Paulo e A Mentoria
Paulo e A Mentoria
Paulo e A Mentoria
David Kornfield
Quando me pediram para escrever sobre Paulo e o ministrio pastoral em homenagem ao pr. Irland
Azevedo, optei por focalizar o assunto mentoreamento. Andando com esse patriarca nestes ltimos
anos, percebo quo envolvido ele est com o tema. Ora s voltas com o pastoreio de pastores, com
sua paixo por capacitar novos pastores ou por ajudar no crescimento de outros mais experientes,
ora escrevendo ou ensinando sobre o assunto.
No raro podemos ver Irland encorajar um lder ou pastor a prosseguir em seu chamado. Por isso,
espero poder homenage-lo de forma especial ao focar o assunto.
Aquele que lhes d ouvidos, est me dando ouvidos; aquele que os rejeita, est me
rejeitando; mas aquele que me rejeita, est rejeitando aquele que me enviou (Lc 10.1-12,
16).
Muitas so as caractersticas que poderamos destacar do mentor idneo:
Essas se constituem em algumas das qualidades que de fato caracterizaram Barnab, como mentor
idneo que foi. O livro de Atos corrobora essa idia, como podemos perceber claramente:
Jos, um levita de Chipre a quem os apstolos deram o nome de Barnab, que significa
encorajador, vendeu um campo que possua, trouxe o dinheiro e o colocou aos ps dos apstolos
(4.36, 37).
Barnab caracterizado no apenas como um estudioso da Bblia, mas com experincia transcultural
e muito amado entre os apstolos. Um homem de coragem contagiante (encorajador), comprometido
com o Reino, desprendido das coisas materiais, generoso, confiante nos apstolos e, com maior
simplicidade, a eles submisso. A f, o compromisso e a integridade de Barnab contrastaram
frontalmente com Ananias e Safira, cujas aes tambm so narradas no livro de Atos.
As aes de Barnab voltam a destacar-se logo aps a converso de Paulo :
Quando [Paulo] chegou a Jerusalm, tentou reunir-se aos discpulos, mas todos estavam
com medo dele, no acreditando que fosse realmente um discpulo. Ento Barnab o levou
aos apstolos e lhes contou como, no caminho, Saulo vira o Senhor, que lhe falara, e como
em Damasco ele havia pregado corajosamente em nome de Jesus. Assim, Saulo ficou com
eles, e andava com liberdade em Jerusalm, pregando corajosamente em nome do Senhor
(At 9.26-28).
Como se pode ver do texto, Barnab demonstra possuir discernimento espiritual. V o que ningum
mais foi capaz, nem mesmo os apstolos. Tinha coragem. Superou o medo e constatou que Paulo
realmente nascera de novo.
A coragem de Barnab mais uma vez evidenciada ao se tornar patrocinador ou advogado de Paulo,
arriscando a vida em tornar-se conhecido de Paulo e arriscando sua amizade com os apstolos ao
levar Paulo at eles. Seu testemunho e a confiana que os apstolos depositavam em Barnab
permitiram que Paulo fosse aceito pela igreja e andasse com liberdade em Jerusalm, ministrando
dentro e fora da igreja.
Cerca de treze anos mais tarde, a igreja em Antioquia se expande grandemente. Os apstolos,
preocupados com as notcias de que gentios se convertiam, mandaram algum de absoluta confiana
e com experincia transcultural para cuidar da igreja. E esse era Barnab.
Notcias deste fato (de gentios se converterem) chegaram aos ouvidos da igreja em Jerusalm, e eles
enviaram Barnab a Antioquia. Este, ali chegando e vendo a graa de Deus, ficou alegre e os animou
a permanecerem fiis ao Senhor, de todo o corao. Ele era um homem bom, cheio do Esprito
Santo e de f; e muitas pessoas foram acrescentadas ao Senhor. Ento Barnab foi a Tarso procurar
Saulo e, quando o encontrou, levou-o para Antioquia. Assim, durante um ano inteiro Barnab e
Saulo se reuniram com a igreja e ensinaram a muitos. Em Antioquia, os discpulos foram pela
primeira vez chamados cristos (At 11.22-26).
Esse texto de Atos nos fornece uma descrio objetiva e clara de Barnab. Entre suas muitas
qualidades, mais uma vez destaca-se o discernimento espiritual. Primeiro na habilidade de ver a
graa de Deus (v. 23) e, mais tarde, em perceber que a igreja de Antioquia precisava de um lder
como aquele que ainda permanecia esquecido e quase desconhecido na igreja primitiva: Saulo.
Nos treze anos que se passaram desde os fatos descritos em Atos 9 at os mencionados em Atos 11,
no h nenhum relato de que Paulo tenha estabelecido um ministrio significativo. Os historiadores
da igreja no se referem a nenhuma igreja, em Tarso, fundada por Paulo.
Aparentemente o apstolo permanecia inativo quando Barnab o chamou para se juntar a ele na
igreja de Antioquia. O teor dos versculos mencionados indica que no foi fcil encontr-lo. Mais
uma vez, algum acreditou em Paulo, quando ningum mais acreditava.
Depois de um ano, durante o qual Barnab agiu como mentor de Paulo em Antioquia, uma reunio
da liderana daquela igreja mudaria a histria da Igreja de Jesus Cristo:
Na igreja de Antioquia havia profetas e mestres: Barnab, Simeo, chamado Nger, Lcio de Cirene,
Manam, que fora criado com Herodes, o tetrarca, e Saulo. Enquanto adoravam o Senhor e
jejuavam, disse o Esprito Santo: Separem-me Barnab e Saulo para a obra a que os tenho
chamado. Assim, depois de jejuar e orar, impuseram-lhes as mos e os enviaram (At 13.1-3).
Nestes versculos, como nas passagens anteriores (11.26, 30; 12.25), Barnab alistado antes de
Saulo, indicando a liderana e importncia dele. Seria natural que ele fosse o primeiro entre os
iguais na equipe de liderana da igreja de Antioquia. Se a ordem de meno nesse primeiro versculo
indica deferncia, talvez Saulo no passasse do calouro da equipe.
Essa ordem se mantm at o incio da viagem (At 13.7), quando ocorre uma surpreendente mudana.
Ao sarem de Pafos, Lucas relata que Paulo e seus companheiros navegaram para Perge, na
Panflia. Joo os deixou ali e voltou para Jerusalm (13.13), o que demonstra claramente que
Barnab deixara de o lder da equipe.
Tudo indica que Barnab, tendo percebido que Paulo estava pronto para assumir a liderana, passoua para ele. Talvez Joo Marcos tenha abandonado a equipe por no se sentir pronto para apoiar
Paulo, querendo permanecer numa equipe liderada por Barnab, seu parente.
Da em diante, o nome de Paulo passa a figurar sozinho ou antes de Barnab (13.42, 43, 46, 50;
14.1, 3), com uma exceo. Em Listra, Paulo curou um homem aleijado desde o nascimento. Diante
disso a multido clamava que os deuses haviam descido at eles em forma humana. Ento,
chamaram Barnab de Zeus e Paulo, de Hermes, porque era ele quem trazia a palavra (14.12).
Paulo e Barnab, ao ouvirem a multido, rasgaram as roupas e correram para o meio da multido,
gritando e protestando que no eram deuses (14.14).
Pela designao feita de Paulo e Barnab, parece que a multido via Barnab como a autoridade
maior, a cobertura espiritual de Paulo, por isso Barnab foi chamado de Zeus, que era considerado o
rei dos deuses, e Paulo, Hermes, porque este era o mensageiro, o porta-voz de Zeus.
Nesse momento crtico, se a ordem de meno dos nomes de fato significativa, como muitos
crem, Barnab teria assumido a liderana temporariamente. No entanto, assim que a questo foi
resolvida, o nome de Paulo volta a figurar antes do nome de Barnab (14.20, 23).
Paulo e Barnab voltam para Antioquia, onde Barnab naturalmente seria recebido como o primeiro,
o pastor titular, como sara. No entanto, mais uma vez Atos 15.2 deixa claro que Paulo vem
primeiro no contexto dessa igreja. Aparentemente, Barnab conseguira transmitir aos crentes de
Antioquia, e eles aceitaram, seu apoio liderana de Paulo.
A igreja de Antioquia, ento, os envia como representantes no conclio de Jerusalm. No incio do
conclio, Barnab mencionado antes de Paulo (15.12). Para a igreja de Jerusalm, e especialmente
para os apstolos, Barnab naturalmente seria o primeiro, o amado, o homem de sua confiana.
Entretanto, no final do conclio, mais uma vez o nome de Paulo precede o de Barnab (15.22, 25) e
assim permanece na volta a Antioquia (15.35). A exemplo do ocorrera com a igreja de Antioquia,
provavelmente Barnab transmitira igreja de Jerusalm o mesmo conceito, e fora aceito.
Agora como lder, Paulo naturalmente toma a iniciativa de promover uma segunda viagem
missionria. Barnab prope levar Joo Marcos, mas Paulo discorda de forma inegocivel. Esse
desentendimento entre Paulo e Barnab resulta na separao destes (15.36-41). A partir da, o livro
de Atos deixa de mencionar o nome de Barnab.
Talvez Barnab tenha visto algo em Joo Marcos que os demais no viram, nem mesmo o apstolo
Paulo. como se assistssemos ao mesmo filme de anos atrs, quando ningum acreditava em
Paulo, nem os apstolos de Jerusalm. Barnab arriscara tudo para elevar a pessoa de Paulo,
desacreditada, mas em quem ele discernia um potencial que outros no podiam ver. E,
aparentemente, fez o mesmo com Joo Marcos.
No entanto, com o passo do tempo, descobrimos nas epstolas de Paulo que Marcos se tornou
companheiro dele: Aristarco, meu companheiro de priso, envia-lhes saudaes, bem como
Marcos, primo de Barnab. Vocs receberam instrues a respeito de Marcos, e se ele for visit-los,
recebam-no (Cl 4.10, grifo do autor).
Paulo no s recebera Marcos como envia cartas de recomendao de seu, agora, companheiro.
Mais adiante, Paulo se refere a Marcos como um de seus cooperadores (Fm 1.24). Mas o toque de
ouro est nas ltimas palavras de Paulo, j ciente de que sua vida findara (observe os verbos no
passado): Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a f (2 Tm 4.7, grifo do autor).
Sabendo que est com os dias contados e seu ministrio acabado, ele escreve para Timteo:
Procure vir logo ao meu encontro, pois Demas, amando este mundo, abandonou-me e foi
para Tessalnica. Crescente foi para a Galcia, e Tito, para a Dalmcia. S Lucas est
comigo. Traga Marcos com voc, porque ele me til para o ministrio (2 Tm 4.9-11).
Quando seu tempo se esgotava, quando se sentiu abandonado e quando possivelmente se deixava
abater pelo desnimo, Paulo queria ter duas pessoas a seu lado: Timteo, seu amado filho, e Marcos,
porque ele me til para o ministrio. Quando Paulo j no divisava nenhum ministrio para si,
viu em Marcos algum em quem depositar o que ainda tinha a dar, para que o ministrio no
morresse quando sua vida findasse.
O mais interessante nessa histria no est em Paulo ter aceitado Marcos de volta, como
companheiro de sua equipe, mas o fato de este ter aceitado Paulo como lder. A Bblia no relata,
David Kornfield, Paulo e Mentoria, 2005
mas imagino que a fonte disso tenha sido Barnab. Paulo rejeitara Marcos no passado porque este o
abandonara em plena viagem (At 15.38).
Depois desse conflito sem precedentes na igreja primitiva, Marcos deve ter ficado duplamente
magoado com Paulo: por ter sido rejeitado to veementemente e por saber que, por sua causa, a
rejeio tambm acabara estendendo-se a Barnab. Curar ou restaurar um corao ferido no nada
fcil (v. Pv 18.19). Aparentemente Barnab trabalhou a alma de Marcos de tal forma que lhe
devolveu o respeito e a apreciao por Paulo.
Barnab depositou o esprito de reconciliao dentro do Marcos. Isso se manifesta mais uma vez em
ele ser no apenas muito querido do Paulo, mas tambm do Pedro. s vezes Pedro e Paulo tinham
dificuldades de relacionamento ou entendimento (veja Ga 2.11-14; 2 Pe 3.16), mas Marcos chegou a
ser no apenas uma das poucas pessoas que Paulo queria a seu lado no final de sua vida, mas
tambm o filho espiritual de Pedro (1 Pe 5.13). E como resultado disso, Marcos escreveu o primeiro
evangelho, expressando em grande parte a perspectiva de Pedro que nunca escreveu um evangelho,
mas em certo sentido, atravs de Marcos, escreveu sim.
Barnab teve a graa de no apenas elevar Paulo categoria de lder, mas de apoi-lo e mant-lo
como tal, enfrentando a oposio, possivelmente at de Joo Marcos, da multido em Listra, da
igreja de Antioquia aps a primeira viagem missionria, a dos apstolos e da igreja de Jerusalm.
Foi um mentor incomum, algum que abriu caminho para que o prprio Paulo entendesse como
mentorear outros.
Sem Barnab, talvez no tivesse existido o ministrio de Paulo, suas cartas, o ministrio de Marcos e
seu evangelho e os evangelhos sinpticos de Mateus e Lucas como os conhecemos hoje, j que se
basearam no evangelho de Marcos, escrito antes. Barnab fica, para mim, como o melhor modelo de
mentor na Bblia, depois de Jesus. Uma das provas disso na forma que seu mentoreado, o Paulo, se
multiplica em relacionamentos de mentoria.
Que muitos de ns possamos tambm ser filhos de Barnab!
Retenha, com f e amor em Cristo Jesus, o modelo da s doutrina que voc ouviu de mim.
Quanto ao que lhe foi confiado, guarde-o por meio do Esprito Santo que habita em ns.
Voc sabe que todos os da provncia da sia me abandonaram, inclusive Fgelo e
Hermgenes[...].
Portanto, voc, meu filho, fortifique-se na graa que h em Cristo Jesus. E as palavras que
me ouviu dizer na presena de muitas testemunhas, confie-as a homens fiis que sejam
tambm capazes de ensinar outros (2 Tm 1.1-8, 13-15; 2.1-2).
Vejo que o mentor, como tambm o pai espiritual, o lder pastoral ou o discipulador ser bemaventurado se reunir as qualidades de Paulo descritas nessas passagens. Vejamos brevemente
algumas delas:
Relacionamento paternal e familiar: Paulo trata Timteo, repetidas vezes, como filho (1Tm
1.2, 18 e 2Tm 1.2; 2.1). Hoje, parece que carecemos tanto de pais espirituais como de filhos.
A desestruturao e o desajuste familiar na atual gerao terrvel. Precisamos muito de
pessoas que saibam gerar filhos espirituais.
Amor: Vale a pena destacar como Paulo se referia a Timteo: meu amado filho (v. 2).
Palavras semelhantes foram ditas pelo Pai aps o batismo de Jesus: Este o meu Filho
amado, em quem me agrado (Mt 3.17). As Escrituras trazem mais oito frases similares com
referncia a Jesus, o que mostra quo fundamental isso foi para a vida e a identidade de
Cristo (v. Is 42.1; Mt 12.18, 17.5; Mc 1.11, 9.7; Lc 3.22, 9.35 e 2Pe 1.17). Quantos lderes e
pastores no esto convictos de que so realmente amados, aceitos pelo Pai celeste ou por
um mentor ou pai espiritual aqui na terra.
Intercesso: a ligao profunda entre Paulo e Timteo transparecia no relacionamento de
Paulo com Deus. O apstolo lembrava-se de Timteo constantemente, dia e noite (v. 3). Que
privilgio contar com um mentor intercessor!
Intimidade: Timteo tinha liberdade de chorar com Paulo, e este no se envergonhava disso
(v. 4). Na verdade o prprio Paulo tambm sabia ser transparente e compartilhar emoes
profundas que tambm o levavam s lgrimas. Dirigindo-se aos ancios de feso, a igreja
que mais tarde Timteo supervisionaria, Paulo afirmou que serviu ao Senhor com toda a
humildade e com lgrimas (At 20.19); instou-os a cuidarem de si mesmos e a vigiarem,
lembrando-lhes que durante trs anos jamais [cessara] de advertir cada um [deles] disso,
noite e dia, com lgrimas (At 20.31). No devemos nos surpreender de que nessa despedida
todos choraram muito, e, abraando-o, o beijavam (At 20.37). O verdadeiro mentor no s
deixa seu corao transparecer, a ponto das lgrimas fazerem parte de sua vida e de seu
ministrio comum, como encoraja seus seguidores a fazerem o mesmo.
Saudade e alegria (v. 4): Paulo, afinal, possua um lado afetivo e sabia express-lo.
Desenvolveu uma ligao afetiva com seu mentoreado. Alegrava-se com seu mentoreado e
realmente buscava oportunidades de compartilhamento (veja 2Tm 4.9). Mais uma vez a
alegria de Paulo reflete a alegria do Pai no Filho quando diz: Este o meu Filho amado, em
quem me agrado (grifo do autor).
Reafirmao do que bom (v. 5): Paulo citava qualidades de Timteo e das boas
experincias que compartilharam. No insistia sempre em que seu mentoreado precisava
melhorar, mas comunicava um profundo sentimento de aceitao.
Exortao (v. 6): Paulo no s reafirmava claramente seu amor, sua aceitao e alegria, mas
tambm sabia como desafiar seu mentoreado para o crescimento.
Ministrao: mais que uma vez Paulo impe as mos sobre Timteo (v. 6) e, em orao, v o
Esprito Santo agir de forma sobrenatural na vida deste (v. 1Tm 4.14). O poder e a graa de
Deus fluam de Paulo para Timteo.
Discernimento das necessidades do mentoreado: Paulo sabia que Timteo sofria dificuldades
por causa da timidez ou do medo, por isso ministrava-lhe diretamente a respeito (v. 7) com
palavras que encorajaram milhares de outros Timteos atravs dos anos.
Desejo de manter o mentoreado junto a si: Timteo foi chamado a participar da vida de
Paulo e a segui-lo de perto (2Tm 3.10,11, 4.9), at em seus sofrimentos (2Tm 1.8). Paulo no
David Kornfield, Paulo e Mentoria, 2005
escondia de Timteo a realidade nem o fato de que a vida crist apresentava desafios e
dificuldades. Tambm no o deixou enfrent-los sozinho. O mentor se parece ao Paracletos,
que se aproxima de ns e nos chama para junto de si.
Exemplo (v. 13): Paulo mostrou a Timteo como ensinar e viver (2Tm 3.10,11), no como
um ser perfeito, mas como algum que permanecia em constante crescimento rumo
perfeio (Fp 3.11-14).
Reafirmao do chamado do mentoreado: Paulo lembrou Timteo de manter viva a chama
do dom de Deus que estava nele (v. 6) e ainda estimulou-o a guardar o que lhe foi confiado
ou depositado (v. 14).
Compartilhamento de dificuldades: o mentor no se vale de mscaras para levar o
mentoreado a crer que tudo est sempre bem (v. 15). Em vez disso, compartilha suas dores,
suas decepes e sua solido (2Tm 4.9-16).
Discipulado: o estilo de ensino de Paulo, ao contrrio do professor, no se baseia em
contedo e em programas, mas no que flui do corao de um pai para um filho espiritual (2
Tm 1,2; 2.1,2). Paulo repassa vida, a sua e a de Cristo, demonstrando as verdades que queria
que Timteo aprendesse atravs de como vivia e como se relacionava com ele (2 Tm 2.3-17).
Orientao do mentoreado no pensamento estratgico: Paulo desafia Timteo a reproduzir o
que recebeu dele. Mais que isso. Desafia-o a multiplicar-se atravs de escolher as pessoas
certas para que estas, por sua vez, ensinem a outros o que receberam (2Tm 2.2).
Qualidades do Mentoreado
muito comum as pessoas procurarem um mentor como Barnab e Paulo e se decepcionarem
quando ele no corresponde a tudo o que elas buscavam. No raro, tais pessoas no compreendem
que, assim como o mentor, o mentoreado tambm deve apresentar algumas qualificaes para a
funo.
Vejamos uma passagem que nos ajude a ver essa relao mais uma vez, mas agora focando algumas
qualidades do mentoreado, do seguidor:
No estou tentando envergonh-los ao escrever estas coisas, mas procuro adverti-los, como
a meus filhos amados. Embora possam ter dez mil tutores em Cristo, vocs no tm muitos
pais, pois em Cristo Jesus eu mesmo os gerei por meio do evangelho. Portanto, suplico-lhes
que sejam meus imitadores. Por esta razo estou lhes enviando Timteo, meu filho amado e
fiel no Senhor, o qual lhes trar lembrana a minha maneira de viver em Cristo Jesus, de
acordo com o que eu ensino por toda parte, em todas as igrejas. Alguns de vocs se
tornaram arrogantes, como se eu no fosse mais visit-los (1Co 4.14-18).
Embora esta passagem revele caractersticas de um pai espiritual ou mentor, podemos ressaltar oito
caractersticas de um filho espiritual ou mentoreado:
Trata seu lder como pai espiritual (v. 15): demonstra carinho, amor, respeito e
agradecimento pela confiana que o mentor ou lder depositou nele e pelo tempo investido.
Reconhece-o como mentor, e no apenas como um professor ou mestre. O mentor ocupa um
lugar especial na vida do mentoreado, inclusive na rea de autoridade espiritual. O
mentoreado procura entender o corao do mentor e alinhar-se com ele, de modo a abenolo em vez de constituir-se em peso para o mentor (Hb 13.17).
Imita o lder (v. 16): julga-o um modelo a seguir, um exemplo. O mentoreado, contudo, deve
ter em mente que, por sua humanidade, o mentor tambm pode apresentar falhas ou certas
caractersticas que contrariam o carter de Cristo propriamente dito. Seu discernimento o
capacitar a imitar o que saudvel, bom, procurando reproduzir isso em sua vida.
Tem uma identidade espiritual firme e saudvel: entende que um filho amado (v. 17) e que
sua identidade de filho a base para tudo. Serve, mas no como servo obrigado ou
compulsivo e sim pelo transbordar de um corao de filho agradecido. No procura no pai
espiritual sua base de sentir-se bem.
David Kornfield, Paulo e Mentoria, 2005
fiel (v. 17): ao Senhor e no Senhor para com o mentor. O mentoreado no murmura com
terceiros a respeito das falhas do mentor ou dos problemas que possa ter de enfrentar. A
relao entre ambos tem de ser de mtua transparncia. O mentoreado um escudeiro para
seu mentor, protegendo-o e at carregando, quando puder, algo penoso para o lder.
Vive o que o mentor ensina sobre Jesus (v. 17): em certo sentido, ao ser observado, o
mentoreado deve corresponder ao ditado: Tal Pai, tal filho. As pessoas devem ser capazes
de conhecer o corao e a viso do mentor pelo simples fato de conviver com o mentoreado.
Compreende os ensinos sob as atitudes do mentor (v. 17): no se limita a imitar sem
compreender. Segue o modelo do mentor exatamente porque percebe o que motiva o
comportamento dele. Como os discpulos de Jesus, deve expressar suas dvidas ou o que lhe
incompreensvel.
No se envergonha de seu mentor (v. 14): talvez seu mentor seja mais velho e no tenha
concludo tantos cursos como o mentoreado; possvel que seja do sexo oposto, estrangeiro
ou, como a maioria dos lderes, alvo de muitas crticas. Independentemente das razes, o
mentoreado no deve se envergonhar do mentor, mas agradecer-lhe e at orgulhar-se (no
sentido positivo da palavra) pelo fato dessa pessoa ser seu lder ou mentor.
No arrogante (v. 18): em outras palavras, o mentoreado humilde e ensinvel e no rejeita
a correo. Deseja ouvir a avaliao de sua vida e de seu ministrio, de modo a poder
crescer. Creio que ser ensinvel a caracterstica mais importante de um discpulo ou
mentoreado, pois se precisar de aprimoramento ou correo em quaisquer outras reas, ser
possvel trabalh-las, sem traumas.
Bibliografia
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HENDRICKS, Howard. Aprenda a mentorear. Belo Horizonte: Betnia, 1999, principalmente parte
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HOUSTON, James. E. Mentoria espiritual: o desafio de transformar indivduos em pessoas. So
Paulo: Sepal, 2003.
KORNFIELD, David. As bases na formao de discipuladores. So Paulo: Sepal, 1996. Na verdade,
toda a literatura na rea de discipulado est muito relacionada ao mentoreamento.
KORNFIELD, David. Equipes de ministrio que mudam o mundo: oito caractersticas de equipes de
alto rendimento. So Paulo: Sepal, 2002. Trata-se de uma ferramenta que ajuda o lder e sua
equipe a diagnosticar a sade e o rendimento da equipe visando a planejar estratgias de
aperfeioamento. Embora no esteja propriamente relacionado ao tema mentoreamento, pode
ajudar no desenvolvimento desse conceito em grupos pequenos ou equipes.