Quimica Cerveja Artigo PDF
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20150030
Qumica e Sociedade
A Qumica da Cerveja
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Recebido em 04/09/2012, aceito em 11/06/2014
A Qumica da Cerveja
Tabela 1: Teor de etanol das principais bebidas alcolicas consumidas (Rosa et al., 2006; Bitu, 2009).
Bebida
% em volume de etanol
Bebida
% em volume de etanol
Cerveja
4,5 a 6
Rum
35 a 58
Vinho
12 a 16
Cachaa
38 a 54
Vinho do Porto
18 a 22
Vodca
36 a 54
Tequila
36 a 54
Usque
38 a 54
Breve histrico
O homem j dominava desde a mais remota antiguidade
a tcnica de produzir bebidas fermentadas pelo processo de
malteao de gros. H cerca de 8 mil anos, os sumrios e os
assrios desenvolveram a arte de fabricar cerveja (Coimbra
et al., 2009; Zuppardo, 2010).
Tempos mais tarde, a bebida chegou ao Egito e, nesse
pas, passaram a ser produzidas variedades como a Cerveja
dos Notveis e a Cerveja de Tebas. Os egpcios divulgaram
a cerveja entre os povos orientais e a difundiram na bacia
do Mediterrneo e, de l, para o resto da Europa (Ferreira
et al., 2011).
Na Idade Mdia, vrios mosteiros fabricavam cerveja,
empregando diversas ervas para aromatiz-la como mrica,
rosmarinho, louro, slvia, gengibre e o lpulo, utilizado at
hoje e introduzido no processo entre os anos 700 e 800 pelos
monges do mosteiro de San Gallo na Sua. A variao da
proporo entre os ingredientes (gua, malte, lpulo e leveduras) e do processo de fabricao resultavam em diferentes
tipos de cerveja.
Da Sua, a arte de fazer cerveja se espalhou pela Europa
(inclusive a Escandinvia e as ilhas britnicas), mas a regio
dos Alpes concentrou fabricantes famosos (especialmente no
sul da Alemanha Baviera , na Eslovquia, na Repblica
Tcheca e na ustria). H cervejas at hoje fabricadas cuja
frmula data de mais de 900 anos. A cerveja se tornou extremamente popular e criou fortes razes culturais em todas
as regies supracitadas.
No Brasil, a primeira cerveja fabricada foi a Bohemia
(Petrpolis, RJ) em 1853 (Bitu, 2009; Zuppardo, 2010).
Composio da cerveja
gua. A gua representa cerca de 90% da composio em
massa da cerveja e exerce grande influncia sobre a qualidade desta (De Keukelerie, 2000; Dragone et al., 2007; Silva;
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Zinco. Ativa a sntese de protenas, estimulando o crescimento de leveduras, ativando a fermentao. Contudo, teores
superiores a 0,6 mg/L tm ao negativa sobre a fermentao
e a estabilidade coloidal.
Cloreto. Os cloretos de clcio e magnsio no so prejudiciais cerveja. Conferem a ela um paladar encorpado e
redondo. Contudo, teores acima de 100 mg/L favorecem a
corroso dos equipamentos da linha de produo.
Malte. O malte resultante do processo artificial e
controlado de germinao (malteao) da cevada, cereal
da famlia das gramneas (gnero Hordeum). cultivada
h cerca de 8 mil anos. Rene vrias caractersticas que
justificam sua utilizao na produo de cerveja: rica
em amido, contm enzimas, possui uma casca que confere
proteo ao gro durante a malteao e d o aroma e sabor
caractersticos do produto (Zuppardo, 2010). O gro de cevada deve ser de tamanho grande e relativamente uniforme
e de cor uniformemente clara; deve estar livre de manchas
escuras e descoloridas. Essas manchas so indicaes de
ataque de micro-organismos, podendo gerar sabores e
odores estranhos; deve ter o mnimo de gros quebrados
e sem casca para aumentar o rendimento da malteao. O
processo de malteao dividido em trs etapas (Silva;
Faria, 2008):
Macerao fornece gua ao gro para que ele inicie
a germinao;
Germinao conduzida em caixas preparadas com
rigoroso controle de temperatura, umidade, oxignio
e CO2. Ocorre com umidade em torno de 45-50%;
Secagem torna o malte estvel e armazenvel por
meio do processo de desumidificao.
Tabela 2: Composio mdia do lpulo (% em massa) (Arajo et al., 2003; Silva; Faria, 2008).
Grupo
Componente
Frmulas estruturais
gua
gua
6 - 12
H2O
Frao solvel em
n-hexano (resina
mole)
Alfa-hidroxicidos
Beta-hidroxicidos
leos essenciais
2 - 17
1 - 10
0,5 - 2,5
R - CH(OH) - COOH
R - CH(OH) - CH2 - COOH
Bizzo et al., 2009
Frao insolvel em
n-hexano (resina
dura)
Polifenis
Aminocidos
Carboidratos simples
Pectina
cidos graxos e lipdeos
2-5
0,1
2
2
0 - 2,5
Protenas/carboidratos complexos
Sais minerais
Celulose
15
8 - 10
40 - 50
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Processo de fabricao
O processo de fabricao (AmBev, 2011; Dragone et
al., 2007; Silva; Faria, 2008) feito sem qualquer contato
manual durante as suas quatro etapas (Figura 2): brassagem;
fermentao e maturao; filtrao; e envasamento.
Os fermentadores so revestidos por uma camisa externa de fludo refrigerante (amnia, NH3 ou etilenoglicol,
HOCH2CH2OH). O tipo de fermentao depender da levedura utilizada: cerveja de alta fermentao (Saccharomyces
cerevisiae) as leveduras tendem a se situar nas partes
superiores do fermentador; cerveja de baixa fermentao
(Saccharomyces uvarum) as leveduras tendem a permanecer nas partes inferiores do fermentador. muito importante
o controle preciso da temperatura, em geral entre 10 e 25 C,
pois somente nessa condio a levedura produzir cerveja
com o sabor adequado.
Maturao. Uma vez concluda a fermentao, a cerveja
resfriada a 0 oC. A maior parte da levedura separada por
decantao (sedimentao) e tem incio a maturao. Nessa
fase, pequenas e sutis transformaes ocorrem para aprimorar o sabor da cerveja. O carboidrato residual consumido
pelas leveduras remanescentes, fenmeno conhecido por
fermentao secundria. Essas leveduras tambm metabolizam substncias indesejveis oriundas da fermentao
(acetaldedo em cido actico, dicetonas vicinais, como a
2,3-pentanodiona em 2,3-butanodiol, e compostos sulfurados
como o sulfeto de dietila, (C2H5)2S, em sulfatos inorgnicos
e etanol). A maturao leva de 6 a 30 dias, variando de uma
cervejaria para outra. Ao final dessa fase, a cerveja est
praticamente concluda com aroma e sabor finais definidos.
Aps a fermentao, a cerveja enviada para tanques
maturadores e mantida por perodos variveis a temperaturas abaixo de 0 oC. Ocorre a sedimentao de partculas em
suspenso e desencadeiam-se reaes de esterificao entre
os cidos e os lcoois produzidos na fermentao, que produzem muitos dos steres essenciais para o sabor da cerveja:
R1-COOH (cido) + R2-CH2OH (lcool)
R1-COOCH2-R2 (ster) + H2O
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Acabamento e envasamento. A cerveja recebe estabilizantes (que mantm as caractersticas de suspenso e emulso
no caso, a espuma da cerveja) e antioxidantes (previnem
a influncia negativa do O2 oxidao de steres, lcoois
e outras substncias responsveis pelo sabor), aumentando
seu tempo de validade (Ferreira et al., 2011). Exemplos de
estabilizantes so a polivinilpirrolidona (PVP) e a carboximetilcelulose (CMC, um polmero derivado da celulose),
ambas solveis em gua. Os antioxidantes mais comuns
so o cido ascrbico (vitamina C), o ascorbato de sdio e
o isoascorbato de sdio.
A cerveja acabada estocada em tanques e depois segue
para o envasamento, passando por vrias etapas: enchedora,
pasteurizador, rotuladora e paletizadora.
A pasteurizao um processo trmico no qual a cerveja
submetida a um aquecimento a 60-70 C (em cmaras
com jatos dgua em temperaturas escalonadas) e posterior
resfriamento. A pasteurizao elimina micro-organismos
prejudiciais qualidade da cerveja (Arajo et al., 2003;
Ferreira et al., 2011). Graas a esse processo, possvel
s cervejarias assegurar uma data de validade ao produto
de seis meses aps sua fabricao. A cerveja em barris no
pasteurizada, recebendo o nome de chope. Nesse caso,
sua validade fixada normalmente em 10 dias, no caso do
chope claro, e 15 dias, no caso do chope escuro. A cerveja
encaminhada para a expedio e comercializao.
Controle de qualidade
O controle de qualidade desde a brassagem at o envasamento do produto permite garantir um produto de sabor
agradvel e em condies de satisfazer s exigncias do
consumidor (Filipe et al., 2006; AmBev, 2011; Zuppardo,
2010). Esse controle de qualidade composto por trs tipos
de anlises: fsico-qumicas, microbiolgicas e sensoriais.
No caso das anlises fsico-qumicas, o controle do teor
de carboidratos ou de etanol nas diversas fases de fabricao
da cerveja feita com o auxlio de densmetros (sacarmetros ou alcoolmetros, respectivamente), calibrados para o
soluto a que se destinam. Destaca-se tambm a dosagem da
acidez (pH). A acidez titulvel de uma cerveja (titulao de
cido fraco com soluo de base forte NaOH) resulta da
qualidade das matrias-primas e da atividade biolgica da
levedura. Uma acidez elevada pode indicar contaminao
bacteriana no mosto ou na cerveja e/ou um fraco desempenho da levedura (normalmente por envelhecimento desta).
A anlise feita por meio de mtodo potenciomtrico com
eletrodo de vidro.
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Espuma
A espuma muito importante na aceitao da cerveja
pelo consumidor. Esta se constitui basicamente de protenas
de alto peso molecular, derivadas do malte e das isomulonas
(resinas provenientes do lpulo). Uma m espuma pode ser
resultado de contato da cerveja, durante o processo de fabricao, com agentes de limpeza ou lubrificantes. Filtrao
com material absorvente e tratamento excessivo com enzimas
proteolticas podem tambm acarretar perda na quantidade
e na qualidade da espuma (Filipe et al., 2006).
A avaliao da velocidade de colapso da espuma se baseia
na determinao (com um cronmetro) do tempo em que a
espuma permanece firme antes de esmaecer.
Turvao
Existem vrios tipos de turvao, todas prejudiciais ao
produto acabado (Ambev, 2011). A turvao metlica (por
compostos de elementos como ferro, cobre e estanho)
ocasionada pela presena de polipeptdeos. Outra turvao
pode ser causada pela formao de complexos protenas-polifenis, que tendem a reagir lentamente durante o processo
de estocagem. So insolveis em gua a baixas temperaturas.
Essas turvaes reforam a importncia da conduo criteriosa das etapas de maturao e filtrao na qualidade da
cerveja. O mtodo utilizado o turbidimtrico. O resultado
expresso em EBC (European Brewing Convention), escala
de cores que se baseia na mistura de diferentes propores
de vermelho e amarelo (AmBev, 2011).
Anlises microbiolgicas
Alm das leveduras existentes na fermentao do mosto
(as do gnero Saccharomyces), podem aparecer outros
micro-organismos em diversas etapas do processo devido
presena de carboidratos de fermentao lenta, falhas de processo e deficincia nos processos de higiene e limpeza. Esses
micro-organismos podem causar turvao e precipitados na
cerveja, liberar produtos metablicos indesejveis (como
fenis, sulfeto de metila e dietila, acetona e proteinases) e
at mesmo deteriorar o produto por completo.
A suscetibilidade biolgica da cerveja aumenta especialmente quando o pH est muito alto (acima de 4,5), a concentrao de O2 muito alta (acima de 1 mg/L), a concentrao
de substncias amargas do lpulo muito baixa, entre outras.
Tipos de cervejas
As cervejas so classificadas em cinco itens na legislao
brasileira (Decreto n 2.314, de 4 de setembro de 1997, e Lei
n 8.918, art. 66, de 14 de ju1ho de 1994) de acordo com
a Tabela 3 (Jorge, 2004). Quanto s cervejas alcolicas, os
tipos principais so (Rosa et al., 2006: Jorge, 2004):
Tipo Lager: Estas so as cervejas mais consumidas no
mundo, responsveis por mais de 99% das vendas de cerveja
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Comum
Extra
Forte
3 - Cor
Clara
Escura
4 - Teor alcolico
Sem lcool
Alcolica
At 2% em massa
Mdio
2% a 7% em massa
Alto
mais de 7% em massa
Conservao da cerveja
Os itens que ajudam a conservar as caractersticas originais da cerveja so (Coimbra et al., 2009; AmBev, 2011):
- Ela sai pronta da cervejaria: no pede, portanto, envelhecimento (como no caso do vinho). Quanto mais
jovem, melhor ser seu sabor;
- Guardar as garrafas de p, em lugar fresco e ao abrigo
do sol para evitar oxidao prematura;
- Resfri-las em geladeira e no em freezer, pois a
rapidez do congelamento prejudica o sabor;
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Procedimento
. Despejar lentamente a cerveja na proveta, minimizando a formao da espuma. Aps esta desaparecer, mergulhar o densmetro (Figura 3). Avaliar o percentual
de etanol no lquido com base na escala impressa no
instrumento. Todos os experimentos devem ser feitos
temperatura constante (a do local no momento do
experimento) (Pires et al., 2006).
Discusso
. Identificar as cervejas com e sem etanol e verificar
se elas se enquadram na faixa de teor alcolico (%
em volume) definida na embalagem original. Compreender por que a temperatura deve ser a mesma ao
longo dos experimentos.
Concluses
Figura 3: Densmetro (alcolmetro) mergulhado em uma cerveja.
A leitura, na interface ar-lquido, indica teor de 4,5% vol. de etanol.
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em nosso cotidiano, no apenas no que diz respeito preparao desse produto em suas diversas etapas, mas tambm
no controle de qualidade necessrio para que seja consumido
sem risco sade.
As caractersticas fsico-qumicas da cerveja permitem
igualmente a sua insero como tema motivador para aulas
de qumica e de biologia no ensino mdio, bem como em
disciplinas de formao de professores dada a riqueza de
contedo que envolve a sua fabricao e o seu controle de
qualidade.
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Abstract: The chemistry of beer. This work presents an overview on the production of beer, describing the function of each of its components. The manufacture
of beer requires a rigid quality control since it is a product for human consumption. The quality of its ingredients and the possibility of many ways of manufacturing lead to the existence of a great variety of beers today. Beer is an excellent subject for technical and practical instruction for students of chemistry
courses and a useful as a tool for some classroom experiments involving concentration and reactions in acidic medium.
Keywords: beer; fermentation; laboratory experiments.
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