Urbanização, Globalização e Exclusão Social: Reflexões A Partir Do Caso Brasileiro
Urbanização, Globalização e Exclusão Social: Reflexões A Partir Do Caso Brasileiro
Urbanização, Globalização e Exclusão Social: Reflexões A Partir Do Caso Brasileiro
N 57
ISSN 1011-484X, julio-diciembre 2016
pp. 4367
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Ederson Nascimento. Urbanization, globalization and social exclusion: reflections from Brazilian case
ABSTRACT
This paper presents a historical and geographical analysis of the evolution of the urbanization
process in Brazil, focusing on its relations with globalization and the characteristics of the main
processes of social exclusion initiated during this process. The urbanization is understood from the
influences of the global economy, by the action of transnational corporations and the State, in the
acceleration of industrialization and of modernization of agriculture in the country, which fueled
the rural exodus and the territorial redistribution of the population. The correlation between technological innovations in productive sectors and the easing/casualization of labor market, maintenance
of old social structures and the fragility of public policies to promote citizenship, worsened the scenario of inequality and social exclusion, with its concentration in urban centers. It emphasizes the
importance of government action to promote policies that can reduce or even reverse the exclusion
of membership in the country.
Keywords: urbanization, social exclusion, globalized capitalism, socio-spatial inequality, public
policies of social inclusion.
RESUMEN
El artculo presenta un anlisis histrico y geogrfico de la evolucin del proceso de urbanizacin
en Brasil, centrndose en su relacin con la globalizacin y en las caractersticas de los procesos
ms importantes de exclusin social originados en l. La urbanizacin es asimilada a partir de las
influencias de la economa globalizada, a travs de la accin de las empresas transnacionales y del
Estado, de la aceleracin de la industrializacin y de la modernizacin agrcola en el pas, que ha
impulsado el xodo rural y la redistribucin territorial de la poblacin. La correlacin entre las
innovaciones tecnolgicas en los sectores productivos y la flexibilidad/precariedad del mercado de
trabajo, el mantenimiento de las estructuras sociales antiguas y la fragilidad de las polticas pblicas para promover la ciudadana, empeoraron la situacin de desigualdad y exclusin social, con su
concentracin en centros urbanos. Se destaca la importancia de la accin del Estado para promover
polticas que puedan reducir o incluso revertir el cuadro social de exclusin en el pas.
Palabras clave: urbanizacin; exclusin social; capitalismo globalizado; las desigualdades socioespaciales; polticas pblicas para la inclusin social.
Introduo
Em termos gerais, pode-se entender a excluso social como uma
dinmica que implica na impossibilidade, por parte dos elementos de uma
sociedade, de poderem partilhar em nvel de igualdade econmica, social, poltica e cultural. Trata-se de um processo social amplo e complexo,
relacionado a duas grandes dimenses intrincadas entre si em variados
nveis. De um lado, envolve um conjunto de privaes e carncias materiais de origem econmica e poltica, como o desemprego/subemprego,
a insuficincia de renda e a dificuldade de acesso a bens e servios que
possibilitam melhores condies de vida (educao, infraestrutura bsica,
servios como sade e transporte pblico, condies adequadas de moradia, entre outros) (Room, 1995; Levitas, 2006). De outro, procura avanar
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Entende-se a pobreza como uma situao relativa, que deve [...] ser relacionada com a medida absoluta
de um mnimo. [...] Pobres so os desprovidos da satisfao daquilo que se considera suas necessidades
bsicas (Singer, 2003, p. 61). O conceito de pobreza ser utilizado no presente como uma situao social,
algo que pode ser considerado transitrio, diferentemente de excluso, que remete a um processo social.
O conceito de excluso social um dos que teve maior difuso dentro das cincias sociais e humanas, diante
de preocupaes com o crescimento da pobreza e com a desestabilizao de vnculos coesivos do tecido
social, desencadeados por processos de reestruturao econmica e pela supresso de polticas sociais
de bem-estar no mbito da globalizao, especialmente em pases de capitalismo avanado. Na Amrica
Latina, e principalmente no Brasil, o uso do conceito se difundiu tambm em funo da exacerbao dos
problemas urbanos das metrpoles nos anos 1970 e com o aprofundamento da crise econmica dos anos
1980, que aumentou a desigualdade social e a pobreza (Vieira et al., 2010, p. 36). Vale ressalvar, contudo,
que o uso generalizado e, de certo modo, indiscriminado do conceito, empregado com vrios significados
para reunir pessoas e grupos que so deixados de lado pelo mercado de trabalho e/ou pelas polticas sociais,
deu origem a controvrsias quanto sua utilizao, suscitando, inclusive, a rejeio do termo excluso por
diversos estudiosos como, por exemplo, Castel (1997), Martins (1997 e 2002) e Demo (2002) em razo
das diferenas quanto sua interpretao e uso.
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Encerrando o trabalho, so apresentadas as consideraes finais, com destaque para os desafios a serem enfrentados com vistas promoo da incluso social no territrio nacional e, em particular, nas cidades.
A lgica da economia globalizada e a (re)produo da excluso social
Chamamos de globalizao o processo de intercmbio econmico, poltico, social e cultural, oriundo da internacionalizao das economias capitalistas. Dentre as principais caractersticas distintivas desse
processo, destacam-se a existncia de uma ampla integrao entre os
mercados financeiros mundiais, bem como um incremento expressivo
das trocas comerciais internacionais desencadeado principalmente no
interior dos grandes blocos econmicos, impulsionado pela eliminao
de barreiras protecionistas.
Costuma-se situar como incio da globalizao o final da dcada de
1960 e princpio da seguinte, quando se aprofunda a crise do rgido modelo fordista de acumulao. Nessa poca ganha fora um processo de
desindustrializao dos pases de capitalismo avanado. O cenrio econmico recessivo e incerto acarretava grandes flutuaes de demanda e das
margens de lucros, situao que incentivou as empresas transnacionais a
reorganizar e racionalizar suas estruturas produtivas, visando aumentar a
eficincia na produo e elevar a velocidade de giro do capital, bem como
reduzir as deseconomias provenientes de custos com tributaes e, principalmente, com mo-de-obra (Harvey, 1992).
De acordo com Singer (2003), o desenvolvimento de novas tecnologias, em especial voltadas automao de servios e produo, armazenamento e transmisso de informaes (como a computao e as redes),
permitiu a descentralizao do processo produtivo em etapas realizadas
em locais diversos do globo, pois certos ganhos de escala foram eliminados pelo novo padro tecnolgico. Este ampliou as possibilidades de
gerenciamento e controle da produo a partir de pontos diversos do planeta e a grandes distncias das unidades produtivas, em razo da rapidez e
eficincia cada vez maiores para a transmisso de informaes, decises e
ordens. O padro tecnolgico estabelecido no final do sculo XX possibilita, enfim, que decises de natureza operacional e gerencial um exemplo
tpico so os fluxos financeiros passam a ter impactos quase instantneos (Dupas, 2001, p.16).
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Alm disso, a busca por localizaes que oferecessem mais vantagens comparativas como ampla disponibilidade de matrias primas,
vasto mercado consumidor, legislaes trabalhista flexvel e ambiental
pouco restritiva e, fundamentalmente, fora de trabalho barata e relativamente qualificada , motivou a transferncia e/ou instalao de setores
de produo para localidades fora dos pases sede das grandes empresas,
inclusive, em alguns casos, para pases da periferia capitalista. O resultado
disso foi o fortalecimento das empresas transnacionais e de seu poderio
econmico e poltico. Para Santos (2000), essas empresas assumem o comando da produo de uma mais-valia universal, a qual se constitui na
principal fora matriz da vida econmico-social na atualidade. O comando
dessa produo universal confere a essas corporaes um grande poder de
barganha vis--vis os Estados, exercendo grande influncia sobre o direcionamento de polticas, bem como afetando enormemente a organizao
espacial e a estruturao do mercado de trabalho dos locais onde atuam,
alm de condicionar ou mesmo subjugar sua lgica agentes econmicos
locais de menor expresso.
As grandes corporaes contemporneas apresentam estruturas
fragmentadas, nas quais as diversas etapas do processo de produo, como
j se adiantou, so instaladas de maneira dispersa em diferentes pases, por
meio de filiais de fornecedores ou subcontratados. Desse modo, obtm um
produto final composto de partes desenvolvidas em inmeras naes, usufruindo ao mximo das vantagens comparativas oferecidas de cada uma.
Se por um lado essa estrutura propicia ganhos mais elevados s empresas
que dela usufruem, por outro aumenta a necessidade de escalas maiores de
atuao, acirrando a competio entre as diferentes corporaes de cada
setor, assim como a tendncia concentrao do poder de mercado nas
mos de poucos atores dinmicos. Essa a regra do capitalismo globalizado contemporneo: poucos grandes grupos por setor operando em nvel
global e buscando a diminuio dos custos de seus fatores de produo
(Dupas, 2001, p. 43).
Tal fragmentao uma tendncia que prossegue at os dias atuais. A
feroz competio do mercado global tem continuamente coagido as grandes empresas verticalmente integradas a se desintegrarem, desvinculando-se de atividades complementares que exerciam e servios no essenciais,
para contrat-los a menor custo no mercado concorrencial (terceirizao).
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O mais grave que este nem sempre contrabalanado pela dinmica de criao de novas profisses e tampouco por uma eventual ampliao de postos de trabalho em outros setores produtivos, pois como afirma
Santos (2000), os sistemas tcnicos atuais, orientados para a produo de
informaes, tendem a se disseminar para quase todos os segmentos da
economia. Mesmo considerando que os ganhos de produtividade permitam baratear mercadorias, expandindo o seu consumo e gerando, a partir
disso, novos empregos, Singer (2003) acredita que o montante de postos de trabalho tende a diminuir, pois tal consumo dificilmente cresce na
mesma proporo em que cai a utilizao de trabalho em sua confeco.
Soma-se a isto o fato de que os novos postos de trabalho criados a partir
das reestruturaes tecnolgicas e da diviso internacional do trabalho, na
maioria das vezes no oferecem ao seu eventual ocupante as mesmas compensaes que a legislao e os contratos coletivos vinham assegurando. E
parcela significativa daqueles so ocupaes por conta prpria reais ou
somente informais.
Diante de tal cenrio, verifica-se tanto a excluso de uma crescente
massa de trabalhadores do gozo de seus direitos legais como a consolidao de um pondervel exrcito de reserva (Singer, 2003, p. 29). Este tem
ainda suas condies agravadas, pois a durao do tempo de desemprego
tem se prolongado em escala global, minimizando a proporo de desempregados auxiliados pelo seguro-desemprego e aumentando a quantidade
de pessoas atingidas pela excluso social em razo da crescente deteriorao de suas condies de vida. A contrapartida disso, por outro lado, atua
no sentido de aprofundar a desigualdade social, atravs da concentrao
da renda a favor dos diretores ou trabalhadores estveis do ncleo primrio
das grandes empresas, dos investidores e especuladores.
justamente por esta razo que se poder afirmar, em concordncia
com Dupas (2001, p.16), que as alteraes provindas da lgica global de
produo capitalista
[...] invadem tambm a esfera individual ao modificar valores e padres h
muito sedimentados, estando a uma das principais razes do sentimento de
insegurana que comea a se generalizar e que est subjacente preocupao com a excluso social, fortemente ligado s mudanas acarretadas no
mercado de trabalho.
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urbanizao dependente engendrada no pas no contexto do sistema capitalista (semi)perifrico. O modelo de desenvolvimento econmico excludente
refletiu-se no meio urbano, produzindo espaos socialmente desiguais e segregados, com a manuteno de grandes parcelas da populao excludas do
processo de integrao econmica e social. At mesmo nas cidades mais ricas.
Em termos gerais, a urbanizao se processou no Brasil especialmente na segunda metade do sculo XX, impulsionada pelo crescimento
de seu setor industrial e pela dinmica de modernizao de setores produtivos, tanto no campo como no meio urbano. A partir da dcada de
1950 instaura-se progressivamente no Brasil um slido processo de industrializao, favorecido por incentivos de natureza estatal, bem como
por melhorias empreendidas nos sistemas de transporte, especialmente o
rodovirio, o que possibilitou uma indita comunicao das vrias regies
do pas entre si. A esses fatores, seguiu-se nos anos 1970 uma revoluo
tcnico-cientfica e a chegada dos satlites brasileiros. Neste contexto, os
processos de modernizao produtiva do pas ganham impulso crescente, favorecidos ainda por uma ideologia de racionalidade e modernizao
a qualquer custo, que ultrapassa o domnio industrial, impe-se ao setor
pblico e invade reas at ento no tocadas ou atingidas apenas indiretamente (Santos e Silveira, 2001).
O avano da industrializao e a modernizao dos servios tornaram a estrutura produtiva do pas mais dinmica, complexa e diversificada, concorrendo para a expanso e diferenciao do mercado de trabalho,
bem como das classes e da estrutura social (Carvalho, 2006). A maior
parte dos investimentos foi concentrada nas regies Sul e Sudeste, com
destaque para o estado de So Paulo, aproveitando-se da infraestrutura
de transportes e comunicaes j implantada, da base industrial existente
e das dimenses de seu mercado consumidor. Nesse processo, os centros
urbanos de maior porte, como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba,
Porto Alegre e, principalmente, So Paulo, ampliaram sua centralidade
ao receber grandes empresas nacionais e multinacionais (Santos e Silveira, 2001). Isto, segundo Carvalho (2006, p.7), estimulou o crescimento das atividades tercirias e da riqueza local, atraindo grandes levas
de migrantes para essas cidades, as quais terminaram por assumir uma
configurao metropolitana (com a conurbao de vrios municpios) e
por concentrar uma proporo bastante elevada da produo, da riqueza
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e da populao nacional. Entretanto, mesmo nestas regies mais beneficiadas economicamente, o regime poltico autoritrio instaurado no
pas (de 1964 a 1985) impedia uma distribuio menos injusta dos ganhos com a expanso econmica, principalmente por meio da represso
a organizaes sindicais e a movimentos de entidades civis organizadas,
como bem destaca Martins (2002, p. 34):
O desencontro entre o desenvolvimento econmico e o desenvolvimento social no tinha condies de propor um desenvolvimento autnomo,
orientado para dentro. Por isso mesmo, o descompasso sugeria que a
iniquidade prpria do modelo globalizado de desenvolvimento econmico, nos pases pobres, s seria vivel por meio de um sistema poltico
repressivo, que cerceasse as liberdades civis e contivesse o protesto social
[...]. No caso brasileiro, como de resto em outros casos latino-americanos,
a ditadura deu certo no que a isso se refere. Em poucos anos, foi intensificado o processo de acumulao do capital para ajustar o pas economia
globalizada e dinmica de um novo liberalismo econmico de implicaes sociais e polticas amplas: as relaes sociais e polticas foram completamente submetidas mediao do mercado e ao seu poder regulador.
Em pouco tempo, para sustentar uma famlia foi preciso transformar mais
um de seus membros em trabalhador. [...] Essa ampla desvalorizao do
trabalho foi o meio de tornar o Brasil competitivo em face de economias
mais modernas, desenvolvidas e tecnificadas. Foi tambm o meio de desencadear mecanismos de mercado como reguladores do protesto social.
Portanto, um conjunto de fatores econmicos e polticos engendrou a metamorfose de parte da classe trabalhadora em excludos.
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A modernizao capitalista atingiu tambm diversas reas agrcolas, muitas das quais produtoras de culturas tradicionais e empregadoras
de vasta mo-de-obra. Tal processo promoveu uma maior integrao das
atividades agropecurias com a indstria, porm, custa de sensveis alteraes na pauta dos produtos agrcolas e de um aumento dos custos de
produo, tornando-a invivel para os pequenos produtores (Oliveira,
1996). A estrutura fundiria arcaica e concentrada do pas torna-se ainda
mais seletiva, repelindo vastos contingentes de populaes pobres das reas rurais em direo aos centros urbanos de grande e (mais recentemente)
mdio porte.
Essa dinmica deu origem ao que se pode chamar de urbanizao
da pobreza, haja vista que parte considervel dos migrantes que fugia da
pobreza rural, passa a encontrar e a reproduzir uma pobreza de nova qualidade nos seus lugares de destino (Silveira, 2006, p. 152). O avano dessa urbanizao da pobreza transcorreu acompanhado de mo-de-obra de
baixa qualificao, vagando pelas cidades mais industrializadas (Campos
et al., 2003). Mas alm de o desenvolvimento da indstria propiciar, comparativamente com a demanda necessria, a criao de um nmero insuficiente de postos de trabalho, o setor tercirio associa formas modernas a
formas primitivas que remuneram mal e no garantem a ocupao (Santos, 1993, p.10). Assim, o descompasso entre a oferta de mo-de-obra e a
oferta de empregos, bem como a qualificao insuficiente dessa fora de
trabalho migrante, contriburam para a ampliao da pobreza nas cidades.
Alm dos novos pobres emigrados do campo, a excluso atingiu
amide outras categorias da populao, at ento preservadas dessa situao. Segundo Singer, na dcada de 1970, poca do chamado Milagre
Econmico Brasileiro5, a globalizao chegou a ser o principal propulsor
da incluso social. Neste perodo, o pas, voltado para a economia internacional, tornou-se exportador de produtos manufaturados para empresas transnacionais procura de mo-de-obra de baixo custo. Nas cidades
mais industrializadas, aqueles que tinham capital humano procurado pelo
mercado tiveram oportunidade de conquistar bons empregos e gozar de
um padro de vida muito melhor (Singer, 2003, p. 82). Mas esta situao
5
Perodo compreendido entre 1968 e 1973, no qual a economia brasileira logrou elevados nveis de expanso,
com crescimento mdio do produto interno bruto acima de 10% ao ano e inflao anual variando de 15% a 20%.
A expanso econmica da poca foi impulsionada principalmente pela emergente indstria automobilstica e
pela participao do Estado, atravs da implantao de grandes empreendimentos de infraestrutura.
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Em 2010 a populao total do Brasil recenseada foi de 169.799.170 habitantes, sendo a populao urbana
de 160.879.708, o que corresponde a uma taxa de urbanizao de 84,35%.
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O Atlas da Excluso Social no Brasil uma pesquisa sobre a excluso social nos municpios brasileiros,
realizada por pesquisadores de trs universidades brasileiras (Unicamp, USP e PUC/SP), cujos resultados so
apresentados numa coletnea de publicaes. Neste estudo, foi construdo um ndice de excluso social para
cada municpio, a partir da correlao de variveis estatsticas referentes pobreza, percentual de populao
jovem, alfabetizao, escolaridade, emprego formal, violncia e desigualdade. semelhana do ndice de
Desenvolvimento Humano (IDH), a escala do ndice de excluso social varia de 0 a 1, com a condio social
melhorando com o aumento do indicador (ver Campos et al., 2003 e Guerra, Pochmann e Silva, 2015).
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Por sua vez, a nova excluso social remete, para os autores supracitados, manifestao de [novas] categorias de desigualdade. [...] Essa
nova excluso atinge segmentos sociais antes relativamente preservados
do processo de excluso social (p. 32 e 49). At meados dos anos 2000,
estas novas manifestaes de excluso se ampliaram nas localidades socioeconomicamente mais avanadas do pas em especial, os estados das
regies Sul e Sudeste, alm do Distrito Federal (Cf. Figura 1) , materializadas por meio do isolamento juvenil, da pobreza no interior de famlias
monoparentais atingidas pelo desemprego e a instabilidade do trabalho
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sociais implicou romper com a perspectiva anterior de manter baixo o patamar do salrio-mnimo, que partia do pressuposto da maior gerao da
informalidade e desemprego no mercado de trabalho, assim como a quebra
da Previdncia Social e a desorganizao das finanas pblicas.
ii.
iii.
a poltica de recuperao do poder de compra do salrio mnimo, seguidamente desvalorizado a partir de 1964: de 2004 a 2014, o valor
do salrio mnimo nacional teve um aumento real (descontando-se a
inflao) de 68% (DIEESE, 2014);
o controle da inflao concomitante manuteno de baixas taxas
de desemprego, sobretudo se comparadas aos nveis vigentes nas
dcadas de 1980 e 19908;
as ampliaes do Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf)9 e da interiorizao da oferta de energia eltrica, por
meio do Programa Luz para Todos10, e;
De acordo com dados do IBGE, de maio de 2002 a maio de 2005, a taxa de desocupao nas seis maiores
regies metropolitanas brasileiras esteve sempre acima dos 10% (exceo feita a dezembro de 2004, com
ndice de 9,6%), com picos de 13,1% nos meses de agosto de 2003 e abril de 2004. Do ms seguinte
at maio de 2007, os percentuais oscilaram entre 9,4 e 10,8%. Em seguida, a taxa iniciou uma trajetria
predominante de queda, interrompida no incio de 2009 no mbito da crise financeira internacional,
quando a desocupao passou de 6,8% em dezembro de 2008 a 9% em maro e 8,8% em maio daquele
ano. Aps, seguiu-se novo movimento de queda, com as melhores situaes ocorrendo em 2013 e 2014,
quando a desocupao se manteve abaixo ou pouco acima dos 5% em praticamente todo o perodo. Entre
os principais fatores que contriburam para a ampliao do emprego no perodo 2007-2014 destacamse a atuao do Governo Federal na ampliao dos investimentos em infraestrutura e com polticas de
desoneraes indstria e reduo de juros, estimulando o mercado interno, bem como a dinamizao do
mercado da construo civil e o crescimento das exportaes de commodities. A partir de 2015, no entanto,
a desacelerao da economia nacional desencadeia a uma nova trajetria ascendente do desemprego,
atingindo 10,9% ao final do primeiro trimestre de 2016. Dentre as causas apontadas para a crise esto
a retrao de demanda em mercados da sia, afetando as exportaes de produtos primrios brasileiros,
bem como o desequilbrio acumulado nas finanas pblicas da Unio, atacado tardiamente pelo Governo
Federal com um drstico ajuste fiscal, e impactos sobre a atividade econmica causados pela instabilidade
poltico-institucional no pas gerada a partir de denncias de corrupo contra o Governo Federal e pela
perda de apoio poltico deste junto ao Congresso Nacional.
9 Programa de crdito que financia projetos individuais ou coletivos, que gerem renda a agricultores familiares
e assentados da reforma agrria. O programa possui as mais baixas taxas de juros dos financiamentos rurais.
10 Programa de ampliao de redes de energia eltrica para comunidades do interior do pas, beneficiando
principalmente localidades com baixos IDHs e famlias de baixa renda. At junho de 2015 o programa
beneficiou cerca de 15,5 milhes de moradores rurais. Alm disso, estima-se que as obras realizadas do
programa tenham gerado cerca de 483 mil novos postos de trabalho, segundo dados do Ministrio das
Minas e Energia.
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necessria manuteno e ampliao de direitos trabalhistas, alm de avanos qualitativos na educao (sobretudo de crianas e adolescentes).
H tambm importantes aes estruturais a serem tomadas quanto
ao ordenamento territorial. No nvel intraurbano, o combate especulao
fundiria e imobiliria aparece como uma das medidas mais urgentes. Fenmeno de grande peso para a evoluo socioespacial desigual das cidades brasileiras11, este segue sendo um limitante para a ampliao do acesso
terra e moradia urbanas, notadamente a partir de 2009 com a ampliao
das linhas de crdito imobilirio pelo Governo Federal, como no caso do
programa Minha Casa Minha Vida (Rufino, 2015).
Finalmente, vale ressaltar ainda a importncia da realizao de investimentos estatais indutores do investimento privado, visando promover
um desenvolvimento socioeconmico mais equilibrado no territrio. Afinal de contas, em que pese a natureza excludente (quanto s pessoas e aos
lugares) do capitalismo globalizado, no h polticas de incluso social
que se sustentem no longo prazo sem incluso econmica de sua populao por meio do trabalho. Concordamos com Demo (2002, p. 36) no sentido de que No capitalismo, a incluso pela via do mercado ainda a mais
garantida e estrutural, ainda que este efeito no provenha do mercado, mas
sobretudo da cidadania capaz de se impor ao mercado.
As demandas mencionadas acima evidenciam a importncia do Estado como agente fundamental embora no nico para a promoo da
incluso social e da cidadania. O Estado-nao um agente que detm
mecanismos que podem, em certa medida, regular determinados efeitos
da economia global, uma vez que decises relativas a investimentos, salrios, distribuio de renda e modernizao tecnolgica, dependem basicamente das estratgias internas de cada nao (Santos, 2001, p. 192).
Ademais, em se tratando de reas urbanas, no se pode negligenciar,
mesmo em tempos globalizados, o importante papel da instncia local.
Como bem observa Lavinas (2002, p. 52), considerando que a excluso social envolve o rompimento de vnculos sociais bsicos, o empobrecimento
no s do indivduo, mas tambm das relaes que definem seu lugar e
sua identidade sociais, os governos locais tm melhores possibilidades
de atuar de maneira preventiva contra a quebra de laos de pertencimento
(deteriorao urbana, segregao socioespacial, isolamento, minimizao
11 A este respeito, ver, entre outros, Campos Filho (1989), Santos (1993) e Maricato (2012).
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