Como Terminar Uma Tese de Sociologia - Pequeno Diálogo Entre Um Aluno e Seu Professor (Bruno Latour)
Como Terminar Uma Tese de Sociologia - Pequeno Diálogo Entre Um Aluno e Seu Professor (Bruno Latour)
Como Terminar Uma Tese de Sociologia - Pequeno Diálogo Entre Um Aluno e Seu Professor (Bruno Latour)
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A: Isso confuso! Mas os executivos de minha empresa no formam eles uma bela, reveladora e significativa rede?
P: Talvez, quero dizer, certamente sim e
da?
A: Da que eu posso estud-la com a Teoria
do Ator-Rede!
P: De novo talvez sim, talvez no. Isso depende inteiramente do que voc permite que
seus atores, ou melhor, seus actantes faam.
Estar conectado, estar interconectado, ser heterogneo, no o suficiente. Tudo depende
do tipo de ao que est fluindo de uma coisa
para outra. Em ingls mais claro: no termo
network, h a net, a rede, e o work, o trabalho. Na verdade, deveramos dizer worknet ao
invs de network. certamente o trabalho, o
movimento, o fluxo e as mudanas que devem
ser enfatizados. Mas agora estamos atados network e todos pensam que ns nos referimos
World Wide Web 1 ou algo do tipo.
A: Voc quer dizer que mesmo eu tendo demonstrado que meus atores esto relacionados
nos moldes de uma rede, ainda assim no realizei um estudo conforme a ANT?
P: exatamente isso que quero dizer. A
ANT mais como o nome de um lpis ou um
pincel do que o nome de um objeto a ser desenhado ou pintado.
A: Mas quando eu disse que a ANT era
uma ferramenta e perguntei se ela poderia ser
aplicada, voc objetou!
P: Porque no uma ferramenta ou melhor, porque ferramentas nunca so meras
ferramentas, prontas para serem aplicadas:
elas sempre modificam os objetivos que voc
tinha em mente. Isto o que ator significa.
O Ator-Rede (eu concordo que o nome tolo)
permite que voc produza alguns efeitos que
jamais seriam obtidos por nenhuma outra teoria social. Isso tudo que posso garantir. Uma
1. WWW, em portugus, significa Rede Mundial de
Computadores [N.T].
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P: Eu no tenho muita pacincia com as sociologias interpretativas, seja l o que voc quiser chamar por este nome. No. Ao contrrio,
acredito firmemente que as cincias so objetivas o que mais elas poderiam ser? Elas tratam
de objetos, no? Eu simplesmente digo que os
objetos podem parecer um pouco mais complicados, entrelaados, mltiplos, complexos,
emaranhados, do que aquilo que o objetivista, como voc diz, gostaria que eles fossem.
A: Mas exatamente isso que as sociologias
interpretativas argumentam, no?
P: Ah no, no mesmo. Elas diriam que os
desejos humanos, os significados humanos, as
intenes humanas, etc., introduzem alguma flexibilidade interpretativa em um mundo de objetos inflexveis, de relaes puramente causais,
de conexes estritamente materiais. Isto no o
que estou dizendo. O que diria que este computador aqui em cima da mesa, esta tela, este teclado,
enquanto objetos, esta escola so feitos de muitas
camadas, exatamente do mesmo modo que voc,
sentado aqui, o : seu corpo, sua linguagem, suas
questes. o objeto em si mesmo que acrescenta
a multiplicidade, ou melhor, a coisa, a reunio3.
Quando voc fala em hermenutica, no importa
qual precauo tome, voc sempre espera o segundo sapato cair: inevitavelmente, algum acrescentar, mas claro que existe algo natural, coisas
objetivas que no so interpretadas.
A: exatamente isso que ia dizer! No h
apenas realidades objetivas, mas tambm realidades subjetivas! por isso que precisamos de
ambos os tipos de teoria social...
P: Viu? Esta a armadilha inevitvel: No
somente, mas tambm. Ou se estende o argumento a tudo, mas da ele se torna intil
interpretao se torna um outro sinnimo
de objetividade ou se limita o argumento a
um aspecto da realidade, o humano, e, ento
voc est atado uma vez que a objetividade
3. Traduo de assemblage por reunio.
por causa de um estacionamento. E mesmo assim voc tem a mesma limitao subjetiva, e
tem exatamente o seu mesmo ponto de vista!
Se voc pode ter diferentes pontos de vista sobre
uma esttua, porque a esttua em si mesma
tridimensional e lhe permite, sim, ela permite
que voc ande em torno dela. Se algo comporta
uma multiplicidade de pontos de vista, porque
este algo muito complexo, dotado de dobras
intrincadas, bem organizado, e bonito, sim, objetivamente bonito.
A: Mas, certamente, nada objetivamente
bonito beleza tem a ver com subjetividade...
gosto e cor so relativos... Eu estou perdido de
novo. Por que ns passaramos tanto tempo
combatendo o objetivismo, ento? O que voc
diz no pode estar certo.
P: Porque as coisas que as pessoas chamam
de objetivo so, na maior parte dos casos,
uma srie de clichs. Ns no temos muitas
boas descries de nada: do que um computador, um elemento de software, um sistema formal, um teorema, uma empresa, um mercado.
Ns no sabemos quase nada sobre o que esta
coisa que est estudando: organizao. Como,
ento, poderamos ser capazes de distingula da subjetividade? Ento, h duas maneiras
de criticar a objetividade: uma se afastar do
objeto para adotar o ponto de vista humano
subjetivo. Mas da outra direo que eu estou
falando: a do retorno ao objeto. Porque deveramos deixar os objetos serem descritos apenas
pelos idiotas?! Os positivistas no so donos
da objetividade. Um computador descrito por
Alan Turing um muito mais rico e mais interessante que aqueles descritos pela Wired Magazine, no? Como vimos em sala ontem, uma
usina de sabo descrita por Richard Powers em
Gain bem mais viva do que aquela que voc
leu nos Harvard Case Studies. O nome do jogo
voltar ao empirismo.
A: Ainda assim, eu estou limitado minha
prpria viso.
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blocos a reflexividade que eles j tinham antes e que voc retirou deles ao trat-los de uma
maneira estruturalista! Magnfico! Eles eram
atores antes de voc vir com a sua explicao.
No me diga que o seu estudo que os far o
serem. timo trabalho, aluno. Bourdieu no o
teria feito melhor...
A: Voc pode no gostar muito de Bourdieu, mas pelo menos ele era um verdadeiro
cientista, e melhor ainda, ele era politicamente
relevante. At onde posso dizer, a sua ANT no
nem uma coisa nem outra...
P: Obrigado. H trinta anos eu estudo as
conexes entre a cincia e a poltica, de modo
que um tanto difcil me intimidar com conversas sobre qual cincia politicamente relevante.
A: Argumentos de autoridade tambm no
me intimidam, de modo que no faz qualquer
diferena para mim os seus trinta anos de estudo.
P: Touch... Mas a sua questo era: O que eu
posso fazer com a ANT? Eu respondi: nenhuma
explicao estruturalista. As duas so completamente incompatveis. Ou voc tem atores que
realizam potencialidades e eles no so atores de
fato, ou voc descreve atores que esto atualizando virtualidades (esta a maneira de Deleuze, a
propsito), e isto demanda textos muito especficos. Sua conexo com aqueles que voc estuda
demanda protocolos bem especficos de trabalho eu acho que isso que voc chamaria de
postura crtica ou relevncia poltica.
A: Ento em qu somos diferentes? Voc
tambm quer ter uma postura crtica.
P: Sim, talvez, mas estou certo de uma coisa:
no automtico, e na maior parte do tempo,
ela vai falhar. Duzentas pginas de entrevistas,
observaes, etc. no faro, de qualquer jeito,
nenhuma diferena por si mesmas. Para serem
relevantes, outro conjunto de circunstncias extraordinrias exigido. Trata-se de um evento
raro. Exige um protocolo imaginativo incrvel.
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tradutor
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revisor tcnico
bling the Social an Introduction to Actor-Network Theory. Oxford: Oxford Univ. Press, pp.
141-156. E: Comment finir une these de sociologie. Petit dialogue entre un tudiant et um
professeur (quelque peu socratique). In Caill,
A.; Dufoix, S. (orgs.). 2004. Une thorie sociologique gnrale est-elle pensable?. La revue du
M.A.U.S.S., n. 34, pp. 154-172.
A primeira verso em ingls e a verso francesa esto disponveis em http://www.brunolatour.fr
Recebido em 20/01/2007
Aceito para publicao em 30/01/2007