Ateísmo Igreja Primitiva Rushdoony Kindle
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Sumrio
Prefcio edio brasileira ............................................................................................... 4
Prlogo: publicao ano 2000 .......................................................................................... 6
Prefcio: o lugar da tica judaico-crist na sociedade de hoje ......................................... 7
Introduo ......................................................................................................................... 8
Captulo um: o atesmo da Igreja Primitiva .................................................................. 9
Captulo dois: o desaparecimento da justia .................................................................. 19
Captulo trs: intercesso ................................................................................................ 26
Captulo quatro: a lei e a justia ..................................................................................... 32
Captulo cinco: o futuro da justia.................................................................................. 39
Captulo seis: a processo do poder ................................................................................ 46
Eplogo ........................................................................................................................... 50
Introduo
Em maio de 1983, a Logos Foundation promoveu uma conferncia de dois dias na
Shore Motor Inn, em Artamon, Sydney (Austrlia), com o tema: O Lugar da tica
Judaico-crist na Sociedade de Hoje. Os palestrantes foram o Sr. William Bentley Ball
e o Professor Rousas J. Rushdoony. O Sr. Ball abordou a discusso do ponto de vista
jurdico; o Dr. Rushdoony falou a partir do ponto de vista teolgico.
Apesar de ambos serem americanos, logo ficou evidente o impressionante
paralelo entre os Estados Unidos e a Austrlia com relao aos ataques do Estado s
escolas crists, estando os Estados Unidos vrios anos frente da Austrlia em termos
de reao e desafios contra a educao centrada em Cristo. Quanto a isso, a vivncia
desses homens foi mais do que oportuna, pois o desafio continua a crescer dia a dia
contra a prpria existncia das escolas crists na Austrlia.
A circunstncia oportuna, o valor e a profundidade das reunies foram de tal
ordem que todos os delegados consideraram indispensvel que as gravaes de udio
das palestras fossem transcritas e editadas para publicao. As seis mensagens do Dr.
Rushdoony so a matria deste livro.
Assim, a acusao passou a ser a de que essas crianas eram recolhidas para o
canibalismo para as celebraes da comunho da igreja primitiva. Foi essa uma das
fontes da acusao de canibalismo levantada contra a igreja primitiva. claro que
havia pouca evidncia disso e a acusao malogrou. Afinal de contas, era bvio que
essas famlias crists tinham muitos filhos alm dos seus filhos legtimos. Ainda assim
as acusaes de incesto e canibalismo persistiram. Por qu? Porque faziam parte da
acusao de atesmo. Alm disso, o raciocnio lgico dos filsofos romanos levava a
atitudes como: podemos no ter provas dessas coisas, mas logicamente
indispensvel que eles as pratiquem.
Essas acusaes eram a maior preocupao da igreja primitiva. Eis o que Justino
Mrtir disse a respeito: Confessamos que somos ateus quando se trata desses tipos
de deuses, mas no no que diz respeito ao Deus verssimo, Pai de justia e temperana
e de outras virtudes, que isento de toda impureza.
Contra Crescncio, filsofo cnico3 que acusava a igreja de atesmo, Justino
Mrtir, na sua Segunda Apologia, disse: por causa disso espero tambm ser alvo de
conspirao e de ser amarrado estaca por qualquer um desses que chamei pelo
nome, ou talvez por Crescncio, o amante da bravata e da vanglria, pois no digno
do nome de filsofo qualquer um que nos acuse publicamente sobre questes que no
entende, afirmando que os cristos so ateus e mpios, e assim o faz para ganhar a
simpatia da massa iludida, e tambm para agrad-la. Pois, se ele nos ataca sem ter lido
os ensinamentos de Cristo, totalmente corrupto e muito pior do que os indoutos, os
quais evitam discutir ou testemunhar falsamente sobre assuntos que no entendem.
Ou, se os leu e no entende a majestade que neles h, ou se os entende e age dessa
maneira, para no ser suspeito de ser tal, quer dizer, um cristo, ainda mais vil e
totalmente depravado, deixando-se dominar por opinio e medo to vulgares e
absurdos.
Justino Mrtir estava muito irritado e por isso foi um pouco menos do que justo
com Crescncio. Por ora, vamos levar algo em conta. Justino Mrtir diz: Os ignorantes
no falam assim a nosso respeito. Os vizinhos de alguns dos nossos membros no nos
caluniam e incrvel que um filsofo nos difame. Um filsofo cnico seria hoje a
ltima pessoa que esperaramos que acusasse os cristos de impiedade e atesmo. O
que esses termos significavam para os homens letrados daqueles dias?
fcil descobrirmos o que significava piedade porque temos muita literatura
romana sobre a matria. O termo piedade significava algo muito diferente daquilo que
hoje normalmente entendemos da palavra: submisso autoridade do Estado. Para os
romanos, o piedoso era o homem fiel a todo jota e til da lei de Csar. Obviamente, os
cristos no tinham esse tipo de piedade, porque insistiam que Jesus Cristo o Senhor
Cnico aqui usado na acepo de algum que seguidor do sistema filosfico conhecido como
cinismo. O Dicionrio Houaiss define cinismo da seguinte forma: Doutrina filosfica grega fundada por
Antstenes de Atenas (444-365 a.C.), que prescrevia a felicidade de uma vida simples e natural atravs
de um completo desprezo por comodidades, riquezas, apegos, convenes sociais e pudores, utilizando
de forma polmica a vida canina como modelo ideal e exemplo prtico destas virtudes [N. do R.].
prefeito, disse-lhes: Mas, se ele um Deus, quem probe vocs de ador-lo com
aqueles que so deuses por natureza? Pois vocs so ordenados a reverenciarem os
deuses, os deuses que todos conhecem. Dionsio responde-lhe: No adoramos a
nenhum outro. Ameliano, ento, disse-lhes: Vejo que so simultaneamente ingratos
e insensveis bondade dos nossos soberanos, por isso no devem permanecer mais
nesta cidade. Vocs sero enviados para um lugar chamado Cefro, pois o escolhi pela
ordem de nossos soberanos (havia o imperador e um imperador adjunto). Alm disso,
no lhes ser nunca permitido, nem a ningum, promover reunies nem entrar nos
assim chamados cemitrios. Mas se qualquer um for visto fora do local ordenado por
mim, ou encontrado em alguma reunio, essa pessoa trar perigo a si mesma, pois o
castigo apropriado no falhar. Vo, portanto, para aonde lhes foi ordenado. Os
cemitrios referiam-se s catacumbas.
Vemos aqui, entre outras coisas, a mentalidade totalitria. Ameliano pensou
que estava sendo graciosssimo e generosssimo, ao dar a esses crentes a
oportunidade de se submeterem. O Estado moderno age da mesma maneira com os
cristos que se recusam a obedec-lo. Ele acha que est sendo gracioso ao dar-lhes a
oportunidade de se submeterem. Para Ameliano, o atesmo, conforme declarou
abertamente, era a descrena nos deuses naturais as foras na natureza que
convergiam no Estado. Era essa a questo.
Roma acreditava profundamente numa filosofia de ordem social e deleitava-se
com a ordem. Para consegui-la, Roma construiu uma impressionante malha viria por
todo o imprio, para que todo ele estivesse ligado pela lei imperial, e edificou
aquedutos extraordinrios, novamente para impor a ordem em todas as situaes.
Roma tinha legies de prontido por todo o imprio e toda uma hierarquia de oficiais,
mas uma vez para impor a ordem. Ela acreditava que a ordem e a moralidade eram
impossveis falando em termos modernos sem um policial em cada esquina;
acreditava que se retirasse as legies, o poder coercivo do Estado, o resultado seria a
anarquia total.
Num certo sentido concordamos com isso. Paulo diz que as autoridades civis e
os governantes devem ser um terror para os malfeitores. Mas Roma acreditava que
essas autoridades eram deuses caminhando na Terra, por isso tinham de ter
autoridade absoluta e o imprio tinha de ser o guarda-chuva sob o qual tudo existia.
Tudo tinha de estar sob a autoridade do Estado. Isso diametralmente oposto ao
conceito bblico de que todas as coisas esto debaixo da autoridade de Deus e que no
a lei imperial, mas a palavra-lei de Deus que deve governar o indivduo e a igreja, a
escola, a famlia, nossas vocaes, a sociedade inteira, e, finalmente, deve reger, entre
tantas outras formas de governo, o governo civil.
Essa matria foi logo definida pelo papa Gelsio II, numa doutrina que veio a se
celebrizar como o conceito das duas espadas, as duas grandes autoridades por meio
das quais Deus governaria. No h dvida que a igreja desde cedo levou a srio esse
mandamento. Lembremo-nos que uma das passagens mais importantes da Escritura
est em 1 Corntios 6, na qual Paulo diz:
Aventura-se algum de vs, tendo questo contra outro, a
autoridades romanas para manterem a ordem e o controle. Nessa crena, ela comeou
a desintegrar-se. Mesmo quando perseguiam os cristos, os circos romanos estavam
se tornando uma caracterstica dominante da cena romana. Roma comeara a temer o
povo e, para mant-lo sob controle, subornava-o. Po e circo eram a nica maneira de
segurar a revolta das massas. Por volta de 275 d.C., a situao chegou ao ponto em
que os benefcios sociais no somente se estendiam a todos que os reivindicavam,
como tambm, para eliminar o trauma da necessidade de apelar para receb-los, o
imperador decretou que pertenceriam hereditariamente a todos os filhos do
beneficiado por eles. Um ano depois no havia mais o que dar s massas, por isso elas
o mataram!
O Estado moderno est buscando o mesmo caminho, oferendo mais e mais
subornos ao povo que no consegue controlar com a sua lei-palavra. Ele no pode
transform-los em cidados piedosos e cumpridores da lei, mas volta-se contra os
cristo e diz-lhes: Vocs esto deslocados. Esto destruindo nossa lei e nossa ordem.
Suas escolas e igrejas nos ofendem. Estamos tentando criar uma sociedade estvel,
uma cultura em que haja um padro moral comum.
Vocs, disse Roma aos cristos, so ateus, porque a ideia de qualquer Deus
acima e alm do Estado, qualquer Deus acima e alm da natureza, um mito. No
seria essa a atitude que hoje estamos enfrentando por parte do mundo?
A autoridade do Estado fora estabelecida como a ordem natural mxima.
Embora no possamos falar com autoridade sobre Crescncio, com quem Justino
Mrtir estava aborrecido, sabemos que a maioria dos filsofos pagos lia a Bblia com
um senso de pavor. Para eles, a nica fora moral convincente era o temor do Estado.
Nenhum longnquo poder antinatural (na perspectiva deles, mas na nossa
perspectiva sobrenatural), o Deus Trino, poderia controlar o homem. Negar a fora
da ordem natural e a sua condio de mxima ordem moral, jurdica e governamental
era atesmo. De que outro modo, defendiam eles, os homens poderiam se comportar?
Penso que a questo do atesmo da igreja primitiva evidencia um elemento
interessante e destaca a centralidade da doutrina do Esprito em nosso pensamento.
Ns da Chalcedon Foundation cremos que a primeira grande declarao sobre o
Esprito Santo, depois do seu papel na Criao, que ele o Esprito de sabedoria e de
entendimento. O apstolo Tiago nos diz que h algo que todos sem dvida podemos
ter se a pedirmos a Deus. Todos os outros dons de Deus e do Esprito so condicionais,
mas h um dom que todos poderemos ter se to somente o pedirmos. Quando
olhamos hoje para o nosso mundo, e especialmente para a igreja, evidente que
pouqussimas pessoas o pedem de fato: o dom de sabedoria. Se, porm, algum de vs
necessita de sabedoria, pea-a a Deus, que a todos d liberalmente (Tg 1.5).
Para ns, importante que reconheamos a centralidade dessa doutrina,
porque ela nos diz que h um poder atuante no mundo. Poder que uma Pessoa,
poder que pode instituir mais ordem do que o Estado capaz e que, em si mesmo,
como um da Divindade Trinitria, ordenou a vida do Estado. O Estado assina a prpria
sentena de morte quando se aparta do Deus Trino. Conforme a Divindade, ao falar
outrora como a Sabedoria, disse: Mas o que peca contra mim violenta a prpria alma.
que lhe veio mente. Como todo bom liberal, ele se opunha ideia de que o pecado
tivesse algo a ver com isso, ou que o homem pudesse ser considerado como um ser
corrompido. Mas essa deciso deixou-o sem nada que explicasse o que havia
acontecido.
Esse tipo de informao que Elliot revelou mediante a estatstica no deveria
nos surpreender, uma vez que a histria do pensamento ocidental comeou com o
Iluminismo e especialmente com a Revoluo Francesa. No comeo do ltimo sculo,
Max Stirner, com o livro The Ego and His Own [O nico e a Sua Propriedade],
convocava ao anarquismo militante e provoca todos os seus companheiros ateus,
acusando-os de cristos enrustidos. Dizia ele: Quem de vocs tem a coragem de
dormir com a prpria filha, irm ou me? Se no a tiverem, porque so cristos
enrustidos. Os escritos de Stirner foram ressuscitados no comeo dos anos da dcada
de 1960 e exerceram grande influncia no movimento estudantil mundial. Nietzsche
era outro que convocava a humanidade para viver acima do bem e do mal.
Em 1973, Walter Kauffmann, um filsofo de Princeton prematuramente
falecido no h muito tempo, publicou o livro de ttulo Without Guilt and Justice [Sem
Culpa e sem Justia]. A tese de Kauffmann era simplesmente esta: a culpa um
conceito religioso e est relacionada ao Deus da Escritura. Logo, lidar com a sociedade
civil em termos de culpa e inocncia pressupor a existncia do Deus da Escritura.
Semelhantemente, temos de abandonar todo conceito de justia ou de injustia, a
vontade de um Deus sobrenatural algo que conhecemos como ideia disparatada. E,
consequentemente, precisamos reordenar a sociedade alm da concepo de bem e
mal, alm de culpa e inocncia, alm de justia e injustia.
De modo significativo, na ltima pgina do seu estudo, esse filsofo, hegeliano
at o tutano, citou a Escritura em Gnesis 2.1-5, o plano que o Tentador apresentou a
Eva:
Sereis como deus, cada homem o seu prprio deus, sabendo,
determinando por si mesmo o que bom mal.
Kauffmann chegou concluso de que o mundo, ento, no estava pronto para
esse evangelho.
Temos hoje as consequncias de geraes desse tipo de pensamento. Temos o
escritor estadunidense Paul Hoffman, que em 1974 deu ao seu relato da vida de um
famoso advogado criminalista dos Estados Unidos o ttulo de What the Hell is Justice?
[Que Diabo a Justia?] citao de um advogado criminalista. isso o que a nossa
cultura est pedindo. A consequncia disso a existncia da sensao geral de que a
justia desapareceu.
Temos de concordar com Kauffmann. Culpa e inocncia, justia e injustia,
esto ligadas ao Deus da Escritura. Se eliminarmos a f nesse Deus, se nos tornarmos
sistematicamente humanistas, temos de abandonar toda ideia de justia ou injustia.
Deus a fonte da verdadeira justia. A deteriorao da justia significa, portanto, a
deteriorao da religio. Se no se alicerar na essncia da natureza e do ser de Deus,
rock and roll e com muitas outras banalidades, mas quando se trata dos essenciais da
nossa civilizao e dos essenciais da nossa f, h uma frieza compulsiva. Um dos
aspectos do cinismo geral a preferncia por coisas que podem ser desdenhadas e
desprezadas. O fato entristecedor que a igreja, no que se refere as coisas de Deus,
sofre dessa mesma frieza compulsiva. Ela no zela pela verdade de Deus; no est
preocupada com a lei de Deus; deixou de exigir que o Estado seja um ministro de
justia.
Quero enfatizar que o Estado um ministro de justia, no o ministro de
justia. Toda e qualquer rea da vida e do pensamento deve manifestar a verdade de
Deus. O Governo no se limita ao Estado. O Governo comea com o autogoverno do
indivduo cristo e abrange o autogoverno da famlia, da igreja, da escola, das
vocaes, da sociedade em geral. Todas essas coisas nos governam em todas as reas.
A justia e a verdade devem estar evidentes. Se limitarmos a justia ao Estado, isso
significar que a justia se foi das nossas vidas. A justia tem de ser a vida de todos os
indivduos e de todas as sociedades, e comea conosco, com as nossas vidas e com a
nossa gesto das coisas que so nossas.
A propsito, o dzimo uma forma de justia; dar a Deus o imposto que lhe
devido. As pessoas hoje no se preocupam com o fato de estarem roubando a Deus,
nem, em muitos casos, se preocupam como deveriam com o assassinato de bebs no
nascidos, com a liberao da homossexualidade e muitas outras questes. Por que
deveramos nos surpreender com os ataques da presente era igreja e seus
ministrios, como, por exemplo, o da escola crist? Alm disso, temos visto o prprio
conceito de justia sob ataque macio. As modernas faculdades de Direito tm tentado
separar justia de moralidade.
Na dcada de 1920, John W. Burgess, importante poltico conservador dos
Estados Unidos, jurisconsulto e professor de Cincia Poltica na Columbia University,
em Nova Iorque, escreveu um livro cujo ttulo era The Sanctity of Law [A Santidade da
Lei]. Ele gastou o livro inteiro fazendo duas coisas: separando a lei de Deus e da
moralidade, afirmando que a lei expressava a vontade do Estado; ao mesmo tempo em
que insistia sobre a santidade da lei, pois aquilo que o Estado quer de necessidade
santa. Por conta desse fato na tradio jurdica, no deveramos nos surpreender por
enfrentarmos os problemas que temos.
O Estado s pode exercer justia quando ele mesmo est debaixo de Deus, e
mais, quando o povo est debaixo de Deus. O Estado que nega Deus, nega a justia.
Mas o Estado moderno v-se como legislador. A produo de leis atributo da
divindade. A fonte da lei de qualquer sistema o deus desse sistema. Originalmente,
nos termos da tradio inglesa, as colnias americanas e, subsequentemente, os
Estados no falavam em ter legislaturas, ou poderes legislativos, um costume
relativamente recente, mas em ter uma House of Burgesses [i.e., cmara de
moradores, um grupo de representantes da cidade ou da vila no parlamento] ou uma
General Assembly [Assembleia Geral], e assim por diante. Isso no existia com a
finalidade de produzir leis, mas para ajudar a levar a vontade do povo a influir naquilo
que os magistrados civis faziam para promover a justia na comunidade.
orar ao Augusto divino, ela orava por ele e por todos os homens. Isso colocava Csar
no mesmo nvel de todos os homens, at mesmo no dos mais humildes do seu reino, o
que para Roma era uma ofensa. Quando somos ordenados a orar pelos governantes, o
mandamento est nos intimando a orar por eles assim como oramos por todos os
homens, pela redeno deles, para que sejam fieis ao Senhor e cumpram suas
vocaes da maneira que Deus requer deles.
Quem se lembra do filme Um Violinista no Telhado talvez se recorde da cena
em que os estudantes perguntam ao velho rabino: Rabi, como devemos orar pelo
czar?. Ao que o velho mestre responde: Orem para que Deus o abenoe e o
mantenha distante de ns.
Havia um qu disso na igreja primitiva, embora a atitude dos cristos era
basicamente muito mais positiva. Eles deviam orar pelos governantes para que
vivamos vida tranquila e mansa, com toda piedade e respeito. Havia nisso o
reconhecimento de que a ordem civil e a paz dependem do exerccio justo da
autoridade da parte daqueles que esto em posies de liderana. A igreja devia dar
graas por toda boa gesto que o governante civil proporcionasse e devia orar por
direo, bem como pelo juzo de Deus sobre os que se desviassem. Dessarte, a nossa
orao pelas autoridades civis, conforme ordenada por Paulo, abrange tambm a
interseo por elas. Em si mesmo, esse um fato significativo. Quem intercede por
outro, tem, por isso, maior posio de poder.
Em janeiro passado fez um ano que o Sr. Ball, eu e mais seis outras pessoas
estivemos numa reunio na Casa Branca. Para que o encontro fosse realizado, pedimos
a um assessor da Casa Branca que intercedesse por ns e marcasse a reunio. Apela-se
a quem tem poder para interceder. Isso significa que Paulo estava dizendo que todos
os cristos, quando se apresentam como intercessores diante do trono do Deus
onipotente, tm posio de grande poder, de poder maior do que os dos Csares.
Alm disso, a palavra grega para intercesso um termo tcnico e significa
aquele que serve de intermedirio, entre o povo e o rei. Paulo estava dizendo:
Csar uma alma necessitada. Como cristos, devemos interceder em favor dele ao
Rei dos reis. Devemos estar em intercesso contnua, porque, por intermdio de
Cristo, temos acesso contnuo quele que pode salvar totalmente os que por ele se
chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles.
Aquilo que Paulo est dizendo igreja de Roma e a Timteo no deve ser mal
interpretado como se indicasse que os cristos devem simplesmente se submeter ao
Estado sem questionar, seja qual for a situao, e que eles se veem como se tivessem a
obrigao moral de obedecer. No assim. Somos ordenados a obedecer, mas temos
de obedecer a Deus, no aos homens. Estamos numa posio mais alta do que a de
todos os reis e imperadores, pois somos todos, mediante o poder da orao,
intercessores.
O Rev. Robert McCurdy, pastor de uma igreja no Estado da Georgia (E.U.A.),
teve problemas com a Receita Federal norte-americana. A sua igreja, muito grande e
clebre, com uma escola paroquial com cerca de 700 estudantes, foi intimada a
apresentar todos os seus registros, todos os dados relativos aos seus membros, quanto
cada um havia doado, quais eram as despesas e a quem eram pagas, a Constituio, os
estatutos e demais documentos da igreja. A frase final da intimao dizia: Responder
dentro de 30 dias.
Bob McCurdy respondeu por escrito: Ns estamos debaixo da autoridade de
Cristo, no da de vocs. Por que nos perguntam essas coisas? P.S. Estou lhes enviando
um exemplar da nossa Constituio: chama-se Bblia Sagrada.
Como resposta, ele recebeu uma dura notificao indicando que aquele no era
considerado um documento apropriado. Seja como for, o pastor McCurdy exps a
situao no boletim da igreja e pediu congregao que orasse para que Deus
acabasse com a Receita Federal. Ao que parece, assim como faz com outros grupos, a
Receita tinha plantado algum na mala direta da igreja que lhe passava todas as
correspondncias, porque esse rgo remeteu igreja uma furiosa notificao de
protesto sobre o pedido de orao. O rgo federal no considerava que a matria
fosse um assunto vlido para orao.
A nossa vocao interceder a um poder superior. O poder superior Deus
Onipotente, no o Estado. Mas hoje est cada vez mais evidente que os homens
consideram o Estado como o poder supremo, como a autoridade maior.
Segundo, um dos telogos liberais mais influentes dos Estados Unidos,
escreveu: Damos o nome de socialismo ao regime poltico em que a propriedade dos
meios de produo retirada dos indivduos e transferida s mos de instituies mais
altas cujo interesse o bem comum. medida que Segundo desenvolve esse ponto,
fica claro que s existe uma nica instituio mais alta do que tudo e que est acima
de todos os homens e de todas as agncias. Essa instituio o Estado. A tese de
Segundo, e de todo telogo liberal, a de que o Estado a instituio transcendental,
a agncia acima de todos os principados e potestades, que toma o lugar de Deus e
deveria tomar o lugar dele na mente e no corao dos homens.
Somente o Estado considerado capaz de agir em benefcio do bem comum,
de estar acima de interesses parciais e limitados, e de, assim como Deus, ser sempre
justo nas suas decises. Obviamente, tudo o que precisamos fazer dar uma olhada
nos jornais matinais para sabermos o contrrio. O Estado no infalvel nem
incorruptvel, no melhor do que os seus cidados em nada. Mas esse , em grande
parte, o conceito de Estado que temos conosco; principalmente um produto da
Filosofia moderna, como o hegelianismo, estando tambm profundamente enraizado
na antiguidade.
Muitos anos atrs, o erudito ingls W. W. Willoughby, resumindo o antigo
conceito grego do Estado como a ordem mxima ou final, escreveu: Numa filosofia
poltica como essa, claro que no cabia a ideia de que o Estado existia
exclusivamente, ou mesmo principalmente, para a proteo dos direitos privados de
seus cidados. Antes, alegava-se que sem o Estado o indivduo no tinha direito
nenhum, nem mesmo os direitos naturais ou morais, porque sem a educao e a
ordem proporcionadas pelo Estado, o cidado no teria a disposio nem a
assinaram um documento que comea assim: Ns, o povo das Naes Unidas.
Que significa isso? A mais alta forma de impostura poltica hoje a de tomar
posse do nome do povo. Os polticos que alegam expressar a vontade do povo dizem
com isso que, quem discordar deles ope-se a todo o povo e no um do povo. Eles
querem dizer que de alguma maneira encarnam em si mesmos a vontade do povo, a
qual, por isso mesmo, tem fora moral e autoridade totais. Mas a voz dos profetas e a
voz da Escritura Assim diz o Senhor, no Assim diz o povo. O povo no
existe. No passa de um substantivo coletivo, usado por indivduos inescrupulosos
para atriburem a si mesmos uma autoridade subtrada.
Temos de dizer ao povo, s Repblicas Populares deste planeta e aos que
intitulam a si mesmos de voz do povo: Assim diz o Senhor. Temos de dizer que
somos o povo do Rei e que qualquer um pode pertencer ao Rei ou ser um do seu povo.
Somos intercessores e, portanto, somos o povo do poder. O poder no pertence a um
povo mtico, mas a Deus e dele promana para o mundo inteiro.
Homens como Robespierre poderiam dizer que tudo permitido queles que
agem em nome do povo. Foi por causa disso que tivemos o terror da guilhotina.
Hoje, temos aqueles que, em nome do povo, insistem que a igreja e seus
ministrios tm de ser controlados. Hoje, temos pases onde, em nome do povo, o
cristianismo tem sido suprimido e o martrio a ordem do dia. Pouqussimas pessoas
entendem, pois no ouvimos mais acerca disso, que a perseguio dos cristos na
Unio Sovitica tem crescido nos anos recentes; tem crescido porque o nmero de
cristos tem crescido muito. Os soviticos esto descobrindo que, quando localizam
uma igreja, atacam-na e prendem seus membros, se dois ou trs deles escapam, cada
um segue o prprio rumo e comea uma nova congregao. Eles destroem uma
somente para terem trs novas igrejas nascendo.
Esto descobrindo que, se h vinte anos essas pessoas simplesmente curvavam
a cabea e recebiam a sentena ao serem presas, elas agora, em nome do Deus
onipotente, levantam a voz e se defendem diante dos seus perseguidores e dos
tribunais. Elas declaram que esto falando em nome do Senhor que Senhor de todos,
o qual julgar os juzes que as julgaram. No admira que as autoridades estejam
aumentando a perseguio, pois reconhecem o poder que est crescendo no meio
delas.
Os cristos ofendiam Roma por orarem a Deus, no a Csar, e por orarem por
Csar. O humanismo fica ofendido quando no invocamos o nome do povo nem nos
rendemos ao nome e poder do Estado. Tenho estado em tribunais onde os cristos
sendo julgados so repreendidos pelo corte por citarem a Escritura. Na verdade,
quando o Sr. Ball e eu estivemos no Michigan (E.U.A.), o juiz que, para o espanto de
todos, decidiu finalmente em nosso favor, apesar disso exasperou-se com os pastores
e os professores da escola crist porque eles citavam as escrituras. Disse ele: No
quero ouvir mais nenhuma Bblia, por favor!.
A atitude dele compreensvel, porque invocar a Escritura invocar uma lei
mente. por isso que ao abordarmos a questo da lei estamos tratando novamente de
um fato religioso. Toda lei inescapavelmente moral. Sintetizando brevemente essa
premissa: toda lei condena algumas coisas que considera como ruins e protege outras,
como boas. Alm disso, a moralidade um aspecto da religio. No se pode fugir do
fato de que, ao se criar um sistema jurdico, se tem a fundao de uma religio. Todo
sistema jurdico do mundo a instituio de uma religio. Que pode ser cristianismo,
humanismo, budismo, islamismo ou xintosmo, mas todo sistema jurdico representa
uma estrutura moral e teolgica.
A ideia de que no podemos legislar a moralidade um desvario. Isso tudo o
que podemos legislar. Tudo o que de fato legislamos representa um juzo moral, seja
bom ou mau, cristo ou no cristo. por isso que sempre se faz oposio a toda nova
religio que entra no pas. Logo que ela comear a ser bem-sucedida, ser perseguida,
pois uma ameaa aos fundamentos do Estado. Roma sabia o que estava fazendo.
Roma reconheceu que o cristianismo tinha um sistema moral diferente; tinha um
soberano diferente, Jesus Cristo, no, Csar. Roma reconheceu que a lei do
cristianismo tinha como premissa, no a palavra de Csar nem do Senado romano, mas
a Palavra de Deus. Por causa disso, o imprio entendeu que era urgentemente
necessrio se opor ao cristianismo.
Quando Roma aceitou finalmente o cristianismo, foi por questes pragmticas.
Os imperadores fizeram tudo para solapar a f. Todo Estado precisa fazer as pazes com
a religio. Um estado no religioso no consegue existir. Para isso no necessrio a
instituio de alguma igreja especfica. Significa que as leis e o carter do Estado
refletem inescapavelmente uma f religiosa. por isso que um dos grandes
magistrados da Suprema Corte Americana, o Ministro Story, deixou claro apesar de,
poca, ser liberal e um dos lderes da Associao Unitria da Amrica que a f
bblica rigorosa era, em essncia, a lei comum dos Estados Unidos. Ela oferecia o
fundamento do nosso sistema legal.
Mas, evidentemente, o problema agora que os Estados Unidos, assim como j
ocorreu em outros pases, esto na fase de mudana do alicerce cristo para o
humanista. Muito frequentemente, no somente nossas escolas instituies
religiosas da religio humanista , mas tambm nossos tribunais refletem essa nova
religio.
A propsito, h alguns livros para treinar professores de escolas pblicas que
confessam abertamente que os mestres devem ensinar valores humanistas. Quando
testemunhei em defesa das igrejas do Michigan (E.U.A.), levei comigo para a tribuna
um livro publicado por um dos educadores desse Estado intitulado A Humanist Sourcebook in Education [Livro de Referncia em Educao Humanista] cujo objetivo era
treinar os professores para inculcarem valores humanistas em seus alunos
magistrio totalmente religioso. Eu aleguei que as escolas estaduais tendem
claramente f religiosa e que essa f conflita e est em guerra com a f crist.
A lei inescapavelmente religiosa. Alm disso, no resta dvida que a lei reflete
conceitos de justia ou verdade. A justia inseparvel da lei verdadeira. Se a lei no
incorpora a justia, o Estado e a sociedade so instveis e sofrero inevitavelmente um
Quando se equaciona justia ou verdade com povo, cria-se uma ordem social
grandemente maligna. O povo assim como os criminosos, os capitalistas, os
estrangeiros, a classe mdia, a classe baixa, a alta classe, ou qualquer outra classe
no quer justia nem verdade. O que todos eles querem a prpria vontade! por
isso que o Estado moderno est em apuros. Ele incorpora a vontade do homem, uma
vontade corrompida. A lei verdadeira tem de representar a verdade de Deus e
proteger o homem do homem, o homem do Estado, o homem dele mesmo. No fim das
contas, o nosso Senhor disse: do corao procedem maus desgnios, homicdios,
adultrios, prostituio, furtos, falsos testemunhos, blasfmias (Mt 15.19). Como
poderia um corao assim criar de fato a justia ou verdade dizendo Vamos! Faamos
leis para ns!?
Somente a lei de Deus transcende os homens. Somente a lei de Deus capaz de
proporcionar ao homem a justia, a retido verdadeira. Deixem-me citar mais uma vez
o Dr. Howell: Toda comunidade pode ser definida pela sua ideia bsica. A distino
entre as comunidades est na ideia bsica delas. Isso bem verdadeiro, exceto que o
Dr. Howell, no sendo cristo, no enuncia a sua proposio adequadamente. Em vez
de ideia bsica ele deveria ter escrito f bsica. Essa a marca identificadora de
qualquer comunidade, de qualquer ordem social. A f da comunidade aquilo que
rege o seu conceito de lei, de comunidade e de tudo o mais.
Vamos considerar isso por um momento. Se voc cr que o Credo Apostlico
uma sntese da nossa f crist, sempre que o disser estar afirmando que cr na
comunho dos santos. Quanto a isso, muito interessante retrocedermos igreja
antes da conquista normanda. Naquele tempo, quando os membros da igreja inglesa
repetiam o Credo Apostlico, diziam essa frase particular da seguinte maneira: Creio
em: dos santos, a sociedade. O que se reconhecia claramente, e o arcebispo Elfric e
outros punham em destaque, era o fato de que a ordem social incontestavelmente
uma sociedade. Caso contrrio, ela se desintegra e faz guerra a si mesma, assaltada
pelo conflito interno. Em vez de os indivduos serem membros uns dos outros, eles se
escondem em casa, no se interessam em conhecer os vizinhos, tm medo do povo da
rua e sobressaltam-se quando esto numa vizinhana desconhecida. A sociedade no
existe.
A sociedade um fato religioso. a culminncia da nossa afirmao. Quando
dizemos Creio em Deus Pai, Todo-poderoso Creio em Jesus Cristo, e assim por
diante, conclumos dizendo: Creio em: dos santos, a sociedade, ou mais
modernamente, Creio na comunho dos santos.
O Estado humanista no capaz de proporcionar comunidade. O fato trgico
ao nosso redor hoje as pessoas buscarem comunho em atividades doentias e
frenticas, como o rock and roll. Elas tm a sensao de comunidade quando se
entregam a impulsos primitivos e malignos ou quando, pelo envolvimento sexual,
desfrutam de um sentimento fugaz de comunho. As pessoas buscam comunho e
comunidade em todo tipo de prticas alheias justia de Deus, mas comunho e
comunidade lhes escapam por serem uma impossibilidade. No h vida, nem
comunho, nem comunidade, fora de Deus. Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida,
inteis e nulas, j que no eram bblicas, as suas ordens sociais foram destrudas. Elas
no podiam remediar o pecado nem o fato de que as suas leis representavam o
pecado do homem fingindo-se de justo. Cada uma delas caiu na sua hora.
A triste realidade que, nos sculos passados, erramos muitas vezes quando
dissemos: Sim, os pagos estavam certos. Um fundamento indispensvel. E tem de
ser a expiao oferecida por Cristo. Mas, assim como Roma, tentamos for-lo de
cima para baixo, o que no funciona.
Ningum pode ser salvo por decreto do Estado. Se assim fosse, teramos um
mundo perfeito. As tentativas de salvar a sociedade obrigando-a, de cima para baixo, a
ser crist foi um desastre, tanto da parte de catlicos como de protestantes, e ambos
j tentaram isso. Ambos, creio eu, aprenderam a lio.
O nosso trabalho de baixo para cima. trazer o poder de Deus e a expiao
divina sobre a vida de todo homem, fazendo da expiao a base da sociedade. fazer
da lei parte da nossa vida, de sorte que mostremos claramente a justia de Deus em
todo o nosso ser e em toda rea e esfera da vida em que estivermos envolvidos. Roma
procurou, com toda a sua fora, produzir justia sua maneira de cima para baixo, mas
desintegrou-se.
O esprito de Roma era evidente. Paulo refere-se a ele no aforismo: comamos
e bebamos, que amanh morreremos (1Co 15.32). A vida no tem outro sentido ou
propsito seno o de se conseguir tudo o que for possvel enquanto se pode. Essa
mesma filosofia romana prevalece hoje. interessante que, com essa filosofia, os
romanos perderam tambm a f at no comer e beber e no conseguiam se alegrar.
Esse mesmo aforismo foi encontrado no Egito antigo dos dias de Moiss. Os egpcios
tambm chegaram concluso de que comer e beber no davam prazer, que nada
dava prazer, que a vida em si mesma era um fardo.
A inscrio mais comum nas lpides dos pagos romanos era esta: Eu no era,
no sou, no me importo. Ela passou a ser to comum que, por questes econmicas,
nem mesmo era escrita por extenso nas lpides. Punha-se nelas apenas as iniciais
dessas palavras. Essa inscrio era a expresso da f romana. Roma morreu muito
antes de cair.
Assim tambm o mundo ao nosso redor est morrendo. Est morrendo porque
no conhece a justia de Deus para salvao, porque no conhece a expiao de Jesus
Cristo. Est morrendo porque se recusa a aplicar a justia de Deus na vida diria
individual, familiar, social, vocacional e governo civil. Mas essa justia urgentemente
necessria. por isso que somos chamados para ser a luz do mundo e o sal da terra. O
sal um conservante. Era usado para preservar a comida por vrios dias, quando no
era possvel obt-la em outro lugar.
A reserva indgena em que eu ministrava era muito distante da cidade. Num
inverno em que eu estava l, nevou no domingo antes do Natal. O exrcito s chegou
em meados de maio com equipamento especial para desobstruir a estrada que levava
aldeia. A rodovia estava debaixo de quase dois metros de neve. Naturalmente, num
justia de Deus, no devo dizer que o Estado o ministro da justia, mas que eu
tambm, como redimido em Cristo, devo ser um ministro de justia ministro da
justia ou da verdade. Isso tambm se aplica minha famlia, minha igreja, minha
escola e minha sociedade. Em todas as reas devemos manifestar a justia de Deus, a
lei de Deus. Se assim no fizermos, e deixarmos a justia para o Estado, temos o
mesmo tipo de problema que se deixarmos o cristianismo para o pastor.
Tratamos anteriormente do Credo Apostlico e do fato de afirmarmos a nossa
f na comunho dos santos: dos santos, a sociedade. Que significa isso? Significa, diz
Paulo, que somos membros uns dos outros. De que modo mostramos a nossa retido
uns aos outros, como membros uns dos outros? Isso implica que estamos atentos
necessidade do Corpo de Cristo e tambm daqueles que esto fora desse Corpo, pois
devemos fazer pelos outros o mesmo que o Senhor fez por ns. Ele nos tem mostrado
a sua graa e misericrdia e devemos ser vasos dessa graa e misericrdia,
demonstrando-a aos outros. Isso diz respeito variedade de atividades em que o
cristo deve se envolver, como indivduo e membro de uma comunidade.
Certa igreja nos Estados Unidos, por exemplo, criou um Fundo de Emprstimo
muito bom, para conceder emprstimos sem juros a irmos necessitados, nos termos
do mandamento explcito da Escritura. Quando pessoas idosas e jovens enfrentam
problemas financeiros com os quais no conseguem lidar, elas recorrem a um
emprstimo do Fundo de Emprstimo. At agora todos restituram seus emprstimos
e fizeram acrscimos ao fundo. Os administradores deixam claro que, se o problema
dos devedores se tornar insolvel, e se ao fim de seis anos eles virem que no
conseguem restituir o emprstimo, o dbito ser cancelado. O Senhor demanda que
ministremos uns aos outros, aos idosos e aos enfermos.
A doutrina da ministrao crist algo extraordinria por todo o pas, sendo
hoje a rea com a maior dinmica de crescimento nos Estados Unidos. Estamos
passando por um grande reavivamento nas comunidades negras. Menciono o trabalho
do Dr. E. V. Hill em Watts, Los Angeles, onde ocorreu o motim. Dr. Hill tem-se dedicado
em ganhar para Cristo todos os guetos dos Estados Unidos. H setenta milhes de
pessoas de todas as raas nesses guetos e toda agncia revolucionria no mundo tem
procurado alcan-los. Ele diz: Eu sei como , pois eu estava l como um deles. Ele
era modernista e revolucionrio, sendo, anos atrs, um dos jovens associados de
Martin Luther King Jr.; agora um dos melhores pregadores que temos nos Estados
Unidos anunciando o evangelho.
Dr. Hill cuida hoje de uma congregao com cerca de cinco ou seis mil pessoas,
no centro de Watts, com membros em todos os 31 quarteires espalhados em todas
as direes; tem uma escola crist para centenas de crianas; est treinando os adultos
para alcanarem todas as pessoas dos seus quarteires para Cristo.
Num dos casos que me delicia, a uma nica crente de um certo quarteiro
particular era uma senhora negra e cega a quem disseram: Irm, deixe que o Senhor
seja a sua vista. Ela ia de porta em porta, agarrada bengala, e terminou com 161
convertidos, dos 162 moradores do bloco. O ltimo, um jovem mau elemento que no
natureza, como a instituio natural que concentra a vontade das pessoas. No mais
a vontade da nobreza, ou realeza, ou aristocracia no que concordemos com isso,
no mas a vontade mudou-se para baixo. Agora entronizam-se as minorias. No
porque caream de justia, mas porque prevalece a ideia de que quanto mais baixas
forem, mais prximas esto do manancial do poder.
Na dcada de 1960 tivemos um clamor pblico porque o negro era o membro
oprimido da sociedade. Nos crculos vanguardistas de hoje, o negro passou, agora a
vez do homossexual. O negro no mais considerado socialmente to baixo para ser
tido como o manancial da vitalidade.
A doutrina da processo , portanto, indispensvel ordem social. Essa
doutrina abrange no somente a crena de que o poder provm de uma fonte, mas
que tambm se faz acompanhar de cortejos procisses na forma do que
chamaramos de desfiles, rituais. Assim, quando a igreja triunfou, havia a procisso de
dignitrios e funcionrios eclesisticos, de imagens e cones, da hstia ou obreia da
comunho, porque as imagens ou smbolos de poder estavam com a igreja.
medida que o Estado comeou a ascender, houve um tipo diferente de
cortejo, a procisso do imperador. Quando o imperador entrava na cidade era
aclamado com Bendito o que vem em nome do Senhor. Era uma procisso de poder.
Seja como for, embora o imperador adentrasse a cidade ovacionado com um certo
nmero de jarges cristo tomados emprestados, ele tambm se fazia preceder com
um desfile de soldados, indicando que, por mais que ele pudesse usar linguagem
eclesistica, o seu poder ainda assentava-se na fora das armas. Portanto, a comeou
um conceito diferente da processo.
A universidade tambm comeou os seus processionais. Temos ainda hoje a
procisso acadmica. A universidade alega que representa a verdadeira processo do
ser. Temos como relquia dessa doutrina o conceito da liberdade acadmica. Os
membros da academia no respondem a nenhuma agncia humana, porque de
alguma maneira representam a voz do manancial do poder e est, portanto, alm do
alcance dos homens. Noutras palavras, ocorreu uma rebelio na cristandade. As razes
dessa revolta repousam profundamente na era medieval e comeam a ser vistas na
superfcie com a Renascena. A Reforma e Contrarreforma contiveram-nas por um
tempo, mas com o Iluminismo e, acima de tudo, com a Revoluo Francesa elas vieram
tona. Desde a Revoluo Russa elas vm se estendendo pela face da Terra. A crena
que a processo de poder promana de baixo para cima.
Mas Deus afirma que a processo de poder vem do Trono de toda a eternidade
para ns. Precisamos hoje reafirmar a doutrina da processo do Esprito. Precisamos
manifestar poder e graa a presena do Esprito ao mundo. Deus age neste
mundo para redimir homens e, atravs dos homens para reordenar as sociedades e as
naes do mundo e as instituies que h nele.
Temos de lidar com essas coisas legalmente e teologicamente, o que nos
capacitar a manifestar com maior clareza a processo do Esprito, a processo de
graa e poder em nossos dias, reconhecendo sempre que maior aquele que est em
vs do que aquele que est no mundo (1Jo 4.4). Devemos ver na processo do
Esprito as ordens para marcharmos para conquistarmos todas as coisas. Recebereis
poder, ao descer sobre vs o Esprito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em
Jerusalm como em toda a Judia e Samaria e at aos confins da terra (At 1.8).
Hoje, no cenrio humano, a processo de poder mais evidente a do Estado.
Mas crescentemente estril, falha, pois tudo o que ela representa o poder nu. No
h autoridade moral nem a justia de Deus. Quanto mais Roma afirmava a divindade
do imperador, tanto mais estreis tornavam-se as suas alegaes, porque a
discrepncia entre as alegaes e a realidade daquilo que transparecia nas ruas era
grande demais. O imperador proclama a glria de Roma, mas no ltimo sculo ou
mais, quase nenhum imperador ficava na cidade. No era um lugar seguro, nem
mesmo para o imperador e suas tropas. Quando Roma caiu, a corte imperial estava em
Ravenna, mas, ao longo dos anos, estivera em Milo e em vrias outras cidades. A
glria se foi de Roma, porque a sua autoridade moral se fora. Restou-lhe apenas uma
processo de poder vazio.
Estamos vendo hoje algo semelhante, porque a autoridade moral do Estado
moderno tambm est declinando, afastando-se cada vez mais da Palavra de Deus.
Essa autoridade moral s pode ser restaurada quando o Estado enxergar a processo
de poder, no vinda de baixo, mas do alto. Sabemos que no h processo de poder
que se equipare quela que Cristo prometeu, que Cristo d e que Cristo nos ordena
a reivindicar.
Conforme a Palavra da Escritura, ns somos o povo da sua graa e do seu
poder. Foi por isso que ele pde ordenar aos seus discpulos e tambm a ns: Toda a
autoridade me foi dada no cu e na terra. Ide, portanto, fazei discpulos de todas as
naes, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Esprito Santo; ensinando-os a
guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os
dias at consumao do sculo. A processo de poder est sempre l, at ao fim do
mundo. Ide, portanto
Eplogo
Como mencionado no prefcio, esses captulos so a edio das transcries das
palestras proferidas pelo Dr. Rousas J. Rushdoony na Logos Conference, com o ttulo de
O Lugar da tica Judaico-crist na Sociedade de Hoje.
Em seu resumo, na concluso da conferncia, o presidente Howard Carter fez
referncia a seis necessidades principais que se evidenciaram naqueles dois dias:
1. A necessidade de um processo de eduo sobre questes relevantes. Ele
urgiu com os delegados para que reservassem tempo para buscarem
conhecer o material disponvel relativo a essas questes.
2. A necessidade de unidade das partes interessadas no doutrinria, mas
no Esprito Santo. O Sr. Carter disse que No podemos nos permitir falar
uns contra os outros s porque no concordamos com as doutrinas do
homem. Precisamos falar ao Governo e aos Departamentos de Educao
com uma nica voz e com autoridade. Somos mais eficazes como uma
nica voz do que como grupos fragmentados.
3. A necessidade de estratgia. No estamos num piquenique. Encolho-me de
medo quando ouo as pessoas dizerem Vamos entrar no tribunal e dizer a
aqueles caras o que fazer. Em primeiro lugar, isso no cristo. Em
segundo, eles esto muito mais armados para essa batalha do que ns.
indispensvel que haja educao, litigao e legislao para ganharmos a
batalha.
4. A necessidade de sermos agressivos em vez de defensivos. Como
representantes do Rei dos reis a igreja no pode jamais ser escorraada.
Escreva destemidamente a senadores e parlamentares, deixe que nosso
estandarte seja visto. Temos um mandato de Deus para salgar a Terra,
iluminar o mundo.
5. A necessidade de ampararmos um ao outro. Se um pastor da sua cidade for
levado ao tribunal, v com ele. Encha o tribunal com o testemunho
silencioso da populao crist. Fique ao lado dele e ampare-o
financeiramente. Cada vitria conquistada numa corte um precedente
que pode ser construdo noutra. Cada passo dado envolve todos ns.
6. A necessidade de orao. A nossa confiana est em Deus, o Fazedor do
cu e da Terra est no controle. Identifique-se com movimentos
comprometidos em orar pela nao, pelas escolas, pelos parlamentares e
advogados cristos. Nenhuma orao cuja origem est no cu ser
recusada l.
Sobre o Autor
Rousas John Rushdoony (25 de abril de 1916 8 de fevereiro de 2001) foi um clebre
erudito norte-americano, escritor e autor de mais de 30 livros. Graduou-se pela
University of California (Bacharelado e Licenciatura Plena em Artes Liberais) e recebeu
treinamento teolgico na Pacific School of Religion. Como ministro ordenado, serviu
como missionrio entre os ndios Paiute e Xoxone e tambm em duas igrejas no Estado
da Califrnia. Foi o criador da Chalcedon Foundation, organizao educacional
dedicada pesquisa, publicao e comunicao persuasiva do saber distintivamente
cristo para o mundo inteiro. Os seus escritos no Chalcedon Report e seus inmeros
livros produziram uma profcua gerao de crentes ativos na reconstruo do mundo
para a glria de Jesus Cristo. Ele residia em Vallecito, Califrnia e estava comprometido
com pesquisas e palestras e em ajudar aos outros no desenvolvimento de programas
que punham em ao a f crist.