Plantas Utilizadas Como Medicinais No Município de Campos de Goytacazes - RJ

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Revista Brasileira de Farmacognosia

Plantas utilizadas como medicinais no


municpio de Campos de Goytacazes - RJ.
Pereira, R.C.1*; Oliveira, M.T.R.1; Lemos, G.C.S.2
1

Laboratrio de Fitotecnia e Fitossanidade - Instituto Superior


em Cincias Agrrias/FAETEC
2
Laboratrio de Fitotecnia/ Setor de Plantas Medicinais Universidade Estadual do Norte Fluminense - UENF

Resumo
Este trabalho se refere a levantamento do nvel da
percepo popular sobre a importncia de plantas medicinais
para sade humana, tendo sido conduzido na cidade Campos
dos Goytacazes, em regio da Mata Atlntica, localizada no
Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Entrevistas domiciliares,
conduzidas com pessoas selecionadas aleatoriamente,
relacionaram 64 espcies utilizadas como medicinais, bem
como os usurios obtiveram informao para seu consumo
e as formas de preparo. Os resultados foram obtidos a partir
de questionrios semi-estruturados respondidos por
residentes selecionados e estratificados segundo poder
aquisitivo.
Abstract
This work reports a survey on the level of popular
perception of the importance of medicinal plants on human
health, and it has been conducted in the Atlantic forest town
of Campos dos Goytacazes, located at Rio de Janeiro state,
Brazil. Home interviews with persons selected at random
related 64 species used as medicinal, as well as the source
where users may obtain information on their consumption
and preparation techniques. Results were obtained from
semi-structured questionnaires answered by residents
selected in four groups according to their income.

A Mata Atlntica apontada como o segundo bioma


tropical mais ameaado do planeta, sendo ainda pouco
estudada sob o enfoque ecolgico, fitossociolgico e
farmacolgico das espcies ali encontradas. Atualmente cerca
de 80 milhes de pessoas, mais de 50% da populao
brasileira, vivem nessa rea que, alm de abrigar a maioria
das cidades e regies metropolitanas do pas, sedia tambm
os grandes plos industriais, qumicos1.
Segundo dados do IBGE2, o municpio de Campos
dos Goytacazes, situado ao Norte do Estado Rio de Janeiro
inserido na Mata Atlntica, ocupa uma rea de 4.037,70 Km2,
uma populao de 416.441 habitantes, dos quais 85% da
populao urbana.
A humanidade utiliza plantas desde alguns sculos
antes de Cristo, primeiro numa relao de consumidor de
plantas, e mais tarde para a cura de suas enfermidades3, 4.
Iniciada antes da medicina moderna, a medicina

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tradicional definida pela OMS como sendo a soma de todos


os conhecimentos tericos e prticos, explicveis ou no,
utilizados para diagnstico, preveno e tratamentos fsicos,
mentais ou sociais, baseados exclusivamente na experincia
e observao e transmitidos verbalmente ou por escrito de
gerao a outra.5 Essa medicina tradicional permanece at
os dias de hoje, com base em prticas mantidas h milhares
de anos 6, vem oferecendo uma contribuio ao
desenvolvimento da cincia, a partir de conhecimentos e
prticas de sade de carter emprico, influenciadas pelo
contexto scio-cultural, econmico e fsico, no qual
encontram-se inseridos 7.
O trabalho teve como objetivo realizar levantamento
do uso popular de plantas para fins medicinais pela populao
da cidade de Campos dos Goytacazes, RJ, coletado em
quatro estratos scio-econmicos 8.
Considerando que a medicina tradicional representa
um importante papel social, na medida em que, por meio de
seus elementos, pe em ao os smbolos compartilhados
por toda a sociedade9, importante avaliar se o uso de plantas
medicinais decorre de um conhecimento tradicional,
embasado na experincia direta dos membros da comunidade,
ou resulta de contatos com fontes externas cultura local,
como migrantes ou veculos de comunicao (livros, rdio,
televiso). Situaes do tipo deste ltimo caso, indicam que
o uso pode ser de introduo recente, isto , comunidade
ainda no o domina totalmente ou no est completamente
familiarizada com ele, e proporcionam boa oportunidade para
se estudar a difuso e a fixao de um novo conhecimento
na comunidade10.
Espera-se, assim, que esse trabalho possa contribuir
com o conhecimento da flora medicinal usada no municpio,
e com informaes para futuros projetos municipais na rea
de sade pblica.
As plantas mais utilizadas, esto apresentadas em
ordem alfabtica por famlia botnica, nome cientfico e
nome vulgar da espcie, e forma de uso predominando em
ordem decrescente ch, infuso e decocto (tabela 1).
Observou-se maior nmero de espcies citadas
pelos entrevistados do estrato IV (30%), seguidos pelos
estratos III e II (27%) e I (16%) (figura 1), totalizando 64
espcies, distribudas em 33 famlias botnicas, dentre as
quais destacaram-se as famlias Lamiaceae, Asteraceae,
Apiaceae, Verbenaceae e Euphorbiaceae com maior nmero
de espcies citadas (figura 2).
Observou-se predominncia da utilizao de folhas
(figura 3), freqentemente a partir da combinao de plantas
bem como a utilizao de outros componentes no preparo,
como mel e leite. A maioria dos entrevistados faz uso das
plantas medicinais por indicao dos parentes e amigos, um
nmero reduzido busca informaes em livros, ou atravs
da televiso e rdio. Mais da metade dos entrevistados
recomendam o uso de alguma planta medicinal para outras
pessoas. Grande parte dos entrevistados cultiva as espcies
consumidas.
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Rev. Bras. Farmacogn., v. 14, supl. 01, p. 37-40, 2004.


ISSN: 0102-695X

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Tabela 1. Plantas usadas como medicinais, forma de uso e estratos da populao de Campos dos Goytacazes onde foram
mencionadas.
Famlia

Nome vulgar

Nome cientfico

Forma de uso/ parte


da planta utilizada

Extrato*

Amaranthaceae
Anacardiaceae
Anacardiaceae
Annonaceae
Apiaceae
Apiaceae
Apocynaceae
Araceae
Asteraceae
Asteraceae
Asteraceae
Asteraceae
Asteraceae
Asteraceae
Asteraceae
Bignoniaceae
Bignoniaceae

Terramicina (anador)
Aroeira
Manga
Graviola
Erva-doce
Salsinha
Pau-pereira
Costela-de-ado
Arnica
Assa-peixe
Camomila
Carqueja
Falsa-camomila
Guaco
Pico
Carajuru
Carobinha

Ch (folha)
Tintura (folha)
Xarope (folha)
Ch (fruto e folha)
Ch (folha, flor)
Ch (folha)
Ch (casca)
Tintura (folha)
Banho (folha)
Ch, xarope (folha, flor)
Ch (flor)
Ch (haste, folha)
Ch (flor)
Ch (folha)
Ch (folha)
Ch (folha)
Banho (folha)

I
III
IV
III, IV
I, II, III
II
IV
III
II, III, IV
IV
I
II
II, III
III, IV
IV
I
III

Bignoniaceae
Caesalpiniaceae
Caesalpiniaceae
Caricaceae
Chenopodiaceae
Costaceae
Crassulaceae
Curcubitaceae
Euphorbiaceae
Euphorbiaceae
Lamiaceae
Lamiaceae
Lamiaceae
Lamiaceae
Lamiaceae
Lamiaceae
Lamiaceae
Lauraceae
Lauraceae
Lauraceae
Liliaceae
Liliaceae
Liliaceae
Malpighiaceae
Myrtaceae
Myrtaceae
Myrtaceae
Oxalidaceae
Oxalidaceae
Palmae
Passifloraceae
Piperaceae
Plantaginaceae
Poaceae
Punicaceae
Rosaceae
Rosaceae
Rutaceae
Rutaceae
Sapotaceae
Solanaceae
Solanaceae
Solanaceae
Theaceae
Verbenaceae
Verbenaceae
Zingiberaceae

Unha-de-gato
Pata-de-vaca
Sene
Mamo
Mentrusto
Cana-do-brejo
Saio
Melo-de-so-caetano
Mamona-branca
Quebra-pedra
Alfavaca
Alfavaco
Boldo
Hortel
Levante
Poejo
Manjerico
Abacate
Canela
Louro
Alho
Babosa
Cebolinha
Acerola
Goiaba
Jamelo
Pitanga
Carambola
Limo-de-salada
Coco
Maracuj
Kava-kava
Tanchagem
Capim-limo
Rom
Ma
Rosa-branca
Laranja
Limo
Abiu roxo
Berinjela
Tomate
Trombeta
Ch-preto
Erva-cidreira
Gervo-roxo
Cordomo

Alternanthera dentata (Moech) Stuchlik


Schinus terebinthifolius Raddi
Mangfera indica L.
Annona muricata L
Foeniculum vulgare Mill
Hydrocotyle bonariensis Lam
Aspidosperma parvifolium A.DC.
Philodendron pertusum
Solidago chilensis Meyen
Vernonia polyanthes Lees
Chamomilla recutita (L.) Rauschert
Baccharis trimera (Less.) DC.
Coreopsis grandiflora L.
Mikania glomerata Spreng.
Bidens pilosa L.
Arrabidaea chica (Bonpl.) B. verl.
Tabebuia aurea (Silva Manso)
Benth & Hook.f. ex S. Moore
Macfadyena unguis-cati (L) A. H. Gentry
Bauhinia sp.
Senna sp.
Carica papaya L.
Chenopodium ambrosioides L.
Costus spicatus (Jacq.) Sw.
Kalanchoe brasiliensis Camb.
Mamordica charantia L.
Ricinus communis L.
Phyllanthus niruri L.
Ocimum basilicum L.
Ocimum gratissimum L.
Plectranthus barbatus Andrews
Mentha x villosa Huds
Mentha sp.
Mentha pulegium L.
Ocimum selloi Benth
Persea americana Mill.
Cinnamomum zeylanicum Breyn
Laurus nobilis L.
Allium sativum L.
Aloe spp.
Allium fistulosum L.
Malphighia glabra L.
Psidium guajava L.
Syzygium cumini (L.) Skeels
Eugenia uniflora L.
Averrhoa carambola L.
No identificada
Cocos nucifera L.
Passiflora edulis Sims
Piper methysticum Forster
Plantago major L.
Cymbopogon citratus (DC) Stapf.
Punica granatum L.
Malus domestica L.
Rosa sp.
Citrus sp. L.
Citrus limon (L.) Burm. F.
Pouteria sp.
Solanum melongena
Licopersicon esculentum Mill
Datura stramonium L.
Camellia sinensis (L.) Kuntze
Lippia alba (Mill.) N.E. Br.
Stachytarpheta cayennensis (Rich) Vahl
Alpinia sp.

Ch (folha)
Ch (folha)
Ch (folha)
Xarope (flor)
Suco (folha)
Ch (planta inteira)
Ch, xarope (folha)
Ch (folha)
Banho-de-acento (haste, folha)
Ch (planta inteira)
Ch (folha)
Xarope (folha)
Ch (folha)
Ch (folha)
Xarope (folha)
Ch, xarope (folha)
Ch (folha)
Ch (folha)
Xarope (folha)
Ch (folha)
Xarope (bulbo)
Xarope (folha)
Ch (folha)
Ch (folha)
Ch (folha, broto)
Ch (folha)
Banho (brotos)
Suco (fruto)
Xarope (fruto)
Ch (folha)
P (casca); suco (fruto)
Ch (??)
Ch (folha)
Ch (folha)
Ch (casca do fruto)
Ch (casca do fruto)
Ch (flor)
Ch (folha) xarope (folha, flor)
Xarope (fruto, folha)
Ch (folha)
Ch (fruto)
Macerao (fruto)
Macerao (folha)
Ch (folha)
Ch (folha)
Ch (folha)
Ch (folha)

III
II
I, II
II, IV
III
II
II, III, IV
II
IV
II
I, II
IV
I, II, III, IV
I, II, III, IV
IV
II, IV
I
II
III
III
IV
I, III
II
II
II
IV
III
IV
IV
II
III, IV
III
I, IV
I, II, III, IV
IV
I, III
IV
II, IV
I, II, IV
II
IV
IV
III
I
I, II, III, IV
IV
II

*Estrato I- poder aquisitivo alto; estrato II- poder aquisitivo mdio; estrato III- poder aquisitivo baixo e estrato IV- periferia.
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Estrato I
16%

Estrato IV
30%

Estrato II
27%
Estrato III
27%

Figura 1. Porcentagem de espcies citadas em cada estrato


estudado: Estrato I- populao com maior poder aquisitivo;
estrato II- mdio poder aquisitivo; estrato III- baixo poder
aquisitivo e estrato IV- populao perifrica.

Nmero de espcies

7
6
5
4
3
2
1
0
e
e
e
e
e
ae
ae
ea
ea
ea
ea
ea
c
c
ce
c
ce
c
a
a
a
a
a
ac
ta
i
r
i
i
r
r
n
u
y
te
m
rb
Ap
be
M
La
As
La
ho
er
p
V
Eu

Figura 2. Famlias de plantas medicinais mais citadas no


municpio de Campos dos Goytacazes- Rio de Janeiro.
50
45

Nmero de citaes

40
35
30
25
20
15
10
5
0
ha s
Fol

to
Fru

res
Flo

s ca
Ca

to
to
Bro do fru
a
c
s
Ca

s te i nteira
Ha
nta
Pl a

Parte utilizada

Figura 3 Partes das plantas medicinais mais utilizadas no


municpio de Campos dos Goytacazes - Rio de Janeiro.
Materiais e Mtodos
A avaliao foi feita por meio de entrevistas semi-

estruturadas, com perguntas abertas sobre plantas usadas


para curar ou prevenir doenas, formas de preparo (ch,
ungento, emplasto, infuso, decocto e pomada), parte da
planta utilizada e listagem livre das plantas usadas pelos
entrevistados11. Durante a pesquisa foram visitados quintais
ou jardins das residncias, procedendo-se o levantamento
do material vegetal, formas de obteno e propagao, hbito
de crescimento (herbceo, arbreo, arbustivo, rasteiro e
trepador) e sua coleta para identificao botnica quando
possvel. As espcies foram identificadas com o auxlio de
literatura, seguindo CRONQUIST12 e por especialista.
Os questionrios foram aplicados a residentes de
bairros localizados em quatro estratos scio-econmicos da
cidade de Campos dos Goytacazes: estrato I- poder aquisitivo
alto; estrato II- poder aquisitivo mdio; estrato III- poder
aquisitivo baixo e, estrato IV- periferia, num total de 48
domiclios2.
Referncias
1
IUCN. Cuidando do Planeta Terra, uma estratgia para o
futuro da vida. IUCN/ PNUMA / WWF. 246p. 1991.
2
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica. Dados do
censo demogrfico de 2001. Disponvel em http://
www.ibge.br/cidadessat/default.php.
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Marodin, S. M. e Baptista, L. R. M. Plantas utilizadas
como medicinais no municpio de Dom Pedro de Alcntara,
Rio Grande do Sul, Brasil. 1. Origem e aspectos ecolgicos.
Iheringia, Srie Botnica, Porto Alegre, n. 56, p. 131-146,
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4
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Braslia. Editora Ibama, 2001 (Srie Meio Ambiente em
Debate n 35). 52p., 2001.
5
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assembly.22 March, 1991.
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agend for action. Fitoterapia, Milano v.59, n.5, p.355-363.
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Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, 46p., 1976.
8
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica. Contagem
da populao de 2001. Rio de Janeiro, v.2. Resultados
relativos populao e os domiclios, 2003.
9
Queiroz, M. S. O paradigma mecanicista da medicina
tradicional ocidental moderna: uma perspectiva
antropolgica. Revista de Sade Pblica, v.20, n.4, p.309317,1986.
10
Amorozo, M. C. M. A abordagem etnobotnica na pesquisa
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medicinais: Arte e cincia: um guia interdisciplinar, So
Paulo: Editora da UNESP, p. 47-68, 1996.
11
Cotton, C.M. Ethnobotany: principles and applications.
New York, John Wiley & Sons, 424p, 1996.
12
Cronquist, A. An Integrated system of classification
floweing plants. New York: Columbia University, cap. 4,
p. 326-369. 1981.
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2004

*Autora para correspondncia


Prof. Rozimar de Campos Pereira
Rua Alvarenga Filho, 21/104
Centro, Campos dos Goytacazes, RJ
CEP 28035-125
e-mail: [email protected]

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Rev. Bras. Farmacogn., v. 14, supl. 01, p. 40-44, 2004.


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