Epistemologías Feministas y Crítica Radical. Cadernos - 18
Epistemologías Feministas y Crítica Radical. Cadernos - 18
Epistemologías Feministas y Crítica Radical. Cadernos - 18
Universidade de Coimbra
Unio Europeia
e-cadernos ces
PROPRIEDADE E EDIO
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS
- LABORATRIO ASSOCIADO
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
www.ces.uc.pt
COLGIO DE S. JERNIMO
APARTADO 3087
3000-995 COIMBRA
PORTUGAL
URL: http://eces.revues.org
E-MAIL: [email protected]
TEL: +351 239 855573
FAX: +351 239 855589
AUTORES
BETTA PESOLE, JENNIFER SIMPSON, LUCA DEL MORAL ESPN, THAIS FRANA, RITA LAURA SEGATO, M. LEE, COLETIVO
ACORDO QUEEROGRFICO, MARA MARTNEZ, LA TOSOLD, ROSE BARBOZA
PERIODICIDADE
TRIMESTRAL
VERSO ELETRNICA
ISSN 1647-0737
ORGANIZAO
Lennita Oliveira Ruggi e Rose Barboza
@cetera
La Tosold e Rose Barboza assim que eu vejo que v, assim que voc me
silencia. Subtextos para releitura(s) no Sul. .......... 149
Introduo
Tinha uma negrinha Isolina que sabia ler. Era solicitada para ler as
receitas. Eu tinha uma inveja da Lina! E pensava: Ah! Eu tambm
vou aprender a ler se Deus quiser! Se ela preta e aprendeu, por que
que eu no hei de aprender?
Ficava duvidando das minhas possibilidades porque os doutores de
Coimbra diziam que os negros no tinham capacidade. Seria aquilo
perseguio? Qual era o mal que os negros haviam feito aos
portugueses? Por que que eles nos odiavam, se os negros eram
pobres e no podiam competir com eles e nada? Aquelas crticas
eram complexas na mente do negro. [...]
Perguntei minha me:
- Por que que o mundo to confuso?
Respondeu-me.
- O mundo uma casa que pertence a diversos donos, se um varre,
vem o outro e suja-a.
Em maro de 2014 Carolina Maria de Jesus teria completado 100 anos. A passagem
acima, includa em suas memrias de infncia e publicada sob o ttulo Dirio de Bitita,
nossa homenagem a quem lutou contra o lugar que lhe estava predestinado: como
mulher, negra, pobre, favelada, catadora de papel, me, solteira, escritora, brasileira.
A lista de atributos, sempre to discriminatria para abarcar subjetivamente quem uma
pessoa , abriga tacitamente a surpresa de quem no a conhece pela sua superao
desse rosrio de pretensas impossibilidades. Jesus interrogava o lugar de
predominada, questionava o porqu de sua estreiteza, refletia sobre ele. E
compartilhava suas reflexes. Mesmo quando ainda no tinha certeza sobre suas
prprias potencialidades, se seria ou no capaz de aprender a ler, entendia como as
desigualdades em saber beneficiavam os stores de Coimbra em detrimento de si
mesma. Sentia-se alvo de um dio que lhe parecia incompreensvel. Um dio como
aquele descrito por Audre Lorde (1984) ao expor as relaes interpessoais sob o
princpio do racismo.
4
Carolina Maria de Jesus no se encaixa muito bem na genealogia de ondas do
feminismo, que parecem com frequncia originar-se de pases do Norte para banhar o
restante do mundo.1 Ela nos ajuda a rechaar a histria nica dos feminismos:
verses com incio, meio e fim que tornam suprfluas diversidades dissonantes
(Adichie, 2009). Depois de muitas tentativas frustradas, publica seus dirios em 1960
sob o ttulo Quarto de despejo (Jesus, 1993). Ganha projeo internacional e amplia o
alcance da sua voz, falando de maneira situada sobre o seu conhecimento do mundo,
sem pretenso de elevar seu sofrimento a virtude moral. Jesus no nica, sua me
era capaz de explicar poeticamente as contradies e desigualdades do mundo,
usando a vassoura como ferramenta, sendo que questes sobre o conhecimento so
tratadas de maneira profunda e complexa nesses dilogos entre me e filha. Jesus
uma de nossas inspiraes ao propor um nmero temtico para a revista e-cadernos
ces,2 que tem o objetivo de debater epistemologia sem fazer deste debate smbolo de
distino erudita.
Em primeiro lugar, pelo fato de a palavra epistemologia de certa forma intimidar,
visto parecer circunscrita ao mundo acadmico, quando na verdade simplesmente
uma palavra que utilizamos para descrever o mundo e suas relaes. Em segundo
lugar, porque parece discriminar o mundo das pessoas Carolinas, que no habitam o
marfim polido dos stores de Coimbra, pois tm, uma e outra vez, seu acesso a esse
mundo negado. Em terceiro lugar, porque epistemologia palavra de encher salas de
aula e verbetes de dicionrio. Finalmente, epistemologia quase sempre uma grande
metanarrativa sobre algo: um conhecimento p(r)onto.
Ora epistemologia no s uma palavra, tambm uma forma de poder,
permeada por fatores polticos, ideolgicos e contextuais. Nossa pretenso nesse
nmero temtico, portanto, indagar como tal disposio tem possibilidades de nos
ajudar a delimitar um contedo que no tem nada de exotrico, que vai bem alm das
diferentes definies de mrmore, e que inclusivamente problematiza critrios de
saber. E isso porque a discusso desses critrios central tanto para as prticas
feministas como para as rupturas que os feminismos propem e consolidam em suas
mais diversas frentes de luta. Ningum opera nesse mundo cheio de gente sem algum
parmetro de verdade minimamente estabelecido. s vezes at mais de um,
dependendo do contexto. Esta aporia epistmica faz tanto mais sentido ao
recordarmos a advertncia de Lorde: the masters tools will never dismantle the
masters house (1984: 110).
1
Talvez o mais honesto fosse dizer que a genealogia que no encaixa Carolina Maria de Jesus.
2
Agradecemos em especial a La Tosold, que participou dos dilogos iniciais sobre o nmero temtico e
foi coautora da proposta, doando seu tempo e disposio a esse movimento aberto que o fazer
feminista.
5
Para debater tais questes, os artigos reunidos a seguir3 tentam ir ao encontro da
crtica radical e mobilizam debates dos mais frutferos no campo das epistemologias
contemporneas: aqueles elaborados sob auspcio dos feminismos. Betta Pesole abre
os trabalhos com The feminist successor science project as a transnational
epistemological community. A autora tece um elegante panorama das crticas
epistemolgicas feministas aos saberes e prticas da cincia, tomando-as como um
projeto de cincia. Nos deslocamentos propostos incluem-se superar o pensamento
binrio que polariza sujeito e objeto, explicitar e politizar o ponto de partida que ancora
qualquer projeto de saber cientfico e sedimentar uma comunidade feminista
internacional, com pluralidade suficiente para acolher conflitos e fazer florescer
epistemologias ainda mais radicais.
Resistncias e epistemologias feministas: subjetivaes emergentes como
estticas do existir, de Jenniffer Simpson, prope um dilogo feminista com alguns
dos conceitos trabalhados na obra do filsofo francs Michel Foucault: tica,
resistncia, subjetividade e esttica da existncia so expostos ao escrutnio das
rupturas epistemolgicas feministas. O objetivo da autora , por meio dessa
interlocuo, recuperar a potencialidade do argumento foucaultiano para a criao de
ferramentas metodolgicas e epistemolgicas que visem tanto desestabilizar discursos
amplamente aceitos em relao aos modos de subjetivao e reivindicao de
direitos por mulheres historicamente silenciadas, quanto questionar o tipo de
visibilidade almejada por tais coletivos.
O artigo En transicin. La epistemologa y filosofa feminista de la ciencia ante los
retos de un contexto de crisis multidimensional, de Luca del Moral, constri um
percurso terico a partir da filosofia da cincia capaz de salientar a crise
epistemolgica contempornea e explicitar as respostas feministas a esta crise, que
alis contribui para instalar. Tomando como inspirao a assertiva de Harding,
segundo a qual toda a epistemologia feminista , inerentemente, epistemologia em
transio, del Moral nos leva a refletir sobre as teorias feministas do ponto de vista
em sua historicidade, apontando tanto potencialidades quando limitaes. Del Moral
lana mo de exemplos contemporneos e avana ideias promissoras visando
contribuir para a construo de novas e necessrias cartografias de saberes.
3
Gostaramos de reconhecer publicamente o trabalho de autoras e autores cuja produo no foi includa
no nmero temtico, a despeito da qualidade terica e metodolgica, por no explicitarem problemticas
epistemolgicas. Identificamos nessas contribuies uma resposta entusiasta parte feminista do
convite. Parece que mobilizamos um anseio por espao de interlocuo que no satisfeito pelo escasso
nmero de revistas e calls for papers em portugus voltados para as escritas feministas, indicando a
proliferao de temas variados igualmente interessantes mas sem espao para desabrocharem.
Igualmente, gostaramos de agradecer a todos/as os/as pareceristas que colaboraram e enriqueceram os
debates aqui propostos.
6
Posicionando-se reflexivamente, Thais Frana descreve, em primeira pessoa,
como as experincias de migrao e discriminao tm alimentado suas reflexes
acadmicas e o seu ativismo poltico. Entre reflexes e prticas: feminismos e
militncia nos estudos migratrios um relato denso sobre as interseces que
permeiam e complexificam o fenmeno da migrao. Ao basear seu artigo em uma
experincia concreta sua participao na rede de articulao do Manifesto em
repdio ao preconceito contra as mulheres brasileiras em Portugal Thais empreende
uma das discusses mais caras aos feminismos: o contributo da militncia produo
de um conhecimento responsvel e transformador.
tambm a partir da reflexividade e do tatear de nossa [sua] mudez, que Rita
Laura Segato questiona contudentemente os limites de um vocabulrio herdeiro da
violncia colonial: Gnero e colonialidade: em busca de chaves de leitura e de um
vocabulrio estratgico descolonial revisita a experincia da antroploga para expor
criticamente o quanto nossas estratgias semnticas esto impregnadas e impregnam
de violncia epistmica nossas prticas. Evidenciando os ocultamentos e os mutismos
forados pelas colonialidades do poder e saber, a autora identifica nos prprios limites
do dizvel e no reconhecimento de tais limites as fronteiras que delineiam um novo
vocabulrio estratgico e descolonial que, ao mesmo tempo em que constri
ativamente narrativas no mundo, no reduz sua riqueza e diversidade.
O artigo Talvez eu no esteja em ascenso social, talvez esteja questionando as
hierarquias de classe: jovens pobres na universidade e a sobrevivncia sob a
hierarquia foi publicado originalmente na coletnea Feminism for Real: Deconstructing
the academic industrial complex of feminism, editada por Jessica Yee (2011). M. Lee
elabora um relato profundo e engajado sobre sua prpria experincia na universidade.
Oriunda de uma famlia pobre, Lee reconhece e questiona os padres classistas
embutidos no ensino superior, identificando o gosto amargo da opresso que se
insinua no aprendizado da segregao social. A autora elabora os conflitos que sua
ascenso social ocasionou nas relaes familiares, explicitando as dificuldades em
articular teoricamente experincias dissonantes e/ou pessoais, na medida em que so
classificadas como saberes no legtimos.
O Acordo Queerogrfico proposto pelo coletivo homnimo abre a seo @cetera e
apresenta uma perspectiva crtica sobre os usos e abusos da linguagem enquanto
instrumento de poder e reiterao das normativas de gnero. Dando carne, ossos e
vsceras linguagem, o Acordo Queerogrfico pe de manifesto a relao entre
dominao e hegemonia, esmiuando as entranhas gramaticais do poder
heteropatriarcal e normativo e as invibilizaes que esse poder opera quando tenta
expurgar de si trajetrias e experincias que a binaridade no contempla.
7
Problematizar posicionamentos de gnero, contrapor os limites da vocalizao e
esgarar a linguagem que obstaculiza a identificao so algumas das propostas que
nos trazem uma escrita em que o queer subverte e ressignifica a intransitividade do
masculino universal.
Maria Martnez elabora uma recenso crtica sobre o livro Nuevos feminismos.
Sentidos comunes en la dispersin. Una historia de trayectorias y rupturas en el
Estado espaol, de Silvia Gil (2011). A leitura cuidadosa de Martnez revela a
importncia da obra ao enfatizar prticas e propostas feministas na Espanha durante a
dcada de 1990, pouco trabalhadas na literatura at o presente. Na construo
coletiva da memria feminista, de importncia crucial para os feminismos
contemporneos, Martnez sugere problematizar a categoria novidade e questiona a
dificuldade de Gil em incorporar sua pesquisa a situao a partir da qual constri o
conhecimento, como integrante dum coletivo feminista, aproximando-se de questes
epistemolgicas fundamentais.
Escrito por La Tosold e Rose Barboza, assim que eu vejo que v, assim que
voc me silencia. Subtextos para releitura(s) no Sul um provocativo ensaio sobre as
(im)possibilidades de expresso. Construdo a partir de subtextos nos quais
fragmentos de experincias so ativados para compartilhar indignaes, o artigo
demonstra como esteretipos e padronizaes so sustentados por (e sustentam o)
silenciamento das vozes dissonantes. Inspirados por Yuderkis Espiosa Mioso, os
subtextos flertam com a poesia e exercitam a forma-escrita como espao de
conhecimento aberto, exigindo reconsiderar racismo e misoginia como violncias
epistemolgicas.
Nossa ambio que o presente nmero temtico acerca das Epistemologias
feministas: ao encontro da crtica radical participe na iniciativa coletiva de fabricao
de ferramentas que no sejam to somente de marfim.
Rose Barboza
Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES/UC), Portugal
[email protected]
8
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
Adichie, Chimamanda Ngozi (2009), The Danger of a Single Story. TEDGlobal Conference
2009. Consultado a 16.03.2014, em
http://www.ted.com/talks/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story.
Jesus, Carolina Maria (2007), Dirio de Bitita. Sacramento: Editora Bertolucci.
Jesus, Carolina Maria (1993), Quarto de despejo: dirio de uma favelada. So Paulo: tica.
Lorde, Audre (1984), Sister Outsider. Berkeley: The Crossing Press Feminist Series.
Yee, Jessica (2011), Feminism for Real: Deconstructing the Academic Industrial Complex of
Feminism. Ottawa: Canadian Centre for Policy Alternatives.
9
e-cadernos CES, 18, 2012:10-32
BETTA PESOLE
UNIVERSIT DEGLI STUDI DI BARI ALDO MORO, ITALIA
Abstract: This paper analyzes how the attempt by feminist epistemologies to overcome
the impasse between objectivity and relativism has led to various formulations of the
concept of location and to the standpoint theory. As a result, the political project of a
transnational community of interpreters fostered by transnational feminism can be seen
as deriving from such enduring process.
Keywords: feminist epistemology, politics of location, traveling theory, communities of
affiliation, transnational feminism.
10
Betta Pesole
11
The Feminist Successor Science Project as a Transnational Epistemological Community
patriarchal order. This awareness has paved the way for a radical epistemology, whose
main method consists in crossing disciplinary borders with explicitly archaeological
and genealogical purposes (Braidotti, 1991).
Describing the science project envisioned by feminists, Haraway writes:
Far from seeking the goal of value-neutrality, the successor science project
described by Haraway aims at including areas traditionally separate from classical
epistemology, such as those of ethics and politics. Moreover it explicitly addresses
issues of power relationships among subjects, while also aiming at producing a
knowledge able to account for such inequalities. But where does such a different
formulation of epistemology stem from? And how can a science project also entail
questions of politics and ethics?
It is possible to argue that feminist theory undertakes an investigation not only on
the object but also on the subject of traditional knowledge, recognizing both as
implicitly gendered. Such recognition is fraught with consequences, since it marks the
crisis of self-legitimation of the universal Cartesian subject which has to be considered
as the hallmark of postmodern societies (Lyotard, 1979). In other words, the
development of a feminist theory of knowledge coincides with and contributes to the
so-called 'crisis' of modern thought, in relation to which the woman question appears
since its beginning as a symptom of anxiety. Rosi Braidotti argues that starting from
Nietzsche and passing by all the major European philosophers, this question has
accompanied the decline and the crisis of the classical conception of human
subjectivity. In line with this, postmodernity is marked by the return of the Others of
modernity: woman, the sexual Other of man, the ethnic or native, the Other of the
Eurocentric subject and the natural or the earth, the Other of the techno culture
(Braidotti, 2002: 117).
Having grasped at the historical opportunity to radically question Western scientific
thought, however, feminists have a different aim from thinkers who merely state the
crisis of the modern subject. They are not simply interested in deconstructing the
traditional subject of knowledge: their aim is promoting a positive process of
12
Betta Pesole
I, and others, started out wanting a strong tool for deconstructing the truth claims
of hostile science by showing the radical historical specificity, and so
contestability, of every layer of the onion of scientific and technological
constructions, and we end up with a kind of epistemological electro-shock
therapy, which far from ushering us into the high stakes tables of the game of
contesting public truths, lays us out on the table with self-induced multiple
personality disorder. (Haraway, 1991: 186)
13
The Feminist Successor Science Project as a Transnational Epistemological Community
equally problematic relation between nature and science. The article touches upon
issues such as the social construction of woman as the other of the subject of
knowledge, the instability behind the categories of gender and science, the question of
the primacy of gender as heuristic tool over others. According to Keller (1989), the
scientific discourse has included women in its sight as object of investigation, but has
excluded them from its practice. In the last century, the main strategy used by women
seeking entrance to the homosocial world of science has been premised on the
repudiation of gender as a significant variable for scientific productivity (Keller, 1989:
39): equality was therefore possible as long as any difference was silenced.
Keller focuses on this paradox, drawing a parallel between feminist studies and
science studies. As feminist studies emerge with the distinction between sex and
gender, contemporary science studies emerge with the realization that science can
never be a mirror of nature (Keller, 1989: 37). In other words, both feminist studies
and science studies emerge respectively on the assumption that gender is not to be
defined by sex nor science by nature (ibidem: 38). The ensuing question is: how are
they respectively to be defined then?
The answers to this question have an immediate consequence to the same
definitions of both subject and object of knowledge within feminist epistemology. In fact,
how can we have a theory of subjectivity and, thus, an accountable subject of
knowledge if we are not able to clearly define the relationship between sex and
gender?
It is worth noticing that the attempt to redefine the relationship between gender and
sex is immediately linked to the production of a successor science (Harding, 1986;
Haraway, 1991). In fact, once rejected the neutrality of the classical subject of
knowledge, the possibility of a successor science necessarily presupposes a new
theory of subjectivity. The feminist epistemological debate is thus intertwined with the
feminist polyphonic debate on woman subjectivity, which, as Keller (1989 38)
denounces, seems to have been leaning toward biological determinism or toward
infinite plasticity. On the other side, if science is not a mirror of nature, how can we
define knowledge if it doesnt immediately conflate with its object (i.e. nature)? In other
words, what is knowledge and what can be known?
Keller (1989) emphasizes that the categories of gender and science have come
into being taking distance and differentiating themselves from their respectively
complementary categories of sex and nature. It is possible to argue that the
construction of both gender and science has followed a binary scheme, whereas sex
is equated to nature and gender to science. According to the feminist critic of science,
the same relationship between subject and object of knowledge has traditionally
14
Betta Pesole
followed a binary logic (Irigaray, 1989). To this regard, it is worth noticing that one of
the feminist aims has been to change the negative and oppressive meaning around the
notion of difference within the dialectic Self/Other. In a way, dealing with the European
theoretical tradition from a feminist perspective cannot but imply dealing with the
dialectic between sameness and difference within European history (Braidotti, 2002),
where to be different has meant to be worthless and has justified relations of
domination and exclusion outside and inside the continent. In fact, rather than being
understood in relational terms, difference has been essentialized. With regard to
feminist epistemology, such awareness has various implications. It warns on the need
to change the oppressive relationship between subject and object of knowledge as
constructed by the gendered binary system underpinning Western scientific discourse.
Moreover, it calls for a definition of the same relationship between gender and sex
outside of a binary mode.
Claire Colebrook (2004) traces the binary distinction between sex and gender back
to the anti-metaphysical tendency of modern thought, which, refusing what cannot be
known and verified, has shifted the focus on evidence and materiality. Consequently,
the emphasis on science and observation has led to a growing awareness of the
subject as observer and knower. According to Colebrook, such a shift from a world of
forms, in which man was placed, to a realm of observable and quantifiable matter has
had two main consequences. In the first place, if matter is the basis of reality, with
forms as effect of observation, it is then possible to think of sex as the matter of each
individual, which might, or not, be determined by gender. Secondly, once matter is
conceived as pre-linguistic and without meaning, it is then possible to think of subject
as the starting point from which matter is known and ordered: from man as an animal
among others within a hierarchy of forms, we move to the Subject who is able to
represent and quantify matter. The theory of the subject differs from previous theories
about man as an animal in the cosmos with his own nature: now He is nothing more
than his ability to perceive and represent the world (the Cartesian cogito ergo sum).
This has major political consequences, since it implies that in the name of the
individuals ability to reason all subjects should relate to each other equally. The old
political order based on differences among men by God's will is now replaced by a new
political order based on equality among individuals in front of nature. However, since
the binary opposition between nature and culture is one of the ways hierarchies
between men and women have been mostly expressed (Donini, 2000), the modern
principle of equality, although being extremely revolutionary for men, turns out to be
radically conservative for women. Such a paradox is inscribed in the same historical
15
The Feminist Successor Science Project as a Transnational Epistemological Community
origin of the egalitarian model which denies differences between men, but leaves aside
sexual difference (Cavarero and Restaino, 2009).
If woman has been constructed as the Other of the scientific discourse, not only
as different, but also as binarily opposed to the legitimate subject of knowledge, it
means that no knowledge has ever been formulated from the perspective of womans
life and experience. Furthermore, the same apparently transparent category of woman
has to be considered as unreliable, since resulting from a long standing patriarchal
tradition which has silenced women as subjects of knowledge. As Harding (1991: 69)
states: the subject of knowledge the individual and the historically located social
community whose unexamined beliefs its members are likely to hold unknowingly
[become] part of the object of Knowledge.
Deprived of the very category of woman itself, feminists linger on categories such
as those of body, experience, location and power relations. The development of a
theory of knowledge based on experience will open the way to a profound rethinking of
the same concept of objectivity which, as Donini (2000) stresses, is so central and yet
so little discussed in science. Because of their experience, Black Feminists in the U.S.
warn about the risk of giving priority to the category of gender over other axes of
subjectification, such as those of race or class among others. In other words, they
focus on the politics of knowledge inquiring the status among disciplines and
categories: why should gender as analytical category be considered different from,
perhaps even prior to, categories of race, class, etc.? And in turn, is science
substantively different from other social structures or interest group? (Keller,1989: 38).
1
I owe this expression to Adrienne Rich (1987: 221).
16
Betta Pesole
reclaim an epistemology that takes into account the concept of location as the starting
point for the development of a critical thinking. The feminist epistemic practice of
addressing the politics of location can be considered in fact as one of the
epistemological foundations of feminist theory and particularly of feminist epistemology.
Since its beginning, reflections on the concept of location have aimed at fostering
accountability for how feminists know and act within the place they inhabit, reproduce
and transform.
I argue that such a practice has strong resonances with the practice of self-
narration which was so central in the early years of Second Wave Feminism. As the
politics of location originates from the necessity to develop an accountable and
transformative knowledge consistent with life, in a similar way, the early Second Wave
Feminists focus on self-narration has to be seen as a central political practice aiming
at redefining woman subjectivity outside of a patriarchal culture. Far more than being a
narcissistic attitude then, such a technique was adopted by women who were trying to
deconstruct and re-signify sexual difference both individually as well as collectively.
Telling their own lives, women were also reclaiming words that up to then had been
meant to silence them. In this sense, it is possible to argue that, by lingering on the gap
between their experience and the lack of words to name it, feminists have soon
recognized language as a site of power, thus anticipating the future that such a
concept would have had in the academy.
Aiming at being illustrative rather than exhaustive, I will now present some of the
reformulations that the concept of politics of location has undergone over the last thirty
years, starting from the one by the North American poet, writer and feminist activist
Adrienne Rich, who first coined the concept in the mid-80s. At the age of fifty, reflecting
on her life as a feminist intellectual and activist and interrogating her personal and
socio-structural location, Rich reconsiders the statement made by Virginia Woolf in
Three Guineas (apud Rich, 1987: 211): As a woman I have no country. As a woman I
want no country. As a woman my country is the whole world. She realizes that such a
statement does not allow her to be accountable in particular as regards her whiteness
in the context of a larger feminist politics and international power relations. Back from
her travel to Nicaragua and reflecting on her North American location, Rich realizes
that a place on the map is also a place in history within which as a woman, a Jew, a
lesbian, a feminist [she is] created and trying to create (ibidem: 212). Positioning
herself in time and space, Rich recognizes the privilege as well as the partiality of her
location. This warns her to reduce the temptation of grandiose assertions and to
abandon the illusion of knowing for all women around the globe. The practice of
addressing the politics of location is thus based on the recognition that by speaking
17
The Feminist Successor Science Project as a Transnational Epistemological Community
from a position of recognized specificity, feminists are less likely to generalize and
speak about all women. Focusing on a politics of location is thus a way to interrupt the
reproduction of values and behaviors that get repeated generation after generation
(ibidem: 225). Being a way to take critical distance from the subject position that we are
historically expected to inhabit, Rich regarded such a practice as a tool for creating a
feminist movement that de-westernizes itself and that doesnt homogenize itself
through the expression of a single voice.
Following these considerations, Caren Kaplan (1994) argues that the politics of
location has expanded the ground of what counts as theory and who can be
considered as theorist by deconstructing the hegemonic use of the world woman
within Western feminism and its privileged position of whiteness. According to South
Asian born postcolonial theorist Chandra Mohanty (1995: 75), the universality of
gender oppression is problematic, based as it is on the assumption that the category of
race and class have to be invisible for gender to be visible. Thus, in order to address
the multiplicity and dynamism of locations that a postcolonial feminist inhabits at any
given moment, and the self-definitions and modes of knowledge that arise from them,
Mohanty proposes a modified practice of the politics of location that takes into
consideration the historical, geographical, cultural, psychic and imaginative boundaries
which provides the ground for political definition and self-definition (apud Kaplan,
1994: 137).
African-American feminist writer bell hooks imagines the politics of location as a
dialectic space between oppression and resistance, as a space where we begin the
process of revision, not a static home or a center, but a process of moving beyond
boundaries (bell hooks, 1990: 151). For bell hooks, a location is a theoretical space
and a space of oppositional agency that she calls the margin. The margin is both a
site of oppression and a site of radical possibility, a space of resistance. Speaking of
the pain of having been made Other and confronting silences and inarticulateness
within herself, hooks personal struggle concerns naming that location from which [she
has] come to voice that space of [her] theorising (apud Kaplan, 1994: 143).
African American theorist Patricia Hill Collins (1991) distinguishes between two
modes of knowing: one located in the body and the space it occupies, the other
passing beyond it. Here Hill Collins refers to the privileged position of the Afro-
American woman as outsider within. Being at the same time outside and inside a
culture is what allowed African-Americans to resist repression and develop their
knowledge. In particular, Hill Collins (1991: 208), referring to a core African value
system as a characterizing element of black experience, draws a distinction between
knowledge and wisdom. According to Hill Collins (ibidem), knowledge without wisdom
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Betta Pesole
is adequate for the powerful but wisdom is essential to the survival of the subordinate.
Moreover, for black women new knowledge claims are rarely worked out in isolation
from other individuals (Hill Collins, 1991: 212). As a result, connectedness rather than
isolation creates knowledge and allows developing an ethic of personal accountability
that is the final dimension of an alternative epistemology.
At the core of these different interpretations of the concept of location, there is a
different way of interpreting experience itself. It seems that, through the practice of
telling their own lives as well as naming their own location, these theorists have
regarded experience neither as a plain category nor as the bedrock of evidence on
which explanation is built (Scott, 1991: 777). Rather, experience itself has to be
considered as socially constructed and entailing issues of vision, language,
subjectivity, history and social relations. In fact, as Joan Scott argues (ibidem: 778),
the evidence of experience reproduces rather than contests given ideological
systems. For this reason, taking experience as a site of knowledge presupposes a
critical analyses of the ideological system itself, its categories of representation [], its
premises about what these categories mean and how they operate, [] its notions of
subjects, origin, and cause (ibidem). Scotts invitation to historicize experience as well
as the identities that produces draws further attention on the subject of knowledge,
which has to be conceived as historically constructed:
19
The Feminist Successor Science Project as a Transnational Epistemological Community
connection between the politics of location and the feminist standpoint theory. In fact,
the epistemic practice of addressing the social locations with respect to ensuing
knowledge claims, which is at the core of the politics of location, is also crucial for
standpoint theorists. However, according to the standpoint theory, addressing ones
social location is not enough to reach a standpoint, since a standpoint is achieved
through a collective awareness of the workings of the ideological system and the
resulting development of an oppositional knowledge. As Wylie states:
standpoint theory is concerned not just with the epistemic effects of social
locations but both with the effects and the emancipatory potential of standpoints
that are struggled for, achieved, by epistemic agents who are critically aware of
the conditions under which knowledge is produced and authorized. (2003: 31)
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Betta Pesole
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The Feminist Successor Science Project as a Transnational Epistemological Community
theory between the 70s and 90s: most feminist critique took distance from a modernist
theoretical framework in favor of a constructivist perspective and a theorization of the
concept of difference(s) as a critical category. As Michele Barrett and Anne Phillips
(1992) explain more fully, this shift was essential due to three major factors:
1) black womens critique of the racist and ethnocentric assumptions of white feminism;
2) the revaluation of the concept of difference, above all sexual difference;
3) the appropriation and development of poststructuralist and postmodernist ideas by
feminists.
In light of all these considerations, it became evident that the idea(l) of a worldwide
alliance among women was a complex challenge. In particular, being mainly an
imaginary product of Western feminists either academicians or activists the project
of a global alliance could not avoid addressing the risks of:
1) promoting an alliance among women on the basis of the essentialist belief that
women all over the world share the same experience because of being women;
2) spreading Western feminism by Western middle-class women as a new form of
cultural colonialism;
3) supporting a homogenizing universalism in the attempt to create common policies.
In the attempt to avoid these risks, antiracist and postcolonial feminist scholars
(Enloe, 1989; Mohanty, 1988 and 2002; Alexander, 2005; Grewal and Kaplan, 1994;
Wekker, 1995) have criticized the notion of global feminism as a category unable to
address the existing unequal global relations which shape womens lives in different
settings. In its place they have proposed to elaborate on the notion of transnational
feminism. While recognizing power relationships and differences among women,
transnational feminism doesnt give up the idea of forging alliance among women
located differently. Thus the questions that keep transnational feminism busy are: how
is it possible to create an alliance among women located differently? What kind of
alliance would that be? In other words, how can we build collectivity in difference?
(Braidotti, 1994: 99).
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Betta Pesole
questions of the modernist idea of global sisterhood is the fact that such an alliance
could be naturally and immediately found among women of different locations on the
basis of their supposed common experience as women. In line with a postmodern
perspective, although rejecting its potentially relativistic drifts, transnational feminism
recognizes that acknowledging and valorizing differences among womens experiences
is the only possible starting point to avoid the replication of a Eurocentric politics. In
order to avoid another colonial enterprise in the name of Feminism, a transnational
feminist politics needs to take distance from a modernist framework and its legacy in
colonial discourses and hegemonic First World formation that wittingly or unwittingly
lead to the oppression and exploitation of many women (Grewal and Kaplan, 1994: 2).
In this sense, it seems clear that the difficulty of transnational feminism, but also its
challenge, is how to promote a worldwide alliance among women not haunted by the
specter of Western imperialism. To this purpose any possible discursive continuity
between the political project underpinning transnational feminism and modernity needs
to be recognized and examined and critical category of thought need to be unchained
from old paradigms. As Kaplan (1994: 134) states:
The claiming of a world space for women raises temporal questions as well as
spatial consideration, question of history as well as place. Can such claims be
imagined outside the conceptual parameters of modernity?
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The Feminist Successor Science Project as a Transnational Epistemological Community
It is sadly ironic that the contemporary discourse that talks the most about
heterogeneity [] still directs its critical voice primarily to a specialized audience
that shares a common language rooted in the very master narratives it claims to
challenge. (1990: 25)
In its desire to promote an alliance among women around the globe, transnational
feminism has to acknowledge both its power and its limits derived from being mainly a
24
Betta Pesole
Western academic discourse. This implies that transnational feminism has to verify the
accessibility of its project for other women around the globe but also that it has to
acknowledge the necessity to adopt a language that doesnt leave out women with
different experiences. In order to do that, the academic discourse of transnational
feminism has to pay attention to, and enter in contact with, different languages and
social realities. In other words, transnational feminism has to take into consideration
the knowledge productions of those women who have more often been objects of study
of Western feminists (Mohanty, 1988 and 2002).
Kaplan (1994) invites Western feminists to investigate the reason and the need of
their desire of forging alliances with women across national borders rather than first
engaging with other women at home. In fact, confronting different standpoints within
the same social context could be a useful exercise to truly start addressing the issue of
differences among women on axes of differentiations less evident than the one of
national belonging. In light of these considerations it becomes clear that the first step to
forge alliances across national borders passes through a multiplication of questions
related to how to forge alliances across racial, ethnical, cultural, sexual, economical,
religious borders as well as across different citizenship status and working conditions.
To this purpose, the aim and modality of transnational feminism should be directed to
forge alliances across the historical intersections between different forms of womens
movements, and thus to learn about the ways in which social, economic, and political
structures of race, sexuality, gender and class, shape and inform feminist practices
with the intent to develop consistent feminist transnational standpoints.
In turn, on an academic level, transnational feminism should opt for a methodology,
that, as Gloria Wekker (2004: 495), suggests, takes distance from the biases of
western academic methodology in favor of a interdisciplinary, intersectional, reflexive
perspective as well as a relational approach, that allows to link histories of colonialism
and postcolonialism, and theories of nationalism and globalization.
COMMUNITIES OF AFFILIATION
Searching for a proper and valuable model of community for its political project,
transnational feminism has particularly benefited from the reflections inspired by
Edward Saids articles Traveling Theory (1983) and Travelling Theory Revisited
(2001a). In these latter, while examining the way in which certain theories have been
travelling in diverse settings in the course of time and observing their transformations,
Said draws particular attention to the potentiality of theory to create communities of
affiliation.
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The Feminist Successor Science Project as a Transnational Epistemological Community
In his first article Traveling Theory, Said reflects on the consequences of a theory
that travels:
Like people and schools of criticism, ideas and theories travel from person to
person, from situation to situation, from one period to another. [] Having said
that, however, one should go on to specify the kinds of movements that are
possible []. Such movements into a new environment are never unimpeded. It
necessarily involves processes of representation and institutionalization different
from those at the point of origin. This complicates an account of the
transplantation, transference, circulation, and commerce of theories and ideas.
(1983: 226)
According to Said, the changes that theory may come across with, after it has
traveled, are different. While in his first article Traveling Theory, Said (1983: 436)
sustains that the force of a theory comes from being directly connected to and
organically provoked by real historical circumstances and that later versions of theory
cannot replicate its original power, in Traveling Theory Revisited Said (2001a: 436)
recognizes the possibility of an alternative mode of traveling theory that developed
away from its original formulation, but instead of becoming domesticated flames out,
so to speak, restates and reaffirms its own inherent tension by moving to another site.
Said names this type of re-interpreted theory transgressive theory. Then he goes on
providing two examples of transgressive theory. The first is the reinterpretation of
Lukcs theory of reification by Adorno in his Philosophie der neuen Musik in 1948. The
second is the reinterpretation of Lukcs theory of reification by Fanon in The Wretched
of the Earth in 1961. What is important to underline here is that, although the
differences between these two authors and between these two works in terms of time,
contents and intents are evident, Said considers possible to address both Fanon and
Adorno as belonging to a same community. He writes:
One would not, could not, want to assimilate Viennese twelve-tone music to the
Algerian resistance to French colonialism: the disparities are too grotesque even
to articulate. But in both situations, each so profoundly and concretely felt by
Adorno and Fanon respectively, is the fascinating Lukcsian figure, present both
as traveling theory and as intransigent practice. To speak here only of borrowing
and adaptation is not adequate. There is in particular an intellectual, and perhaps
moral, community of a remarkable kind, affiliation in the deepest and most
interesting sense of the word. (Said, 2001a: 436)
26
Betta Pesole
These two authors and their respective theories are not assimilable to each other:
they write in two different periods, from two different locations, they are concerned with
two different disciplines. Nevertheless they are in communication, although indirectly,
through the theory of Lukcs. What links them is that when facing the same concept,
they both felt impelled to answer it through their interpretation; they both recognized
and felt compelled to interpret the same signs which triggered their imagination. Then,
Adorno and Fanon interpreted them according to their own experience, contextual
situation and situated imagination (Stoezler and Yuval-Davis, 2002). In other words,
they both interpreted Lukcs theory of reification each from their own socio-emotional'
location. In this sense, the moral community envisioned by Said is a community of
interpreters, linked per affinity by their critical capacity to change and adapt a theory; to
engage in an intransigent practice of re-interpretation that is almost an act of creation.
In the light of these considerations, it becomes possible now trying to imagine the
kind of community theorized by Said and describing the features of a transnational
community for affiliation. Not based on modernist discursive formations such as those
of national belonging, identity, class and race, this community-model contemplates the
idea of difference among its members, but most importantly it contemplates the idea
that each member would interpret the same theory according to her/his location. Such
a community is grounded on the epistemological autonomy of each of its members and
promotes a conversational model of interactions. Moreover such a model is based on
the awareness of the impossibility of any theory to account for everything in existence.
Thus theory appears as a tool that needs always to be tested and whose dependence
on the social context and experience of the subjects needs to be constantly
acknowledged.
27
The Feminist Successor Science Project as a Transnational Epistemological Community
of the relationships between elite and popular culture and the consequent proliferations
of different standpoints he writes:
Yet, if from one side it is undeniable that today there is a proliferation of centers of
knowledge production as well as a proliferation of languages and jargons, on the other
side this proliferation is not void of power dynamics and does not necessarily
correspond to an increase in the circulation of different standpoints. As Ernesto Laclau
argues postmodernity is not a simple rejection of modernity; rather, it involves a
different modulation of its themes and categories, a greater proliferation of its language
games (apud Kaplan, 1996: 20). In fact, If from one side transnationalization of culture
brings with it numerous possibilities for forging alliances and forms of resistance, from
the other side, these same conditions also induce the proliferation of old power
relationships under the guise of new. This is probably what Grewal and Kaplan (1994)
mean when they refer to the idea of scattered hegemonies in their book on
transnational feminist politic in postmodern time. Or what Jacqui Alexander refers to,
when invites the reader to discard the modernist idea of time as linear and progressive,
and to get acquainted, instead, with the idea of a scrambled and palimpsestic time []
with the premodern, the modern, the postmodern and the paramodern coexisting
globally (2005:190). In other words, with an idea of time in which new and old
discursive formations not only coexist, but also conflate.
In this complicated scenario, feminists need to develop critical tools to decode old
discursive formations under the guise of new and to react to the attempt on behalf of
power formations to appropriate and tame words. As Rosi Braidotti states:
Feminists need to become fluent in a variety of styles and disciplinary angles and
in many different dialects, jargons, languages, thereby relinquishing the image of
sisterhood in the sense of a global similarity of all women qua second sex in favor
28
Betta Pesole
of the recognition and complexity of the semiotic and material conditions in which
women operate. (1994:1)
CONCLUSIONS
The development of a feminist theory of knowledge, which coincides with and
contributes to the so-called 'crisis' of modern thought, has determined a substantial
redefinition of classical epistemology. Under feminist scrutiny, the subject and the
object of knowledge have disclosed their gendered nature, putting under discussion the
existence of a universal truth. Investigating the historical origin of the egalitarian model,
which denies differences between individuals but leaves aside sexual difference, the
feminist critique of science has revealed that woman has been constructed as binary
opposed to the Cartesian subject. Consequently, feminist epistemology has turned out
to be a political project aimed at promoting a positive process of redefinition of woman
as subject of an alternative form of knowledge. In this scenario, feminists claims have
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The Feminist Successor Science Project as a Transnational Epistemological Community
been formulated from the perspective of womens life and experience. In particular, the
feminist rejection of postmodern relativism has led to the epistemic practice of
addressing the politics of location as a tool for producing more accountable or at least
less distorted facts, while also going together with the attempt to develop standpoints
through collective analysis of the workings of the ideological system on which social
inequalities are based. The idea that, by collectively achieving an oppositional
standpoint through political self-consciousness, feminists can generate more objective
or less false and distorted accounts of the social world has reinforced the political
project of a transnational alliance among women. In this sense, the political project
behind transnational feminism can be regarded as a recovery of the main outcomes of
the feminist epistemological debate. In fact, the accomplishment of such a project
seems to depend mostly on the ability of communities of interpreters to rethink politics
in postmodern time, through an analysis of inherited categories of thought and through
the production of new concepts and discourses able to account for multiple conditions
and claims. In other words, retaining the emancipatory project behind modernism, both
feminist epistemology and transnational feminism are busy with the difficult task of
accomplishing it through an acknowledgment of differences and inequalities among
subject positions. With this aim in mind, transnational feminists who are busy building
their communities of affiliation need to be aware of the danger of turning the feminist
dream of a common language into a nightmare, if they dont recognize the
interdependence, and yet the inequality, among different womens lives and choices as
well as their different experiences. This implies for transnational feminists being also
able to acknowledge conflict, investigate their own privileged position and drop the
search for a paralyzing totality. Coherently, as members of a community of interpreters,
transnational feminists should not be seduced by fast consensus-creating signifiers but
rather they should consider the epistemic and the ontology behind the terms adopted.
This will allow transnational feminists to sharpen their critical tools, since it will avoid
the risk of subsuming concepts derived by other historical circumstances empting them
of specificity as well as the risk of assuming meta-feminist positions which inevitably
reproduce power relations and colonial legacies.
BETTA PESOLE
Laurea degree in English and German Literatures (Italy), MA in Comparative Women
Studies (The Netherlands), PhD in Contemporary Philosophies and Social Theories
(Italy), her research interests include gender, ethnicity, epistemology, postcolonial
Europe, feminist theory.
Contact: [email protected]
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Betta Pesole
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The Feminist Successor Science Project as a Transnational Epistemological Community
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e-cadernos CES, 18, 2012: 33-50
JENNIFFER SIMPSON
FACULDADE DE ECONOMIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Resumo: Mais do que uma produo terica que vise estabelecer pensamentos de
resistncia, preciso questionar o pensamento com o qual reivindicamos direitos. No
basta entender as engenharias da subalternidade, necessrio desnormatizar os
discursos hegemnicos para desejar algo diverso do que oferecido como nico meio
de se aspirar justia. Este artigo visa discutir a pluralidade dos estudos feministas em
relao dialgica com a tica foucaultina e com os estudos ps-coloniais. O intuito
acentuar a emergncia da inventividade ao questionarmos o pensamento e os modos de
subjetivaes na reivindicao de direitos.
Palavras-chave: epistemologias feministas, subjetivaes emergentes, estticas do
existir.
INTRODUO
Parece que no h lugar para o novo. Parece que todas as respostas j foram dadas,
sobretudo as que dizem respeito aos modos de agir, pensar e sentir. Os regimes
normalizadores hegemnicos balizam no apenas os lugares, mas tambm as formas
de movimentar-se nos espaos, compondo repertrios codificados de onde e como
devemos estar. Colocar-se diante do desafio de questionar essas delimitaes passa
pela avaliao contnua das prprias subjetividades, buscando a abertura de outros
contornos para a vida e para a prtica da liberdade.
Olhar para essa realidade ir alm da mera nfase nas relaes assimtricas de
poder, mormente no quadro da procura de direitos e justia; , sobretudo, apreender
fatos e processos diferentes dos que so habitualmente oferecidos como nico
Agradeo professora Maria Irene Ramalho pela leitura atenta deste texto e por me conceder a leitura
de seu artigo, no prelo, O feminismo como filosofia: introduo ao pensamento de Rosi Braidotti.
Responsabilizo-me por todos os problemas que possivelmente permaneam.
33
Jenniffer Simpson
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Resistncias epistemolgicas feministas
diz apenas o que se deve fazer, mas tambm o que se deve sentir e pensar, ou seja,
atua como um formatador de subjetividades.
Como estratgia de fazer frente ao conceito de biopoder1 desenvolvido na
sociedade de controle, Foucault (2006b) elabora o conceito de tica2 como uma
relao entre os cdigos morais (prescries) e si mesmo, para dizer que possvel
uma prtica de liberdade desenhada subjetivamente nas fissuras dessa relao. Ou
seja, h um espao entre as prescries de um cdigo e a maneira de pratic-lo, e
justamente nesse entre que o indivduo, alm de agente moral, pode tambm se
constituir como autor da ao.
Alm de diferenciar tica de moral, o autor prope um sistema tico qudruplo
constitudo pelos seguintes elementos:
a) determinao da substncia tica questiona qual parte de ns est mais
implicada na postura tica, ou seja, pergunta qual o objeto de reflexo moral;
b) modos de sujeio a maneira como o indivduo justifica que est ligado ao
cdigo moral. Por exemplo: por pertencer a um grupo ou a uma tradio, ou por trata-
se de uma ordem cosmolgica ou de uma lei natural;
c) elaborao do trabalho tico atravs de que meios o indivduo torna-se sujeito
tico? Por exemplo: a austeridade sexual pode ser praticada atravs de um longo
trabalho de aprendizagem como um combate permanente ou, ainda, sob a forma de
uma renncia brusca e definitiva aos prazeres;
d) teleologia interroga aquilo a que se aspira ao se comportar de acordo com
determinado cdigo moral. Por exemplo, o almejado pode ser considerado tornar-se
puro, livre, imortal segundo alguns cdigos morais religiosos , ou ainda ser mestre
de si mesmo.
Assim, a tica foucaultiana pauta-se nas noes de curiosidade, reflexo e
inventividade, seguindo-se um vis epistemolgico que enfatiza e questiona as
fronteiras demarcadas pelo conhecimento e pelo espao, principalmente as que so
apresentadas como necessrias, universais, obrigatrias. Prope-se, dessa forma,
1
Foucault apresenta o conceito de biopoder pela primeira vez no ltimo captulo, Direito de morte e
poder sobre a vida, do primeiro volume da Histria da Sexualidade, A vontade de saber. Em seguida, o
autor desenvolve o conceito de biopoder, bem como o de biopoltica, no curso Em defesa da sociedade
e nos livros O nascimento da biopoltica e em O governo de si e dos outros. Foucault elabora o conceito
de biopoder a partir da anlise do livro Leviat, de Hobbes, que investigou a soberania na Idade Mdia,
quando o Estado era representado pelo soberano, que exercia o poder central sobre a vida de seus
sditos atravs do direito de mat-los. Na sociedade contempornea, o poder sobre a vida no mais
exercido por meio do poder sobre a morte, mas sim atravs do poder da vida pela vida, ou seja, a
regulao ocorre de forma indireta, mas no menos agressiva, fazendo uso da vida para se controlar a si
prpria. Dessa maneira, o poder deixou de ser praticado apenas no indivduo, para ser praticado tambm
na populao, como uma forma econmica de alcanar maior controle. Justificam-se, com isso, os
discursos que buscam controlar a sade, a higiene, a sexualidade, a natalidade, a longevidade, a raa
(Foucault, 2006a, 2006b, 2006c, 2007a, 2007b).
2
O conceito foucaultiano de tica detalhadamente concebido a partir do segundo volume da Histria da
sexualidade 2: o uso dos prazeres (2009).
35
Jenniffer Simpson
uma estranheza com o prprio cotidiano, uma ontologia crtica e uma atitude em
relao realidade contempornea. Esse conceito est intimamente atrelado ideia
de liberdade, pois o que tica, seno a prtica da liberdade, a prtica refletida da
liberdade. Isso leva Foucault a declarar que a liberdade a condio ontolgica da
tica (Foucault, 2006b: 279).
Pensar em uma liberdade ativa uma tarefa difcil e, para alguns, impossvel,
assim como pensar na possibilidade de emancipao social. Porm, partindo-se do
pressuposto de que no um projeto impossvel, pois os limites so mutveis, e
mesmo que ela nunca seja alcanada em sua integridade, sua noo serve como um
projeto tico para guiar nossas aes. Essa liberdade exercida atravs de uma
prtica refletida das verdades que nos so apresentadas, compondo uma prtica de
resistncia por meio da experimentao de si. Essa experimentao de si, enquanto
processo inovador, Foucault chamou de esttica da existncia, que configura a
passagem do mundo determinado para o contexto indeterminado da liberdade.
nesse sentido de reavaliao do campo de possibilidades promovido pela prtica da
liberdade que a esttica da existncia se configura como mecanismo de resistncia,
sustentada no exerccio reflexivo e contestador da realidade. Tal contestao recusa
revolues por meio comparativo de subjetividades, primando pelo modo criativo de
manifestar-se.
36
Resistncias epistemolgicas feministas
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Jenniffer Simpson
Quando vocs dizem que esto lutando para que as mulheres rompam o
confinamento domstico e saiam ao pblico, de que mulheres esto falando? Se
ns nunca estivemos fechadas em casa: fomos escravas, amamentamos os
filhos e as filhas dos patres, fomos vendedoras ambulantes, prostitutas, fomos
tudo, menos estivemos fechadas em casa. (Carneiro, 2003: 27)
38
Resistncias epistemolgicas feministas
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Jenniffer Simpson
lhe seja ameaadora. Alm disso, quando se tolera algum, assume-se que a pessoa
est sendo tolerada apesar de alguma coisa e para alguma coisa. Assim, o tolerante
fixa o lugar do outro numa margem de comiserao, buscando evitar conflitos
desnecessrios.
Para quem est no outro lado da relao de poder, as perguntas que se fazem
so: tolerar o qu? A arrogncia alheia ou sua prpria submisso? Desse ponto de
vista, aceitar a tolerncia assumir suas desvantagens no jogo de poder, pois s as
fraquezas so tolerveis. A fora no tolervel. A fora chama para a briga, impe-
se. Portanto, no se trata de aumentar a tolerncia (em relao s mulheres
indgenas, negras, pobres, entre outras e outros), mas de desafiar essa arrogncia e
considerar as nossas prprias responsabilidades perante as formas de injustia global
(Braidotti, 1998; Abu-Lughod, 2012).
Diante da impossibilidade da tolerncia mtua, como ir ao encontro do outro sem
imobiliz-lo? Como alternativa prtica paralisante da tolerncia, a aposta recai sobre
o trabalho de traduo como uma forma de privilegiar a diversidade lingustica e
cultural, fundando uma comunidade-de-sentido (Ramalho, 2004; Ribeiro, 2005;
Santos, 2005).
Caminhar em direo comunidade-de-sentido e discutir a dimenso tica
(estratgias) e esttica (formas) na luta por justia significa refletir os dilemas dos
processos de subjetivao feminina para alm da reivindicao por direitos,
enfatizando-se a importncia de questionar o tipo de visibilidade almejada.
40
Resistncias epistemolgicas feministas
qual o poder articulado (Scott, 1995: 82). O discurso3 no est isento da marca do
sexo, como acrescenta Scott. Logo, toda produo do conhecimento que se faz por
meio de ferramentas discursivas est impregnada de tal noo, seja para aprisionar ou
para emancipar.
Nesse sentido, Sandra Harding (1993) sugere explicitamente que se deve
aprender a aceitar a instabilidade das categorias analticas, encontrar nelas a
desejada reflexo terica sobre determinados aspetos da realidade poltica em que
vivemos e pensamos e, mais ainda, usar as prprias instabilidades como recurso de
pensamento e prtica. Desse modo, inevitvel levar em considerao a
instabilidade dessas categorias, pois o prprio mundo instvel e est em constante
transformao (ibidem).
Em outro momento, Harding acentua que a primeira tarefa da teoria feminista foi
no apenas estender os limites dos conhecimentos j existentes, mas, principalmente,
pensar a partir de outras categorias, at ento invisveis ou desvalorizadas. A autora
destaca que preciso cuidado nessa tarefa para no repetir, desta vez em direo
oposta, a opresso sofrida pelas mulheres, prestando ateno para no desvalorizar a
experincia masculina. Assim, um dos papis fundamentais da teoria feminista
pensar em alternativas prprias para os seus problemas e no usar as tcnicas de
controle das quais foram e, s vezes, continuam sendo refns.
Haraway (2009) chama a ateno para que no nos atenhamos discusso com
teorias patriarcais, pois, ao tom-las como ponto de partida, se corre o risco de tentar
justificar-se a partir de bases conceituais hermticas que dificultam o processo
inovador da reflexo. Alm disso, o risco torna-se ainda mais sutil pelo fato de
considerar, sobretudo, as experincias de mulheres brancas, heterossexuais,
ocidentais e de classe social elevada, o que pode acarretar a reproduo de relaes
desiguais entre as prprias mulheres.
Nesse sentido, Adrianne Rich (apud Braidotti, 1998; Ramalho, 2012) elaborou o
conceito de politics of location para pensar a estrutura de identidade a partir de
contextos especficos, por meio de parmetros de individualizao que levem em
considerao o lugar, a classe, a etnia, a nacionalidade, a idade, a preferncia sexual.
Esse conceito evita pensar em categorias amplas. Mais do que isso, ajuda a conceber
as desigualdades de maneira aglutinada, pelo simples fato de estarmos inseridos em
3
No curso ministrado em 1970, no Collge de France, A ordem do discurso, Foucault (2004) mostra que
o discurso no funciona apenas como um instrumento para manifestar-se, mas o prprio objeto de
poder. Como tal, possvel exerc-lo seguindo suas regras ou contrariando-as. Prticas de inverso,
descontinuidade, especificidade e exterioridade do enunciado em relao ao contexto contribuem tanto
para reiterar quanto para questionar e recusar a localidade e o funcionamento das engenharias do poder
que so arquitetadas atravs de interesses discursivamente construdos.
41
Jenniffer Simpson
4
Parrhesa uma palavra grega que significa o franco falar, o falar corajosamente que assume riscos e
que pode se dar em contextos pblicos e privados. Ope-se retrica e lisonja (Foucault, 2010c).
5
O mtodo arquegenealgico refere-se combinao do mtodo arqueolgico (investiga verticalmente as
prticas discursivas e no discursivas da relao ser-saber, com o objetivo de examinar como o indivduo
se constitui como sujeito do conhecimento) com o mtodo genealgico (criado por Nietzsche, que analisa
horizontalmente, de modo descontnuo ou no, a relao ser-poder; problematiza como se constitui o
sujeito que atua sobre o outro). Em ambos os casos, a anlise sempre discursiva, examina os jogos de
verdade. A arquegenealogia, caracterstica peculiar do terceiro Foucault, pesquisa tanto no sentido
vertical quanto no horizontal a relao ser-consigo e questiona como o indivduo se constitui como sujeito
moral (Foucault, 2009).
42
Resistncias epistemolgicas feministas
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Resistncias epistemolgicas feministas
resistncia. Isso significa que esttica da existncia uma prtica tica voltada a abrir
espaos de liberdade (criativos) dentro dos regimes de poder concretos em que
vivemos. As artes da existncia podem ser definidas como:
Foucault enfatiza que a busca por modos criativos de vida produzida por meio
do cuidado de si. Entretanto, enfatizar, atualmente, o carter individual do modo de
viver, ou seja, o ocupar-se de si mesmo, interpretado de modo suspeito, como
narcisismo, individualismo exacerbado, sinal de vaidade ou egosmo, em oposio aos
interesses pblicos e ao bem comum (Rago, 2008: 24). Contudo, Foucault lembra-nos
de que a noo de engajamento poltico foi criada no sculo XIX. Para
desconvencermo-nos dos jogos de verdades que julgamos necessrios, ele faz um
retorno Antiguidade grega e romana, dizendo que, nessa poca, existia outro modo
de viver, em que era enfatizado o carter individual das condutas, o cuidado de si, pois
apenas quem demonstrasse esse cuidado adequado teria condies de cuidar da plis
e dos bens comuns. No entanto, o cristianismo inverte a lgica da relao de
autocuidado e associa a salvao renncia de si, negao dos desejos. Segundo
Rago e Vieira (2009), a prtica de cuidar de si foi progressivamente incorporando
outros significados, o que levou a negar os prazeres, ao invs de us-los para obter
uma forma estilizada de vida.
Apesar de Foucault mostrar, por meio de uma descontinuidade histrica, que
houve momentos em que os espaos de liberdade no s eram valorizados, como
tambm incentivados, ele tambm destaca que as mulheres, assim como os escravos
e estrangeiros, estavam fora dessa lgica. Nas palavras de Foucault:
Desse modo, deparamo-nos com o bvio mais uma vez: a lamentvel constatao
de que as mulheres foram treinadas a obedecer e a renunciar a si mesmas durante
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Jenniffer Simpson
muito tempo. Apesar disso, possvel fazer uso da ideia foucaultiana de esttica do
existir para cogitar devires revolucionrios, na expresso de Deleuze (apud
Zourabichvili, 2000), pois as tenses relacionais so campos onde as subjetividades
se movimentam com suas potncias de liberdade e revolta e apontam para a urgncia
da compreenso diversa do sujeito, que se d atravs da legitimao das diferenas,
como bem enfatiza Foucault: o ponto mais intenso das vidas, aquele em que se
concentra sua energia, bem ali onde elas se chocam com o poder, se debatem com
ele, tentam utilizar suas foras ou escapar de suas armadilhas (2010a: 208). Portanto,
nesse momento de tenses, de desconfortos com a repetio de uma realidade j
saturada e infrtil, que a epistemologia dos estudos feministas se constri por meio de
resistncias e devires subjetivos, utilizando o prprio cotidiano como recurso de
pensamento e prtica, compondo uma tica criativa que busca incessantemente por
prticas de liberdade.
INFLEXES
Retomando as estudiosas abordadas neste ensaio, a epistemologia feminista revelou
que todo o fenmeno social sexualizado; incluiu o cotidiano, a vivncia e a emoo
em categorias explicativas de anlise; relacionou identidade com instabilidade e
movimento; questionou o mito poltico do chamado ns; rejeitou as matrizes binrias
de dominao (pblico/privado, centro/periferia, natural/artificial, mente/corpo);
renomeou situaes de opresso s mulheres no apenas para ressignificar o fato,
mas como luta poltica para tornar visvel e inaceitvel o que era considerado natural,
construindo, assim, uma nova epistemologia atravs de argumentos e de uma
historiografia que relevam suas prprias premissas. Nessa luta, Foucault contribui para
clarificar os efeitos normalizantes das relaes assimtricas de poder na construo
da subjetividade, que regulam as condutas e restringem as prticas de liberdade.
Ao buscar por uma alternativa tica para o nosso presente, Foucault recorre aos
conceitos de tica e esttica da existncia da Antiguidade grega e romana, o que o faz
conceber o sujeito como forma, e no como substncia. Logo, o sujeito precisa ser
constitudo, fato que pressupe a existncia de um indivduo ativo que requer uma
prtica experimental consigo prprio, alm de atitudes de resistncia contra o poder
normalizador de subjetividades. Com isso, a questo tica est ativada, pois perpassa
o problema da liberdade, implicando uma constante vigilncia das verdades que so
ditas necessrias. Assim, a esttica da existncia compreende o trabalho de
elaborao de si, num exerccio criativo de conceber formas inditas prpria vida.
A liberdade e a tica so questes comuns teoria feminista e ao pensamento de
Foucault, pois ambas questionam os silenciamentos de prticas, conhecimentos e
46
Resistncias epistemolgicas feministas
JENNIFFER SIMPSON
Doutoranda em Sociologia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.
Desenvolve atualmente uma tese acerca das formas e estratgias de sobrevivncia
mobilizadas por mulheres indgenas artess. Os seus interesses de investigao mais
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Jenniffer Simpson
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Palabras claves: crisis, Teora del Punto de Vista Feminista, sostenibilidad de la vida,
espacios comunitarios.
51
Luca del Moral Espn
52
La epistemologa y filosofa feminista de la ciencia en transicin
Estos procesos se plasman en dos dicotomas: por una parte la dicotoma saber
moderno y saber tradicional basada en la idea de que el conocimiento tradicional es
prctico, colectivo, fuertemente implantado en lo local y hasta extico. Por otra, la
dicotoma entre conocimiento tcnico o especializado o cientfico y conocimiento lego
o tcito, que entiende el primero como imperativo de rigor, de eficacia o de
racionalidad. Estas dicotomas, a su vez, se asientan sobre dos narrativas que se
apoyan mutuamente: el excepcionalismo y el triunfalismo. La primera plantea que
entre los distintos tipos de conocimiento humano, slo las ciencias occidentales
atrapan la realidad en sus propios trminos y logran evitar la tendencia humana
universal a proyectar supuestos culturales, miedos y deseos en la naturaleza
(Harding, 2008: 4) y que, por lo tanto, solo existe una Modernidad, la occidental. La
segunda, la triunfalista, considera que la historia de la ciencia es una narrativa de
logros, sin puntos negativos ya que se debe diferenciar entre la neutralidad intrnseca
de una ciencia con vocacin benigna y ciertas aplicaciones perversas que
histricamente se han hecho de ella.
A travs de estos seis elementos la ciencia occidental moderna conquist la
posicin no slo de definir lo que es ciencia y conocimiento vlido sino tambin de
incidir sobre las dems formas de saber. Este poder se tradujo en la prdida y
destruccin de otros modos de conocimiento y experiencia humana y trajo aparejada
la humillacin o subalternizacin de numerosos grupos sociales. Al privilegiar formas
de conocimiento fcilmente traducibles en desarrollo tecnolgico y beneficio
econmico, frente a formas de conocimiento que perseguan el bienestar de las
personas en un marco sostenible social y medioambientalmente, se destruyen los
conocimientos singulares que permitan a muchas comunidades proseguir con sus
vas propias y autnomas de desarrollo (Dussel apud Santos et al., 2006a: 4)
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Luca del Moral Espn
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La epistemologa y filosofa feminista de la ciencia en transicin
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Luca del Moral Espn
Quijano (2003; 2007), Enrique Dussel (2003), Walter Mignolo (2003; 2007),
Boaventura de Sousa Santos (Santos et al., 2008) o Arturo Escobar (2003). La
epistemologa postcolonial plantea que la ciencia occidental moderna es apenas una
forma de particularismo, cuya particularidad consiste en haber podido definir como
particulares, locales, contextuales y situacionales todos los conocimientos que
rivalizan con ella (Santos et al., 2006a: 18). Por lo tanto, puede considerarse un
localismo globalizado (Santos apud Santos et al., 2006a: 21), una etnociencia
(Harding, 2008) asentada en una epistemologa de la ceguera" (Santos, 2003) que
provoca el empobrecimiento de la experiencia humana en la medida en que
marginaliza y anula la produccin, transmisin y complementariedad de otras formas
posibles de conocimiento.
Esta corriente, por una parte, critica el paradigma desarrollista que equipara el
progreso con la modernizacin industrial, con el desarrollo tecnolgico y con la
exportacin de experiencias del Norte al Sur bajo la forma de trasmisin de saber
cientfico y concibe la naturaleza simplemente como un recurso de las sociedades
occidentales (Haraway, 1995). Por otra parte, plantea la necesidad de revisar el
proyecto modernista y, por ejemplo, considerar el mundo como un organismo vivo tal y
como hacen las perspectivas eco-feministas de autoras como Vandana Shiva (Mies y
Shiva, 1997) o, en cierta medida, las enmarcadas en el feminismo ciborg como Donna
Haraway (1995). En definitiva, se trata de poner en evidencia que el conocimiento, la
experiencia social en todo el mundo es mucho ms amplia de lo que la tradicin
cientfica y filosfica occidental conoce y considera importante, que esta riqueza
social est siendo desperdiciada y que para combatir esto es necesario hacer visibles
las iniciativas y movimientos alternativos y darles credibilidad (Santos, 2005: 152).
Estas cuestiones estn empezando a ganar presencia incluso en las conferencias y
publicaciones de los estudios mainstream sobre ciencia y tecnologa, lo que, en gran
medida, es fruto de la movilizacin en las periferias (Harding, 2008: 8).
56
La epistemologa y filosofa feminista de la ciencia en transicin
agentes que se ven o pueden verse afectados (Montas, 2007: 27) y, en definitiva,
con su democratizacin. Esto a su vez tiene varias vertientes: la primera, propiamente
epistemolgica, deriva de la autorreflexividad y del reconocimiento de la pluralidad de
la ciencia. La segunda, de la relacin entre la comunidad cientfica y los/as
ciudadanos/as, es decir de la relacin entre el conocimiento cientfico y las
capacidades cognitivas exigidas para sustentar la ciudadana activa [], en
sociedades que conciben su bienestar como cada vez ms dependiente de la calidad y
la cantidad de los conocimientos que circulan en ellas (Santos et al., 2006b: 17). La
tercera, parte de las experiencias de organizacin y participacin ciudadana en los
debates y en los modos de regulacin de las implicaciones sociales de la ciencia y la
tecnologa.
Esto supone avanzar hacia un pensamiento complejo en el sentido anteriormente
sealado: un pensamiento animado por una tensin permanente entre la aspiracin a
un saber no parcelado, no dividido, no reduccionista y el reconocimiento de lo
inacabado e incompleto de todo conocimiento (Morin, 1995: 23). Conocimiento que,
por lo tanto, debe ser guiado por la prudencia y la atencin a las consecuencias de las
acciones, lo que requiere abandonar las narrativas excepcionalistas y triunfalistas, y
reconocer que la modernidad occidental no es la nica que ha surgido en el globo, y
que ha trado no slo grandes beneficios para algunos sino tambin grandes desastres
para muchas personas (Harding, 2008: 3). Para ello es necesario reconocer la
existencia de una pluralidad de sistemas de produccin del saber en el mundo y su
centralidad en los procesos de desarrollo, aceptando que la diversidad epistemolgica
del mundo es potencialmente infinita (Santos et al., 2006b: 16). La posible
inconmensurabilidad entre las culturas y paradigmas debe confrontarse con el hecho
de que, en la prctica, la comunidad cientfica se mueve de un paradigma a otro y que
hay traduccin y conversacin entre culturas. Por lo tanto, frente una monocultura del
saber y del rigor cientfico la realidad puede responder a una ecologa de saberes
que permite el debate epistemolgicos entre ellos (Santos, 2005: 163) con el objeto de
maximizar su contribucin a la construccin de sociedades ms democrticas, ms
justas y ms equilibradas en su relacin con la naturaleza.
Esto no implica atribuir la misma validez a todos los conocimientos. La
epistemologa crtica, asume que [s]i los datos son producidos tendremos que
preguntar el para qu y el para quin de la produccin de conocimiento (Montas,
2007: 17). Abrazar esta perspectiva requiere aceptar que en toda investigacin hay
valores presentes implcita o explcitamente y que es necesario valorar la tica
adems de la eficiencia (Ettlinger, 2004: 42). Requiere, adems, reconocer que lo
que cuenta como conocimiento depende, en parte, de su utilidad para fines polticos
57
Luca del Moral Espn
particulares" (Flax, 1993: 12). Requiere tambin, parafraseando a Joan Scott (1990), el
compromiso de incluir en la investigacin un anlisis de las circunstancias, el
significado y la naturaleza de la opresin y de las desigualdades de poder, lo que
implica necesariamente incorporar el gnero como categora de anlisis.
La transicin hacia un conocimiento emancipador no es sencilla porque, tal como
ocurre en el proceso de consolidacin del paradigma de la ciencia moderna, esta
transicin implica no slo cuestiones epistemolgicas, sino tambin cuestiones
econmicas, sociales y polticas, por el carcter fundamental del conocimiento en la
configuracin econmica, cultural y poltica de nuestras sociedades. Hoy en da, una
visin histrica crtica y una prctica democratizadora del conocimiento cientfico son
indispensables para abrir nuevos caminos que amplen la nocin de lo existe en el
presente y de lo posible en el futuro. Ello requiere una ecologa de saberes pero
tambin de temporalidades1 de reconocimientos, de escalas, de productividades.
Desde esta perspectiva, el objetivo de la teora no sera slo extender y profundizar el
conocimiento confirmando lo que ya sabemos, sino encontrar la felicidad y
proporcionarnos nuevos espacios de libertad y posibilidad (Gibson-Graham, 2006: 6).
El feminismo, dice Antonella Picchio, tiene una singular capacidad para modificar
visiones y perspectivas tericas y para elaborar las herramientas con las que abordar
temas cruciales en el mundo real en el que vivimos (apud Glvez y Torres, 2010:
163). De ah su potencial para explicar, y no slo describir, tanto las desigualdades
existentes entre mujeres y hombres, como los mecanismos de su reproduccin y
legitimacin.
La epistemologa y filosofa feminista de la ciencia (en adelante Epistemologa
Feminista) surge en la dcada de 1970, en el marco del desarrollo del feminismo de la
segunda ola, y desde sus orgenes se ha caracterizado por no ser un conjunto terico
uniforme ni responder a un discurso homogneo (Harding, 2008: 7; Flax, 1990: 188).
Todo lo contrario, sta engloba una pluralidad de enfoques y mtodos, a veces muy
alejados entre s, articulados de forma diferente en distintos pases, disciplinas o reas
de conocimiento. Las diferencias conceptuales, metodolgicas o polticas entre unas y
otras se aprecian tambin en las diferencias epistemolgicas subyacentes.
1
En esta lnea y trminos de respeto a las diferentes cosmovisiones y dada por ejemplo la gran valoracin
de la variable tiempo en el mundo indgena de la racionalidad Abya Yala un acercamiento a travs del
tiempo puede, con mucha ms facilidad, establecer puentes para articular epistemologas y permitir una
mejor comprensin intercultural y un mayor dilogo entre distintos saberes (Ramrez, 2012: 28-29).
58
La epistemologa y filosofa feminista de la ciencia en transicin
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Luca del Moral Espn
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La epistemologa y filosofa feminista de la ciencia en transicin
producen conocimiento que no es til para las personas en posiciones subalternas y/o
que refuerza las distintas jerarquas sociales (Andersen, 2010). Puesto que son el
resultado de un sistema de relaciones desiguales de gnero que condiciona no slo
quin llega a hacer ciencia, sino tambin el contenido y el marco filosfico de la
misma. stas consideraciones y prcticas no son simplemente consecuencia de una
mala aplicacin del mtodo cientfico de practicar una mala ciencia, sino que el
propio marco conceptual, las agendas, el mtodo y los criterios en los que se apoya la
que podra considerarse buena ciencia contienen sesgos sexistas que legitiman un
discurso opresor para las mujeres y otros colectivos (Harding, 2004; 2008).
Partiendo de estas consideraciones se pone en cuestin la validez de los criterios
que guan y validan la elaboracin del conocimiento, es decir: 1) la escisin entre
objeto de estudio y sujeto conocedor; 2) la razn individual como herramienta cognitiva
primordial; 3) el mtodo empirista como mtodo cientfico a utilizar; 4) la posibilidad de
obtener unos resultados objetivos, universales y verdaderos. Se subraya que estos
criterios son, de hecho, normas masculinas de relacionarse con el mundo, que
especficamente excluyen a las mujeres (Rosser, 1989: 3), que responde a la
masculinizacin histrica de los mundos de la ciencia moderna y de la civilizacin
como proyecto masculino de distanciamiento y dominacin de la naturaleza (Mies y
Shiva, 1997). En este proyecto, la visin y los estereotipos masculinos, siendo
parciales, son incorporados por la comunidad, las instituciones y las polticas
cientficas que los presentan como universalizables y verdaderos y los reproducen.
Frente a esto, la EFFC plantea que a) la ciencia y toda creacin de conocimiento es un
proceso social y por lo tanto no puede aislarse de las relaciones de poder ni de los
conflictos que se producen en el contexto donde se desarrolla; b) el ideal ilustrado de
objetividad no es factible, la neutralidad valorativa no existe y por lo tanto no puede ser
criterio que demarca el buen conocimiento; c) quien habla y desde dnde lo hace, el
sujeto que crea conocimiento y discurso es relevante.
Las propuestas y el trabajo en este sentido han ido en la lnea de fomentar y
reconocer el papel que los movimientos de las mujeres y las diferentes corrientes del
feminismo han tenido en el crecimiento de la participacin femenina en el mundo
acadmico y cientfico. Sin embargo, encajar a las mujeres sin cambiar las reglas del
juego supone una mera deificacin de las condiciones existentes de desigualdad
social (Braidotti y Butler, 1994). Por ello, los estudios feministas frente a otras filosofas
y sociologas de la ciencia plantean la necesidad de ir ms all y trasformar las
estructuras cognitivas, las prcticas cientficas y sociales previas y contribuir a la
transformacin de la ciencia generando nuevas preguntas, teoras y mtodos que
suponen avances tanto en lo cognitivo como en la justicia social (Harding, 2008: 109,
61
Luca del Moral Espn
124). Esto implica asumir un compromiso poltico explcito que los sita en el mbito
de la epistemologa normativa, es decir, de una epistemologa que pretender
identificar, explicar y transformar las prcticas de poder conceptuales y materiales de
las instituciones sociales dominantes, incluyendo las disciplinas cientficas para que
beneficien a aquellas personas menos beneficiadas por dichas instituciones. (ibidem:
225).
4
Se parte de la idea de que conocimientos situados son el marco general en el que hay que entender las
diferentes corrientes de la epistemologa feminista (Andersen, 2010). Sin embargo, autoras como Prez
Orozco (2006), en el marco de la Economa Feminista, optan por diferenciar y separar las perspectivas
del punto de vista feminista y la de los conocimientos situados. Este trabajo opta por utilizar la
denominacin punto de vista en transicin al considerar que trasmite mejor la idea de dilogo y
reelaboracin continua de la TPVF, bien visible, como la propia Prez Orozco seala, en la evolucin de
los planteamientos de Sandra Harding entre 1986 y 2003 y que la perspectiva de los conocimientos
situados de Haraway ha estado, al menos desde 1986, ntimamente vinculada a la Teora del Punto de
Vista Feminista ya que el artculo de Haraway aparece como prefacio del libro de Harding del 1998, The
Science Question in Feminism.
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La epistemologa y filosofa feminista de la ciencia en transicin
La Teora del Punto de Vista Feminista surge a finales de los sesenta y principios de la
dcada de los ochenta con un objetivo explcitamente poltico y social: producir
conocimiento, terico y prctico, no solamente sobre las mujeres sino para ellas el
paso siguiente sera construir desde/con ellas y que contribuya a acabar con la
subordinacin femenina desde los propios intereses de las mujeres.5
Inspirada por la epistemologa marxista, por el feminismo radical y por las
aportaciones de Kuhn y Feyerabend, distintas autoras de distintas disciplinas en su
mayora activistas en los movimientos polticos de la Nueva Izquierda en la dcada de
los sesenta y setenta del siglo pasado (Harding, 2004: 18) llegan simultneamente a
similares conclusiones: a) las condiciones vitales estructuran y limitan el conocimiento
y las capacidades epistmicas; b) es necesaria una perspectiva crtica acerca de las
5
Estas mismas ideas o lgicas surgen paralelamente en otros movimientos prodemocrticos. Para
Harding, este fenmeno sugiere que la TPV es una especie de epistemologa orgnica que puede surgir
all donde las personas oprimidas ganan voz pblica (Harding, 2004: 3).
63
Luca del Moral Espn
6
Cabe mencionar distintas posiciones de opresin. Entre otras: a) el desarrollo psicosexual de las
mujeres (Hirschmann,1989); b) la responsabilidad de las mujeres para la vida cotidiana (Smith, 1974); c)
su responsabilidad por su cuerpo y por el trabajo emocional que fusiona lo personal, lo social y lo
biolgico determinando una unidad de mano, cerebro y corazn (Rose,1983); d) su trabajo (Weeks,
2004) que transforma la naturaleza en contenidos sociales y culturales (Hartsock, 1997); e) las
actividades relacionadas con la maternidad (Ruddick, 2004); f) la posicin de ousider within en el sistema
de las mujeres negras (Collins, 1986); g) la marginalidad (hooks, 1995, 2000); h) la violencia contra las
mujeres (MacKinnon, 1987); i) las actividades de subsistencia de las mujeres del tercer mundo que
marcan un conocimiento menos destructor de la naturaleza (Mies y Shiva, 1997); j) en la exclusin y
negacin de las feministas del tercer mundo en la teora feminista blanca (Sandoval, 1991).
64
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elementos que estructuran el conocimiento va, las autoras que defienden el punto de
vista feminista, como se ha sealado, comienzan a cuestionarse la posibilidad de
aproximarse a un reflejo no sesgado del objeto de estudio que represente la Verdad.
La complejidad de la cuestin se traduce en la proliferacin de enfoques con la
consecuente confusin (Harding, 2008: 113). Se habla de la interseccin, interrelacin,
superposicin del gnero, la raza, la clase y otras categoras estructurales o
simblicas socialmente relevantes concebidos como ejes distintivos o como ejes
concntricos. En la bsqueda de alternativas, por una parte se recurre a metforas
matemticas (West e Fenstermaker, 1995: 8) que suman, restan, dividen, multiplican
o emplean la geometra para manejar los mltiples si bien no iguales ejes de
opresin clasistas, racistas, sexistas, heterosexistas, los basados en el nacionalismo o
en el rechazo a la discapacidad. En este sentido, se han sealado tres enfoques: el
aditivo (cada estructura de desigualdad puede producir efectos separables); el
multiplicativo (los efectos de las desigualdades se refuerzan unos a otros) y el
interseccional (los efectos producidos por las combinaciones de desigualdades son
diferentes a los efectos de cada uno de ellos por separado).7 Cada una de estas
nociones tiene consecuencias tericas diferentes y, definitivamente, es difcil encontrar
una solucin satisfactoria.
Ante esto, Harding seala cuatro factores por los que del hecho de reconocer que
todo conocimiento est socialmente situado no se deriva que la TPVF caiga en un
relativismo debilitador (Harding, 2004: 11 y ss):
1) El marco conceptual, los mtodos y el contenido de muchas investigaciones estn
claramente influenciadas por los valores y los intereses y sin embargo no se considera
que esto deteriore la calidad terica o emprica de la investigacin.
2) Cualquier tipo de afirmacin slo tiene sentido en algunos contextos particulares,
pero esta clase de relativismo semntico no elimina las bases para evaluar la
capacidad emprica de las afirmaciones Produce o no una explicacin fiable de una
parte de la realidad y de cmo esta afecta a las mujeres?
3) En la vida cotidiana con frecuencia deben tomarse decisiones de acuerdo a valores
o intereses, por ejemplo al optar entre diferentes terapias de salud. A veces esto se
hace en condiciones de urgencia y sin una absoluta certeza sobre la decisin tomada,
sin embargo en estas condiciones las consideraciones relativistas no paralizan la toma
de decisin.
7
[S]i pensamos en el gnero y la clase como categoras aditivas, el total nunca ser mayor (o menor)
que la suma de las partes. Por el contrario, si las concebimos como multiplicativas, el resultado podra ser
mayor que la suma de las partes [] las metforas geomtricas complican an ms las cosas, porque
hacen necesario conocer hacia donde se dirigen los planos y ejes despus de cruzarse, si se
cruzan(West y Fenstermaker, 1995: 8-9).
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Las propuestas hasta aqu planteadas facilitan herramientas que, en el caso concreto
de la economa feminista, hacen posible un giro radical a la hora de abordar
cuestiones tan fundamentales como la supervivencia y el bienestar.
En este sentido, resulta muy interesante el trabajo de un conjunto de autoras que
vienen replanteando conceptos ya clsicos en la literatura feminista como
mantenimiento de la vida (Elson, 1991), aprovisionamiento social (Nelson, 1995;
Power, 2004) o reproduccin social (Picchio, 2001). Junto a estos, en la ltima
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8
Sin duda uno de los colectivos feministas pioneros en la reflexin sobre los cuidados y las condiciones
de precariedad de las mujeres desde la perspectivas de la sostenibilidad de la vida es Precarias a la
Deriva (Madrid), colectivo vinculado a la casa okupada de mujeres La escalera Karakola (Madrid), cuyo
trabajo se plasm por ejemplo en el libro-documental A la deriva por los circuitos de la precariedad
femenina (Precarias a la Deriva, 2004). Ms recientemente, otras piezas audiovisuales como Cuidado
Resbala de la Asociacin Crculo de Mujeres (2013) reflejan el carcter central del trabajo de cuidados
para numerosos colectivos feministas.
9
Esta nocin indaga sobre qu vida nos merece la pena, no bajo la perspectiva del capitalismo
heteropatriarcal, cuyo objetivo vital es la autosuficiencia en y a travs del mercado, sino bajo otros
criterios ticos asentados en el reconocimiento de la vulnerabilidad, la interdependencia y la
ecodependencia. Para esta autora se trata de debate tico, no tcnico, y por lo tanto ha se der
protagonizado por el conjunto de la sociedad (Prez Orozco, 2012).
70
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10
A grandes rasgos, los espacios econmicos alternativos pueden ser definidos como circuitos de
consumo, intercambio y produccin sostenidos, a lo largo del tiempo y del espacio que interrumpen y
tratan de desestabilizar la identificacin de la economa con el capitalismo (Leyshon et al., 2003: 17).
11
Jane Humphries (1977) ha sealado como los hogares y las relaciones familiares de la clase obrera se
convertan en espacios de resistencia.
71
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12
Se habla de procesos porque, en primer lugar, no se pretende captar esencias, al contrario, el objetivo
es reivindicar el conjunto de relaciones que garantizan la satisfaccin de las necesidades de las personas;
relaciones y necesidades que estn en estado de continuo cambio. En segundo lugar, se entiende como
un acontecimiento inherentemente social lo que evita caer en un estudio de las actividades individuales y
promueve el anlisis de las actividades econmicas como procesos sociales interdependientes (Power
apud Prez Orozco, 2006b: 164-165), cuyo resultado ptimo es la satisfaccin social de necesidades en
condiciones de equidad. En tercer lugar, se centra la atencin en la participacin e inclusin en los
procesos de toma de decisiones de las propias personas.
72
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13
Un claro ejemplo de esto pudo observarse en el IV Congreso de Economa Feminista celebrado en
Carmona, (Sevilla) en Octubre 2013. Por una parte, se introdujeron las reas de Debate&Accin y
Formacin junto a la tradicional de Comunicaciones Acadmicas, por otra se promovi y facilit la
asistencia de activistas de movimientos sociales al congreso. Por ltimo las sesiones de comunicaciones
de Sostenibilidad y Pensamiento Feminista incorporaron claramente este tipo de planteamientos en las
comunicaciones y debates posteriores. Ms informacin en http://riemann.upo.es/personal-wp/congreso-
economia-feminista/ (consultado a 29.12.2013).
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liberando la riqueza del mundo que compartimos, o proyectos colectivos como las
Residencias Copylove promovidas por Zemos98 (2013).14
3. CONCLUSIONES
A lo largo de estas pginas se ha dibujado cmo la transformacin epistemolgica del
conocimiento occidental moderno y de sus criterios de validez en forma universal de
conocimiento y cientificidad se complet, a partir del siglo XIX, de la mano de dos
procesos paralelos, de dos dicotomas y de dos narrativas. Procesos, dicotomas y
narrativas que, desde hace dcadas, vienen siendo cuestionados, tanto por lo que se
ha denominado corrientes externas de la ciencia moderna como por las corrientes
internas. Entre todas ellas, la Epistemologa y Filosofa Feminista de la Ciencia puede
ser una de las que plantea mayores rupturas frente al conocimiento sustentado en las
instituciones, prcticas e ideologas de la modernidad (Harding, 2008: 191-193; Prez
Orozco, 2006b: 77).
Tal y como se ha sealado, esta corriente no es, ni aspira a ser, un bloque
homogneo. Por ello, en concreto, el presente artculo se ha centrado en las
aportaciones de una lnea especfica: la Teora del Punto de Vista Feminista en
Transicin, que incorpora aportaciones tanto del feminismo postestructuralista como
del feminismo antirracista y postcolonial. Tras analizar su origen y la evolucin de sus
propuestas se ha planteado la utilidad, en el actual contexto de crisis de desarrollar un
punto de vista feminista que tome como punto de partida la experiencia de las mujeres
en los espacios y las prcticas que rompen con las lgicas capitalistas y que tratan de
poner la nocin del cuidado en el centro. Esta perspectiva se sita en la lnea de
aquellas que plantean la necesidad de construir nuevos mapas y herramientas para la
redefinicin del bienestar e clave de bienestar cotidiano en una sociedad ms justa y
equitativa. En concreto, la propuesta de partir de este tipo de espacios y prcticas
comunitarias se propone contribuir a las reflexiones y debates sobre la sostenibilidad
de la vida y la consecucin de vidas vivibles, apuntando la importancia que lo comn,
lo colaborativo habr de tener en ellas.
Reconocer las oportunidades de estas perspectivas no implica obviar las
limitaciones que presentan ni las crticas que se le podran plantear. Hacerlo sera
contrario a una de las caractersticas fundamentales del feminismo: la capacidad de
14
Copylove es una investigacin en primera persona que trata de extraer de las experiencias vividas
cules son los tipos de vnculos y relaciones que se establecen en una comunidad de agentes cuyas
prcticas y modos de hacer generan bienes comunes para toda la comunidad. En concreto, trata de
analizar el lugar que ocupan el procomn y el amor dentro de las Comunidades, poniendo en accin la
ntima relacin de ambos trminos (2013). Epistemolgicamente, este proyecto apuesta por la idea de
liberar el cdigo fuente de las residencias compartiendo en todo momento los planteamientos, objetivos,
metodologas y resultados obtenidos.
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La epistemologa y filosofa feminista de la ciencia en transicin
autocrtica. Por ello estas limitaciones y crticas, han de convertirse en una motivacin
para profundizar en la lnea de trabajo que analice la importancia fundamental de los
espacios y prcticas comunitarias y colaborativas y su proliferacin en un contexto de
crisis, la participacin de las mujeres en ellos y las consecuencias que esto puede
tener. Negarlas, en concreto a la hora de abordar el estudio del bienestar y la
sostenibilidad de la vida, dificultara el convertir esta cuestin en materia de debate y
responsabilidad pblica, as como profundizar en las soluciones colectivas y sociales a
lo que no son responsabilidades individuales.
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80
e-cadernos CES, 18, 2012: 81-105
MIGRATRIOS
THAIS FRANA
CENTRO DE INVESTIGAO EM ESTUDOS SOCIAIS, INSTITUTO UNIVERSITRIO DE LISBOA
Resumo: O presente artigo tem como objetivo refletir acerca das contribuies dos
estudos feministas para as investigaes sobre relaes de gnero e migrao. A
primeira parte desdobra-se em uma discusso terica sobre a necessidade de
investigaes que assumam uma postura feminista no que diz respeito produo de
um conhecimento crtico, situado e que considere as diferenas de gnero na
feminizao da imigrao, tendo em conta os diversos mecanismos de opresso e
dominao aos quais as imigrantes esto expostas. Posteriormente, segue-se uma
reflexo, a partir da minha experincia como mulher imigrante brasileira em Portugal,
acadmica feminista e membro do grupo de articulao do Manifesto em repdio ao
preconceito contra as mulheres brasileiras em Portugal, sobre como possvel articular
teoria e prtica feminista nos estudos migratrios.
Palavras-chave: estudos feministas, migrao, mulheres, mulheres brasileiras, ativismo.
81
Thais Frana
geogrficos, por outro no deve ser minimizada, posto que constitui um primeiro passo
para dar visibilidade s distintas realidades que envolvem o fenmeno migratrio.
Apesar de considerar importante reconhecer os pequenos avanos nos estudos
sobre gnero e migrao, necessrio demarcar que uma anlise feminista vai alm
de comparar homens e mulheres e concluir que h diferenas entre ambos ou
comparar mulheres migrantes e locais e demonstrar que as primeiras sofrem mais
preconceitos que as ltimas. Porm, como denunciam Herrera (2012), Hondagneu-
Sotelo (2011) e Nawyn (2010), essas abordagens tm sido muito mais recorrentes do
que estudos que se dedicam criticamente compreenso da migrao feminina. As
referidas autoras alertam que, embora atualmente a maioria dos estudos sobre
migrao, em especial os de carter quantitativo, apresenta resultados sobre homens
e mulheres separadamente, as questes de gnero raramente so abordadas de
forma crtica. Alm disso, o entendimento do gnero como construo social
atravessada por relaes desiguais de poder e distintos eixos de diferenciao
quase inexistente e as assimetrias presentes na relao entre homens e mulheres so
problematizadas escassa e superficialmente. E no que concerne s discusses sobre
as desigualdades entre os vrios coletivos de mulheres, consequncia das diferentes
posies sociais que ocupam, h uma lacuna significativa.
[...] no basta falar de mulheres e homens como se esta fosse uma relao
naturalmente dual, simples e no problemtica. Pelo contrrio, a relao entre as
mulheres e os homens pressupe um confronto cognitivo prvio acerca das
desigualdades ou continuidades dos seus poderes que determinam, em ltima
instncia quem oprime versus quem oprimido ou oprimido e opressor ao
mesmo tempo. necessrio reforar a ideia de que qualquer abordagem que
naturalize e generalize um conceito distorce o conhecimento porque toma como
geral o que particular, social e situacionalmente construdo. (Cunha, 2011: 60)
82
Feminismos e militncia nos estudos migratrios
83
Thais Frana
feminino com base apenas na identidade de gnero, mas abrem espao para que as
identidades de classe ou raa, entre outras, sejam igualmente incorporadas.
A anlise da interseco entre os distintos marcadores de diferena tambm
permite descortinar formas de opresso, excluso e segregao que normalmente
esto invisibilizadas. Esse exerccio analtico no se resume a somar desigualdades,
montando-as como um quebra-cabea, implica, sim, a compreenso da
impossibilidade de existncia de marcadores de diferena isoladamente, uma vez que
esto em interao recproca e contnua, e por vezes at contraditria (Piscitelli,
2008). essa interao que delineia as relaes sociais que as imigrantes
estabelecem no pas de destino. Tomando o exemplo das brasileiras em Portugal,
Piscitelli afirma (2008) que essas imigrantes so atravessadas por marcadores de
sexualidade, classe, nacionalidade, raa, gnero e etnicidade, que acabam por
racializ-las como mulatas e sexualiz-las como corpos erticos. A interseco desses
marcadores, somado ao discurso colonial que apresenta as mulheres das ex-colnias
como hipersexualizadas, as associa ao sexo fcil, prostituio e ao mercado do
sexo, posicionando-as como sujeitos inferiores e marginais, contribuindo para
processos de excluso e segregao social.
Contudo, apesar das instigantes possibilidades de anlise que oferecem, as
teorias da intersecionalidade tm sido constantemente criticadas. Young (1995)
aponta que o referido conceito pode levar a um regresso infinito das categorias,
restando apenas o individual, tornando impossvel pensar em coletivos; ou ainda
questiona o que justificaria a priorizao de um determinado eixo e no de outro. Sem
deixar de reconhecer a pertinncia das crticas, acredito que para a anlise de
situaes nas quais vrios eixos de diferenciao esto em jogo caracterstica
marcante na experincia de mulheres imigrantes as contribuies das teorias da
intersecionalidade no podem ser minimizadas, uma vez que obrigam a uma reflexo
acerca daquilo que invisibilizado quando essas categorias so analisadas
separadamente (Brah e Phoenix, 2004; Lugones, 2008).
Outra discusso dentro das teorias feministas que traz contribuies fundamentais
para analisar as questes concernentes s mulheres imigrantes relaciona-se com os
estudos ps-coloniais e as crticas que constantemente estabelece sobre o olhar
colonizador dos feminismos do Norte em relao s mulheres do Sul (Cunha, 2011;
Mohanty, 1984; Mies e Shiva, 1993; Spivak, 1988). A escassez de estudos sobre a
migrao de mulheres qualificadas (Ackers, 2010; Kofman, 2000; Kofman e
Raghuram, 2009; Kofman e Baptista, 2005) traz dois grandes problemas, por um lado,
encobre a experincia desses sujeitos e, por outro, legitima o esteretipo de que a
migrao feminina concerne exclusivamente a deslocamentos de mulheres pobres
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A tese de doutorado intitulada Lindas Mulheres com Rendas de Portugal: a insero das mulheres
brasileiras no mercado de trabalho portugus discutia a situao de trabalhadoras brasileiras precrias
no mercado laboral de Portugal, tendo-a defendido em agosto de 2012 na Universidade de Coimbra,
Portugal.
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mandar nos destinos do pas, seria tudo feito na base do sexo. Esqueam as
privatizaes, comigo o negcio so as sexualizaes. [...] Faa como eu: tem
de pagar IVA, paga com sexo; paga IRS, paga com sexo, u? Negociaes com
a Troica? Sexo! (Gina, Programa Caf Central, RTP, 29.08.2011)
Nesse sentido, as caractersticas fsicas de Gina, seu discurso e o lugar que lhe
era reservado no programa so um exemplo de como o dispositivo da racializao
interseciona o dispositivo da sexualidade. Embora Gina seja representada como uma
mulher loira, ela atravessada por um processo de racializao que a transforma em
uma mulata sensual e ertica. Aqui, no a cor da pele que confere a condio de
mulata, mas sim a nacionalidade brasileira cruzada com o discurso colonial, que,
simultaneamente, contribuem para a hipersexualizao da personagem (Gomes,
2011; Piscitelli, 2008).
A partir da convocatria inicial de uma ativista feminista brasileira estudante de
doutoramento em Portugal, atravs do Facebook um grupo com 30 membros
aproximadamente, entre mulheres e homens, do Brasil e de Portugal, elaborou, de
maneira participativa, uma denncia escrita sobre a forma estigmatizada, exotizada e
hipersexualizada que as imigrantes brasileiras so tratadas pela comunicao social
portuguesa. A organizao do grupo deu-se de maneira horizontal, prescindindo de
hierarquias e lanando mo de processos de auto-organizao. O documento foi
intitulado de Manifesto em repdio ao preconceito contra as mulheres brasileiras em
Portugal. Alm das denncias, o Manifesto exigia tambm que as autoridades
competentes em Portugal e no Brasil tomassem as medidas necessrias para eliminar
as prticas discriminatrias apontadas.
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2
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durante meses nos jornais impressos e televisivos (Cunha, 2005, 2007; Santos, 2007),
contribuindo para a legitimao de um pnico moral, um estigmatizao e uma
segregao social dessas imigrantes (Alvim e Togni, 2010). Freitas (2009) afirma que
a abordagem da comunicao social portuguesa sobre esse evento foi marcante para
a consolidao de uma equivalncia simblica rgida entre brasileiras e prostituio.
De acordo com a autora, a cobertura dada pela mdia atravs das manchetes e
matrias dos jornais impressos, das chamadas dos telejornais e das imagens
veiculadas entre fotos e vdeos contribuiu de forma direta para a legitimao do
imaginrio social que iguala diretamente prostitutas a brasileiras.
A mdia portuguesa, recorrentemente, apresenta as brasileiras como mulheres
selvagens, sexualizadas e erticas e a cobertura miditica sobre o caso das Mes de
Bragana utilizava-se de forma intensa desse imaginrio. Cunha (2005) denuncia que
a imprensa portuguesa enfatiza notcias sobre mulheres brasileiras envolvidas com
esquemas de prostituio.
importante ressaltar, tambm, que a figura da imigrante brasileira como mulata
extica e sexualizada no criada apenas pelo discurso dos mdia portugueses.
Durante anos, o governo Brasileiro incentivou a imagem da mulher brasileira tropical,
utilizando-se dela para estimular o turismo internacional para o Brasil, A mulata uma
inveno discursiva e performativa de raa, gnero e sexualidade consolidada
como identidade espetacularizada e vendida como atrativo turstico (Gomes, 2009:
56). No caso de Portugal, soma-se a isso o agravante da difuso intensa das novelas
brasileiras em diversos canais de televiso. Embora o foco das novelas no seja
principalmente o mercado internacional do sexo, as imagens transmitidas nesses
programas acabaram por contribuir para reforar o esteretipo da mulher brasileira
como sensual e ertica.
O carnaval brasileiro outro elemento que foi apropriado pela mdia portuguesa,
sendo recorrentemente utilizado para sustentar a construo da brasileira como
mulata sensual e extica. Se, por um lado, o carnaval foi transformado
internacionalmente pelo marketing turstico em um dos principais atrativos do Brasil,
por outro, a mulher brasileira, na figura da mulata sensual, seminua, foi utilizada como
cone maior do evento (Gomes, 2009). Isto , como demonstrou Gomes (2013), o
discurso do marketing turstico em relao ao carnaval contribuiu fortemente para a
criao do esteretipo de hipererotizao das mulheres brasileiras.
Esse imaginrio refora a associao constante das imigrantes brasileiras s
atividades no mercado do sexo, trfico de seres humanos e prostituio. Alm disso,
tem um papel relevante no processo de insero-excluso social dessas mulheres na
sociedade portuguesa, acompanhando toda sua trajetria migratria no pas. Percebe-
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Feminismos e militncia nos estudos migratrios
se que esse imaginrio constitui-se como uma forma stil de violncia simblica, que
por vezes concretiza-se atravs das exploraes, humilhaes e, em alguns casos,
situaes reais de violncia fsica. Ofertas de trabalho majoritariamente em postos de
trabalho precrio, baixos nveis de salrio, horrios da jornada de trabalho exaustivos,
impossibilidade de alugar casas, piadas ofensivas, maus tratos em reparties
pblicas e privadas, assdio, isolamento social, ausncia de participao poltica, falta
de socializao, desconhecimento dos direitos so algumas situaes comumente
vivenciadas por essas mulheres (Frana, 2012).
As anlises do Manifesto, apoiadas em estudos anteriores (Cunha, 2005; Santos
2007), identificaram e revelaram como o discurso da comunicao social em Portugal
sobre as brasileiras est ancorado, sobretudo, no imaginrio colonial que apresenta as
mulheres das colnias como voluptuosas, erticas, exticas, submissas, livres
sexualmente e dotadas de uma corporalidade diferente das europeias (Stolke, 2006;
Pais, 2010), o que, somado s dinmicas de hipersexualizao e racializao
existentes no pas, leva a que as associem prostituio e ao mercado do sexo
(Piscitelli, 2008).
O estigma da hipersexualidade remonta os imaginrios coloniais, que construram
as mulheres das colnias como objetos sexuais (Stolke, 2006). De acordo com Gomes
(2013), o impacto do colonialismo determinante na exacerbao das assimetrias
entre homens e mulheres nas colnias e entre metrpoles e colnias. Ao mesmo
tempo, contribui diretamente para a produo de esteretipos, a criao de um
imaginrio colonial relacionando ao ertico e extico e a legitimao da violncia
contra as mulheres das colnias.
Esse imaginrio colonial hipersexualizado interseciona com outros marcadores de
diferena, como a classe social. Por consequncia do carter laboral do fluxo
migratrio das brasileiras para Portugal e do processo de precarizao e
desestabilizao atuante no mercado de trabalho portugus, em geral, as imigrantes
brasileiras no pas, em um primeiro momento, inserem-se nos segmentos mais baixos
dos estratos econmicos (Frana, 2012; Egreja e Peixoto, 2011). Mais ainda, embora,
atualmente, a imagem internacional do Brasil seja de uma potncia econmica estvel
e em crescimento, durante muitos anos, foi conhecido como um pas pobre e que
enfrentava constantes crises financeiras. O posicionamento econmico inferior das
imigrantes brasileiras na sociedade portuguesa tambm reforado por outro
elemento do colonialismo, a explorao do corpo dos homens e das mulheres das
colnias para o trabalho escravo (McClintock, 2010). Esses elementos confluem para
que, alm de serem apresentadas como mulheres hipersexualizadas, as imigrantes
brasileiras em Portugal sejam construdas como mulheres pobres, economicamente
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Assumir-me nos distintos espaos em que estive presente como mulher brasileira
imigrante, ao invs de investigadora em mobilidade cientfica, implicar minha
biografia em minhas anlises, demarcar em meus escritos um posicionamento situado
que tome em conta as relaes de gnero, assumir os pressupostos polticos
engajados com a transformao social que sustentavam minha produo e abrir mo
do lugar de suposto saber absoluto que a cincia moderna e a academia tradicional
insistem em sustentar, sem ignorar a importncia do rigor cientfico, foram algumas
caractersticas que tentei incorporar em minha prtica acadmica. Empreendia, pois, o
exerccio dirio de reconhecer-me no papel de cientista social como um sujeito que
escreve, v, l, escuta e sente e no como uma mquina que decodifica o real para
chegar verdade absoluta (Benzaquen, 2008: 22).
Apesar de j ter decorrido mais de cinco anos que moro em Portugal, continuo a
identificar-me (e sou constantemente lembrada) como uma mulher brasileira imigrante,
classificao que se sobrepe minha posio de investigadora, minha classe
social, ao meu estatuto de imigrante regularizada, por exemplo. Logo, continuo a ser
estrangeira, um elemento que no natural de uma determinada paisagem, sendo
esse, portanto, meu lugar de enunciao, o lugar do outro. Assim, o reconhecimento
da alteridade que me cabe um dos aspectos centrais que acompanha as reflexes e
confrontaes tericas que sustentam meus estudos e o exerccio constante de
avaliao acerca de que cincia pratico.
Defino minha participao no grupo de articulao do Manifesto como uma
experincia que dialogou diretamente com os pressupostos feministas acadmicos e a
prtica poltica, que o mesmo dizer com cincia e ativismo, e que requereu de mim
um deslocamento dos muros da Universidade para o campo, onde a vida mais
pulsante. Elevou mxima potncia a fuso entre meu eu-investigadora e meu eu-
ativista, exigiu de mim um posicionamento poltico claro e radical, forou-me a
confrontar minhas opes tericas com minha prtica cotidiana.
Reconhecer-me como membro efetivo do grupo de articulao do Manifesto, no
se tratava mais apenas de colocar teorias em dilogo a partir de um vis crtico,
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H um artigo, igualmente escrito por membros do grupo de articulao, que foi enviado para
uma revista cientfica no Brasil, porm at o momento da escrita destas reflexes ele no havia
sido publicado.
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Feminismos e militncia nos estudos migratrios
THAIS FRANA
Mulher brasileira imigrante em Portugal. Ps-doutoranda do Centro de Investigao
em Cincias Sociais, do Instituto de Cincias Sociais da Universidade do Minho,
Portugal. Doutora em Sociologia pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de
Coimbra, Portugal. Mestra em Psicologia do Trabalho pela Universidade de Bolonha,
Itlia. Licenciada em Psicologia pela Universidade Federal do Cear, Brasil.
Contato: [email protected]
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Rita Laura Segato
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@cetera: Gnero e colonialidade
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Rita Laura Segato
Apresento aqui dois temas conjuntamente porque se constituem como problemas anlogos.
O primeiro um tema nevrlgico neste momento no Brasil, cujo tratamento requer delicadas
manobras conceituais e uma ginstica mental considervel, pois se apresenta como uma
defesa da vida de crianas indgenas, ao mesmo tempo em que ameaa as lutas pelo
direito dos povos a construir suas autonomias e sua prpria justia. Trata-se de um projeto
de lei especfico, proposto pela frente parlamentar evanglica, de criminalizao da prtica
adaptativa, eventual e em declinao do infanticdio.1 Esse projeto de lei no Brasil prope a
superviso e a vigilncia da vida indgena por agentes missionrios e da segurana pblica,
e redobra assim suas capacidades de interveno nas aldeias, que perdem dessa forma
sua privacidade e se tornam transparentes aos olhos do Estado. Uma vez mais, no mundo
colonial, a pretensa salvao das crianas um libi fundamental para as foras que
pretendem intervir a vida dos povos indgenas, mediante a acusao de que submetem sua
prpria infncia a maus-tratos.
O desafio nesse caso residiria em defender o direito autonomia dos povos, ainda
tendo em conta que, no contexto da colonialidade, tal autonomia permita algumas prticas
inaceitveis para o discurso ocidental e moderno de Direitos Humanos, como por exemplo a
eliminao consciente de vidas indefesas. Sem dvida, o feixe de luz que ilumina hoje em
dia essa prtica escassamente representativa da vida das aldeias integra, no Brasil, um
poderoso argumento antirrelativista e anti-indgena que pretende desqualificar e
desmoralizar os povos para mant-los sob a tutela interessada do mundo branco. Foi neste
contexto que recebi a solicitao para colaborar com tal questo, ajudando a pensar sobre a
forma de defender sociedades acusadas da prtica de infanticdio ou de no consider-lo
crime. A partir deste ponto, como mostrarei, vi-me obrigada a construir um discurso que no
recorria nem ao relativismo cultural nem s noes de cultura e tradio que costumamos
utilizar para defender a realidade indgena e as comunidades na Amrica Latina. Tambm
no apelava ao direito diferena, mas ao direito autonomia, como um princpio que no
coincide exatamente com o direito diferena, j que permanecer diferente e em nenhum
1
Aprovado pela Comisso de Direitos Humanos e Minorias em 01/06/2011 e pela Comisso de Constituio e
Justia em 02/07/2013, o projeto de lei n. 1 057/07 tambm conhecido como Lei Muwaji do deputado
Henrique Afonso (PV Acre) dispe sobre o combate a prticas tradicionais nocivas e proteo dos direitos
fundamentais de crianas indgenas, bem como pertencentes a outras sociedades ditas no tradicionais.
Durante os 6 anos de tramitao na Cmara dos Deputados do Brasil, o contedo do projeto recebeu algumas
alteraes, sendo inclusive substitudo, em 2011, pelo texto da relatora deputada Janete Piet (PT So Paulo),
que comutou as aes punitivas previstas no texto original por aes educativas. As alteraes foram
decorrentes das presses exercidas pela sociedade civil contra a interferncia de missionrios/as e religiosos/as
na autonomia dos povos indgenas. Na poca da publicao desse artigo, o projeto de lei 1 057/07 ainda no
havia sido aprovado.
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@cetera: Gnero e colonialidade
caso vir a coincidir no pode tornar-se uma regra compulsria para todos os aspectos da
vida e de forma permanente.
Da mesma forma, a colaborao com a Coordenao de Mulheres Indgenas da
Fundao Nacional do ndio (FUNAI)2 na divulgao da Lei Maria da Penha contra a
Violncia Domstica,3 levou-me necessidade de pensar na defesa das mulheres
indgenas perante a violncia crescente que as vitima em nmero e grau de crueldade, no
s a partir do mundo branco, mas tambm dentro de seus lares e sob as mos de homens
tambm indgenas. Apresenta-se a um dilema semelhante, pois como seria possvel
recorrer ao amparo dos direitos estatais sem propor a progressiva dependncia de um
Estado permanentemente colonizador cujo projeto histrico no coincide com o projeto das
autonomias e da restaurao do tecido comunitrio? contraditrio afirmar o direito
autonomia e, simultaneamente afirmar que deve-se esperar que o Estado crie as leis que
devero defender os frgeis e prejudicados dentro dessas autonomias.
Minha primeira afirmao nessa tarefa que o Estado entrega aqui com uma mo
aquilo que j retirou com a outra: cria uma lei que defende as mulheres da violncia qual
esto expostas porque esse mesmo Estado j destruiu as instituies e o tecido comunitrio
que as protegia. O advento moderno tenta desenvolver e introduzir seu prprio antdoto
para o veneno que inocula. O polo modernizador da Repblica, herdeira direta da
administrao ultramarina, permanentemente colonizador e intervencionista, debilita
autonomias, irrompe na vida institucional, rasga o tecido comunitrio, gera dependncia e
oferece com uma mo a modernidade do discurso crtico igualitrio, enquanto com a outra
introduz os princpios do individualismo e a modernidade instrumental da razo liberal e
capitalista, conjuntamente com o racismo que submete os homens no brancos ao estresse
e emasculao. Voltarei a estes temas pormenorizadamente na prxima seco.
2
A FUNAI foi criada atravs da Lei n. 5 371, de 5 de dezembro de 1967 e um rgo do governo brasileiro que
lida com todas as questes referentes s comunidades indgenas e s suas terras [Nota da tradutora].
3
A Lei n 11 340 o dispositivo legal responsvel pelo aumento do rigor nas punies de agresses contra
mulheres quando essas ocorrem no mbito domstico ou familiar. Em vigor desde o dia 22 de setembro de
2006, a lei conhecida popularmente no Brasil como Lei Maria da Penha em referncia ao caso n.
12.051/OEA, levado Organizao dos Estados Americanos por Maria da Penha Maia Fernandes, que sofreu
durante 6 anos violncia fsica, maus-tratos e duas tentativas de homicdio perpetradas por seu ex-marido. Em
decorrncia da primeira tentativa de homicdio, Maria da Penha ficou paraplgica, e aps o julgamento que se
prolongou por 18 anos, seu ex-marido foi condenado, tendo cumprido apenas dois anos de priso em regime
fechado, impunidade que motivou a ao de Maria da Penha junto OEA contra o Estado brasileiro [Nota da
tradutora].
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Rita Laura Segato
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@cetera: Gnero e colonialidade
tambm comum, atravs de uma trama interna que no dispensa o conflito de interesse e o
antagonismo das sensibilidades ticas e posturas polticas, mas que compartilha uma
histria. Esta perspectiva nos conduz a substituir a expresso uma cultura pela expresso
um povo, sujeito vivo de uma histria, em meio a articulaes e intercmbios que, mais
que uma interculturalidade, desenham uma inter-historicidade. O que identifica este sujeito
coletivo, esse povo, no um patrimnio cultural estvel, de contedos fixos, mas a
autopercepo por parte de seus membros de compartilhar uma histria comum, que vem
de um passado e se dirige a um futuro, ainda que atravs de situaes de dissenso interno
e conflituosidade.
Afinal o que um povo? Um povo o projeto de ser uma histria. Quando a histria
tecida coletivamente, como os pontos de uma tapearia onde os fios desenham figuras, s
vezes aproximando-se e convergindo, s vezes distanciando-se e seguindo em direes
opostas, interceptada, interrompida pela fora de uma interveno externa, este sujeito
coletivo pretende retomar os fios, fazer pequenos ns, suturar a memria e continuar.
Nesse caso, deve ocorrer o que podemos chamar uma devoluo da histria, uma
restituio da capacidade de tecer seu prprio caminho histrico, retomando o tramado das
figuras interrompidas, tecendo-as at ao presente da urdidura, projetando-as em direo ao
futuro.
Qual seria, nesse caso, o melhor papel que o Estado poderia desempenhar?
Certamente, apesar do carter permanentemente colonial de suas relaes com o territrio
que administra, um bom Estado, longe de um Estado que impe sua prpria lei, ser um
Estado restituidor da jurisdio prpria e do foro comunitrio, garantia da deliberao
interna, limitada por razes que se vinculam prpria interveno e administrao estatal,
como irei expor abaixo, ao referir-me ao gnero. A brecha descolonial que possvel
pleitear dentro da matriz estatal ser aberta, precisamente, pela devoluo da jurisdio e a
garantia de deliberao, o que no outra coisa que a devoluo da histria, da
capacidade de cada povo de implementar seu prprio projeto histrico.
Distanciamo-nos, portanto, do argumento relativista, sem prejuzo do procedimento
metodolgico que, relativizando, permite-nos entender o ponto de vista do outro. Nos
distanciamos estrategicamente do relativismo, apesar de que sua plataforma foi muito
instrumentalizada pelos mesmos povos indgenas com algumas consequncias perversas
s quais me referirei abaixo. O argumento relativista deve ceder lugar ao argumento
histrico, da histria prpria, e do que propus chamar pluralismo histrico, que outra coisa
no que uma variante no culturalista do relativismo, apenas imune tendncia
fundamentalista inerente a todo culturalismo. Mais do que um horizonte fixo de cultura, cada
povo tece sua histria pelo caminho do debate e da deliberao interna, revolvendo entre
as brechas de inconsistncia de seu prprio discurso cultural, transcendendo seus conflitos
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4
Sobre os recursos do discurso interno para a transformao dos costumes ver An-naim (1995).
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Irei referir-me a seguir a uma forma de infiltrao especfica, como o das relaes de
gnero da ordem colonial moderna nas relaes de gnero no mundo-aldeia. Algo
semelhante Julieta Paredes apontou com a ideia de entroncamento de patriarcados
(2010). importante compreendermos aqui que, ao comparar o processo intrusivo da
colnia e, mais tarde, do Estado republicano nos outros mundos, com a ordem da colonial /
modernidade e seu preceito cidado, no somente iluminamos o mundo da aldeia, mas
tambm e sobretudo acedemos s dimenses da Repblica e do caminho dos Direitos que
se apresentam a ns geralmente opacas, invisibilizadas pelo sistema de crenas cvicas,
republicanas no qual estamos imersos pela religiosidade cvica do nosso mundo. Tambm
gostaria de fazer notar que a anlise do que diferencia o gnero de um e outro mundo
revela, com grande claridade, o contraste entre seus respectivos padres de vida em geral,
em todos os mbitos e no somente no mbito do gnero. Isso se deve a que as relaes
de gnero so, apesar de sua tipificao como tema particular no discurso sociolgico e
antropolgico, uma cena ubqua e onipresente de toda vida social.
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5
Uma reedio desse texto ser publicada em lngua castelhana na antologia organizada por Francesca
Gargallo, que reunir cem anos de pensamento feminista latino-americano na Coleccin Ayacucho.
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Rita Laura Segato
sobre o problema crescente de violncia contra elas, cujas notcias chegavam a Braslia. O
que ocorre, em geral, mas especialmente nas reas onde a vida considerada tradicional
se encontra supostamente mais preservada e onde h mais conscincia do valor da
autonomia frente ao Estado, como o caso dos/das habitantes do Parque Xing, no Mato
Grosso, que os caciques e os homens se fazem presentes e interpem o argumento de
que no existe nada que o Estado tenha para falar com suas mulheres. Sustentam este
argumento com a verdade verossmil de que seu mundo sempre foi assim: o controle que
ns temos sobre nossas mulheres um controle que sempre tivemos sobre elas.
Sustentam esta declarao, como antecipei anteriormente, com um argumento culturalista e
fundamentalista portanto, no qual se pressupe que a cultura no teve histria. Arlette
Gautier chama a esta miopia histrica a inveno do direito consuetudinrio (Gautier,
2005: 697).
A resposta, bastante complexa, que devolvemos a eles foi: em parte sim, em parte
no. Porque, se sempre existiu uma hierarquia no mundo da aldeia, um diferencial de
prestgio entre homens e mulheres, tambm existia uma diferena, que agora se v
ameaada pela ingerncia e colonizao pelo espao pblico republicano, que difunde um
discurso de igualdade e expele a diferena a uma posio marginal, problemtica o
problema do outro, ou a expulso do outro condio de problema. Essa inflexo
introduzida pela incorporao gide, primeiro, da administrao colonial de base
ultramarina e, mais tarde, da gesto colonial estatal, tem, como o primeiro de seus
sintomas a cooptao dos homens enquanto classe ancestralmente dedicada s tarefas e
papis do espao pblico com suas caractersticas pr-intruso.
Deliberar no terreno comum da aldeia; ausentar-se em expedies de caa e para
contatos com as aldeias vizinhas ou distantes, do mesmo povo ou de outros povos;
parlamentar ou guerrear com as mesmas foi, ancestralmente, tarefa dos homens. por isso
que, da perspectiva da aldeia, as agncias das administraes coloniais que se sucederam
entram nesse registro em relao a com quem se parlamenta, com que se guerreia, com
quem se negocia, com quem se pactua e, em pocas recentes, de quem se obtm os
recursos e direitos (como recursos) que se reivindicam em tempos de poltica de identidade.
A posio masculina ancestral, portanto, se v agora transformada por este papel relacional
com as poderosas agncias produtoras e reprodutoras da colonialidade. com os homens
que os colonizadores guerrearam e negociaram, e com os homens que o Estado da
colonial /modernidade tambm o faz.
Para Arlette Gautier a eleio dos homens como interlocutores privilegiados foi
deliberada e serviu os interesses da colonizao e a eficcia de seu controle: a colonizao
carrega consigo uma perda radical do poder poltico das mulheres, ali onde existia,
enquanto os colonizadores negociaram com certas estruturas masculinas ou as inventaram,
119
@cetera: Gnero e colonialidade
com o fim de conseguir aliados (2005: 718) e promoveram a domesticao das mulheres
e sua maior distncia e sujeio para facilitar a empreitada colonial9 (ibidem: 690. Ver
tambm Assis Clmaco 2009).
A posio masculina se v assim promovida a uma plataforma nova e distanciada que
se oculta por trs da nomenclatura precedente, robustecida agora por um acesso
privilegiado a recursos e conhecimentos sobre o mundo do poder. Desloca-se, assim,
inadvertidamente, enquanto se opera uma ruptura e reconstituio da ordem, mantendo,
para o gnero, os antigos nomes, marcas e rituais, mas investindo a posio com
contedos novos. Os homens retornam aldeia sustentando serem o que sempre foram,
mas ocultando que se encontram j operando em nova chave. Poderamos aqui tambm
falar da clebre e permanentemente frtil metfora do body-snatching do clssico
hollywoodiano The invasion of the body snatchers: a invaso dos caadores de corpos; o
crime perfeito formulado por Baudrillard, porque eficazmente oculto na falsa analogia ou
verossimilhana. Estamos frente ao elenco de gnero, mas representa agora outro drama:
outra gramtica passou a organizar seus roles.
As mulheres e a mesma aldeia formam parte agora de uma externalidade objetificada
para o olhar masculino, contagiado, por contato e mimese, com o mal da distncia e
exterioridade prprio do exerccio de poder no mundo da colonialidade. A posio dos
homens tornou-se, dessa forma, simultaneamente interior e exterior, com a exterioridade e
capacidade objetificadora do olhar colonial, simultaneamente administrador e pornogrfico.
De forma sinttica, visto que no tenho a possibilidade de estender-me nesse ponto,
antecipo que a sexualidade se transforma, introduzindo-se como uma moralidade antes
desconhecida, que reduz a objeto o corpo das mulheres e ao mesmo tempo inocula a noo
de pecado nefasto, crime hediondo e todos os seus correlatos (ver Segato 2014). Devemos
atribuir exterioridade colonial moderna exterioridade da racionalidade cientfica,
exterioridade administradora, exterioridade expurgadora do outro e da diferena, j
apontadas por Anbal Quijano e por Walter Mignolo em seus textos essa caracterstica
pornogrfica do olhar colonizador (Quijano, 1992; Mignolo, 2000 e 2003).
necessrio advertir, contudo, de que junto a esta hiperinflao da posio masculina
na aldeia, ocorre tambm a emasculao desses mesmos homens frente aos brancos, o
que os submete ao estresse e lhes mostra a relatividade de sua posio masculina ao
sujeit-los ao domnio soberano do colonizador. Este processo violentognico, pois
oprime aqui e empodera na aldeia, obrigando a reproduzir e a exibir a capacidade de
controle inerente posio de sujeito masculino no nico mundo agora possvel para
restaurar a virilidade prejudicada na frente externa. As relaes intra-familiares com
9
Sobre este tema, ver tambm Assis Clmaco (2009).
120
Rita Laura Segato
10
A regio do Grande Chaco na Amrica do Sul composta por regies da Argentina, Brasil, Bolvia e Paraguai
e chaqueos, o nome dado aos habitantes dessa regio sobretudo no Norte argentino Resistencia, Santiago
121
@cetera: Gnero e colonialidade
del Estero e Ciudad de Formosa no existindo uma traduo em lngua portuguesa que se adeque ao original
em castelhano [Nota da tradutora].
122
Rita Laura Segato
11
Sobre esta discusso indico a leitura de Warner (1990), West (2000 [1988]), Benhabib (2006 [1992]), Cornell
(2001 [1998]) e Young (2000).
123
@cetera: Gnero e colonialidade
124
Rita Laura Segato
125
@cetera: Gnero e colonialidade
12
Descrevi esta diferena entre os mundos para as comunidades de religio afro-brasileira Nag Yoruba de
Recife no artigo que citei anteriormente (Segato, 2005 [1985]).
13
Sobre a coemergncia da colnia, a modernidade e o capitalismo com as categorias Europa, Amrica,
raa, ndio, Branco, Negro ver Quijano (1991 e 2000) e Quijano e Wallerstein (1992).
126
Rita Laura Segato
colonialidade do poder, que permite uma influncia maior de um mundo sobre outro. O mais
preciso ser dizer que o coloniza. Nesta nova ordem dominante, o espao pblico, por sua
vez, passa a capturar e monopolizar todas as deliberaes e decises relativas ao bem
comum geral, e o espao domstico como tal se despolitiza totalmente, tanto porque perde
suas formas ancestrais de interveno nas decises que se tomavam no espao pblico,
como tambm porque se encerra na famlia nuclear e se isola na privacidade. Passa-se
assim, a normatizar a famlia e a impor novas formas imperativas de conjugalidade e de
censura dos laos extensos que anteriormente atravessavam e povoavam a domesticidade
(Maia, 2010 e Abu-Lughod, 2002), com a consequente perda do controle que o olho
comunitrio exercia na vigilncia e julgamento dos comportamentos. A despolitizao do
espao domstico o converte em vulnervel e frgil, e so inumerveis os testemunhos dos
novos modos e graus de crueldade na vitimizao que surgem quando desaparece o
amparo do olhar da comunidade sobre o mundo familiar. Desmorona-se a autoridade, o
valor e o prestgio das mulheres e ao decair sua esfera prpria de ao.
Esta crtica da queda da esfera domstica e do mundo das mulheres desde uma
posio de plenitude ontolgica ao nvel de resto ou sobra do mundo social tem
consequncias gnosiolgicas importantes. Entre elas, a dificuldade que enfrentamos
quando, apesar de entender a onipresena das relaes de gnero na vida social, no
conseguimos pensar toda a realidade a partir do gnero atribuindo-lhe um estatuto terico e
epistmico como categoria central capaz de iluminar todos os aspectos da vida. diferena
no mundo pr-intruso, as referncias constantes dualidade em todos os campos
simblicos mostram que este problema da desvalorizao gnosiolgica do sistema de
gnero ali no existe.
O que mais importante notar aqui que, nesse contexto de mutao histrica,
preservam-se as nomenclaturas e ocorre uma miragem, um mal-entendido, uma falsa
impresso de continuidade do velho ordenamento com seu sistema de nomes, formalidades
e rituais que aparentemente permanece, mas que agora regido por outra estrutura (tratei
desse tema em meu livro de 2007). Esta passagem sutil, e a falta de transparncia sobre
as transformaes ocorridas faz com que as mulheres se submetam sem saber como
contestar a reiterada afirmao por parte dos homens de que sempre fomos assim, e a
sua reivindicao de manuteno de um costume que supem ou afirmam como tradicional,
com a hierarquia de valor e prestgio que lhes prpria. Da deriva uma chantagem
permanente dirigida s mulheres que as ameaa com o suposto de que, em caso de
modificar este ordenamento, a identidade, como capital poltico, e a cultura, como capital
simblico e referncia nas lutas pela continuidade enquanto povo, veriam-se prejudicadas,
debilitando assim as demandas por territrio, recursos e direitos como recursos.
127
@cetera: Gnero e colonialidade
128
Rita Laura Segato
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131
e-cadernos CES 18, 2012: 132-139
M. LEE
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE MCGILL, CANAD
Como uma jovem vinda de uma famlia de baixa renda que teve privilgio suficiente
para chegar universidade, passei dois anos em aulas de estudos feministas
assistindo s mesmas anlises superficiais e alegricas sobre racismo e classismo
sendo regurgitadas insistentemente. Encontrei poucas/os acadmicas/os confortveis
ou menos conscientes o suficiente para encarar a universidade como um mecanismo
de perpetuao da hierarquia de classe. Eu tambm no era uma candidata ideal para
introduzir o tema como uma jovem pobre, estava na universidade exatamente para
sair da classe social baixa na qual tinha crescido e vivido toda minha existncia. Se eu
falasse contra os aspectos classistas da indstria acadmica e os valores que a
saturam, estaria atacando todo mundo ali, incluindo eu mesma. No sabia se meus
pensamentos eram racionais ou simplesmente o produto de um ressentimento mal
direcionado, e no sabia sequer se podia falar em nome do grupo do qual eu tentava
escapar. Fiquei em silncio por muito tempo.
A verso em ingls desse artigo foi publicada originalmente em Lee, M. (2011), Maybe I'm not Class-
Mobile; Maybe I'm Class-Queer: poor kids in college, and survival under hierarchy, in Jessica Yee,
Feminism for Real: Deconstructing the Academic Industrial Complex of Feminism. Ottawa: Canadian
Centre for Policy Alternatives. O trocadilho do titulo original, no qual a ideia de mobilidade de classe
sobreposta s rupturas potenciais do termo queer (gay, estranho, suspeito, original) no pode ser
transposto a contento para o portugus. Optou-se, portanto, por enfatizar o argumento e no a forma
[Nota da tradutora].
132
M. Lee
133
Jovens pobres na universidade e a sobrevivncia sob a hierarquia
me. Ela s vezes sente amargura e inveja porque eu tenho muito mais
oportunidades, que ela nunca teve. Ela s vezes se sente abandonada, pois eu estou
vivendo em domnios da experincia que ela sempre habitou do lado de fora. Ela
costumava passar por ciclos de ressentimento, porque tinha medo que eu me tornasse
uma dessas jovens profissionais privilegiadas trabalhando pelo interesse pblico que
declaram entender a experincia da opresso por causa de sua educao, enquanto
se amparam nessa mesma educao para silenciar e ignorar a experincia efetiva de
pessoas oprimidas. Por outro lado, houve momentos em que ela quis cortar todo o
contato comigo, porque tinha medo que meus vnculos familiares me puxariam para
baixo e me impediriam de viver uma vida melhor. Toda emoo cruel, complexa e
conflituosa que ela sentiu a meu respeito, eu tambm senti a respeito de mim mesma.
Ainda estamos tentando resolver tudo isso.
O exerccio pessoal/poltico de autoinvestigao e comunicao que minha famlia
e eu fazemos o principal espao da minha prtica feminista. Reli o artigo de Andrea
Smith sobre supremacia branca no qual ela fala (entre outras coisas) sobre repensar o
conceito de famlia como algo que une diversas pessoas com relaes complicadas
umas s outras. Essa ideia ressoa profundamente em mim, uma vez que meu
relacionamento familiar tem sido a maior fora que guia o meu feminismo. Quando eu
era criana, minha me solteira lutava para manter meu irmo e eu alimentados,
vestidos e protegidos de um pai violento. Ela lutava para nos oferecer um ponto de
apoio no mundo, algo que ela mesma nunca tivera. Ela lutou a vida inteira para
sobreviver e esse esprito de sobrevivncia, alcanado com unhas e dentes, permeou
minha infncia e o fundamento das minhas convices feministas. Cresci
entendendo que nessa batalha por ascenso, no apenas nosso corpo, mas nossas
mentes e identidades que devem aguentar e permanecer inteiros.
Em minha famlia somos indivduos diversos que ocupam posies sociais
distintas, mas profundamente engajados na sobrevivncia do todo. Ns somos hapa,1
nossas razes so chinesas, negras, europeias e indgenas. Eu sempre pude passar
por branca e meu privilgio de ser banca afetou significativamente os crculos
acadmicos, sociais e profissionais nos quais estive presente. Diferentemente do resto
de minha famlia, tenho a segurana e a vantagem de poder ser racialmente invisvel
quando o escolho. Sou privilegiada pelos mesmos sistemas racistas que oprimem
minha me e meu irmo; ao mesmo tempo, meu irmo privilegiado pelos sistemas
patriarcais heteronormativos que me subordinam a mim enquanto lsbica. Ignorar
essas dinmicas perigosas no uma opo no para minha famlia, nem para
1
Hapa palavra de origem havaiana que denota origem tnica diversificada [Nota da
Tradutora].
134
M. Lee
2
A mdia cambial do dlar canadianos para o ano de 2011, quando o artigo de Lee foi
publicado, era de E$ 0,74 euros europeus e R$ 2,20 reais brasileiros; o valor mencionado de $
135
Jovens pobres na universidade e a sobrevivncia sob a hierarquia
136
M. Lee
As pessoas pobres tendem a ver a universidade como uma sada para as suas
crianas, mas a universidade tambm o caminho que leva classe de pessoas cujo
sucesso est baseado na opresso dos pobres. Ao longo da minha infncia, fui
exposta a muitas ideias conflitantes a respeito da universidade e da mobilidade de
classe. Subir na vida era muito desejvel, mas tambm merecedor de escrnio e
desdm. Era objeto de inveja, ressentimento e mesmo dio. Algumas das crianas
negras na minha vizinhana eram achincalhadas como brancas por lerem livros. Isso
fazia sentido, j que os/as profissionais educados/as cujas casas eram limpas e cujas
crianas eram cuidadas por pessoas negras de classe baixa eram na sua maioria
brancas. A educao tinha uma forte conotao de classe e de raa e, ao contrrio do
que a maioria das pessoas privilegiadas pensa, ir para a faculdade no era algo que
evocava sentimentos apenas positivos ou simples para a maioria das pessoas pobres
que eu conheci, inclusive eu mesma. Um/a jovem ter uma educao significava que
ele ou ela iria viver uma vida mais fcil, com menos opresso e invisibilidade do que a
pressuposta nas comunidades de origem. Saber disso deixava um gosto amargo em
muitas bocas.
Eu senti esse gosto amargo durante anos e cheguei concluso provisria de que
esse o gosto da injustia de ser forada a escolher entre a indignidade de
permanecer pobre ou a estratgia eticamente abjeta de buscar ser privilegiada. Para
uma criana pobre que tem a chance de ir para a universidade, participar numa
instituio que ela identifica como opressiva (seja antes de frequent-la ou ao longo de
sua formao) pode parecer a melhor opo em relao sua sobrevivncia, mas
uma sobrevivncia conflituosa.
A universidade uma instituio classista no apenas no sentido em que
barreiras financeiras a tornam inacessvel para a maioria das pessoas pobres, mas
tambm porque a cultura universitria impe um conjunto homogneo de valores
classistas, incluindo perigosas iluses de meritocracia. Minha experincia com estudos
feministas em particular teve um efeito profundamente alienante, j que o programa
postula "lutar contra a opresso" como um de seus objetivos. Ideias sobre justia e
capacitao, que tinham sido minhas ferramentas de sobrevivncia, estavam
presentes nos materiais didticos dos cursos, mas apresentados de maneira to
abstrata e to dissociados de suas aplicaes no mundo real que quase no eram
reconhecveis. Questes de racismo e classismo eram identificadas como
problemticas e assim encerradas. De repente, me vi sentada numa sala de aula ao
lado de uma jovem loira que levantou a mo para reclamar que no sabia como falar
com pessoas negras pelo desconforto de saber que eles poderiam ser hostis com
ela. Havia algumas mulheres negras na sala e eu gostaria muito de poder descrever
137
Jovens pobres na universidade e a sobrevivncia sob a hierarquia
suas expresses faciais, porque elas disseram tudo. Mesmo quando a pessoa
oprimida est sentada ali ao lado, a universidade permite que todo mundo fale a
respeito de ns na terceira pessoa.
A certa altura, no meu quarto semestre, comecei a questionar o que acontecia na
sala, discutindo com professores/as depois da aula e expondo minha origem aos/s
meus e minhas colegas. Algumas pessoas responderam com respeito e interesse,
mas a maioria demonstrou desconforto, desinteresse, averso e raiva. Dentre as
primeiras, a maioria tinha origem de classe parecida ou sentia a mesma ambivalncia
e distanciamento no contexto universitrio em virtude da ascendncia racial ou
cultural.
Falando com outras pessoas igualmente empenhadas na difcil tarefa de trabalhar
os conflitos nas suas prprias narrativas, comecei a imaginar uma nova forma de
identidade intersticial: cidadania numa terra de ningum. Quando trabalhamos
juntas/os, podemos ultrapassar a questo do que a universidade est fazendo
conosco e comear a pensar sobre o que ns podemos fazer com a universidade. As
instituies acadmicas tm o poder de construir um grupo de pessoas como
profissionais ou qualificadas e assim relegar todo o restante ao estatuto de
desqualificado alm disso, no perdero tal poder num futuro prximo. Mas ns
podemos tomar posse de um pouco desse poder e controlar como ser usado. Ns
podemos mudar a composio interna da instituio ao permanecermos e trazermos
mais algumas de ns para dentro dela. Ns podemos participar na instituio em
nossos prprios termos e podemos redefinir como uma pessoa educada deve parecer
e falar. Ns podemos questionar que conhecimento visto como legtimo e como
ilegtimo. Acima de tudo, podemos identificar o papel da prpria universidade, a
maneira como sustenta divises de classe, como exclui funcionalmente algumas
pessoas com base no seu estatuto econmico e como aliena as poucas que
conseguem passar pelas fendas. O feminismo acadmico est muito prximo da
cultura branca opressora de classe mdia que molda a academia no seu todo, mas o
local mais acertado para comear a reivindicar nossa presena. Ns precisamos falar
alto para abrir espao psicolgica e intelectualmente para aquelas/es que vierem
depois. Ns precisamos carregar nossas razes conosco, sem esquecer ou
embranquecer nossas origens.
NOTA
Eu passei quatro anos na universidade primeiro numa licenciatura em estudos
feministas, agora na Faculdade de Direito. H ainda uma poro de manhs em que
138
M. Lee
acordo me sentindo uma compradora3 e me desprezo por dentro e por fora. (J que
sou vista como mercadoria com potencial suficiente, a universidade e o Governo
colaboram para me oferecer aconselhamento psiquitrico gratuito, o que ajuda
embora me sentisse bem melhor se minha famlia tambm tivesse acesso a
assistncia similar. Mas estou divagando.) Sei que estou onde estou em larga medida
por privilgio. Eu de fato cresci muito abaixo da linha de pobreza, sou uma lsbica,
sobrevivente de abuso sexual e sofro de doena mental. Mas tambm sou uma cidad
canadiana e residente no Qubec, o que significa que tenho acesso educao ps-
secundria e ao atendimento de sade realmente acessveis, entre outras coisas. Eu
pareo mais ou menos branca e sou uma mulher cisgnero. Sou altamente
privilegiada. Ainda que acredite estar numa posio decente para examinar as
relaes entre classe e educao, sei que minhas ideias e esforos para entender os
sistemas em que vivemos so profundamente enriquecidos por outras perspectivas e
convido ao dilogo todas as pessoas interessadas.
M. LEE
M. Lee escritora e msica e estuda Direito na Faculdade de Direito da Universidade
McGill. Seus interesses incluem promover o acesso justia e transformar o espao
acadmico. Lee trabalha atualmente na Clnica de Informao Legal, no Programa de
Extenso em Direito para o Ensino Secundrio e no Grupo de Direito Comunitrio da
Universidade McGill.
3
O termo compradora, empregado em portugus no texto original, se refere a um/a
intermedirio/a nos processos de dominao, sendo originalmente difundido em contextos
coloniais do Sul e Sudeste da sia para designar comerciantes nativos subordinados ao capital
metropolitano [Nota da tradutora].
139
@cetera
140
e-cadernos CES 18, 2012, @cetera: 141-144
ACORDO QUEEROGRFICO
Dos poderes que nos atravessam e que atravessamos, dos instrumentos de domnio e
de controlo, dos sistemas que nos definem, debruamo-nos aqui sobre dois, o
heteropatriarcado e a linguagem, e sobre o seu encontro. O heteropatriarcado; regime
da estrutura social, que define a famlia nuclear e diz da poliparentalidade
problemtica, regulador de relaes, que diz da promscua porca e do promscuo
vencedor, criador de sentimentos e de sexualidades, que diz dx assexual anormal e
embeleza a agressividade da hipersexualizao comercial. Impe uma norma ao
desejo sexual, s categorias da amizade e do amor, ao comportamento do corpo e sua
fenomenologia, constri a mulher e o homem e subordina a primeira ao segundo, nem
reconhece x trans; no fundo, no reconhece ningum. Constri o gnero pelo sexo, e
at o sexo pelo regime. Ontologiza as personalidades pela iluso da solidez do sexo
como ponto arquimediano, e cristaliza as relaes entre elas. Deu ao gnero uma
lgica binria: tertium non datur.
Por outro lado a linguagem, o poder de dizer, definidora do como se diz limita o
que pode ser dito. Estabelece-se hoje com uma orthographia e uma orthologia; ortho,
de correto, ortho, de certo, ortho, de norma, ortho, de lei. Ortho, autoridade. A
linguagem serve a sociedade em que o que considerado tem de ter a propriedade de
narrvel. toda a comunicao, tenta ser toda a partilha. Apalavrar a vida, espetculo
oral.
O acordo queerogrfico o resultado de um debate coletivo para novas falas e novas escritas, e porque
escrevemos e falamos novos pensamentos, o debate continua
(http://acordoqueerografico.wordpress.com).
141
Coletivo Acordo Queerogrfico
142
@cetera: Acordo Queerogrfico
falar de pais pensa um homem e uma mulher, e que cria uma prtica de lecto-
escritura em que a traduo de translator por default tradutor, ignorando o gnero
de quem praticou o ato.
E ao concretizarmos a prtica deste ortho vemos, mais claramente, essa mesma
faceta da construo do mapa conceptual heteropatriarcal pelo qual nos regemos no
dia a dia.
preciso ento reinventar a linguagem. E no reinventar uma linguagem, mas
antes a linguagem ela. Conseguir exprimir, pela linguagem, uma nova natureza de si
mesma.
No se trata, pois, de criar uma nova norma, de dizer como todxs devem escrever
daqui para a frente, de instituir o novo orthos, de erguer um fascismo lingustico. Foi
isto que aprendemos com o queer: as novas normas que criarmos vivero da sua
contingncia, a sua necessidade surge do contexto, a sua arte a no estagnao.
Poder criar da subjetividade, sem cair numa relativizao que valide o institudo.
Liberar a palavra.
O compromisso brincalho que aceitamos o de abanar os alicerces da
orthographia e da orthologia. Que nasam novas praxes por todos os lados, por todos
os cantos, um av aos cogumelos lingusticos. Que se pratique o duplo plural ora em
constncia, referindo sempre todos e todas, ora em alternncia, usando tambm
todas como plural genrico; que se aplique a arroba quando se quiser considerar
dois gneros sem repetir a palavra, falando de velh@s; que se comunique sem
gnero, onde ainda no foi incrustado; que se criem palavras onde no existiam,
falemos da Presidenta; que se faa do incmodo X, ou do silencioso *, motivo de
conversa, de debate, de desestagnao, falando dxs pessoas, dxs prostitutxs, ou
grafando tod*s *s estudantes; que se parta os joelhos ao Homem como smbolo da
humanidade e se fale da Mulher, ou dx Trans; ou que se torne catica a
representao de gnero, que se deixe explcita a discordncia que quiseram apagar
do exprimvel, falando da rapaz, do diva; que o faamos mesmo no traduzir,
reconhecendo o processo institudo to poltico quanto o nosso. Onde a linguagem
congelou, faamo-la arder; onde o solo enrijeceu, proliferem os cogumelos lingusticos
de todas as formas e feitios, de todas as famlias.
Usemos a queerografia. Enfrentemos o academicamente correto com a confiana
no erro, o ortho com a desnaturalizao, o ponto com a translao, a autoridade com
um carnaval lingustico.
Deparar-nos-emos com a oposio do estabelecido, com a obsclareza do regrado,
veremos trabalhos corrigidos por professorxs onde a correo a tnhamos feito ns,
artigos recusados, censurados, expresses segregadas, desautorizadas. Onde reina a
143
Coletivo Acordo Queerogrfico
calma o nosso objetivo ser o caos, a confuso. essa confuso o terreno frtil das
construes, ningum sobrevoa de ps no cho.
este o nosso acordo brincalho: assumir a seriedade da existncia camuflada.
144
e-cadernos CES 18, 2012, @cetera: 145-148
Recenso
El libro que aqu se resea constituye un esfuerzo por abordar un vaco analtico a la
vez que define una propuesta poltica. Y es que este texto emerge de ese encuentro
entre investigacin acadmica se inscribe en un proyecto del Instituto de
Investigaciones Feministas de la Universidad Complutense de Madrid al que Silvia L.
Gil estaba adscrita y el activismo de la autora vinculada desde hace aos a la
Eskalera Karakola.1 Produce, por tanto, un conocimiento situado que, sin embargo,
no es explicitado ni problematizado a lo largo del texto: qu permiti y qu dificult
esa posicin en los feminismos para la realizacin de la investigacin?
Los aos 90 constituyen el vaco analtico sobre los movimientos feministas en el
Estado espaol. Ah, dnde la mayora concluyen sus anlisis, Silvia L. Gil los abre y
los retoma, en un doble juego de mirada hacia al pasado recuperando las
genealogas feministas, pues no hay ruptura total, sino mutaciones, entre la tercera
ola de los 90 y las movilizaciones de los 70/80 para poder pensar el presente y los
posibles futuros. Declarado el fin de los movimientos sociales, del feminismo como
movimiento unificado y ante la crisis del sujeto del feminismo, la autora se propone
indagar en qu prcticas y propuestas polticas emergen en esta dcada de 1990.
Prcticas y propuestas polticas que escapan por parciales y precarias a ciertos
enfoques. No pretende la autora ser exhaustiva en el mapeo de esas prcticas, sera
1
La Kasa Publika de Mujeres La Eskalera Karakola es un centro social ocupado slo por mujeres,
lesbianas, trans en el ao 1996 y que, a pesar de las mutaciones, sigue estando activo en el barrio
madrileo de Lavapis. Desde su creacin ha sido un referente para otros grupos feministas y okupas en
el Estado Espaol por sus acciones reivindicativas y sus propuestas tericas. En este ltimo sentido, la
Eskalera Karakola ha sido fundamental en la recepcin en el Estado Espaol de la teora queer y la
reformulacin del feminismo de la diferencia. Para ms informacin, se puede consultar su pgina web:
http://www.sindominio.net/karakola/spip.php?article52.
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Mara Martnez
146
@cetera: Recenso
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Mara Martnez
MARA MARTNEZ
Es investigadora del Centro de Estudios de la Identidad Colectiva (CEIC) de la
Universidad del Pas Vasco donde finaliza su tesis doctoral sobre procesos de
identidad colectiva en las movilizaciones feministas en el Estado espaol.
Contacto: [email protected]
148
e-cadernos CES 18, 2012, @cetera: 149-155
ASSIM QUE EU VEJO QUE V, ASSIM QUE VOC ME SILENCIA. SUBTEXTOS PARA
RELEITURA(S) NO SUL
LA TOSOLD
DEPARTAMENTO DE CINCIA POLTICA, UNIVERSIDADE DE SO PAULO, BRASIL
ROSE BARBOZA
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA, PORTUGAL
Vivi muitos anos em um pas em que se falava uma lngua que no era a minha. Com
o passar tempo, quanto melhor falava o novo idioma, menos sentia domin-lo. Vivi
aterrorizada em ser percebida estrangeira e com o modo como as pessoas se sentiam
inevitavelmente no direito de saber: de onde voc vem?. Dia aps outro ia
entendendo mais e mais o subtexto dessa pergunta. Preciso saber de onde voc vem
para saber como devo agir com voc. Para saber o que posso esperar de voc. Se
vale realmente a pena conversar com voc, escutar o que voc tem a dizer. Tudo isso
antes mesmo de saber o meu nome. At porque, assim que souber o local de onde
venho, isso pouco importa.
Pois, muito bem, carx lectorx, assim que souber de onde venho, vai ser difcil no
passar a ler este texto sob outra perspectiva. O que voc sente e o grau de ateno ao
que est escrito vo tender a se alterar de maneira radical. Talvez nem sequer tenha
vontade de continuar lendo, pois j sentir de antemo o que esperar de mim, como
se conhecesse os limites do que eu posso lhe oferecer. Como se no houvesse
nenhum espao aqui para que voc se surpreenda, para que voc se questione, para
que voc aprenda. Tudo o que eu disser tender apenas a confirmar, com pesar,
aquilo que voc j sabia, desde sempre, a meu respeito. Sinto que voc poder se
decepcionar comigo. E se, assim mesmo, decidir ir at o final do texto, essa decepo
corre o risco de se transformar em uma estranha maneira de fazer voc se sentir bem
149
La Tosold e Rose Barboza
consigo mesmx. assim que eu vejo que voc me v, assim que voc me silencia.
Mas eu falo a sua lngua, eu entendo o que voc diz. Hoje sou eu com meu sotaque
quem te convida: conhea o meu nome. Note o quanto sua prpria lngua poderia
ser diferente. Ou ento me silencie, mais uma vez, a cada palavra proferida.
SUBTEXTO 1: A NORMATIZAO
O dia ensolarado. Fora. Dentro o ambiente refletido nas palavras convulsas, escritas
desordenadas sobre o quadro. Concentrao. O regime tanatopoltico um dos
primeiros. A vagina exposta. Redesenhada. Revivida na medicina iniciadora dos
sculos de opresso. O ventre-tero. O biopoder. A transformao. Hormnios.
Testosterona. Tetas. Cintos de castidade. A mulher-trofu. A mulher-burguesa-branca-
paridora-do-colonialismo sempre esquecida por Foucault, etc. A luz. A besta-fera no
Sul do umbigo do mundo parindo trabalho. O negro um lugar. Escravizadorxs. O
regime farmacopornogrfico dos nossos dias. O corpo destitudo (de)mente. Panptico
adentro. Plula contraceptiva. O corpo que no cabe em definies. O corpo sem o
corpo. A somateca perene. Performativizando cenas para alm da NOR-MA-TI-ZA-
O.
O intervalo. Uma roda para o cigarro, depois do caf. Descontrao. A teoria
queer invadindo os poros de um velho Monastrio. Ensaiando alegorias funcionais
(des)espacializadas. O espao no importante. Somos sudacas.1 Vrias tambm. s
vezes importante chamar-se. Mulher. Sudaca. Brazuca. Bollera.2 Sapato.3 Fufa.
Veado. s vezes no. Quem nos chama? Como nos chamamos a ns? A subsuno
permanente da produo epistemolgica ao sul do Equador. A mulher vitimizada. A
mulher escrava. A mulher salva, enfim, pelos euros dos organismos de cooperao
internacional. Mas sem direitos. A fala deveria ser importante em certos espaos. Ou
no? Brasileira, baila samba a condenao. A roda se abre. Espera-se o passo-
dana daquela que fala de ps-colonialismos. A sororidade-dialogante-dos-
1
Termo depreciativo utilizado na Espanha com mltiplos significados, mas comumente empregado para
referir-se s pessoas originrias da Amrica Latina. Em alguns contextos, sudaca tambm pode ser
utilizado como sinnimo de prostituta.
2
Termo depreciativo utilizado na Espanha para referir-se s lsbicas. Nos ltimos anos, entretanto,
palavras depreciativas foram ressignificadas por diversos coletivos como atos de resistncia.
3
Termo depreciativo utilizado no Brasil para referir-se s lsbicas.
150
@cetera: Subtextos para releitura(s) no Sul
4
esteretipos. A brasileira ri. O riso uma forma de enfrentamento. Mostra o pulso.
Lamenta-se. Diz que uma cirurgia europeia retirou o chip que todx brasileirx carrega
desde nascer. No dana mais. Na Europa. Pesquisadora-precria-hiper-
brasileirizada-silenciada.
4
Lo que estoy intentado denunciar aqu es que si efectivamente existe una colonizacin discursiva de las
mujeres del tercer mundo y sus luchas, eso no slo ha sido una tarea de los feminismos hegemnicos del
Norte sino que estos han contado indefectiblemente con la complicidad y el compromiso de los
feminismos hegemnicos del Sur, dado sus propios intereses de clase, raza, sexualidad y gnero
normativos, legitimacin social y estatus quo (Yuderkis Espiosa Mioso, Etnocentrismo y colonialidad
en los feminismos latinoamaericanos: complicidades y consolidacin de las hegemonias feministas en el
espacio transnacional, Revista Venezolana de Estudios de la Mujer, 14(33), 37-54).
5
O projecto MUSE uma enorme base de arquivos digitais. Atravs de suas pginas possvel ter
acesso a quase todos os artigos escritos e publicados sobre feminismos, sexualidades e gneros no
mundo. Da China ao Haiti. Da Espanha ao Malaui. Seus organizadores facilitam o acesso ao
conhecimento por preos que variam entre 50 e 200 dlares americanos por artigo. Ver: Todays
research. Tomorrow inspiration, consultado a 05.03.2014 em http://muse.jhu.edu/#2.
151
La Tosold e Rose Barboza
152
@cetera: Subtextos para releitura(s) no Sul
6
Termo coloquial em castelhano para relao sexual.
7
Chefchaouen em rabe. Cidade marroquina.
8
Definio da feminista afro-americana bell hooks em Feminism is for Everybody: Passionate Politics:
South End Press (Cambridge, 2000).
9
O conceito de privilgio epistmico obteve repercusso internacional quando foi utilizado por Chandra
Mohanty em um texto que continua marcando a histria do feminismo ps-colonial: Under the Western
Eyes (publicado em espanhol: Bajo los ojos del Occidente: academia feminista y discursos coloniales,
Descolonizando el Feminismo: Teoras y prcticas desde los mrgenes., Liliana Surez Navaz e Rosalva
Ada Hernndez [orgs]; Ediciones Ctedra, Madrid: 2008).
153
La Tosold e Rose Barboza
animais que gozam com enormes pnis. O esperma invadindo o mundo casto da
brancura de Colombo. Os pnis multitnicos do mundo todo ejaculando no nus do
Norte. frica. Homens e mulheres vtimas. O esquecimento sistemtico das lutas. A
vagina que ejacula. O ser humano sem agncia fora da heteronormatividade
ocidentalizante. O ser que no humano fora da norma de conduta imposta por Pedro
Alvarado. A redeno da rendio histrica. Obrigatria. Como se pode medir a Terra?
E o tamanho dos HOMENS na terra? As mulheres da terra tm s um tamanho? Uma
s cor? O HOMEM como medida para a mulher do Sul. Mulheres no vento Norte10
mesmo no centro do Sul. As mulheres do Sul, que conhecemos, canibalizaram o
HOMEM com a ajuda das bruxas-mestras. As mulheres do Sul desfizeram-se do
HOMEM, da MULHER e de outras etiquetas e agora so mais leves. Indefinveis.
Inclassificveis, por assim dizer. Colocaram sua cria s costas e agora abrem
caminhos. No aceitaram, que fique bem claro, desde o passado, que lhe impusessem
escolhas entre o Bem e o Mal. Criaram, criam e criaro. Vivem para alm da
reproduo de verdades estreis. Realidades concretas. Levantam-se cedo, mesmo
quando ter po um luxo na mesa. No pedem permisso. Nem com licena. So as
vozes de si prprias. Continuaro. So agora, sem manuais de existncia. Sadam o
linguajamento, o prazer, o batom vermelho, a libido pr-castrao. So Drag Kings de
nossos tempos. Constelaes. Avanam. Sempre.
LA TOSOLD
No , est sendo. Amante das letras, das pessoas, do mundo. Um pouco de tudo por
profisso e por paixo: filsofa, ativista, filloga, epistemloga, feminista, cientista
social e poltica, redatora Ama a poesia, o teatro, o confronto com a diversidade do
mundo. J morou na ustria e na Inglaterra, rodou muito pelo mundo afora e vive hoje
- quem diria! - em sua cidade natal, So Paulo, onde atua junto ao movimento da
populao em situao de rua e faz um doutorado sobre polticas de diferena, a partir
da teoria feminista contempornea, pela Universidade de So Paulo.
Contato: [email protected]
10
As, la colonialidad de las prcticas discursivas de los feminismos hegemnicos en el tercer mundo, o
en Amrica Latina al menos, no se restringira solamente a una reproduccin de las estrategias de
constitucin de las Otras del feminismo del continente: mujeres afrodescendientes, indgenas, lesbianas,
obreras, trabajadoras del sexo, campesinas, pobres; los efectos de la colonizacin discursiva de los
feminismos occidentales implicara una colonialidad intrnseca a los discursos producidos por los
feminismos latinoamericanos de modo tal que sta deja de ser slo atributo de los feminismos del primer
mundo, y en nuestras tierras tiene al menos otras dos consecuencias: la definicin, en contubernio y
franca dependencia de los feminismos hegemnicos del Norte imperial, de los lineamientos y ejes de
preocupacin y actuacin del feminismo local; y, la fagocitacin de las subalternas habitantes de estas
tierras a travs de su (buena) representacin por parte de las mujeres de las elites nacionales y los
grupos hegemnicos feministas, Yuderkis Espiosa Mioso, Etnocentrismo y colonialidad en los
feminismos latinoamaericanos: complicidades y consolidacin de las hegemonias feministas en el espacio
transnacional, Revista Venezolana de Estudios de la Mujer, 14(33), 37-54.
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@cetera: Subtextos para releitura(s) no Sul
ROSE BARBOZA
Nasceu na periferia da cidade de So Paulo no Brasil. Militante feminista e apoiadora
de lutas por justia social, h mais de dez anos coopera com a organizao poltica e
o protagonismo das pessoas que vivem em situao de rua. Psicloga por formao e
escritora por teimosia se aventura como poeta e contista. Alm disso, escreve ensaios,
artigos e afins e os publica, periodicamente, no jornal O Trecheiro: notcias do povo da
rua no Brasil. Atualmente frequenta um doutoramento no Centro de Estudos Sociais
da Universidade de Coimbra, em Portugal, onde trabalha sobretudo as relaes entre
violncia, afetos e as rupturas epistmicas proporcionadas pelas prticas feministas.
Contato: [email protected]
155
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557 0Fax
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