crist, a que seja vinculada e se pro-
por a ela devotar-se medida possvel no Centro e na mesma onde ela se
congrega. CAPITULO XXI- Qualidades e Ttulos Requeridos a Provecto-
Art. 49 O candidato a este titulo far jus ao mesmo aps se aquilatar dos
conhecimentos e mritos assim enumerados: (a)Compreendendo ser CI-
CLU com seu instrumental uma escola e seu verdadeiro mestre N. S. Jesus
Cristo, haja modelado seu perfil da estrutura com que a entidade o premia-
ra; (b)Haver expungido do seu intimo o obscurantismo e os rudimentos,
os preconceitos e os maus instintos; (c)Depurado as intenes, as opinies,
os pontos de vista e as convices; (d)Processado o desdobramento da sua
natureza e assimilado a resignao ante a fatalidade, compreendendo que
mais sofre em compaixo N. S. Jesus Cristo como Pai soberano, cujo divi-
no, ir at ao grande juzo; (e) Haver assimilado as grandes verdades outro-
ra inconcebveis sua conscincia e mentalidade, cujo reflexos sejam a alvo-
rada que o despede ao horizonte dos ideais sublimes; (f)Haver se assimilado
493
da prudncia e da humildade para alcance s revelaes, vises e lies que
N. S. Jesus Cristo preconiza em S. Marcos 9:35; S. Mateus 13:17 e equiva-
lentes; (g)De todo corao adorar e proclamar N.S. Jesus Cristo o Deus
altssimo universal conforme os elementos probatrios das Sagradas Escri-
turas e da Luz do Daime; (h)Por este instrumental e seus acessrios haver
s aquilatado o suficiente quanto s normas crists, cvicas e patriticas, cujas
flmulas sejam os semfaros que iluminam sua trajetria; (i)Venerar e pro-
clamar a bendita Virgem me de Deus conforme as revelaes da Luz do
Daime e os elementos lgicos das Sagradas Escrituras (art. 26, alnea h,
cap. XVI); (j)Equiparar-se da excelncia desse instrumental e seus deriva-
dos, sem deturpar-lhe a conceituao e seus princpios, empregando-os
apenas para os fins a que s encerram e nunca para sua condenao; (k)Ha-
ver dado testemunho fiel e verdadeiro de tudo quanto em matria de dou-
trina esteja habitado e pautar os demais princpios estabelecidos no estatuto
e por seus instrutores, por cuja elevao pontifique suas qualidades e atri-
butos. nico. Aprovado pelo 1 Conselho, est assim habitado o filiado
provecto, cujos grau encerrem a plenitude ao trinmio da sntese ecltica:
Cristo Ptria Legalismo como lema e ideais a afanar. CAPITULO XXII-
Disposies Finais- Art. 50 As propostas que fizerem jus a graduaes e
ttulos, sero apresentadas pelo mestre imediato e pelo conselheiro ao mes-
tre Imperador que as reputar ou no conforme possa julgar mediante a
quitao aos deveres compridos, desenvolvimento espiritual e reconheci-
dos mritos aferidos pelos citados titulares. Art. 51 Para continuidade fi-
liao importa no perder o filiado os requisitos que o capacitou a seu in-
gresso e pautar aos princpios que a direo imprimir ao curso do seu
estagio. Art. 52 Todas as funes nomeadas pelo mestre Imperador em
ambos os Conselhos tero a durao mxima de 2 anos, findo que sero
elas mudadas ou prorrogadas conforme valha optar com a aprovao da
assemblia. Art. 53 Ao mestre imediato e ao conselheiro que no se impu-
tar a prescrio de penalidades. Pargrafo nico. Estas sero argidas pelos
referidos titulares mas sancionadas ou anuladas pelo mestre Imperador,
conforme possa julgar. Art. 54 O CICLU, com personalidade jurdica in-
dependente de seus membros, se representar social, moral, cultural e
espiritualmente pelo Conselho Superior e pelo Conselho Comunitrio,
cujo titulares sero respectivamente para ambos: I- Imperador, reversa-
494
mente, Dignatrio no 2 Conselho; II- Mestre Imediato; e III- Conselhei-
ro, reversamente, Presidente e monitor respectivamente tambm o 2
Conselheiro; IV- Conciliares, nas categorias de provectos, novios, leigos,
benemritos e benemritos-provectos no 1 Conselho. 1 No 2 Con-
selho figuram seus demais titulares, gestor, secretrio, tesoureiro e zelador
e tanto o 1 quanto o 2 Conselho, seus principais titulares compor-se-o
de pessoas de nacionalidade Brasileira e de maior idade. 2 As categorias
ou classes no 1 Conselho, tem sua designao conferir ao sentido doutri-
nal e cultural que as envolve, enquanto que para o 2 Conselho, o carter
administrativo e social. Art. 55 Com exceo das autoridades, cada assis-
tente no vinculada ao CICLU que comungar pelo santo daime ter que
contribuir com o donativo mnimo para provimento ao referido veiculo
cobrado pelo tesoureiro. Art. 56 O CICLU s cogitar da instalao de seu
rgo jurdico para dirimir quaisquer causas se essas se avultarem e se o
numero se seus congregados tambm for considervel e quanto aos seus
titulares em funo especifica couber resolver assunto no previsto ou defi-
nido no estatuto, resolvero ao seu critrio e pelo direito a matria em
apreo, ao que faro ciente ao primeiro mandatrio e classe. Art. 57 Os
infratores e reincidentes sero passiveis de: (a)Repreenso oral ou escrita;
(b)Suspenso do veiculo santo daime ou outros direitos; (c)Suspenso
das funes ou cargos; (d)Eliminao por tempo indefinido; (e)Denncia
s autoridades para exemplar punio; Art. 58 Ter suspensa a funo ou
cargo por cerca de 1 ano o titular em atividade, cujo desempenho se tome
atentatrio aos princpios da entidade ou que sem razo plausvel deixar de
comparecer a 3 sesses seguidas ou ainda que em seus impulsos se opuser
s diretrizes legalmente constitudas. Pargrafo nico. Os familiares dos fi-
liados sero passveis de penalidades menores nos casos de incidncia. Art.
59 Internamente, constitui falta grave ofender a dignidade ou os brios do
mestre Imperador, do mestre Imediato ou de qualquer membro da entida-
de e externamente s autoridades civis, religiosas e militares. 1 Penalida-
de do 1 e 2 caso: suspenso do veculo divino de 1 a 6 meses conforme
a honorabilidade do ofendido e o carter ofensivo arrazoado. 2 Nas
reincidncias a punio se far em dobro, podendo no 1 caso, se o infrator
postular, ser comutada a suspenso em multa que vai de 10 a 30 mil cru-
zeiros conforme a honorabilidade do ofendido com atenuante, se ambas as
495
partes foram litigantes. Art. 60 passvel de pena ostensivamente transmi-
tir a estranhos profanos as comunicaes astrais recebidas, expondo-as
frivolidade e execrao. Pargrafo nico. A penalidade no caso varia de
1 a 3 meses de suspenso do veculo divino ou multa de 5 a 15 mil cruzei-
ros. Art.61 O filiado quite com suas obrigaes, poder invocar seus direi-
tos, caso se julgue burlado em suas prerrogativas (art. 45, 3 e cap. XIX).
Art. 62 Em conjuno ao estatuto do CICLU se incorpora inclusive a sua
certido de anlise qumica das plantas sagradas jagube e mescla, pela Se-
cretaria de Sade e Servio Social do Estado do Acre, nada consta de txi-
co, narctico ou entorpecentes por partes das autoridades e rgos compe-
tentes quanto ao uso da polidelia convencionada em santo daime da
antiga ayhusca como veculo divino para cautrio moral e seus demais fins
na forma dos captulos 7 e 8 do estatuto. Art. 63 Conjuntamente ao instru-
mental ritualista do CICLU tambm figura o seu estandarte, cujo smbolo
nas 3 cores, verde, azul e dimensionado em retngulo de 80 X 170 aproxi-
madamente evoca a natureza, os cus e a matria, contendo 2 tringulos
cruzados em signo Salomo, expressando o poder material e o poder uni-
versal, nos quais a excelsa imagem de Cristo em corpo inteiro sobre o mo-
nograma do CICLU sintetizando sua generalidade e ordenao incluso o
trinmio, Cristo Ptria - Legalismo, lema e princpios da entidade. Art.
64 O patrimnio do CICLU ser constitudo de bens mveis e imveis e
s ser dissolvido se a isso se opuserem ambos os Conselhos e a maioria
dos seus congregados, os quais definiro se for o caso o destinado seu
acervo sujeito as disposies legais. Art. 65 Ressalvando-se o direito de-
sapropriao pela lei, o patrimnio CICLU e seus bens mveis e imveis,
ttulos e finanas so inalienveis, os quais no podero sofrer embargo,
seqestro ou penhora por parte de seus titulares, sendo nula qualquer
dessas aes ou onerao com o que pretendam alheiar. Art. 66 Aps la-
vrado, lido e aprovado pela Assemblia ambos os Conselheiros o presente
estatuto no poder conter entrelinhas, rasuras e nem emendas ou ser al-
terado no todo ou em parte, bem assim sua forma, s ser discorrido seu
primeiro binio entrar em vigor na data de sua publicao, revogadas,
disposies em contrrio.
496
Anexo H
Hinos Novos de Mestre Irineu*
497
118 - TODOS QUEREM SER IRMOS
o Reino da verdade,
a estrada do amor,
todos prestar ateno
Aos ensinos do Professor.
Os ensinos do Professor
quem nos traz belas lies
Para todos se unir
E respeitar os seus irmos.
498
119 - CONFIA
Confia, confia,
Confia no poder,
Confia no saber.
Confia na fora, aonde pode ser.
499
120 - EU PEO
Eu peo, eu peo,
Eu peo ao Pai Divino
Que me d a Santa Luz
Pra iluminar o meu caminho.
Eu peo a salvao
Que s Vs pode nos dar,
Perdoai ns neste mundo
E na vida espiritual.
500
Estou aqui, neste lugar,
Foi minha Me que me mandou.
Estamos dentro desta casa,
Onde afirmamos a f e o amor.
501
123 - EU ANDEI NA CASA SANTA
502
Subi, subi, subi,
Subi foi com alegria,
Quando eu cheguei nas alturas
Encontrei com a Virgem Maria
503
A Virgem Me Soberana,
Foi Ela quem me ensinou.
Ela me mandou pra c,
Para ser um professor.
504
MARCHINHA - HINO INSTRUMENTAL
(* Andamento: andante 80)
127 - EU PEDI
505
Eu estou dentro desta casa,
Aqui no meio deste salo,
Estou alegre e satisfeito
Junto aqui com os meus irmos
Me mandaram eu voltar,
Eu estou firme, e vou trabalhar.
Ensinar aos meus irmos,
Aqueles que me escutar.
*O ltimo hino 129 - Pisei na Terra Fria (ver Anexo D, hino 10),
segundo a maioria dos daimistas antigos, deve ser executado em todos os
rituais em que se cantam os Hinos Novos.
O andamento do baile no ritual do Daime sincronizado com a msi-
ca. Geralmente o baile executado no Alto Santo em moderato entre 112
a 118 bpm.
506
Anexo I
Fotografias da Famlia Gomes
507
Anexo J
Ata da Reunio de Assemblia do Centro de
Iluminao Crista Luz Universal
508
Carioca. A seguir, o senhor Mestre Imperador, Raimundo Mestre Irineu
Serra, em breves palavras, disse da indescritvel alegria de que se achava
possudo, ante o momentoso alcance da concretizao do seu luminar ide-
al, naquela magnfica ocasio, por si j largamente definido, sob a gide do
divino poder, e as bnos da Virgem e Soberana Me Nossa Senhora da
Conceio. Facultada a palavra, pelo Senhor Mestre Imperador, dela fize-
ram uso o Conselheiro Jos Francisco das Neves Junior, e o conciliar Luis
Mendes do Nascimento, os quais, vivamente emocionados, parabenizaram
Mestre Raimundo Mestre Irineu Serra, pelo especial evento que, em to
excelente hora vinha de se concretizar, fruto inexpressvel de sua herclea
fora de vontade de tudo fazer em prol da humanidade em geral, e para
alcance de cujo esplendoroso xito de h muito vinha, mestre Raimundo
Mestre Irineu Serra, contando com o indispensvel apoio, e ilimitada con-
fiana dos valorosos e ilustres homens de bem, e o singular resguardo das
principais autoridades do mais novo Estado da Federao Brasileira. Nada
mais havendo a tratar, o senhor Mestre Imperador, Raimundo Mestre Iri-
neu Serra, deu por encerrada a presente reunio que, para satisfao geral,
contou com a presena de elevado numero de associados, e pessoas gradas,
especialmente convidadas. E, para constar foi lavrada a presente Ata que,
depois de lida e achada conforme, vai, no seu final, assinada pelo senhor
Mestre Imperador, Raimundo Mestre Irineu Serra, e demais membros
nomeados e empossados nos conselhos em referncia a, e por mim, Joo
Rodrigues Facundes Secretrio deste movl centro, que a escrevi, dato e
assino Rio Branco, 27 de janeiro de 1971. Assinam: Raimundo Mestre
Irineu Serra, Lencio Gomes da Silva, Jos Francisco das Neves, Jos Lima
da Silva, Luis Mendes do Nascimento, Emilio Mendona Furtado, Perci-
lia Matos da Silva, Joo Gualberto Serra, Daniel Arcelino Serra, Francisco
Granjeiro Filho, Peregrina Gomes Serra, Joo Rodrigues Facundes, Julio
Chaves Carioca.
509
Anexo K
Grupo Multidisciplinar de Trabalho
- GMT-AYAHUASCA: relatrio final
I - Introduo
1. O CONAD o rgo normativo do Sistema Nacional de Polticas P-
blicas sobre Drogas SISNAD e suas decises devero ser cumpridas
pelos rgos e entidades da Administrao Pblica integrantes do Siste-
ma (arts. 3o, I, 4o, 4o, II e 7o, do Decreto no 3.696, de 21/12/2000).
Assim, no exerccio de sua competncia legal aprovou parecer da CATC
que, por sua vez, adotou pareceres do colegiado que o precedeu o
CONFEN e abordou outros aspectos pertinentes ao tema o uso reli-
gioso da ayahuasca cumprindo destacar a observao final e as conclu-
ses do parecer que o CONAD aprovou: que fique registrado em ata,
para fins, inclusive de utilizao pelos interessados, que no pode haver
restrio, direta ou indireta, s prticas religiosas das comunidades, base-
ada em proibio do uso ritual da Ayahuasca.
2. O referido parecer concluiu: a) a cmara ratifica as decises anteriores
do colegiado, com os aditamentos do presente parecer, conforme referi-
do no ponto no 4; b) recomenda-se a consolidao, em separata, de to-
das as decises supracitadas, para acesso e utilizao dos interessados; c)
a liberdade religiosa e o poder familiar devem servir paz social, qual se
submete a autonomia individual; d) deve ser reiterada a liberdade do uso
religioso da Ayahuasca, tendo em vista os fundamentos constantes das
decises do colegiado, em sua composio antiga e atual, considerando a
inviolabilidade de conscincia e de crena e a garantia de proteo do Es-
tado s manifestaes das culturas populares, indgenas e afro-brasileiras,
com base nos arts. 5o, VI e 215, 1o da Constituio do Brasil, evitada,
assim, qualquer forma de manifestao de preconceito.
3. A Resoluo n 05 CONAD, de 10 de novembro de 2004, tem por
objetivo contribuir para a plena implementao do que foi discutido e
510
aprovado sobre o uso religioso da Ayahuasca, e para tanto foi consti-
tudo o GMT que, assim, ter por premissas as questes decididas pelo
CONAD, para laborar, com ampla liberdade, no estudo do que pre-
ciso fazer, ou seja, na formulao de documento que traduza a deon-
tologia do uso da Ayahuasca.
4. O Grupo Multidisciplinar de Trabalho, institudo pela Resoluo n. 5
CONAD, de 04 de novembro de 2004, para levantamento e acompa-
nhamento do uso religioso da Ayahuasca, bem como para a pesquisa de
sua utilizao teraputica, em carter experimental, foi oficialmente ins-
talado pelo Ministro-Chefe do Gabinete de Segurana Institucional da
Presidncia da Repblica e Presidente do Conselho Nacional Antidro-
gas, JORGE ARMANDO FELIX, em 30 de maio de 2006, no Palcio
do Planalto, em Braslia-DF, e teve como objetivo final a elaborao de
documento que traduzisse a deontologia do uso da Ayahuasca, como
forma de prevenir seu uso inadequado.
5. AYAHUASCA, aqui, referida de modo genrico, para manter a uni-
formidade do texto e a harmonia com a nomenclatura utilizada nos atos
oficiais do CONAD, mas conhecida por diversos outros nomes, con-
forme a comunidade que o usa no Brasil ou no Exterior, destacando-se
as expresses mais conhecidas HOASCA, SANTO DAIME e VE-
GETAL, compostos, indistintamente, pelo cip Banisteriopsis caapi
(jagube, mariri etc) e pela folha Psychotria viridis (chacrona, rainha etc.).
6. Nos termos da referida Resoluo, o GMT foi composto por seis es-
1
tudiosos , indicados pelo CONAD, das reas que atenderam, dentre
outros, os seguintes aspectos: antropolgico (representado pelo Dr.
Edward John Baptista das Neves MacRae), farmacolgico/bioqumi-
co (Dr. Isac Germano Karniol), social (Dr Roberta Salazar Uchoa),
psiquitrico (Dr. Dartiu Xavier da Silveira Filho) e jurdico (Dr Ester
Kosovski) e seis membros, convidados pelo CONAD, representantes dos
grupos religiosos que fazem uso da Ayahuasca, eleitos em Seminrio rea-
lizado em Rio Branco nos dias 9 e 10 de maro de 2006, a saber: Linha
do Padrinho Sebastio Mota de Melo: Alex Polari de Alverga; Linha do
Mestre Raimundo Irineu Serra: Jair Arajo Facundes e Cosmo Lima
de Souza; Linha do Mestre Jos Gabriel da Costa: Edson Lodi Cam-
pos Soares; Linha Independente (Outras Linhas): Luis Antnio Orlando
511
Pereira e Wilson Roberto Gonzaga da Costa. Considerando que a linha
do Mestre Daniel Pereira de Matos, popularmente conhecida como li-
nha da Barquinha, decidiu no participar do GMT, conforme carta en-
dereada ao CONAD, foi realizada durante o seminrio eleio entre os
suplentes j eleitos das linhas presentes para o preenchimento da vaga
em aberto. Nesta ocasio foi eleito mais um representante da linha do
Mestre Raimundo Irineu Serra.
7. O GMT contou com o apoio da Secretaria Nacional Antidrogas, re-
presentada pela Diretora de Polticas de Preveno e Tratamento, Dr
Paulina do Carmo Arruda Vieira Duarte, e da Assessoria Executiva do
CONAD, representada pelas Sras. Dborah de Oliveira Cruz e Maria de
Lourdes Carvalho. Em suas reunies ordinrias contou com o apoio do
Dr. Domingos Bernardo Gialluisi da Silva S, Jurista, Membro Titular
do CONAD e da Cmara de Assessoramento Tcnico Cientfico, tam-
bm representada pelo Dr. Marcelo de Arajo Campos e pela Dr Maria
de Lourdes Zenel.
8. Alm da primeira reunio em que os membros do GMT foram empossa-
dos, foram realizadas mais seis reunies de trabalho na Sala de Reunies
da Secretaria Nacional Antidrogas, nos dias 28/06, 28/07, 28/08, 23 e
24/10 e 23/11, todas registradas em atas, durante as quais se discutiu a
seguinte pauta: cadastramento das entidades; aspectos jurdicos e legais
para regulamentao do uso religioso e amparo do direito liberdade
de culto; regulao de preceitos para produo, uso, envio e transporte
da Ayahuasca; procedimentos de recepo de novos interessados na pr-
tica religiosa; definio de uso teraputico e outras questes cientficas;
Ayahuasca, cultura e sociedade; e, sistematizao do trabalho para elabo-
rao do documento final.
9. O objetivo final do GMT, nos termos da Resoluo n 05/04, do CO-
NAD, identificar o que preciso fazer para atender aos diversos
itens que integram os direitos e obrigaes pertinentes ao uso religioso
da Ayahuasca. O estudo desse o que preciso fazer constituiu-se,
exatamente, nas atividades desenvolvidas pelo GMT, traduzindo, assim,
a deontologia do uso da Ayahuasca: (deon, do grego: o que preciso
fazer + logos, tambm do grego: estudo).
512
II - Histrico da Regulamentao
do Uso da Ayahuasca
10. A instituio do Grupo Multidisciplinar de Trabalho expressa dever
constitucional do Estado Brasileiro de proteger as manifestaes popu-
lares e indgenas e garantir o direito de liberdade religiosa. Representa
o coroamento do processo de legitimao do uso religioso da Ayahuas-
ca no pas, iniciado h mais de vinte anos, com a criao do 1 Grupo
de Trabalho do CONAD (na poca CONFEN), designado para exa-
minar a convenincia da suspenso provisria da incluso da substn-
cia Banisteriopsis caapi na Portaria n 02/85, da DIMED (Resoluo
n 04/85, do CONFEN).
11. Este primeiro estudo, aps dois anos, com a realizao de vrias pesqui-
sas e visitas s comunidades usurias em diversos Estados da Federa-
o, principalmente ao Acre, Amazonas e Rio de Janeiro, resultou em
2
extenso relatrio , de setembro de 1987, subscrito pelo ento Conse-
lheiro do CONFEN, Doutor Domingos Bernardo Gialluisi da Silva S,
Presidente do Grupo de Trabalho, que concluiu que as espcies vege-
tais que integram a elaborao da bebida denominada de Ayahuasca
ficassem excludas das listas de substncias proscritas pela DIMED.
12. Esta concluso foi aprovada pelo plenrio do antigo Conselho Federal
de Entorpecentes, em reunio de setembro de 1987, de sorte que a
suspenso provisria da interdio do uso da Ayahuasca, levada a ter-
mo pela Resoluo n 06, do CONFEN, de 04 de fevereiro de 1986,
tornou-se definitiva, com a excluso da bebida e das espcies vegetais
que a compem das listas da DIMED.
13. A despeito disso, em 1991, em face de denncia annima, por iniciativa
do ento Conselheiro do CONFEN, Paulo Gustavo de Magalhes Pin-
to, Chefe da Diviso de Represso a Entorpecentes do Departamento
de Polcia Federal, a questo do uso da Ayahuasca foi reexaminada.
14. Disso resultou mais uma vez, por parte do CONFEN, a realizao de
estudos acerca do contexto de produo e do consumo da bebida,
desenvolvidos pelo Doutor Domingos Bernardo Gialluisi da Silva S,
o qual, em parecer conclusivo de 02/06/92, aprovado por unanimi-
dade na 5 Reunio Ordinria do CONFEN realizada na mesma data,
513
considerou que no havia razes para alterar a concluso proposta em
3
1987, no relatrio final j mencionado .
15. Dez anos depois, em face de denncias de uso inadequado da bebida
Ayahuasca, a maior parte divulgada na imprensa e outras tantas dirigi-
das aos rgos do Poder Pblico, notadamente CONAD, Polcia Fe-
deral e Ministrio Pblico, fato que est amplamente documentado na
consolidao das decises e estudos do CONAD e de outras institui-
es acerca do uso da Ayahuasca, novo Grupo de Trabalho foi definido
pela Resoluo n 26, de 31 de dezembro de 2002.
16. De acordo com esta resoluo, o GT deveria ser composto por diversas
4
instituies , com base no princpio da responsabilidade compartilhada,
agora com o objetivo de fixar normas e procedimentos que preservas-
sem a manifestao cultural religiosa, observando os objetivos e normas
estabelecidas pela Poltica Nacional Antidrogas e pelos diplomas legais
pertinentes. No h registro de que este grupo tenha sido constitudo.
17. Em 24 de maro de 2004 o CONAD solicitou Cmara de Assesso-
ramento Tcnico Cientfico a elaborao de estudo e parecer tcnico-
-cientfico a respeito de diversos aspectos do uso da Ayahuasca, ocasio
em que o referido rgo de assessoramento do CONAD emitiu parecer
apresentado e aprovado na Reunio do CONAD de 17/08/04, o qual
serviu de fundamento Resoluo n 5, do CONAD, de 04/11/04,
que institui o atual Grupo Multidisciplinar de Trabalho.
514
bm acerca de sua objetividade, de sorte que no constassem exign-
cias que viessem a invadir o direito individual intimidade, vida priva-
da e imagem dos usurios (art. 5, X, CF). Nesse sentido, chegou-se
ao consenso de que responder ou no ao cadastro seria uma faculdade
das entidades.
20. Fixados esses parmetros, o formulrio de cadastro foi colocado dis-
posio dos interessados, acompanhado de carta explicativa e cpia da
Resoluo n 05/04, do CONAD. At a presente data foi cadastrada
quase uma centena de entidades, dando tambm uma dimenso parcial
das diversas prticas que so adotadas pelas entidades que fazem uso
da Ayahuasca no Brasil. O cadastro continua disponvel s entidades
interessadas.
21. O GMT procurou destacar e consolidar as prticas que para as pr-
prias entidades representam o uso religioso adequado e responsvel,
anteriormente estabelecidos na Carta de Princpios, resultado do 1
Seminrio das entidades da Ayahuasca, realizado em Rio Branco em
24 de novembro de 1991. Nas discusses priorizaram-se os seguintes
temas: definio de uso ritual, comrcio, turismo, publicidade, asso-
ciao da Ayahuasca com outras substncias, criao de novos centros,
auto-sustentabilidade das entidades, procedimentos de recepo de
novos interessados, curandeirismo, uso teraputico, assim como defi-
nio de mecanismos para tornar efetivos os princpios deontolgicos
formulados. A maior parte das deliberaes do grupo foi consensual e
esto sintetizadas no item V Concluso.
IV - Temas Discutidos
Iv.I - Uso Religioso da Ayahuasca
515
rentes de estudos multidisciplinares determinados pelo antigo CON-
FEN, desde 1985, que constatavam que h muitas dcadas o uso da
Ayahuasca vem sendo feito, sem que tenha redundado em qualquer
5
prejuzo social conhecido .
23. A correta identificao do que uso religioso, segundo os conceitos
e prticas ditadas, a partir das prprias entidades que fazem uso da
Ayahuasca, permitir assegurar a proteo da liberdade de crena pre-
vista na Constituio Federal. Considerando a ocorrncia de registros
de uso no religioso da Ayahuasca, sua identificao possibilitar pre-
venir prticas que no se amoldam proteo constitucional.
24. Trata-se, pois, de ratificar a legitimidade do uso religioso da Ayahuasca
como rica e ancestral manifestao cultural que, exatamente pela rele-
vncia de seu valor histrico, antropolgico e social, credora da pro-
6
teo do Estado, nos termos do art. 2, caput, da Lei 11.343/06 e
do art. 215, 1, da CF. Devem-se evitar prticas que possam pr em
risco a legitimidade do uso religioso tradicionalmente reconhecido e
protegido pelo Estado brasileiro, incluindo-se a o uso da Ayahuasca as-
sociado a substncias psicoativas ilcitas ou fora do ambiente ritualstico.
Iv.Ii - Comercializao
516
usuria. E evidente, tambm, que a produo da Ayahuasca tem um
custo, que pode variar de acordo com a regio que a produz, a quantida-
de de adeptos, a maior ou menor facilidade com que se adquire a matria
prima (cip e folha), se se trata de plantio da prpria entidade ou se as
plantas so obtidas na floresta nativa, e tantas outras variveis.
28. Historicamente, porm, de acordo com a experincia das entidades reli-
giosas chamadas a compor o Grupo Multidisciplinar de Trabalho, esse
custo partilhado no seio da instituio por meio das contribuies
dos membros de cada entidade. Os scios respondem pelas despesas
de manuteno da organizao religiosa, nas quais esto includos os
gastos com a produo da Ayahuasca, com prestao de contas regular.
29. O uso religioso responsvel na produo da Ayahuasca delineado a
partir da constatao das prticas das entidades: a) cultivar as plantas e
preparar a Ayahuasca, em princpio, para seu prprio consumo; b) bus-
car a sustentabilidade na produo das espcies; e, c) quando no pos-
suir cultivo prprio e nenhuma forma de obteno da matria prima
na floresta nativa sem prejuzo de buscar a auto-suficincia em prazo
razovel nada obsta obter o ch mediante custeio das despesas to
somente, evitando-se que pessoas, grupos ou entidades se dediquem,
com exclusividade ou majoritariamente, ao fornecimento a terceiros.
IV.IV - Turismo
31. Turismo, como atividade comercial, deve ser evitado pelas entidades,
que por se constiturem em instituies religiosas, no devem se orien-
tar pela obteno de lucro, principalmente decorrente da explorao
dos efeitos da bebida.
517
32. A Constituio Federal garante o livre exerccio dos cultos religiosos,
que tem como conseqncia o direito propagao da f atravs do
intercmbio legitimo de seus membros. Neste sentido todos tm di-
reito de professar a sua f livremente e de promover eventos dentro
dos limites legais estabelecidos. O que se quer evitar que uma prtica
religiosa responsvel, sria, legitimamente reconhecida pelo Estado,
venha a se transformar, por fora do uso descomprometido com prin-
cpios ticos, em mercantilismo de substncia psicoativa, enriquecendo
pessoas ou grupos, que encontram no argumento da f apenas o escu-
do para prticas inadequadas.
518
que tradicionalmente se atribui Ayahuasca dentro dos rituais religiosos
no terapia no sentido acima definido, constitui-se em ato de f e, assim
sendo, ao Estado no cabe intervir na conduta de pessoas, grupos ou en-
tidades que fazem esse uso da bebida, em contexto estritamente religioso.
Em outra condio se encontram aqueles que se utilizam da bebida fora
do contexto religioso. Isto nada tem que ver com uso religioso, e tal pr-
tica no est reconhecida como legtima pelo CONAD, que se limitou
a autorizar o uso da substncia em rituais religiosos.
37. A utilizao teraputica da Ayahuasca em atividade privativa de pro-
fisso regulamentada por lei depender da habilitao profissional e
respaldo em pesquisas cientficas, pois de outra forma haver exerccio
ilegal de profisso ou prtica profissional temerria.
38. Qualquer prtica que implique utilizao de Ayahuasca com fins estri-
tamente teraputicos, quer seja da substncia exclusivamente, quer seja
de sua associao com outras substncias ou prticas teraputicas, deve
ser vedada, at que se comprove sua eficincia por meio de pesquisas
cientficas realizadas por centros de pesquisa vinculados a instituies
acadmicas, obedecendo s metodologias cientficas. Desse modo,
o reconhecimento da legitimidade do uso teraputico da Ayahuasca
somente se dar aps a concluso de pesquisas que a comprovem.
39. Com fundamento nos relatos dos representantes das entidades usu-
rias, verificou-se que as curas e solues de problemas pessoais devem
ser compreendidas no mesmo contexto religioso das demais religies:
enquanto atos de f, sem relao necessria de causa e efeito entre uso
da Ayahuasca e cura ou solues de problemas.
519
41. O uso religioso responsvel da Ayahuasca pressupe a presena de pes-
soas experientes, que saibam lidar com os diversos aspectos que envol-
vem essa prtica, a saber: capacidade de identificar as espcies vegetais
e de preparar a bebida, reconhecer o momento adequado de servi-la,
discernir as pessoas a quem no se recomenda o uso, alm de todos os
aspectos ligados ao uso ritualstico, conforme sua orientao espiritual.
42. Embora se reconhea o ato de f solitrio e isolado, usualmente a prtica
religiosa se desenvolve coletivamente. recomendvel que os grupos
constituam-se em organizaes formais, com personalidade jurdica,
consolidando a idia de responsabilidade, identidade e projeo social,
que possibilite aos usurios a prtica religiosa em ambiente de confiana.
43. Alm dos princpios inerentes a cada uma das linhas doutrinrias na
recepo de novos membros, razovel e prudente que ao se ministrar
a Ayahuasca seja levado em conta o relato de alteraes mentais ante-
riores, o estado emocional no momento do uso e que eles no estejam
sob efeito de lcool ou outras substncias psicoativas.
44. Antes de ingerir pela primeira vez, o interessado deve ser informado
acerca de todas as condies que se exigem para o uso da Ayahuas-
ca, conforme a orientao de cada entidade. Uma entrevista prvia,
oral ou escrita, deve ser realizada no sentido de averiguar as condies
do interessado e a ele devem ser dados os esclarecimentos necessrios
acerca dos efeitos naturais da bebida.
45. recomendvel que cada entidade acompanhe os participantes at a
finalizao de seus rituais, excetuada a sada previamente solicitada em
casos excepcionais e com a anuncia do responsvel.
520
deve permanecer como objeto de deliberao dos pais ou responsveis,
no adequado exerccio do poder familiar (art. 1634 do CC); e quanto
s grvidas, cabe a elas a responsabilidade pela medida de tal participa-
o, atendendo, permanentemente, a preservao do desenvolvimento
e da estruturao da personalidade do menor e do nascituro.
V - Concluso
a. Considerando que o CONAD, acolhendo parecer da Cmara de Asses-
soramento Tcnico Cientfico, reconheceu a legitimidade do uso reli-
gioso da Ayahuasca, nos termos da Resoluo n 05/04, que instituiu
o GMT para elaborar documento que traduzisse a deontologia do uso
da Ayahuasca, como forma de prevenir seu uso inadequado;
b. Considerando que o GMT, aps diversas discusses e anlises, onde
prevaleceu o confronto e o pluralismo de idias, considerou como
uso inadequado da Ayahuasca a prtica do comrcio, a explorao
turstica da bebida, o uso associado a substncias psicoativas ilcitas,
o uso fora de rituais religiosos, a atividade teraputica privativa de
profisso regulamentada por lei sem respaldo de pesquisas cientifi-
cas, o curandeirismo, a propaganda, e outras prticas que possam
colocar em risco a sade fsica e mental dos indivduos;
c. Considerando que a dignidade da pessoa humana princpio fundan-
te da Repblica Federativa do Brasil, e dentre os direitos e garantias
dos cidados sobressai-se a liberdade de conscincia e de crena como
direitos inviolveis, cabendo ao Estado, na forma da lei, garantir a pro-
teo aos locais de culto e a suas liturgias (CF, arts. 1, III, 5, VI);
d. Considerando a deciso do INCB (International Narcotics Control
Board), da Organizao das Naes Unidas, relativa Ayahuasca,
que afirma no ser esta bebida nem as espcies vegetais que a com-
pem objeto de controle internacional;
e. Considerando, por fim, que o uso ritualstico religioso da Ayahuasca,
h muito reconhecido como prtica legitima, constitui-se manifes-
tao cultural indissocivel da identidade das populaes tradicio-
nais da Amaznia e de parte da populao urbana do Pas, cabendo
521
ao Estado no s garantir o pleno exerccio desse direito mani-
festao cultural, mas tambm proteg-la por quaisquer meios de
acautelamento e preveno, nos termos do art. 2, caput, Lei
11.343/06 e art. 215, caput e 1 c/c art. 216, caput e 1
e 4 da Constituio Federal.
522
6. A prtica do curandeirismo proibida pela legislao brasileira.
As propriedades curativas e medicinais da Ayahuasca que as en-
tidades conhecem e atestam requerem uso responsvel e devem
ser compreendidas do ponto de vista espiritual, evitando-se toda e
qualquer propaganda que possa induzir a opinio pblica e as auto-
ridades a equvocos;
7. Recomenda-se aos grupos que fazem uso religioso da Ayahuasca
que se constituam em organizaes jurdicas, sob a conduo de
pessoas responsveis com experincia no reconhecimento e cultivo
das espcies vegetais sagradas, na preparao e uso da Ayahuasca e
na conduo dos ritos;
8. Compete a cada entidade religiosa exercer rigoroso controle sobre o
sistema de ingresso de novos adeptos, devendo proceder entrevista
dos interessados na ingesto da Ayahuasca, a fim de evitar que ela
seja ministrada a pessoas com histrico de transtornos mentais, bem
como a pessoas sob efeito de bebidas alcolicas ou outras substn-
cias psicoativas;
9. Recomenda-se ainda manter ficha cadastral com dados do partici-
pante e inform-lo sobre os princpios do ritual, horrios, normas,
incluindo a necessidade de permanncia no local at o trmino do
ritual e dos efeitos da Ayahuasca.
10. Observados os princpios deontolgicos aqui definidos, cabe a cada
entidade e a seus membros indistintamente, no relacionamento ins-
titucional, religioso ou social que venham a manter umas com as ou-
tras, em qualquer instncia, zelar pela tica e pelo respeito mtuo.
Proposies:
523
2. Quanto questo ambiental e ao transporte:
a. Sugere-se ao CONAD que considere a possibilidade de intercmbio
com o CONAMA, se possvel lanando mo do auxlio das enti-
dades religiosas, no sentido de estabelecer medidas de proteo s
espcies vegetais que servem de matria prima Ayahuasca, por
meio de legislao especfica para essas plantas de uso ritualstico
religioso, as quais no podem ser tratadas indistintamente como um
produto florestal no madeireiro.
b. Sugere-se ao CONAD ainda, que faa os encaminhamentos devi-
dos junto aos rgos competentes do Estado, no sentido de regula-
mentar o transporte interestadual da Ayahuasca entre as entidades,
ouvindo-se previamente os interessados.
524
Dartiu Xavier da Silveira Filho
Presidente do GMT - Representante do CONAD
Ester Kosovsky
Universidade Federal do Rio de Janeiro e OAB-RJ
525
Notas
1 A especialista na rea de psicologia, indicada pelo CONAD, Dra. Eroy Aparecida da
Silva declinou de sua participao no GMT.
2 Vide Dossi Ayahuasca GMT (2006)
3 Vide Dossi Ayahuasca GMT (2006)
4 Ministrios da Justia, Relaes Exteriores, Agricultura, Pecuria e Abastecimento,
Departamento de Polcia Federal, ANVISA, IBAMA, FUNAI, OAB, Associao Mdi-
ca Brasileira, Associao Brasileira de Psiquiatria e confisses religiosas usurias do ch
Ayahuasca.
5 Vide Dossi Ayahuasca GMT (2006)
6 Art. 2o Ficam proibidas, em todo o territrio nacional, as drogas, bem como o plantio,
a cultura e a explorao de vegetais e substratos dos quais possam ser extradas ou pro-
duzidas drogas, ressalvada a hiptese de autorizao legal ou regulamentar, bem como
o que estabelece a Conveno de Viena, das Naes Unidas, sobre Substncias Psicotr-
picas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualstico-religioso
Isac Germano Karniol, Domingos Bernardo Gialluisi da Silva S, Jair Arajo Facundes,
Wilson Roberto Gonzaga da Costa, Edson Lodi Campos Soares, Cosmo Lima de Souza,
Luis Antnio Orlando Pereira, Roberta Salazar Uchoa, Alex Polari de Alverga,
Edward MacRae, Dartiu Xavier da Silveira Filho.
526
Anexo L
Resoluo n. 1, de 25 de janeiro de 2010 do
Conselho Nacional de Polticas Sobre Drogas
527
Considerando que nas seis reunies de trabalho o Grupo Multidisci-
plinar de Trabalho (GMT) discutiu a seguinte pauta (Introduo, itens 8
e 9 do Relatrio Final): cadastramento das entidades; aspectos jurdicos e
legais para regulamentao do uso religioso e amparo ao direito liberdade
de culto; regulao de preceitos para produo, uso, envio e transporte da
Ayahuasca; procedimentos de recepo de novos interessados na prtica
religiosa; definio de uso teraputico e outras questes cientficas (item 8
do Relatrio Final);
Considerando que o objetivo final do Grupo Multidisciplinar de Tra-
balho (GMT), nos termos da Resoluo n. 5 - CONAD, 2004, identi-
ficar o que preciso fazer para atender aos diversos itens que integram
os direitos e obrigaes pertinentes ao uso religioso da Ayahuasca (item
9 do Relatrio Final);
Considerando a deciso do INCB (International Narcotics Control
Board), da Organizao das Naes Unidas, relativa Ayahuasca, que afir-
ma no ser esta bebida nem as espcies vegetais que a compem objeto de
controle internacional;
Considerando, finalmente, as Proposies do Grupo Multidiscipli-
nar de Trabalho (GMT), em seu Relatrio Final, numeradas de 1 a 3 e suas
respectivas alneas; Resolve:
Art. 1 Determinar a publicao, na ntegra, do Relatrio Final, do
Grupo Multidisciplinar de Trabalho (GMT), fazendo-o parte integrante da
presente Resoluo.
Art. 2 Independentemente da publicao oficial, dar ampla publici-
dade presente Resoluo, com o anexo Relatrio Final, atravs da entrega
deste expediente a todos os conselheiros integrantes do Conselho Nacional
de Polticas sobre Drogas (CONAD), inclusive para encaminhamento s
instituies que representam, para os fins previstos na ementa da presente
Resoluo.
Art. 3 Esta Resoluo entra em vigor na data de sua publicao.
528
Anexo M
Msicas de Erothides Campos
529
No alto do campanrio
Uma cruz simboliza o passado
De um amor que j morreu
Deixando um corao amargurado
L no infinito azulado
Uma estrela formosa irradia
A mensagem do meu passado
Quando o sino tange Ave Maria
530
Anexo N
Clulas Rtmicas na Msica do Daime*
Marcus Castelo Schaaf
531
A marcha o ritmo mais frequente dos hinos:
532
Observao: Variaes rtmicas podem ocorrer, principalmente na
marcha, porque as pessoas trocam os tempos fortes (1 e 3), um pelo ou-
tro. Tambm comun observar, que os bailantes desconsideram o ANA-
CRUSE, pois, nem sempre a melodia (o canto) comea no tempo forte.
533
Na ritmica melodica dos hinos encontramos uma combinao de
semnimas com colcheias duplas, as vezes mnimas, ou uma combi-
nao de seminimas potuadas com colcheais nicas.
*Anlise feita por: Dr.C.H Marcus Castelo Schaaf da Cultura, das Artes e
da Sade Social da Bahia pela UNI-A, Universidade corporativa das Am-
ricas, atravs da fundao Luiz Ademir-Flamir, diplomado pela FUTURE
MUSIC SCHOOL, Frankfurt/Alemanha.
534
Anexo O
Calendrio Ritual
535
Segundo as lideranas destes centros esto seguindo as ltimas recomenda-
es do Mestre Irineu. H tambm centros na comunidade do Daime que
cantam e bailam os hinrios dos companheiros: Germano Guilherme, Joo
Pereira, Maria Damio e Antnio Gomes. Sempre ao final dos hinrios nas
duas variantes so executados os hinos novos de Mestre Irineu. Neste dia,
tambm se canta o Bendito trazido por Francisca Mendes para o Mestre
Irineu no final do trabalho (h sugestes de cant-lo tambm a meia noite).
Antes do Bendito se canta o hino do cruzeiro Sexta Feira-Santa. Fala-se
que Mestre Irineu nunca executou a Santa Missa nessa data e nem dava
vivas. Neste rito usa-se a farda azul.
30 de Abril: aniversrio de nascimento de Antnio Gomes. Nesta
data, cantado o hinrio de Antnio Gomes e os hinos novos de Mestre
Irineu ao Final. Dos companheiros mais antigos de Mestre Irineu o nico
com data fixa de hinrio de aniversrio. Usa-se farda azul.
23 de Junho: vspera do dia de So Joo. Neste dia cantado e bai-
lado o hinrio do Germano Guilherme e O Cruzeiro de Mestre Irineu.
H centros que s executam o O Cruzeiro. a nica data quando se
acende fogueira. O rito iniciado s 18:00 horas com o Tero e, s 18:45
a distribuio de daime. Todos os bailados de farda branca comeam nes-
te mesmo horrio. Fala-se que Mestre Irineu convencionou o dia de So
Joo e Natal como datas oficiais para batismos de crianas e fardamento
de adventcios na farda branca. Geralmente o adventcio iniciava na azul
sem estrela. Diz-se que Mestre Irineu no tinha nenhum rito para o farda-
mento. Apenas o adventcio entrava nas fileiras do bailado como todos os
outros participantes sem distino entre os outros fardados, sem discursos
de apresentao ou hinos especiais para fardamento. Usa-se farda branca.
6 de Julho: aniversrio de falecimento do Mestre Irineu. Nesta data
a comunidade do Daime faz uma Missa iniciada s 16:00. E somente s
18:00 reza-se novamente o tero para dar inicio a distribuio do Daime s
18:45. Foi convencionado cantar O Cruzeiro sentado a capela (s voz)
sem instrumentos, sem marac e sem mesrios em volta da mesa central
do salo. Fora o dia de aniversrio de falecimento do Mestre Irineu e dia
de Finados, a Santa Missa s executada no dia de falecimento de algum
fardado da comunidade, geralmente aps o velrio, depois o rito repete-se
536
com sete dias, um ms, seis meses e cada ano depois da morte, usando-se
a farda azul em todas as missas. No dia 6 de julho usa-se farda branca.
1 e 2 de Novembro: dia de Todos os Santos e dia de Finados.
Neste dia so cantados e bailados os hinrios dos companheiros do mestre
Irineu: Germano Guilherme, Joo Pereira, Maria Damio, Antnio Gomes
e os hinos novos do Mestre Irineu. Igualmente aos outros festejos inicia-se
o tero s 18:00 horas, a distribuio s 18:45 e o baile as 19:00 horas.
D-se viva at antes da meia noite. Depois da meia noite o baile segue sem
vivas, pois, j dia de finados. Ao final do baile realizada a Santa Missa
(sem mesrios) que inicia com a reza do Tero. Aps a Missa muitos dos
seguidores de Mestre Irineu se dirigem ao cemitrio para visitar o tmulo
de parentes. Usa-se farda azul neste dia.
7 de Dezembro: vspera de Nossa Senhora da Conceio. Nesta
data so cantados e bailados os hinrios do Germano Guilherme e O Cru-
zeiro de Mestre Irineu. H centros que s executam O Cruzeiro. Fala-
-se que Nossa Senhora da Conceio era comemorado na casa do Germano
Guilherme e que foi trazido para a sede central somente em 1963. Assim,
esta data tornou-se festejo oficial um ano antes de Germano Guilherme
falecer. Diz-se tambm que foi a partir da que o hinrio do Germano
Guilherme foi oficializado para execuo na abertura dO Cruzeiro de
Mestre Irineu, nas datas de Nossa Senhora da Conceio, Natal, Reis e So
Joo. Nessas datas cantado tambm o hino da Confisso. Usa-se farda
branca.
14 de Dezembro: vspera do Aniversrio de nascimento de Mestre
Irineu. At 1969 comemorava-se o aniversario do lder com dana de salo
servindo-se daime. Em 1970 passaram a festejar seu aniversrio, cantando
somente o O Cruzeiro, sem o hinrio de Germano Guilherme. Usa-se
farda branca.
24 de Dezembro: vspera do dia de Natal. Neste dia cantado
e bailado o hinrio de Germano Guilherme e O Cruzeiro de Mestre Iri-
neu. H centros que s executam O Cruzeiro. O rito iniciado s 18:00
horas com o Tero, s 18:45 faz-se a distribuio de daime e s 19:00 horas
iniciado o bailado (A maioria do bailes oficiais seguem esses mesmos ho-
rrios). No Natal, assim como no dia de So Joo, Mestre Irineu realizava
537
batismos de crianas e fardamento de adventcios na farda branca. Os ba-
tismos eram feitos ao final do festejo, depois de encerrado o baile. Usa-se
farda branca nesta data.
5 de janeiro: vspera do dia dos Santos Reis. Nesta data cantado
e bailado o hinrio de Germano Guilherme e O Cruzeiro de Mestre
Irineu. H centros que s executam O Cruzeiro. Nesta data tambm
cantado ao final do hinrio um hino do Mestre Irineu que s executado
nesse dia, chamado 25 - Oferecimento. tambm nesse dia, que feito o
ritual da entrega dos trabalhos, simbolizando o final do calendrio anual do
Daime. Usa-se farda branca.
538
Entrevistados
1 2
5 6
541
7 8
10
12
11
7. Loudes Carioca
8. Raimundo Ferreira (Loredo) e Alzira Ferreira
9. Joo do Rio Branco
10. Jlio Chaves Carioca (membro do Conselho Comunitrio - CICLU)
11. Franciso Granjeiro (feitor de Mestre Irineu)
12. Emlio Furtado (membro do Conselho Comunitrio - CICLU)
542
13 14
16
15
18
17
13. Raimundo Marques Vieira e Matilde Marques Vieira (filhos deMaria Damio)
14. Joo Facundes (Nica) (secretrio de CICLU)
15. Lus Mendes Nascimento (orador de Mestre Irineu)
16. Otlia Serra(esposa de Daniel Serra)
17. Paulo Serra (filho de criao de Mestre Irineu)
18. Paulo Severino (antigo seguidor de Mestre Irineu)
543
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556
Lista de Imagens
Figura 1. Primeira parte do registro de casamento de Joana DAssuno
Serra e Sancho Martinho de Mattos.
Fonte: Acervo da Parquia de So Vicente Frrer. Foto de Paulo Moreira.
Figura 2. Segunda parte do registro de casamento dos pais de Irineu.
Fonte: Acervo da Parquia de So Vicente Frrer. Foto de Paulo Moreira.
Figura 3. Certido de nascimento de Irineu.
Fonte: Acervo da Parquia de So Vicente Frrer. Foto de Paulo Moreira.
Figura 4. Casa onde nasceu Irineu, Santa Tereza So Vicente Frrer-MA.
Fonte: Acervo e foto de Eduardo Bayer.
Figura 5. Igreja Matriz de So Vicente Frrer onde se casaram os pais de
Irineu e onde ele foi batizado.
Fonte: Patrimnio Histrico do Acre. Acervo do Memorial dos Autono-
mistas.
Figura 6. Carteira de Trabalho da irm de Irineu - Maria Matos, 05/05/1905
(sobrenome paterno Matos).
Fonte: Acervo e foto de Paulo Moreira.
Figura 7. Carteira de Identidade de Raimundo Irineu Serra.
Fonte: Acervo do Memorial do Mestre Irineu. Foto de Eduardo Bayer.
Figura 8. Ruas de So Vicente Frrer no comeo do sculo XX.
Fonte: Patrimnio Histrico do Maranho.
Figura 9. Rua do centro de So Lus, 1910.
Fonte: Patrimnio Histrico do Maranho. Acervo Galdncio Cunha.
559
Figura 10. Quartel de Infantaria em So Lus, MA, em 1910.
Fonte: Patrimnio Histrico do Maranho. Acervo Galdncio Cunha.
Figura 11. Cais da Praia Grande, porto da onde Irineu partiu para Ama-
znia em 1909.
Fonte: Patrimnio Histrico do Maranho. Acervo Galdncio Cunha.
Figura 12. Embarcaes a vapor da poca que saam de So Lus-MA para
Belm-PA.
Fonte: Patrimnio Histrico do Maranho. Acervo Galdncio Cunha.
Figura 13. Localizao do Acre.
Fonte:<http://www.viagemdeferias.com/mapa/acre/> acesso em: 25 de
maro de 2011.
Figura 14. Chegada de Irineu ao Territrio Federal do Acre
Fonte: Patrimnio Histrico do Acre. Acervo do Memorial dos Autono-
mistas. Foto trabalhada graficamente por Paulo Moreira.
Figura 15. Evoluo histrica do Acre.
Fonte: Patrimnio Histrico do Acre. Acervo do Memorial dos Autono-
mistas.
Figura 16. Cidade de Xapur - Emlio Falco. lbum do Rio Acre, p. 152
- Data: 1906-1907.
Fonte: Patrimnio Histrico do Acre. Acervo do Memorial dos Autono-
mistas.
Figura 17. Cabealho do papel timbrado do Crculo Regenerao e F.
Fonte: Acervo de Jesus Costa. Foto de Paulo Moreira.
Figura 18. Anotaes de Alberto Costa de 1972 sobre Livro Ata do CRF - I.
Fonte: Acervo de Jesus Costa. Foto de Paulo Moreira.
Figura 19. Anotaes de Alberto Costa de 1972 sobre Livro Ata do CRF - II.
Fonte: Acervo de Jesus Costa. Foto de Paulo Moreira.
Figura 20. Anotaes de Alberto Costa de 1972 sobre Livro Ata do CRF - III.
Fonte: Acervo de Jesus Costa. Foto de Paulo Moreira.
Figura 21. Comunicao ou prtica da Vossa Delatada da Floresta - CRF.
Fonte: Acervo de Jesus Costa. Foto de Paulo Moreira.
Figura 22. Fragmento do Livro Ata do CRF, provavelmente entre 1916
e 1920.
Fonte: Acervo de Jesus Costa. Foto de Paulo Moreira.
560
Figura 23. Porto da cidade de Rio Branco em 1912 (oito anos antes da
chegada de Irineu).
Fonte: Patrimnio Histrico do Acre. Acervo do Memorial dos Autonomistas.
Figura 24. Boletim, n. 172 da Fora Policial (documento inteiro).
Fonte: Acervo da polcia Militar do Acre em Rio Branco. Foto de Paulo
Moreira.
Figura 25. Ttulo inicial do documento datando 23 de junho de 1922.
Fonte: Acervo da polcia Militar do Acre em Rio Branco. Foto de Paulo
Moreira.
Figura 26. Germano Guilherme e Joo Pereira constam na lista de louvor
de 23 de junho de 1922.
Fonte: Acervo da polcia Militar do Acre em Rio Branco. Foto de Paulo
Moreira.
Figura 27. Quartel da Fora Policial construdo em alvenaria e inaugura-
do em 15/11/1929 em Rio Branco-AC.
Fonte: Patrimnio Histrico do Acre. Acervo do Memorial dos Autono-
mistas.
Figura 28. Carteira de identidade Manoel Fontenele de Castro.
Fonte: Patrimnio Histrico do Acre. Acervo do Memorial dos Autono-
mistas.
Figura 29. Fontenele no incio da carreira militar.
Fonte: Patrimnio Histrico do Acre. Acervo do Memorial dos Autono-
mistas.
Figura 30. As tribos de lngua Pano se concentravam entre o Dep. do
Alto Taruac e Dep. do Alto Purus.
Fonte: Patrimnio Histrico do Acre. Acervo do Memorial dos Autono-
mistas.
Figura 31. Certido de casamento de Mestre Irineu Serra com Raimunda
Marques Feitosa - 31/7/1937.
Fonte: Acervo do Memorial do Mestre Irineu. Foto de Eduardo Bayer.
Figura 32. Da esquerda para direita, Francisca Marques Feitosa, Lau-
ra filha de Maria Marques Vieira (Maria Damio), Veriana Brando, Ma-
ria das Dores Ribeiro (Bibi - irm de D. Perclia), Maria Franco (me de
D. Raimunda), Perclia Ribeiro, D. Raimunda, Paulo Serra (criana) e
561
Mestre Irineu (foto tirada em 1949).
Fonte: Acervo de Antnio Macedo.
Figura 33. Foto tirada do Cruzeiro e da mesa de Mestre Irineu.
Fonte: Acervo de Mestre Irineu. Foto de Eduardo Bayer.
Figura 34. Cruzeiro no exterior da sede.
Fonte: Emlio Furtado Mendna.
Figura 35. Mestre Raimundo, Mestre Irineu Serra e a irmandade na ra-
mada da Vila Ivonete no final dcada de 1930. Da esquerda para direita:
Raimundo Gomes, Joo Ribeiro, Manoel Dantas, Antnio Gomes, Mano-
el Belm, Germano Guilherme, Daniel Pereira de Mattos, Jos das Neves,
Raimundo Irineu Serra, Joo Pereira, Antnio Roldo, Pedro Corrente,
Joo de Sena, Pedro Ribeiro, depois do prximo, Sebastio G. Nascimento
e o velho Tamandar. Na frente, as crianas: Adlia, Laura, Perclia, Bibi
(identificadas) e outras no identificadas.
Fonte: <http://www.afamiliajuramidam.org/comunidade/historia/
vilaivonete.html> Acesso em: 12 fevereiro de 2009.
Figura 36. Foto de Daniel Pereira de Mattos.
Fonte: Patrimnio Histrico do Acre. Memorial dos Autonomistas.
Figura 37. Servio Especial de Mobilizao de Trabalhadores para a
Amaznia
Fonte: Patrimnio Histrico do Acre. Acervo do Memorial dos Autono-
mistas.
Figura 38. Passeata dos soldados da borracha.
Fonte: Patrimnio Histrico do Acre. Acervo do Memorial dos Autono-
mistas.
Figura 39. Soldados da borracha.
Fonte: Patrimnio Histrico do Acre. Acervo do Memorial dos Autono-
mistas.
Figura 40. Seringueiros.
Fonte: Patrimnio Histrico do Acre. Acervo do Memorial dos Autono-
mistas.
Figura 41. Foto do croqui do entorno de Rio Branco 1960. Organogra-
ma da mudana de Mestre Irineu da Vila Ivonete para a Colocao Espa-
lhado na Custdio Freire em 1945.
Fonte: Acervo do INTERACRE. Foto de Paulo Moreira.
562
Figura 42. Mapeamento do INCRA das terras nos arredores de Rio Bran-
co -1980. A rea em evidncia no mapa corresponde s terras de Mestre
Irineu com suas respectivas divises atuais.
Fonte: Acervo do INCRA. Foto de Paulo Moreira.
Figura 43. Licena de Ocupao a Ttulo Provisrio.
Fonte: Acervo do INTERACRE. Foto de Paulo Moreira.
Figura 44. Verso da Folha de Ocupao e Ttulo Provisrio. Fonte: Acer-
vo do INTERACRE. Foto de Paulo Moreira.
Figura 45. Foto dos seguidores de Mestre Irineu (batalho masculino)
em frente da primeira sede com cobertura de palha no Alto da Santa Cruz.
Mestre Irineu o mais alto de chapu.
Fonte: https://picasaweb.google.com/118259227652451791456/Che-
feImpRioJuramidThcaapi#5285779065694053010. Acesso em: 23 de
novembro de 2010.
Figura 46. Foto do grupamento feminino, D. Raimunda est ao centro
sem farda. Fala-se que D. Raimunda passou a usar duas faixas verdes cru-
zadas na frente da camisa.
Fonte: <http://www.afamiliajuramidam.org/comunidade/Mestre/mes-
tre36.html>. Acesso em: 26 de outubro de 2009.
Figura 47. O Governador Guiomard dos Santos discursando por ocasio
da inaugurao do novo prdio da Imprensa Oficial, em 1948.
Fonte: Patrimnio Histrico do Acre. Acervo do Memorial dos Autono-
mistas.
Figura 48. Foto da sede e casa de Mestre Irineu construda no incio da
dcada de 1950. Mestre Irineu est na porta da casa.
Fonte: Acervo de Jairo Carioca.
Figura 49. Foto do registro civil de casamento de Mestre Irineu e D. Pe-
regrina.
Fonte: Frum de Rio Branco. Foto de Paulo Moreira.
Figura 50. Foto de casamento de Mestre Irineu e D. Peregrina.
Fonte: <http://www.mestreirineu.org/Mestre14.jpg>. Acesso em: 23 ju-
lho de 2008.
Figura 51. Foto do registro de bito de Joana Serra, me de Mestre Irineu.
Fonte: Frum de So Vicente Frre -MA. Foto de Paulo Moreira.
Figura 52. Farda das meninas.
563
Fonte: Acervo de Emlio Furtado Mendona.
Figura 53. Fardas das mulheres.
Fonte: <http://www.mestreirineu.org/Mestre05.jpg>. Acesso em: 22 de
maio de 2009.
Figura 54. Fardas dos homens com uso de fitas.
Fonte: <http://www.mestreirineu.org/Mestre16.jpg>. Acesso em: 14 de
fevereiro de 2008.
Figura 55. Farda dos meninos com fitas.
Fonte: Acervo de Emlio Furtado Mendona.
Figura 56. Ritual de festejo realizado de farda branca na sede e casa de
Mestre Irineu. Foto tirada no incio de 1960.
Fonte: <http://www.afamiliajuramidam.org/comunidade/historia/alto-
santo_salao.html>. Acesso em: 7 de maio de 2009.
Figura 57. Baile de So Gonalo realizado em So Vicente Frrer.
Fonte: Acervo de Paulo Moreira.
Figura 58. Elpdio, primo de Mestre Irineu, antigo tocador de Tambor
de Crioula de So Lus.
Fonte: Mrcio Vasconcelos.
Figura 59. Reunio poltica em 1955: Mestre Irineu est direita, de
roupa e chapu brancos.
Fonte: Antnio Macedo
Figura 60. Valrio Caldas Magalhes e Mestre Irineu no Alto Santo.
Fonte: <http://www.mestreirineu.org/Mestre25.jpg>. Acesso em: 5 de
abril de 2009.
Figura 61. Foto tirada na inaugurao do centro mecanizado do Alto
Santo em 1968. So as seguintes as pessoas da foto, da esquerda para di-
reita: Mestre Irineu, Agnaldo Moreno (secretrio de produo), Professor
Rego (de Costas assessor de Agnaldo), Jorge Kalume (Governador), Jos
Guiomard dos Santos (Senador) e Ktia (esposa de Guiomard.).
Fonte: <http://www.mestreirineu.org/Mestre10.jpg>. Acesso em: 3 de
maio de 2009.
Figura 62. Foto de Jorge Viana Governador do Acre pelo PT ao lado
de D. Peregrina Gomes Serra, viva de Mestre Irineu e presidente do
Daime.
564
Fonte: Patrimnio Histrico do Acre. Acervo do Memorial dos Autono-
mistas.
Figura 63. Foto do documento de matrcula no CECP dos frequenta-
dores do Daime, filiados em 25/05/1961 na sede central do CECP (Ma-
tricula 265.532 a 265.543): Jos Francisco das Neves, Holdernes Pereira
Maia, Lencio Gomes da Silva, Francisco Granjeiro Filho, Jos Dantas
do Nascimento, Antnio Jos Rodrigues (Canco), Peregrina Gomes do
Nascimento, Perclia Ribeiro de Mattos, Isis Vieira Maria, Adlia Gomes
Granjeiro, Madalena do Carmo Gomes, Clicia Pereira Cavalcante e Obed
Moreno da Silva.
Fonte: Acervo do Circuito Esotrico Comunho do Pensamento. Foto de
Paulo Moreira.
Figura 64. Foto do registro do Centor de Mestre Irineu entre as filiais do
CECP no perodo de 27/07/ 1961 a 14/12/1964.
Fonte: Acervo do Circuito Esotrico Comunho do Pensamento. Foto de
Paulo Moreira.
Figura 65. Foto da Inaugurao da parceria do Centro de Irradiao
Mental Tattwa Luz Divina (Daime) e o CECP em 27/05/1963. Da
esquerda para direita da foto, o segundo homem de culos o Coronel
Manoel Fontenele de Castro. Ao lado dele de terno branco, Raimundo
Gomes. Na direita da foto, de terno branco e faixa na frente est Francisco
Ferreira Chico e mais ao canto direito da mesma, Mestre Irineu.
Fonte: Acervo de Antnio Macedo.
Figura 66. Na foto s Mestre Irineu e Lencio esto com a estrela de cin-
co pontas. Os demais homens portam a palma (uma espcie de smbolo em
forma de braso ou escudo contendo uma rosa ao centro, verde e amarela).
A ordem da foto da esquerda para direita e a seguinte: D. Peregrina, (?),
Antonio Pereira (por traz), Mestre Irineu, Virglio (Porto Velho), Joo do
Rio Branco, (?), Lencio, Bino, Antnio Canco.
Fonte: Acervo deMauro.
Figura 67. So as seguintes pessoas da Fonte: (?), Osmarino, Raimundo
e Albano.
Fonte: Acervo de Emlio Furtado Mendona.
Figura 68. Estrela de Seis Pontas nas fardas do Daime.
Fonte: <http://www.mestreirineu.org/Mestre05.jpg>. Acesso em: 3 de
janeiro de 2009.
565
Figura 69. Smbolo oficial do Circulo Esotrico Comunho do Pensamento.
Fonte: Ilustrao digital, Paulo Moreira.
Figura 70. Foto tirada dois anos aps a morte de Mestre Irineu. Da es-
querda para direita esto as seguintes pessoas: Alzira (esposa de Raimun-
do Ferreira - Loredo), Sgt. Auriclio, Raimundo Ferreira (Loredo), Otilia
(esposa do Sgt Auriclio).
Fonte: Edilza Ferreira.
Figura 71. Extenses ou Pronto-socorros do Daime no entorno de Rio
Branco.
Fonte: Acervo do INTERACRE. Foto de Paulo Moreira.
Figura 72. Foto do seu Z Nunes tirada na dcada de 1970.
Fonte: Acervo do CEFLI - Bujar-AC.
Figura 73A. Foto de Sebastio Mota de Melo e sua esposa Rita Gregrio
(foto retirada do livro de Alex Polari O Evangelho Segundo Sebastio
Mota).
Fonte: Acervo de Alex Polari de Alverga.
Figura 73B. Mestre Irineu ladeado por Valdete e Valfredo (Alfredo). Foto
retirada do livro de Vera Fres (1986) Santo Daime: Cultura Amaznica.
Fonte: Acervo de Vera Fres.
Figura 74. Fotos sobre fechamento de panela com folha e distino de
bagao e p da casca do jagube (cip).
Fonte: Flvio Lopes (Panela), Paulo Moreira (Feitio).
Figura 75. Homens, mulheres, moas e rapazes usando a farda de concen-
trao. Da esquerda para direita: Daniel Serra (sobrinho de Mestre Irineu),
Maria (sua filha), Otlia (sua esposa), (?), (?), (?) e (?).
Fonte: Acervo de Francisco das Chagas Brito.
Figura 76. Foto das cinco folhas do Decreto de Servio de Mestre Iri-
neu redigidas por Perclia Ribeiro no ano de 1970.
Fonte: Acervo de Pedro Matos. Foto de Paulo Moreira.
Figura 77. Da esquerda para a direita: Zelito, (?), Major Holdernes Maia,
e sua esposa Isis (ao centro), Loredo, Alzira, (?), (?). Foto tirada na sede
do Loredo - Saituba.
Detentora de Fonte: Edilza Ferreira.
Figura 78. Foto em close de Mestre Irineu. Pele acentuadamente negra
e cabelo crespo.
566
Fonte: <http://www.mestreirineu.org/Mestre08.JPG>. Acesso em: 25
de abril de 2009.
Figura 79. Ilustrao com traos tipicamente negros.
Fonte: Acervo de Jos Silva Souza.
Figura 80. Ilustrao com traos de branqueamento. Cabelo liso e pele
esbranquiada.
Fonte: Acervo de Antnio Macedo.
Figura 81. Ilustrao com traos acentuadamente brancos.Cabelo grisa
lho liso e pele totalmente branca.
Fonte: https://picasaweb.google.com/118259227652451791456/
ChefeImpRioJuramidThcaapi#5285779796292929266 Acesso em: 12
de agosto de 2009.
Figura 82. Foto da Ata de constituio do Centro de Iluminao Crist
Luz Universal.
Fonte: Acervo do Frum de Rio Branco. Foto de Paulo Moreira.
Figura 83. Registro do Estatuto no Frum de Rio Branco.
Fonte: Acervo do Frum de Rio Branco. Foto de Paulo Moreira.
Figura 84. Foto do velrio de Mestre Irineu. Os seguidores masculinos de
Mestre Irineu foram orientados, por Daniel Serra e Lencio Gomes, a fi-
carem perfilados em formao de Vde vitria, durante toda a cerimnia.
Esta transcorreu do final da tarde de tera-feira dia 6 de julho de 1971 ao
final da manh de quarta-feira do dia 7 de julho de1971.
Fonte: Amrico de Mello.
Figura 85. Foto do velrio de Mestre Irineu na quarta-feira pela manh
do dia 7 de julho de 1971. Nota-se no agrupamento feminino a presena
de fardadas do Estado Maior. Estas usam uma faixa em forma de Y nas
costas. Este adereo, junto com uma maior quantidade de fitas pregueadas
no ombro, foi o nico indicador de patente diferenciada nas fardas do Dai-
me que perdura at o dia de hoje no Alto Santo.
Fonte: Amrico de Mello.
Figura 86. A despedida do Mestre. A menina na foto Maria, filha de
Daniel Serra.
Fonte: Amrico de Mello.
Figura 87. Sada do Cortejo da Sede do Centro de Mestre Irineu.
Fonte: Amrico de Mello.
567
Figura 88. Foto do cortejo fnebre de Mestre Irineu. Da esquerda para a di-
reita esto a seguintes pessoas: Joo Pedro, Lencio (logo atrs ostentando no
peito a estrela de cinco pontas), (?), Daniel Serra (sobrinho de Mestre Irineu),
Zequinha (sobrinho de Mestre Irineu), Joo (homem negro ao lado direito
por trs da primeira fila - filho de uma sobrinha de Mestre Irineu), Francisco
Granjeiro, (?), (?), Joo Nunes (Joo do Rio Branco), Sebastio Jaccoud.
Fonte: Amrico de Mello.
Figura 89. Cortejo passando ao lado do aude no incio da subida da ladeira.
Fonte: Amrico de Mello.
Figura 90. Fotos da ultima abertura do caixo no terreno escolhido por
Mestre Irineu antes de p-lo no Jazigo.
Fonte: Amrico de Mello.
Figura 91. Foto da gaveta do jazigo onde o corpo de Mestre Irineu foi
depositado. Na foto o Pedreiro conhecido como Guajar, que era fardado
da doutrina, ainda est sujo de cimento.
Fonte: Amrico de Mello.
Figura 92. Foto do lugar onde ficou a gaveta do jazigo de Mestre Irineu.
Na foto o jazigo fica na palhoa ao fundo.
Fonte: Amrico de Mello.
Figura 93. Registro de bito de Mestre Irineu.
Fonte: Acervo do Frum de Rio Branco. Foto de Paulo Moreira.
568
Foto de abertura captulo IV. Portal de entrada do Alto Santo.
Fonte: Acervo de Antnio Macedo.
Foto de abertura captulo V. Vista parcial da Praa Rodrigues Alves em
Rio Branco Dcada de 70.
Fonte: Jos Leite. Acervo do Memorial dos Autonomistas.
569
Apndice M. Genealogia da Famlia de Julio e Lourdes Carioca.
Grfico: Paulo Moreira.
Apndice N. Disposio do Ritual do Bailado.
Grfico: Paulo Moreira.
570
Foto 7. Lourdes Carioca.
Fonte: Jairo Carioca.
Foto 8. Raimundo Ferreira (Loredo) e Alzira Ferreira.
Fonte: Paulo Moreira.
Foto 9. Joo do Rio Branco.
Fonte: Paulo Moreira.
Foto 10. Jlio Chaves Carioca (membro do conselho comunitrio - CICLU).
Fonte: Jairo Carioca.
Foto 11. Francisco Granjeiro (feitor do Mestre Irineu).
Fonte: (Retirada de um frame da filmagem do documentrio: Almeida,
Ftima. Irineu, vdeo em VHS, durao 60 minutos, Fundao Cultural
do estado Acre, Rio Branco1992).
Foto 12. Emilo Furtado (membro do conselho comunitrio).
Fonte: Paulo Moreira.
Foto 13. Raimundo Marques Vieira e Matilde Marques Vieira (filhos de
Maria Damio).
Fonte: Paulo Moreira.
Foto 14. Joo Facundes (Nica) (secretario do CICLU).
Fonte: Jair Facundes.
Foto 15. Luis Mendes Nascimento (orador de Mestre Irineu).
Fonte: Paulo Moreira.
Foto 16. Otlia Serra (esposa de Daniel Serra).
Fonte: Paulo Moreira.
Foto 17. Paulo Serra (Filho de criao de Mestre Irineu).
Fonte: Flavio Lopes.
Foto 18. Paulo Severino (antigo seguidor de Mestre Irineu).
Fonte: Paulo Moreira.
Foto 19. Rita Serra (prima de Mestre Irineu).
Fonte: Paulo Moreira.
Foto 20. Saturnino Brito (afilhado de Mestre Irineu).
Fonte: Flvio Lopes.
Foto 21. Perclia Ribeiro (secretaria pessoal de Mestre Irineu).
Fonte: (Retirada de um frame da filmagem do documentrio: Almeida,
571
Ftima. Irineu, vdeo em VHS, durao 60 minutos, Fundao Cultural
do estado do Acre, Rio Branco, 1992).
Foto 22. Pedro Matos (esposo de Perclia).
Fonte: (Retirada de um frame da filmagem do documentrio: Almeida,
Ftima. Irineu, vdeo em VHS, durao 60 minutos, Fundao Cultural
do estado do Acre, Rio Branco, 1992).
Foto 23. Valcrio Granjeiro (filho de Francisco Granjeiro).
Fonte: Flvio Lopes.
Foto 24. Severina Serra (prima de Mestre Irineu).
Fonte: Paulo Moreira.
Foto 25. Veriana Brando (antiga seguidora de Mestre Irineu).
Fonte: Paulo Moreira.
Foto 26. Jos Dantas (Z Dantas, filho de Manoel Dantas).
Fonte: Paulo Moreira.
Foto 27. Jos Gomes (Z Gomes, filho de Antnio Gomes).
Fonte: Flvio Lopes.
572
Foto 8. Mestre Irineu dentro da sede.
Fonte: Acervo de Antnio Macedo.
Foto 9. Mestre Raimundo Irineu Serra dentro de seu gabinete (monculo).
Fonte: Acervo de Antnio Macedo.
Foto 10. Mestre Irineu em frente sua casa.
Fonte: Acervo de Antnio Macedo.
Foto 11. Mestre Irineu com o cajado e chapu.
Fonte: Acervo de Antnio Macedo.
Foto 12. Mestre Irineu, Paizinha e Maria.
Fonte: Acervo de Antnio Macedo.
Foto 13. Mestre Irineu no gabinete.
Fonte: http://www.mestreirineu.org/Mestre09.JPG.
Foto 14. Mestre Irineu e irmandade em frente sede.
Fonte: http://www.mestreirineu.org/Mestre24.jpg
Foto 15. Mestre Irineu e a irmandade.
Fonte: Acervo de Antnio Macedo.
Foto 16. Emlio e Mestre Irineu.
Fonte: Acervo de Emilio Furtado.
Foto 17. Caixo do Mestre Irineu.
Fonte: Acervo de Antnio Macedo.
Foto 18. Velrio de Mestre Irineu.
Fonte: Acervo de Antnio Macedo.
Foto 19. Caminhada do cortejo do funeral do Mestre Irineu.
Fonte: Amrico de Melo.
Foto 20. Parada do cortejo do funeral do Mestre Irineu.
Fonte: Amrico de Melo.
Foto 21. Cortejo Fnebre de Mestre Irineu.
Fonte: Amrico de Melo.
Foto 22. Emlio e Z Carlos na taberna de Lencio Gomes.
Fonte: Acervo de Emilio Furtado.
Foto 23. O casal Lencio e Madalena.
Fonte: Acervo de Dona Veriana.
573
Foto 24. Maria Serra (Cota, irm de Mestre Irineu).
Fonte: Museu da Borracha. Coleo Centenrio do Mestre Irineu.
Outras Fotos
Capa Foto do Mestre Irineu com a irmandade. Maria esta aos seus ps.
Acervo de Thiago Silva, disponvel em: https//picasaweb.google.
com/118259227652451791456/ChefeImpRioJuramidThcaa-
pi#5285779065694053010. Acesso em: 27 novembro de 2010.
Foto ao final do livro Mestre Irineu de farda branca andando com cajado
Acervo de Thiago Silva, disponvel em: https//picasaweb.google.
com/118259227652451791456/ChefeImpRioJuramidThcaa-
pi#5285782424915356978. Acesso em: 27 novembro de 2010.
574
ndice Remissivo
A alcoolismo
ab-reao 79,221,224,236,319
202 alegrias
Acre 266,267,483
10,11,12,13,14,18, Alegrias
25,26,27,28,29,31, 483
32,33,34,35,39,40, Almirante lvares de Carvalho
42,44,49,50,52,54, 84
55,56,59,60,63,73, Alto da Santa Cruz
79,81,82,83,84,85, 231,233,235,238,563
103,111,112,113,115,
117,118,119,120,121, Alto Purus
123,125,126,127,148, 26,83,125,137,138,561
175,179,187,191,202, Alto Santo
206,211,214,216,220, 11,12,14,29,30,35,
227,230,233,240,242, 50,51,61,62,136,141,
243,246,248,254,256, 159,208,221,228,235,
257,258,261,265,269, 240,241,242,243,244,
273,276,278,280,281, 246,247,252,259,269,
282,283,285,287,289, 276,277,278,280,281,
290,291,292,293,302, 284,285,287,290,313,
317,318,338,340,355, 332,343,372,390,393,
356,389,403,409,414, 402,403,405,476,506,
416,476,496,513,538, 508,531,564,567,569
559,560,561,562,563, Amansador 137
564,565,568,571,572 Andr Avelino Costa
Adlia 104,121,124,570
9,50,136,142,145,146, Andr Cursino Serra
182,183,184,186,200, 69,119
201,205,222,236,248,
Antonio Canco
260,296,313,541,562,
152
565,570
Antonio Costa
afludo
87,88,90,93,101,102,
90,101,102,140,299
110,112,121
Agarrube
Antonio Gomes
124,137,139
89,424,425,426,469,
Agnaldo Moreno 569,570,571
284,285,356,564
Antonio Raimundo Costa
Alberto Torres 121
231,232,240,241,261,394
577
Antnio Roldo 519,520,521,522,523,
143,149,169,180,186, 524,526,527,528
248,251,562 ayahuasqueiro
Antnio Tordo 8,181,345
143,180,214
Apolnio Sales
B
80,331 Baixada Maranhense
38,39,40,43,45,69,
Aquilis-Peret
269,414
333
Banco do Brasil
Arena
126,228,356
32
Barquinha
ARENA
35,39,43,64,79,152,
283,287
189,324,328,512
astral
Barro Vermelho
41,133,166,169,201,
202,259,330,331
312,324,341,383,384
batismo
Astral
71,125,196,401
17,155,273,274,295,
312,384,403 bebidas alcolicas
37,221,226,227,523
Ata
Belm
109, 508, 509, 527, 560,
9,26,80,81,170,186,
567
242,247,253,254,257,
Avirio 278,309,560,562
287
Bendito
ayahuasca 169,315,536
8,18,22,33,35,37,
BG 375, 433
38,40,45,58,59,61,
62,63,64,87,88,89, Boca do Acre
92,96,102,116,121, 82,83,84,206
122,123,137,139,141, Bolvia
142,175,181,200,217, 25,26,27,35,79,85,
334,335,342,408,410, 105,123,215,259
411,412,413,414,481, borracheira
510,523 89,90,101,102
Ayahuasca Bourdieu
45,62,64,93,335,409, 63,64,204
411,412,413,414,415,
branqueamento
416,510,511,512,513,
139,370,371,567
514,515,516,517,518,
578
Brasilia Ceclia Gomes
155 10,89,113,124,125,153,
Braslia 220,318,319,541,571
8, 19, 121, 409, 416, 511, CECP
524 60,103,124,147,294,
295,296,297,298,299,
brujos
302,303,304,305,312,
89,121
324,325,334,349,356,
burocratizao do carisma 357,368,375,565
60
Centro de Irradiao Mental -
C Tattwa Luz Divina
caador 295
85 cerco policial
Cais da Praia Grande 218,220
80,81,187,560 Chaco
caissuma 200,259
342 chamadas
caixeiro 106,124,200,412,517
85 chamados
Canarinho 40,48,59,64,88,106,
137 132,133,136,137,139,
142,154,165,169,222,
capana 269,306,340,345,487
118
Chapada
Capito Calazans 328,330,337
116
Chave da Harmonia
Capito Florncio 299
116
chefes da oasca
carisma 94
58,59,60,63,148,150,
151,154,159,167,216, Chico Martins
279,283,285,289,290, 249,388,389
311,322,345,366,403, ciclo da borracha
404,486 39,44,143,175,176
casas aviadoras Cipriano
79,86,176,211 122,330,337,358
cavaco Crculo de Regenerao e F
245 13,49,103,217,294,312
Cavaco Clara
78 91,94,95,99,101,
579
141,150,152,339,376 Cura
Cobija 13,39,142,152,153,
105,111,123 154,155,279,387
Colocao Espalhado Curupipiraqu
375
221, 227, 228, 230, 231,
562 Custdio Freire
14,29,188,197,220,
comboieiro
221,227,228,230,231,
85, 96
245,246,277,287,295,
comcios 315,508,562
243,280,281
concentrao D
54,132,133,140,143, daime
145,147,169,181,185, 21,22,33,48,58,60,
187,231,258,296,298, 61,63,84,87,89,91,
299,302,304,320,325, 93,95,100,101,102,
326,336,345,347,350, 103,105,111,113,121,
364,373,384,385,485, 131,132,139,140,141,
492,535,566 142,143,145,146,147,
Concentrao 149,151,152,155,156,
258,295,320,345,384, 157,158,159,161,162,
385,535 163,166,174,180,185,
Condessa Siris-Beijamar 188,189,196,201,204,
166 214,216,217,221,222,
225,234,236,242,243,
Confisso
245,246,256,258,265,
24,192,193,433,537
281,283,291,298,299,
Consagrao do Aposento 302,303,304,306,318,
299 319,327,333,334,335,
CRF 336,337,338,339,340,
11,49,103,104,105,106, 342,343,344,350,352,
107,108,109,110,111,11 364,365,366,367,368,
2,124,125,137,142, 373,374,377,378,383,
183,185,294,325,560 387,390,477,481,483,
Cris-Peret 484,485,488,489,490,
333 492, 495, 496, 535, 536,
Cruz de Caravaca 537
41,122,180,181,182, Daime
249,250,271,305,306, 9,12,13,14,18,21,29,
311,356,357,407 32,33,37,38,39,40,
41,42,43,44,45,47,
580
50,51,53,56,58,59, 397,476,541,543,552,
60,61,62,63,64,79, 566,567,568,570,571
89,98,113,117,124, demonaca
125,126,128,131,132, 111,122
141,143,148,149,150,
dominao
152,155,159,161,162,
91,212,437
165,167,168,169,170,
172,173,174,175,178, E
180,181,182,186,189,
Edilza
191,193,196,197,200,
9,12,155,159,202,541,
201,206,216,217,221,
566,570,572,573
222,235,236,240,245,
247,248,252,258,259, Elias Manga da Silva
260,262,270,271,273, 103,111
276,279,281,283,284, Elpdio
287,289,290,291,292, 12,272,273,274,564
294,295,296,297,299, Emlia Rosa Amorim
302,303,304,305,307, 111,125,405
310,311,312,313,317, encontrou com a velha
318,320,322,323,326, 161
328,329,330,331,332,
encosto
333,335,339,341,342,
40,273,307,308,309,
343,344,345,348,350,
310,312
352,354,358,364,366,
368,370,372,373,374, Enfermeiras
375,376,382,390,391, 328
393,397,403,404,405, erva cidreira
407,408,409,410,411, 40,96,141,157,342
412,413,414,415,416, esotrica
484,494,506,531,532, 33,124,294,300,302,350
535,536,538,564,565, esotrico
566,567 181,350
Damio Marques Estado Maior
143,164,186,190,191 183,239,245,247,266,
Daniel Serra 267,268,269,321,324,
9,12,50,81,100,111, 328,355,393,567
117,118,120,125,127, estatuto do Daime
139,140,154,165,166, 374
201,256,257,258,259,
261,310,311,346,357, estigma
387,389,391,392,395, 111
581
estigmatizao Francisco Granjeiro
52,55,111 507,570
Eugnio Beco Bezerra friagem
116 240
excees
351,352,354
G
Galdncio Cunha
exotricas
11,559,560,568
302,304
gambito
extenses
83,84,343
328,333,403
General do Conforto
Ezequiel de Mattos
199,247
70,75,119
General Eurico Gaspar Dutra
F 230
falecimento Geraldo Mesquita
49,131,153,166,187, 288,289
189,191,236,240,246, gerente
248,250,260,317,320, 85,120
326,327,345,353,368,
Germano Guilherme
379,389,390,391,399,
113,114,126,143,152,
403,535,536
153,164,167,170,186,
Famlia Real 206,234,239,303,313,
137 317,318,460,465,532,
Farda Branca 536,537,538,561,562
538 golpe militar
feitio 56,59,282
141,334,335,336,337, governador
338,340,341,342,344, 112,115,118,125,227,
352,358,372,373 228,242,260,276,282,
fiscal 286,287,288,290,317,
85,124,166,350 355,356,390
Fora Policial 112, 113, 114, guarda-livros
115,116,126,127,143, 85
276,317,561,568 Guiomard dos Santos
Francisca Mendes 126,218,220,228,229,
9,315,358,536 230,240,242,243,276,
Francisco Ferreira 280,285,355,563,564
294, 295, 298, 299, 302,
565
582
H Joo Pereira
habitus 113,114,126,133,135,
63,64,204 143,161,164,165,166,
167,170,180,186,199,
Habitus
205,206,239,246,247,
63
248,249,312,313,466,
Hino Esotrico 536,537,561,562
299
Joo Rodrigues Facundes
Hino Espiritualista
284, 326, 390, 391, 508,
299
509
Hinos Novos
Joaquim Portugus
320,321,345,350,363,
143,169,170,191,467
398,497,506
Joaquim Tamandar
I 143
Igarap Fundo Jorge Kalume
118,186,188 283,285,286,290,564
Igarap So Francisco Jorge Viana
331 290,291,292,356,564
Interventor Jos Afrnio
118,220,276 143
IOD-H-V-H Jos Augusto de Arajo
324 282,355
irradiao Jos Capanga
40,195,273,274,311, 143
312 Jos Dantas
Isaura Parente 10,200,296,545,565,
188 572
Jos das Neves
J 132,170,171,172,186,
jagube 200,268,318,321,372,
121,247,336,337,339, 389,550,562,572
340,341,342,343,481, Juramid
496,511,515,566 61,125,139,161,165,
Jagube 166,168,201,274,275,
102,203,434 405
Joana Serra
255,261,563 K
Joo Leo kaxinaw
113,143 200,412
583
Kaxinaw Luis Silvestre Gomes Coelho
407,412 220,228,230
L M
Lencio macaxeira insossa
152,162,163,226,227, 40,92,96,105,141,
235,236,287,296,321, 342
322,334,354,372,373, Major Armando
378,383,384,387,388, 116
389,391,392,394,395,
Major Holdernes Maia
397,398,403,508,509,
245,352,353,566
538,556,565,567,568,
573,574 Mame Velha
375
Leopoldina Filomena Madeira
69,119 Manac
136,137
Levi-Strauss
202 Manaus 26,35,54,80,82,
83,84,214,254,410
Limoeiro
331,354,538 Manoel Dantas
143,169,186,191,251,
Linha do Tucum
545,562,572
133,134,271,272,274,
305,319,435 Manoel Fontenelle de Castro
218
linha hinria
133,165,170 Manuel Belm
247
Loredo
9,10,155,202,259,326, Manuel Cabeludo
330,353,541,542,549, 332,333
550,566,570,571,572 marac
Lourdes Carioca 17,38,39,41,182,183,
10,50,195,200,201, 200,271,272,319,391,
202,206,235,299,302, 531,533,536
306,309,310,352,356, Maranho
357,358,382,431,570, 8,11,12,14,18,29,
571 38,39,40,42,43,44,
Lua Nova 45,52,54,57,86,91,
93,336,340 95,99,104,112,119,
120,121,187,201,205,
Lus Mendes
252,253,254,256,259,
91,92,100,126,200,
261,265,269,271,272,
205,281,308,315,352,
278,309,330,407,410,
372,414,543
415,416,559,560,568
584
Maraximb mesrios
13,133,135,136,137, 350,351,536,537
159,161,169,200 mestiagem
Marcha 54,60
197,271,272,274,275, migrao
433,434,435,436 73,79,80,227
Marcha Valseada mirao
271, 272, 274, 275, 435, 94,122,138,140,145,
436 149,189,192,222,318
Maria Damio Moa
143,164,167,179,190, 84,85
191,206,224,239,240, murur
241,242,248,260,313, 175,204
427,536,537,561,569,
571 N
Maria Franco negra
143,148,169,175,179, 43,55,56,57,89,104,
180,221,224,226,227, 111,120,122,187,216,
235,251,429,561 369,370,415,566
Maria Matos negras
73,559 56,273,407
Maria Nanair negro
165 29,39,40,41,42,43,
mariri 44,55,57,60,73,111,
121,511,515 113,246,290,370,397,
409,414,568
Marta Serra
398 negros
32,40,52,53,54,55,
mateiro
57,63,74,86,104,105,
85,112
139,216,370,567
Matilde Preiswerk Cndido
Nossa Senhora da Conceio
297,302
39,152,167,192,318,
mazurca 319,354,509,537
41,205
memria O
11,12,18,31,48,49, O Cruzeiro
51,61,132,175,185, 23,24,94,124,165,166,
196,200,248,273,287, 167,169,174,197,203,
289,290,314,315,375 222,234,270,281,313,
320,321,327,342,343,
585
354,391,393,404,435, Pedro Vasconcelos Filho
535,536,537,538 116
Peia
P 13,159
Pakaconshinaw
Perclia Ribeiro
137
50,100,132,133,138,
Palma 143,145,146,147,151,
391 164,165,166,172,179,
Palmeiral 183,184,189,201,203,
197,206,247,260,403 204,206,215,227,233,
Pano 234,236,237,241,249,
137,138,142,200,561 251,260,296,302,306,
Papai Pax 307,313,317,318,319,
59,375,433 325,326,330,345,347,
356,357,358,380,384,
Papai Velho 386,390,405,428,444,
336,375,434 472,544,562,565,566,
Papco 569,572
187,221 Peregrina Serra
patente 258
110,126,150,162,165, Peru
199,372,393,567 25,26,40,55,82,
Paulo Ferreira 83,84,85,87,88,103,
9,147,149,200,202, 105,112,120,121,181,
261 416
Paulo Serra Piarreira
9,50,75,77,78,83,84, 333
100,119,120,123,124, Pizango
162,172,175,176,179, 102,103,122
181,182,201,203,205,
218,220,228,231,242, Poder
243,246,247,249,250, 319,320,349,415,435,
251,256,260,295,313, 436,467,514
318,319,352,356,358, preconceito
380,381,387,388,389, 22,57,197,216,217,
394,398,405,406,543, 291,510
562,570,571 Primeiro Ciclo da Borracha
Pedro Fernandes 26
9,331 Princesa Tremira
106,110,124,137
586
Professor Rego Rainha da Floresta
285, 287, 288, 355, 356, 10,11,100,106,122,
564 151,155,184,203,224,
260,297,325,376,380,
Pronto Socorro
384,399,403,434,447,
328,331
531
provocar
ramada
147,202
186,245,562
PSD
ramalhete
31,32,243,276,280,
267,325
281,355
rap
PTB
40,141,142
31,280,281,282,288,355
receber hinos
R 317,319,320
Raimunda Marques Feitosa Rede Social e Poltica
143, 175, 178, 205, 561, 14,276
569 reduo de danos
Raimundo Gomes 64
186,252,258,265,299, regato
303,328,330,562,565 85,86,88,96,112
Raimundo Irineu de Mattos Regino
69,71,72,401 289,333,334
Raimundo Irineu Serra Registro de bito de Mestre Irineu
14,17,29,56,72,77, 403,568
102,119,186,360,368, religio
389,401,410,411,413, 11,12,21,22,23,29,
414,415,416,419,421, 37,38,39,40,41,44,
422,511,512,525,551, 58,59,60,61,63,79,
559,562,569,573 133,152,159,167,180,
Rainha 184,186,189,287,290,
10,11,41,50,93,99, 374,404,406,410,437,
100,101,106,110,122, 519
151,152,155,156,157, Religio
160,167,168,182,184, 62,410,415
192,194,197,203,204,
Rio Acre
224,260,297,306,309,
82,103,111,112,121,
325,339,376,377,380,
409,560,568
384,391,399,403,410,
433,434,447,449,455, Rio Purus
456,466,531 82,83,84
587
Rio Xipamanu 559,563,564
111 satnico
Ripi 88,89,122
137,164,165,433,474 Sebastio Gonalves
ritual fnebre 186,250,261
170,196 Senador Mario Maia
218
S
Sena Madureira
Saituba 84,332
155,159,259,330,331,
353,566 Senso-cheiroso
137,138
salo
43,181,185,194,198, Srgio Ferreti
199,200,234,245,258, 355
259,269,350,352,364, sesses exotricas
366,374,385,391,499, 302
506,508,535,536,537 sesses Exotricas
Salo 298
180 soldados da borracha
Salustiano Jos Serra 11,211,212,213,227,
69 229,562
Sancho Martinho de Mattos Soldados da Borracha
70,72,75,119,559 211
So Gonalo solidu
38,39,43,45,269,270, 266
271,273,320,415,564 Solona
So Joo 137,169,312,375
33,38,115,120,164,
185,192,196,197,231, T
233,238,239,257,269, tabaco
319,354,378,382,402, 40,59,90,139,140,141,
403,434,457,535,536, 142,183,185,246
537 Tai Siris Mid
So Pedro 165
218,219,221 Tamarac
So Vicente Frrer 137
9,69,70,71,72,73,74, Tambor de Crioula
75,76,77,78,119,120, 41,269,273,274,564
165,175,201,252,253, Tarumim
254,255,256,259,261, 137,474,475
269,270,273,401,415,
588
Tenente Costa Valrio Caldas Magalhes
218,219,220 115,278,564
Territrio Valsa
18,27,29,31,42,83, 433,434,435,436,532
84,85,113,115,117, Varadouro
118,125,126,184,216, 131,200,414
218,220,227,230,242,
Vegetalismo
243,261,276,278,283,
121
289,369,403,560
Vila Ivonete
Terto
14,118,124,125,127,
131,143
148,170,175,182,186,
Tertuliana 188,197,218,220,221,
75 227,230,231,235,277,
Titango 339,562
106,124,137,139 Virglio
ttulo provisrio 322,333,334,565
232 Vossa delatada da Floresta
Tituma 109
106,124,137,139
toqueiro W
85 Wanderley Dantas
trabalho de cura 287,389,390,391
152,310 Wilde Viana
trabalho de mesa 280,290,292,355
310 Wilson Carneiro
Tucum 154,331,382
133,134,271,272,274, X
305,306,307,319,435,
532 xam
55,201,202
Tuperci
137,164,433,473 Xam
17,408
Tupi
40,69,137,138,201,366 xamanismo
181,345,409,412,413
V Xapuri
Valcirene 81,171,311
111,112
Z
Valcrio Gensio
111,123,125,405 Zumira Gomes
214,215,535
589
Mestre Irineu com cajado
Colofo