A Arte Como Desvio PDF
A Arte Como Desvio PDF
A Arte Como Desvio PDF
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Desvio
Detour
Mateus
30, 31 maio, 1 jun. 2014
Instituto Internacional Casa de Mateus
O IICM
The IICM
06
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11 Prefcio
Nuno Nabais
17 Introduo
Alexander Gerner e Roberto Merrill
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I Desvios Econmicos
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Juventude Gay, Escola e Culturas: Um olhar
desviante para l da margem - Hugo Santos,
Manuela Ferreira, Sofia Marques da Silva
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VI Desvios Histricos
Histria, origem e desvios - Angra do Herosmo
30 anos de Patrimnio da Humanidade
Antonieta Reis Leite
139
O verso e reverso do Cinema, a fico como desvio
do real - Isabel Machado
163
O potencial poltico do desvio; potncia
e interrupo - Filipe Pinto
183
Notas Biogrficas
Biographical Notes
192
Internacional Institute
Casa de Mateus
The IICM is an international cultural
association, which gathers universities,
research centres, private members and
the Casa de Mateus Foundation. Its
mission is to contribute to the scientific
and cultural debate through the
organization of meetings, seminars and
working groups. Each year, the Institute
hosts national and international seminars
in which scientists, artists, writers,
politicians, economists, public thinkers,
intellectuals and experts of all sorts and
backgrounds, concerned with the actual
contribution of science and knowledge
to the public awareness of the
community, are encouraged to exchange
their views and actively engage in
brainstorming discussions, challenging
taken-for-granted views on the most
pressing issues today.
In 2010, the Institute defined three lines
of action: thematic cycles, starting with
Challenges of Adaptation which ended
in 2013 with the conference Criativity,
Games with Frontiers; the Mateus
DOC Program; and the organization of
international meetings on themes related
to European integration.
The Mateus DOC Program is now in its 7th
edition and has come out with a volume
on each one of them, making sure that
the results and the conclusions, which
are reached in the meetings, are made
available to its participants and to a wider
audience.
Instituto Internacional
Casa de Mateus
O IICM uma associao que rene
universidades, centros de investigao e
scios individuais. Foi criada em 1986 pelo
Conselho de Reitores das Universidades
Portuguesas e a Fundao da Casa
de Mateus. O seu objectivo ser um
instrumento ao servio da comunidade
atravs do qual so disponibilizados os
recursos logsticos e operacionais da Casa
de Mateus para a realizao de reunies
internacionais sobre temas da atualidade
e de impacto social.
Todos os anos, o Instituto organiza
e acolhe seminrios nacionais e
internacionais, onde cientistas, artistas,
escritores, polticos, economistas e outras
individualidades com fortes interesses
culturais procuram dar o seu contributo
para o debate.
Em 2010 o IICM definiu trs linhas de
aco: ciclos temticos, sendo que o
primeiro, Desafios da Adaptao se
concluiu em 2013 com a conferncia
Criatividade, Jogos com Fronteira;
o programa Mateus DOC dirigido a
doutorandos e ps-docs; e a organizao
de encontros internacionais de reflexo
sobre temas relacionados com a
construo europeia.
O programa Mateus DOC teve sete edies,
sobre os temas Adaptao, Risco,
Sustentabilidade, Representao,
Fronteira, Cdigo, e Desvio. Este
ltimo objeto da atual publicao.
MATEUS DOC
The Program
Mateus DOC is a program aimed at
researchers from all scientific fields. The
programs main objective is to stimulate
interdisciplinary dialogue among young
researchers from different fields and
to encourage them to discuss the most
pressing issues of our time in an academic
but informal way. Our goal is therefore
to train the participants to reflect and
develop further innovative research
from a broader perspective, integrating
contributions from other fields and
methodologies. This approach will not
only enrich their scientific work through
the combination of diverse methods and
the fusion of distinct contents, but it will
also pave the way for the establishment
of new cultural horizons, helping
young scientists to position themselves
culturally and socially.
The program Mateus DOC starts off with
a call for proposals. Candidates submit
a summary to the Institute explaining
how they will approach a given theme
chosen annually by the Steering
Committee of the IICM. Each year a
Selection Committee will evaluate the
proposals and structure the debate on the
basis of the received contributions. The
selected proposals are then redistributed
to all participants who elaborate further
on their papers in order to incorporate
the other participants ideas into a
brief 5-page preliminary report, to
be submitted to the IICM. These are
O Programa
MATEUS DOC
O Mateus DOC um programa dirigido a
investigadores de todas as reas cientficas.
O objectivo principal do programa consiste
em estimular o dilogo interdisciplinar
entre jovens investigadores de diferentes
reas, confrontando-os com temas de
atualidade e interesse geral. Pretende-se,
desta forma, habituar os participantes
a encarar os seus temas de reflexo e
investigao numa perspectiva alargada
que inclua sistematicamente pontos de
vista exteriores rea cientfica respectiva.
Esta abordagem no s enriquece
o trabalho cientfico atravs do
estabelecimento de novas associaes
de mtodo ou de contedo, como tambm
abre novos horizontes culturais, ajudando
a melhor posicionar, cultural e socialmente,
o percurso pessoal de cada um.
O programa MATEUS DOC comea com
um apelo apresentao de propostas.
Os candidatos submetem ao IICM a sua
proposta de interpretao e formas de
abordagens de um tema anualmente
escolhido pela Comisso Diretiva do
IICM. Um Comit de Seleo estrutura o
seminrio baseando-se nas contribuies
recebidas. As propostas selecionadas so
redistribudas por todos os participantes
que se comprometem a desenvolver o
tema de acordo com sua proposta, tendo
em conta as contribuies dos restantes
participantes, sob a forma de um breve
artigo preliminar de 5 pginas a submeter
ao IICM. Os artigos so novamente
Prefcio
Nuno Nabais
Est ainda por fazer uma histria exaustiva do conceito de desvio. verdade que conhecemos os seus captulos principais. Sabemos, por exemplo, que a sua primeira formulao especulativa
se encontra em Lucrcio. O desvio de um nico tomo, no movimento infinito de queda em paralelo e a uma velocidade constante de todos os tomos, teria sido a causa primeira da totalidade
das formas e dos movimentos do mundo tal como o conhecemos.
E tambm sabemos que esse clinamen se manteve, ao longo
dos vrios sculos da tradio atomista, como o grande argumento cosmolgico a favor da contingncia dos destinos humanos.
No entanto, a partir do sec. XVIII, o conceito de desvio entra em
derrapagem. Por um lado, com a inveno do clculo de probabilidades, e como forma de reduzir o aleatrio, o desvio, enquanto
desvio-padro, passa a definir, no a contingncia, mas o grau
de indeterminao de um acontecimento futuro. Os desvios sero acidentes contidos na prpria equao do necessrio. E, no
sec. XIX, com a sociologia e a criminologia, os desvios, com a sua
natureza acidental, vm confirmar a universalidade das normas
que eles transgridem, e legitimar os dispositivos de controlo policial para os limitar e punir. A essa demonizao do desvio, o prprio sec.XIX contraps uma verso virtuosa. A sociologia, com
Durkheim, descobre desvios fecundos. So aqueles que conduzem a novos padres culturais. Em paralelo, a biologia, sobretudo
com Darwin, v numa pluralidade de desvios (ou bifurcaes arborescentes) a explicao para evoluo das espcies. A variedade quase infinita de formas dos seres vivos seria a expresso mais
eloquente das virtudes desviantes da seleco natural.
No sec.XX o desvio tende para o desaparecimento. Keynes ainda
o usa, nos anos 30, para justificar a interveno reguladora do
Estado sobre a economia. Caberia aos governos corrigir, com investimentos pblicos e desvalorizaes cambiais, aquilo que ele
denuncia como o grande risco: desvio face ao pleno emprego.
E Freud pertence ao sec.XIX quando ainda define o delrio como
a consequncia de um desvio do princpio de realidade.
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teologias que recusam ao erro e ao pecado uma existncia independente. Tanto no cristianismo como judasmo ou no islamismo o prprio mal, o demnio, representado como um desvio
da divindade. O mal a consequncia de um pequeno gesto de
afastamento, de dissidncia de um anjo, mas de um anjo quase
to poderoso quanto Deus.
O mesmo acontece com a interpretao virtuosa do desvio. O
bem supremo tambm um desvio. De facto, no conceito de alegria como euforia encontramos tambm uma declinao do desvio. Euforia vem do verbo euphoreo que significa conduzir a bom
termo - do prefixo eu (de bom ou perfeito) e de phoreo (transportar, conduzir). A euforia sempre um movimento de desvio,
mas um movimento que, em lugar de afastar definitivamente do
caminho, em lugar de desencaminhar, reencaminha. Mas reencaminha porque reinventa o caminho, cria um novo porto, cria
um novo fim, melhor do que aquele pelo qual se havia iniciado
o movimento. Toda a alegria intensa, toda a euforia ela mesma
um desvio, a libertao de um destino funesto.
No , portanto, o desvio que se deixa pensar em registos opostos. a oposio entre o bem e o mal que s pode ser representada a partir de figuras do desvio. O bem o desvio que salva de
um caminho para o abismo. O mal o desvio que separa, o desvio que bifurca o caminho inicial e que engendra a discrdia. S
foi possvel diabolizar o desvio porque o diablico ele mesmo
desviante. Do mesmo modo que um desvio libertrio, um desvio
euforizante apenas se pode enraizar nas nossas ideias de felicidade e de alegria porque a prpria libertao, a prpria euforia,
se dizem como variaes do desvio, como maneiras felizes do
descaminho. O pensamento do desvio pressupe-se a si prprio.
No possvel fazer a denncia (teolgica, moral, sociolgica) do
desvio sem usar uma certa figura do desvio (como mal). Tambm
todo o elogio (poltico, esttico, tico) do desvio convoca antecipadamente uma metafsica do bem que tem como smbolo perfeito o prprio desvio, enquanto fuga a um caminho sem sada.
Segundo creio, este crculo vicioso que explica em grande medida o abandono do conceito de desvio pelas cincias humanas
no sec.XX. Nunca antes a sociologia, a economia, a psicologia, a
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Introduo
Alexander Gerner e Roberto Merrill
Poderemos ns pensar o conceito de desvio de uma forma interdisciplinar e mais ampla do que apenas um desvio de uma norma
que deveria ser cumprida? Neste caderno atendemos no s ao
desvio econmico, mas tambm ao potencial poltico, esttico,
social, artstico e epistmico do desvio.
Existiro distraces que mais tarde se revelam desvios necessrios - temporais e locais - para o desenvolvimento duma aprendizagem mais profunda? Ser o desvio contingente? Ser o desvio
na comunidade cientfica um dado importante para a descoberta? Que desvios so estes, que se podem nomear trgicos? Ser a
fico no cinema um desvio do real? Qual a funo complexa de
um comportamento que uma sociedade ou cultura declara como
socialmente desviante? Haver desvios dentro do desvio? O que
se pode chamar um desvio potico? O caminho essencial da arte
ser mesmo um dtournement? Qual o papel do desvio no melhoramento cognitivo? O desvio potencia a poltica?
O encontro Mateus Doc VII Desvio/Detour foi um convite a
estas e outras ideias, lanadas e confrontadas em franca abertura perante to vasto tema. Das suas repercusses resultam as
questes registadas neste Caderno, que em complementaridade
e oposio, permitem uma mapear da complexidade do conceito
de desvio.
I Desvios Econmicos
O Caderno Mateus Doc VII Desvio/Detour abre com uma abordagem ao tema de Desvios econmicos.
Economics and Reality: an essay on deviation
Joo Santos
descreve vrios exemplos de desvios da expectativa e do poder de previso de teorias econmicas, lanando as questes:
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Ser que se pode explicar o desvio como aprimoramento cognitivo epistmico, como na epistemologia evolutiva de Peirce ou
numa distraco abstractiva? Quais so as consequncias para
uma sociedade que impe um desvio cognitivo como melhoramento social? O melhoramento como desvio pode ser explicado
no quadro da sade no sentido da avaliao da tcnica do humano, como no conceito de >pharmakon<? Estaro os desvios
ligados a modos e tcnicas de ateno?
VI Desvios histricos
Histria, origem e desvios Angra do Herosmo 30 anos de Patrimnio da Humanidade - Antonieta Reis Leite
segue a historia da mitigao de uma catstrofe natural, o terramoto que h 30 anos devastou -quase por completo Angra
do Heroismo, na ilha aoriana Terceira. Concentra-se na reconstruo urbana para pensar o desvio como uma forma urbanstica de reinsero, ou um dever de reparar/renovar e preservar o
patrimnio arquitectnico dos antigos centros urbanos. Com o
exemplo do urbanismo evolutivo da Angra do Heroismo, Leite
mostra como se deve encontrar uma sntese em que at comportamentos desviantes podem ser autorizados, e assim chegar a
uma posio mais fundamentada, como preparao para futuras
intervenes e decises sobre o patrimnio urbanstico que herdmos, escolhendo que desvios devem ser permitidos e de quais
se pode e deve abdicar.
VII Cinema e Desvio
O verso e reverso do Cinema, a fico como desvio do real
Isabel Machado
prope que qualquer imagem filmada est condenada a ser um
desvio do real no sentido de se tornar fico. Mas ao mesmo
tempo, isso significa para a autora que essa imagem tambm
sempre uma realidade em si, infinitamente desdobrvel. Nesse sentido o verso e reverso do cinema para Machado so
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inseparveis, como num caleidociclo: o verso pura e simplesmente no existe sem reverso e vice-versa, no pode existir fico
sem real num desvio cinematogrfico. Machado consta tambm
que a tcnica de filmar um princpio da transformao da realidade: em que medida a presena da cmara obriga a realidade a
desviar-se de si mesma?.
O desvio trgico das heronas dos filmes de Joo Canijo
Liliana Rosa
Qual o desvio dentro do conceito do trgico? Qual a relao entre o conceito do trgico e o conceito de desvio? Em que sentido
se desvia Antigona da lei do homem imposto pelo tio Creonte,
desrespeitando-a para cumprir uma lei divina? Qual o desvio que
acontece dentro do conceito do trgico quando o transportamos
da tragdia grega para os personagens do cinema portugus, de
Joo Canijo? Como nota Rosa, o filme Ganhar a Vida (2000) resulta da adaptao da tragdia Antgona, de Sfocles. Noite Escura
(2004) resulta da adaptao das tragdias Ifignia em ulis, de
Eurpides e Agammnon de squilo.
VIII Politicas do desvio
O potencial poltico do desvio; potncia e interrupo
Filipe Pinto
abre as suas 20 notas acerca do potencial poltico do desvio com
uma frase que liga o desvio a um destino, direco : Apenas (...)
aqueles que tm destino e direco podem sofrer desvio. O
deambulador o flneur no sofre o desvio; no sofre; quanto
muito, acolhe-o. Nessa orientao cristaliza-se o potencial de resistncia do desvio como insubordinao do trajecto, a forma
de resistncia ao pr-programado destino politico. Mas ser o
desvio um conceito do transporte metafrico? Parece que a ideia
do desvio interrompe um curso corrente, habitual , e como Pinto explica: tudo o que poltico interrompe (ou desvia); nem
tudo o que interrompe poltico.
Da contingncia
Catarina Patrcio
Inspirado em Charles Bukovski explica, num tom menos apocalptico, mas num forte acento politico-performativo, que um
desvio final a condio de viver sobre a ameaa da extino
da espcie humana, visando assim uma mudana do status quo
poltico: A extino , para o ser humano, um inexorvel desvio
ao seu insustentvel narcisismo teo-poltico. Patrcio questionase assim sobre a metodologia que propem com um conceito de
desvio infinito: Ser, () essencial trabalhar sempre com uma
metodologia capaz de operar epistemologicamente com a finitude, ou melhor, para alm da finitude?
Como contraponto eufrico a um ltimo desvio performativo infinito, fica a viso de Frank Zappa, como o msico e compositor
a ditaria no documentrio homnimo de 1971, da importncia do
desvio da norma, no sentido do avano colectivo das ideias:
I think that progress is not possible without deviation. And I think
it is important that people be aware of some of the creative ways in
which some of their fellow men are deviating from the norm. Because in some instances they may find these deviations inspiring
and might suggest further deviations which might cause progress.
You never know
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I. Desvios Econmicos
Economics and Reality: an essay on deviation
Joo Pereira dos Santos
Nova School of Business and Economics
Abstract
The almost quasi-religious insistence that macroeconomics has
to have microfoundations with no ontological nor epistemological reasons for this claim has put a blind eye to the weakness
of trying to depict a complex economy based on an all-embracing
representative agent equipped with superhuman knowledge, forecasting abilities and forward-looking rational expectations.In
this article, using contributions from the History of Economic
Thought, I analyze the deviation between mainstream economics and reality and I argue why this is the perfect opportunity to
redefine the scope and substance of this social science. In this
regard, the advantages of behavioral economics are explained.
Keywords: Economics, Reality, Expectations, Social Science,
History
Sumrio
A ideia que a macroeconomia deve ter fundamentos microeconmicos tem contribudo para mascarar as fraquezas de um modelo
complexo em que os agentes econmicos possuem capacidades
sobrehumanas e apresentam expectativas racionais em relao
ao futuro. Neste artigo analizado, ao longo do tempo, o desvio
entre a cincia econmica e a realidade e explicado porque
estamos perante uma oportunidade nica para redefinir os mtodos, os temas e os desafios com que esta cincia social lida.
Macroeconomics () has succeeded: Its central problem of
depression prevention has been solved, for all practical purposes, and has in fact been solved for many decades.
Robert Lucas (2003)
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For almost two hundred years, economists have not been exactly
known by their forecasting abilities. However, this quote by the
Nobel laureate in 1995, a developer of the rational expectations
theory (which states that agents predictions of the future value
of economically relevant variables equal true statistical expected
values), is much more serious as it is the perfect example of a
fundamental deviation between economic thinking and reality.
Moreover, this disconnect between neoclassical economics and
the hot button issues of the new millennium is increasingly evident when confronted with severe recessions and depressions
that were not foreseen. In those settings, the negative output gap
which is, by definition, the difference between the actual and
the potential level of output (the one that could be sustainable
in the long-run, given the social and the ecological contexts and
the growth rate of technology) has austere consequences both in
Welfare (as there are extreme deviations from full employment)
and in Public Finances (where deficits are very often perceived as
deviations from normality).
The criticisms came not only from outside but also from inside.
Paul Krugman, winner of the Nobel Prize in economics in 2008
and columnist in the New York Times, argued that much of the
work produced in the last thirty years was useless at best, and
positively harmful at most. It was a costly waste of time, in
the words of Willem Buiter from the London School of Economics. As The Economist magazine summarized in 2009: of all the
economic bubbles that have been pricked, few have burst more
spectacularly than the reputation of economics itself.
At this stage, an important note must be highlighted. The discredit that the broad discipline has been suffering deserves a robust
response. As ignorance has allowed politicians, investors and the
media to overstate the virtues of economics (recall the speech
from Jacques Delors where we said that Not all Germans believe
in God but they all believe in the Bundesbank), now it blinds
them to its benefits. Much of the body of knowledge of this social
science remains, not a slavish doctrine, but a useful prism through which to better comprehend the world.
In section I, a short tour on the History of Economics (and the
broader context) from Adam Smith to John Maynard Keynes and
from Keynes to Milton Friedman is provided. In the following section, the division in mainstream economics between Freshwater
and Saltwater Economists is commented. Regarding section III,
it is claimed that Economics remains a central tool to understand
the world and, in section IV, the importance of Behavioral Economics is explained. Section V concludes.
1. Lessons from History
The deviation of mainstream economics from reality is not particularly new. In the advent of the Great Depression of the 1930s,
classical economics proved incapable in predicting the financial
meltdown, in mustering an arsenal of economic tools to fight the
crisis and correct enormous deviations from full employment.
The idea that Adam Smiths invisible hand, briefly mentioned
in his masterpiece An Inquiry into the Nature and Causes of the
Wealth of Nations (1776), willmove markets towards their natural
equilibrium, without requiring any outside regulation was, at the
time, the central lemma. Even though, laissez-faire economists
admitted that, in some particular cases when externalities came
into place, the price system was not able to distribute resources in
an efficient manner. This orthodox vision was challenged by John
Maynard Keynes General Theory of Employment, Interest and Money (1936) who introduced, among others, the notions of - take
some time to breath - sticky prices (there exist nominal rigidities),
the multiplier (there exists some room for governments to stimulate aggregate demand), the paradox of thrift (there exists a negative effect if everyone saves more during a recession), the liquidity
trap (there are limits to monetary policy effectiveness) and, last
but not least, animal spirits (there are limits to consumers, investors and voters rationality). A revolution took place.
But all revolutions suffer counterrevolutions. For almost thirty
years, Keynesians seemed to know what they were doing, conducted by an apparent trade-off between unemployment and
inflation (the Phillips Curve). But, when the oil-price shocks of
the 1970s hit, the previous trade-off disappeared and the developed economies were condemned to stagflation. As a response,
the monetarist canon headed by Milton Friedman (Nobel Prize
winner in 1976) asserted that all that was required to prevent
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depressions was a very limited form of government intervention - namely, from almighty Central Banks - to keep the money
supply growing on a balanced pace. Furthermore, the Keynesian
consumption function, where peoples consumption depended
on their disposable income, was also replaced by a permanent
income hypothesis where prospects of future income were also
taken into account.
2. An Important Division
Eventually, however, the anti-Keynesian revolution went far
beyond Friedmans views and two schools of thought emerged.
One accused the other of being uncritical supporters of fiscal stimulus, studying antiquated and undignified Keynesian positions
(what would be considered a routine scholarship in the humanities field) as if nothing had been learned for the last seventy
years. Real scientists, after all, do not go to classical books to
solve modern problems in physics. If the recent global crisis has
contributed to question the assumption that markets clear, it
is not enough to claim that there are externalities that should be
addressed through government intervention. It must be proved,
they claimed, that this type of policies would be able to lead to
a superior equilibrium. Conversely, the other side argued that
we are now living through a dark age of macroeconomics as
if everything had been forgotten to return to the neoclassical
idealized world in which rational individuals interact in perfect
markets, this time gussied up with elegant equations. As Krugman (2009) puts it, economists mistook beauty, clad in impressive-looking mathematics, for truth. To be honest, it was a
more a matter of convenience, to close the model, rather than
a matter of conviction. Math is good training for the mind. It
makes you a more rigorous thinker. Every economist needs to
have a solid foundation in the basics of economic theory and
econometrics. You cannot get this solid foundation without understanding the language of mathematics said Greg Mankiw,
chairman of the economics department at Harvard University.
The purists, named freshwater economists because of the lakeside universities where they happened to gather, started from
the assumptions that markets clear and that any efforts made by
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collapse was not possible, and they tried to keep the deviation
from neoclassical orthodoxy as restricted as possible. An uneasy
truce was celebrated until everything came apart in 2008.
3. Nobody Saw it Coming
The idea that all forecasts made by economists are incorrect is
not completely justified. For example, Keyness The Economic
Consequences of Peace (1919) proved to be extremely accurate
concerning the Versailles Peace Treaty and the developments
that resulted in the eruption of World War II.
More recently, some economists, notably Robert Shiller of Yale
(Nobel Prize winner in 2013) and Nouriel Roubini of the New York
University, managed to identify the housing bubble (subprime)
and warned of painful consequences if it were to burst. Yet, very
few paid attention. The symptoms that originated the crisis, the
timing, the extent that it would achieve and, moreover, the risks
of the system as a whole were largely missed.
Nevertheless, there are reasons to be optimistic regarding the
future of Economics. There is room to improve our knowledge regarding the topics concerning the fundamental deviation
between reality and economic theory. As The Economist defended Economists were deprived of earthquakes for a quarter of
a century. The Great Moderation, as this period was called, was
not conducive to great macroeconomics. Thanks to the seismic
events of the past two years, the prestige of macroeconomists is
low, but the potential of their subject is much greater. The furious rows that divide them are a blow to their credibility, but
may prove to be a spur to creativity.
4. Behavioral Economics: Why is it important?
Political Economy presupposes an arbitrary definition of man,
as a being who invariably does that by which he may obtain the
greatest amount of necessaries, conveniences, and luxuries, with
the smallest quantity of labour and physical self- denial with
which they can be obtained in the existing state of knowledge.
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Having in consideration this premise by John Stuart Mill, thinkers like Alfred Marshall, Lon Walras and Vilfredo Pareto, among
others, contributed to develop mainstream economics by using
a powerful mixture of objective formalization of assumptions
and reasonable analysis of consequences. This conceptualized
world, inhabited by unemotional and unethical rational optimizers known asHomo Economicus, reigned in economic textbooks
since, at least, Paul Samuelsons Economics was published in
1948 (Nobel Prize winner in 1970).
However, economists begin to rediscover (see the earlier works
of Irving Fisher and Keynes on irrationality) the importance of
incorporating the contribution of psychology in these frameworks. Although standard models on expected utility theory are
more practical and easier to formalize, there are significant criticisms to three implicit assumptions.
The first one relies on the fact that economic agents present limited processing capabilities and are often influenced by overconfidence, memory bias, cognitive dissonance, other personssuggestions (anchoring) and fear of feeling regret. Consequently, utility
is not always maximized.This bounded rationality (asHerbert
Simon, Nobel Prize winner in 1978,coined it) explains why people often adopt rules of thumb to save time since it is eminently
impossible to digest all the flow of information available nowadays. To develop a more psychologically precise description of
decision making, Amos Tversky and Daniel Kahneman (Nobel
Prize winner in 2002) wrote Prospect Theory: An Analysis of Decision under Risk (1979). This seminal paper on Behavioral Economics revealed that people make decisions based on the heuristic
potential value of losses and gains. Even if people can accurately
measure probabilities, there is always a subjective interpretation
made by each individual. For example, an investor can either be
risk neutral, risk averse (very reluctant to accept a bargain with an
uncertain payoff rather than another bargain with a more certain,
but possibly lower, expected payoff) or risk lover.
Related with the previous argument there is another concern
regarding human willpower. For instance, even if we can target
the optimum, there are circumstances where that unambiguous
In this article, I tried to use History of Economic Though and Economic History - from before the Great Depression of the 1930s until the Great Recession in 2008 to illustrate and explain in what
consisted and what has been done to correct the relevant deviation between reality and several economic theories. I argued that
the current crisis is the perfect opportunity to redefine the scope and substance of economic pedagogy. It will require building
interdisciplinary bridges with other social sciences (Psychology,
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Political Science and Sociology, among others) and a readjustment of the role of Mathematics and Econometrics, always bearing in mind their analytical meticulousness. Essential fields like
Behavioral and Experimental Economics, Institutional Economics the prominence to understand the political frameworks
that rule this Leaderless Economy as Peter Temin and David Vines
named it and Environmental Economics will expand their influence. It will mean a permanent fall from grace from the world
where consumers, investors and voters have unbounded rationality, unbounded willpower and unbounded selfishness. But we all
intrinsically believe the current and previous economic crises
have taught us that in a dramatic way that those are not sound
assumptions for real policymaking if we want to limit the deviation between this social science and reality.
Acknowledgments
The author acknowledges all participants in the Mateus Doc VII
and Professor Jos Tavares for invaluable guidance. The usual
disclaimers apply. He is very interested in receiving any further
remarks, comments or suggestions on his work: [email protected]
References
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2, 2009
Fehr, E. and Schmdit, K. (2006), The Economics of Fairness, Reciprocity and
Altruism Experimental evidence and new theories, Working paper Zurich
University
Kahneman, D. and Tversky (1979), A Prospect Theory: An Analysis of Decision
under Risk, Econometrica;
Krugman, Paul (2009), How Did Economists Get It So Wrong? The New York
Times September 2, 2009
Lucas, Robert (2003), Macroeconomic Priorities, American Economic Review Presidential Address;
Mankiw, Greg (2006), Why Aspiring Economists Need Math, Personal blog
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Economy 3.0
Rben Silva Branco
Nova Business School- Universidade Nova de Lisboa
Abstract
Macroeconomics () has succeeded: Its central problem of
depression prevention has been solved, for all practical purposes, and has in fact been solved for many decades.
-Robert Lucas
Has it? Does reality corroborate Lucas? Is his statement factconsistent? Or is he talking about economic theory exclusively?
The fact is there are still many deviations amongst the economic
growth rates of countries hurting those that grow less. This happens in spite of economic theory having already pointed clear
drivers for (long-term and sustainable) economic growth What
is preventing these drivers from being put into action? I claim
attitudes are the key to answer this question. The implementation of any economic policy inducing growth depends on families and firms attitude towards that particular policy and, more
impotantly, depends on their attitude towards those growth drivers. A new economic policy paradigm is needed one that takes
attitudes into account as powerful growth drivers also.
Keywords: economic growth; attitude; incentives; public spending; economic policy
Macroeconomics () has succeeded: Its central problem of
depression prevention has been solved, for all practical purposes, and has in fact been solved for many decades.
Robert Lucas
Has it? Does reality corroborate Lucas? Is his statement fact-consistent? Or is he talking about economic theory exclusively?
Between 2000 and 2010, income produced by the economy the
Gross Domestic Product (GDP) grew, in Portugal, 0.7% per year,
on average (excluding inflation). During the same period, GDP
grew, on average, 1.7% per year in the OECD (the set of the most
developed economies in the World). This means that, in the first
decade of the 21st century, Portugal accumulated a deviation of
10 percentage points from the growth path of the most developed World.
This deviation hurts people. Less GDP growth in Portugal relative
to other countries means that the Portuguese economy is producing wealth and multiplying resources at a lower pace relative to
other economies, and this means that, compared to those economies, Portugal will be, sooner or later, constrained to providing
less jobs, lower wages, lower pensions, lower unemployment benefits, poorer health services, lower support to science, culture
and art in a nutshell, lower living standards to people.
Therefore, this cumulative deviation generates tension, not only
by itself, but also by being added to other deviations. Consider
the fiscal policy pursued in Portugal during its current democratic period: in each and every year, State budget had negative balance deficit, a deviation from budget equilibrium. This means
that, in each and every year, the Portuguese State had to borrow
funds to honour its expenditures. This accumulation of debt (budget balance deviations), together with the accumulation of low
growth (growth-path deviations), generates, in those providing
credit to the Portuguese State, the expectation that the State may
not be able to repay the borrowed funds note that economic
growth is the source of State taxes, the main revenue allowing
the State to pay its expenditures and debt. Those default expetations generated, in turn, the accumulated tension that, in 2011,
led Portugal into its third economic assistance program in the
countrys current democratic period.
Where does this damagind growth-path deviation come from?
Economic theory studies the way societies use limited resources
to satisfy virtually unlimited needs. In addressing such contradiction between limited instruments and unlimited goals, society finds equilibria stable states, in which all forces are matched,
finding no trigger to move towards any other state, no reason to
deviate. In such equilibria, resources are allocated to individuals
and needs, obviously leaving others unsatisfied.
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Economic theory studies societys choices in the process of building such equilibria. How do societies select the individuals and
institutions to be granted with relative more resources? Which
are those chosen individuals/institutions? In this study, equilibria are modeled and analysed, on the basis of many assumptions and of one in particular: agents (individuals, firms and
the State) are rational in their decision process. There are, thus,
three ways of breaching equilibria: (1) agents act irrationaly, (2)
interactions between agents lead to irrational choices, (3) or shocks exogenous to the equilibria are introduced. Some deviations
from the rationality assumption have already been pursued by
the economic science.
The data described above indicates that Portugal lived, during
that decade, in an equilibrium growth path characterized by relatively lower growth rates. What forces are producing this equilibrium? What forces could make the Portuguese economy deviate from this equilibrium towards that of the OECD in order to
bridge the growth gap and eliminate the growth-path deviation
between Portugal and the OECD?
Economic science points 3 key drivers of long term economic
growth: savings (in the sense they allow banks to lend money to
entrepreneurs at low interest rates, allowing in turn entrepreneurs to create/develop their firms), education (in the sense it improves labor force productivity) and technological progress/innovation (in the sense in enhaces global firm productivity). Data for
some periods between 1990 and 2010 show that Portugal had: (a)
lower saving rates than other OECD countries with lower income per person, (b) lower school enrollment than other countries
with lower income and lower public spending in education and
(c) a lower overall percentage of GDP devoted to R&D and a lower
percentage of the economys R&D being performed by firms (vs.
public sector), compared to other OECD countries.
The Keynesian school inspired some policy makers to think that
throwing money at problems would solve them I call this Policy 1.0, an economic-policy paradigm according to which economic growth is driven by public spending. This paradigm operates on the basis of the fact that higher consumption/investment
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people, changing their business approach from a low-cost/highquantity paradigm to a high-value/high-quality one.
But, on the other hand, change and disruption may be also easily associated to poison rather than to remedy, to evil rather
than to good. Change may be seen as synonym of mistake, error,
perversion, unforeseen problem, obstacle, setback, perversion.
Changing Peoples beliefs and assessments may be (perceived as)
a paternalistic endeavor by a Government. It is very important
to understand that such a process must be done in democracy,
in full respect for Peoples freedom and within a framework of
full disclosure and transparency. Information, communication
and trust are key, in order to provide People with the possibility
to perceive new opportunities for own personal well-being gains.
Maybe a good strategy is to progressively abandon any kind of
imitation, taking People to their true cultural routes, to their set
of values and principles. Understanding these and showing People that knowledge may be the only way to build the trust needed
for a process of beliefs disruption.
Like the hero in the literature, the leader may find himself before the challenge of abandoning the comfort of prudence, learned paradigms and old practices, diving into a new path in which
only the interaction between his impulse and the surrounding
circumstance can guide him. Throughout the path of attitudes
change, there may be moments and stages during which the route only makes sense to the leader; moments during which only
the leader envisions the destination. This is possibly the hardest
challenge in (political) leadership to inspire others to trust the
virtues and benefits of a destination they may not fully grasp, to
inspire them to remain confidently in a path they may not fully
understand in a nutshell: to communicate to People his beliefs and induce the People to make those beliefs also their own,
through its own free choice.
In this Policy 3.0 paradigm, the leader is called to show People
that change may also be synonym of originality, alternative,
opportunity, plan B and that many times, deviation and change
are the gates to discovery.
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Resumo:
Tornou-se mainstream a ideia da juventude gay como um segmento excecionalmente vulnervel ao suicdio e bullying. Outras
perspetivas, mais desviantes, propem que se interseccionalize
vulnerabilidades e se ilustre resistncias. Este artigo d conta de
uma pesquisa onde, da auscultao da experincia escolar de
rapazes no-heterossexuais, um panorama escolar homofbico
emergiu (corrente). Todavia, foi possvel aceder a manobras individuais de afronta-lo ou de lhe ceder (desvio). Espera-se, com
este artigo, complexificar o debate em torno do desvio, da norma
e dos processos dinmicos da sua constituio.
Palavras-chave: Escola; Cidadania; Juventude; LGBT/queer; Desvio.
Abstract:
The idea of gay youth as exceptionally vulnerable to bullying and
suicide has become mainstreamed. Other deviant perspectives
have offered a proposal to interseccionalize vulnerabilities and
illustrate young ways to resist. This paper presents a survey focused on the non-heterosexual boys school experiences. A homophobic school panorama emerged (main stream). However, it
was possible to access the individual maneuvers in affronting it
(or being abducted by it) (deviation). We hope, through this article, to contribute to a reflection about margins, and the dynamic
processes of the norms and deviance constitution.
Keywords: School; Citizenship; Youth; LGBT/queer; Deviance.
1. Faculdade de
Psicologia e de Cincias
da Educao da
Faculdade de Psicologia e
Cincias da Educao da
Universidade do Porto.
2. Faculdade de
Psicologia e de Cincias
da Educao da
Faculdade de Psicologia e
Cincias da Educao da
Universidade do Porto.
3. Faculdade de
Psicologia e de Cincias
da Educao da
Faculdade de Psicologia e
Cincias da Educao da
Universidade do Porto.
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Notas introdutrias
Outrora considerado um desvio-mor do sexo, a homossexualidade tem adquirido, gradualmente um lugar mais normalizado e de
legitimidade nos discursos polticos e sociais. A reivindicao das
pessoas LGBT (lsbicas, gays, bissexuais e transgnero) por direitos,
com o argumento de uma igualdade cidad, tem desafiado noes
de norma e desvio, representando o conceito de homofobia um
smbolo dessa inverso paradigmtica (Borrillo, 2010). A entrada
declarada nas agendas polticas, uma maior visibilidade meditica,
uma proliferao scio-discursiva evidente, consequentes conquistas legais e uma certa mainstreamizao dos estudos acadmicos
LGBT/queer mais internacional do que nacionalmente, verdade impossibilitam um olhar exclusivamente trgico-negativista.
Como refere Ken Plummer (2003), a homossexualidade passou de
amor que no ousa dizer o nome a uma imensa Torre de Babel.
Em certa medida, pode-se admitir, tal como Giddens (1993), que
o estigmatizante desvio, tenha sido substitudo pela pluralidade sexual e depara-se hoje, num contexto ps-moderno, com
fronteiras limtrofes de natureza tnue e incessantemente negociveis, no sendo mais do que uma construo social (Becker,
1963 [2009]) ou uma (in)convenincia no interior de posicionamentos discursivos (Foucault, 1988 [1999]). Classificar algum
como normal ou desviante obedece sempre a uma lgica de
poder que salienta uma identidade e suprime outras, isto , aquilo que Bourdieu denomina de atribuies interesseiras:
A lgica do estigma lembra que a identidade social o pretexto
de uma luta em que a rplica do indivduo ou grupo estigmatizado e, de forma mais geral, de qualquer sujeito social, enquanto
um objeto potencial de categorizao, percepo parcial que o
confina em uma de suas propriedades possvel apenas ao enfatizar, para se definir, a melhor de suas propriedades e, de forma
mais geral, ao lutar para impor o sistema de classificao mais
favorvel a suas propriedades ou, ainda, para fornecer ao sistema
de classificao dominante o contedo mais adequado para valorizar o que ele tem e . (Bourdieu, 2007: 441).
A teoria queer tem, desde da dcada de 90, criticado a compulso
das polticas LGBT assimilacionistas com a identidade como se os
sujeitos ficassem reduzidos sua (homos)sexualidade. Interseccionalidade tem sido um conceito pioneiro que tem elucidado
como o poder, a opresso e o privilgio dependem da interseco
das vrias camadas identitrias dos sujeitos, dos seus mltiplos
pertencimentos em diferentes contextos e das suas camadas de
vulnerabilidade e foras (Cover, 2012). Significa isto que o sujeito
, simultaneamente, produtor e vtima da desigualdade, ao mesmo tempo, opressor/a e privilegiado/a, inserido em sistemas contnuos de competio e de colaborao.
Estas consideraes macroestruturais conduziram-nos a indagaes sobre as experincias escolares microfsicas de jovens rapazes no-heterossexuais na esteira de preocupaes ainda que
minoritrias sobre o bullying homofbico. Ser que todos estes
jovens sofrem bullying? Ser que a violncia os marca da mesma
forma? Ser que constroem uma identidade e uma cidadania
sexual a ela ligada do mesmo modo? possvel falar-se de diversidade dentro da diversidade, desvios dentro do desvio (isto
, interseccionalidade)? Estas foram as primeiras perguntas-de
-partida de uma pesquisa de Mestrado em Cincias da Educao
no domnio da Juventude, Educao e Cidadania (cf. Santos,
2013) cujo objetivo era, deslindando discursos pessoais, testar
uma hiptese repressiva (Foucault, 1988 [1999]).
Do ponto de vista morfolgico, este artigo est dividido num
enquadramento terico que d conta do que se tem produzido sobre juventude gay, escola e culturas, de um ponto de vista mainstream e tambm marginal. Depois ilustra-se as opes
metodolgicas que orientaram a pesquisa assim como o dilogo
entre o entrecruzamento dos dados empricos com a teoria e, por
fim, numa ltima parte, apresenta-se algumas possibilidades de
resultados finais, dando conta no s das concluses como tambm das limitaes e dos contributos futuros.
Parte I. Enquadramento terico
1.2. Juventude gay, escola e culturas: a construo normativa de
uma corrente
Desde da sua entrada no discurso cientfico, que a juventude
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identidade, prticas de gnero e sexuais (mas no a elas circunscrita) que, entre muitas coisas, procura criticar construtivamente
um certo essencialismo assimilacionista do movimento LGBT e
das suas asseres polticas (cf. Jagose, 1996; Louro, 2000; Cover,
2012). A crtica ideia de identidade, por exemplo, uma perspetiva amplamente partilhada por esta teoria.
Se o objetivo da pesquisa era auscultar as experincias (passadas) e subjetividades de jovens, a entrevista semiestruturada e
em profundidade, cujos tpicos do guio se organizaram tendo
em vista a potencialidade narrativa e biogrfica, pareceu-nos
aqui no s interessante como tambm indispensvel enquanto
mtodo principal. Como o acesso aos sujeitos juvenis, que necessariamente precisariam de se nomear com uma identidade
no-heterossexual, exigiria estratgias especficas (e.g, recurso
a realidades virtuais), tpicas deste grupo (Miceli, 2002), e como
questes como violncia e intimidade so matrias de potencial
sensibilidade, necessitando da conquista de uma confiana que
se vai desenvolvendo no sentido de um dilogo aberto e franco,
optou-se por marcar pequenos encontros etnogrficos (Filax,
2006) em cafs urbanos da cidade do Porto, que esto patenteados em 30 notas de terreno. A etnografia um mtodo que se
caracteriza essencialmente pela estadia prolongada no terreno.
Contudo, a natureza das identidades e situaes obrigou a que a
recolha emprica se processasse a partir de encontros e, por isso,
denominou-se de abordagem etnogrfica. Alis, esta estratgia
to mais compreendida se tivermos em conta que os sujeitos
so jovens e que os modos juvenis de relao com o meio social
so, por si s, fluidos.
Selecionaram-se posteriormente sete jovens principais (rapazes
porque a tnica nas masculinidades assim o exige), entre os 17 e
23, tendo-se uma ateno especial diversidade (e.g., de classe
social). Os jovens, cuja ateno mais se desdobrou, foram o Leandro (19), o Andr (19), o Manuel (17), o Francisco (21), o Rodrigo
(23), o Fbio (19) e o Lus (23). Todos eles, em especial o Andr, esto amparados por outras personagens que emergem posteriormente. Os discursos posicionados foram aqui importantes como
reveladores das experincias.
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por exemplo, eu namorava com uma rapariga e falava com rapazes, mudava os nomes no telemvel, fazia mil e uma coisas para
ningum desconfiar, e assim. (Leandro, 20, entrevista).
So jovens que crescem com uma noo da sua identidade como
um estigma que tem que viver. A homofobia interiorizada, tal
como a homofobia explcita, direta e fsica, perigosa para a sade mental destes jovens. Apesar de no terem sofrido bullying
homofbico (fsico), correm srios riscos do ponto de vista mental (Rivers, 2012).
Outras manobras so mais respeitveis e comprometidas, (cidadanias da respeitabilidade). o caso do Francisco e Rodrigo. So
jovens de classe mdia, com capital cultural e acadmico, comprometidos com o ativismo poltico LGBT, consubstancializado
numa associao. Sofreram bullying mas tiveram sempre apoio e
souberam muito lidar com isso.
Francisco: - A minha me licenciada, tem o salrio de vencimento pblico: professora. E ambos sempre tiveram como sonho
para os filhos, pelos filhos, que eles tirassem a licenciatura e exatamente por isso faziam tudo possvel e imaginrio para ns alcanarmos essa meta. (Francisco, 21, entrevista).
A imagem , para estes jovens, muito importante seno o aspeto
mais importante das suas vidas. At na forma como se lida com
a sexualidade.
Rodrigo: - Sim. Dever-se-ia ter cuidado com a imagem com que
se passa nessas marchas. Mostrar mais seriedade. Ser homossexual no assim to diferente. (Rodrigo, 21, entrevista).
A associao , do ponto de vista do investimento destes jovens,
um lugar-refgio. Todavia, no se livra de conter em si certos
smbolos diretivos e formais de como se deve proceder. um lugar que deseja incluir e, porm, podem promover excluses.
Porm, outras cidadanias no toleram a respeitabilidade. o
caso do Andr cuja cidadania que exige agressiva e combativa
procurando fazer do dominador dominado com o recurso a jogos
da alteridade, esttica camp e masculinidades queer (cidadanias
reclamadas). O seu mundo cultural ope-se, em vrias dimenses, ao universo formal da associao. O Andr um jovem que
frequenta ostensivamente um caf gay na cidade do Porto. Com
ele tem-se acesso a sociabilidades que naquele espao tm lugar.
A sua experincia na escola mista. Por um lado, nos primeiros
ciclos, a escola apresentava-se como um lugar impossvel de estar; por outro lado, o secundrio era um momento transfigurado
de descoberta de si. Ainda assim, as formas de encarar o preconceito eram ostensivas:
Andr: - [Andr a descrever uma situao onde vtima de
bullying por parte de colegas na escola] De repente, um diz muito
baixinho para que s eu pudesse ouvir, isto aqui s paneleiros!, eu virei-me porque de certeza que era para mim, abaneime todo e disse-lhe, pois sou paneleiro e adoro! Porqu? Algum
problema?. Eles ficaram tipo, no estavam espera, percebes?
Grizei-me! Eu adoro esse tipo de coisas. s vezes temos que ser
assim seno eles vo pensar que a gente ouve e cala. E eu ali.
LOL. In-Your-Face! (Andr, 17, entrevista).
Neste episdio interativo narrado, o insulto atribudo resinificado
a partir dos seus prprios termos e posto em dmarche a partir da
corporalidade genderizada. A bicha, apregoada nos esteretipos
sociais, assume uma personificao real de forma a reivindicar o seu
prprio lugar cidado no mundo como uma perptua reclamao.
Andr: [abana positivamente a cabea] Era Ia ouvir e calar
queres ver [o Andr fica nervoso]. No engulo sapos e no devo
nada a ningum. Comigo assim. Queres ser respeitado respeita
os outros. No levo desaforo para casa. J levei, agora no levo.
(Andr, 17, entrevista).
Violncia imaginada o que melhor descreve a estratgia deste
jovem, como uma forma simblica de rearticulao que devolve
ao Outro opressor o estigma que ele prprio produz deixando
sua imaginao como seria se as coisas funcionassem ao contrrio. Este, What if denotes a potentiality, a possible reality that
may only ever exist in the realm of representation but one which creates an imagined violence with real consequences and
which corresponds only roughly to real violence and its imagined
consequences. (Halberstam, 1993: 190).
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Essa morte lenta est muito prxima daquilo que hoje se convencionalizou chamar precariedade:
Hugo: - Isso influenciou a que tu pensasses em abandonar a escola?
Fbio: - Influenciou sem dvida! Naquela altura sim. Eu sabia
que tinha que passar por tudo mais um ano, era constrangedor.
(Fbio, 19, entrevista).
Investigaes demonstram que estes jovens tem maior propenso para o insucesso e abandono escolar (cf. Rivers, 2012). Apesar
da distncia ao seu contexto de circularidade social, o Fbio, de
vez em quando, frequenta uma associao sediada na cidade do
Porto. Essa associao representa para ele uma zona de conforto
e um espao para construir pertenas quando o resto falha.
Consideraes finais:
Esperou-se com a pesquisa compreender as experincias de
jovens rapazes estudantes que, devido sua orientao/identificao sexual, se diz que se encontram nas margens, quer da
sociedade heterossexual, quer da escola. De facto, esta ltima
instituio um contexto difcil para estes jovens (e para jovens
heterossexuais que sofrem tambm com o bullying homofbico). Nela, so comuns situaes de violncia direta como insultos reiterativos de chamada norma ou de violncia simblica que so consubstancializadas no ato de ignorar, ora na sala
de aula, ora no espao fsico exterior, possibilidades homossexuais, ao passo que a heterossexualidade to exibida at
exausto que se autonaturaliza. No se pode dizer que a sexualidade pertence apenas ao ncleo do privado. Por isso mesmo, a
escola parece no cumprir os mandatos para a incluso a que se
prope e, por isso mesmo, um local que marginaliza. Isto no
significa, porm, reconhecer algumas possibilidades de abertura, entremeadas, enfim, com algumas formas camufladas de tolerncia, resultantes de influncias polticas e mediticas para a
mudana e igualdade.
Do ponto de vista das suas limitaes, refere-se o carter do estudo (exploratrio) e o tempo de permanncia no terreno, no se
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Abstract:
Can deviation, while interruption of a path or a change in a direction, be considered as a standart in the process of literary creation?
We will first seek to assay, for this matter, a possible theoretical
expression of deviation presented in The Anxiety of Influence, by
Harold Bloom, and afterwards we will compare it with the poetic dialogue established between Walt Withmans Leaves of Grass
and lvaro de Campos Saudao a Walt Withman.
Keywords: Deviation, influence, poetic dialogue, standart,
sensations.
Harold Bloom, em A Angstia da Influncia, refere um processo singular de influncia literria que define como clinamen ou
encobrimento potico, no qual o poeta constri a sua obra atravs do desdobramento de um conjunto de elementos contidos
na obra do seu precursor, distanciando-se do mesmo por um
desvio1 que actua como interrupo de sentido movimento
que, sendo da ordem do deslocamento, implica uma mudana
paradigmtica em relao ao universo de significao do seu
arqutipo, procurando simultaneamente conduzi-lo s suas ltimas consequncias e impedir o seu esgotamento. Ao desvio
literrio que aqui se menciona est subjacente uma certa noo
de continuidade, no sentido em que no existe uma rejeio
do trajecto percorrido pelo poeta precursor, pelo contrrio, h
um conjunto de elementos que sero inevitavelmente anlogos
obra de ambos; trata-se, todavia, de uma continuidade que
admite a mudana no trajecto, sob a forma de um desvio, na
amplitude de uma viagem j iniciada, tornando-a mais densa
1. Leia-se: retomo a
palavra de Lucrcio,
quando menciona um
desvio nos tomos
para tornar a mudana
possvel no universo.
Um poeta desvia-se do
seu precursor ao ler o
poema do seu precursor
executando um clinamen
em relao a ele. Tal
movimento aparece
como um movimento
correctivo no seu prprio
poema, que implica que
o poema precursor foi
bem at certo ponto mas
nessa altura se devia ter
desviado, precisamente
na direco em que o
novo poema se move
(Bloom, Harold. A
Angstia da Influncia
(trad. de Miguel Tamen).
Viseu: Cotovia, 2007,
p. 25)
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7. Ibidem
12. Ibidem, p. 21
No entanto, apesar da voluptuosidade e dos contornos sensitivos que o discurso frequentemente adquire (Walt Whitman, an
American, one of the roughs, a kosmos,/ Disordely fleshy and
sensual),11 o sujeito potico no se deixa sucumbir, em momento algum, vertigem, ao excesso ou at expresso de um delrio
sensitivo (I breathe the fragrance myself, and know it and like
it,/ The distillation would intoxicate me also, but I shall not let
it)12 que a potica de lvaro de Campos recorrentemente manifesta, pressuposto sobre o qual se desdobra a produo potica
da segunda fase ou, melhor, face deste heternimo, enunciado no poema Afinal, a melhor maneira de viajar sentir, que
peremptoriamente se converte em Sentir tudo de todos as maneiras./ Sentir tudo excessivamente,13 num esforo derradeiro
de abarcar o real:
Quanto mais eu sinta, quanto mais eu sinta como vrias pessoas,
Quanto mais personalidades eu tiver,
Quanto mais estridentemente as tiver,
Quanto mais simultaneamente sentir com todas elas,
Quanto mais unificadamente diverso, dispersamente atento,
Estiver, sentir, viver, for,
8. Ibidem, p. 113
9. Ibidem, p. 59
10. Ibidem, p. 67
11. Ibidem, p. 38
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14. Ibidem
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Resumo:
Este estudo pretende refletir sobre o desvio na dimenso da arte.
Se ele pode ser considerado uma tentativa de ruptura com a tradio vigente, um novo arranjo para a concepo existente, ou
se traz inovao arte. Prope-se questionar se o desvio se torna
uma norma a ser seguida, que se institucionaliza naturalmente
e, se os desvios na arte fazem parte de sua tnica, ou essncia
fundamental.
Palavras-chave: Arte, desvio, dtournement, inovao, essncia
da arte.
Abstract:
This study aims to reflect about the deviation in the dimension
of art. Can deviation can be considered an attempt to break with
the current tradition, a new arrangement to the current conception, or does it bring innovation to the art. This study proposes to questioning whether the deviation becomes a norm to be
followed, which is institutionalized naturally and, whether the
deviations in art are part of its tonic, or fundamental essence.
Keywords: Art, deviation, dtournement, innovation, the essence of art.
1. Introduo
A noo sobre o conceito de desvio capaz de englobar um
panorama transdisciplinar, com inmeras possibilidades de
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das atividades; pode gerar a sensao de livre -arbtrio. O filsofo Spinoza (2007) afirmava que decises mentais pertencem aos
desejos, exercidos em circunstncias pr-determinadas, cujas
causas, as quais o homem no tem alcance, so infinitas. Assim,
o ser humano acreditaria ser livre por se julgar consciente de seus
desejos, mas seriam ignorantes sobre as causas que os levam a
querer e desejar. Ou seja, no estariam exercendo o livre -arbtrio
e as escolhas seguiriam um traado determinado. Schopenhauer
(2002) afirma que inicialmente, cada indivduo cr ser completamente livre em suas aes e capaz de alterar a rota para comear
uma nova vida, a qualquer momento. Porm, com o tempo, o indivduo, pela experincia percebe que apesar de todas as reflexes e decises, no muda sua conduta do incio ao fim, conduzindo o mesmo carter. O querer conduzido ou livre? Desvio
na Arte mudana afastamento: ruptura, oposio, ou essncia da Arte e expresso da condio humana?
3. Dtournement
A palavra francesa dtournement significa desvio, reencaminhamento, distoro, virar ao contrrio do curso ou propsito
normal. Guy Debord (1956) utiliza o termo no sentido de uma
correo, rearranjo, reutilizao no campo das artes e literatura.
Utilizo no ttulo deste artigo, o conceito do referido autor, para
logo a seguir, realizar a pergunta se o desvio pode ser o caminho da essncia da Arte. Nesta perspectiva de reflexo a que
este breve estudo se prope, o desvio pode ser pensado em uma
diversidade de pontos de vista, que ultrapassem os significados
imediatos de cada palavra dtournement e desvio.
Para Guy Debord (2003:156-158) o desvio oposto da citao;
o desvio a linguagem fluida da anti-ideologia. Surge como
comunicao sem garantias de nada de forma definitiva. a linguagem que nenhuma referncia antiga poderia confirmar, pois
j perdeu suas caractersticas de seus elementos de origem, remetendo a uma outras interpretaes.
Aquilo que se apresenta como desviado o que desencadeia uma
ao de varredura da ordem existente, que se faz conhecer exclusivamente pela ao histrica, e pela correo histrica, que
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No ano de 1956, Guy Debord e Gil J. Wolman, ambos situacionistas, publicaram um Guia para um possvel usurio do dtournement, na revista surrealista belga chamada Les Lvres Nues
#8. Nesse texto, introduziram conceitos e teorias. As duas leis
fundamentais do dtournement assinaladas, a princpio, seriam:
a) a perda de importncia de cada elemento detourned (ou
detournado, numa traduo literal para o portugus), que
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conta do que seria estilo, dos demais estilos e das possibilidades de romper com a continuao do estilo. Exemplifica-se, na
rea da arquitetura, que muitos arquitetos estavam convencidos
de que as normas transmitidas nos livros de Palladio garantiam
um estilo correto e elegante para os edifcios. Surge ento a seguinte questo: por que se deve seguir precisamente o estilo de
Palladio? Na Inglaterra, no sculo XVIII, alguns desejaram ser diferentes dos demais seguidores da tradio. Destaca-se, inicialmente, o questionamento do romancista ingls Horace Walpole
(1717-1787) que afirmara ser um absurdo construir sua residncia
campestre em Strawberry Hill de forma idntica a qualquer outra
construo dentro dos padres, considerados corretos, do estilo
palladiano. Seu gosto pelo extravagante oscilava entre o romantismo e o fantstico, assim como, o gosto pelo gtico. No s ele,
mas outros aparecem dentro desta perspectiva, com assombro,
em relao ao que foi tomado como regra da arquitetura clssica,
desde o sculo XV, que era mais semelhante s runas romanas,
de um perodo mais decadente, do que propriamente o que poderia ser o estilo verdadeiramente clssico grego. Com a descoberta
dos templos de Atenas, imagens gravadas por criteriosos viajantes aparecem como diferentes dos livros de Palladio, o que trouxe
tona, a preocupao: qual seria o estilo correto? Facto que o
iderio do renascer gtico de Walpole se rivalizou com o renascer grego proposto por outros. Nota-se que neste caso, a ruptura se faz contra as normas vigentes, institucionalizadas como
as melhores e mais corretas a serem seguidas, mas os questionamentos e aes decorrem como forma de exaltao do passado
grego, negao do presente e no como proposta inovadora.
Na pintura e na escultura as rupturas com as tradies artsticas
no eram to visveis. Com o aparecimento das academias, se fortaleceu a nfase na grandeza dos mestres do passado. Houve a
preferncia pela aquisio de obras dos antigos mestres. As academias, ao buscar a insero dos artistas recentes no mercado,
promoviam exposies anuais com o objetivo de atrair a clientela
aristocrtica. Os artistas passavam ento, a produzir obras para
exibio, de acordo com o gosto e estilo vigente, no intuito de impressionar o pblico por meio da temtica e da cor. Vale ressaltar
que alguns artistas que atravessaram o oceano e chegaram Europa nem sempre estavam dispostos a se enquadrar nos moldes
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tradicionais do velho mundo e buscavam novas experincias temticas (Gombrich, 1997:480-482). Observa-se um desenvolvimento do percurso da arte, mas no um desvio ainda.
A Revoluo Francesa surge como impulso a novas temticas
histricas e contribui com uma gerao de artistas neoclssicos,
como Jacques-Louis David (1748-1825), que foi artista oficial
do governo revolucionrio. Entre os artistas desta gerao, que
desprezaram os temas antigos destaca-se o notvel pintor espanhol Francisco de Goya (1746-1828), profundo conhecedor da
melhor pintura espanhola como fundamento, que no abandona as cores vibrantes, como aqueles que obedeciam ao rigor da
grandiosidade clssica. O pintor aparece como isento de piedade ao retratar seus modelos fidedignamente, com sua vaidade e
feiura, vcios e cobia retratos reveladores. Nenhum pintor da
corte anterior ou posterior deixou um testemunho tal de seus
mecenas. Produziu grande nmero de gua-fortes e gua-tintas
na tcnica da gravura, primando pelo uso das linhas e manchas,
rompendo de forma significativa com os temas religiosos, bblicos, histricos, para ilustrar temas desconhecidos e chocantes,
vises fantsticas de bruxas, figuras espantosas oriundas da
crueldade humana, assim como imagens provenientes de pesadelos (Gombrich, 1997:488). H em Goya uma ruptura, um
desvio dentro da tradio clssica. Destaca-se tambm um pintor mais jovem, William Blake (1757-1827) como exemplo mais
marcante de artista depois do Renascimento, que se rebelou
conscientemente contra as normas vigentes, muito religioso,
isolou-se da academia, das normas e repulsou o desenho do natural, revelando uma mitologia prpria (Gombrich, 1997:490).
Delacroix (1798-1863) era outro pintor rebelde e revolucionrio,
que no suportava as normas da academia e a teatralidade sobre
gregos e romanos na pintura, assim como, a imitao constante das esttuas clssicas. Considerava muito mais importante a
cor na pintura, do que o desenho, e a imaginao muito mais
relevante que a inteligncia (Gombrich, 1997: 505-506). Muitos so exemplos de desvio nesta perspectiva, que poderiam ser
enumerados no decorrer da histria da arte, o que seria invivel
neste breve estudo. Estes artistas poderiam ser chamados de
desviantes.
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modalidades mediticas, virtuais, vdeo-arte, happenings, intervenes, instalaes, performances e novas poticas. A figura do
artista altera-se, est livre a realizar sua arte, livre do mecenato,
porm vulnervel a um mercado imprevisvel, sem nenhuma garantia de sustento profissional e de reconhecimento pela sociedade. Alguns se tornam conhecidos, atendem s demandas do
mercado, outros ficam margem, como o extraordinrio rebelde
Van Gogh (1853-1890) e tantos outros. Surgem aqueles considerados malditos ou tambm os underground. Rebelam-se, rompem questionam o sistema, a sociedade, a poltica, o mundo,
o quotidiano. Vrios estilos e propostas surgem na tentativa de
negar a realidade estabelecida, ou de super-la.
A noo de desvio na arte no algo novo. Horcio Flaco (65 a.C.
- 8 a. C.) poeta e filsofo j afirmava em 18 a.C. , em sua obra Arte
Potica: Quisesse um pintor juntar a uma cabea humana um
pescoo equino, e com variadas plumagens revestir aos membros
tomados de todas as partes, de forma que torpemente terminasse
em horrvel peixe o que em cima fora formosa mulher, levados
a contemplar o quadro, amigos, contereis o riso? Aos pintores e
aos poetas sempre foi propcio o poder de tudo ousar. Percebese nestas palavras de Horcio o prenncio do surrealismo, bem
como o esprito provocativo e debochado presente em algumas
vanguardas dos sculos XX e XXI. A ousadia no percurso da arte
se revela pela transformao constante, pelas alternativas criativas de expresso plstica de cada perodo, em que a quebra de
paradigmas e a ruptura so presentes, ao trazer a sensao de
escape ao convencional, mas logo a seguir, so absorvidas pela
prpria cultura. As vanguardas artsticas como: fauvismo, futurismo, cubismo, dadasmo, expressionismo, surrealismo, abstracionismo, pop art, arte conceitual, minimalismo, body art, land
art e tantas outras, enquanto promovem rupturas com os padres e revelam seu carter inovador, passam com o tempo, a ser
tornar referncia. Sob a perspectiva de verificar o desvio como
aparente ruptura, na construo da inovao, pode-se refletir se
h verdadeiramente uma ruptura ou se no seria propriamente o
processo interno de renovao e caminho prprio, de um deslocamento temporrio, para ser rever o passado e de super-lo, por
meio de novas alternativas de criao.
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Figura 3. Por qu tienes que ser un inconformista como el todo mundo?, Stant
Hunt, 1958. Desenho; The New Yorker Magazine. Fonte: Gombrich, E.H.
(1997). La historia del arte.Madrid: Editorial Debate, p.622.
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Figura 4. Cartazes oficiais da Semana de Arte Moderna de 1922 (os dois acima,
feitos por Di Cavalcanti) e um anncio que, na poca, publicado pela imprensa
paulistana, convidava o pblico para a apresentao de Villa-Lobos. Fonte: Disponvel em: <http://www.usp.br/cje/jorwiki/exibir.php?id_texto=107>
[Consult.10/06/2014]
Naquela poca a artista Tarsila do Amaral, embora no tenha exposto na Semana de Arte de 1922, colaborou de forma decisiva
nos rumos da arte brasileira. Em 1924 iniciou uma fase denominada por ela de Pau-Brasil e em 1928, deu incio sua fase
antropofgica, com a famosa tela Abaporu (que significa antropfago). A partir desta tela, Oswald de Andrade elaborou sua
teoria para o modernismo brasileiro, que resultou no Manifesto
Antropofgo, (publicado na Revista de Antropofagia n1,
neste mesmo ano) o qual replico alguns trechos, a seguir (Proena, 2001:236). Ao dizer: Tupi, or not tupi that is the question,
reivindica um carter nacional para a arte e literatura brasileiras,
livres dos condicionamentos europeus:
MANIFESTO ANTROPFAGO
S a ANTROPOFAGIA nos une. Socialmente. Economicamente.
Filosoficamente.
nica lei do mundo. Expresso mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos.
De todas as religies. De todos os tratados de paz.
Tupi, or not tupi that is the question.
Contra todas as catequeses. E contra a me dos Gracos.
S me interessa o que no meu. Lei do homem. Lei do antropfago.
Estamos fatigados de todos os maridos catlicos suspeitos postos
em drama. Freud acabou com o enigma mulher e com os sustos
da psicologia impressa.
O que atropelava a verdade era a roupa, o impermevel entre o
mundo interior e o mundo exterior. A reao contra o homem
vestido. O cinema americano informar.
Filhos do sol, me dos viventes. Encontrados e amados ferozmente, com toda a hipocrisia da saudade, pelos imigrados, pelos
traficados e pelos touristes. No pas da cobra grande.
Foi porque nunca tivemos gramticas, nem colees de velhos
vegetais. E nunca soubemos o que era urbano, suburbano, fronteirio e continental. Preguiosos no mapa-mndi do Brasil.
Uma conscincia participante, uma rtmica religiosa.
Contra todos os importadores de conscincia enlatada. A existncia palpvel da vida. E a mentalidade pr-lgica para o Sr. Lvy-Bruhl estudar.
Queremos a Revoluo Caraba. Maior que a revoluo Francesa.
A unificao de todas as revoltas eficazes na direo do homem.
Sem ns a Europa no teria sequer a sua pobre declarao dos
direitos do homem.
A idade de ouro anunciada pela Amrica. A idade de ouro. E
todas as girls [...]
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Contra o mundo reversvel e as idias objetivadas. Cadaverizadas. O stop do pensamento que dinmico. O indivduo vtima
do sistema. Fonte das injustias clssicas. Das injustias romnticas. E o esquecimento das conquistas interiores.
Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros.
O instinto Caraba.
Morte e vida das hipteses. Da equao eu parte do Cosmos ao
axioma Cosmos parte do eu. Subsistncia.
Conhecimento. Antropofagia.
Contra as elites vegetais. Em comunicao com o solo.
Nunca fomos catequizados. Fizemos foi o Carnaval. O ndio vestido de senador do Imprio. Fingindo de Pitt. Ou figurando nas
peras de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses.
J tnhamos o comunismo. J tnhamos a lngua surrealista. A
idade de ouro.
Catiti Catiti
Imara Noti
Noti Imara
Ipeju
A magia e a vida. Tnhamos a relao e a distribuio dos bens
fsicos, dos bens morais, dos bens dignrios. E sabamos transpor
o mistrio e a morte com o auxlio de algumas formas gramaticais
[...]
A nossa independncia ainda no foi proclamada. Frase tpica
de D. Joo VI: - Meu filho, pe essa coroa na tua cabea, antes
que algum aventureiro o faa! Expulsamos a dinastia. preciso
expulsar o esprito bragantino, as ordenaes e o rap de Maria
da Fonte.
Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por
Freud - a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituies e sem penitencirias do matriarcado de Pindorama.
Oswald de Andrade
Em Piratininga, ano 374 da Deglutio do Bispo Sardinha
(Revista de Antropofagia, Ano I, No. 1, maio de 1928)
Oswald de Andrade desejava uma Revoluo Caraba, na direo do homem, de sua essncia de raiz. Msica, poesia, literatura, exposies de pintura e escultura, de projetos arquitetnicos,
repercutiram no s no Brasil, mas tambm em Paris, onde viviam outros artistas brasileiros. Operou-se neste momento, um
desvio que se torna um marco na cultura brasileira. No foi um
desvio momentneo, nem efmero, pois a partir dele, a cultura
do pas passa a ser tema principal de se pensar o Brasil como nao, frente ao mundo.
No se pode dizer que se trata de um desvio a ser rapidamente
sobreposto por outro, pois houve uma mudana de mentalidades na cultura de um povo foi um contributo este desvio foi
formador da identidade brasileira. A partir dele, houve um terreno frtil para que outros desvios na arte viessem. Durante as
dcadas seguintes, mesmo com novas tecnologias, novos intercmbios, vanguardas, porosidades entre fronteiras culturais, a
internacionalizao da arte, as grandes Bienais e a Arte Global,
h sempre esta pedra fundamental no seio da arte brasileira.
7. A ps-modernidade pode ser um desvio?
Segundo Janson (2010: 1110-1111), o ps-modernismo vem a finalizar com o Modernismo. O termo Ps-modernismo que inicialmente foi aplicado pela filosofia nos anos de 1960, e que no possui
um consenso sobre seu significado, tamanha a complexidade de
suas interpretaes, utilizado pelo autor para abranger toda a
produo artstica, desde os anos de 1980, como tambm toda
a arte produzida aps o Modernismo, neste sentido. A ideia do
Modernismo em que a arte moderna era vista como uma progresso linear, e que um novo estilo deveria se sobrepor ao anterior,
impulsionado pela motivao da arte na realizao do novo, foi
marca patente, seguida risca at os anos de 1950, 1960. A destruio de limites que se v nas dcadas a seguir, disseminao
de estilos e de meios artsticos, demonstram nos anos de 1970,
que por um lado, parecia no haver mais nada de novo a ser feito.
Ao chegar os anos de 1980, os artistas tiveram autorizao para
no inovarem, o que possibilitou que eles se apropriassem de
qualquer objeto artstico do passado, da histria da civilizao,
se utilizassem de meios artsticos e estilos, os mais diversos, e
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dispensaram a premissa de se manter um estilo individual, dando saltos entre meios diferentes de expresso, mantendo uma
unidade artstica fundada na coerncia do tema abordado e no
na coerncia visual das obras realizadas. A mensagem passa a
ser preponderante e no mais a expresso de um estilo nico,
como foi um dos princpios do Modernismo. Outra questo que
se apresenta em oposio ao Modernismo, a questo da autoria
e individualidade da obra, que comea a cair por terra, j que vrios artistas comeam por trabalhar em grupos, como as Guerilla
Girls, o Group Material e os Collaborative Projects (Colab)
(Janson, 2010:1110).
Neste recorte descrito acima, as mudanas assinaladas, como: a
no obrigatoriedade obsesso do novo, a oposio preponderncia de um estilo nico do artista, assim como o trabalho artstico em grupos, podem ser consideradas um desvio em relao
ao percurso anterior?
Para Janson (2010: 1110) a era ps-moderna vem a reconfigurar
o mundo artstico. Assim, ele afirma: o establishment artstico
expandiu-se para poder acolher artistas de todas as etnias e raas
e passou a aceitar todos os meios, estilos e assuntos sem hierarquias de valorizao. Este ambiente multicultural aceitou em
seu mainstream artistas marginalizados nos anos de 1970, artistas de todos os pontos do mundo, no somente da Europa e da
Amrica, que contriburam para modelar a arte contempornea.
O autor comenta que esta Aldeia Global, favorecida pelas tecnologias nos ltimos 25 anos criou alternativas valiosas cultura
do mainstream, cujo impacto decorrente dos movimentos de direitos civis americanos, movimentos de independncia em frica
e sia e suas repercusses nas tradies culturais, fortaleceram
uma grande tapearia de cultura mundial, onde se encontra a
criao de um mundo artstico global (Janson, 2010: 1110-1111).
O mercado de arte tornou-se tambm global. A arte caminhou
atravs do pluralismo, dos anos de 1970 a 1990, mediante a diversidade de temas, estilos e meios; a pintura teve um regresso
triunfal nos anos de 1980, com o reforo do neoexpressionismo; a esttica ps-minimalista reflecte-se nas esculturas dos
anos de 1980 e 1990, mediante objectos orgnicos, em meio a
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Assim como Debord e Wolman (1956), revelam que a luz do desvio se propaga em linha reta, conclui-se que o desvio complementa o percurso da arte. O desvio a mola mestra, a alavanca, a fora motriz que impulsiona a essncia da arte.
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Abstract
This paper performs four rehearsals on a Philosophy of Enhancement as deviation. (I) Can deviation be explained as epistemic cognitive enhancement? Is deviation intrinsic in epistemic development? We will follow these questions by (a) Habit
change as deviation, (b) abduction as a strategy of deviation,
(c) deviation as diagram transformation, (d) deviation as divergent thinking and abstractive distraction (II) Different modes
of deviation and its possibilities for enhancement in different
realms and conceptions of health will be introduced. (III) The
paper outlines the concept of enhancement as deviations in the
framework of the >Pharmakon< (Plato/Stiegler) an important
concept of a philosophy of technology assessment. What could
be the consequences for a society that proposes cognitive deviation as a societal rule to follow for example in social moral
bio-enhancement? (IV) Is the unfolding of human beings well
described in a training ethics? In a forth philosophical model
of deviation in enhancement the paper underlines an Ethics
of Exercise (Sloterdijk, 2009): Exercising in all its forms- including the way we do philosophy and science (Sloterdijk, 2010)- is
based on repetition and necessary deviations from a status quo
(transcending activity).
Keywords: Enhancement (cognitive), Deviation, Peirce, Pharmakon, Ethics of Exercise
1. 1. Alexander Gerner
(PhD), Post-Doc
Fellow FCT (CFCUL).
This paper was made
possible by a FCT
post-doc grant SFRH/
BPD/90360/2012 on
Philosophy of Cognitive
Enhancement http://
cognitiveenhancement.
weebly.com/
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Resumo
Neste artigo so ensaiadas quatro voltas sobre uma filosofia do
aprimoramento como desvio. [I] Pode o desvio ser explicado
como um melhoramento epistmico e cognitivo? Pode o desvio
ser intrnseco ao desenvolvimento epistmico? Estas perguntas
so seguidas pelos temas da (a) mudana de hbito como desvio,
(b) abduo como uma estratgia de desvio, (c) o desvio como
transformao do diagrama, (d) desvio como pensamento divergente e distraco abstractiva. [II] Na segundo volta, introduzem-se diferentes modos de desvio em diferentes concepes de
sade e as suas possibilidades de enhancement. [III] Delineia-se
uma descrio breve do conceito do enhancement como desvio
no mbito do > Pharmakon < (Plato/Stiegler) - um conceito crucial de uma filosofia da avaliao da tecnologia. Que consequncias poderiam surgir para uma sociedade que segue o desvio cognitivo como um princpio, como por exemplo no melhoramento
biolgico da moral? [IV] Num quarto modelo filosfico do desvio
como enhancement, destaca-se uma tica do Exerccio (Sloterdijk, 2009): o exerccio em todas as suas formas - incluindo a forma como fazemos filosofia e cincia (Sloterdijk, 2010) - baseado
na repetio e os desvios necessrios partindo de um status quo
para uma actividade de transcender esse status quo.
Palvras Chave: Aprimoramento (cognitivo), Desvio, Peirce,
Pharmakon, tica do xercicio
[I]
First we will give an outlook on necessary epistemic drive of deviation: cognitive deviations in epistemological dynamic change
of habits, abduction, diagrammatic reasoning, hypostatic abstractions and theoric/theorematic shifts for the introduction of
new ideas.
How can deviation as enhancement be seen within the philosophical framework of Peirces philosophy? With Peirces epistemology we not simply ask as with Kant how something is possible, but,
moreover, how the new is possible and enters our thought and
reasoning which has to do with epistemic actions and processes
97
98
3. Besides subpersonal,
e.g. bio-physiological
enhancements level
that I would name
enhancement type I
subjects consciousness, rationality, and intentionality are not involved. Its alternative stems from the philosophical tradition of
pragmatism, and understands habit as open for the acting subjects reflection, during the course of action.
Important when we think about deviation is exactly not the acceptance or instilment of a habit (habituation, routinization),
habit in reasoning, life conduct or action, but Peirces emphasis
on the deviation of habit lies on habit change that Peirce pragmatically understands as a modification of a persons tendencies
toward action (Peirce, 1958: CP 5.476 [1907]), such as a initial
stopping of an habitual neglect in observing certain collateral
facts that often pass unnoticed in the way we are institutionally
are habitualized and put into perspective by disciplinary point
of views, approach a certain problem, phenomenon, situation
or process.
Habit change includes - according to Peirce- an active or a deliberate, self-controlled, purposive, muscular effort. In a word,
the performance is that of an experiment, or, at least, of a quasi-experiment... (Peirce, s.d: Ms. 318 [1907]; my emphasis; cf.
Bergman, 2012).
Lets hold on to this notion here: habit change is a self-controlled
purposive form of action that gets near to what can be called an
experiment. As Mats Bergman (2012) rightly notes this effortful,
self-critical and self- controlled performance should not be understand exclusively in the sense of personal (symbolic) meliorism (that despite of my designation of deviation as enhancement
type II is still the level we start with)3 in which the overcoming of
certain limitations is an inherent goal, but as well may apply to a
meliorism in relation to social communities or collaborative relations (enhancement type III), as a community, according to Peirce- anticipating Deweys notion of reformism- can be seen as a
pars pro toto of a person: a mans circle of society () is a kind of
a loosely compacted person (Peirce, 1998: EP 2:338 [1905]). The
social idea of personhood is an important notion that leads to the
conclusion that an account of enhancement should initially start
from a second-person perspective, and not from a first-person
perspective or a sub-personal naturalistic point of view.
99
100
6. Stjernfelt (2007,
chapter 4, 89-116ss.)
in his exemplary study
Moving Pictures of
Thought. Diagrams
as Centerpiece of a
Peircean Epistemology
underlines not only the
non-trivial notion of
iconicity of the general
notion of the diagram
in Peirce (CP 2.279),
but as well introduces
the diagram- icon as a
type, as an Interpretant
of a symbol and as a
formal machine of
Gedankenexperimente
beyond the concrete
notion of diagrams
in material diagram
tokens (the concrete
triangle diagram on the
blackboard) or a specific
representational system
-for instance Peirce s
system of existential
graphs (cf. Pietarinnen,
2006,103-179ss.)
Map 1 (Scheme of the Operational Diagrammatic (blue sections) and the ontological apriori notions (red sections) for diagram operations by A. Gerner inspired by Peirce and Stjernfelt (2007). The deductive and necessary steps are the
transformation of the first constructed diagram towards its technically deviated or manipulated and by the prescinded types free from material tokens as by
eidetic variation, then a second step in deviation is introduced when after the
conclusion a new diagram 2 has to be constructed or the plane of construction
principles rules or premises have to be changed.
101
7. Meantime, the
Diagram remains in
the field of perception
or imagination; and
so the Iconic Diagram
and its Initial Symbolic
Interpretant taken
together constitute what
we shall not too much
wrench Kants term in
calling a Schema, which
is on the one side an
object capable of being
observed while on the
other side it is General.
(Of course, I always use
general in the usual
sense of general as to
its object. If I wish to say
that a sign is general as
to its matter, I call it a
Type, or Typical.) Now let
us see how the Diagram
entrains its consequence.
The Diagram sufficiently
partakes of the
percussivity of a Percept
to determine, as its
Dynamic, or Middle,
lnterpretant, a state
[of] activity in the
Interpreter, mingled
with curiosity. As usual,
this mixture leads to
Experimentation. It is the
normal Logical effect;
that is to say, it not only
happens in the cortex
of the human brain, but
must plainly happen
in every Quasi-mind in
which Signs of all kinds
have a vitality of their
own. Peirce, 1976, NEM
IV, 348)
8. The Diagram
represents a definite
Form of Relation. This
Relation is usually one
which actually exists, as
in a map, or is intended
to exist, as in a Plan. But
102
Observation by an abstractive schematic interpretant and experimentation (including manipulation) are the key words in
linking diagrammatic reasoning to deviation as a strategy of
knowledge growth. We can enhance our knowledge by observing
irregularities in the diagram 1 (d1, d1) we created and by reintroducing these irregularities into a system of higher complexity (the second diagram d2 by deviation of the first construction/
gestural manipulation principle in order to recreate a new diagram. Deviation from the inductive prediction/expectancy (cf
Peirce, 1958: CP 5.196) becomes a handy/ pragmatic & mental
tool of real (as in chemistry) and imaginary (as in theoretically
thinking things through and abducting hypothesis in arm-chair
philosophy) experimenting on diagrams9. Diagrammatic reasoning10 therefore is an observational and experimental manipulative technical tool used from its use in the most simple daily
life form of learning and knowledge growth up to understanding
higher order theorematic shifts in mathematics, and even by
introducing changing an entirely new representational systeme.g. the shift from Euclidian planar geometry to non-Euclidean
curved geometry. Hereby it is important to note that for Peirce
reasoning is strictly experimentation (Peirce, 1958: CP 6.568),
and the majority of discoveries for him are a direct result of diagram experimentation (Peirce, 1958: CP 5.51). Therefore even
mathematical and highly abstractive activities are experimental
and observational actions11 being manipulated in diagrammatic
reasoning.
[d] Deviation as divergent thinking and abstractive distraction
Habitually attention- besides bottom-up and top-down approaches is often divided in different modes: selective attention,
alternating attention, divided attention, sustained attention (vigilance), focused attention as well as attention is conceived in
two modes in task relevant performance approaches: a) spatial
attention, tied to a particular region in space and b) object-based
attention in which attention is said to orient towards a particular
object in a scene as for instance in perception (visual, tactile
etc.) a dual (fast/slow; unconscious/reflexive, egocentric/world-centric etc.) dorsal/ventral processing stream and its logical
interpretation (Stjernfelt, 2014: 123-140ss.). However, I will assume a non-orthodox concept of attention here that implies not
only its focused form or an alternating form of different predefined tasks, but as well a divergent attention, that elects and new
objects or transforms spatial-temporal, technical and formal organization of reality as related for example to divergent thinking.
This type of attention - according to a reading of Kant by Rudolphe Gasch (1998)- is based on abstractive distraction.
Peirce in 1902, in the year of introducing his phenomenology,
follows another distinction of abstraction: He seperates mental separation, dissociation and prescission from hypostatic abstraction:
Prescission for Peirce- a form of selective attention in which elements of a pregiven set of elements are selected- is the operation
of the mind by which we pay attention to one feature of a percept
to the disregard of others (Peirce, 1958: CP 4.235). For example if
we disregard the blue color of a blue triangle we dissociate it from
the form, but we cannot do this in relation to its spatiality, that
is why for Peirce it is important to note that we can imagine red
without imagining blue, and vice versa; we can imagine sound
without a melody, but not a melody without sound this kind of
seperation in appearing Peirce calls dissociation (CP 1.353; 1.549)
and is a first mode of exclusive or selective attention in Peirce.
The second mode of selective attention is a imagination of seperation of phenomena that in reality cant be dissociated as colour
and space: Thus, we can suppose uncolored space, though we
cannot dissociate space from color. I call this mode of separation
prescission. (CP 1.353)
The other form of abstraction, however, is the process of transformation in a kind of abstractive observation that takes a concrete attribute in a percept -honey is sweet (Peirce, 1958: CP
4.235)- and transforms it into a conceptual general fictious
thing(Peirce, 1958: CP 4.235) such as in honey possesses sweetness: a hypostatic abstraction.
Peirce does officially not see attention as important for salience in the big topic of abstraction, as for instance in the well
known Gestalt-switch, and morphological transformation from
one gestalt towards another. On the contrary he is much more
103
104
interested in the more fine-grain and controlled methodological process, that he calls abstractive observation- because the
process of abstraction for Peirce is in itself a form of theoric distractive observation.
*
As already mentioned, I assume a non-orthodox view on attention (a distraction that abstracts, a distraction that introduces a
new point of view) and as such would partake in theoric transformations and in all forms of abstraction including not only selective exclusive types as in prescission- important to selecting
types from tokens in diagrammatic reasoning- but as well inclusive, elective-transformative types of attention as in hypostatic
abstraction or theoric transformations.
But let us stay first with abstractive distraction that we lean from
Rudolphe Gasch (1998) who reads Kants anthropologic account of attention anew. In Gaschs reading of Kants anthropology (especially chapter 44 on distraction [Zerstreuung]) in
his article ber das Wegsehen. Aufmerksamkeit und Abstraktion bei Kant (Gasch, 1998) evokes abstractive distraction as
the necessary condition of the appearance of the phenomenon
of attention. Gasch notes that a distraction that abstracts [abstrahierende Zerstreuung; Gasch, 1998: 151]12 is different from
mere distraction, the evasion of attention- as often described in
attentional negatively judged task deviation for example when
talking on the mobile phone while driving a car and thus being
less attentive for what happens on the road, as well as it is different from non-attention or complete inattention (Gasch 1998,
152). Gasch, doubts a clear distinction and segregation of attention and abstraction that he sees not only valid in the realm of
the inner sense or self-affection [Gemth]. This also includes a
logic general account of attention beyond a mere empiric approach, that has been criticized by Peirce and Husserl among others
as psychologism (cf. Stjernfelt, 2014: Chapter 2). In relation
to Gasch this means that it is very questionable if there can
exist attention without anyone abstracting or reflecting ()
(Gasch, 1998: 145, my translation), that anyone in the case of
Peirce would mean an Interpretant or quasi-mind, and without
105
106
Divergent thinking is clearly exemplified in a talk called Changing Education Paradigms by Sir Ken Robertson14 as an essential
capacity for creativity (defined by Robertson as the process of
having original ideas that have value, advocated- not as a synonym - but as one of the essential conditions for creativity. In
this talk also another phenomenon is critized: the creation of
an artificial epidemia of Ritalin busted attention deficit school
children, that are fixated in a standardized school-system that
does not allow the development of divergent thinking in which
one principle rules: many possible answers and lots of ways to
interpret a question and ways of thinking laterally: a divergent
attention strategy for learning and knowledge growth. This divergent attention strategy has to be seen as complementary modes of plurimodal attention inside a dynamic tension with convergent or concentrated attentional modes.
Thus abstractive attention shows itself as an epistemic dynamic between focus and distraction; in nuce: a distraction that
abstracts. Becoming attentive is interpreted as impossible without a transformative abstractive distraction, the fact that attention not only selects out of a pre-given set of elements some
of them (red ones) leaving the others unattended (blue ones), but
attention actually as well elects and transforms structurally the
spatial situation, event or object of attending. Tasks that are way
more difficult and thus seem more relevant to our real life phenomena of attention are for example listening to a piece of contemporary classical music 12 tone music as Schoenberg, Webern
etc. Can we easily attend fully to a piece of polyphonic, atonal
12tone music? I dont think so, but we can learn and train ourselves by doing/listening to it. What kind of attention do we have
to possess to be able to follow to these pieces of modern music
and still be able to grasp its proper musicality while listening?
Surely, a distractive type of attention, grasping certain singular
musical phrases while not loosing a general schema of perception and understanding in the moment of catching up with another phrase or pitch change and its instrumentation. Polyphonic,
atonal and 12tone listening suggests a distractive attention type
that is able to eidetically listen the whole composition at once
while structurally being distracted. The structural deviation and
expansion beyond a center of polyphonic music lets us discover a
107
108
mean today in the face of enhancement debates especially triggered by new medical technologies to change us beyond therapy and in accordance with our own desires (Gordijn/ Chadwick,
2008: 4)? Should we scrutinize critiques of restitutio ad integrum
models when reflecting on future trends in medical activity, research and treatment that include enhancements and going
beyond of a status quo of a given or predefined standard natural norm of functioning? I will try to hint on overcoming a classic
normative approach to health- in medicine. It seems important to
face the limitations to deal with individual qualitative indicators
of wellbeing (cf. Lenk, 2011; WHO, 1948; United Nations, 1966) becoming more and more important in personal integrative medicine (besides classical approaches to personalized pharmaceutic
therapies and medicine). Lenk (2011) realizes that taking up different concepts of health gives us different forms of enhancement
types and might as well give us different notion of deviation. Thus
enhancement as deviation is seen hereby not necessarily as a state to be overcome as illness or disease states. If we see health in
the framework of wellbeing- proposed by the WHO- as individual,
psycho-social and as cure then from the point of view of situational and personal enhancement other standards than natural
parameters of bio-physiological models15 or norms of health have
to be looked at which are more open to the idea of deviation as
enhancement according to the norm Melioratio ad optimum,
or the idea of human optimization and self-perfection.
This competes with positions that assume a clearcut dichotomy
of enhancement versus treatment, formulated in a classical sense by Elisabeth Hildt one of the European Think tank on Enhancement of the NERRI16-project:
Whereas on a descriptive level enhancement serves to characterize a certain measurement to lead to some form of improvement, on the normative level enhancement could be described
as dwelling outside of the field of medicine and beyond medical
obligations, measurement not legitimized by medical needs.
(Hildt, 2013: 3)
I think that we should question this seemingly clearcut descriptive/ normative split that has consequences if accepted for
instance in political decision-making on enhancement technologies. Which would make all medical indication oftreatment that
as well enhances functions immune against societal or political
scrutiny as long as it is has been judged as indicative for medical treatment or treatment research. As exactly from medical
treatment arise desires to a normative quest for a betterment as
optimization, an ontological deviation that for Hildt lies outside
of the medical realm, might actually evolve out of the medical
realm anyway, or exactly because it is discursively segregated
from what is called enhancement. Thus a critical point of view
has to be applied inside medicine and health related issues and
not be veiled by the predecisions of what is medical treatment
and what stays outside and uncoupled from the medical realm
as enhancement. The quest for the desired change actually still
impossible - in relation to medicine and health is not new (Wiesing, 2008). Enhancement as deviation in health related concepts become virulent when we note a shift from disease focus to a
well-being focus.
***
[III]
Lets briefly outline the concept of enhancement as deviations
in the framework of the >Pharmakon< (Plato/Derrida) an important concept of technology assessment in which deviation is
contextualized as a concept we have to ethically evaluate -among
other significations- as remedy and/or poison and as such presents itself to us as an technology assessment concept of the positive effects and risks of techniques and technologies ofdeviation.
*
What could we imagine this to be: techniques and technologies
of deviation? Can there be an art of deviation or even a science
based on deviation?
*
Already since Plato the idea of pharmakon goes deeper than the
legal regimes. Rinella encounters at least three others, the somatic
109
110
of the process of exteriorization for humanity? Is it creating heteronomy or autonomy? () If you use the technique of writing
for example, not for creating a dependency and heteronomy in
the youth of Athens, like the Sophists did who appear in Platos
dialogues, but on the contrary for taking care of ones self, for
creating the academy, for producing philosophy books, etcetera,
then one individuates oneself with these books. () (Stiegler/
Lemmens, 2011)
An important issue arises hereby: have we always been a selfforming being a homo formator sui ipsius (Kipke, 2011), and
what are the actual limits and advantages of this claim in relation
to self-deviation and an developmental idea of identity, may it
be individual, social or cultural? Self formation can be conceived according to Kipke in relation to personal identity, freedom,
moral and pursue of happiness. The knowing and understanding
self-relation can be intensified or augmented by self-formation.
Is the scientifically induced experimentum humanum (Hermnio Martins 2011) part of man that forms itself on purpose and
lets itself be formed by others and by occurring deviations, in the
sense of unplanned or non-intentional change? How can a technology be put into perspective relative to the enhancement/deviation it introduces? Who has the authority to judge about the
effect/ consequence of remedy/poison of deviation? And then
looking from another point of view again: How is the development of our species dependent on the right choice on which kind
of change or deviation of normative behavior we are willing to accept? In which sense can we critically assess deviations without
simultaneously assuming the interdependence of deviation and
enhancement and the technological self-development of human
beings? Deviation seems to ask permanently for new description
for alternative rules, possible new behaviors, the introduction of
new actions, manipulations of the status quo, change of plans,
variations of life forms or conducts, in this enhancement can be
defined as Grunwald does as an open process without Telos(Grunwald 2013, 203). Thus it is different from normative claims
of necessary telos-driven deviations. Deviations in this sense are
always possible however- are not normatively claimed as to be
necessary. Thus, when we talk about deviation as enhancement
111
112
we have to be sure that we balance between Measures and counter-measures in so called Enhancements:
Measuring the size of an enhancement is primarily significant
in weighing processes if enhancement in one place is offset by
deteriorization in another, and balancing is necessary.
(Grunwald, 2013: 203)
113
114
A concept better suited to expressing the concerns of opponents of human enhancement appeals to human norms. I propose
calling it enhancement beyond human norms. According to
this account, the modification of a human capacity counts as
an enhancement only if it enhances beyond human norms. The
norms in question are biological. (Agar, 2014; cf. Boorse, 1975;
Daniels, 2000)
Agars influenced conception of Boorses biostatistical approach
to define human normal levels of functioning of enhancement,
therefore contrasts enhancement from therapy, in the sense
of therapy including measures designed to restore or to preserve normal levels of biological functioning. (Agar, 2014: 18-19)
*
Armin Grunwald recently asked, if we are heading towards an
enhancement society, thus fostering a theorical perspective shift from an individual approach towards a socio-political
approach towards enhancement:
Are we witnessing a historical change from a performance society to an enhancement society with an inherent and infinit spiral
of enhancement? Does such a shift include increased self-exploitation and self-instrumentalization? (Grunwald, 2013: 201)
Grunwald doubts weather the purely individualistic approach to
liberal ethics would be able to tell and assess the full story of cognitive enhancement (Grunwald, 2013: 214) and therefore criticizes the manifesto position of Greely et al in their article in Nature
Towards responsible use of cognitive enhancing drugs by the
healthy (Greely et al., 2008: 705) as either nave, because they
ignore the fact that individuals are not free but subject to pressure
and external forces (Grunwald, 2013: 214) or that these kind of
statements are merely ideological() because they intentionally
ignore those pressures and forces (Grunwald, 2013: 204).
*
What if deviation from the norm in the sense of a strive for perfection becomes normative for society itself?
*
Do we actually need to improve human performance to reach
out for a better human social or individual living being? Hermnio Martins as well questions in his book Experimentum Humanum (2011) the tendency of ontological transformation seen as
necessary in posthumanist proposals by radical enhancement
thinkers (such as Kurzweil, 200518 or Nick Bostrom, 2008 among
others) in its deficient and eccentric condition, eradicating deficiency from a deficient being is at least extremely paradoxical
as Hermnio Martins in an interview of the Portuguese magazine
Nada lucidly remarks:
A questo do progresso atravs da cincia coloca-se em termos
muito diferentes. No passado, a cincia avanava, depois a tcnica avanava e depois a economia avanava e depois o progresso
social avanava, numa sequncia lgica, harmoniosa, relativamente harmoniosa, um modelo de perfeio. Mas agora tudo se
recoloca. E nas cincias da vida no se postula o bem para o homem, o bem para a sociedade, mas postula-se a transformao
da condio humana, das estruturas ontolgicas do ser humano.
J no se colocam questes de como satisfazer as carncias humanas mas de como transformar o ser que tem carncias. Transformar a carencialidade do humano, de facto extremamente
paradoxal (). (Martins, s.d.)19
If we should actually or soon enough live in a time where- as
Igmar Persson and Julian Savulescu put it the solutions of the
mega problems of today, if there is one, lies () in moral enhancement of the citizens in democracies (Persson/ Savulescu,
2012) this would mean we would live in deviant times with certain deviant lives -especially work-lives- in which some are being
claimed successful while others are seen as average or normal, but where essentially the postulates holds that average is
over (Cowen, 2013).
For Cowen the future of mankind in an economic perspective
looks like the following:
There are more rich people and more poor people in our country
than ever before. That widening gap means dealing with one big,
115
116
stands wide open and leads according to Sloterdijk- over an easily accessible bridge that is the exercising life.
As an ethical human being he characterizes him as the Homo repetitivus and the homo artista or in general the human being
in training [den Menschen im Training] (Sloterdijk, 2009: 2425). This human being in training project of Sloterdijk in which
this human being in training operates on his thought and at the
same time lets itself be operated on, is an anthropologically broadly funded concept of exercise with which -according to Sloterdijk- we get an instrument at hand to bridge the methodologically
supposedly impossible to be overcome gap between biological
and cultural phenomena of immunity, that is between a) natural
processes and b) actions (Sloterdijk 2009, 24).
This in-between-zone between natural processes and culturally/
symbolically influenced performative and productive actions
forms a region- as Sloterdijk makes explicit- that is rich in forms,
as well as it shows itself in between stability and variability and
can be described by the conventional concepts for now of education, practice, habit, habit formation, training and exercise (cf. Sloterdijk, 2009: 25). In this in-between-zone deviation as
enhancement can be seen as augmentation of habitual abilities
under the permanent tension of promotion. Deviation in the sense of self-development creates -as if out of its own- augmented
ability (cf. Sloterdijk, 2009: 503) in the sense of necessary change
and thus becomes an inherent motor of exercise, excellence,
growth and learning.
References
Agar, N. (2009), Humanitys End. Why we should reject Radical Enhancement,
Cambridge Mass, MIT Press.
Bergman, M. (2012) Improving Our Habits: Peirce and Meliorism, in C. de
Waal, K.P. Skowronski (eds.). The Normative Thought of Charles S. Peirce, Oxford, Oxford University Press, 125-148.
Bostrom, N. (2008), Letter from Utopia, Studies in Ethics, Law, and Technology, Vol. 2/1, 1-7.
117
118
119
120
121
122
123
Abstract:
In 1980 Angra do Herosmo, a Portuguese medieval new town in
the Azorean Terceira island dating back to the last quarter of the
Sixteen century, was almost entirely destroyed by a violent earthquake. About 80% of its buildings fell to the ground and the
ones remaining were badly damaged. The death toll stood at 51,
although initially there were fears of many more fatalities.
A strong dynamic emerged from this tragedy. Powered by the resilience of the population and by a well-informed regional government, a rebuilding strategy was rapidly imposed. Within four
years, and after three UNESCO missions to the island, Angra managed to get the classification of World Heritage, the first urban
area in Portugal to achieve that status. In order to regulate the
town reconstruction, new and innovative legislation was introduced, and a new municipal department created, charged with
the supervision of the project.
These extraordinary circumstances also led to new approaches
regarding Angras urban history. In part to support the UNESCO
candidacy, new studies started to emerge, some authored by architects, others conducted by historians or geographers, but all
of them emphasizing the exceptional character of Angras urban
plan - one of the first to be established by the Portuguese in its
overseas -, and the need to restore its fabric and its buildings.
To this, one must add the strong sense of collective memory that
was vital to rebuilding the town as it was. In fact, one of the
124
most remarkable aspects of this strategy was how, for the first
time in Azorean history, there was no population exodus after a
large catastrophe.
30 years have passed since Angras World Heritage classification
and reconstruction. The aim of this paper is to critically reappraise that process.
Resumo:
Passados 30 anos sobre a classificao de Angra (Terceira Aores) como Patrimnio Mundial da Humanidade e 33 sobre o sismo que praticamente a fez desaparecer, vale a pena aproveitar a
oportunidade para numa perspetiva construtiva, revisitar alguns
dos problemas (desvios?) associados ao processo de reedificao
e classificao da cidade, bem como ao processo contnuo de manuteno e salvaguarda.
So obviamente muitas as temticas associadas a tais processos
e de natureza disciplinar diversa. No podendo abranger toda a
questo, esta comunicao prope debater a relao entre a histria urbana, a urbanstica e o urbanismo como valores patrimoniais, bem como a vantagem de aprofundar o seu conhecimento
para de modo o melhor informado possvel se atuar na preservao sustentvel deste bem patrimonial na atualidade.
Em Angra a dimenso destes problemas tem sido de algum modo
empolada (e por vezes salvaguardada) pela classificao como
Patrimnio Mundial. Aps anos de tendncia para a mimetizao como estratgia, que no obstante todas os defeitos garantiu,
aliada a uma enorme escassez de meios materiais, a manuteno da escala urbana, limitando a densificao desgovernada,
passou-se, nos ltimos 15 anos para uma interveno errtica,
embalada pelo vai e vem de fundos comunitrios e pelas modas
do planeamento e da arquitetura, sendo difcil prever as consequncias para o futuro.
pois necessrio, mais do que nunca, distinguir o que verdadeiramente merece ser valorizado em Angra e para tal integrar
no mesmo discurso a sua histria urbana, a sua morfognese e o
125
1. Um conjunto extenso
de dados pode tambm
ser consultado disperso
pelas atas da VI semana
de estudos dos Instituto
Aoriano de Cultura,
intitulada: Problemtica
da Reconstruo Sismo
de 1 de Janeiro de
1980, 2 vols., Instituto
Aoriano de Cultura,
Angra do Herosmo,
1983.
126
2. A documentao
relativa ao processo
de classificao est
disponvel e ordenada
cronologicamente em:
whc.unesco.org/en/
list/206/documents
3. Advisory Body
Evaluation in whc.
unesco.org/en/list/206/
documents
127
4. Veja-se: Rossa/
Trindade (2006).
Artigo reenquadrando
com nova amplitude
na tese de Trindade
(2009) Urbanismo
na composio de
Portugal, Dissertao
de doutoramento
na rea de Histria,
especialidade de Histria
da Arte, Coimbra,
FLUC, 2009 com o
ttulo a construo
do conhecimento
da cidade medieval
portuguesa, tese
entretanto publicada em
2012, Veja-se tambm
a listagem bibliogrfica
reunida e comentada
por Teixeira (2008).
Enquanto conceito
cidade portuguesa
foi entretanto revisto,
depois de em 2005
Walter Rossa ter
reformulado a questo
apresentando o tema
na perspetiva da
construo do conceito,
com A construo da
cidade portuguesa,
(cf Rossa, 2002:
193-359) que trouxe a
debate nas provas de
agregao o tema da
cadeira leccionada ao
curso de doutoramento
Patrimnios de Influncia
Portuguesa dedicada ao
tema a desconstruo
da cidade portuguesa.
Walter ROSSA,
Relatrio da disciplina:
Construo da Cidade
Portuguesa (); Walter
Rossa, desconstruo
da cidade portuguesa:
urbanizao e conceito,
unidade curricular do 4
semestre do Programa
de Doutoramento
128
Patrimnios de Influncia
Portuguesa, Coimbra,
Centro de Estudos
Sociais e Universidade
de Coimbra, 2012.
(policopiado). A
expresso cidade
portuguesa foi utilizada
pela primeira vez por
Jos Manuel Fernandes
(1987: 79-112), contudo
de forma mais dirigida
ao enquadramento
geogrfico, como bem
expressa o ttulo.
5. Sobre este assunto,
ainda que sem
incluir a importncia
historiogrfica agora
atribuda aos relatrios
UNESCO veja-se:
Antonieta Reis Leite,
Aores Cidade de
Territrio. Quatro vilas
estruturantes, Tese
de doutoramento na
rea de Arquitetura,
especialidade de Teoria e
Histria da Arquitetura,
Coimbra, Faculdade de
Cincias e Tecnologia
da Universidade
de Coimbra, 2012
(policopiado).
6. Advisory Body
Evaluation in whc.
unesco.org/en/list/206/
documents
7. Efetivamente a partir
dos anos 80 do sculo
passado observa-se
uma dinamizao
historiogrfica a que no
ser alheia a criao,
na dcada anterior, da
Universidade dos Aores
e da Secretaria Regional
de Educao e Cultura
no contexto da fundao
do regime autonmico
O facto que Angra se tornou um objeto de estudo mais apetecvel aps a candidatura a patrimnio mundial e no so poucos
os trabalhos que integrados em obras de carcter mais abrangente sobre a urbanstica e o urbanismo portugueses, ou exclusivamente referentes cidade dedicam pginas anunciada originalidade do plano angrense.7
Fig. 1 Jacques Nicolas BELLIN (1764), Porte et ville dAngra dans Lisle Terceira
[Coleo Particular]
comum ler-se que Angra se estrutura num desenho renascentista, ou at que Angra o primeiro plano urbano renascentista
portugus, admitindo a generalidade das interpretaes que o
seu traado parte do cruzamento de dois eixos principais, Rua da
S e Rua Direita, sobre o qual se implantaria desde o incio uma
praa central. A ortogonalidade do plano dever-se-ia sucesso
de ruas traadas a partir desses eixos. (Fernandes, 1989; 2008 e
Teixeira, 2001)
Em grande medida esta leitura sobre o espao urbano de Angra
assenta na observao do mais antigo retrato que se conhece da
cidade, a carta de Linschoten, datada da ltima dcada do sculo
XVI. Mas segundo se entende da documentao disponibilizada
Fig. 2 Excerto de: Jan Huygen van LINSCHOTEN (1596) A Cidade de Angra na
Ilha de Iesu Xpo da Terceira Que Esta em 30 Graos [ PT-TT-CRT-196]
129
e do I Governo Regional
dos Aores, donde
nasceu, nomeadamente,
uma profcua poltica
editorial.
130
131
8. Sobre os programas
urbansticos de fundao
de cidade na Idade
Mdia consulte-se a obra
de Lusa Trindade supra
citada.
132
Fig. 3 O edficio da Cmara e a Praa de Angra, depois de 1610 e antes das obras
oitocentistas, em Postal da Loja do Buraco (1849) [Coleo Particular]
133
134
Fig. 3 Vista sobre a marina e hotel ainda em construo [A. Reis Leite 2011]
Fig. 4 Imagem area assinalando o lote de implantao do edifcio da nova biblioteca [tratamento de imagem area de A. Reis Leite 2014]
Serve este conjunto de reflexes para em torno do tema da evoluo morfolgica de Angra, em torno da questo da salvaguarda
do patrimnio e de um conjunto sugestivo de imagens histricas
e atuais debater temas concretos que merecem ser trazidos luz
e crtica, nomeadamente:
Como se espera que o plano de Angra se comporte hoje e no futuro?
Que mecanismos (de salvaguarda) existem para controle dos mpetos polticos e/ou sociais permanentes? Para que servem esses
mecanismos? E quem os deve gerir?
a arquitetura de autor compatvel com a salvaguarda do plano consolidado, coerente e classificado de Angra?
Em sntese que comportamentos desviantes podem ser autorizados, tendo sempre presente que sobre a cidade contempornea
que se trabalha (pois o territrio de hoje foi tambm o de ontem)
mas que tambm para ela e para o seu futuro que pode operativamente contribuir a investigao no sentido de efetivamente
se conhecer o objeto, para melhor informar futuras intervenes
e decises sobre o patrimnio urbanstico que herdmos, escolhendo que desvios devem ser permitidos e de quais se pode e
deve avisadamente abdicar.
Bibliografia
Fernandes, Jos Manuel (1987), O Lugar da Cidade Portuguesa, Povos e Culturas - A Cidade em Portugal : Onde se Vive, Lisboa, Centro de Estudos dos
Povos e Culturas de Expresso Portuguesa - Universidade Catlica Portuguesa,
no2, pp. 79-112.
Fernandes, Jos Manuel (1989), Angra do Herosmo, Lisboa, Editorial Presena.
Fernandes, Jos Manuel (2008), Angra do Herosmo. Aspectos urbano-arquitectnicos, Angra do Herosmo, Instituto Aoriano de Cultura.
Leite, Antonieta Reis (2012), Aores Cidade de Territrio. Quatro vilas estruturantes, Tese de doutoramento na rea de Arquitetura, especialidade de Teoria
e Histria da Arquitetura, Coimbra, Faculdade de Cincias e Tecnologia da Universidade de Coimbra, (policopiado)
Oliveira, Carlos Sousa, Arcindo Luca, J.H. Correia, Guedes (1992),10 Anos
Aps o Sismo dos Aores de 1 de Janeiro de 1980, 2 vols, Secretaria Regional da
136
138
Resumo:
A realidade do cinema interfere com a nossa percepo do real,
e constri uma realidade prpria que pretende dar continuidade
ao nosso tempo e ao nosso espao, instrumentos da nossa percepo do real. Mas na verdade o cinema desvia-nos para um
outro tempo e um outro espao. Qualquer imagem filmada est
condenada a ser um desvio do real, uma fico. Mas essa imagem
tambm sempre uma revelao do real e uma realidade em si,
infinitamente desdobrvel.
Palavras-Chave: Imagem, Cinema, Real, Fico, Desvio
Abstract:
The reality of cinema interferes with our perception of the real,
and builds up its own reality that pretends to give continuity to
our time and our space, instruments of our perception of the
real. But actually cinema detours us to another time and another
space. Every filmed image is doomed to be a shift of the real, a
fiction. But in fact it is always also a revelation of the real and a
reality in itself, endlessly unfoldable.
Keywords: Image, Cinema, Real, Fiction, Detour
(...)
Somewhere ages and ages hence:
Two roads diverged in a wood, and I
I took the one less traveled by,
And that has made all the difference.
The Road Not Taken, Robert Frost (1916)
139
140
Entendendo a imagem no como uma entidade puramente visual mas como o que est entre o mundo real e a nossa percepo, a imagem cinematogrfica constituda intrinsecamente
por representaes documentais e por representaes ficcionais
de forma indissocivel.
A distino habitual entre filmes documentrios e filmes de fico
releva de condicionantes histricas em relao a intenes primordiais e a modelos de produo que geram ainda hoje inmeros equvocos. Habitumo-nos a dividir os filmes entre documentrios e fices para designar ou distinguir gneros que so
eminentemente hbridos. As definies que tentam determinar
um e outro gnero no so consensuais, e os limites que os circunscrevem no so definitivos nem incontornveis. O documentrio e a fico so, em cinema, o verso e o reverso do mesmo, conferindo-lhe identidade e personalidade.
Por verso e reverso no se entende aqui pares antagnicos, nem
mesmo complementares. Verso e reverso so intrinsecamente
o mesmo no sendo possvel entender um sem o outro. Verso e
reverso fazem ontologicamente parte de forma indissocivel, e
por isso que no podem ser entendidos como um par complementar: o verso pura e simplesmente no existe sem reverso e
vice-versa. Como num caleidociclo1, no h direito e avesso, frente e trs, nem princpio e fim. Ambos, se definem infinitamente
como parte complementar do outro mas tambm como o limite
141
1. Um caleidociclo um
crculo tridimensional
de tetraedros, numa
cadeia simtrica e
flexvel em que se
articulam arestas que
servem como charneiras
para girar o crculo
continuamente pelo
seu centro. Com cada
rotao a forma muda
de aparncia at voltar
forma inicial, ento o
ciclo de transformao
pode comear de novo.
O nome vem do grego
Klos (belo) + edos
(forma/essncia) +
kklos (ciclo).
2. O contraponto
audiovisual um
conceito fundador nas
teorias de montagem
de Eisenstein, que
corresponde
combinao simultnea
entre imagens e sons
unidos por harmonias
e motivos comuns mas
tambm por tenses
contrastantes.
O contraste do
contraponto mais
uma vez um desvio,
operado pela montagem,
entre imagem e som.
142
pendurado numa parede?(...) Formas que parecem ideias. Consider-las verdadeiras ideias. (...) O real quando chega mente j
no real. O nosso olho demasiado pensativo, demasiado inteligente (...) O verdadeiro inimitvel, o falso intransformvel.
(Bresson, 1975)
Considerando que o cinema um fenmeno idealista e que a
ideia que o homem faz dele j existia completamente estruturada
no crebro, como no cu platnico como afirma Andr Bazin, a
ambio da imagem cinematogrfica sempre foi a de uma representao total e integral da realidade, que restitusse uma completa iluso do mundo exterior, uma aproximao realstica do
movimento da vida, que este autor identificou como o mito do
cinema total (Bazin, 1992: 23).
O mito director da inveno do cinema pois o daquele que domina
todas as tcnicas da reproduo mecnica da realidade que apareceram no sculo XIX, desde a fotografia ao fongrafo. o do realismo integral, a recriao do mundo sua imagem, uma imagem na
qual no era ponderada a hiptese da liberdade de interpretao
do artista nem a irreversibilidade do tempo. Se o cinema ao nascer
no teve logo todas as virtudes do cinema total do futuro, foi contra vontade sua e somente porque as suas fadas eram tecnicamente
incapazes de lhas conceder, no obstante os seus desejos. (...) Todos
os aperfeioamentos que o cinema alcana s o aproximam assim
paradoxalmente das suas origens. O cinema ainda no est inventado! (Bazin, 1992: 28)
Realidade e fico so muitas vezes consideradas opostas, identificando-se a primeira com o factual, verdadeiro, fenomenolgico
e a segunda com o imaginrio, falso, virtual. O termo documentrio usado para reivindicar narrativas factuais e o termo fico aplicado geralmente para designar narrativas imaginrias.
Neste contexto, interessa-nos particularmente o territrio onde a
imagem assumidamente documental, que procura aproximar-se
transparentemente da verdade factual tende para a ficcional e
a imagem ficcional tende a ser real ou a adquirir realidade, criando uma ambiguidade que toca por vezes o indecidvel.
De que tipo de verdade estamos a falar quando vemos uma imagem de registo documental e de registo ficcional? Onde acaba
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144
O simulacro implica um colapso entre as distines sobre os objectos representados e a representao em si mesma. No h diferena entre uma experincia de facto e a sua representao, ou
seja entre a verdade em si e a sua adaptao. Tal como para
simular uma doena necessrio contrair os seus sintomas reais
tambm as imagens contaminaram a verdade de tal modo que
esta deixou de se distinguir. O simulacro pois uma imagem sem
referente, que remete para si prpria instituindo uma relao ilusria com o real. A sua virtualidade intensifica-se incontrolavelmente regendo todas as ligaes possveis. As imagens abrangem
tudo construindo um novo ambiente hiper-real.
Quanto mais nos aproximamos da perfeio do simulacro (e isto
verdade para os objectos, mas igualmente para as figuras de arte ou
para os modelos de relaes sociais ou psicolgicas) mais aparece
evidncia (...) porque que todas as coisas escapam representao, escapam ao seu prprio duplo e sua semelhana. Em resumo,
no existe real. (ibidem, 135-136 ss.)
Esta abrangncia das imagens mais do que uma experincia de
imerso total, como procurava Wagner na obra de arte total ou
como suspeitava Plato ao descrever a caverna enquanto mundo
de projeces que substitui a percepo do mundo em si. Trata-se de um simulao que ao se estender realidade, se torna
tambm uma relao social entre as pessoas, em que os meios se
identificam com os fins, e portanto uma ideologia que se traduz materialmente nesse movimento de tudo ser imagem, tudo
ser alienao, como descreve Guy Debord na Sociedade do Espectculo. Trata-se tambm de uma utopia que se aproxima desse
mito do cinema total de Andr Bazin, uma iluso ou representao perfeita do mundo que o substitui.
O cinema aproxima-se cada vez mais, e com cada vez mais perfeio, do real absoluto, na sua banalidade, na sua veracidade, na
sua evidncia nua, no seu aborrecimento e, ao mesmo tempo, na
sua presuno, na sua pretenso de ser o real (...). Simultaneamente a esta coincidncia absoluta com o real, o cinema aproxima-se
tambm de uma coincidncia absoluta consigo prprio e isto no
contraditrio mesmo a definio de hiper-real. (Baudrillard,
idem, 64)
145
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147
148
Resumo
A reflexo sobre o tema do desvio necessita de uma abordagem
a um dos aspectos que o podem caracterizar, o aspecto trgico.
Desta forma, o artigo centra-se nos conceitos de trgico e tragdia. Para alm de assim podermos melhor compreender os temas
desvio e desvio trgico, este artigo pretende estabelecer uma relao entre estes temas e as heronas dos filmes de Joo Canijo:
Ganhar a Vida e Noite Escura.
Palavras-chave: desvio, trgico, tragdia, destino, Joo Canijo
Abstract
To think about deviation needs an approach to one of its possible
aspects, the tragic aspect. The article focuses on concepts such as
tragic and tragedy. To better understand the issues deviation and
tragic deviation, this article proposes to establish a relationship
between those issues and the heroines of Joo Canijos movies:
Ganhar a Vida and Noite Escura.
Keywords: deviation, tragic, tragedy, destiny, Joo Canijo
O estudo sobre a tragdia e o trgico no recente, mas a sua
influncia reflecte-se ainda no pensamento e no comportamento
do homem, nomeadamente a tragdia grega da poca clssica,
pois continua a ser uma fonte de inspirao para as pesquisas,
reflexes e prticas artsticas contemporneas, das quais destaco
o cinema. Embora a tragdia contribua para a construo de um
imaginrio cinematogrfico portugus, a adaptao e articulao
da tragdia contemporaneidade no realizada de forma literal, sobretudo por causa das grandes diferenas que separam a
antiga Grcia e a realidade portuguesa actual.
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Em traos gerais, o artigo tem como principais objectivos: aprofundar os conceitos desvio, trgico e tragdia; estabelecer uma
relao entre esses conceitos e os filmes do realizador Joo Canijo; relacionar a ideia do desvio trgico com os destinos das heronas [nomeadamente Cidlia em Ganhar a Vida (2000) e Snia
em Noite Escura (2004)]. Para tal, o estudo divide-se em quatro
partes principais: [a] Desvio entre a tragdia grega e a tragdia
contempornea; [b] Desvio entre a tragdia grega e os filmes de
Joo Canijo; [c] A revelao do trgico a partir da leitura dos filmes de Joo Canijo; [d] Desvio trgico das heronas Cidlia em
Ganhar a Vida (2000) e Snia em Noite Escura (2004)
Desvio entre a tragdia grega e a tragdia contempornea
No seu estudo Pensar o Trgico, Jos Pedro Serra chama a ateno para a dificuldade de se tentar definir os conceitos de tragdia e de trgico, por causa da enorme pluralidade de definies
que tm sido elaboradas em torno dos conceitos, ao longo dos
sculos. Na opinio do autor, aceitar a tragdia equivale aceitar
toda uma herana cultural repleta de propostas que procuram,
de alguma forma, delimitar o contorno da tragdia. Assim, na
sua investigao, o autor desvia-se da questo o que a tragdia ou o que o trgico da tragdia? para como se revela a tragdia? (Serra, 2006: 39ss.) O autor tambm salienta o carcter
flutuante da noo de tragdia que, ao ser utilizado nos mais
diversos contextos, conduz-nos () a concepes de tragdia
e de trgico completamente diferentes e at antagnicas entre
si. (ibid.,: 26ss.)
No entanto, autores como Eduardo Loureno insistem na tentativa de definio dos conceitos do trgico e da tragdia, chegando mesmo a contestar o facto de se confundir os conceitos e a
evidenciar as diferenas entre eles, ou seja, entre o ser e a sua
expresso:
O Trgico enquanto ser o que escapa compreenso, variabilidade humana, o domnio dos deuses, quer dizer, de outra-coisa-que-o-homem. Mas o Trgico enquanto apreendido,
expresso (e isto antes de tudo a Tragdia Grega) por natureza
des-tragificao. (Loureno, 1964)
151
152
inexistncia da tragdia depois de Shakespeare A tragdia absoluta muito rara. () No absolutamente trgico, o crime do
homem ser, existir. (Steiner apud Monteiro, 2010: 348ss.).
Em contrapartida, Rafael Argullol considera que Shakespeare
unicamente a ultima cena do primeiro acto da moderna tragdia
do Eu. (Uma tragdia em que o segundo acto o Romantismo e
em que o terceiro acto ou talvez o desenlace? representado
por Nietzsche, Kierkegaard, Kafka, Joyce, Beckett) (Argullol,
2009: 22ss.). com base nas perspectivas de alguns destes autores e na anlise de um corpus potico que Argullol prope um
mergulho ao mundo conceptual do romantismo pois considera
que () no mundo moderno o trgico-herico vai dando lugar
ao trgico-absurdo. (ibid.,: 272ss.) e que o pensamento romntico ao dar-se conta deste desvio, est na base do pensamento
trgico contemporneo. Entre os autores referenciados por Argullol, Nietzsche foi um dos que mais profundamente alicerou
essa tragdia do Eu. Segundo Argullol, o prprio Nietzsche encontra-se na charneira, no centro da contradio que caracteriza
o artista romntico.
Enquanto o heri clssico, e mais ainda o heri renascentista
-shakespeariano, se move em coordenadas ideias, fins, aces,
adversidades que fazem com que possa conciliar em si prprio
conciliao trgica o antagonismo entre o seu tenaz pathos
e o Destino, o heri romntico sente a disformidade do mundo
que o rodeia. Um mundo onde ideais, fins, situaes e, inclusive,
adversidades, no tm perfis definidos; um mundo onde o heri
no se sente guiado pelo apelo de uma vigorosa moral colectiva
nem impelido a grandes objectivos prometeicos. Em suma, um
mundo no qual o relativismo dos valores no s condena o heri
a uma solido sem rumo, como tambm o afasta de toda a possibilidade de conciliao trgica. O titanismo da razo romntica
contm precisamente a vontade de fazer frente a este relativismo, atravs da construo de uma identidade subjectiva que seja
o vigoroso fruto da contradio trgica. No podendo avaliar o
seu comportamento pelo procedimento moral de um mundo que
julga despojado dele, o romntico submete toda a escala de valores ao seu jogo individual de gozo e sofrimento. (ibid.,: 272-3ss.)
Neste sentido, Paulo Filipe Monteiro conclui
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Abstract:
Based on the concepts of potency and interruption, this text
draws a constellation in twenty notes - twenty bodies - an attempt to stage a political reading of the idea of deviation.
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Da contingncia
Catarina Patrcio Leito
Centro de Comunicao e Linguagens (CECL)
173
1. Argumento de Wilfrid
Sellars Philosophy and
the Scientific Image of
Man(1960), retirado do
primeiro captulo de Nihil
Unbound, Enlightenment
and Extinction (2007) de
Ray Brassier.
2. Entrever aqui j
a essencial escolha
metodolgica.
Falamos de Depois
da Finitude: ensaio
sobre a necessidade
da contingncia de
Quentin Meillassoux
(Aprs la Finitude: Essai
sur la Ncessit de la
Contingence, 2008).
174
Estabelea-se um mtodo de trabalho interdisciplinar que possa abarcar a contingencialidade que subjaz noo de desvio.
Partindo destas alegaes, o realismo especulativo de Quentin
Meillassoux, um ambicioso projecto que passa pela refundao
de toda a metafsica clssica, um caminho que tomamos por
bom. Somente atravs de uma filosofia da contingncia que
se poder obliterar da metafsica o gene do controlo que lhe
sintomtico. Sublinhe-se que, atravs deste enquadramento, traa-se um mtodo que procura pensar o que sempre extravasa o
pensamento e que est presente onde quer que o Homem esteja:
os desvios, quaisquer que sejam.
2.
Porque desdobrar o mundo em pensamento desde logo indicia a
tentao de apreender uma totalidade, investigar quanto noo
de desvio no se perfaria sem que se revelasse na sua violncia
ou utopia (Miranda, 2002: 20). depois de reconhecida essa impossibilidade que se entronca na contigencialidade3 prpria ao
desvio, enquanto desaprumo, derivao ou afastamento, e que
ser convertida em opo metodolgica para lhe aceder. Pretendemos com isso assimilar a proposta do Professor Jos Bragana
de Miranda, radicalizando-a:
[...] a prpria coisa que deve ditar as suas regras, que deve
orientar o pensamento e promover os mtodos a utilizar, as
categorias a inventar. E tudo o que est a, no arquivo geral a que
temos o hbito de chamar cultura, pode ser utilizado: da retrica
teoria poltica, da esttica histria. (Miranda, 2002: 21)
contra a ideia de um mtodo esttico, que o anarquismo epistemolgico de Paul Feyerabend se destaca. Em Contra o Mtodo
(Against Method: Outline of an Anarchistic Theory of Method,
1975), Feyerabend identifica uma tendncia para a mitificao
do mtodo cientfico4, uma inclinao acadmica que contraria.
O fsico alemo assevera como, nesta senda, at a etapa inicial
se revela problemtica. Desde logo que estabelecer um corpo de
hipteses uma restrio que procura o ajustamento a teorias j
enraizadas na cultura. Assim sai dogmatizado o conhecimento.
Deslaando o espartilhamento que contesta, sugere a aplicao
decontra-regras que anulem a tentao acadmica, a que chamou decondio de coerncia.Para Feyerabend, a cincia no
portadora de unicidade mas antes uma entidade entre as vrias
tradies de construo do pensamento sobre o real. que as
evidncias esto contaminadas.5
Com o anarquismo epistemolgico de Feyerabend, o conhecimento avana por contra-indues, isto , na procura de um
corpo de hipteses que possam mesmo contradizer teorias estabelecidas (Feyerabend, 1975: 37). Na sua argumentao aponta
para um forte exemplo firmado na histria: o desenvolvimento
da teoria copernicana por Galileu, que sobretudo desvela como a
cincia no d respostas eternas.
No livro Como a Verdade e a Realidade foram inventadas (Comment la vrit et la ralit furent inventes, 2009), Jorion procura
justamente o descentramento em relao a dois conceitos que se
apresentam constituintes da histria, da cincia e dos seus mtodos de anlise. Precisamente a noo de verdade e de realidade. O seu trabalho, organizado sob a forma de uma antropologia
dos saberes, postula que se tal acto inventivo foi esquecido,
porque tanto a verdade como a realidade6 constituem o ncleo
duro das nossas crenas (Jorion, 2009: 18). o desvio enquanto conceito que se revela til para descartar a carga ideolgica
que sempre acompanha noes como a verdade ou a realidade,
quaisquer que sejam. Feyerabend percebe bem como a cincia,
e at a antropologia, se revestem de ideologias. Por isso procura
um mtodo que possa trabalhar sem essa delimitao7.
Muito embora tenha empolado alguma polmica no mundo
acadmico e cientfico, essencialmente interessar sublinhar
que, quaisquer que sejam as escolhas metodolgicas que faamos, o mundo que desejamos explorar uma entidade
em grande parte desconhecida e deveremos conservar-nos
disponveis para as vrias opes que se vo apresentando
(Feyerabend, 1975: 22).
Partindo destas alegaes, ser o realismo especulativo de Quentin Meillassoux que dar consistncia epistemolgica acepo
de mtodo que tommos por trajecto8. Juntamente com Ray Brassier, Iain Hamilton Grant e Graham Harman, Quentin Meillas-
175
4. Em Teoria da Cultura
(2002), Bragana
de Miranda arrola
Feyerabend no para
negar o mtodo, mas
para enfraquece-lo:
Parece-nos, contudo,
que, mais que nega-lo,
ser preciso enfraquecer
a premncia com que
a atitude cientfica
o procura impor a
todas as dimenses
da experincia. A
tarefa essencial
minimizar o seu carcter
universal, que uma
resposta crise da
experincia ocorrida na
modernidade, resposta
essa que assenta numa
epistemologizao
dos discursos em crise
de fundamentos (ao
nvel tico, esttico,
religioso, etc.) Tal
enfraquecimento da
universalidade do
mtodo no implica,
contudo, a recusa de
tornar as nossas ideias
claras e distintas, mas
que torna obrigatria
uma mudana de
estratgia nas reflexes
relativas ao mtodo. Tal
mudana levar a uma
mudana conotativa
do prprio termo,
readquirindo a sua
acepo de caminho,
de trajecto. (Miranda,
2002: 49)
5. Como diz
Feyerabend: A teoria
v-se ameaada
porque a evidncia
contm sensaes
no analisadas, que
s parcialmente
correspondem a
processos externos, ou
176
porque apresentada
nos termos de
concepes antiquadas
ou porque avaliada
com base em elementos
auxiliares j no vlidos.
A teoria de Coprnico
enfrentou dificuldades
por todas essas razes.
(Feyerabend, 1975: 89)
6. O conceito de verdade
nasceu na Grcia com
Plato e Aristteles e o
conceito de realidade
nasceu na Europa do
sculo XVI.
7. Diz Feyerabend
que: Evans-Pritchard,
Lvi-Strauss e outros
reconheceram que
o Pensamento
Ocidental, longe de
ser um pico isolado
no desenvolvimento
da humanidade,
perturbado por
problemas que no
esto presentes em
outras ideologias mas
excluem a cincia da
relativizao das formas
de pensamento. Para eles,
a cincia uma estrutura
neutra, encerrando
conhecimento positivo,
que independente
de cultura, ideologia
ou preconceito.
(Feyerabend, 1975: 457)
8. E portanto mais
do que um mtodo,
procuramos dar corpo
acepo de mtodo
como um caminho
(Miranda, 2002: 49).
9. O meio da correlao
a linguagem
e conscincia
(Meillassoux, 2008).
177
178
(Meillassoux, 2008: 21-22). A ancestralidade10 assim o reconhecimento da existncia de um mundo que existiu para alm da
correlao ao eu que o pensa, uma acepo posta de parte pela
filosofia ps-kantiana. Porque a totalidade dos fenmenos e a
sua manifestao sempre transcende a percepo humana, uma
qualquer ocorrncia no universo, e at mesmo na Terra, pode no
ser necessariamente dada a ver. Da que possa no ser pensada,
registada, digerida. O que se agudiza perante acontecimentos
fossilizados que manifestam a anterioridade em relao ao eu
que os pensa. Ou posterioridade, como acontecimentos em curso
ainda sem manifestao perceptvel.
O arche-fossil impe-nos seguir a linearidade do pensamento e o
dever de descobrir aquilo que a filosofia moderna tem apresentado como uma impossibilidade em si mesma: sairmos de ns
prprios, atingir o em-si-mesmo da totalidade, mesmo que l
no estejamos dados (Meillassoux, 2008: 46). Comea-se assim a
entrever como a ancestralidade constitui um srio problema ontolgico, j que pensar a ancestralidade pensar um mundo sem
pensamento, isto , reflectir sobre o mundo sem estar dado no
mundo. E o mesmo acontecer quando se pensa o problema da
extino pois trata-se de um mundo que existe mas que no ter
ningum que o pense. todo um movimento de apreenso da relao essencial com o imperceptvel, impensvel e inconcebvel.
Tal movimento no se consuma por co-presenas, porque nos
excede em absoluto. Torna-se necessrio, portanto, cortar com
o requisito ontolgico dos modernos, de acordo com o qual ser
ser com correlato. A tarefa de Meillassoux consiste justamente
em tentar fazer expandir o pensamento ao incorrelacionado, isto
, em estabelecer uma nova relao com o mundo porquanto,
essencialmente, este subsistir sem que l estejamos dados. Em
suma, para o filsofo, a tarefa do materialismo especulativo consiste na tentativa de expandir o pensamento ao incorrelacionado.
Voltando ao cerne da crtica, o correlacionismo exprime-se pela
inseparabilidade do pensamento em relao ao contedo pensado, ou seja, tudo aquilo que pode ser arrolado tem de ser dado
ao pensamento. Na sua constituio, o materialismo especulativo, para o qual a realidade absoluta uma realidade sem pensamento, ter de afirmar que o pensamento no absolutamente
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Notas Biogrficas
Biographical notes
Rben Branco Doutorado em Economia pela Nova School of Business and Economics em 2013, com tese em Macroeconomia, Poltica Econmica e Economia
Poltica. Desempenhou, entre 2012 e 2013, funes de assistente de investigao na Catlica-Lisbon School of Business and Economics. Lecionou Economia
no curso de Cincia Poltica e Relaes Internacionais da Universidade Nova de
Lisboa e desenvolveu estgios de investigao na Universidade de Maryland
(E.U.A.) e no Banco de Portugal. Fez reviso cientfica para revistas acadmicas internacionais e copublicou no Boletim Econmico do Banco de Portugal.
Tem exposto o seu trabalho de investigao em conferncias e seminrios internacionais. Exerce atualmente a funo de Chefe de Gabinete do Secretrio
de Estado Adjunto do Vice Primeiro Ministro, Governo de Portugal. Exerceu
consultoria de gesto ao servio da McKinsey & Company entre 2005 e 2007.
Licenciou-se em Economia pela Universidade de Coimbra, em 2005.
PhD in Economics by Nova School of Business and Economics, 2013, with thesis
on Macroeconomics, Economic Policy and Political Economy. Research assistant
at Catlica-Lisbon School of Business and Economics, 2012-2013. Was responsible
for an Economics course in the Political Science and International Relations degree, at Universidade Nova de Lisboa, and developed research visits at University
of Maryland (U.S.A.) and Banco de Portugal. Has exposed his research work at
international conferences and seminars. Performed scientific review to international academic journals and co-published in the Banco de Portugal Economic
Bulletin. Rben is currently the Chief of Cabinet of the Secretary of State to the
Vice Prime Minister, Government of Portugal. Was management consultant at
McKinsey & Company, 2005-2007. Undergraduate Degree in Economics by University of Coimbra, 2005.
Diogo FernandesDiogo Fernandes actualmente aluno de doutoramento pela
FCSH/UNL em Estudos Portugueses, onde prepara uma tese sobre o conto de
autor enquanto gnero literrio. Terminou o mestrado em Estudos Portugueses
na mesma instituio, em 2012, com uma dissertao sobre o poeta Jos Agostinho Baptista. Foi bolseiro de investigao no Instituto de Estudos Medievais e
no Instituto de Estudos de Literatura Tradicional da FCSH/UNL, onde investiga
o esplio de Jos de Almada Negreiros e a propsito do qual co-comissariou o
Colquio Internacional Almada Negreiros 2013. Criou e co-leccionou,na FCSH,
em Julho de 2014, o curso de Vero Arte do Conto.
Diogo Fernandes is currently a PhD student at FCSH/UNL in Portuguese Studies,
where hes writting a thesis about short-story as a literary genre. He finished his
Masters in Portuguese Studies at the same institution, in 2012, with a dissertation
about the portuguese poet Jos Agostinho Baptista. He had a research fellow at
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Sexta, 30 Maio
Chegada dos Participantes: ser assegurado
transporte desde as estaes de Autocarros de Vila
Real.
18:00
Boas vindas, recepo dos participantes na Adegal
Introduo ao programa e ao Mateus DOC,
Antnio M. Cunha, Teresa Albuquerque, Jorge
Vasconcelos 10 min
Apresentao dos participantes 30 min
18:30
Prova de vinhos na Adega
19:30
Jantar no Lagar
21:00
Sesso de Abertura
Conferncia de abertura por Jean-Franois Chougnet
discussants : Alfredo Marvo Pereira, Artur Cristvo,
Eurico Figueiredo, Helena Sousa
193
Sbado, 31 Maio
Domingo, 1 Junho
8:30
Pequeno-Almoo no Lagar
8:30
Pequeno-Almoo no Barro
Sesso 1: Pensar
O lugar excecional do desvio cientfico nas redes do
conhecimento - Filipa Ribeiro
Sesso 4: Desvios ?
Histria, origem e desvios - Antonieta Leite