Ateísmo Igreja Primitiva Rushdoony Kindle

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O atesmo da igreja primitiva

Rousas John Rushdoony

Todos os direitos em lngua portuguesa reservados por


EDITORA MONERGISMO
Caixa Postal 2416
Braslia, DF, Brasil - CEP 70.842-970
Telefone: (61) 8116-7481 - Stio: www.editoramonergismo.com.br
1a edio, 2009
1000 exemplares
Traduo: Marcos Jos Soares de Vasconcelos
Reviso: Felipe Sabino de Arajo Neto
Capa: Raniere Maciel Menezes

PROIBIDA A REPRODUO POR QUAISQUER MEIOS,


SALVO EM BREVES CITAES, COM INDICAO DA FONTE.

Todas as citaes bblicas foram extradas da


verso Almeida Revista e Atualizada (ARA),
salvo indicao em contrrio.

Sumrio
Prefcio edio brasileira ............................................................................................... 4
Prlogo: publicao ano 2000 .......................................................................................... 6
Prefcio: o lugar da tica judaico-crist na sociedade de hoje ......................................... 7
Introduo ......................................................................................................................... 8
Captulo um: o atesmo da Igreja Primitiva .................................................................. 9
Captulo dois: o desaparecimento da justia .................................................................. 19
Captulo trs: intercesso ................................................................................................ 26
Captulo quatro: a lei e a justia ..................................................................................... 32
Captulo cinco: o futuro da justia.................................................................................. 39
Captulo seis: a processo do poder ................................................................................ 46
Eplogo ........................................................................................................................... 50

Prefcio edio brasileira


Embora muitos possam estranhar o ttulo deste livro, os primeiros cristos eram
considerados como ateus pela maioria das pessoas no imprio romano. O motivo
que, em vez de adorar milhares de deidades visveis, os cristos adoravam somente o
nico Deus vivo e verdadeiro, que invisvel (1Tm 1.17). Adicionalmente, eles eram
tidos como ateus tambm por no reconhecerem as reivindicaes divinas do Estado
romano e, em particular, de Csar. Devemos lembrar que o imperador romano
reivindicava ser divino, de forma que, quando algum dizia Csar Senhor, estava
dizendo na verdade que Csar deus. Todavia, ser cristo significa reconhecer que
somente Jesus Senhor (Rm 10.9); por causa disso, a igreja era vista como inimiga
do Estado, e por boas razes. A explicao que, como Rushdoony observa, a Bblia
requer que sirvamos um Senhor que no o Estado, com um tipo inteiramente diferente
de educao e lei.
Rushdoony tambm aponta que as passagens usadas por algumas pessoas para
sustentar a ideia de que o Novo Testamento passa ao Estado um cheque em branco
para fazer (quase) tudo o que quiser (Rm 13.1-5; 1Tm 2.1-2), eram, na verdade,
declaraes de guerra contra a alegao de Roma a uma autoridade absoluta. Ora,
Paulo ensinou que Csar era subordinado ao Senhor (Rm 13.1-5), e longe de ser um
salvador dos seus semelhantes, ele na verdade tinha necessidade de redeno (1Tm
2.1-2). Isso nos mostra a necessidade de entendermos apropriadamente o cenrio
histrico no qual os livros do Novo Testamento foram escritos para que possamos
interpret-los apropriadamente.1
comum ouvirmos as pessoas dizerem que devemos voltar prtica da igreja
primitiva ou algo similar. Infelizmente muitos desses apelos sentimentalistas tm em
vista uma nfase que nem de longe era a da igreja primitiva. No obstante isso,
mesmo aqueles que tentam pr nfase em algo que a igreja primitiva colocava, como
por exemplo a doutrina bblica (teologia),2 nem sequer mencionam uma importante
prtica destes cristos. Neste livro, Rushdoony mostra como as pessoas na igreja
primitiva colocavam a f em prtica realizando obras de misericrdia tais como
resgatar bebs que eram jogados fora aps tentativas fracassadas de abort-los, e
como os cristos educavam essas crianas no temor do Senhor. Da ele faz a seguinte
pergunta:
Quantos membros das congregaes de hoje receberiam bem o oficial
da igreja que lhes trouxesse um ou dois bebs abandonados e sentiriam
que tinham a responsabilidade de ampar-los na f?

Isso particularmente evidente nas interpretaes modernas do livro de Apocalipse. Recomendo a


leitura do livro Um mundo totalmente novo: o Evangelho segundo Apocalipse, de Greg Uttinger,
publicado pela Editora Monergismo, como um pequeno antdoto contra as deturpaes modernas do
livro de Apocalipse, encontradas em livros como Deixados para trs.
2

E perseveravam na doutrina dos apstolos e na comunho, no partir do po e nas oraes (Atos


2.42).

Que a nossa gerao antifilhos (e, nesse respeito, altamente anticrist)


responda!
Mais adiante no livro, Rushdoony mostra-nos como cristos nas regies negras
da Amrica, e da frica, esto fazendo coisas semelhantes hoje, ajudando, com a graa
de Deus, a transformar suas comunidades. Devido ao fato de os cristos modernos
estarem enfrentando uma situao muito semelhante da igreja no incio do imprio
romano, medida que o Estado se arroga o direito de inventar suas prprias leis
(como Rushdoony nos adverte, a fonte da lei o deus de qualquer sociedade) e
afirmar a sua autoridade total sobre todas as reas da vida, ento no podemos deixar
de ler este livro cuidadosamente.
Contendo apenas seis breves captulos, e escrito no estilo popular e atraente de
Rushdoony, este livro pode ser lido numa noite, e no deve ser ignorado por aqueles
que procuram sustentar os direitos rgios absolutos de Jesus Cristo. Como sempre,
Rush (como era chamado pelos conhecidos) desafiador e nos impressiona com o seu
conhecimento extraordinrio da Escritura e da Histria, que governada pelo Deus da
Escritura.

Felipe Sabino de Arajo Neto


5 de novembro de 2009

Prlogo: publicao ano 2000


No comeo da dcada de 1980, fiz vrias e proveitosas viagens Austrlia. Numa das
primeiras viagens, proferi a srie de palestras reproduzidas neste pequeno livro.
Acredito que estes estudos sejam importantes, pois a igreja enfrenta hoje uma
situao semelhante da igreja primitiva no imprio romano. Sempre que
verdadeiramente fiel Escritura, a igreja vista como inimiga do Estado, e h boas
razes para isso. A Bblia demanda outro senhor que no o Estado e um tipo de
educao e leis radicalmente diferentes. Cristo o Senhor, no o Estado.
O Estado moderno religioso, mas anticristo. Ele reivindica o senhorio e
rejeita Cristo como Senhor. O resultado disso que temos visto o crescimento do
atesmo militante por toda parte.
Os cristos no podem crer no senhorio e soberania do Estado. S Jesus Cristo
o Senhor. Devemos rejeitar todas as outras reivindicaes de soberania. Pouco a
pouco a igreja tem-se afastado da lei de Deus e da soberania divina; tem-se tornado
perifrica sociedade e rendido a liderana ao Estado. Das duas uma, ou revertemos
esse processo, ou a igreja acabou-se.
Rousas John Rushdoony
Vallecito, Califrnia
28 de setembro de 2000

Prefcio: o lugar da tica judaico-crist na sociedade de hoje


PROBLEMA: Sem ordem teremos anarquia. Que tipo de ordem? A do Admirvel
Mundo Novo de Aldous Huxley? A da sociedade controlada pela ideologia feroz do
Estado-quartel de Orwell? Ou a ordem que procede da tica crist, conforme se
encontra na palavra-lei de Deus, a Bblia?
Uma vez que toda educao religiosa com a finalidade suprema de
reconstruir a sociedade, cujas opes so: humanismo secular ou cristianismo a
escola crist indispensvel.
aqui que a liberdade religiosa e a responsabilidade, dirigidas por Deus, de pais
e igrejas tm de ser defendidas a todo custo. O Estado no o Senhor, mas Jesus
Cristo o Senhor!
Harold Carter

Introduo
Em maio de 1983, a Logos Foundation promoveu uma conferncia de dois dias na
Shore Motor Inn, em Artamon, Sydney (Austrlia), com o tema: O Lugar da tica
Judaico-crist na Sociedade de Hoje. Os palestrantes foram o Sr. William Bentley Ball
e o Professor Rousas J. Rushdoony. O Sr. Ball abordou a discusso do ponto de vista
jurdico; o Dr. Rushdoony falou a partir do ponto de vista teolgico.
Apesar de ambos serem americanos, logo ficou evidente o impressionante
paralelo entre os Estados Unidos e a Austrlia com relao aos ataques do Estado s
escolas crists, estando os Estados Unidos vrios anos frente da Austrlia em termos
de reao e desafios contra a educao centrada em Cristo. Quanto a isso, a vivncia
desses homens foi mais do que oportuna, pois o desafio continua a crescer dia a dia
contra a prpria existncia das escolas crists na Austrlia.
A circunstncia oportuna, o valor e a profundidade das reunies foram de tal
ordem que todos os delegados consideraram indispensvel que as gravaes de udio
das palestras fossem transcritas e editadas para publicao. As seis mensagens do Dr.
Rushdoony so a matria deste livro.

Captulo um: o atesmo da Igreja Primitiva


A mensagem do apstolo Pedro, registrada em Atos 4.12, aos presbteros e escribas
sintetiza perfeitamente o conflito em que estamos envolvidos hoje:
E no h salvao em nenhum outro; porque abaixo do cu no
existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual
importa que sejamos salvos.
importante compreendermos o contexto desse versculo. Com essa confisso,
Pedro emitiu efetivamente uma declarao de guerra espiritual contra o imprio
romano. Quando em Roma, Csar Augusto assumiu o governo e consolidou o prprio
poder, houve uma grande comemorao por todo o imprio romano, qual
denominaram de a celebrao do Advento: termo muito significativo e tambm
muito religioso. Era a celebrao do Advento porque Csar Augusto tinha vindo, em
toda a plenitude do seu poder. Os arautos outra palavra interessante foram
enviados s partes mais remotas do imprio romano com a proclamao do grande
Advento: No h nenhum outro nome abaixo do cu, pelo qual os homens possam
ser salvos seno pelo nome de Csar Augusto!. Era a proclamao de Csar, do
Estado, como salvador dos homens.
Podemos entender, ento, por que o conflito entre Cristo e Csar era
inevitvel, por que a igreja passou por todas as tribulaes que passou, ano aps ano,
e por que os homens foram martirizados pela f. Foi em razo desta pergunta: Quem
o Senhor, ou o soberano? Quem o salvador?
O Estado moderno est dizendo novamente, como Csar na antiguidade, Ns
somos o senhor; somos os soberanos da criao. As palavras soberano e senhor
so idnticas. So palavras diferentes para a mesma coisa. No podemos confessar a
soberania do Estado e a soberania de Cristo ao mesmo tempo. Temos a obrigao de
afirmar, assim como a igreja primitiva afirmou, que Cristo o Senhor tambm de
Csar. Todo homem, toda instituio, todo governo civil, toda escola, tudo, tem de
reconhecer no tempo oportuno o senhorio e a soberania de Cristo, pois em nenhum
outro h salvao. Porque abaixo do cu no existe nenhum outro nome, dado entre
os homens, pelo qual importa que sejamos salvos.
O ttulo O Atesmo da Igreja Primitiva incomum, e eu no creio, claro, que
a igreja primitiva fosse ateia. Antes, o imprio alegava que essa nova instituio era
uma agncia do atesmo. A igreja tambm foi acusada de crimes graves, especialmente
de canibalismo e incesto. Os estudiosos tm, de modo geral, negligenciado essas
acusaes. No conheo ningum que tenha analisado as acusaes do imprio
romano contra a igreja primitiva. Normalmente elas so rejeitadas como comprovao
do tipo de calnia qual os cristos estavam sujeitos. Mas quando examinamos a
literatura da igreja primitiva e a reao dela a essas acusaes, como tambm as
acusaes em si mesmas, vemos que seria melhor levar a srio as alegaes de Roma e
entender o que elas significam.

O interessante que as acusaes partiam, no do povo nas ruas, mas dos


filsofos homens de prestgio, homens que, da nossa perspectiva, deviam conhecer
melhor os fatos. Era isso o que aborrecia e agredia os cristos. Eles estavam
enfrentando a acusao mais grave e dos melhores de Roma, no dos piores.
Havia um conflito entre Roma e a igreja primitiva. Segundo a poltica religiosa
geral de Roma, nenhuma religio tinha o direito de existir se no fosse religio lcita,
devidamente autorizada pelo imprio e tivesse um certificado ou validao, que os
membros da religio ou seita eram obrigados a exibir na parede do lugar onde se
reuniam. Parte do processo para se alcanar a condio de religio lcita consistia em
dirigir-se a um dos centros da Roma imperial para queimar um pouco de incenso num
braseiro diante da imagem do imperador ou de uma insgnia de batalha e dizer
brevemente: Csar o Senhor!. Bastava isso. Era o reconhecimento da soberania de
Csar em todas as reas da vida e do pensamento.
Mas os cristos estavam conscientes de que, em vez disso, eles tinham sido
chamados para levar tudo cativo obedincia de Cristo. Sabemos pelas pesquisas, por
exemplo, de J. N. D. Kelly, historiador britnico, que a confisso batismal exigia que
todo crente da igreja primitiva ficasse de p diante da congregao e declarasse:
Jesus o Senhor, ou Jesus Cristo o Senhor. Fazendo isso, os cristos botavam o
pescoo no cepo do carrasco. Eles tinham se tornado numa fora subversiva, pois com
essa confisso negavam o senhorio de Csar. Era esta toda a razo do conflito: Quem
era o Senhor: Cristo ou Csar?
A posio da igreja primitiva era a de que Cristo o Senhor de Csar, e no
Csar, o Senhor de Cristo. Os cristos recusaram-se a receber a condio de religio
lcita. Essa luta repetiu-se continuamente ao longo de toda a Idade Mdia. Houve um
tempo em que a igreja cedeu e as consequncias foram gravssimas; passando ela a ser
peo da aristocracia e tambm dos sacro imperadores romanos. Mas, especialmente
com Hildebrando, a igreja voltou a afirmar o senhorio de Cristo. Mais uma vez estamos
enfrentando essa mesma luta. Se no reconhecermos as nossas razes na Escritura, na
igreja primitiva e na Idade Mdia, no conseguiremos compreender qual a nossa
riqueza como cristos. As lutas pelas quais os santos cristos morreram estaro
perdidas.
Roma odiava o atesmo como poder subversivo, e a cristandade foi acusada de
ser uma seita atesta. Roma estava muita satisfeita com a religio em geral, pois a
religio fornecia manifestamente o cimento social, a fora de coeso indispensvel
unio das pessoas umas s outras. Essa maneira de ver a religio como uma forma de
cimento social era totalmente naturalista.
Roma analisava criteriosamente cada nova religio que surgia e recebia
relatrios de seus funcionrios sobre cada uma delas, logo que descobriam alguma.
Temos o registro de uma carta de Plnio com um relatrio desses, e deve ter havido
montes deles endereados a Csar sobre a nova religio que comeava a se difundir
por todo o imprio romano. Evidentemente exigia-se que essa nova seita buscasse ser
reconhecida o mais breve possvel. At antes da guerra judaico-romana de 66-70 a.C.,
tinha-se concedido uma boa dose de tolerncia ao novo movimento, por ser

considerado parte do judasmo. Mas com a guerra judaico-romana veio o fim da


tolerncia com tudo mais o que estava associado ao povo perturbador da Judeia.
Comeou-se a exigncia insistente para que tais grupos buscassem a concesso de
licena e se submetessem a toda espcie de controles. Assim comearam as
perseguies e os martrios ao longo das geraes at que Constantino (alis, homem
muito caluniado) reconheceu o cristianismo.
Mas os ataques ao cristianismo no terminaram com Constantino. Seus
sucessores tentaram reintroduzir o paganismo sob a forma de heresias, notadamente
do arianismo e, mais tarde, do pelagianismo. Isso reintroduziu efetivamente o
paganismo disfarado de cristianismo, com o mesmo objetivo de sempre: o controle
da religio pelo Estado.
s vezes o imprio cortejava a igreja. Ao menos um, mas provvel que dois
imperadores tinham imagens de Jesus nas suas capelas particulares e propagava-se
que O imperador ama Jesus tanto quanto vocs. Na verdade, ele at tem a imagem
de Jesus na sua capela e s vezes ora a ele. Por que vocs se opem soberania do
imperador?. Mas essas tentativas falharam. Enquanto isso, os cristos eram
gravemente acusados de ateus e de estarem com certeza envolvidos com todo tipo de
prtica abominvel.
Enfrentamos ainda hoje duas lutas que marcaram a igreja primitiva desde o
princpio. A primeira era a questo da soberania e do senhorio e a segunda, a do
aborto. O aborto era totalmente legal em todo o imprio, mas a igreja primitiva
submetia a graves disciplinas qualquer de seus membros que se envolvesse nessa
prtica demasiadamente comum. Mas isso no tudo. Ao mesmo tempo, a igreja
primitiva comeou a enfrentar as consequncias desse mundo aborteiro.
Nem todo aborteiro daqueles dias agia com a mesma eficcia fria e brutal
comum que temos hoje. Por isso, nem sempre era bem-sucedido no abortamento de
bebs. O resultado que os bebs indesejados, quando nasciam, logo eram
abandonados debaixo das pontes do Rio Tibre, em Roma. Nas outras cidades havia
locais usados rotineiramente para o abandono de bebs.
Os cristos criaram o hbito de ir imediatamente aos locais em que os bebs
eram abandonados para serem devorados por ces ferozes, como disse Tertuliano
para recolherem esses recm-nascidos e distribu-los entre as famlias. Isso nos diz
algo sobre a vida de f entre esses crentes. Quantos membros das congregaes de
hoje receberiam bem o oficial da igreja que lhes trouxesse um ou dois bebs
abandonados e sentiriam que tinham a responsabilidade de ampar-los na f?
Roma indignava-se muitssimo com essa prtica dos cristos, pois denegria
totalmente a sua imagem e, por um tempo, criou leis contra isso, para depois de um
ano ter de revog-las, porque sujavam a imagem do imprio oficialmente. Alm do
mais, uma vez que os nascimentos no eram registrados, as crianas envolvidas no
existiam oficialmente, e que lei poderia ser criada para legislar contra prticas que
envolviam pessoas inexistentes? Era muito difcil para os advogados imperiais
enfrentarem essa prtica, mas no faltou empenho da parte deles!

Assim, a acusao passou a ser a de que essas crianas eram recolhidas para o
canibalismo para as celebraes da comunho da igreja primitiva. Foi essa uma das
fontes da acusao de canibalismo levantada contra a igreja primitiva. claro que
havia pouca evidncia disso e a acusao malogrou. Afinal de contas, era bvio que
essas famlias crists tinham muitos filhos alm dos seus filhos legtimos. Ainda assim
as acusaes de incesto e canibalismo persistiram. Por qu? Porque faziam parte da
acusao de atesmo. Alm disso, o raciocnio lgico dos filsofos romanos levava a
atitudes como: podemos no ter provas dessas coisas, mas logicamente
indispensvel que eles as pratiquem.
Essas acusaes eram a maior preocupao da igreja primitiva. Eis o que Justino
Mrtir disse a respeito: Confessamos que somos ateus quando se trata desses tipos
de deuses, mas no no que diz respeito ao Deus verssimo, Pai de justia e temperana
e de outras virtudes, que isento de toda impureza.
Contra Crescncio, filsofo cnico3 que acusava a igreja de atesmo, Justino
Mrtir, na sua Segunda Apologia, disse: por causa disso espero tambm ser alvo de
conspirao e de ser amarrado estaca por qualquer um desses que chamei pelo
nome, ou talvez por Crescncio, o amante da bravata e da vanglria, pois no digno
do nome de filsofo qualquer um que nos acuse publicamente sobre questes que no
entende, afirmando que os cristos so ateus e mpios, e assim o faz para ganhar a
simpatia da massa iludida, e tambm para agrad-la. Pois, se ele nos ataca sem ter lido
os ensinamentos de Cristo, totalmente corrupto e muito pior do que os indoutos, os
quais evitam discutir ou testemunhar falsamente sobre assuntos que no entendem.
Ou, se os leu e no entende a majestade que neles h, ou se os entende e age dessa
maneira, para no ser suspeito de ser tal, quer dizer, um cristo, ainda mais vil e
totalmente depravado, deixando-se dominar por opinio e medo to vulgares e
absurdos.
Justino Mrtir estava muito irritado e por isso foi um pouco menos do que justo
com Crescncio. Por ora, vamos levar algo em conta. Justino Mrtir diz: Os ignorantes
no falam assim a nosso respeito. Os vizinhos de alguns dos nossos membros no nos
caluniam e incrvel que um filsofo nos difame. Um filsofo cnico seria hoje a
ltima pessoa que esperaramos que acusasse os cristos de impiedade e atesmo. O
que esses termos significavam para os homens letrados daqueles dias?
fcil descobrirmos o que significava piedade porque temos muita literatura
romana sobre a matria. O termo piedade significava algo muito diferente daquilo que
hoje normalmente entendemos da palavra: submisso autoridade do Estado. Para os
romanos, o piedoso era o homem fiel a todo jota e til da lei de Csar. Obviamente, os
cristos no tinham esse tipo de piedade, porque insistiam que Jesus Cristo o Senhor

Cnico aqui usado na acepo de algum que seguidor do sistema filosfico conhecido como
cinismo. O Dicionrio Houaiss define cinismo da seguinte forma: Doutrina filosfica grega fundada por
Antstenes de Atenas (444-365 a.C.), que prescrevia a felicidade de uma vida simples e natural atravs
de um completo desprezo por comodidades, riquezas, apegos, convenes sociais e pudores, utilizando
de forma polmica a vida canina como modelo ideal e exemplo prtico destas virtudes [N. do R.].

de Csar. De nada valeu a alguns, como Tertuliano, argumentarem na sua apelao ao


imperador: Mas somos os vossos melhores cidados. Somos os melhores soldados
que tendes, os mais honestos contribuintes do fisco. Por que, ento, nos tratais como
vosso inimigo?. Poderamos apelar da mesma maneira hoje.
Indo de tribunal em tribunal, fico desolado quando vejo cristos sendo
julgados, j que no mundo falta tanta justia. Algum tempo atrs, fiquei mais do que
aborrecido no julgamento de dois irmos, Wimbrick e Joseph Padgett, na Gergia
(E.U.A.). Eram agricultores, santos cristos com uma comovente simplicidade e clareza
de f e dedicao. Na verdade, se eu quisesse retratar o que h de melhor na Amrica
e do carter dela, eu tiraria uma foto das famlias de Wimbrick e Joseph Padgett.
Mas eles estavam respondendo em juzo por acusaes de crime, porque
ensinavam seus filhos em casa. A prova era evidente, inclusive a do superintendente
escolar demissionrio. Aquelas crianas estavam anos frente de seus pares, no
sistema escolar local. Ao final do meu testemunho, respondi ao promotor pblico que
achava extremamente desolador ver homens daquela estatura sendo julgados por
acusaes criminais quando criminosos violentos perambulavam pelas ruas, soltos
pelos tribunais por causa de detalhes tcnicos. Fiquei muito feliz ao ver o juiz pegar
essa declarao e dizer: escreverei algo e despacharei mais tarde, mas devo dizer aqui
e agora que acho este julgamento uma vergonha e disse ainda ao promotor pblico:
Voc sabia o que estava fazendo quando acusou de crime e trouxe para o tribunal
pessoas desse quilate. No vou tratar disso com simpatia!.
Assim, no mundo romano, piedade significava submisso autoridade do
Estado e os cristos eram, obviamente, culpados de falta de piedade, mesmo sendo
mais cumpridores da lei do que a maioria dos outros cidados.
Clemente de Alexandria procura mostrar em seus escritos que o cristo que
enfrentava essas acusaes, banalizadas gerao aps gerao, era realmente o nico
piedoso, porque toda autoridade procede de Deus. E, portanto, a verdadeira
piedade, diz ele, est relacionado ao Deus poderoso.
E quanto outra acusao, a de atesmo? Acerca dela, Clemente de Alexandria
declarou nas suas Miscelneas: como pode ser ateu, quem tem a convico de que
Deus onipotente e tem aprendido os mistrios divinos do Unignito Filho de Deus?
Ateu quem acha que Deus no existe, quem supersticioso, quem se apavora com
demnios e tudo deifica, tanto a madeira como a pedra, e reduz escravido o esprito
e o homem detentor de vida e razo.
O que Clemente de Alexandria estava fazendo era redefinir o atesmo aos
termos da f bblica. Para entendermos a acusao, precisamos enxerg-la como os
romanos a enxergavam. Temos provas disso nas narrativas remanescentes do
interrogatrio de vrios cristos. Um desses cristos, Dionsio, registrou o
interrogatrio numa carta a Hermano. Eis o relato:
Quando Dionsio, Fausto, Mximo, Marcelo e Quiremone foram
publicamente acusados no tribunal, Ameliano, o oficial romano, disse-

lhes: Discuti com vocs sobre a clemncia que nossos governantes tm


demonstrado, pois tm lhes dado a oportunidade de se salvarem, caso
retornem ao que natural, adorem os deuses que guardam o imprio e
se esqueam dos deuses contrrios natureza. Que me dizem disso?
Pois no acredito que vocs no sero gratos bondade deles, j que
lhes faro seguir por um caminho melhor.
Dionsio respondeu: Nem todo mundo adora a todos os deuses, antes
cada um adora queles que aprova. Ns, todavia, reverenciamos e
adoramos ao nico Deus, o Fazedor de tudo, que concedeu o imprio a
Augusto Valeriano e a Galiano e os favoreceu divinamente, a esse Deus
rogamos continuamente pelo imprio deles, para que permanea
inabalvel.
Ameliano estava pronto para conceder-lhes clemncia, se abrissem mo de
seus pensamentos atestas e adorassem os deuses de Roma. Quais eram os deuses de
Roma? Eram, todos eles, homens divinizados. Todo imperador, na ocasio da sua
morte, e algumas vezes antes dela, tornava-se um deus pela declarao do senado.
Sabemos pela histria grega, por exemplo, que vrias cidades se diziam ligadas a Zeus:
uma tinha sido o local do seu nascimento, a outra, o da sua sepultura, e ainda outra
ligava-se ao deus por ele ter supostamente governado de l por um tempo. Por isso,
alguns cidados se vangloriavam: Zeus dormiu aqui em tal e qual ocasio. Todos os
deuses dos gregos e dos romanos eram homens divinizados e, portanto, parte da
ordem natural. A divindade implcita e inerente a toda a natureza concentrava-se na
ordem social e nos grandes homens dessa ordem.
Tal filosofia ainda est muito presente entre ns hoje. O filsofo alemo, Hegel,
pai de quase toda filosofia poltica do mundo moderno Marxismo, Fascismo,
Nacional Socialismo, democracia afirmava que o Estado Deus caminhando na
Terra e que a divindade inerente da natureza concentra-se na ordem social. Portanto,
no h Deus acima nem alm do Estado. A filosofia de Hegel levou ao positivismo na
lei, ou seja, ideia de que lei aquilo que o Estado declara que lei.
Isso simplesmente o ressuscitamento da antiga crena pag do mundo grecoromano. Quando essa crena comeou a reviver, os homens olharam para trs, para os
sculos cristos, e os apelidaram de Idade Mdia. Inicialmente, chamaram o perodo
da queda de Roma at a Renascena de Idade das Trevas. Depois, obviamente, viram
que era muito difcil denominar esses sculos de Trevas, quando transitavam pela
Europa e viam os monumentos erguidos quela poca. Assim, pouco a pouco, foram
confinando a Idade das Trevas a intervalos de tempo cada vez menores, at que agora
nenhum historiador respeitvel usa o termo. Em vez disso, chamam essa poca de
Idade Mdia, perodo medieval: rompimento da continuidade da histria em que a
humanidade se desviou e os homens, desiludidos com o cristianismo, abandonaram
temporariamente o humanismo clssico. Mas com o Renascimento a civilizao
reviveu e a humanidade voltou a marchar! Era esta a perspectiva secular: o Estado
Deus caminhando na Terra.
Voltemos narrativa do interrogatrio conduzido por Ameliano. Ameliano, o

prefeito, disse-lhes: Mas, se ele um Deus, quem probe vocs de ador-lo com
aqueles que so deuses por natureza? Pois vocs so ordenados a reverenciarem os
deuses, os deuses que todos conhecem. Dionsio responde-lhe: No adoramos a
nenhum outro. Ameliano, ento, disse-lhes: Vejo que so simultaneamente ingratos
e insensveis bondade dos nossos soberanos, por isso no devem permanecer mais
nesta cidade. Vocs sero enviados para um lugar chamado Cefro, pois o escolhi pela
ordem de nossos soberanos (havia o imperador e um imperador adjunto). Alm disso,
no lhes ser nunca permitido, nem a ningum, promover reunies nem entrar nos
assim chamados cemitrios. Mas se qualquer um for visto fora do local ordenado por
mim, ou encontrado em alguma reunio, essa pessoa trar perigo a si mesma, pois o
castigo apropriado no falhar. Vo, portanto, para aonde lhes foi ordenado. Os
cemitrios referiam-se s catacumbas.
Vemos aqui, entre outras coisas, a mentalidade totalitria. Ameliano pensou
que estava sendo graciosssimo e generosssimo, ao dar a esses crentes a
oportunidade de se submeterem. O Estado moderno age da mesma maneira com os
cristos que se recusam a obedec-lo. Ele acha que est sendo gracioso ao dar-lhes a
oportunidade de se submeterem. Para Ameliano, o atesmo, conforme declarou
abertamente, era a descrena nos deuses naturais as foras na natureza que
convergiam no Estado. Era essa a questo.
Roma acreditava profundamente numa filosofia de ordem social e deleitava-se
com a ordem. Para consegui-la, Roma construiu uma impressionante malha viria por
todo o imprio, para que todo ele estivesse ligado pela lei imperial, e edificou
aquedutos extraordinrios, novamente para impor a ordem em todas as situaes.
Roma tinha legies de prontido por todo o imprio e toda uma hierarquia de oficiais,
mas uma vez para impor a ordem. Ela acreditava que a ordem e a moralidade eram
impossveis falando em termos modernos sem um policial em cada esquina;
acreditava que se retirasse as legies, o poder coercivo do Estado, o resultado seria a
anarquia total.
Num certo sentido concordamos com isso. Paulo diz que as autoridades civis e
os governantes devem ser um terror para os malfeitores. Mas Roma acreditava que
essas autoridades eram deuses caminhando na Terra, por isso tinham de ter
autoridade absoluta e o imprio tinha de ser o guarda-chuva sob o qual tudo existia.
Tudo tinha de estar sob a autoridade do Estado. Isso diametralmente oposto ao
conceito bblico de que todas as coisas esto debaixo da autoridade de Deus e que no
a lei imperial, mas a palavra-lei de Deus que deve governar o indivduo e a igreja, a
escola, a famlia, nossas vocaes, a sociedade inteira, e, finalmente, deve reger, entre
tantas outras formas de governo, o governo civil.
Essa matria foi logo definida pelo papa Gelsio II, numa doutrina que veio a se
celebrizar como o conceito das duas espadas, as duas grandes autoridades por meio
das quais Deus governaria. No h dvida que a igreja desde cedo levou a srio esse
mandamento. Lembremo-nos que uma das passagens mais importantes da Escritura
est em 1 Corntios 6, na qual Paulo diz:
Aventura-se algum de vs, tendo questo contra outro, a

submet-lo a juzo perante os injustos e no perante os santos?


Ou no sabeis que os santos ho de julgar o mundo? Ora, se o
mundo dever ser julgado por vs, sois, acaso, indignos de julgar
as coisas mnimas? No sabeis que havemos de julgar os prprios
anjos? Quanto mais as coisas desta vida!
A palavra julgar est relacionada ao livro de Juzes no AT e significa
governar. Os santos ho de governar o mundo, por isso tm de comear governando
as suas prprias esferas.
Desde cedo, a igreja estabeleceu um governo que julgava todas as
controvrsias entre os membros. No demorou e os pagos passaram a recorrer a
esses fruns, pois Roma estava to corrompida, que poca da sua queda o governo
de fato era o tribunal cristo. O verdadeiro governo da Europa, por quase trs sculos
inteiros, e na maior parte dos seis primeiros sculos, foi conduzido pelos tribunais
eclesisticos, e, tenho de admitir, foi o melhor governo que ela j teve. A igreja no
tentou suplantar o Estado, mas tentou erguer das runas de Roma um governo civil que
deveria ministrar ao seu prprio mbito. No entanto, a prpria igreja assumiu grande
parte do governo. Havia tribunais para tratar de questes eclesisticas, familiares,
cveis, criminais, e assim por diante.
Hoje, estamos vendo uma ressurreio assim nos Estados Unidos. Ela se d
basicamente, mas no inteiramente, sob os auspcios de uma sociedade jurdica. Em
vrias comunidades foram estabelecidos conselhos de arbitragem. Os cristos que
recorrem a esses fruns devem concordar em submeter seus casos a um conselho de
procuradores e as partes assinam um contrato que as obriga a acatar os resultados.
Recentemente, numa cidade relativamente pequena do Oeste americano, no decurso
de um ano, foram julgados, sem nenhum problema, casos que totalizavam 26 milhes
de dlares. Os santos esto comeando a julgar e a governar o mundo novamente.
Roma via a si mesma como o guarda-chuva sob o qual todas as coisas, inclusive
a igreja, tinha de existir. A igreja dizia: No pretendemos nos apropriar nem
reivindicar indevidamente nenhum poder que pertena legitimamente a Csar. Ns
oramos por Csar. Roma achava que isso era uma impossibilidade. Essas pessoas,
dizia ela, falam de um poder de governo que procede de um Deus invisvel e que atua
invisivelmente no indivduo. Elas esto nos pedindo para deix-las em paz nas suas
igrejas e escolas. Incidentalmente, a igreja primitiva, seguindo o padro da sinagoga,
era a escola. Era tambm uma biblioteca. De maneira muito significativa, o estilo
arquitetnico das primeiras igrejas, ao contrrio da atitude prevalecente em alguns
crculos eclesisticos, no eram estruturas simplrias, porque eram os palcios de
Cristo o Rei! O santurio era construdo para se parecer com a sala do trono. Naqueles
dias, quando a Escritura era lida, todos os membros da igreja ficavam de p, porque o
Rei estava falando. Os cristos acreditavam que havia um governo da parte de Deus,
por meio do seu Esprito Santo e que atuava nas vidas deles, cujo padro era superior
ao da lei romana imperial que governava suas igrejas e escolas: a Palavra de Deus, o
cnon, ou a regra, conforme eles chamavam.
Roma considerava que no poderia existir moralidade sem as legies e as

autoridades romanas para manterem a ordem e o controle. Nessa crena, ela comeou
a desintegrar-se. Mesmo quando perseguiam os cristos, os circos romanos estavam
se tornando uma caracterstica dominante da cena romana. Roma comeara a temer o
povo e, para mant-lo sob controle, subornava-o. Po e circo eram a nica maneira de
segurar a revolta das massas. Por volta de 275 d.C., a situao chegou ao ponto em
que os benefcios sociais no somente se estendiam a todos que os reivindicavam,
como tambm, para eliminar o trauma da necessidade de apelar para receb-los, o
imperador decretou que pertenceriam hereditariamente a todos os filhos do
beneficiado por eles. Um ano depois no havia mais o que dar s massas, por isso elas
o mataram!
O Estado moderno est buscando o mesmo caminho, oferendo mais e mais
subornos ao povo que no consegue controlar com a sua lei-palavra. Ele no pode
transform-los em cidados piedosos e cumpridores da lei, mas volta-se contra os
cristo e diz-lhes: Vocs esto deslocados. Esto destruindo nossa lei e nossa ordem.
Suas escolas e igrejas nos ofendem. Estamos tentando criar uma sociedade estvel,
uma cultura em que haja um padro moral comum.
Vocs, disse Roma aos cristos, so ateus, porque a ideia de qualquer Deus
acima e alm do Estado, qualquer Deus acima e alm da natureza, um mito. No
seria essa a atitude que hoje estamos enfrentando por parte do mundo?
A autoridade do Estado fora estabelecida como a ordem natural mxima.
Embora no possamos falar com autoridade sobre Crescncio, com quem Justino
Mrtir estava aborrecido, sabemos que a maioria dos filsofos pagos lia a Bblia com
um senso de pavor. Para eles, a nica fora moral convincente era o temor do Estado.
Nenhum longnquo poder antinatural (na perspectiva deles, mas na nossa
perspectiva sobrenatural), o Deus Trino, poderia controlar o homem. Negar a fora
da ordem natural e a sua condio de mxima ordem moral, jurdica e governamental
era atesmo. De que outro modo, defendiam eles, os homens poderiam se comportar?
Penso que a questo do atesmo da igreja primitiva evidencia um elemento
interessante e destaca a centralidade da doutrina do Esprito em nosso pensamento.
Ns da Chalcedon Foundation cremos que a primeira grande declarao sobre o
Esprito Santo, depois do seu papel na Criao, que ele o Esprito de sabedoria e de
entendimento. O apstolo Tiago nos diz que h algo que todos sem dvida podemos
ter se a pedirmos a Deus. Todos os outros dons de Deus e do Esprito so condicionais,
mas h um dom que todos poderemos ter se to somente o pedirmos. Quando
olhamos hoje para o nosso mundo, e especialmente para a igreja, evidente que
pouqussimas pessoas o pedem de fato: o dom de sabedoria. Se, porm, algum de vs
necessita de sabedoria, pea-a a Deus, que a todos d liberalmente (Tg 1.5).
Para ns, importante que reconheamos a centralidade dessa doutrina,
porque ela nos diz que h um poder atuante no mundo. Poder que uma Pessoa,
poder que pode instituir mais ordem do que o Estado capaz e que, em si mesmo,
como um da Divindade Trinitria, ordenou a vida do Estado. O Estado assina a prpria
sentena de morte quando se aparta do Deus Trino. Conforme a Divindade, ao falar
outrora como a Sabedoria, disse: Mas o que peca contra mim violenta a prpria alma.

Todos os que me aborrecem amam a morte (Pv 8.36).


O amor morte impera por todo o mundo. Hoje, por todo o mundo, estamos
nos espasmos da morte do estatismo humanista. A nica pergunta : Tomaremos
parte nesse terrvel suicdio? A Palavra de Deus adverte: sa do meio deles, e apartaivos, diz o Senhor (2Co 6.17). Devemos estabelecer as nossas igrejas, escolas, famlias
e vocaes nos termos da Palavra de Deus soberana, e onde for necessrio ser
obedientes s autoridades humanas, seremos obedientes. Mas onde tivermos de
obedecer a Deus e no aos homens, obedeceremos a Deus e a Deus somente.
Admitimos que a nica e verdadeira fora de uma sociedade, a sua nica fonte de
ordem moral, no procede do Estado. O Estado no pode oferecer ordem moral.
Somente Deus, mediante sua igreja fiel, mediante seu Esprito, mediante sua Palavra,
pode nos proporcionar essa ordem.
dessa ordem que o mundo necessita desesperadamente hoje. A crise da
ordem uma crise de propores gigantescas. Ela assombra a Unio Sovitica, cada
vez mais incapaz de controlar seus prprios jovens. O filho de um amigo meu visitou a
Unio Sovitica numa viagem de turismo pela Europa no seu prprio Volkswagen, e
logo se achou totalmente envolvido com a comunidade dos filhos da elite de Moscou.
Ele logo descobriu que tudo era muito parecido com o mundo das casas noturnas
daqui: a paixo pelo rock and roll, sendo o status mximo usar blue jeans desbotado e
remendado, e a falta de interesse por tudo que no fosse o prazer pessoal.
Ano aps ano a produtividade da Unio Sovitica tem cado. Em todo o mundo
ocidental, a produtividade tem cado. Os homens empenham-se cada vez menos na
produo, na construo e no desenvolvimento, e cada vez mais, no consumo, no
entretenimento e na evaso do mundo do trabalho e da responsabilidade. Vivemos, de
fato, num tempo crtico no qual o mundo est desmoronando ao nosso redor e o que
nos falta aquilo que Roma denominava de atesmo da igreja primitiva: o
reconhecimento de que somente Deus o Senhor, de que ele soberano sobre ns e
de que Se o SENHOR no edificar a casa, em vo trabalham os que a edificam (Sl
127.1).

Captulo dois: o desaparecimento da justia


Em 1971 o cientista europeu Roberto Vacca escreveu o livro The Coming Dark Age [A
Prxima Idade das Trevas]. Escrevendo a partir da perspectiva da cincia e da
tecnologia, o autor predisse o colapso vindouro da vida urbana e afirmou que em
razo da combinao da crescente falta de instruo, da tributao destruidora da
capacidade de autorrenovao dos sistemas e de muitos outros fatores, os principais
sistemas do mundo ocidental trnsito, coleta de lixo, telefonia, energia e correios
entraro em colapso. O seu prognstico omitiu intencionalmente a possibilidade da
guerra, o que, evidentemente, aceleraria esse colapso.
A perspectiva de Vacca a de que enfrentamos a chegada da Idade das Trevas
tem sido repetida por vrios outros eruditos. Todos tm uma premissa comum: a
saber, a de que a Idade das Trevas talvez esteja diante de ns. O fato que agora
estamos na mais negra Idade das Trevas do mundo.
O termo Idade das Trevas originou-se de escritores cristos na igreja
primitiva, que referiam como Idades das Trevas a qualquer poca da histria, em
qualquer lugar do mundo, que estivesse fora de Cristo. Assim, a Idade das Trevas est
l nas ruas de Sydney, Los Angeles, Chicago, So Francisco, Londres, Berlim, Paris e no
mundo inteiro. Alm disso, o erudito ingls Gil Elliot apresenta-nos no livro The
Twentieth Century Book of the Dead [O Livro dos Mortos do Sculo 20] alguns dados
impressionantes. Segundo Elliot, jamais houve, em nenhuma outra era da Histria e
em nenhum outro sculo, percentagem maior de morte humana por causa da guerra,
da revoluo, da fome causada pelo homem, dos campos de trabalho escravo, e assim
por diante. Neste sculo, disse ele, tem morrido uma proporo mais alta da
humanidade do que em qualquer outra poca da histria humana. Esta a verdadeira
Idade das Trevas.
A propsito, os dados registrados no livro dele vo somente at os anos iniciais
da dcada de 1960. Desde ento temos tomado conhecimento muito mais abrangente
sobre a grandeza do nmero dos que morreram por causa da revoluo chinesa.
Sabemos que na frica tem havido massacres sistemticos de centenas e milhares de
cristos e de que no Camboja o Khmer Vermelho eliminou sistematicamente cinquenta
por cento da populao. Conversei com dois sobreviventes dessa matana, e os
critrios que regiam a poltica de extermnio eram os seguintes: qualquer um que
morasse na cidade e conhecesse a vida urbana; qualquer um que fosse instrudo e
soubesse ler ou escrever (o que significava que a pessoa tinha ideias que no poderiam
ser erradicadas prontamente pelos lderes marxistas); qualquer um que j tivesse
viajado ao exterior; qualquer um que tivesse trabalhado para o antigo governo ou
fosse parente de algum que tivesse trabalhado para ele; e finalmente, e acima de
tudo, qualquer um que fosse cristo. Metade da populao do Camboja foi
assassinada.
A Idade das Trevas est a rodeando-nos por todos os lados. Mas Elliot ao tratar
dos dados referentes aos anos iniciais da dcada de 1960, precisou omitir uma questo

que lhe veio mente. Como todo bom liberal, ele se opunha ideia de que o pecado
tivesse algo a ver com isso, ou que o homem pudesse ser considerado como um ser
corrompido. Mas essa deciso deixou-o sem nada que explicasse o que havia
acontecido.
Esse tipo de informao que Elliot revelou mediante a estatstica no deveria
nos surpreender, uma vez que a histria do pensamento ocidental comeou com o
Iluminismo e especialmente com a Revoluo Francesa. No comeo do ltimo sculo,
Max Stirner, com o livro The Ego and His Own [O nico e a Sua Propriedade],
convocava ao anarquismo militante e provoca todos os seus companheiros ateus,
acusando-os de cristos enrustidos. Dizia ele: Quem de vocs tem a coragem de
dormir com a prpria filha, irm ou me? Se no a tiverem, porque so cristos
enrustidos. Os escritos de Stirner foram ressuscitados no comeo dos anos da dcada
de 1960 e exerceram grande influncia no movimento estudantil mundial. Nietzsche
era outro que convocava a humanidade para viver acima do bem e do mal.
Em 1973, Walter Kauffmann, um filsofo de Princeton prematuramente
falecido no h muito tempo, publicou o livro de ttulo Without Guilt and Justice [Sem
Culpa e sem Justia]. A tese de Kauffmann era simplesmente esta: a culpa um
conceito religioso e est relacionada ao Deus da Escritura. Logo, lidar com a sociedade
civil em termos de culpa e inocncia pressupor a existncia do Deus da Escritura.
Semelhantemente, temos de abandonar todo conceito de justia ou de injustia, a
vontade de um Deus sobrenatural algo que conhecemos como ideia disparatada. E,
consequentemente, precisamos reordenar a sociedade alm da concepo de bem e
mal, alm de culpa e inocncia, alm de justia e injustia.
De modo significativo, na ltima pgina do seu estudo, esse filsofo, hegeliano
at o tutano, citou a Escritura em Gnesis 2.1-5, o plano que o Tentador apresentou a
Eva:
Sereis como deus, cada homem o seu prprio deus, sabendo,
determinando por si mesmo o que bom mal.
Kauffmann chegou concluso de que o mundo, ento, no estava pronto para
esse evangelho.
Temos hoje as consequncias de geraes desse tipo de pensamento. Temos o
escritor estadunidense Paul Hoffman, que em 1974 deu ao seu relato da vida de um
famoso advogado criminalista dos Estados Unidos o ttulo de What the Hell is Justice?
[Que Diabo a Justia?] citao de um advogado criminalista. isso o que a nossa
cultura est pedindo. A consequncia disso a existncia da sensao geral de que a
justia desapareceu.
Temos de concordar com Kauffmann. Culpa e inocncia, justia e injustia,
esto ligadas ao Deus da Escritura. Se eliminarmos a f nesse Deus, se nos tornarmos
sistematicamente humanistas, temos de abandonar toda ideia de justia ou injustia.
Deus a fonte da verdadeira justia. A deteriorao da justia significa, portanto, a
deteriorao da religio. Se no se alicerar na essncia da natureza e do ser de Deus,

a justia ser, na melhor hiptese, um conceito perifrico e desnecessrio e passar a


ser meramente um ideal ou conceito pessoais e no, a natureza da realidade. A justia
s de fato importante para aqueles que creem que ela representa a natureza
essencial de Deus.
No comeo da dcada de 1960 eu estava na William Volker Foundation.
Naquela poca eu morava perto da Stanford University e fazia boa parte da minha
pesquisa na biblioteca dessa instituio. Naqueles dias, tive a ocasio de travar
conhecimento com um notvel economista clssico, um estadunidense extremamente
conservador. No sendo cristo, era demasiadamente inclinado aos antigos modelos
liberais: a crena na liberdade, na justia, e assim por diante. At seu ltimo dia de
vida, ele jamais conseguiu superar o horror que sentia pela rejeio dos estudantes de
Stanford ao conceito de liberdade, que consideravam invlido. O assunto no lhes
interessava. Se voc lhes tivesse falado sobre justia, disse-lhe eu, obteria a mesma
reao. Visto que estavam envolvidos numa revoluo que os beneficiava, rejeitavam
de imediato a ideia de liberdade; da mesma maneira teriam rejeitado a de justia,
porque ela lida com um mbito espiritual.
Negar a justia negar Deus. Alm disso, no temos conseguido entender o
que o significado de justia tem a ver com Deus e conosco. H um sculo, Girdlestone,
telogo ingls e especialista no AT, chamou a ateno para o triste fato de que a lngua
inglesa tinha duas palavras que significavam a mesma coisa. Uma tinha sido apropriada
pelo Estado e a outra, pela igreja, e as duas terminaram significando duas coisas
diferentes. Essas palavras so justia e verdade, e tm exatamente o mesmo
significado. Quando a Bblia fala da verdade de Deus est falando da justia de Deus;
quando ficamos sabendo que somos criados imagem de Deus saber, verdade,
santidade e domnio somos informados pela Escritura que somos criados em
verdade ou justia e que Cristo restaura essa imagem corrompida pela Queda para nos
restabelecer no nosso mandato da Criao, que o de dominar e subjugar a Terra nos
termos da imagem de Deus em ns: justia, saber, verdade e santidade.
Assim, justia ou verdade do nosso maior interesse. Ela d a conhecer a
natureza de Deus. Se perdermos de vista o fato de que a justia diz respeito aos
cristos estaremos entregando o mundo ao inimigo. E grande parte dos membros da
igreja, quando ela se torna antinomiana ou antilei, est de fato negando Deus, porque
Deus Senhor de todas as coisas, inclusive do Estado. O Estado tem tanto o dever de
manifestar a justia de Deus quanto o tem a igreja quanto o tem eu e voc.
O Estado, assim como a igreja ou eu e voc, tem o mesmo dever de manifestar
a justia de Deus, portanto, seja qual for a rea, o nosso cnone deve ser o modelo da
verdade de Deus, da justia de Deus, da lei de Deus. Conforme diz Isaas 8.20:
lei e ao testemunho! Se eles no falarem desta maneira, jamais
vero a alva.
Fiquei muito impressionado alguns anos atrs ao ler um livro, geralmente intil
sob outros aspectos, que me revelou o fato de que, quando se trata de coisas
importantes, o homem moderno de uma frieza compulsiva. Ele fica agitado com o

rock and roll e com muitas outras banalidades, mas quando se trata dos essenciais da
nossa civilizao e dos essenciais da nossa f, h uma frieza compulsiva. Um dos
aspectos do cinismo geral a preferncia por coisas que podem ser desdenhadas e
desprezadas. O fato entristecedor que a igreja, no que se refere as coisas de Deus,
sofre dessa mesma frieza compulsiva. Ela no zela pela verdade de Deus; no est
preocupada com a lei de Deus; deixou de exigir que o Estado seja um ministro de
justia.
Quero enfatizar que o Estado um ministro de justia, no o ministro de
justia. Toda e qualquer rea da vida e do pensamento deve manifestar a verdade de
Deus. O Governo no se limita ao Estado. O Governo comea com o autogoverno do
indivduo cristo e abrange o autogoverno da famlia, da igreja, da escola, das
vocaes, da sociedade em geral. Todas essas coisas nos governam em todas as reas.
A justia e a verdade devem estar evidentes. Se limitarmos a justia ao Estado, isso
significar que a justia se foi das nossas vidas. A justia tem de ser a vida de todos os
indivduos e de todas as sociedades, e comea conosco, com as nossas vidas e com a
nossa gesto das coisas que so nossas.
A propsito, o dzimo uma forma de justia; dar a Deus o imposto que lhe
devido. As pessoas hoje no se preocupam com o fato de estarem roubando a Deus,
nem, em muitos casos, se preocupam como deveriam com o assassinato de bebs no
nascidos, com a liberao da homossexualidade e muitas outras questes. Por que
deveramos nos surpreender com os ataques da presente era igreja e seus
ministrios, como, por exemplo, o da escola crist? Alm disso, temos visto o prprio
conceito de justia sob ataque macio. As modernas faculdades de Direito tm tentado
separar justia de moralidade.
Na dcada de 1920, John W. Burgess, importante poltico conservador dos
Estados Unidos, jurisconsulto e professor de Cincia Poltica na Columbia University,
em Nova Iorque, escreveu um livro cujo ttulo era The Sanctity of Law [A Santidade da
Lei]. Ele gastou o livro inteiro fazendo duas coisas: separando a lei de Deus e da
moralidade, afirmando que a lei expressava a vontade do Estado; ao mesmo tempo em
que insistia sobre a santidade da lei, pois aquilo que o Estado quer de necessidade
santa. Por conta desse fato na tradio jurdica, no deveramos nos surpreender por
enfrentarmos os problemas que temos.
O Estado s pode exercer justia quando ele mesmo est debaixo de Deus, e
mais, quando o povo est debaixo de Deus. O Estado que nega Deus, nega a justia.
Mas o Estado moderno v-se como legislador. A produo de leis atributo da
divindade. A fonte da lei de qualquer sistema o deus desse sistema. Originalmente,
nos termos da tradio inglesa, as colnias americanas e, subsequentemente, os
Estados no falavam em ter legislaturas, ou poderes legislativos, um costume
relativamente recente, mas em ter uma House of Burgesses [i.e., cmara de
moradores, um grupo de representantes da cidade ou da vila no parlamento] ou uma
General Assembly [Assembleia Geral], e assim por diante. Isso no existia com a
finalidade de produzir leis, mas para ajudar a levar a vontade do povo a influir naquilo
que os magistrados civis faziam para promover a justia na comunidade.

Ora, essas assembleias, evidentemente, passaram a legislar e gerar mais leis do


que qualquer um de ns pode conseguir ler. Todos os anos, as sesses desses poderes
legislativos e do Congresso, bem como das agncias burocrticas, criam leis suficientes
para abarrotarem um celeiro. Somos confrontados com uma grande massa de ordens e
decretos arbitrrios [fiat law, em ingls].
A palavra fiat vem do primeiro captulo de Gnesis: fiat lux, i.e., Haja luz!. Fiat
significa o ato criador pelo qual, com uma mera palavra, pode-se trazer algo
existncia. Como consequncia temos hoje, em praticamente todo Estado moderno, o
fiat money: papel-moeda irresgatvel e decretado como a moeda corrente. Conforme
disse Von Mises, um fato notvel que todo governo civil no mundo pode pegar papel
perfeitamente bom e convert-lo em dinheiro sem valor. Temos uma proliferao de
decretos arbitrrios leis que no tm relao nenhuma com a justia de Deus.
Por exemplo, em 1930 era ilegal andar nas ruas dos Estados Unidos
transportando uma garrafa de vinho, mas no era ilegal transportar uma barra de
ouro. Cinco anos depois, transportar vinho era legal e ouro ilegal. Nenhuma dessas
duas ordens da legislao tem a ver com justia. Elas representam o decreto arbitrrio
da vontade do Estado. Vemos cada vez mais os decretos arbitrrios do Estado se
convertem em lei, com o consequente colapso do Direito ao nosso redor.
Esse vrus remonta Grcia antiga. A filosofia grega afirmava a existncia de
uma esfera de valores independentes que era o universo das formas, das ideias, ou da
razo pura. Ela alegava que um grupo de elite os reis-filsofos eram capazes de
encarnar essa razo, e assim os universais eram tambm encarnados pelos reisfilsofos: por esse motivo eles podiam governar com justia perfeita. O vrus dessa f
contagiou o mundo ocidental. A Revoluo Francesa foi uma tentativa de estabelecla. Um dos membros da nossa equipe, Otto Scott, escreveu um livro sobre Robespierre
intitulado Robespierre, the Voice of Virtue [Robespierre, a Voz da Virtude]. Robespierre
achava-se isto: a voz da razo e da virtude; assim como a ditadura da Unio Sovitica
cr na prpria infalibilidade. Ela infalvel porque encarna a voz da razo, a divindade
encarnada em toda a essncia.
A razo autnoma pode assim refazer o mundo sua prpria imagem, e todos
os que se opem a esse Estado esto se opondo voz da razo. O resultado tem sido o
controle da eduo, o terrorismo, os movimentos para destruir a famlia e a igreja, a
engenharia biolgica, e muito mais. O objetivo refazer o homem imagem da elite
dos planejadores, o que resulta em injustia macia. Assim como para ns a fonte de
todo sentido o Deus Trino, para esses homens, o Estado. O Estado est agora em
processo de definio, de redefinio de tudo. A situao talvez no esteja to ruim na
Austrlia e na Nova Zelndia como est nos Estados Unidos, onde a Receita Federal
olha na cara da gente e, contrariando o sentido claro da linguagem que lemos, diz que
aquilo no significa o que a gente acha que significa. Mas, ao contrrio, significa o que
eles dizem que significa! Eles definem a linguagem e medida que a redefinem ela
passa a ter o sentido que eles lhe do. interessante tambm que, quando avaliam a
gente acerca de algum tributo que achem que lhes devemos, ele nos diro usando a
linguagem de Deus que temos trinta ou sessenta dias de graa para pag-la. O

negcio do Estado moderno redefinir o significado de todas as coisas.


Conversava recentemente com meu querido amigo Bill Richardson, Senador do
Senado do Estado da Califrnia,1 quando ele comentou um tanto exasperado quanto
ao que estava vivenciando no Senado estadual. Disse ele, Olha, acredito mesmo que
vo eliminar todos os crimes por meio da redefinio. Qualquer dia desses acho que
vo eliminar o estupro redefinindo-o como sexo unilateral.
Ademais, se no comearmos de fato com a justia de Deus, a verdade de Deus,
comeamos depois com a justia ou a verdade ostensivas do Estado. No h apelao
alm do Estado e aquilo que ele declarar como lei o que certo.
Em 1975, algumas militantes pr-vida, antiabortistas, apertaram o ento
senador John Tunney do Senado dos Estados Unidos na Califrnia do Sul e desfiaramno sobre a moralidade do aborto. O senador defendeu-o como moral. Com base em
qu?, insistiram. Com base na sua legalidade jurdica. Ento lhe disseram, Bem, se
a maioria do povo norte-americano passar amanh uma lei demandando a legislao
do roubo, o roubo ento seria moral?. Ao que ele lhes respondeu, Sim, porque ento
seria juridicamente legal!.
Esta a direo atual de todo o pensamento humanista no mundo inteiro:
identificar a vontade do Estado como algo alm da qual no h apelao. Se negarmos
a justia de Deus como bsica para a vida do homem, negamos essa apelao. Dizemos
que no h a Suprema Corte do Deus onipotente qual os homens podem apelar.
Enfrentamos esse problema hoje em alguns casos jurdicos prestes a virem
tona. H o caso da piquetagem a uma clnica de aborto na Carolina do Norte. Os
mdicos esto agora processando as pessoas que faziam piquete nas clnicas de aborto
com placas em que se liam Aborto Assassinato. Isso calnia, dizem eles ao
recorrerem aos tribunais. Uma vez que o aborto legal, referi-lo como homicdio e
cham-lo de imoral juridicamente errado. Eles abriram um processo de indenizao
em torno de um milho de dlares, creio eu.
A tristeza desse fato : se no reconhecemos a justia de Deus como acima e
imposta ao homem e ao Estado a igreja, a famlia, a escola, toda rea da vida e do
pensamento , ento essas pessoas estaro certas. Ns tiramos o governo de Deus, a
sua soberania, a sua justia, dessa rea da vida. Provrbios 12.28 diz-nos:
Na vereda da justia, est a vida, e no caminho da sua carreira
no h morte.
A perda da justia o fato-chave da nossa poca e alicera-se na perda da f no
Deus Trino e na vontade que o homem tem de ser o seu prprio deus. Mas o castigo
do pecado sempre a morte, seja dos homens, das civilizaes ou dos governos civis.

No Brasil, mais ou menos equivalentes ao Deputado Estadual e Assembleia Legislativa estadual


respectivamente [N. do T.].

Cristo, o nosso Redentor, tem-nos chamado santidade e verdade ou justia, e


somente mediante a sua Palavra que podemos achar a palavra para todos os homens e
todas as naes.

Captulo trs: intercesso


Para entendermos o contexto de cada uma dessas frases, indispensvel que nos
aproximemos da Palavra de Deus. As cartas de Paulo, por exemplo, no foram escritas
porque um dia ele se sentou e decidiu: Agora vou dizer s igrejas aquilo que acho que
elas precisam ouvir. Pelo contrrio. Ele estava respondendo as urgentes perguntas da
igreja acerca de questes de importncia crucial para ela.
Ao lermos Romanos 13, precisamos nos interrogar sobre que pergunta era feita
a Paulo. A resposta bvia, pois naqueles dias a grande questo em voga que
rasgaria as entranhas da igreja durante vrios sculos, quando a perseguio a
assaltava e alguns transigiam e a deixavam era esta: Quem o Senhor, Cristo ou
Csar?. Csar afirmava que era o senhor, o soberano. A igreja declarava que Jesus
Cristo o Senhor; declarao que era a sua confisso batismal. Isso, portanto, era o
que suscitava a pergunta: Se Jesus o Senhor, e se Csar no o senhor, devemos
sempre obedecer a Csar? Temos alguma obrigao para com Csar?
Foi para responder essa questo que Paulo escreveu o que registra Romanos
13. O que ele disse de fato foi que o Estado um ministro debaixo da autoridade de
Deus. A palavra que ele usa em grego diakonos, um dicono, um servo de Deus.
Obedecemos ao Estado porque cremos para traduzir em terminologia moderna
aquilo que ele afirma na salvao, no pela revoluo, mas pela regenerao. Por
isso obedecemos. Lembramos a todos do papel do Estado como ministro: castigar
quem pratica o mal. Sujeitamo-nos no porque Csar o exige, mas por causa da
conscincia, conscincia para com o nosso Senhor.
O mesmo verdade quanto s palavras de Paulo em 1 Timteo 2.1-2.
Versculos muitas vezes mal empregados. Mas o que Paulo diz :
Antes de tudo, pois, exorto que se use a prtica de splicas,
oraes, intercesses, aes de graas, em favor de todos os
homens, em favor dos reis e de todos os que se acham investidos
de autoridade, para que vivamos vida tranquila e mansa, com
toda piedade e respeito.
Devemos interceder por todos os homens, inclusive pelos reis.
Tal exortao no advoga a submisso incondicional s autoridades civis. Na
realidade esse texto era de fato uma ofensa a Roma e ocasio de conflito. Stuart
Perowne, no seu estudo sobre Cristo e a igreja e o relacionamento dessas coisas com
os Csares, assim descreve o conflito: Quanto atitude dos cristos para com o
Estado, dizia-se em sntese que, conquanto estivessem prontos e ansiosos para orar
por Csar, conforme ensinara-lhe o Mestre deles, os cristos se recusavam a orar a
Csar. Tal atitude simplesmente confirmava que eles eram uma organizao sediciosa
e subversiva.
Percebe-se a diferena? A igreja ofendia o Imprio Romano porque, em vez de

orar ao Augusto divino, ela orava por ele e por todos os homens. Isso colocava Csar
no mesmo nvel de todos os homens, at mesmo no dos mais humildes do seu reino, o
que para Roma era uma ofensa. Quando somos ordenados a orar pelos governantes, o
mandamento est nos intimando a orar por eles assim como oramos por todos os
homens, pela redeno deles, para que sejam fieis ao Senhor e cumpram suas
vocaes da maneira que Deus requer deles.
Quem se lembra do filme Um Violinista no Telhado talvez se recorde da cena
em que os estudantes perguntam ao velho rabino: Rabi, como devemos orar pelo
czar?. Ao que o velho mestre responde: Orem para que Deus o abenoe e o
mantenha distante de ns.
Havia um qu disso na igreja primitiva, embora a atitude dos cristos era
basicamente muito mais positiva. Eles deviam orar pelos governantes para que
vivamos vida tranquila e mansa, com toda piedade e respeito. Havia nisso o
reconhecimento de que a ordem civil e a paz dependem do exerccio justo da
autoridade da parte daqueles que esto em posies de liderana. A igreja devia dar
graas por toda boa gesto que o governante civil proporcionasse e devia orar por
direo, bem como pelo juzo de Deus sobre os que se desviassem. Dessarte, a nossa
orao pelas autoridades civis, conforme ordenada por Paulo, abrange tambm a
interseo por elas. Em si mesmo, esse um fato significativo. Quem intercede por
outro, tem, por isso, maior posio de poder.
Em janeiro passado fez um ano que o Sr. Ball, eu e mais seis outras pessoas
estivemos numa reunio na Casa Branca. Para que o encontro fosse realizado, pedimos
a um assessor da Casa Branca que intercedesse por ns e marcasse a reunio. Apela-se
a quem tem poder para interceder. Isso significa que Paulo estava dizendo que todos
os cristos, quando se apresentam como intercessores diante do trono do Deus
onipotente, tm posio de grande poder, de poder maior do que os dos Csares.
Alm disso, a palavra grega para intercesso um termo tcnico e significa
aquele que serve de intermedirio, entre o povo e o rei. Paulo estava dizendo:
Csar uma alma necessitada. Como cristos, devemos interceder em favor dele ao
Rei dos reis. Devemos estar em intercesso contnua, porque, por intermdio de
Cristo, temos acesso contnuo quele que pode salvar totalmente os que por ele se
chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles.
Aquilo que Paulo est dizendo igreja de Roma e a Timteo no deve ser mal
interpretado como se indicasse que os cristos devem simplesmente se submeter ao
Estado sem questionar, seja qual for a situao, e que eles se veem como se tivessem a
obrigao moral de obedecer. No assim. Somos ordenados a obedecer, mas temos
de obedecer a Deus, no aos homens. Estamos numa posio mais alta do que a de
todos os reis e imperadores, pois somos todos, mediante o poder da orao,
intercessores.
O Rev. Robert McCurdy, pastor de uma igreja no Estado da Georgia (E.U.A.),
teve problemas com a Receita Federal norte-americana. A sua igreja, muito grande e
clebre, com uma escola paroquial com cerca de 700 estudantes, foi intimada a

apresentar todos os seus registros, todos os dados relativos aos seus membros, quanto
cada um havia doado, quais eram as despesas e a quem eram pagas, a Constituio, os
estatutos e demais documentos da igreja. A frase final da intimao dizia: Responder
dentro de 30 dias.
Bob McCurdy respondeu por escrito: Ns estamos debaixo da autoridade de
Cristo, no da de vocs. Por que nos perguntam essas coisas? P.S. Estou lhes enviando
um exemplar da nossa Constituio: chama-se Bblia Sagrada.
Como resposta, ele recebeu uma dura notificao indicando que aquele no era
considerado um documento apropriado. Seja como for, o pastor McCurdy exps a
situao no boletim da igreja e pediu congregao que orasse para que Deus
acabasse com a Receita Federal. Ao que parece, assim como faz com outros grupos, a
Receita tinha plantado algum na mala direta da igreja que lhe passava todas as
correspondncias, porque esse rgo remeteu igreja uma furiosa notificao de
protesto sobre o pedido de orao. O rgo federal no considerava que a matria
fosse um assunto vlido para orao.
A nossa vocao interceder a um poder superior. O poder superior Deus
Onipotente, no o Estado. Mas hoje est cada vez mais evidente que os homens
consideram o Estado como o poder supremo, como a autoridade maior.
Segundo, um dos telogos liberais mais influentes dos Estados Unidos,
escreveu: Damos o nome de socialismo ao regime poltico em que a propriedade dos
meios de produo retirada dos indivduos e transferida s mos de instituies mais
altas cujo interesse o bem comum. medida que Segundo desenvolve esse ponto,
fica claro que s existe uma nica instituio mais alta do que tudo e que est acima
de todos os homens e de todas as agncias. Essa instituio o Estado. A tese de
Segundo, e de todo telogo liberal, a de que o Estado a instituio transcendental,
a agncia acima de todos os principados e potestades, que toma o lugar de Deus e
deveria tomar o lugar dele na mente e no corao dos homens.
Somente o Estado considerado capaz de agir em benefcio do bem comum,
de estar acima de interesses parciais e limitados, e de, assim como Deus, ser sempre
justo nas suas decises. Obviamente, tudo o que precisamos fazer dar uma olhada
nos jornais matinais para sabermos o contrrio. O Estado no infalvel nem
incorruptvel, no melhor do que os seus cidados em nada. Mas esse , em grande
parte, o conceito de Estado que temos conosco; principalmente um produto da
Filosofia moderna, como o hegelianismo, estando tambm profundamente enraizado
na antiguidade.
Muitos anos atrs, o erudito ingls W. W. Willoughby, resumindo o antigo
conceito grego do Estado como a ordem mxima ou final, escreveu: Numa filosofia
poltica como essa, claro que no cabia a ideia de que o Estado existia
exclusivamente, ou mesmo principalmente, para a proteo dos direitos privados de
seus cidados. Antes, alegava-se que sem o Estado o indivduo no tinha direito
nenhum, nem mesmo os direitos naturais ou morais, porque sem a educao e a
ordem proporcionadas pelo Estado, o cidado no teria a disposio nem a

oportunidade de levar uma vida moral e racional.


Uma consequncia ulterior dessa ideia sobre o escopo do Estado foi a de
converter a poltica e a tica praticamente em uma cincia. Nos escritos de Plato, as
duas eram exatamente o mesmo. Aristteles fazia diferena entre elas, mas,
consoante os princpios que temos estabelecido, ele transformou a Poltica na cincia
principal, sendo a tica uma das suas subordinadas. Tanto assim que ele afirma que a
sua tica um tratado poltico, no passando de uma introduo ao seu tratado sobre
a Poltica propriamente dita.
Essa ideia est muito presente entre ns quando vemos o Estado reclamando
jurisdio cada vez maior sobre cada rea da vida e do pensamento, como se essa
jurisdio procedesse de Deus; como se todos os direitos, todos os princpios morais,
emanassem dele mesmo; como se no fosse possvel discordar do Estado sem violar-se
nenhuma premissa moral divina. Mas s o Senhor Deus dos Exrcitos quem pode
reclamar fidelidade assim.
Alm disso, conforme prossegue dizendo Willoughby: No tanto que o
Estado interferisse em quase tudo, antes quase tudo estava absorvido no Estado. A
religio era a religio do Estado e todo aquele que anunciasse deuses novos tinha de
sorver o clice fatal. A famlia era s um meio para os fins do Estado. O Estado podia
impedir o comrcio e meter em grilhes todas as atividades da economia dos
indivduos. O Estado no reconhecia nenhuma outra sociedade seno a si mesmo. Esse
Estado era apenas a consequncia lgica das mesmas ideias polticas que prescreviam
as suas melodias msica, as suas afinaes aos instrumentos e aventurava-se a
proibir que as Helenas lessem Homero. A tese de Willoughby foi bem desenvolvida.
Tudo foi absorvido pelo Estado e o homem no tinha vida nem liberdade fora dele. Os
pressupostos eram a infalibilidade do Estado e a estupidez de todo aquele que se lhe
opunha.
Temos hoje uma doutrina semelhante, que tem seus desenvolvimentos e foi
refinada em alguns pontos, mas, em essncia, considera como sem fundamento negar
hoje a supremacia do Estado. Por qu? Porque, desde Rousseau, temos visto a
identificao de toda autoridade moral com o povo a voz do povo a voz de Deus
(vox populi, vox dei) e a identificao do Estado com a voz do povo.
O resultado que temos a deificao do povo e do Estado do povo. Os pases
marxistas se autodenominam de Repblica Popular [i.e., do povo] do Pas Tal
Repblica Federal Popular da Alemanha, ou Repblica Popular da Coreia do Norte ou
da China, conforme o caso. Nas democracias ocidentais, apela-se novamente ao povo.
Temos aquele tipo de situao que Lewis J. Howell descreveu assim: Hoje quando o
primeiro-ministro da Unio Sovitica faz um comunicado ao presidente dos Estados
Unidos, ele tenta expressar a viso do povo sovitico sobre o assunto em pauta.
Quando o presidente dos Estados Unidos lhe replica, d a resposta do povo norteamericano substncia do comunicado do primeiro-ministro. Em 1945, em So
Francisco (E.U.A.), na fundao das Naes Unidas, sessenta indivduos investidos da
autoridade de outros tantos estados soberanos, alguns dos quais chamamos de
ditaduras e uns poucos do que denominamos de democracias liberais, redigiram e

assinaram um documento que comea assim: Ns, o povo das Naes Unidas.
Que significa isso? A mais alta forma de impostura poltica hoje a de tomar
posse do nome do povo. Os polticos que alegam expressar a vontade do povo dizem
com isso que, quem discordar deles ope-se a todo o povo e no um do povo. Eles
querem dizer que de alguma maneira encarnam em si mesmos a vontade do povo, a
qual, por isso mesmo, tem fora moral e autoridade totais. Mas a voz dos profetas e a
voz da Escritura Assim diz o Senhor, no Assim diz o povo. O povo no
existe. No passa de um substantivo coletivo, usado por indivduos inescrupulosos
para atriburem a si mesmos uma autoridade subtrada.
Temos de dizer ao povo, s Repblicas Populares deste planeta e aos que
intitulam a si mesmos de voz do povo: Assim diz o Senhor. Temos de dizer que
somos o povo do Rei e que qualquer um pode pertencer ao Rei ou ser um do seu povo.
Somos intercessores e, portanto, somos o povo do poder. O poder no pertence a um
povo mtico, mas a Deus e dele promana para o mundo inteiro.
Homens como Robespierre poderiam dizer que tudo permitido queles que
agem em nome do povo. Foi por causa disso que tivemos o terror da guilhotina.
Hoje, temos aqueles que, em nome do povo, insistem que a igreja e seus
ministrios tm de ser controlados. Hoje, temos pases onde, em nome do povo, o
cristianismo tem sido suprimido e o martrio a ordem do dia. Pouqussimas pessoas
entendem, pois no ouvimos mais acerca disso, que a perseguio dos cristos na
Unio Sovitica tem crescido nos anos recentes; tem crescido porque o nmero de
cristos tem crescido muito. Os soviticos esto descobrindo que, quando localizam
uma igreja, atacam-na e prendem seus membros, se dois ou trs deles escapam, cada
um segue o prprio rumo e comea uma nova congregao. Eles destroem uma
somente para terem trs novas igrejas nascendo.
Esto descobrindo que, se h vinte anos essas pessoas simplesmente curvavam
a cabea e recebiam a sentena ao serem presas, elas agora, em nome do Deus
onipotente, levantam a voz e se defendem diante dos seus perseguidores e dos
tribunais. Elas declaram que esto falando em nome do Senhor que Senhor de todos,
o qual julgar os juzes que as julgaram. No admira que as autoridades estejam
aumentando a perseguio, pois reconhecem o poder que est crescendo no meio
delas.
Os cristos ofendiam Roma por orarem a Deus, no a Csar, e por orarem por
Csar. O humanismo fica ofendido quando no invocamos o nome do povo nem nos
rendemos ao nome e poder do Estado. Tenho estado em tribunais onde os cristos
sendo julgados so repreendidos pelo corte por citarem a Escritura. Na verdade,
quando o Sr. Ball e eu estivemos no Michigan (E.U.A.), o juiz que, para o espanto de
todos, decidiu finalmente em nosso favor, apesar disso exasperou-se com os pastores
e os professores da escola crist porque eles citavam as escrituras. Disse ele: No
quero ouvir mais nenhuma Bblia, por favor!.
A atitude dele compreensvel, porque invocar a Escritura invocar uma lei

superior. declarar que h um Tribunal Superior. um apelo implcito intercesso de


Deus, cuja lei tambm est sendo julgada em tais casos.
Enfrentamos um problema hoje, porque temos novamente a doutrina pag da
intercesso se espalhando ao nosso redor. Voc est com algum problema?,
pergunta-se s pessoas, ora, procure a previdncia social, ou v a um posto de sade,
ou sede governamental do municpio. Algum l vai cuidar do seu caso. Os jovens
das nossas escolas estaduais so levados a acreditar que podem apelar a qualquer uma
dessas autoridades quando eles enfrentam problemas com os pais. Essas autoridades
perguntam-lhes: Seus pais exigem que vocs vo Escola Dominical? Isso no justo.
Exigem que participem do culto domstico? Isso no est certo. Se vocs procurarem o
conselho tutelar, poderemos ajudar-lhes. Busque a intercesso do Estado.
Essa uma questo religiosa. A intercesso uma doutrina religiosa. Na
intercesso sempre nos dirigimos ao poder maior e como intercessores temos de
reconhecer que o poder maior no Csar, que est debaixo da lei de Jesus Cristo,
mas o Deus Trino. Como seus intercessores, temos a responsabilidade de exercitar o
seu governo. Ele requer que criemos os nossos filhos na disciplina e na admoestao
do Senhor. Eles no podero ser criados nos termos desse mandamento se forem
entregues s escolas humanistas, nas quais a substncia do ensino , na sua essncia,
anticrist. O nosso trabalho como intercessores determina, portanto, que em todas as
reas da vida e do pensamento assumamos o ministrio da compaixo, cuidando uns
dos outros, como membros uns dos outros, ministrando s necessidades humanas em
todas as reas.
Paulo comea declarando que os cristos deviam interceder, mediante a
orao, pelos governantes. A igreja primitiva via isso como um ministrio por meio do
qual, como intercessores diante do Rei, comunicavam a graa e a misericrdia de Deus
a todos os povos. Assim, os cristos tinham misso para todos, crentes e incrdulos
ministrio da graa com o evangelho, ministrio de compaixo pelo qual ministravam
s necessidades humanas da comunidade, ministrio de misses aos que estavam
perto e aos que estavam longe. Isso porque eram intercessores. Eles levaram ao
homem e a toda rea da vida e do pensamento a influncia da Palavra de Deus e da
vida que Deus ordenou. Gradativamente, os cristos substituram o po e o circo por
um ministrio voltado para o homem na sua totalidade. Foi assim que na Europa
nasceram hospitais, universidades, escolas de todo tipo, misses aos leprosos, misses
aos povos das fronteiras e alm. Isso era visto como um dos aspectos do ministrio de
interseo; pela interseo a Deus por todos os homens e pela obedincia ao
mandamento de Deus para todos.
Hoje, no mundo inteiro, temos um Estado moderno que est brincando de
Deus e que faz isso porque, pela nossa omisso, permitimos que ele assumisse uma
rea aps a outra, na medida que fomos abandonando nossos ministrios nessas
reas. Precisamos comear a reassumir esse ministrio. Devemos iniciar orando por
todas as autoridades, no s autoridades, e depois exercitando a autoridade, que
nossa em Jesus Cristo, sobre todas as reas da vida e do pensamento.

Captulo quatro: a lei e a justia


Como se responde a algum que questiona vrios temas espirituais como a teonomia e
a ressurreio? A resposta : no se responde. Deixe-me ilustrar.
Quase quarenta anos atrs, eu era missionrio numa reserva indgena ao
nordeste de Nevada (E.U.A.), numa rea isolada centenas de quilmetros distante das
linhas de nibus, da cidade e da ferrovia. Eu ministrava reserva indgena, cidadecongregao com aproximadamente oitocentas pessoas, quase treze quilmetros ao
norte, e a um pequeno campo de minerao fora dos limites da reserva.
Certo homem naquela minerao queria muito me ver. Ele sentia muita falta de
companhia. Fiquei surpreso quando descobri que era bastante instrudo e conhecia
tanto o grego clssico como o do NT. Assim, recebeu-me bem e queria que passasse
por l sempre que possvel; o que eu fazia uma vez por ms, mais ou menos. Na
primeira vez que estive com ele, rejeitou a minha abordagem em termos de f. Disseme ele: Eu no creio. Acho a Bblia um monte de disparates, como a narrativa de
Jonas e a baleia.
Eu respondi, John, deixe-me dizer-lhe algo. H um livro, agora bastante raro,
que descreve as experincias dos baleeiros norte-americanos no ltimo sculo. Vrios
deles foram arremessados pela gua para fora do barco, ou caram dele, e terminaram
engolidos por uma baleia ou por um grande peixe de alguma espcie. Um ou dois dias
depois, quando a criatura era arpoada e puxada para o barco, essas pessoas ainda
estavam vivas e eram resgatadas. uma questo de registro histrico do sculo
passado.
Sobre isso, continuei, h o fato interessante de um medalho do
Mediterrneo datado aproximadamente da mesma poca, ou pouco depois, do dia
descrito por Jonas. O medalho comemora um estranho evento muito diferente de
todos os que temos. Ele mostra um peixe gigantesco chegando praia e regurgitando
um homem. Isso parece indicar que talvez haja alguma relao com a histria, no
acha?
Bem, sim, acho, respondeu ele. Mas h isso sobre a Bblia e avanou para
outra questo. Achei-me respondendo objeo aps objeo e citando dados
histricos. Depois de cerca de um ano ou mais ele levantou de novo a questo de
Jonas e da baleia. Naquela poca eu j estava um pouco mais esperto e disse-lhe,
John, estou comeando a entender uma coisa. O seu problema no Jonas e a baleia
nem qualquer outra coisa da Bblia. O seu problema que voc pecador e vai sempre
levantar todo tipo de barreira intelectual para esconder tal fato. Vamos tratar do
verdadeiro problema que voc tem com a Bblia: o fato de ela dizer que voc
pecador e de voc no admitir isso. Por causa disso, ele deixou claro que no queria
mais que eu voltasse l!
No perca o seu tempo com discusses. O problema do homem no
intelectual, religioso. esse o problema do homem em todas as reas da vida e da

mente. por isso que ao abordarmos a questo da lei estamos tratando novamente de
um fato religioso. Toda lei inescapavelmente moral. Sintetizando brevemente essa
premissa: toda lei condena algumas coisas que considera como ruins e protege outras,
como boas. Alm disso, a moralidade um aspecto da religio. No se pode fugir do
fato de que, ao se criar um sistema jurdico, se tem a fundao de uma religio. Todo
sistema jurdico do mundo a instituio de uma religio. Que pode ser cristianismo,
humanismo, budismo, islamismo ou xintosmo, mas todo sistema jurdico representa
uma estrutura moral e teolgica.
A ideia de que no podemos legislar a moralidade um desvario. Isso tudo o
que podemos legislar. Tudo o que de fato legislamos representa um juzo moral, seja
bom ou mau, cristo ou no cristo. por isso que sempre se faz oposio a toda nova
religio que entra no pas. Logo que ela comear a ser bem-sucedida, ser perseguida,
pois uma ameaa aos fundamentos do Estado. Roma sabia o que estava fazendo.
Roma reconheceu que o cristianismo tinha um sistema moral diferente; tinha um
soberano diferente, Jesus Cristo, no, Csar. Roma reconheceu que a lei do
cristianismo tinha como premissa, no a palavra de Csar nem do Senado romano, mas
a Palavra de Deus. Por causa disso, o imprio entendeu que era urgentemente
necessrio se opor ao cristianismo.
Quando Roma aceitou finalmente o cristianismo, foi por questes pragmticas.
Os imperadores fizeram tudo para solapar a f. Todo Estado precisa fazer as pazes com
a religio. Um estado no religioso no consegue existir. Para isso no necessrio a
instituio de alguma igreja especfica. Significa que as leis e o carter do Estado
refletem inescapavelmente uma f religiosa. por isso que um dos grandes
magistrados da Suprema Corte Americana, o Ministro Story, deixou claro apesar de,
poca, ser liberal e um dos lderes da Associao Unitria da Amrica que a f
bblica rigorosa era, em essncia, a lei comum dos Estados Unidos. Ela oferecia o
fundamento do nosso sistema legal.
Mas, evidentemente, o problema agora que os Estados Unidos, assim como j
ocorreu em outros pases, esto na fase de mudana do alicerce cristo para o
humanista. Muito frequentemente, no somente nossas escolas instituies
religiosas da religio humanista , mas tambm nossos tribunais refletem essa nova
religio.
A propsito, h alguns livros para treinar professores de escolas pblicas que
confessam abertamente que os mestres devem ensinar valores humanistas. Quando
testemunhei em defesa das igrejas do Michigan (E.U.A.), levei comigo para a tribuna
um livro publicado por um dos educadores desse Estado intitulado A Humanist Sourcebook in Education [Livro de Referncia em Educao Humanista] cujo objetivo era
treinar os professores para inculcarem valores humanistas em seus alunos
magistrio totalmente religioso. Eu aleguei que as escolas estaduais tendem
claramente f religiosa e que essa f conflita e est em guerra com a f crist.
A lei inescapavelmente religiosa. Alm disso, no resta dvida que a lei reflete
conceitos de justia ou verdade. A justia inseparvel da lei verdadeira. Se a lei no
incorpora a justia, o Estado e a sociedade so instveis e sofrero inevitavelmente um

colapso. Se a lei no incorpora a lei de Deus, a justia de Deus, a verdade de Deus,


incorporar de qualquer modo a do homem. Mas o que ocorre quando o homem diz
Vamos! Faamos leis segundo o nosso raciocnio, segundo nossos prprios recursos?
O problema que o homem uma criatura cada. Como poderia o homem cado
proporcionar justia? Ele pecador! Tudo o que ele decretar refletir a sua natureza,
seus interesses particulares. Como resultado, a lei refletir o interesse de uma classe,
um interesse particular, e isso no ser justia.
Aqueles que dizem que, como cristos, deveramos nos contentar em ficarmos
em nossas igrejas e permitirmos que o Estado nos d leis humanistas esto dizendo
efetivamente que podemos ter uma ordem social justa baseada nas premissas do
homem cado; esto dizendo que a Torre de Babel teria sido bem-sucedida e que
algum dia o ser.
Entretanto, se o Senhor no edificar a casa, em vo trabalham os que a
edificam. O que temos hoje pelo mundo inteiro a tentativa do homem moderno de
erigir a Torre de Babel no Estado, e de ergu-la sobre um fundamento internacional
nas Naes Unidas. Mas se o homem cado capaz de legislar e de produzir justia ou
verdade numa rea no Estado, por que, ento, no poderia ele produzir a justia em
todas as outras reas e salvar a si mesmo? Essa a consequncia de se rejeitar a lei de
Deus em favor da lei do homem. Se a justia do homem pode manifestar-se a despeito
do fato de ser ele uma criatura cada, e se o homem capaz de proclamar a justia
verdadeira numa rea, por que no em todas elas?
A realidade crua que, na longa histria do homem, a lei humana tem sido
sempre opressiva, maligna e tirnica. Quando o homem procura legislar parte de
Deus, legisla o pecado. Nos Estados Unidos, no havia legislaturas originalmente. Havia
Assembleias Gerais, Cmaras de Moradores e outras agremiaes semelhantes que se
reuniam a fim de ajudarem a levar a cabo a execuo de uma ordem crist, uma
estrutura crist e a justia na sociedade. Pouco a pouco essas instituies foram
convertidas em legislaturas nas quais os homens perceberam que poderiam fazer
justia por si mesmos parte de Deus.
O homem humanista evoca entidades humanas capazes de decretarem justia.
Era essa a doutrina do direito divino dos reis. Temos hoje a doutrina de que o povo, de
alguma maneira, incorpora a justia. Parece que tudo o que temos de fazer deixar o
povo se expressar para que haja justia. O poeta Carl Sandburg escreveu o livro The
People, Yes [O Povo, Sim] dando a entender que a mera voz do povo produziria a
justia.
Deixem-me citar o Dr. Howell a respeito da questo do povo: Tanto os
procedimentos liberais como os jacobinos baseiam-se na premissa de que entre as
formas do ser no mundo existencial existe uma entidade pessoal denominada de o
povo. Os marxistas ortodoxos concebem-na como singular: uma classe social mundial
que existir, finalmente, quando os seus inimigos forem eliminados, e abranger toda
a populao humana. Os nacionalistas concebem-na como plural, representada por
muitos povos e naes. Mas a realidade existencial no consegue se ajustar muito aos
dois casos, permanecendo excessivamente imperfeita em termos de ideia perfeita.

Quando se equaciona justia ou verdade com povo, cria-se uma ordem social
grandemente maligna. O povo assim como os criminosos, os capitalistas, os
estrangeiros, a classe mdia, a classe baixa, a alta classe, ou qualquer outra classe
no quer justia nem verdade. O que todos eles querem a prpria vontade! por
isso que o Estado moderno est em apuros. Ele incorpora a vontade do homem, uma
vontade corrompida. A lei verdadeira tem de representar a verdade de Deus e
proteger o homem do homem, o homem do Estado, o homem dele mesmo. No fim das
contas, o nosso Senhor disse: do corao procedem maus desgnios, homicdios,
adultrios, prostituio, furtos, falsos testemunhos, blasfmias (Mt 15.19). Como
poderia um corao assim criar de fato a justia ou verdade dizendo Vamos! Faamos
leis para ns!?
Somente a lei de Deus transcende os homens. Somente a lei de Deus capaz de
proporcionar ao homem a justia, a retido verdadeira. Deixem-me citar mais uma vez
o Dr. Howell: Toda comunidade pode ser definida pela sua ideia bsica. A distino
entre as comunidades est na ideia bsica delas. Isso bem verdadeiro, exceto que o
Dr. Howell, no sendo cristo, no enuncia a sua proposio adequadamente. Em vez
de ideia bsica ele deveria ter escrito f bsica. Essa a marca identificadora de
qualquer comunidade, de qualquer ordem social. A f da comunidade aquilo que
rege o seu conceito de lei, de comunidade e de tudo o mais.
Vamos considerar isso por um momento. Se voc cr que o Credo Apostlico
uma sntese da nossa f crist, sempre que o disser estar afirmando que cr na
comunho dos santos. Quanto a isso, muito interessante retrocedermos igreja
antes da conquista normanda. Naquele tempo, quando os membros da igreja inglesa
repetiam o Credo Apostlico, diziam essa frase particular da seguinte maneira: Creio
em: dos santos, a sociedade. O que se reconhecia claramente, e o arcebispo Elfric e
outros punham em destaque, era o fato de que a ordem social incontestavelmente
uma sociedade. Caso contrrio, ela se desintegra e faz guerra a si mesma, assaltada
pelo conflito interno. Em vez de os indivduos serem membros uns dos outros, eles se
escondem em casa, no se interessam em conhecer os vizinhos, tm medo do povo da
rua e sobressaltam-se quando esto numa vizinhana desconhecida. A sociedade no
existe.
A sociedade um fato religioso. a culminncia da nossa afirmao. Quando
dizemos Creio em Deus Pai, Todo-poderoso Creio em Jesus Cristo, e assim por
diante, conclumos dizendo: Creio em: dos santos, a sociedade, ou mais
modernamente, Creio na comunho dos santos.
O Estado humanista no capaz de proporcionar comunidade. O fato trgico
ao nosso redor hoje as pessoas buscarem comunho em atividades doentias e
frenticas, como o rock and roll. Elas tm a sensao de comunidade quando se
entregam a impulsos primitivos e malignos ou quando, pelo envolvimento sexual,
desfrutam de um sentimento fugaz de comunho. As pessoas buscam comunho e
comunidade em todo tipo de prticas alheias justia de Deus, mas comunho e
comunidade lhes escapam por serem uma impossibilidade. No h vida, nem
comunho, nem comunidade, fora de Deus. Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida,

disse Jesus (Jo 14.6).


A Bblia nos diz que pecado qualquer falta de conformidade com a lei de
Deus, ou qualquer transgresso dessa lei. O oposto do pecado a obedincia. Pecado
desobedincia. O apstolo Joo afirma: o pecado a transgresso da lei (1Jo 3.4).
O que fidelidade? obedincia lei de Deus. Se pusermos a justia parte da lei de
Deus, teremos, ento, uma definio humanista de retido e tentamos construir
novamente a Torre de Babel. por isso que Deus est trazendo confuso ao mundo de
nossos dias. H confuso de um polo ao outro. O resultado final da confuso ser a
morte. No h nenhuma espcie de vida, justia e retido parte de Deus e da sua
palavra-lei.
digno de nota que o mundo antigo tenha reconhecido que nenhum Estado
poderia existir sem uma doutrina de expiao. Um dos fatos extraordinrios de que
sempre esquecemos quando abordarmos a histria que a histria essencialmente
religiosa, seja ela crist ou no. Por isso temos nos compndios uma histria
desidratada.
Jlio Csar exemplo disso. Como foi que ele triunfou? Aqui e ali ao longo de
trezentos anos houve guerra em Roma. Era uma guerra entre a antiga aristocracia e a
plebe, ambas, para tomarem o controle, agiam com igual selvageria e eram tambm
grandemente corruptas. Ento veio Jlio Csar trabalhando contra a prpria classe
para conquistar o poder. Ele percebeu que tinha a soluo, expressa numa nica
palavra: clementia. Cujo significado perdo; perdo de pecados. medida que
ganhava as batalhas e conquistava parte de Roma, o povo vinha at ele com toda sorte
de provas documentais sobre a corrupo da classe dominante. Em cada caso, quando
lhe apresentavam as informaes, Csar ordenava que se acendesse uma fogueira e
dizia: Tudo est perdoado. O passado deve ser esquecido. Haver perdo de pecados
e criaremos uma nova sociedade.
Jlio Csar conquistou Roma nos termos do perdo de pecados; entretanto,
apesar de ele poder dizer perdoo os seus pecados, no podia mudar o corao de
ningum. Os indivduos perdoados continuavam to irregenerados quanto o prprio
Csar. Posteriormente, esses mesmos homens, cujas ofensas ele perdoou e cuja
corrupo subiu na fumaa da fogueira, assassinaram-no. Eles no haviam mudado.
Mas isso era um programa religioso. O mundo antigo inteiro reconhecia e nisso ele
estava nossa frente que s possvel se construir uma ordem social sobre um
fundamento religioso. Esse fundamento religioso, diziam eles, era a expiao. Por isso
cumpriam-se todo ano em Roma os ritos anuais da lustrao, da expiao e da
purificao.
Quem no aparecesse para os ritos anuais de expiao, se no fosse um
soldado combatendo longe de Roma, perdia a cidadania. Os mercadores deveriam
cuidar para que suas viagens terminassem a tempo de voltarem para casa, caso
contrrio perderiam a cidadania. Roma, assim como outras culturas da antiguidade,
alegava que a expiao era indispensvel; que homens culpados eram perigosos; que
eles tinham de ser transformados de alguma maneira, seno a ordem social seria
destruda. Evidentemente, uma vez que as expiaes oferecidas por tais culturas eram

inteis e nulas, j que no eram bblicas, as suas ordens sociais foram destrudas. Elas
no podiam remediar o pecado nem o fato de que as suas leis representavam o
pecado do homem fingindo-se de justo. Cada uma delas caiu na sua hora.
A triste realidade que, nos sculos passados, erramos muitas vezes quando
dissemos: Sim, os pagos estavam certos. Um fundamento indispensvel. E tem de
ser a expiao oferecida por Cristo. Mas, assim como Roma, tentamos for-lo de
cima para baixo, o que no funciona.
Ningum pode ser salvo por decreto do Estado. Se assim fosse, teramos um
mundo perfeito. As tentativas de salvar a sociedade obrigando-a, de cima para baixo, a
ser crist foi um desastre, tanto da parte de catlicos como de protestantes, e ambos
j tentaram isso. Ambos, creio eu, aprenderam a lio.
O nosso trabalho de baixo para cima. trazer o poder de Deus e a expiao
divina sobre a vida de todo homem, fazendo da expiao a base da sociedade. fazer
da lei parte da nossa vida, de sorte que mostremos claramente a justia de Deus em
todo o nosso ser e em toda rea e esfera da vida em que estivermos envolvidos. Roma
procurou, com toda a sua fora, produzir justia sua maneira de cima para baixo, mas
desintegrou-se.
O esprito de Roma era evidente. Paulo refere-se a ele no aforismo: comamos
e bebamos, que amanh morreremos (1Co 15.32). A vida no tem outro sentido ou
propsito seno o de se conseguir tudo o que for possvel enquanto se pode. Essa
mesma filosofia romana prevalece hoje. interessante que, com essa filosofia, os
romanos perderam tambm a f at no comer e beber e no conseguiam se alegrar.
Esse mesmo aforismo foi encontrado no Egito antigo dos dias de Moiss. Os egpcios
tambm chegaram concluso de que comer e beber no davam prazer, que nada
dava prazer, que a vida em si mesma era um fardo.
A inscrio mais comum nas lpides dos pagos romanos era esta: Eu no era,
no sou, no me importo. Ela passou a ser to comum que, por questes econmicas,
nem mesmo era escrita por extenso nas lpides. Punha-se nelas apenas as iniciais
dessas palavras. Essa inscrio era a expresso da f romana. Roma morreu muito
antes de cair.
Assim tambm o mundo ao nosso redor est morrendo. Est morrendo porque
no conhece a justia de Deus para salvao, porque no conhece a expiao de Jesus
Cristo. Est morrendo porque se recusa a aplicar a justia de Deus na vida diria
individual, familiar, social, vocacional e governo civil. Mas essa justia urgentemente
necessria. por isso que somos chamados para ser a luz do mundo e o sal da terra. O
sal um conservante. Era usado para preservar a comida por vrios dias, quando no
era possvel obt-la em outro lugar.
A reserva indgena em que eu ministrava era muito distante da cidade. Num
inverno em que eu estava l, nevou no domingo antes do Natal. O exrcito s chegou
em meados de maio com equipamento especial para desobstruir a estrada que levava
aldeia. A rodovia estava debaixo de quase dois metros de neve. Naturalmente, num

inverno desses no possvel cruzar o gelo at o posto comercial para se obter


alimentos. Os estoques quase sempre se esgotam e dependemos do que se tem em
casa. Durante o vero eu podia pegar todas as trutas que conseguisse, pois dentro da
reserva no havia limites, e coloc-las na salmoura para poderem ser consumidas
posteriormente, quando no se tivesse mais nada mo. A salmoura era o agente
conservante.
O Senhor diz que, sem ns, este mundo cado se desintegrar na anarquia total,
no caos total. Somos o agente conservante. Somos o sal da terra. Mesmo preservandoo da anarquia e decadncia totais, as quais o esmagaria conforme as suas prprias
premissas, ns, como luz do mundo, oferecemos a luz pela qual o mundo dever ser
redimido e transformado no Reino de Deus. Essa a nossa vocao.
No podemos esconder a nossa luz debaixo de uma vasilha, nem procurar
somente nos preservar nas nossas casas. Caso contrrio, diz nosso Senhor, serviremos
somente para ser pisados pelos homens. Novamente uma prtica referente aplicao
do sal. Quando chegava a primavera no precisvamos mais da salmoura para
conservar os alimentos. Mas no a jogvamos fora na rea do jardim porque ela
mataria qualquer coisa que crescesse l, mas a colocvamos no caminho, onde nada
deveria crescer, onde era pisada pelos homens.
O nosso Senhor nos diz que reserva para ns um juzo particular e o juzo
comea pela casa de Deus se deixarmos de cumprir a nossa responsabilidade. A
quem muito se d, muito ser cobrado. O juzo que tem sobrevindo aos cristos
durante os sculos particularmente severo, porque eles tm sido ricamente
abenoados com bnos grandiosas. Sabemos quais so as maldies que Deus
pronunciou contra a infidelidade do povo da aliana, e sabemos tambm quais so as
suas bnos. Ambas foram proferidas com muita clareza em Deuteronmio 28.
Em todo pas que demanda juramentos de ofcio, semelhantes aos que nos
Estados Unidos so exigidos pela Constituio, o ato de jurar alude a ser fiel ao Deus
onipotente e sua aliana, e invoca suas maldies e bnos para a desobedincia e a
obedincia, respectivamente. Temos uma responsabilidade terrvel, porque todas as
promessas de Deus para ns em Cristo Jesus, se somos fiis nossa vocao da
aliana, so sim e amm. Em Cristo, somos herdeiros de todas as coisas, no cu e
na Terra. Somos herdeiros da criao. Temos um chamado glorioso.

Captulo cinco: o futuro da justia


Um dos grandes mitos que domina hoje o mundo moderno o conceito de
neutralidade. O homem no , nem jamais pode ser, neutro. A mente humana no
consegue ser neutra, mas fala sempre a partir de uma perspectiva particular.
O homem, igualmente, no uma criatura autnoma. Ele criatura do Deus
onipotente, totalmente dependente de Deus e, em todas coisas, sujeito a ele. Temos
hoje uma falsa imagem da realidade. Acredita-se que o homem tem uma mente
autnoma, que ele consegue ser neutro e que existe uma esfera de valores, de alguma
maneira, neutros e igualmente acessveis a todos os homens.
Esses conceitos vm da filosofia grega. Os filsofos gregos no consideravam o
bem, a verdade e o belo como procedentes de Deus. Antes, todos os valores e todos os
universais existiam acima e alm de Deus e do homem, e governavam Deus e o
homem da mesma maneira. Essas ideias, formas ou universais platnicos, que
representavam a razo em toda a sua pureza, poderiam ser apreendidas pelo homem
racional; logo, o homem racional incorporava esses universais no seu prprio ser e na
vida do Estado.
Quando o pensamento da igreja primitiva comeou a se desenvolver, estava
contaminado em grande parte pelo pensamento helenista. Disso resultou que, apesar
de a doutrina bblica da criao militar contra esse universo de valores neutros ( parte
de Deus, associados com a razo e, portanto, sujeitos incorporao pelo homem) e
apesar de a igreja primitiva rejeitar a neutralidade at certo ponto, por no conseguir
estimar a plenitude do significado da doutrina da criao, a igreja primitiva jamais
conseguiu se livrar desse grande vrus.
Quanto a isso, o surgimento do darwinismo foi providencial para a igreja crist.
Ele causou o ataque doutrina da criao e a consequente defesa dessa doutrina, fato
especialmente notvel desde a Segunda Guerra Mundial. Em razo do reavivamento
do criacionismo, temos visto a crescente conscientizao das implicaes do fato de
que Deus quem fez todas as coisas no cu e na Terra e que no podem existir nem
valores nem universais parte de Deus, feitos para flutuarem em algum lugar do
espao csmico.
Como resultado, temos visto um reavivamento do pensamento cristo num
nvel sem precedentes. Na esfera filosfica, o reavivamento mostra-se na obra de
homens como Dooyeweerd e Cornelius Van Til; na esfera da prtica mostra-se no
movimento de escolas crists, acima de tudo, porque, j que todas as coisas so feitas
por Deus e tudo deve estar debaixo da autoridade dele, segue-se logicamente que a
educao deve estar submetida a Cristo.
Pode ser que alguns questionem acerca desse ponto da lei bblica e do seu
relacionamento com a lei natural. Qual o relacionamento da lei natural com esses
valores independentes? No contexto grego, a lei natural, conforme os gregos a
entendiam, era a lei das naes, considerando-se que as naes eram racionais, e que

o valor dessa lei estava acima de, e transcendia, Deus e o homem.


Durante a Idade Mdia, a doutrina da lei natural tinhas dois lados. Um deles,
mais bem expresso por Nicolau de Cusa no sculo 15, diz: Todo decreto fundamentase na lei natural. E se algum decreto se opuser a ela, no pode ser vlido. Logo, uma
vez que a lei natural est naturalmente na razo, toda lei, na sua raiz, conhecida do
homem.
Num certo sentido, o que Nicolau de Cusa disse estava certo. A Escritura nos
afirma que os cus declaram a glria de Deus e o firmamento anuncia as obras da sua
mo. Para onde quer que olhemos, vemos as obras da mo de Deus, a sua lei,
manifestada em todas as coisas. Mas sempre que olharmos devemos nos lembrar de
que as contemplamos atravs de olhos afetados pela Queda. Se como pessoas
redimidas continuamos at certo ponto influenciados pela Queda, j que no estamos
perfeitamente santificados nesta vida, quanto mais influenciados por ela esto os
perdidos? So Paulo diz em Romanos 1.18 que o homem natural detm (ou, melhor
em grego, resiste, suprime, senta-se em cima, encobre) a verdade de Deus. Todos os
homens conhecem a Deus de fato as coisas visveis e invisveis de Deus; conhecem a
lei de Deus, escrita em cada tomo do ser deles; mas rejeitam ou suprimem isso em
perversidade e injustia.
A outra perspectiva medieval sobre a lei natural encontra-se mais ou menos um
sculo antes de Nicolau de Cusa, dita por Graciano: A humanidade governada de
duas maneiras, a saber, pela lei natural e pelos costumes. A lei da natureza aquele
que est contida na lei e nos evangelhos. Por que a Palavra de Deus a lei da
natureza? Porque o Deus de toda criao a deu e a sua Palavra a palavra-lei para
todos os mbitos. Portanto, segundo Graciano e outros dessa escola, achamos no
cnon, na lei da Escritura, a lei natural. Essa lei est acima do homem, acima da
natureza e acima das naes. Nada permanece, a no ser nos termos dessa lei.
A parbola dos dois fundamentos d-nos um entendimento profundo e
revelador desse fato, pois o nosso Senhor disse: Todo aquele, pois, que ouve estas
minhas palavras e as pratica ser comparado a um homem prudente que edificou a
sua casa sobre a rocha (Mt 7.24). Observe que no texto grego, mas nem sempre nas
tradues, a rocha. Por toda a escritura, a rocha um smbolo do Senhor. A nica
vez em que ela no smbolo do Senhor, sendo usada em sentido figurado, quando
Moiss fala das falsas religies: Porque a rocha deles no como a nossa Rocha (Dt
32.31).
A parbola registra: e caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos
e deram com mpeto contra aquela casa, que no caiu, porque fora edificada sobre a
rocha. E todo aquele que ouve estas minhas palavras e no as pratica ser comparado
a um homem insensato que edificou a sua casa sobre a areia; e caiu a chuva,
transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram com mpeto contra aquela casa, e
ela desabou, sendo grande a sua runa (Mt 7.25-27). Assim como a rocha Cristo, a
areia o homem. Quando edificamos a casa da nossa ordem social, da nossa vida
pessoal, sobre o homem, sobre ns mesmos, somos como aqueles que edificam sobre
a areia. Temos de edificar sobre a rocha.

Eu disse que h certos mitos predominantes que governam a nossa era, um


dos quais o conceito da neutralidade, a crena numa esfera independente de valores,
ou universais, parte de Deus. H outro mito que tem dominado nossos dias mais do
que qualquer outro. bem mais um produto do mundo moderno e particularmente do
filsofo Hegel: a crena no conflito de interesses.
Se cremos em Deus, no Deus da Escritura, temos de acreditar que h uma
mxima harmonia de interesses, que Deus fez todas as coisas nos termos do seu
propsito soberano e que nada pode alterar o triunfo e o propsito divinos. Todas as
coisas em toda criao cooperam juntamente para o bem. O momento mais terrvel de
toda a histria da humanidade foi quando o Sindrio se reuniu secretamente noite
para maquinar a crucificao do nosso Senhor. Naquele momento, o momento mais
maligno na histria, Joo declara: para se cumprir a Escritura.
Que frase magnfica! Ela nos diz que o pior do homem s faz levar adiante os
planos do Deus onipotente. O pior que o homem faa, ainda assim proclama a glria
de Deus. Essa a doutrina da harmonia de interesses. Mas o que temos agora a
doutrina do conflito universal de interesses: todas as coisas cooperam para o mal; a
vida uma atividade do tipo cobra engolindo cobra e a nica maneira de resolver as
questes reconhecer a inevitabilidade do conflito e adotarmos como nossa a
metodologia de conflito.
Um dos quatro membros na nossa equipe, Otto J. Scott, escreveu um livro que
foi publicado pela New York Times Press. Ele comeou vendendo fenomenalmente
bem at que a New York Times Press descobriu o que havia nele, ordenando
imediatamente que mais nenhum exemplar fosse vendido e que a edio inteira fosse
descartada. Conseguimos salv-la. O ttulo do livro era The Secret Six [Os Seis
Confidentes] e tratava da vida de John Brown, um abolicionista norte-americano.
Contrariando o que dizem alguns livros, Brown no foi um profeta cristo, mas um
humanista. Era tambm um matador profissional contratado por seis riqussimos
unitarianos para forar uma confrontao que resultaria em guerra. Sendo hegelianos,
eles acreditavam que o conflito levaria tomada de deciso, que levaria depois a mais
conflitos guerra perptua em prol da paz perptua.
John Brown implantou para ns a poltica de confrontao. Desde ento, em
todo mundo ocidental, temos tido a poltica de confrontao demonstraes,
tumultos, marchas, males forando as questes, supostamente para resolv-las,
mas, na verdade, levando somente ao crescente agravamento dos problemas.
O conflito de interesses uma doutrina demasiadamente perversa. Ns cremos
na harmonia de interesses. Quando combatemos o Estado em certas questes e
no temos medo do combate cremos que estamos trabalhando tanto para o bem
do Estado como para o da igreja. Cremos nisso com a maior sinceridade. Nessa
batalha, o Sr. Ball dedica-se liberdade crist e tambm ao bem-estar do Estado norteamericano, do mesmo modo que tambm todos ns. Acreditamos que estamos
lutando tanto pela igreja como pelo Estado, pela integridade e desenvolvimento deles
e pelo desenvolvimento e direo da liberdade crist.

Pelo fato de acreditarmos na mxima harmonia de interesses, devemos dizer


algo que bvio demais para a maioria, mas que, para alguns, no parece to evidente
assim: no h conflito na Divindade. O Pai, o Filho e o Esprito Santo no esto em
guerra entre si. Isso parece bastante bvio, mas pelo que parece temos um grande
nmero de pessoas que, mesmo sem falar isso, est afirmando que eles esto em
guerra. Se algum declara que o amor de Deus e a lei de Deus opem-se mutuamente,
ou que o amor e a justia so antagnicos, est afirmando que h um conflito de
interesses em Deus, mas eu no creio nisso. Nenhuma palavra da Escritura afirma isso.
Eu gosto do ttulo de um livro escrito por um autor ingls que trata dos
Puritanos e do modo com enxergavam essa questo: The Grace of Law [A Graa da
Lei]. Os Puritanos entendiam corretamente que lei e graa no poderiam ser
separadas. Alegro-me quando falo sobre como a Doutrina da Aliana nos fala dessa
beleza e unidade do propsito de Deus para ns. A Teologia moderna s tem
conseguido sentimentalizar as doutrinas e separ-las. Falamos de perdo como se
fosse uma questo emocional. O perdo na Escritura uma questo jurdica. No seu
sentido original significa: acusaes prescritas, pois o pagamento do dbito foi
decretado. Pode significar tambm acusaes adiadas por enquanto. usada uma
vez com esse sentido, quando o nosso Senhor fala da cruz Pai, perdoa-lhes, i.e.,
adia as acusaes por enquanto porque no sabem o que fazem.
Alm do mais, o amor no um termo emocional, antinomiano e alheio lei.
Romanos 13 diz-nos claramente que o amor o cumprimento da lei, e se diz isso logo
depois do resumo dos mandamentos: No adulterars, no matars, no furtars,
no cobiars, e, se h qualquer outro mandamento, tudo nesta palavra se resume:
Amars o teu prximo como a ti mesmo.
O que a Escritura est nos dizendo? Ela no diz que eu amo o meu prximo
simplesmente porque fico um tanto sentimentaloide e digo: amo voc. Amo o meu
prximo se eu respeitar o direito dele vida: no o mato e entendo que quero para
vida dele, numa escala maior, a proteo que quero para minha prpria vida. Eu
respeito a santidade do lar dele: no cometo adultrio. Eu respeito a propriedade dele:
no roubo. Eu respeito a reputao dele: no dou falso testemunho. Nem cobio: isto
, no procuro por meios legais ou fraudulentos tomar aquilo que devidamente dele.
isso que a Escritura quer dizer com amars o teu prximo.
Ao longo dos anos tive, mais de uma vez, a ocasio de conversar com cnjuges
adlteros que me dizem: Sim, eu adulterei, mas eu a amo, ou, mas eu o amo. O
que eles querem as pessoas digam: Tudo bem, eu entendo. Sei que seu corao
estava no lugar certo todo o tempo. Mas eu digo, No, voc no ama essa pessoa.
No venha me dizer isso. O amor o cumprimento da lei. Quando voc adultera est
demonstrando o seu dio por Deus e pelo seu cnjuge. Se h algo que Palavra de Deus
tem para dizer, isso o que ela me diz. No ser possvel lidar com o seu problema se
voc no reconhecer que o que fez pecado e que isso no tinha nada a ver com
amor. O amor o cumprimento da lei. O termo cumprimento no quer dizer
finalizao ou concluso; quer dizer pr em vigor.
Tendo isso em mente, olhemos a lei novamente. Quando falo da lei, verdade ou

justia de Deus, no devo dizer que o Estado o ministro da justia, mas que eu
tambm, como redimido em Cristo, devo ser um ministro de justia ministro da
justia ou da verdade. Isso tambm se aplica minha famlia, minha igreja, minha
escola e minha sociedade. Em todas as reas devemos manifestar a justia de Deus, a
lei de Deus. Se assim no fizermos, e deixarmos a justia para o Estado, temos o
mesmo tipo de problema que se deixarmos o cristianismo para o pastor.
Tratamos anteriormente do Credo Apostlico e do fato de afirmarmos a nossa
f na comunho dos santos: dos santos, a sociedade. Que significa isso? Significa, diz
Paulo, que somos membros uns dos outros. De que modo mostramos a nossa retido
uns aos outros, como membros uns dos outros? Isso implica que estamos atentos
necessidade do Corpo de Cristo e tambm daqueles que esto fora desse Corpo, pois
devemos fazer pelos outros o mesmo que o Senhor fez por ns. Ele nos tem mostrado
a sua graa e misericrdia e devemos ser vasos dessa graa e misericrdia,
demonstrando-a aos outros. Isso diz respeito variedade de atividades em que o
cristo deve se envolver, como indivduo e membro de uma comunidade.
Certa igreja nos Estados Unidos, por exemplo, criou um Fundo de Emprstimo
muito bom, para conceder emprstimos sem juros a irmos necessitados, nos termos
do mandamento explcito da Escritura. Quando pessoas idosas e jovens enfrentam
problemas financeiros com os quais no conseguem lidar, elas recorrem a um
emprstimo do Fundo de Emprstimo. At agora todos restituram seus emprstimos
e fizeram acrscimos ao fundo. Os administradores deixam claro que, se o problema
dos devedores se tornar insolvel, e se ao fim de seis anos eles virem que no
conseguem restituir o emprstimo, o dbito ser cancelado. O Senhor demanda que
ministremos uns aos outros, aos idosos e aos enfermos.
A doutrina da ministrao crist algo extraordinria por todo o pas, sendo
hoje a rea com a maior dinmica de crescimento nos Estados Unidos. Estamos
passando por um grande reavivamento nas comunidades negras. Menciono o trabalho
do Dr. E. V. Hill em Watts, Los Angeles, onde ocorreu o motim. Dr. Hill tem-se dedicado
em ganhar para Cristo todos os guetos dos Estados Unidos. H setenta milhes de
pessoas de todas as raas nesses guetos e toda agncia revolucionria no mundo tem
procurado alcan-los. Ele diz: Eu sei como , pois eu estava l como um deles. Ele
era modernista e revolucionrio, sendo, anos atrs, um dos jovens associados de
Martin Luther King Jr.; agora um dos melhores pregadores que temos nos Estados
Unidos anunciando o evangelho.
Dr. Hill cuida hoje de uma congregao com cerca de cinco ou seis mil pessoas,
no centro de Watts, com membros em todos os 31 quarteires espalhados em todas
as direes; tem uma escola crist para centenas de crianas; est treinando os adultos
para alcanarem todas as pessoas dos seus quarteires para Cristo.
Num dos casos que me delicia, a uma nica crente de um certo quarteiro
particular era uma senhora negra e cega a quem disseram: Irm, deixe que o Senhor
seja a sua vista. Ela ia de porta em porta, agarrada bengala, e terminou com 161
convertidos, dos 162 moradores do bloco. O ltimo, um jovem mau elemento que no

suportava o que estava acontecendo na comunidade, decidiu ir embora e no permitiu


que o ajudassem na mudana. Ele estava cansado de toda aquela gente cheia de
amns e glria a Deus. Mas o pessoal soube pelo motorista do caminho para
onde o rapaz estava se mudando, alm de descobrir que havia gente deles no
quarteiro para onde ele ia, e recorreram a ela. Quando o jovem chegou l, seus
vizinhos estavam prontos para ajud-lo a descarregar a mudana. Depois que
acabaram o servio, lhe disseram, para a consternao dele, que tinham feito aquilo
em nome de Jesus.
Temos um outro pastor, um pastor negro na parte central da cidade de Los
Angeles. O nome dele Price e tem uma congregao de quinze mil membros. O Rev.
Price est comprando o antigo campus da Pepperdine University para convert-lo num
centro cujo objetivo ganhar para Cristo todas as pessoas num raio de quilmetros.
Ele e os ministros que cooperam com ele esto alcanando e treinando a tantos
quantos conseguem alcanar e treinar. Neste vero estarei ensinando a um grupo de
negros que fundaram uma igreja na rea de Oxnard. Eles comearam a realizar feitos
extraordinrias e querem ser treinados em outras coisas que possam fazer para
alcanar para Cristo todo mundo naquela rea. Hoje aquela igreja negra, com dois
pastores negros, tem cerca de um tero de mexicanos, um tero de brancos e cento e
um por cento de fogo pelo Senhor. claro que eles tm sido perturbados pelos
agentes da cidade, que tm feito tudo para frustr-los, porque esto transformando o
carter da urbe. Se esses irmos conseguirem o que querem, vo expulsar o Welfare
Department [Departamento de Bem-estar Social], e faro isso com graa.
Exatamente antes de viajar, recebi um telefonema de Margaret Jenkins. Ela
negra, no muito jovem, e fundou a Mary Celeste Christian School e l tem realizado
feitos extraordinrios e exercido crescente influncia na sua rea, antigamente
dominada pelo crime. Ela est trazendo mais lei para o distrito do que a polcia jamais
conseguiu trazer. Ento, o que fez o governo? Ela tem uma cerca de tela de arame ao
redor da propriedade. Os agentes do governo mandaram que ela a derrubasse e
levantasse uma cerca de ferro forjado que custa um dlar cada trinta centmetros. Isso
lhe custaria uma fortuna, porque a propriedade dela de tamanho razovel. esse o
tipo de ameaa a que ela est sujeita, mas isso no a aborrece. Ela diz, sem perder o
nimo: Essas pessoas da Prefeitura no sabem, mas eu sirvo a um Senhor muito
maior do que elas.
assim que conquistamos o mundo: uma pessoa de cada vez, na medida em
que cada uma v as implicaes da f e se torna ela mesma uma lei viva; na medida
em que cada um aplica a Palavra de Deus sua vida diria e parte para alcanar os
outros. Lei, amor, graa, misericrdia e juzo, tudo so aspectos da lei de Deus. No
podemos escolher a dedo e dizer: Vamos mostrar o amor de Deus, mas no a lei de
Deus nem a justia de Deus. No, tudo isso uma manifestao do ser de Deus, da
sua natureza, do seu plano para ns, na nossa vida e por meio dela.
Como resultado, estamos comeando a ver algumas mudanas dramticas nos
Estados Unidos. A mdia no as relata, mas elas esto ocorrendo e nos oferecem
alguma perspectiva para o futuro. Quando se olham os arranha-cus no horizonte de

uma cidade, no se veem os edifcios de amanh que os suplantaro. Nesse exato


momento, eles no passam de escavaes onde o alicerce est sendo assentado. por
isso que o tipo de movimento que est ocorrendo por todo o mundo no claramente
visvel. A mdia est olhando para as coisas que dominam o horizonte, mas isso a
onda do passado.
Em 1900 somente trs por cento da frica era crist. Quando os Estados
africanos ganharam a sua dita independncia, os cristos africanos j eram vinte e
cinco por cento, e isso somente vinte e cinco anos atrs! Depois da independncia
houve um massacre macio de cristos. Na regio do Sudo, matou-se centenas e
centenas de milhares. Na Nigria, o povo ibo conseguiu finalmente ganhar a
independncia, mas as naes ocidentais conspiraram contra ele, somente para os
entregar nas mos dos outros povos da Nigria, que o massacrou em grandes
nmeros. Em Uganda, temos a descrio de um pastor nativo de como os rios no
passado, poucos anos sob a tirania de Idi Amim, ficavam entupidos com os cadveres
de cristos. Todavia a igreja na frica abrange agora cerca de quarenta e cinco por
cento da populao! Coisas notveis esto acontecendo.
Tive recentemente o privilgio de conversar com um pastor francs, com quem
no havia me encontrado ainda, embora tenha me correspondido com ele por algum
tempo. Nossos pais, ambos pastores, tinham sido amigos no Velho Continente bem
antes da Primeira Guerra Mundial. Aaron Kayanan agora um dos lderes das Igrejas
Francesas Reformadas nos Estados Unidos, em Illinois, onde ele grava transmisses
dirias em francs para a Frana e a frica. O que est acontecendo na frica, disseme ele, incrvel. Ns no temos como lidar com o nmero de pessoas que esto
sendo salvas, so crists, e esto comeando a perguntar sobre o que podem fazer
para trazerem agora as suas vidas governadas totalmente pela Palavra de Deus. Se no
nos empenharmos, vamos v-las nos superar em nmero e atuao na Europa e nos
Estados Unidos.
Essas pessoas no tm interesse em seguros de vida ou contra incndio, como
muitssimas pessoas nos bancos da igreja tm. Esto l para marchar sob as ordens do
Rei dos reis. Essa deve ser tambm a nossa preocupao.
O movimento de escolas crists nos Estados Unidos e em outros pases prova
de que algumas pessoas esto comeando a ouvir essas ordens para marchar. O
pessoal das escolas pblicas morre de medo delas. Segundo suas prprias declaraes,
se essas escolas continuarem a crescer na proporo atual, as escola pblicas vo, para
todos os fins prticos, desaparecer l pelo final do sculo somente daqui a 17 anos.
Uma delas me disse: Ser que voc no entende? Isso nos far retroceder Idade das
Trevas, quando todo mundo estiver acreditando na Bblia de capa a capa. No tenho a
menor objeo contra isso. Tudo de que precisamos calar sapatos na nossa f e
caminhar nela.

Captulo seis: a processo do poder


Tendemos, com demasiada frequncia, a tratar a nossa f segundo o mtodo da
Teologia numa caixa. Tratamos a Teologia e a f crist como se fossem um aspecto
limitado da realidade. Como se o Universo fosse o todo, e a Teologia se restringisse a
um cantinho obscuro. Quando adotamos a perspectiva da Teologia numa caixa,
terminamos discutindo entre ns mesmos, criticando os batistas e os presbiterianos e
os catlicos e os carismticos, ou todos mais com quem discordamos, em vez de
anunciarmos a reivindicao de Deus sobre a regio toda.
O modo como lidamos com a doutrina o mesmo. Tratamos as doutrinas da
Escritura como se tivessem a ver com aspectos eclesisticos. Mas o caso no esse. A
doutrina da infalibilidade uma doutrina incescapvel. Escrevi um livrinho intitulado
Infallibility, an Inescapable Concept [Infalibilidade, um Conceito Inescapvel] no qual
eu mostro que, se a infalibilidade da Palavra de Deus for negada, qualquer outra coisa
debaixo do sol proclamar-se- infalvel, seja o Estado, os reis-filsofos ou qualquer
outra agncia humana. No possvel negar as coisas de Deus, sem que os homens se
apropriem delas.
Parece que consideramos a justificao como se fosse puramente uma doutrina
eclesistica, e ainda dizemos daqueles que procuram se desculpar: Ele est tentando
se justificar. A justificao indispensvel aos homens. Se eles no a obtiverem de
Deus por meio de Jesus Cristo, vo tentar estabelec-la por si mesmos, pagando altas
somas de dinheiro a psiquiatras ou psicanalistas para ajud-los a fazer isso.
A mesma verdade aplica-se expiao. Se negarmos a expiao proporcionada
por Jesus Cristo, nos voltaremos para o sadismo (pondo nossos pecados sobre outrem
e castigando-o) ou para o masoquismo (castigando ns mesmos). Todos os homens
que esto do lado de fora da expiao de Cristo sero sadomasoquistas; pois buscaro
a expiao alternando entre o sadismo e o masoquismo.
Permito-me afirmar-lhes que a poltica externa dos Estados Unidos revela algo
sobre o tipo de expiao que o humanismo do nosso pas procura: a expiao
masoquista. Punimo-nos interminavelmente. Contrariamente a Unio Sovitica
sdica. Ela lana os seus pecados sobre os outros: sobre o capitalismo e a democracia.
No se pode fugir fora da doutrina bblica negando-se o Senhor; apenas transfere-se
essa fora.
Minha preocupao aqui tratar de uma doutrina-chave que, segundo creio,
deveria ser de grande interesse por causa de todas as suas implicaes, pois
enfrentamos mais uma vez o problema da transferncia. Falo da doutrina da
processo. A Escritura refere-se a ela em todo lugar, mas a temos exposta, o mais
explicitamente possvel do que em qualquer outra parte, no seguinte versculo:
Quando, porm, vier o Consolador, que eu vos enviarei da parte
do Pai, o Esprito da verdade, que dele procede, esse dar
testemunho de mim (Joo 15.26).

O Esprito na sua processo vem como o Esprito da Verdade ao nosso corao


para nos dar a verdade, para falar-nos do Pai e do Filho, para comunicar poder e
conhecimento ao que crer. A processo do Esprito a comunicao de poder. Esse
um conceito inescapvel.
Em 1920, Kenneth Burke, o editor humanista liberal do New Republic, escreveu
um livro interessante, Permanence and Change [Permanncia e Mudana], no qual ele
falou um tanto profeticamente daquilo que, segundo ele acreditava, aconteceria antes
que o sculo fosse longe demais. Ele disse, com muita simplicidade, que o homem
necessita de poder; que o homem necessita de graa. No acreditamos mais no poder
e na graa vindos do alto e, portanto, o homem os procurar vindos de baixo. Por isso,
antes que o sculo se estenda muito, teremos uma espcie de doutrina de poder e
graa diablicos, vindos de baixo. De fato, temos visto a ascenso do ocultismo e de
homens buscando a processo do poder que vem de baixo. E por que no? No
pensamento do mundo moderno, o poder vem de baixo. O Universo evoluiu, diz-se, de
sorte que tudo aquilo que vemos ao nosso redor uma processo vinda do
subterrneo da criao. A capacidade do artista plstico e do msico vem do
subterrneo da inconscincia. Essa a fonte de poder, de criatividade, de energia e de
um novo tipo de graa. O mundo tem muita f na doutrina da processo, mas procuraa no lugar errado.
Temos hoje uma teologia do processo que tem escravizado muitos segmentos
da igreja, tanto protestantes como catlicos. Essa teologia a perverso da f para a
doutrina da evoluo, para a crena na grande cadeia do ser que se ergue do caos
primevo. O resultado que estamos retrocedendo aos cultos ao caos que marcaram o
mundo antigo. Escrevi um pequeno livro, cerca de vinte anos atrs, intitulado de The
Religion of Revolution [A Religio de Revoluo], que analisava as consequncias
desses cultos ao caos e a sua ascenso e retorno no mundo moderno.
Um desses cultos ao caos que nos familiar a partir do mundo greco-romano
era as Saturnais. A moralidade era muito rigorosa naqueles dias, mas uma vez por ano,
por um perodo de dias s vezes uma semana: em algumas culturas, dez dezenas
toda a lei era subvertida. Um condenado era trazido do crcere e entronizado como
rei, a ponto de at possuir a rainha. As leis contra a bestialidade, o incesto e toda
espcie da perverso eram subvertidas. S uma lei ainda vigorava, a de que os
padeiros tinham de trabalhar o suficiente todos os dias para produzirem comida para a
populao.
Isso decorria da crena greco-romana de que toda a criao surgira do caos e
que, portanto, o poder, a energia e a graa estavam presentes no caos. Na liberao
anual do caos, esse poder era drenado e invocado, para que uma onda de processo
jorrada dos mananciais do ser corresse atravs da sociedade e lhe concedesse
vitalidade para um outro ano.
Hoje na nossa msica, na revoluo sexual e numa coisa atrs da outra, vemos
a ressurgncia disso: uma doutrina de processo, mas no a da processo do Esprito.
Em consequncia do reavivamento desse tipo de pensamento, temos visto a ascenso
do satanismo moderno. O Estado no deriva o seu poder de Deus, mas do mundo da

natureza, como a instituio natural que concentra a vontade das pessoas. No mais
a vontade da nobreza, ou realeza, ou aristocracia no que concordemos com isso,
no mas a vontade mudou-se para baixo. Agora entronizam-se as minorias. No
porque caream de justia, mas porque prevalece a ideia de que quanto mais baixas
forem, mais prximas esto do manancial do poder.
Na dcada de 1960 tivemos um clamor pblico porque o negro era o membro
oprimido da sociedade. Nos crculos vanguardistas de hoje, o negro passou, agora a
vez do homossexual. O negro no mais considerado socialmente to baixo para ser
tido como o manancial da vitalidade.
A doutrina da processo , portanto, indispensvel ordem social. Essa
doutrina abrange no somente a crena de que o poder provm de uma fonte, mas
que tambm se faz acompanhar de cortejos procisses na forma do que
chamaramos de desfiles, rituais. Assim, quando a igreja triunfou, havia a procisso de
dignitrios e funcionrios eclesisticos, de imagens e cones, da hstia ou obreia da
comunho, porque as imagens ou smbolos de poder estavam com a igreja.
medida que o Estado comeou a ascender, houve um tipo diferente de
cortejo, a procisso do imperador. Quando o imperador entrava na cidade era
aclamado com Bendito o que vem em nome do Senhor. Era uma procisso de poder.
Seja como for, embora o imperador adentrasse a cidade ovacionado com um certo
nmero de jarges cristo tomados emprestados, ele tambm se fazia preceder com
um desfile de soldados, indicando que, por mais que ele pudesse usar linguagem
eclesistica, o seu poder ainda assentava-se na fora das armas. Portanto, a comeou
um conceito diferente da processo.
A universidade tambm comeou os seus processionais. Temos ainda hoje a
procisso acadmica. A universidade alega que representa a verdadeira processo do
ser. Temos como relquia dessa doutrina o conceito da liberdade acadmica. Os
membros da academia no respondem a nenhuma agncia humana, porque de
alguma maneira representam a voz do manancial do poder e est, portanto, alm do
alcance dos homens. Noutras palavras, ocorreu uma rebelio na cristandade. As razes
dessa revolta repousam profundamente na era medieval e comeam a ser vistas na
superfcie com a Renascena. A Reforma e Contrarreforma contiveram-nas por um
tempo, mas com o Iluminismo e, acima de tudo, com a Revoluo Francesa elas vieram
tona. Desde a Revoluo Russa elas vm se estendendo pela face da Terra. A crena
que a processo de poder promana de baixo para cima.
Mas Deus afirma que a processo de poder vem do Trono de toda a eternidade
para ns. Precisamos hoje reafirmar a doutrina da processo do Esprito. Precisamos
manifestar poder e graa a presena do Esprito ao mundo. Deus age neste
mundo para redimir homens e, atravs dos homens para reordenar as sociedades e as
naes do mundo e as instituies que h nele.
Temos de lidar com essas coisas legalmente e teologicamente, o que nos
capacitar a manifestar com maior clareza a processo do Esprito, a processo de
graa e poder em nossos dias, reconhecendo sempre que maior aquele que est em

vs do que aquele que est no mundo (1Jo 4.4). Devemos ver na processo do
Esprito as ordens para marcharmos para conquistarmos todas as coisas. Recebereis
poder, ao descer sobre vs o Esprito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em
Jerusalm como em toda a Judia e Samaria e at aos confins da terra (At 1.8).
Hoje, no cenrio humano, a processo de poder mais evidente a do Estado.
Mas crescentemente estril, falha, pois tudo o que ela representa o poder nu. No
h autoridade moral nem a justia de Deus. Quanto mais Roma afirmava a divindade
do imperador, tanto mais estreis tornavam-se as suas alegaes, porque a
discrepncia entre as alegaes e a realidade daquilo que transparecia nas ruas era
grande demais. O imperador proclama a glria de Roma, mas no ltimo sculo ou
mais, quase nenhum imperador ficava na cidade. No era um lugar seguro, nem
mesmo para o imperador e suas tropas. Quando Roma caiu, a corte imperial estava em
Ravenna, mas, ao longo dos anos, estivera em Milo e em vrias outras cidades. A
glria se foi de Roma, porque a sua autoridade moral se fora. Restou-lhe apenas uma
processo de poder vazio.
Estamos vendo hoje algo semelhante, porque a autoridade moral do Estado
moderno tambm est declinando, afastando-se cada vez mais da Palavra de Deus.
Essa autoridade moral s pode ser restaurada quando o Estado enxergar a processo
de poder, no vinda de baixo, mas do alto. Sabemos que no h processo de poder
que se equipare quela que Cristo prometeu, que Cristo d e que Cristo nos ordena
a reivindicar.
Conforme a Palavra da Escritura, ns somos o povo da sua graa e do seu
poder. Foi por isso que ele pde ordenar aos seus discpulos e tambm a ns: Toda a
autoridade me foi dada no cu e na terra. Ide, portanto, fazei discpulos de todas as
naes, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Esprito Santo; ensinando-os a
guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os
dias at consumao do sculo. A processo de poder est sempre l, at ao fim do
mundo. Ide, portanto

Eplogo
Como mencionado no prefcio, esses captulos so a edio das transcries das
palestras proferidas pelo Dr. Rousas J. Rushdoony na Logos Conference, com o ttulo de
O Lugar da tica Judaico-crist na Sociedade de Hoje.
Em seu resumo, na concluso da conferncia, o presidente Howard Carter fez
referncia a seis necessidades principais que se evidenciaram naqueles dois dias:
1. A necessidade de um processo de eduo sobre questes relevantes. Ele
urgiu com os delegados para que reservassem tempo para buscarem
conhecer o material disponvel relativo a essas questes.
2. A necessidade de unidade das partes interessadas no doutrinria, mas
no Esprito Santo. O Sr. Carter disse que No podemos nos permitir falar
uns contra os outros s porque no concordamos com as doutrinas do
homem. Precisamos falar ao Governo e aos Departamentos de Educao
com uma nica voz e com autoridade. Somos mais eficazes como uma
nica voz do que como grupos fragmentados.
3. A necessidade de estratgia. No estamos num piquenique. Encolho-me de
medo quando ouo as pessoas dizerem Vamos entrar no tribunal e dizer a
aqueles caras o que fazer. Em primeiro lugar, isso no cristo. Em
segundo, eles esto muito mais armados para essa batalha do que ns.
indispensvel que haja educao, litigao e legislao para ganharmos a
batalha.
4. A necessidade de sermos agressivos em vez de defensivos. Como
representantes do Rei dos reis a igreja no pode jamais ser escorraada.
Escreva destemidamente a senadores e parlamentares, deixe que nosso
estandarte seja visto. Temos um mandato de Deus para salgar a Terra,
iluminar o mundo.
5. A necessidade de ampararmos um ao outro. Se um pastor da sua cidade for
levado ao tribunal, v com ele. Encha o tribunal com o testemunho
silencioso da populao crist. Fique ao lado dele e ampare-o
financeiramente. Cada vitria conquistada numa corte um precedente
que pode ser construdo noutra. Cada passo dado envolve todos ns.
6. A necessidade de orao. A nossa confiana est em Deus, o Fazedor do
cu e da Terra est no controle. Identifique-se com movimentos
comprometidos em orar pela nao, pelas escolas, pelos parlamentares e
advogados cristos. Nenhuma orao cuja origem est no cu ser
recusada l.

Sobre o Autor
Rousas John Rushdoony (25 de abril de 1916 8 de fevereiro de 2001) foi um clebre
erudito norte-americano, escritor e autor de mais de 30 livros. Graduou-se pela
University of California (Bacharelado e Licenciatura Plena em Artes Liberais) e recebeu
treinamento teolgico na Pacific School of Religion. Como ministro ordenado, serviu
como missionrio entre os ndios Paiute e Xoxone e tambm em duas igrejas no Estado
da Califrnia. Foi o criador da Chalcedon Foundation, organizao educacional
dedicada pesquisa, publicao e comunicao persuasiva do saber distintivamente
cristo para o mundo inteiro. Os seus escritos no Chalcedon Report e seus inmeros
livros produziram uma profcua gerao de crentes ativos na reconstruo do mundo
para a glria de Jesus Cristo. Ele residia em Vallecito, Califrnia e estava comprometido
com pesquisas e palestras e em ajudar aos outros no desenvolvimento de programas
que punham em ao a f crist.

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