LavaJato Vol2

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 90

CCCapa920.

indd 1

31/10/16 18:03

R E PORTAGE M DE CA PA

OPORTUNISTA
E INTIL

CCSReportagemCapaPetrobras817ok.indd 22

p o r a n d r b a r r o c a l*

Uma das primeiras providncias de


Janot foi convocar um dos integrantes
da fora-tarefa de procuradores criada
para reforar as apuraes da Lava Jato, operao da Polcia Federal realizada
em maro que levou, alm da priso de
Costa, ao desmonte do esquema de corrupo. Era preciso agir para proteger
a delao, desde o incio criptografada e
guardada em um cofre no Paran. Com
a campanha presidencial a toda velocidade e Braslia sem pensar em outra coisa a no ser nas eleies, era de se imaginar uma verdadeira caa ao material, como ocorreu de fato. Governo e oposio
buscam confirmaes oficiais das not-

cias e reprteres brigam para descobrir


mais nomes e detalhes. Os procuradores decidiram lutar para preservar o sigilo das informaes enquanto for possvel, para garantir a efetividade das investigaes, como dito em nota oficial.

o de agora que o procurador-geral demonstra receio quanto ao prejuzo


que a Lava Jato pode sofrer
em decorrncia da explorao poltico-eleitoral. Em julho, durante
um caf da manh com jornalistas, disse trabalhar duramente para apresentar
Justia as denncias possveis e cabveis.
E fazia duas ressalvas. O esquema desbaratado era descomunal e sofisticado e exigia uma srie de troca de informaes com
o Banco Central, o Conselho de Controle
de Atividades Financeiras e a Receita
Federal. E no havia como correr e atropelar certas etapas. o tipo de rastro que
os delatados no teriam mais como destruir. A outra ressalva: No faremos uso
poltico da investigao. O processo eleitoral no determina o tempo do trabalho.
Principal candidato a politizar o tema,
o presidencivel Acio Neves, do PSDB,

TA S S O M A R C E L O / E S TA D O C O N T E D O , J O E D S O N A LV E S /
E S TA D O C O N T E D O E A N T O N I O C R U Z /A G N C I A B R A S I L

procurador-geral
da Repblica, Rodrigo Janot, chegou preocupado ao seu gabinete na segunda-feira 8. Segundo o noticirio do fim de semana, o ex-diretor da Petrobras preso na
Operao Lava Jato acusara vrios polticos de receber propina na estatal e listara
alguns das dezenas de personagens supostamente envolvidos. Ao implicar trs governadores, ao menos um ministro e uma
penca de parlamentares no acordo negociado com policiais federais, promotores
e um juiz, Paulo Roberto Costa tenta se
safar de uma condenao pesada por lavagem de dinheiro e formao de quadrilha, entre outros crimes. Como a delao
premiada ainda est em curso, a meno
pblica ao nome dos polticos delicada.
Os acusados podem tentar apagar rastros,
arranjar meios de desacreditar o delator
e contratar caros advogados. Ao mesmo
tempo, Costa pode se aproveitar do clima eleitoral para se promover ou enganar os investigadores. Um cenrio indesejado por quem, como o procurador-geral, pretende chegar ao mago da histria.

O vazamento
da delao
premiada de Paulo
Roberto Costa por
ora no afeta
o cenrio eleitoral,
mas atrapalha
as investigaes
da Justia

11/09/14 23:12

TA S S O M A R C E L O / E S TA D O C O N T E D O , J O E D S O N A LV E S /
E S TA D O C O N T E D O E A N T O N I O C R U Z /A G N C I A B R A S I L

A
pensa o oposto. O chefe da assessoria jurdica de sua campanha, Carlos Sampaio,
deputado federal e na origem promotor
de Justia, repete no Congresso que o Pas precisa conhecer o teor da delao antes da eleio de 5 de outubro. O motivo, no explicitado pelo parlamentar,
o presumido potencial de estragos que a
revelao completa dos citados, a maioria
integrante da base aliada, poderia causar
s campanhas de Dilma Rousseff, sem
dvida o principal alvo das denncias, e
Marina Silva, atingida secundariamente pelo aparecimento do falecido Eduardo Campos entre os mencionados
pelo ex-diretor da Petrobras. Em
terceiro lugar nas pesquisas e cada vez mais coadjuvante no jogo
eleitoral, Acio talvez enxergue
na histria uma maneira de ressuscitar sua campanha. Por ora,
o efeito foi nulo. Nas pesquisas de
inteno de voto divulgadas aps
o novo escndalo, o tucano ficou
na mesma. Pior: sua taxa de rejeio subiu a um patamar capaz de inviabilizar suas pretenses.
Sampaio insiste. Segundo ele, o
ideal seria a CPI da Petrobras, da qual

CCSReportagemCapaPetrobras817ok.indd 23

O doleiro Yousseff
(ao lado) quer seguir
o mesmo caminho
do ex-diretor
da Petrobras. Janot,
o procurador-geral,
promete evitar
os holofotes

11/09/14 23:12

R E PORTAGE M DE CA PA

denta no tinha conhecimento de estripulias na estatal petrolfera. Seria culpada no mximo por escolher mal os subordinados, o que demoliria sua imagem de
gerente. Afirmou ainda no saber se a delao premiada do ex-diretor da estatal
mudaria o rumo a campanha. Talvez recolocasse a tica como tema, conjecturou.

Alvos. O vazamento mira Dilma Rousseff.


Marina Silva defende a presuno
de inocncia apenas para os seus

faz parte, ter acesso imediato e dirio aos


informes do ex-diretor da estatal. A comisso bem que tentou botar a mo nos depoimentos, sem sucesso at o fechamento
deste texto, na noite da quinta-feira 11.
Acio Neves explora eleitoralmente o assunto desde a primeira hora. No
sbado 6, sua campanha colocou na internet um vdeo no qual o senador utiliza palavras duras. Para o tucano, Costa fez as mais graves denncias de corrupo da nossa histria recente e ex-

CCSReportagemCapaPetrobras817ok.indd 24

ps um mensalo 2. No d mais, disse,


para tolerar o PT no poder. A mesma toada foi seguida pelo mineiro em entrevistas, compromissos pblicos e na propaganda eleitoral na tev. Mas um fato chamou ateno. Acio parece solitrio em
sua cruzada. Tucanos de envergadura e
aliados do DEM, apesar de suas tendncias udenistas, no engrossaram o coro
do presidencivel.
Em viagem aos Estados Unidos, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, aparentemente mais preocupado em
eleger Marina Silva do que em apoiar seu
correligionrio, fez uma declarao protocolar e, de certo modo, favorvel a Dilma Rousseff. Disse acreditar que a presi-

ICHIRO GUERR A, LEO CABR AL E IGO ESTREL A

a CPI da Petrobras, nenhum


senador reforou a posio
do candidato tucano. S
um ou outro deputado, a comear por Sampaio, o que
d uma ideia da pouca disposio do alto
clero do PSDB em embarcar na linha de
ataque. A comisso de inqurito convocou Costa para depor na quarta-feira 17,
mas at o escudeiro de Acio demonstrava pouca esperana em relao aos resultados do testemunho. O mais provvel
o ex-diretor ficar quieto, pois o acordo de
delao premiada requer um certo recato pblico. possvel que o depoimento, se vier mesmo a ocorrer e dependente de autorizao do Supremo Tribunal
Federal, seja dado em uma sesso secreta. Nesse caso, mesmo se Costa deixasse escapar uma informao interessante oposio, no haveria uma imagem
de tev capaz de ser utilizada na propaganda televisiva de Acio.
No embalo do noticirio e da cruzada tucana, a presidencivel Marina Silva
tambm tentou tirar proveito do suposto contedo da delao e de uma maneira bastante seletiva. Quando a notcia
surgiu, a candidata do PSB, aps comcio
na Bahia, afirmou ser preciso aguardar
o fim das apuraes. A razo do cuidado
no resulta do figurino nova poltica,
mas da citao a Eduardo Campos, seu
ex-companheiro de chapa.
Dias depois, Marina subiu o tom. Defendeu o falecido Campos, mas no usou
o mesmo critrio de presuno de inocncia em relao aos demais, principalmente aos aliados de Dilma. Segundo a
ex-senadora, o governo mantinha uma

11/09/14 23:12

quadrilha que estaria acabando com a Petrobras, embora tenha poupado a presidenta, em uma declarao redundante, de
responsabilidade direta pessoalmente.
Qual estrago a permanncia do assunto no noticirio poderia provocar? As ltimas pesquisas de inteno de votos ouviram os eleitores quando as supostas
denncias tinham invadido o noticirio. A massa eleitoral petista , porm,
mais pobre e menos escolarizada, consome menos jornais, revistas e informaes sobre poltica. Portanto, possvel
que no estivesse informada do caso no
momento das entrevistas, o que deixa no
ar a hiptese de ainda ocorrer algum impacto nas intenes de voto em Dilma.
Seria, porm, pouco provvel, analisa
Marcelo Souza, diretor do MDA, institutos que realiza levantamentos a pedido
da Confederao Nacional do Transporte. O eleitor do PT, afirma, parece acostumado s acusaes contra o partido.
Alm disso, diz, se houver algum efeito
e o eleitor desistir de votar em Dilma, a
opo mais natural seria migrar para
Marina, por uma identificao pessoal,

Boca a boca. Acio Neves aposta


na delao para reanimar sua campanha

e no para Acio, portador de uma imagem elitista. Caso seja assim, a aposta final do tucano ter sido seu ltimo grande erro. Sem tirar votos da ambientalista, o senador no tem como avanar ao
segundo turno.

leies parte, a to comentada, mas no vista delao


premiada causou problemas
na base aliada. Entre os acusados de receber propina est Edison Lobo, ministro de Minas e
Energia, providencialmente em frias
e incomunicvel no Maranho nos ltimos dias. A dvida sobre o envolvimento do ministro o principal motivo para
Dilma ter disparado ordens a uma srie
de auxiliares na tentativa de obter o contedo oficial da delao. Em entrevistas,
a presidenta defendeu-se. Disse no poder tomar providncias baseada em notcias sem respaldo de provas ou atos oficiais. A mdia, afirmou, no frum para decidir quem corrupto. Se Lobo tiver mesmo sido envolvido por Costa, admite-se no governo, sua permanncia no
cargo seria insustentvel.
O governo solicitou uma cpia da delao Polcia Federal, mas o pedido foi
negado, sob o argumento da necessidade

de sigilo. O controlador-geral da Unio,


Jorge Hage, mandou um ofcio ao procurador-geral para conseguir o material. O
ministro da Justia, Jos Eduardo Cardozo, tenta uma reunio com Janot para reforar o pedido. Se o procurador-geral se negar a atender, Dilma promete recorrer ao Supremo Tribunal Federal. Na quarta-feira 10, dois senadores
procuraram Janot em busca de informaes sobre a delao e saram frustrados. So eles Randolfe Rodrigues, do
PSOL do Amap, e Cristovam Buarque,
do PDT do Distrito Federal. Buarque reconheceu: apressar o Ministrio Pblico a duas semanas das eleies seria
uma temeridade.
At agora, no est claro como supostos trechos da delao premiada
tornaram-se pblicos. Para o governo,
pontuou no domingo 7 o secretrio-geral da Presidncia, Gilberto Carvalho,
obra de uma combinao de interesses. De um lado, os da oposio, que tenta um pouco no desespero mudar o rumo da campanha. De outro, os de Costa,
que, quanto mais prejudicar um acusado, mais chance tem de suavizar suas futuras condenaes. De meados de agosto
at agora, dois advogados desligaram-se
da defesa do ex-diretor da estatal, Nlio
Machado e Cassio Quirino Norberto. O
segundo ainda estava no posto quando
o ex-diretor comeou a delao em 29 de
agosto. Deixou-o no dia em que a mdia
comeou a noticiar alegados trechos dos
depoimentos, na sexta-feira 5.

ormalmente, a custdia da delao repartida neste momento entre Janot, com poder legal de propor Justia
aes penais contra congressistas, e o juiz Sergio Moro, da 13 Vara
Criminal da Justia Federal do Paran.
Em despacho na quarta 10, Moro rejeitou
permitir o acesso da CPI da Petrobras
delao. A solicitao, conforme seu despacho, deveria ser dirigida ao ministro

CCSReportagemCapaPetrobras817ok.indd 25

11/09/14 23:12

R E PORTAGE M DE CA PA

nava na via contrria: as empresas financiavam deputados e senadores em troca


de contratos obtidos por estes decorrente da ntima relao com o ex-diretor da
estatal. Em qualquer das situaes, a origem ilcita do dinheiro era disfarada por
uma rede de doleiros, chefiada por Alberto Youssef, tambm preso.

Presso. A CPI da Petrobras pressiona


por acesso aos documentos. O juiz Moro
e o ministro Zavascki vo decidir

do Supremo Tribunal Federal Teori


Zavascki, responsvel pelas aes contra polticos detentores de foro privilegiado. H, porm, uma sutileza formal a
embotar as esperanas da CPI e a favor
daqueles que defendem o sigilo da delao. Enquanto os depoimentos de Costa
no terminarem nem houver a checagem
dos relatos, o processo no chegar for-

CCSReportagemCapaPetrobras817ok.indd 26

malmente ao STF. At l, sua liberao


depender da disposio do procurador-geral, contrrio ao acesso.
Moro especialista em crimes contra
o sistema financeiro e lavagem de dinheiro e comanda as aes judiciais da Operao Lava Jato desde o incio. Aps trs
anos de investigaes, a operao liquidou em maro um esquema que girou
cerca de 10 bilhes de reais. Empreiteiras subornavam funcionrios pblicos
em troca de contratos na Petrobras. Costa dividia a comisso com polticos que o
mantinham no cargo. Tambm funcio-

* Colaborou Fabio Serapio

E D F E R R E I R A / E S TA D O C O N T E D O , J . F. D I O R I O / E S TA D O C O N T E D O E F E L L I P E S A M P A I O / S C O / S T F

osta era pea valiosa da engrenagem. Pela longa permanncia na Petrobras,


provavelmente tem muitas histrias a contar. Funcionrio de carreira desde 1977, destacou-se na empresa a partir dos anos 90.
No governo FHC, foi gerente-geral de explorao na regio Sul, gerente de gs, diretor da subsidiria Gaspetro e gerente-geral de logstica. Na gesto Lula, assumiu a superintendncia da transportadora de gs da Bolvia ao Brasil. Em
2004, chegou diretoria de Abastecimento, uma das mais importantes da
estatal, responsvel pela construo de
novas refinarias e pela frota petroleira.
Ficou por l oito anos, at deixar a companhia em 2012, no embalo da mudana de presidente.
Por causa desse histrico, Janot e
Moro tentam evitar que os interesses
eleitorais imediatos destruam uma rara
oportunidade de desbaratar um extenso esquema de corrupo, um marco
nas investigaes desse tipo de crime.
Os dois levam vantagem em relao a
outros que pretenderam desbaratar
quadrilhas incrustadas no Estado. So
tecnicamente preparados e mostram-se
avessos aos holofotes e ao jogo de interesse de grupos polticos e da mdia. O
Brasil agradecer se continuarem firmes. Mais importante que influenciar
as urnas de forma enviesada livrar o
Pas de estruturas criminosas.

11/09/14 23:12

Seu Pas

A ensima
tentativa

A oposio
aposta na nova rodada
de vazamentos do caso Petrobras
SEGUNDO TURNO

e intensidades e efeitos
diferentes, as denncias de
corrupo s vsperas das
eleies tornaram-se uma
aposta recorrente da oposio na tentativa de apear o PT do poder. Foi assim nas duas disputas anteriores. No diferente agora. No incio do
segundo turno, o escndalo da Petrobras
voltou com fora ao noticirio. E justamente em um momento acirrado da corrida presidencial. As primeiras pesquisas apontam uma vantagem do tucano
Acio Neves em relao presidenta Dilma Rousseff, dentro da margem de erro.
O Ibope registrou 51% para Acio contra 49% da petista. O Datafolha alcanou o mesmo resultado.
Os primeiros passos foram dados com
o depoimento da contadora Meire Pouza
na CPI da Petrobras e com o vazamento
das declaraes do doleiro Alberto Youssef e do ex-diretor da estatal Paulo Roberto Costa na apurao da Lava Jato.
Um dos rus que optaram pela delao
premiada, Youssef prestou depoimento
na quarta-feira 8 no processo sobre possveis desvios nas obras da refinaria de
Abreu e Lima, em Pernambuco. Segundo o doleiro, reunies na casa de polti-

CCSeuPaisDoleiro821ok.indd 28

cos determinavam os termos do esquema e at atas eram produzidas para determinar a distribuio de dinheiro a
campanhas do PT, PMDB e PP na eleio de 2010. Fazamos reunies em hotis, no Rio ou em So Paulo ou na prpria casa dos agentes polticos. A nomeao de Paulo Roberto Costa para a diretoria de Abastecimento da estatal foi resultado da presso exercida por partidos
da base aliada, afirma Youssef. Para
que Paulo Roberto Costa assumisse a cadeira de diretor de Abastecimento esses agentes polticos trancaram a pauta no Congresso durante 90 dias. Na poca era o presidente
Luiz Incio Lula da Silva ficou louco,
teve de ceder e realmente empossar o
Paulo Roberto. poca da nomeao de
Costa, o responsvel pelos acordos polticos na base aliada era o ministro das
Relaes Institucionais, Aldo Rebelo, e
o lder do PT da Cmara, o deputado Arlindo Chinaglia.
Tambm na quarta, Costa revelou
Justia do Paran detalhes do esquema
de desvio de dinheiro pblico supostamente instalado na Petrobras. Segundo ele, existia um cartel em operao na

PT, PMDB e PP
na mira de Paulo
Roberto Costa

09/10/14 23:45

Trio. Costa, o doleiro Alberto Youssef e a


contadora Meire Poza em delao premiada

petroqumica formado pelas principais


empreiteiras do Pas. Costa revelou ao
juiz Srgio Moro os pormenores das negociaes envolvendo essas empresas,
diretores da Petrobras e polticos do PT,
PP e PMDB. Segundo ele, para cada contrato firmado pela estatal, 3% do valor
era destinado ao pagamento de polticos
e diretores. No caso da diretoria comandada por ele, 2% ficavam com o PT e 1%
com o PP. Do 1% para o PP, em mdia
60% ia para o partido, 20% para despesas s vezes de emisso de nota fiscal e
para envio e 20% restantes eram repassados assim, 70% para mim e 30% para
o Janene ou Alberto Youssef.
Em um dos casos ilcitos, citou Costa, 500 mil reais foram repassados diretamente pelo presidente
da Transpetro, Srgio Machado. O presidente da subsidiria da Petrobras foi
indicado por Renan Calheiros. Ainda segundo o delator, no caso do PT, o dinheiro
era encaminhado ao tesoureiro Joo Vaccari via o diretor de Servios da estatal,
Renato Duque, indicado por Jos Dirceu.
Enquanto os delatores prestavam
depoimento na Justia, a ex-contadora
de Youssef, Meire Poza, admitia CPI
ter emitido 7 milhes de reais em notas
frias relativas a servios prestados a empresas do doleiro e reiterou o envolvimento do doleiro com polticos e Costa.
A contadora afirmou que o PT repassou
dinheiro para Enivaldo Quadrado, parceiro de Youssef, pagar a multa imposta
pelo Supremo Tribunal Federal no processo do mensalo. Meire afirma ter
ido trs vezes casa do jornalista Breno

CCSeuPaisDoleiro821ok.indd 29

pg. 34

Denncia. Euncio Oliveira,


do PMDB, ergue um latifndio
com bois fantasmas

Altman para pegar 15 mil mensais para


repassar a Quadrado. Ainda em relao
ao caso, a contadora diz ter guardado, a
pedido do condenado no mensalo, um
contrato que depois seria usado pela revista Veja como prova da suposta chantagem feita contra petistas. O contrato,
apreendido pela PF em seu escritrio,
relativo a um emprstimo de 6 milhes
de reais entre a 2 S Participaes Ltda.,
empresa de Marcos Valrio, e a Expresso Nova Santo Andr, do empresrio do
setor de transportes Ronan Maria Pinto. Afirmou, contudo, desconhecer qual
seria o objetivo da guarda do contrato.
Ainda em seu depoimento, a ex-contadora de Youssef desmentiu vrios pontos da reportagem publicada na vspera
do primeiro turno pela revista Veja. Eu
no disse o que Veja colocou. No disse que Youssef tinha ascendncia sobre
prefeituras do PT. Meire confirmou que
o doleiro mantinha contato com o ex-ministro das Cidades Mrio Negromonte,
do PP, a quem teria indicado a compra
de uma empresa de monitoramento de
veculos em Goinia. Ela afirmou ainda
ter feito pagamentos ao deputado Andr
Vargas, ex-PT, e a familiares de Luiz Argol, do Solidariedade.
Em nota divulgada por sua assessoria
de imprensa, o PT desmente a totalidade das ilaes sobre repasses financeiros
originados de contratos com a Petrobras
e repudia com veemncia e indignao
as declaraes caluniosas do ru Paulo
Roberto Costa. Em outro comunicado, o
tesoureiro Joo Vaccari Neto diz nunca
ter tratado de contribuies financeiras
do partido com Costa. O presidente da
Transpetro, Srgio Machado, tambm
nega as declaraes de Costa e ressalta o
estranhamento com o fato de que as declaraes estejam sendo divulgadas em
pleno processo eleitoral. Fabio Serapio

L U I S M A C E D O , J O E D S O N A LV E S / E S TA D O C O N T E D O E G A B R I E L A KO R O S S Y

TAMBM
NESTA
SEO

09/10/14 23:45

Seu Pas

O cerco ao PT

LAVA JATO Nova fase da investigao atinge Joo Vaccari Neto,

tesoureiro do partido, e os lobistas de vrias empresas

o cumprir os 62 mandados judiciais, quatro


prises includas, da nona fase da Operao Lava Jato, a Polcia Federal
atingiu em cheio o Partido dos Trabalhadores na vspera de seu aniversrio
de 35 anos. A My Way, assim chamada
por causa do apelido dado por
Pedro Barusco ao seu ex-chefe, o ex-diretor da Petrobras
Renato Duque, apoiou-se na
delao do primeiro para encontrar uma rede de operadores responsvel pelo pagamento e distribuio de propina nos
contratos bilionrios da Diretoria de Servios.
Indicado pelo ex-ministro
Jos Dirceu, Barusco foi o brao
direito de Duque por oito anos
no departamento sob a tutela
do PT. Entre as tarefas, contou
o delator, cabia-lhe a funo de
gerenciar os pagamentos provenientes das empreiteiras integrantes do cartel. Um desses operadores seria o tesoureiro do partido Joo Vaccari
Neto, levado de forma coercitiva para prestar esclarecimentos na sede da PF, em So
Paulo, na quinta-feira 5. Os outros seriam Atan Barbosa, Julio

CCSeuPaisLavaJato836ok.indd 34

Faerman, Julio Camargo, Mario Goes,


Bernardo Freiburg Haus, Denise Kos,
Milton Pascowitch, Guilherme Esteves
de Jesus, Luiz Eduardo Barbosa e Zwi
Zcorniky. Cada um ligado a uma das
construtoras ou grupos empresariais.
Fora da Petrobras desde 2011,
Barusco ocupava um cargo de direo na

SeteBrasil, empresa responsvel pela


construo de sondas de perfurao de
petrleo, quando a fora-tarefa da Lava
Jato encontrou os primeiros rastros do
envolvimento de construtoras e de
Duque no esquema de Alberto Youssef.
Ciente do que o aguardava, procurou os
investigadores e se disps a devolver
cerca de 100 milhes de dlares
provenientes dos crimes praticados em conluio com seu ex-chefe, os operadores e as empreiteiras. Entre novembro e
dezembro do ano passado,
Barusco compareceu sede da
PF de Curitiba para prestar os
depoimentos nos quais revelou
receber propina desde 1997 na
estatal e, com a chegada do PT
ao poder, ter sido alado por
Duque ao posto de contador
dos valores desviados em contratos da diretoria.
Enquanto o setor de Abastecimento comandado por
Paulo Roberto Costa, indicado
pelo PP, tocava grandes empreendimentos, como a construo
de refinarias e complexos

Busca. A Polcia Federal


cumpriu 62 mandados
judiciais e levou Vaccari
a depoimento coercitivo

FA B I O M O T TA / E S TA D O C O N T E D O E F E L I P E R A U / E S TA D O C O N T E D O

POR FABIO SERAPIO

05/02/15 22:26

FA B I O M O T TA / E S TA D O C O N T E D O E F E L I P E R A U / E S TA D O C O N T E D O

TAMBM
NESTA
SEO

pg. 38

Ditadura. As ossadas de Perus


deterioraram-se e o governo
promete salvar o que resta

Em Kleinfontein, o
busto do criador do
apa a entrada de n
nono nononoegros

petroqumicos, a rea de Servio concentrava a maioria das licitaes da


Petrobras e tambm executava obras de
outras diretorias. Era o crebro da estrutura da estatal. Como gerente de
Engenharia, Barusco mantinha o controle dos processos licitatrios e poder
para adequar os contratos aos

CCSeuPaisLavaJato836ok.indd 35

interesses das empreiteiras. Sob o comando de Duque, e a servio dos interesses do PT, o setor tinha acesso a informaes privilegiadas sobre os certames a serem realizados e as utilizava de
maneira a arrecadar o maior volume de
propina possvel, normalmente 1% do
valor do contrato. Duque ficava com

40%, ele com 30% e o lobista da obra em


questo com os outros 30%.
O valor das informaes sob a tutela de Barusco refletiu-se em suas contas bancrias em 12 offshore espalhadas pelo mundo. Como termo do acordo, ele entregou Justia uma vasta documentao sobre suas movimentaes

05/02/15 22:26

Seu Pas

financeiras no exterior e apontou quem


so e onde recebiam os outros agentes
envolvidos na trama. Transcreve a PF
do seu depoimento: Ao longo dos anos
de 2005 a 2010, aproximadamente, o
declarante e Renato Duque receberam
propina em mais de 60 contratos firmados entre empresas ou consrcios e
a Petrobras. O declarante afirma que
quase tudo o que recebeu indevidamente a ttulo de propina est devolvendo,
em torno de 97 milhes de dlares, sendo que gastou para si 1 milho de reais
em viagens e tratamento mdico. Por
sua vez, aponta Barusco, o PT teria abocanhado de 150 milhes a 200 milhes
de dlares, entregues a Vaccari Neto.

HOLOFOTES DESLIGADOS

Venina
Fonseca.
Herona
da mdia

CCSeuPaisLavaJato836ok.indd 36

juiz Sergio Moro


acaba de comandar as primeiras audincias das
aes penais contra as
empreiteiras alvejadas
pela fase Juzo Final da
Operao Lava Jato. Em
um primeiro momento foram ouvidas as testemunhas de acusao arroladas pelo Ministrio

Pblico. Alada pela mdia condio de herona


da Petrobras, a ex-gerente-executiva da diretoria
de Abastecimento, Venina Velosa da Fonseca,
testemunhou no processo da Construtora Engevix. Aguardado aps suas
aparies emocionadas
em rede nacional, o depoimento pouco rendeu e
levou os procuradores a
desistir de novos depoimentos da gerente em

outras aes. Segundo


Diogo Castor de Mattos
e Deltan Martinazzo
Dallagnol, ela pouco esclareceu sobre os fatos
apurados.O Ministrio
Pblico Federal achou
conveniente desistir do
depoimento na audincia
da sexta-feira 13, o que
induz a desnecessidade
de juntada dos arquivos
do seu depoimento, afirmam os procuradores.
Venina Fonseca mais

REPRODUO E MARCOS DE
PA U L A / E S TA D O C O N T E D O

Um dos contratos citados como fonte


da propina o da compra de sondas submarinas por 22 bilhes pela estatal.Em
um primeiro momento, a Petrobras licitou sete sondas. Depois, mais 21. A
SeteBrasil, juno de capital privado e
estatal, envolvendo a prpria Petrobras,
diversos fundos de penso (Petros,
Previ, Valia e Funcef), alm dos bancos
BTG Pactual, Bradesco e Santander, negociou os 28 contratos. Entre os estaleiros vencedores estavam o Atlntico Sul
(daCamargo Corra e Queiroz Galvo),
o Rio Grande (Engevix), o Enseada do

05/02/15 22:26

Paragua (Odebrecht, OAS, UTC e


Kawasaki), o Jurong e o Kepel Fels.A
funo de Baruscoera tirar do papel
o projeto. Havia, segundo o delator,
um esquema para que cada estaleiro
responsvel pela construo das sondas pagasse 1% de seus contratos com
a SeteBrasil em propinas.O valor era
distribudo entre o ex-gerente, Duque
e Vaccari, em nome do PT.
Sobre o pagamento de propina em outras reas, Barusco disse que, quando os
contratos envolviam a Diretoria de
Abastecimento, o porcentual cobrado era
de 2%, dividido da seguinte forma: 1%

para Paulo Roberto Costa, 0,5% para


Vaccari Neto e 0,5% para Duque. Na
Diretoria de Gs e Energia, o porcentual
de propina variava entre 1% e 2%. Os
mesmos porcentuais de recebimento e
diviso dos recursos eram aplicados na
Diretoria de Explorao e Produo.
Em nota, a assessoria de imprensa do
PT informou que as novas declaraes seguem a mesma linha de outras feitas em
processos de delao premiada e tm
como principal caracterstica a tentativa
de envolver o partido em acusaes, mas
no apresentam provas ou sequer indcios
de irregularidades e, portanto, no merecem crdito. Vaccari Neto, por
sua vez, afirmou que h muito
ansiava pela oportunidade de
prestar esclarecimentos para
demonstrar as inmeras impropriedades publicadas pela

REPRODUO E MARCOS DE
PA U L A / E S TA D O C O N T E D O

Dupla.
Duque
e Barusco
agiam em
parceria,
diz a PF

uma prova de como uma


significante parcela da
mdia atua no para esclarecer os fatos, mas em
nome de interesses polticos. Ao contrrio das
ameaas em diversas entrevistas, a ex-gerente
no entregou nenhum documento ou prova de suas acusaes. Ela afirmava ter avisado ex-presidenta da Petrobras Maria
das Graas Foster das irregularidades praticadas

CCSeuPaisLavaJato836ok.indd 37

na estatal. Brao direito


de Paulo Roberto Costa
por quase dez anos,
Venina Fonseca acusada pela empresa de causar um prejuzo de 25 milhes em contratos da
Refinaria Abreu e Lima,
em Pernambuco.
Enquanto isso, os delatores Julio Camargo e
Augusto Mendona depuseram e confirmaram a
atuao do cartel. O scio de Alberto Youssef na

Labogen, Leonardo
Meirelles, teve o depoimento mais tenso. Sem a
musa da Petrobras, quem
fez a festa da mdia em
frente ao prdio da
Justia Federal do
Paran foi a contadora do
doleiro, Meire Poza. Muito
simptica, distribuiu entrevistas exclusivas e
posou para os fotgrafos.
Os depoimentos
continuam nas prximas
semanas.

O PT teria
recebido
entre 150 milhes
e 200 milhes
de dlares, acusa
Pedro Barusco

imprensa nos ltimos meses. Segundo


ele, o PT no faz caixa 2 nem possui conta no exterior e recebe somente contribuies legais conforme a letra da lei.
Alm de ampliar o escopo da investigao ao alcanar os operadores das empreiteiras responsveis por negociar e
operacionalizar o pagamento de propina
na Diretoria de Servios, a My Way e o depoimento de Barusco so mais um golpe
nas defesas das construtoras. Enquanto
elas insistem na tese do achaque em prol
do projeto de poder do PT, os depoimentos e documentos entregues pelo ex-gerente de Engenharia reforam a viso dos investigadores, para quem no esquema desmantelado pela Lava Jato difcil separar
os corruptos dos corruptores.
A fora-tarefa manter o foco no caminho do dinheiro. As quebras das contas utilizadas pelos operadores nas remessas ao exterior levaro as autoridades aos beneficirios dos desvios. Com
isso ser possvel saber se o PT inaugurou o pagamento de propina em obras
pblicas, conforme a tese preferida pela oposio, ou, como diz Barusco, trata-se de uma situao endmica. De qualquer forma, a nova fase da operao
mais um fator de instabilidade no cenrio poltico e tende a reforar as presses
contra o governo de Dilma Rousseff.

05/02/15 22:27

Combustvel
na reserva

Os problemas extrapolam o estaleiro e a


crise da Petrobras. O diretor da Federao
Metalrgica da Bahia, Aurino Pedreira,
dirigente da Central de Trabalhadores e
Trabalhadoras do Brasil, registrou 300
demisses em empresas de manuteno
e montagem por problemas de renovao
de aditivos de contratos com fornecedoras
da Petrobras denunciadas na Lava Jato.
Pedreira anotou ainda 140 demisses com
o fechamento da acearia do Grupo Gerdau
em novembro, 200 dispensas na Bosch no

ano passado e 70 em outras metalrgicas


do estado. O caso baiano uma amostra
dos problemas da cadeia de petrleo e gs,
acentuados pela estagnao da economia
no Brasil e no mundo, por uma crise de suprimento de gua e energia no Pas, o pacote fiscal recessivo e a elevao dos juros
reais, enquanto nas principais economias
do mundo as taxas continuam negativas
para estimular a recuperao.
A reduo da atividade econmica desde 2013 diminuiu a arrecadao dos estados e os novos governadores anunciaram cortes de 13 bilhes de reais neste
ano, dispensas de funcionrios includas.
A desacelerao tende a se agravar com o
novo aperto no crdito do BNDES, a reduo dos estmulos exportao e a reviso da desonerao da folha de pagamento planejados pelo governo. As projees
de crescimento do PIB passaram de um
crescimento pfio para zero ou negativo.
O ambiente complicado na economia
tem sido agravado pelos desdobramentos
das investigaes da Lava Jato. Ao atingir as maiores empreiteiras do Pas, a operao provocou um efeito domin de paralisia das grandes obras Brasil afora. A
mais recente vtima foi a construo do
Rodoanel, em So Paulo. As empreiteiras
se preparam para diminuir de tamanho,
talvez recuar para as dimenses de dez ou
15 anos atrs, e j colocaram vrios ativos
venda. Os financiamentos minguaram,
pois nenhum banco quer se comprometer
com empresas sob investigao.

Uma nova rodada


do ajuste fiscal e mais
um aumento dos juros
aprofundam
a estagnao do Pas

Em janeiro, a Sete Brasil pediu autorizao do governo para arrendar sondas e


plataformas no mercado internacional e
substituir as empreiteiras envolvidas na
Lava Jato. Punir responsveis com culpa
provada est certo, mas h empresas brasileiras de notvel capacidade tcnica demitindo. Isso ter uma repercusso social
enorme, avalia o presidente do Clube de
Engenharia do Brasil, Francis Bogossian.

Na esteira da Lava Jato, empresas


quebram e demitem, e a crise tende a piorar
PIB

POR CARLOS DRUMMOND

"

omos surpreendidos.
Pensvamos viver um ciclo
de desenvolvimento, mas
a interrupo abrupta do
crescimento recente da economia foi um tiro em um pssaro em pleno voo, compara Magno Lavigne , presidente da central sindical Unio Geral
dos Trabalhadores na Bahia, ao comentar as demisses em massa no estaleiro
Enseada, um investimento de 2,6 bilhes
de reais, o maior do estado, no municpio
de So Roque do Paraguau. Dos 7,2 mil
trabalhadores, 5,7 mil foram dispensados
e 600 entraram em frias compulsrias
em consequncia do atraso de dois meses
nos pagamentos da Sete Brasil s construtoras Odebrecht e Queiroz Galvo.
A normalizao ficou mais distante com a aluso feita a um suposto pagamento de propina pela companhia, no depoimento de delao premiada de Pedro
Jos Barusco Filho, ex-gerente de engenharia da Petrobras e ex-diretor da Sete
Brasil, na quinta-feira 5. A denncia de
Barusco sobre um esquema de contratao de obras mediante propina, montado
em 1998 (a Sete Brasil foi criada em 2011),
fez o BNDES adiar a deciso sobre o financiamento para a prxima gesto do banco.
No h dinheiro. As subcontratadas pediram aos sindicatos o parcelamento dos

CCEconomiaAbre837ok.indd 34

pagamentos exigidos nas homologaes


das dispensas. Isso no acontecia desde
a crise de 1998. O sindicato teve de ajudar alguns companheiros ainda empregados no estaleiro. Eles esto sem receber e no tinham os 3,50 reais da passagem do ferry boat para voltar s suas casas em Salvador, diz o dirigente.

MARCO MACCARINI/GET T Y IMAGES E ISTOCKPHOTO

Economia

11/02/15 16:56

TAMBM
NESTA
SEO

pg. 38

HSBC. Documentos vazados


expem as operaes criminosas
do segundo maior banco do mundo

Os efeitos da paralisia
no setor de petrleo
estende-se a outras reas

MARCO MACCARINI/GET T Y IMAGES E ISTOCKPHOTO

BRASIL

CCEconomiaAbre837ok.indd 35

11/02/15 16:56

Economia

GERAO DE EMPREGO

DEMANDA DA PETROBRAS

3.000

60

Saldo lquido, em milhares

Nmero de sondas

2.543

2.500
1.747

1.500
1.000

1.893
1.514

1.485

40

1.669
1.301

1.286

396

500
0

30

1.117

821

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

Fonte: Caged Lei 4.923/65

Se h uma falha de origem nesse processo fazer licitao especialmente com


recursos pblicos, na administrao direta ou indireta, sem definio do que est sendo comprado. No caso da Petrobras,
uma lei prpria, do tempo de FHC, dispensa diversos passos e ritos da Lei 8.666,
para permitir uma maior rapidez na contratao e execuo das obras. Mas na hora em que voc afrouxa, abre as porteiras, pode acontecer tudo. Defendemos
a nova lei em discusso no Congresso,
com subordinao das obras de licitao feitas com dinheiro pblico apresentao de projeto completo, diz o presidente do Sindicato da Arquitetura e da
Engenharia, Jos Roberto Bernasconi.
Boa parte da engenharia hoje comprada fora. Um exemplo o Complexo
Petroqumico do Rio de Janeiro, o
Comperj, que adquiriu engenharia na
ndia. Outro o da Refinaria Abreu e
Lima, em Pernambuco. Conta-se nos
dedos as empresas de engenharia brasileiras includas nos grandes projetos,
aponta Jos Ricardo Roriz Coelho, diretor da Federao das Indstrias do
Estado de So Paulo.
No estratgico setor de bens de capital, a situao grave, relata o presidente da Associao Brasileira da Indstria
de Mquinas e Equipamentos, a Abimaq,
Carlos Pastoriza. H 400 fornecedoras

CCEconomiaAbre837ok.indd 36

20
10

2008

2009

2010

2011

2020

Fonte: Sete Brasil

Imprecisa e frouxa,
a lei anticorrupo
atira para todos
os lados e causa
insegurana

habituais do setor de leo e gs, com mais


de 200 milhes de reais a receber. A Lava
Jato atende a uma necessidade de limpar a casa, mas desqualificar as empresas brasileiras e contratar l fora a p de
cal na indstria nacional. Isso dar adiante numa crise do setor externo.
Os aplausos justificveis s investigaes deixam em segundo plano aspectos
importantes da lei anticorrupo, que imputa responsabilidade pessoa jurdica e
aos seus dirigentes por ato contra a administrao pblica. Toda vez que houver a
pessoa jurdica e seus dirigentes envolvidos em atos de corrupo, h sua responsabilizao objetiva, portanto independentemente da culpa, no sentido estrito
ou de dolo. Outro problema tem a ver com
a palavra dirigente, inexistente no vocabulrio do Direito Societrio. Neste, todo o arcabouo tcnico de imputao de
responsabilidade refere-se a administradores ou acionistas e preciso sempre investigar o nexo de causa entre a conduta e a consequncia. Isso aqui revoga a lei

de S.A., de certa forma. Quem dirigente? No sei, porque esse termo no existe no Direito Societrio, ento qualquer pessoa que estiver ali, diz Walfrido
Jorge Warde Jnior, scio da Lehmann,
Warde & Monteiro de Castro Advogados.
O Brasil precisa de uma lei anticorrupo. Mas no uma lei imprecisa e frouxa,
que atira para todos os lados, causa insegurana e no fim do dia aplicada do jeito
que a mediocridade predominante a compreende. No se sabe o que vai acontecer.
Para a indstria, a recesso comeou
faz tempo. Em 2014, a atividade do setor
recuou 3,2%. Em So Paulo, maior parque
industrial, a queda atingiu 6,2%, prximo
da reduo histrica de 7,4% em 2009, no
auge da crise global.
A diminuio do nmero de postos de
trabalho em todos os setores econmicos em dezembro chegou a 1,34%, equivalente eliminao de 555,5 mil empregos, em um retrocesso inferior apenas quele de 1,87% ocorrido em dezembro de 2008, correspondente ao corte de
655 mil vagas, segundo o Ministrio do
Trabalho e Emprego.
A preocupante situao do emprego
mostra que est em jogo, alm do futuro da economia, o principal capital poltico dos governos do PT desde 2002, uma
sustentao popular em um grau s atingido h mais de 60 anos, no governo de
Getlio Vargas.

ISTOCKPHOTO

2.000

50
1.944

11/02/15 16:56

Economia

Tubares espreita
EMPRESAS A economia estagnada e o escndalo da Lava Jato

favorecem os processos de fuses e aquisies

POR SAMANTHA MAIA

CCEconomiaAbre841ok.indd 34

custos ou manter a participao de mercado. Em alguns casos, como no setor


imobilirio, possvel beneficiar-se
por um perodo em que os ativos estaro depreciados por haver maior oferta
no mercado. A crise tambm pode se
tornar uma oportunidade para a compra de empresas menores por companhias mais estruturadas, diz. Os negcios tendem, porm, a ter pouco impacto imediato na economia, por no se
relacionarem a um plano de expanso a
curto prazo. Essas parcerias muitas vezes no resultam em maior capacidade

OUTRO PATAMAR

Nmero de fuses e aquisies


de empresas no Brasil
818

2014
2013

796

2012

816
817

2011

726

2010

454

2009

663

2008

669

2007

473

2006

363

2005
0
Fonte: KPMG

200

400

600

800

1000

produtiva, mas em modernizao da


planta, na racionalizao dos custos e
podem, de incio, reduzir o nmero de
empregados, complementa Lus Afonso
Lima, presidente da Sociedade Brasileira
de Estudos de Empresas Transnacionais
e Globalizao Econmica.
Os escndalos que atingem as maiores
construtoras no Pas podem representar,
na avaliao de Sardinha, outra oportunidade para aquisies em 2015. Ele cita como exemplo a tentativa da OAS de
vender a Invepar, dona da concesso do
Aeroporto de Guarulhos, em So Paulo, e
de dois estdios construdos para a Copa
do Mundo, a negociao pela UTC de
sua parte na concesso do Aeroporto de
Viracopos, em Campinas, e a dificuldade
da Engevix em manter as participaes
nos aeroportos de Natal e de Braslia. O
setor de construo e de petrleo e gs deve ser bastante chacoalhado pelas investigaes e a tendncia haver uma reacomodao com a entrada de novas empresas no mercado e outro processo de consolidao, diz o advogado. Outros profissionais do ramo confirmam a tendncia
de estabilidade no volume de operaes
dos ltimos anos, sob impacto da perspectiva de recesso e das incertezas no
cenrio poltico.
Os setores mais movimentados pelas
transaes em 2014 foram os de energia,
alimentos, bebidas e fumo, tecnologia

I L U S T R A O : A N A B E AT R I Z P D U A / I M A G E N S : S H U T T E R S T O C K E R E P R O D U O

m 2014 a economia brasileira


quase parou, com um crescimento do PIB prximo de zero, mas o nmero de fuses
e aquisies de empresas no
Pas foi recorde. Segundo levantamento da consultoria KPMG, houve 818 operaes no perodo, 22 acima do total de
2013. Um levantamento da PwC aponta para 879 contratos fechados, com um
crescimento de 8% em relao ao ano
anterior. A conjuntura atual tende a esfriar os negcios em geral neste ano, mas
as operaes no segmento devero manter um volume expressivo, levemente inferior ao do perodo anterior.
A expectativa de que o nmero de
transaes diminua um pouco em 2015
pelo aumento do risco de investimento
no Brasil, mas no ser uma reduo grave como aquela ocorrida em consequncia da crise de 2008, diz Luis Motta, scio da KPMG. Ele avalia que, como stima
economia do mundo, o Brasil tem muitos
setores com espao para a consolidao.
Outra explicao para o aparente descolamento entre a conjuntura econmica
do Pas e o relativo dinamismo do setor
o tamanho do mercado brasileiro, um
atrativo permanente para grupos com
planos de longo prazo.
Para Gustavo Sardinha, scio da B2L
Investimentos, o momento atual favorece a estratgia de empresas interessadas em fuso ou aquisio para reduzir

12/03/15 17:17

pg. 38

Crise? No stimo ano consecutivo


de prejuzos, o Banco Real da Esccia
paga bnus milionrios aos executivos

I L U S T R A O : A N A B E AT R I Z P D U A / I M A G E N S : S H U T T E R S T O C K E R E P R O D U O

TAMBM
NESTA
SEO

CCEconomiaAbre841ok.indd 35

12/03/15 17:17

Economia

da informao e empresas de internet.


Segundo a Associao Brasileira das
Entidades dos Mercados Financeiro e de
Capitais, o valor dos anncios de fuses
e aquisies, ofertas pblicas de aquisies de aes e reestruturaes societrias, chegou a 193 bilhes de reais em
2014, o mais alto dos ltimos seis anos,
puxado por uma concentrao de grandes operaes no perodo. Os dez maiores negcios de 2014 responderam por
62,5% do total, com destaque para a compra da GVT pela Telefnica, por 23,5 bilhes de reais, aprovada pelo Conselho
Administrativo de Defesa Econmica
(Cade) em fevereiro deste ano.
Um dos segmentos com grande potencial de consolidao e oportunidades
para fuses e aquisies o de educao,
com operaes de peso nos ltimos anos.
Os dois principais exemplos so a fuso da
Anhanguera com a Kroton, as duas maiores empresas de ensino com capital aberto do Pas, avaliada em 5 bilhes de reais,
aprovada pelo Cade em maio de 2014, e a
compra da Universidade So Judas Tadeu
pelo Anima, por 320 milhes de reais,
aprovada em junho. Em tecnologia da
informao tambm h um movimento
fortssimo de compra, assim como no setor de alimentos. Mas todas as reas sofrem a perspectiva de reduo de consumo, diz Motta, da KPMG. Os grupos de
TI e de internet registraram o maior nmero de operaes de fuso e aquisio
no Brasil em 2014. Foram 123 transaes
em TI e 91 em internet, muitas delas com
companhias de pequeno porte.
A deciso de comprar ou se unir a outra companhia tem como principais objetivos o aumento da participao no
mercado, a diversificao das operaes da empresa ou a incorporao de um
fornecedor. No caso da unio do Banco
do Brasil com a Cielo para a criao de
uma joint venture dedicada gesto dos
cartes de crdito e de dbito, aprovada pelo Cade em dezembro de 2014, as

CCEconomiaAbre841ok.indd 36

PERSPECTIVAS DE
INVESTIMENTOS DIRETOS

EMPRESAS TRANSNACIONAIS 2014-2016


(%

de escolha do pas-destino)
china
eua

indonsia
ndia

brasil
alemanha
gr-bretanha
tailndia
vietn
rssia
austrlia
frana

Emergentes

polnia

Desenvolvidos

mxico
malsia
japo
cingapura
0

10

20

30

40

50

Baseado nas respostas de 164 companhias


Fonte: World Investment Report 2014 - Conferncia das
Naes Unidas sobre Comrcio e Desenvolvimento (Unctad)

empresas visaram diversificar as atividades da operadora e reduzir custos


da estrutura do banco. A aquisio da
distribuidora de combustveis Latina
pela Razen (uma joint venture entre o
Grupo Cosan e a Shell), em abril do ano
passado, teve como meta ampliar a presena dos produtos da Shell na Regio
Sul do Brasil. As carteiras de investimento do Programa de Acelerao do
Crescimento, da Petrobras e dos eventos

Estrangeiros
esto de olho
nos negcios
das construtoras
brasileiras

esportivos tiveram um papel importante na atrao de investidores para participao nas operaes.
Com a demanda interna brasileira acomodada por causa da presso inflacionria e da possibilidade de reduo da renda, avalia Lima, o investidor passa a estudar a capacidade de exportao futura antes de se estabelecer no Pas. Para atrair
mais investidores, independentemente do perodo de crise, o Brasil precisa focar em uma tributao menos complexa,
na qualificao da mo de obra e nos investimentos em infraestrutura logstica,
afirma Eric Waidergorn, diretor da UHY
Moreira. Um levantamento da consultoria constatou que o Pas tem uma das menores taxas de imposto sobre ganho de capital do mundo, de 14,5%, diante de 28,6%
na mdia dos pases do G-7. Mas o importante atrativo parcialmente neutralizado pelo custo dos tributos internos.
O capital estrangeiro teve peso significativo nas operaes de fuso e aquisio realizadas em 2014, com 399 transaes, ou 47% do total, segundo a KPMG,
enquanto em 2013 essa participao foi
de 40%. De acordo com a Conferncia
das Naes Unidas sobre Comrcio e
Desenvolvimento, o Brasil deve continuar a ser o quinto maior destino de investimento direto de empresas transnacionais at 2016. Em 2014, recebeu 62 bilhes de dlares, valor que rene os recursos aplicados por investidores em
aes representativas de 10% ou mais
do capital de uma empresa. O patamar
constante desde 2011.
Os emprstimos realizados pelas matrizes estrangeiras para as suas filiais no
Brasil no necessariamente so revertidos em investimentos. Nos ltimos
anos, o nvel do investimento direto estrangeiro se manteve, mas h um aumento da participao dos emprstimos internos das companhias transnacionais,
historicamente de 13%, mas hoje na casa dos 35%, diz Lima.

12/03/15 17:17

Seu Pas

PF contra PF

LAVA JATO A investigao sobre um grampo ilegal envolve disputa

por poder na corporao e a suposta cooptao de agentes federais


POR FABIO SERAPIO

tal. De acordo com Basto, o doleiro teria


sido informado por outro detento que no
dia de sua priso o agente Rodrigo Prado Pereira entrara na cela para instalar
o grampo. Foi instaurada uma sindicncia para apurar a possvel irregularidade.
A investigao descobriu que o agente
Pereira no estava em Curitiba naquela
data, mas em misso em Cambori, no
estado de Santa Catarina. Alm disso, a
percia no equipamento indicou tratarse de uma escuta inativa, instalada quando da priso do traficante Fernandinho
Beira-Mar. A verso foi corroborada pelo
depoimento do agente Dalmey Fernando
Werlang, do setor de inteligncia.
Em 22 de setembro, Moro, aps analisar o material colhido na sindicncia,
informou no haver nenhuma prova de
qualquer escuta ambiental. Explicada,

Os fatos so os narrados a seguir. No


dia 10 de abril de 2014, aps informao
do advogado de Youssef, Antonio Augusto Figueiredo Basto, a PF encontrou na
cela do doleiro um equipamento supostamente utilizado como escuta ambien-

Dalmey Werlang
ter de explicar se
mentiu no primeiro
ou no segundo
depoimento

CCSeuPaisSerapiao851ok.indd 24

at ento, a situao, a Polcia Federal


continuou com suas diligncias e, desde
ento, realizou vrias fases da operao.
A ltima delas, na quinta-feira 21, prendeu o operador da Engevix, Milton Pascowitch (quadro pgina 27).
A situao comeou a mudar com a
chegada do delegado Mrio Fanton em
Curitiba. Lotado em Bauru, interior de
So Paulo, Fanton foi enviado em misso
ao Paran. Logo aps sua chegada, comeou a procurar os delegados da foratarefa para falar do seu desejo de participar das investigaes sobre a suposta
venda de dossis realizada por integrantes da PF e advogados. O tema apareceu
ainda em novembro de 2014, na vspera
da fase Juzo Final da Lava Jato. poca,
o setor de inteligncia da polcia foi informado sobre a possvel ocorrncia do crime depois de um dossi, com conversas
de delegados em um grupo fechado numa rede social, parar nas mos de uma
reprter do jornal O Estado de S. Paulo.
O caso passou a ser alvo de uma investigao sigilosa, mas sem gerar mais preocupaes. At o incio de maio, quando o
cenrio mudou.
Em meio ofensiva das empreiteiras
para tentar paralisar as investigaes, os
delegados da fora-tarefa foram informados de que a Corregedoria em Braslia investigava a utilizao de grampos
ilegais na cela de Youssef e que dois de-

K R AW P E N A S / C O M U N I C A O S E E C E C H R I S T I A N R I Z Z I / G A Z E TA D O P O V O

o completar um ano e
dois meses desde sua primeira fase, realizada em
17 de maro de 2014, a
Operao Lava Jato enfrenta um momento de turbulncia. No
bastasse a primeira derrota no Supremo
Tribunal Federal, que soltou oito empreiteiros presos preventivamente, a foratarefa acusada de ter instalado um
grampo ilegal para ouvir conversas do doleiro Alberto Youssef em sua cela na carceragem da Polcia Federal em Curitiba.
Embora nenhuma informao colhida
com base no suposto grampo tenha sido
utilizada nos inquritos e aes penais, a
notcia sobre a existncia do equipamento elevou a tenso entre os investigadores
e, se confirmada, pode resultar na sada
dos atuais delegados da fora-tarefa. Os
bastidores do caso revelam uma disputa
de poder dentro da corporao e apontam para um possvel mercado de compra de dossis e cooptao de agentes federais por empreiteiras cujo objetivo seria criar condies para anular ou ao menos tumultuar os processos conduzidos
pelo juiz Sergio Moro.

21/05/15 20:39

TAMBM
NESTA
SEO

pg.32

Artigo. Qual a razo


para a PUC de So Paulo
vetar a Ctedra Foucault?

O delegado
Fanton ouviu o
agente em hotel
de Curitiba

K R AW P E N A S / C O M U N I C A O S E E C E C H R I S T I A N R I Z Z I / G A Z E TA D O P O V O

Anselmo, De Paula
e Franco negam
irregularidades

Iegas quer voltar


ao comando
no Paran

CCSeuPaisSerapiao851ok.indd 25

21/05/15 20:39

Seu Pas

Youssef mostra
o suposto grampo
encontrado
em sua cela

E D F E R R E I R A / E S TA D O C O N T E D O E A N D R L U C A S A L M E I D A / F U T U R A P R E S S

poimentos amparavam a nova sindicncia. Um deles era do agente Dalmey Werlang, o mesmo que no ano anterior descartara a utilizao do equipamento, e
outro do prprio Fanton. Nas declaraes, ambos confirmavam a existncia
da escuta ilegal na cela do doleiro e responsabilizavam o superintendente paranaense da PF, Rosalvo Franco, e os
delegados da Lava Jato, Mrcio Adriano Anselmo e Igor Romrio de Paula, pela ilegalidade da ao.
Uma possvel explicao para a mudana na verso de Werlang e para a entrada em cena do delegado Fanton talvez
esteja em uma disputa por cargos. O comando da Superintendncia da Polcia
Federal no Paran disputado por dois
grupos. De um lado, Franco, o atual superintendente, goza do prestgio angariado pela fora-tarefa da Lava Jato para
manter-se no cargo por longo perodo. Do
outro, o ex-superintendente Jos Alberto Iegas, titular at 2013, planeja retornar ao controle aps um perodo no comando do Departamento de Inteligncia
em Braslia. Os dois no se bicam e Iegas
credita ao concorrente a nomeao a cargos de destaque de delegados colocados
na geladeira por ele durante sua gesto.
No bastasse, conhecida na corporao a estreita relao de amizade
entre Iegas e o agente Werlang, principal testemunha contra os delegados da
fora-tarefa. Apontado como especialista do setor de inteligncia, o agente tinha apoio de Iegas para permanecer lotado no cargo no Paran. Nos corredores da PF, agentes federais fazem questo de lembrar ainda que a ofensiva se
deu aps o ministro da Justia, Jos
Eduardo Cardozo, ter barrado a indicao de Iegas para a Secretaria de Segurana do governo do tucano Beto Richa
no Paran. Alm disso, citado o passado tumultuado do delegado Fanton na
corporao. Segundo um agente, Fanton criou problemas do Acre a Cricima.

CCSeuPaisSerapiao851ok.indd 26

21/05/15 20:39

Policiais federais
venderiam dossis
e informaes
sigilosas

E D F E R R E I R A / E S TA D O C O N T E D O E A N D R L U C A S A L M E I D A / F U T U R A P R E S S

Em nota, os procuradores da Lava Jato declararam apoio aos colegas da PF.


A populao, os mais diversos setores
da mdia e o prprio Poder Judicirio sabero separar os fatos, que se espera venham a surgir lmpidos e claros das investigaes, de outras verses, ingnuas
ou at mesmo criminosas, que interesses
escusos insistem em propagar.
A Corregedoria da Polcia Federal deve finalizar a investigao sobre o grampo em no mximo trs meses. O computador de Werlang foi lacrado e levado para o Instituto Nacional de Criminalstica. O objetivo saber se os tais grampos
foram baixados nele e, com isso, descobrir se ele mentiu no primeiro ou no segundo depoimento este ltimo, estranhamente, coletado por Fanton em um
quarto de hotel em Curitiba.
Enquanto isso, a disputa interna continua e seus desdobramentos trazem tormentas para a Lava Jato. Por sua vez, a investigao da venda de dossis e informaes sigilosas da operao para empreiteiras segue a todo vapor. At o momento, a PF tem o nome de alguns agentes,
policiais e advogados supostamente envolvidos no caso.
Essa histria antiga e se repete a
cada grande operao que chega a grandes grupos de poder. preciso lembrar a
Satiagraha, a Boi Barrica e a Castelo de
Areia para saber quem est por trs disso
tudo, afirma um policial federal. Esperase uma apurao honesta dos fatos, a bem
da idoneidade da prpria fora-tarefa.

CCSeuPaisSerapiao851ok.indd 27

NA 13 FASE, A LAVA JATO PRENDE


O OPERADOR DA ENGEVIX

uposto elo entre a


corrupo na Petrobras e o ex-ministro
da Casa Civil, Jos Dirceu, o
operador da empreiteira
Engevix, Milton Pascowitch,
foi preso na manh da
quinta-feira 21 pela Polcia
Federal. Detido em sua residncia na capital paulista, o lobista acusado de
intermediar o pagamento
de propina na Diretoria de
Servios e em contratos
do setor de Explorao e
Produo da Petrobras.
Alm de Pascowitch, foram cumpridos mandados
de busca e apreenso na
casa de seu irmo, Jos
Adolfo, e de Henry Hoyer
de Carvalho, que teria
substitudo Alberto Youssef na arrecadao de dinheiro do ramo ligado a
Paulo Roberto Costa.
Pascowitch foi citado
pela primeira vez por Pe-

dro Barusco, ex-gerente de


engenharia da estatal. Segundo o delator, o lobista
representava os interesses
da Engevix e seria responsvel pelos pagamentos no
Brasil e em contas de sua
titularidade no exterior. A
quebra de sigilo da empresa de Pascowitch, a Jamp
Engenheiros Associados,
revelou que ao menos 78
milhes de reais depositados entre 2004 e 2014
vieram da construtora.
No seu despacho que
autorizou a priso, o juiz
Sergio Moro afirma que foram apreendidos diversos contratos de consultoria tcnica entre a Jamp
e a Engevix relacionados
a obras da Petrobras. H
provas, em cognio sumria, de que os contratos seriam total ou parcialmente
falsos, pois, alm das declaraes de Pedro Barus-

co de que recebia propina


de Milton Pascowitch,
o prprio Gerson Almada,
diretor da construtora, declarou que lhe eram repassados valores a ttulo de
lobby e no de servios
tcnicos. Em sua edio
de nmero 843, CartaCapital revelou que a Jamp
destinou valores consultoria do ex-diretor de Servios Renato Duque e pagou
a construo de dois imveis comprados por ele.
Em nota, Dirceu refutou
qualquer relao do seu
trabalho de consultoria
com o escndalo da Petrobras. Conforme j divulgado anteriormente, o contrato com a Jamp Engenharia, assinado em maro de 2011, teve o objetivo de prospeco de negcios para a Engevix no exterior, sobretudo no mercado peruano.

Pascowitch seria
o elo entre o
escndalo e Dirceu

21/05/15 20:39

Otvio Azevedo
e Marcerlo
Odebrecht
presos. Era
necessrio?

VALE PARA TODOS OU

VALE TUDO?
O COMBATE CORRUPO NO PODE LEVAR
DESTRUIO DO ESTADO DE DIREITO
p o r FA B IO S E R A P I O E S E R G IO L I R IO

CCRep.CapaPrisoes856ok.indd 18

25/06/15 21:54

N
R O D O L F O B U H R E R / R E U T E R S / L AT I N S T O C K E FA B I O R O D R I G U E S P OZ Z E B O M /A B R

esse curto perodo de trs dcadas desde o fim da ditadura, nenhum episdio da vida poltico-policial-econmica do Brasil exps
to claramente os dilemas civilizatrios do Pas. Entende-se o cansao com a corrupo recorrente e a impunidade notria que marcam a
nossa histria. exceo dos prprios envolvidos, no se encontrar
um nico brasileiro, do Oiapoque ao Chu, que no deseje a punio
exemplar de quem desviou dinheiros dos cofres pblicos, ainda mais
na magnitude das pilantragens na Petrobras, a maior e mais importante empresa nacional. Tem sido difcil, porm, distinguir os nobres objetivos de depurao das instituies de inconfessveis interesses que enxergam na Operao La-

va Jato uma oportunidade para destruir


os adversrios polticos e retomar o controle do Estado a qualquer custo, nem que
o preo a pagar seja a quebra da economia
e a desordem institucional.
Embora o juiz Sergio Moro, a Polcia Federal e o Ministrio Pblico Federal garantam agir sem vis partidrio ou ideolgico, as prises dos executivos das construtoras Odebrecht e Andrade Gutierrez, apesar de as empreiteiras contriburem com
as investigaes e a inexistncia de riscos
de fuga dos envolvidos, prestaram-se mais
confuso do que ao esclarecimento dos
fatos. A priso de Odebrecht e Otvio Azevedo, presidentes das duas maiores construtoras nativas, na sexta-feira 19 foi o estopim de uma onda de factoides na mdia

CCRep.CapaPrisoes856ok.indd 19

que mirava o ex-presidente Lula e a presidenta Dilma Rousseff. Alimentada por


inverdades e notcias enviesadas, a escalada obrigaria o prprio Moro, na quinta 25, a tentar controlar a histeria coletiva depois de um cidado oportunista ingressar com um habeas corpus preventivo a favor do ex-presidente. Diante da repercusso, o juiz soltou uma nota oficial
na qual nega que Lula seja alvo da operao. A fim de afastar polmicas desnecessrias, escreveu Moro. Informa-se, por
oportuno, que no existe, perante este Juzo, qualquer investigao em curso relativamente a condutas do exmo. ex-presidente da Repblica Luiz Incio Lula da Silva.
Existem muitas foras empenhadas
em seduzir Moro a favor de suas causas.

Moro garante agir


com iseno, mas certas
aes beneficiam grupos
especficos de interesse

Paparicam o magistrado na expectativa


de que ele se deslumbre e sirva de instrumento para seus objetivos. Pergunta-se
se o juiz no deveria se resguardar mais.
Talvez um bom passo seria manter um
recomendado distanciamento dessa fase da investigao, pois caber a ele julgar, a partir do embate entre os argumentos da acusao e da defesa. Moro insiste que tem observado essa regra elementar, mas querer impedir que as companhias envolvidas no escndalo, nenhuma delas com executivos sequer condenados em primeira instncia, participem
de licitaes de obras pblicas no parece razovel. Nos pases ditos desenvolvidos, empresas no so punidas, seus dirigentes e funcionrios eventualmente. Colocar em risco no s os empregos
nessa cadeia de negcios, mas o funcionamento da economia em geral e a credibilidade internacional do Pas, faria parte da misso de punir exemplarmente a
corrupo? Um ato dependeria do outro?

rovavelmente, no. De qualquer forma, desde novembro


de 2014, aps a fase chamada
de Juzo Final, os investigadores perseguem as provas da
existncia do cartel. Naquele momento,
a Polcia Federal encontrou uma srie de
planilhas na sede da Engevix. Apontada
pelos delatores como uma das integrantes do cartel, cuja existncia foi posteriormente confirmada pelo seu prprio
presidente, Gerson Almada, a construtora armazenava documentos com detalhes das reunies do clube. poca, os
investigadores comemoraram a apreenso por se tratar de uma prova capaz de
materializar o crime do cartel.
Nas anotaes, dezenas de licitaes da
Petrobras, includas as refinarias Abreu
e Lima e do Complexo Petroqumico do
Rio de Janeiro, estavam distribudas entre empreiteiras representadas pelas suas siglas. As obras eram divididas entre
aquelas que tinham prioridade e que

25/06/15 21:54

dariam apoio, ou seja, futuras vencedoras e as participantes cuja funo seria apenas encobrir o esquema criminoso. As tabelas demonstravam a antecedncia com a qual as companhias eram informadas sobre as decises da Petrobras pelos diretores acusados de cobrar propina.
Como demonstra a representao assinada pelo delegado Eduardo Mauat, aps
analisar essas planilhas, o agente federal
Wiligton Gabriel Pereira apontou a necessidade de compar-las a menes em depoimentos dos delatores, s auditorias enviadas pela Petrobras sobre as licitaes citadas e s demais informaes colhidas ao
longo da Lava Jato. O resultado do trabalho de Pereira o Relatrio de Anlise n
135. No documento, o agente mapeia a ao
do cartel em 15 certames da
Abreu e Lima e 19 do ComO bilhete de Odebrecht
perj. Pereira conseguiu devendido como escndalo.
Destruir, no caso,
linear como o cartel atuou
pode significar apenas
em cada disputa, da escodesconstruir
lha dos vencedores ao pagamento da propina. Em seu
despacho de autorizao das prises da Erga Omnes (vale para todos, em latim), Moro lembra que o cartel e a participao do
alto escalo das empreiteiras foram revelados pela primeira vez por Paulo Roberto
Costa, ex-diretor de Abastecimento.
tou cpia de e-mail de convocao de um
verso inaugural foi confirma- encontro entre integrantes do cartel. J
da por outros delatores: o do- Augusto Mendona entregou as supostas
leiro Alberto Youssef, o gerente regras, em forma de campeonato de fude Engenharia Pedro Barusco, tebol, norteadoras do clube.
Aps o cruzamento das informaes, o
o dirigente da Setal leo e Gs,
Augusto Mendona, o operador de propi- relatrio da PF lista ao menos trs obras
na Julio Camargo e por Dalton Avanci- nas quais as licitaes atreladas nas plani, da Camargo Corra. Almada, da En- nilhas da Engevix Odebrecht realmengevix, detentora das planilhas, confir- te foram vencidas pela construtora e com
mou o cartel mesmo sem optar pela delao premiada. No caso de Barusco, lembrou o juiz, foram apresentados os recibos dos depsitos supostamente efetuados pelas empresas em suas contas no
exterior e umatabela de obras fraudadas
com suas respectivas propinas elencadas.
O executivo da Camargo Corra apresen-

a participao de outras integrantes do


cartel na disputa. Sobre a Andrade Gutierrez, ao menos uma disputa foi elencada no laudo. Confirmada, para a PF, a
participao das empresas no cartel, o
delegado Mauat perfilou os integrantes
das construtoras envolvidos na trama e
as estruturas financeiras utilizadas para escoar o pagamento de propina. No caso da Odebrecht, foram utilizados e-mails

A FORA-TAREFA AFIRMA TER REUNIDO


PROVAS SUFICIENTES DA ATUAO
DO CARTEL DE EMPREITEIRAS

A N D R D U S E K / E S TA D O C O N T E D O

CA PA

CCRep.CapaPrisoes856ok.indd 20

25/06/15 21:54

cartel teria iniciado, como afirmou Barusco, na gesto de Fernando Henrique


Cardoso. Na representao, a PF anexou
documentos de 1999, 2001 e 2002. Alm
disso, ao contrapor as mensagens eletrnicas com os depoimentos dos delatores
e dados sobre as visitas recebidas por ex-diretores da Petrobras, foi possvel detalhar encontros e negociaes relacionadas s obras provavelmente fraudadas.

e documentos apreendidos com o diretor


Rogrio Arajo. O material foi obtido ainda na fase 7 da Lava Jato, quando a fora-tarefa realizou uma busca e apreenso
na sede da empresa e nos escritrios dos
diretores Mrcio Faria e Arajo.
Os e-mails em posse na PF, alm de em-

O PMDB NA ESPREITA

A N D R D U S E K / E S TA D O C O N T E D O

POR SERGIO LIRIO

Calheiros, Temer
e Cunha: o ovo
da serpente em gestao?

CCRep.CapaPrisoes856ok.indd 21

m relao a Marcelo Odebrecht, os investigadores utilizaram uma sequncia de mensagens que tratariam de uma suposta negociao para superfaturar contratos de sondas. Marcelo daria o aval para os acertos. A
Confirma-se cada vez
construtora nega que o termo sobasar o pedido de primais a tese do clube
de construtoras
brepreo, utilizado no e-mail, se
so de Marcelo Oderelacione ao superfaturamento e
brecht, presidente da
maior construtora do Pas, na viso dos irregularidade nas contrataes. Repreinvestigadores, fortalecem ainda mais senta, diz em nota a empresa, a remunea tese da participao da empresa. Par- rao contratual que a Odebrecht leo e
te dos documentos aponta ainda que o Gs,como operadora de sondas, props

anter-se por tanto


tempo no consrcio
do poder, independentemente da ideologia de
quem o lidere, no dispensa um
talento especfico: a capacidade
de perceber o momento oportuno para saltar do barco. Assim o
PMDB tem trafegado, desde o
fim da ditadura, por sucessivos
governos. E assim a legenda pretende continuar firme no convs.
A mais nova onda de boatos em
Braslia narra uma articulao peemedebista em busca de um plano
B de sobrevivncia. Ansioso com
as novas prises na Lava Jato e
com seus principais prceres na linha de tiro da Procuradoria-Geral
da Repblica, o comando partidrio, segundo as informaes, consideraria a possibilidade de se unir
oposio mais radical em prol do
impeachment de Dilma Rousseff.
A ideia partiria da seguinte anlise:

desalojar a presidenta e instalar


o vice Michel Temer no Palcio do
Planalto permitiria um maior controle sobre a Lava Jato e seus efeitos. Para os peemedebistas, Dilma
no teria condies de fazer frente ao que consideram arbitrariedades cometidas na investigao. As
reclamaes partem principalmente de Eduardo Cunha, presidente
da Cmara, e Renan Calheiros, do
Senado, denunciados pela PGR.
Uma oportunidade surgiria de
uma eventual rejeio das contas
do governo de 2014, por causa
das chamadas pedaladas fiscais.
O Palcio do Planalto tem mais ou
menos trs semanas para fornecer as explicaes solicitadas pelo Tribunal de Contas da Unio (reportagem pg. 24). Enquanto isso, o partido se alia oposio em
outros temas, a comear pela proposta de desmonte do modelo de
partilha na explorao do pr-sal.

25/06/15 21:54

CA PA

ais do lobista. Os investigadores ainda


mapearam os repasses da construtora e
uma subsidiria, a Zagope, para uma conta controlada por Barusco e para outra,
cujo titular o operador Mrio
Ges.Trata-se de prova significativa do
envolvimento da empreiteira no crime de
corrupo dos dirigentes da Petrobras, j
que no h causa econmica lcita para a
transferncia entre a Phad e a Backspin,
o que tambm indica a inidoneidade da
transferncia anterior entre a Zagope e a
Phad Corporation, afirma Moro.

Sete Brasil, e que compreende o reembolso do custo de operao e manuteno das sondas, acrescido de uma remunerao fixa sobre o referido custo. Principais provas contra o executivo, as mensagens ainda motivaram atritos entre a
empresa e a fora-tarefa. J preso, Odebrecht teria enviado um bilhete a seus advogados no qual solicita destruir e-mail
sonda. Apreendido por um agente, o papel resultou em relatrio enviado pelo delegado ao juiz federal na segunda 22.

tilizado pelos investigadores


para reforar a necessidade da
manuteno da priso do empresrio, o bilhete, segundo os
advogados da Odebrecht, trata de orientao para os diversos tpicos de esclarecimentos que sero prestados no habeas corpus a ser impetrado. Tanto que o ttulo do bilhete Pontos
para o HC. Ainda de acordo com a defesa, alm de no corresponder conduta
do executivo, nem faria sentido uma sugesto de se destrurem e-mails que foram apreendidos em operao realizada em novembro de 2014, amplamente
periciados e tornados pblicos. De fato, uma contradio em si.

CCRep.CapaPrisoes856ok.indd 22

Outro atingido nessa fase da operao foi o ex-governador do Rio de Janeiro Srgio Cabral. Alvo de um inqurito
no Superior Tribunal de Justia, Cabral
citado em um e-mail que atrela a entrada daOdebrecht na disputa pela estao
de tratamento de gua do Comperj sua
atuao. Na mensagem eletrnica, Rogrio Arajo, diretor da empreiteira, elenca os itens a, b e c relacionados obra. No
item c, Arajo cita que a Petrobras\PR
ir conversar com o governador sobre
este novo arranjo com a participao da
CNO. Em complemento, entre parnteses, Arajo observa que importante o
Srgio Cabral ratificar (sic) e tambm definir o seu interlocutor neste assunto que
atualmente junto Petrobras e Mitigu
o Eduardo Eugnio.
Principal nome do PMDB fluminense,
Cabral teria recebido, segundo o delator
Costa, 30 milhes de reais oriundos de
desvios no mesmo Comperj. Cabral nega
ter participado de qualquer negociao.
No caso da Andrade Gutierrez, a situao mais delicada. Apontado como um
dos operadores na Petrobras, Fernando
Soares, o Baiano, recebeu por meio de suas empresas, Hawk Eyes e Technis, grandes quantias da empreiteira. No bastasse, o prprio presidente da empresa, Otvio de Azevedo, teria recebido 500 mil re-

m nota, a empresa afirmou no


participar de qualquer cartel
e que no existem fundamentos objetivos ou provas concretas que justifiquem as prises.
Sobre o repasse de Baiano a Azevedo,
a empreiteira explica tratar-se da venda de uma lancha. Em relao aos pagamentos efetuados Rio Marine, de Ges,
afirma serem fruto de servios devidamente prestados.
O novo passo da Lava Jato deve alcanar o setor eltrico. Segundo Dalton
Avancini, executivo da Camargo Corra
que assinou acordo de delao premiada,
o cartel teria atuado na Usina Hidreltrica de Belo Monte e na nuclear Angra 3.
Entres os citados, esto Adhemar Palocci, irmo do ex-ministro Antonio Palocci, e Othon Luiz Pinheiro da Silva, presidente da Eletronuclear, responsvel pela
usina nuclear no litoral fluminense. Tanto Palocci quanto seu ex-companheiro de
Esplanada dos Ministrios Jos Dirceu,
permanecem na mira dos investigadores.
Embora as diligncias contra Dirceu estejam em fase mais avanada, a expectativa de que novas delaes e informaes
coletadas possibilitem ampla investida
contra o ncleo de consultores na mira da
fora-tarefa. Os investigadores tm mapeado os contratos de consultorias das construtoras do cartel. Essas empresas, entende a fora-tarefa, seriam dutos de escoamento da propina para agentes pblicos.

FA B I O B R A G A / F O L H A P R E S S E S R G I O C A S T R O / E S TA D O C O N T E D O

Os empregados
da Odebrecht se
manifestam. A empresa
maior que seus
executivos

25/06/15 21:54

CA PA

O PR-SAL
EM RISCO
UM PROJETO PODE DESENCADEAR
O FIM DO REGIME DE PARTILHA
E A ABERTURA AOS ESTRANGEIROS

o longo das dcadas,


vrias das propostas
para proteger ou estimular a Petrobras esconderam as piores intenes. E a histria se
repete. Imbudo do velho esprito salvacionista, o Senado comea na
tera-feira 30 a discutir um projeto do senador tucano Jos Serra para alterar pontos da lei de partilha sancionada por Lula
em 2010. Entre as regras criadas no fim do
governo do ex-presidente, a estatal obrigada a deter uma participao mnima de
30% nos consrcios de explorao do petrleo na camada pr-sal e se responsabilizar pela conduo e execuo, direta ou
indireta, de todas as atividades de explorao, avaliao, desenvolvimento, produo e desativao das instalaes de explorao e produo. A etapa seguinte ser
a votao em regime de urgncia, aprovado no dia 16 em uma sesso tumultuada.

CCRep.CapaPreSal856ok.indd 26

por CA R LOS DRU MMON*

Polticos, empresrios e meios de comunicao contestam ao menos parcialmente o modelo de partilha de produo, aplicvel s reas no concedidas e no cedidas onerosamente no polgono do pr-sal
nas bacias de Santos e Campos. Nesse sistema, a capitalizao da Petrobras ocorre
pela transferncia do direito de produzir

at 5 bilhes de barris de leo. A empresa


opera de forma exclusiva e tem no mnimo
30% de participao e scios no operadores. No regime de concesso, o licenciamento da empresa obtido em licitaes,
a participao estatal no obrigatria e
o leo produzido pertence concessionria, aps o pagamento de royalties e taxas.

... e tem o apoio


do PMDB
do ministro Braga

Serra, que se
diz de esquerda,
comanda...

25/06/15 20:37

WALDEMIR BARRETO/AGNCIA SENADO, UESLEI MARCELINO/REUTERS/


L AT I N S T O C K E S E R G I O M O R A E S / R E U T E R S / L AT I N S T O C K

Sem a Petrobras, o risco


de explorao predatria
dos campos do pr-sal
muito maior, alertam
especialistas

Parcela relevante do PMDB, parceiro do PT no poder, uniu-se ao PSDB para


mudar o regime. At petistas se aliaram
ideia, caso de Delcdio Amaral, lder da legenda no Senado. Em certa medida, Amaral reflete uma posio de parte do governo. Eduardo Braga, ministro de Minas e
Energia, e Magda Chambriard, da Agncia
Nacional do Petrleo, j expressaram opinies favorveis alterao das normas.
Na diretoria da Petrobras, vicejam apoios.

rata-se da maior presso sobre o


regime de explorao do petrleo desde a quebra do monoplio nos anos 1990. A crise econmica, a queda do preo da commodity, o abalo provocado pela corrupo na Petrobras e suas principais fornecedoras e o enfraquecimento poltico de Dilma Rousseff formam um ambiente propcio para a investida.
Embora tenha recentemente defendido a poltica de contedo nacional, a

CCRep.CapaPreSal856ok.indd 27

presidenta ainda no esclareceu se concorda com todos os pontos do regime de


partilha ou no. O fato de ministros e diretores de agncia emitirem opinies
categricas contra o sistema chama a
ateno. O governo precisa se posicionar claramente contra esse projeto. Se
for omisso, os interessados na mudana das regras viro com fora total. Primeiro, vo acabar com a obrigatoriedade
de a Petrobras ser operadora nica e ter
30% dos campos. Depois, vo demolir o
regime de partilha e a poltica de contedo nacional. O risco perder tudo, alerta o senador petista Lindbergh Farias.
O projeto desobriga, no probe, a Petrobras de participar dos contratos e de
ter a responsabilidade por ser o operador, no mexe no modelo de partilha,
argumenta Serra. H dvidas. Para o senador Roberto Requio, quebrar o modelo geraria uma corrida para retirar o
petrleo daqui na maior velocidade possvel e remeter dividendos ao exterior.

Segundo a Associao dos Engenheiros


da Petrobras, ter a Petrobras como operadora nica diminui o risco de explorao predatria dos campos do pr-sal.

Confederao Nacional da Indstria defende a reviso da


necessidade de a estatal ser a
operadora de todos os blocos
contratados e da obrigatoriedade da participao mnima de 30%
nos consrcios para licitaes no pr-sal
e em outras reas estratgicas. O Instituto Brasileiro do Petrleo, formado por
representantes da Chevron, Shell, Repsol e empresas brasileiras, Petrobras includa, prope a reviso nas regras.
As dificuldades conjunturais da petroleira alimentam as crticas ao modelo de
partilha, mas sua adoo pretende atender
a objetivos de longo prazo cruciais ao Pas. O pr-sal tem claras evidncias de um

25/06/15 20:37

CA PA

st em jogo muito mais do que


uma fonte de energia, explica o
professor Ronaldo Fiani, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em entrevista ao blog Infopetro. Temos grandes reservas do pr-sal e uma
empresa capaz de explor-las, o que nos
d uma notvel autonomia para aproveitar esse recurso. Estamos inseridos em
um espao tradicionalmente de influn-

cia norte-americana e associados a uma


empresa chinesa, exatamente na linha
de confronto entre os Estados Unidos e
seus aliados e a China e a Rssia e seus
parceiros. Poucos perceberam a situao extremamente problemtica do Brasil nessa polarizao. Ignor-la pode ter
consequncias gravssimas.
As chamadas grandes irms do petrleo sabem bem do que se trata. A Shell comprou a concorrente BG em abril de olho no
mercado brasileiro. Com a aquisio, a empresa quadruplicou sua operao no Pas
e tornou-se a nova potncia do pr-sal.
O regime de urgncia impede a discusso aprofundada do tema, acreditam
especialistas. O projeto foi apresentado
em maro deste ano e, em tempo recorde
e sem qualquer debate com a sociedade,
obteve parecer favorvel na Comisso de
Constituio, Justia e Cidadania, protesta Jos Maria Rangel, coordenador-geral da Federao nica dos Petroleiros. O modelo em vigor tem um ponto

O SISTEMA DE CONCESSO FOI TIL PARA


DESCOBRIR AS RESERVAS. HOJE ELAS
ESTO IDENTIFICADAS E AS PETROLEIRAS
QUEREM GANHAR SEM MUITO ESFORO

CCRep.CapaPreSal856ok.indd 28

o Brasil, o sistema de concesso


adotado na dcada de 1990 atribua ampla liberdade s concessionrias adquirirem equipamentos e servios em qualquer
pas e elas no tinham interesse em desenvolver fornecedores internos. Na stima rodada de licitaes de campos de petrleo, em 2005, estabeleceu-se a exigncia de contedo local de 5% a 90%.
A discusso do regime de partilha
uma tentativa de voltar ao regime de
concesso, que foi adequado para descobrir as reservas, mas hoje elas esto todas plotadas, ainda que no exploradas e
no exatamente dimensionadas, aponta o economista Luiz Gonzaga Belluzzo.
O regime de concesso possibilita levar
quase de graa o petrleo j identificado
pela Petrobras, sem o custo elevadssimo
da prospeco, e isso o que as grandes
empresas mundiais de petrleo querem:
ganhar sem muito esforo.
Convm relembrar o alerta de Belluzzo
e do economista Julio Gomes de Almeida,
em artigo publicado em 2009: a descoberta do pr-sal poderia ser o incio de um futuro brilhante ou o limiar de desgastantes
disputas e de um grande empobrecimento
econmico. esta a escolha.

*Colaborou Rodrigo Martins

O C R U Z E I R O / E S TA D O D E M I N A S / E S TA D O C O N T E D O

potencial sem igual e com risco muito pequeno, pois os reservatrios so de


grande extenso. O propsito da Empresa Brasileira de Administrao de Petrleo e Gs Natural Pr-Sal Petrleo S.A.,
defender os interesses pblicos na gesto dessa riqueza, nos contratos de partilha e na individualizao da produo,
para destinar seus recursos s finalidades
nobres previstas em lei: educao, sade
e fundo social, explica Oswaldo Pedrosa, presidente da PPSA, estatal encarregada de zelar pelos interesses da Unio
nos contratos de partilha.

a maior presso
para mudar o regime
de explorao desde
FHC, que quebrou o
monoplio institudo
em 1953 por Vargas

fundamental, que o estabelecimento


de uma poltica industrial, diz Alberto Machado, diretor de Petrleo, Gs,
Bioenergia e Petroqumica da Associao Brasileira da Indstria de Mquinas.
Estmulos ao contedo local so adotados no mundo todo e o Banco Mundial os
considera parte das polticas industriais,
utilizadas para acelerar o crescimento e a
competitividade dos pases. O Reino Unido e a Noruega usaram a exigncia de contedo local para forar as petroleiras a realizar um volume crescente de compras de
fornecedores locais. Na Noruega, os ndices de contedo local aumentaram de 28%
em 1975 para 62% em 1978 e se sustentam.

25/06/15 20:37

Seu Pas

Fiapos soltos
no caminho

Documentos e planilhas pouco


explorados at agora pela investigao
LAVA JATO

POR HENRIQUE BEIRANG

ps um ano e quatro meses, a Operao Lava Jato acumula nmeros expressivos. As 16 fases levaram abertura de 160
inquritos, investigao de 500 suspeitos, 96 mandados de priso, 53 pedidos de cooperao internacional, 28 denncias e 30 condenaes, sem contar
os 42 polticos cujo destino depende do
Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo os investigadores, os prejuzos
Petrobras somam 19 bilhes de reais. Na
tera-feira 28, o caso avanou sobre o
Programa Nuclear Brasileiro (quadro
pg. 28), com a priso do almirante
Othon Pinheiro, ex-presidente da Eletronuclear.
Em uma investigao to complexa
e com tantas ramificaes, natural
que algumas pontas fiquem soltas pelo caminho. Como define nos bastidores o ministro do STF Teori Zavascki,
na Lava Jato, quando se puxa uma pena, vem uma galinha. E a sensao de
que o galinheiro ainda est longe de ser
devidamente preenchido. CartaCapital
selecionou dois casos que ainda podem
resultar em apuraes futuras, dado o
emaranhado de nomes, planilhas e menes a contratos. So eles:
28

Obras em Minas Gerais


Um arquivo encontrado durante a busca
e apreenso na casa de Dalton Avancini,
ex-presidente da Camargo Corra, detalha o relacionamento da construtora
com os responsveis por obras em Minas
Gerais nos tempos dos governos de Acio
Neves e Antonio Anastasia, hoje senadores. Avancini j foi condenado a 15 anos
de priso por envolvimento no escndalo da Petrobras, mas acabou beneficiado pelo acordo de delao premiada. Se a
sentena for mantida por instncias superiores, o executivo cumprir dois anos
em regime semiaberto. Para prosperar,
a investigao em Minas precisa despertar o interesse do Ministrio Pblico do
estado. Procuradores estaduais tm liberdade de solicitar fora-tarefa instalada em Curitiba a documentao referente aos contratos.
No computador de Avancini havia uma
pasta de arquivos com um sugestivo ttulo:
Item arrecadao. No relatrio de anlise de mdia 335/2015, surge uma srie de
nomes de funcionrios do Departamento
de Estradas de Rodagem de Minas Gerais
e do ex-secretrio estadual de Transportes
Paulo Paiva. Os arquivos, dizem os investigadores, referem-se obra da Linha Verde
na capital Belo Horizonte.

C A R TA C A P I TA L .C O M . B R

CCSeuPaisLavaJato861ok.indd 28

30/07/15 17:48

TAMBM
NESTA
SEO

pg. 32

Sade. A nova disputa


entre o governo e o
Conselho de Medicina

N L I O R O D R I G U E S / E S TA D O C O N T E D O

Linha Verde. Abaixo, o ex-secretrio Paulo Paiva


e seu subordinado Fernando Janotti fiscalizam a obra
em Belo Horizonte. O preo final subiu quase 400%

C A R TAC A P I TA L 5 D E AG O S TO D E 2 0 15

CCSeuPaisLavaJato861ok.indd 29

29

30/07/15 17:48

Seu Pas

A Linha Verde, lanada em maio de


2005, um conjunto de obras virias
que incluiu intervenes nas avenidas
Andradas e Cristiano Machado, alm
da Rodovia MG-010. Uma via de trnsito rpido, com 35,4 quilmetros de extenso, para ligar o centro da capital mineira ao aeroporto de Confins. A planilha de Avancini indica que as estimativas de gastos eram bem mais modestas
no incio das obras. Um arquivo em formato de apresentao inclui a previso
de 99,9 milhes de reais. Em 2006, o valor saltou para 139,6 milhes.
O executivo, avalia a fora-tarefa, esforava-se para aumentar os gastos na
obra. Ele descreve em uma das mensagens: Relacionamento vem transcorrendo de forma adequada. Existem aes
a serem tomadas para garantir andamento da obra e reviso de valores contratuais. Realmente, os custos foram revistos. Os investimentos na Linha Verde
totalizaram 483 milhes de reais, alta
de 382%. Acio Neves, ento governador,
assinou o contrato. O nome de Paiva, seu
secretrio de Transporte, aparece logo

Youssef prometeu
arrumar emprego
na ONU para
uma das filhas

antes do de um subordinado,
Fernando Janotti, secretrio-adjunto. Os dois acompanhavam de perto o andamento do
projeto, como revelam fotos
do perodo.
Na sequncia dos dois nomes desfia-se a indicao de
uma lista de funcionrios do
DER e uma tabela de valores que totaliza 34 milhes de reais. Por que os nomes aparecem na planilha de Avancini?
A que se referem os valores? Qual o motivo de insistir na reviso dos valores da
obra? So perguntas ainda em aberto.
Vrios desses funcionrios continuam
a ocupar cargos no rgo estadual ou
arrumaram emprego na prefeitura de
Belo Horizonte.

Copa do Mundo
Outro mistrio a ser elucidado vem
da rede de relaes do doleiro Alberto
Youssef. Em uma das mensagens interceptadas pela Polcia Federal, uma das
filhas do doleiro garante que o pai arrumaria emprego para uma delas na
Organizao das Naes Unidas. O
pai disse que vai arrumar um estgio
na ONU para a Su. Diz o relatrio da

O cartel atuou
na usina, diz
a fora-tarefa

30

ai a Petrobras, entra o
setor eltrico. A 16 fase da Lava Jato, baseada nas delaes de Dalton
Avancini, da Camargo Corra,
e Augusto Mendona, da Toyo
Setal, avanou sobre os contratos de construo da usina
nuclear Angra 3. Na tera-feira 28, a Polcia Federal prendeu o almirante Othon Luiz Pinheiro, ex-presidente da Eletronuclear, e Flvio David Barra, diretor da AG Energia, pertencente Andrade Gutierrez.
Segundo as investigaes,

o almirante, pai do Programa Nuclear Brasileiro, teria


recebido 4,5 milhes de reais
em propinas para facilitar um
esquema de cartel de obras
na usina. Segundo Avancini,
as construtoras Camargo
Corra, UTC, Odebrecht, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvo, Techint e EBE formaram
dois consrcios para vencer
uma das licitaes da construo estimada em 3 bilhes
de reais.
O militar receberia a propina, afirma o Ministrio Pblico,

C A R TA C A P I TA L .C O M . B R

CCSeuPaisLavaJato861ok.indd 30

30/07/15 17:48

J . P. E N G E L B R E C H T / P C R J E M A R C E L L O _ C A S A L J R

RADIOATIVIDADE EM ANGRA 3

Influncia. Fornecedora da Petrobras


obteve contratos na Copa de 2014,
com apoio de Paulo Roberto da Costa

J . P. E N G E L B R E C H T / P C R J E M A R C E L L O _ C A S A L J R

Polcia Federal: Chama muito a ateno uma anotao em que, possivelmente, Taminy ( filha do doleiro) escreve que Alberto Youssef vai arrumar
um emprego na ONU para sua outra filha Surraily. Tal indicao demonstra a

por meio de uma consultoria


de fachada denominada Aratec.Pinheiro afastou-se da direo da empresa em abril
deste ano. Iniciada em 2009,
o custo total de Angra 3 era
estimado em 7 bilhes de reais e hoje aproxima-se dos 15
bilhes. A usina ser a terceira nuclear do Pas. Localizada
na Praia de Itaorna, em Angra
dos Reis, vai gerar energia suficiente para abastecer as cidades de Braslia e Belo Horizonte durante um ano.
As licitaes sob investigao ocorreram em 2012 e
2013, mas a efetiva contratao se deu em 2014. Parte
das reunies entre executivos

influncia do alvo. No h informaes


sobre o suposto contato do contraventor
nas Naes Unidas.
A fora-tarefa tambm no se debruou sobre os contatos de Paulo Roberto
Costa, ex-diretor da Petrobras, no mundo do futebol. Documentos apreendidos
em sua casa expem seu envolvimento em negcios esportivos.Um dos documentos uma procurao em nome
de Alberto Antonioli, italiano dono de

uma empresa chamada Value Partners.


A companhia participou do Consrcio
Copa 2014, responsvel pelo suporte de
gerenciamento ao Ministrio do Esporte
no Mundial no Brasil. O contrato somava
15 milhes de reais.
O Tribunal de Contas da Unio (TCU)
chegou a auditar os contratos e encontrou
irregularidades nos pagamentos feitos ao
consrcio integrado pela Value Partners.
O Ministrio do Esporte desembolsou 48
milhes de reais por quatro anos de consultoria. Custo 270% superior ao preo
inicial previsto, de 13 milhes. Nas auditorias do TCU, foi identificado o pagamento a funcionrios cuja prestao de
servios no restou comprovada.
A Value Partners no atuava apenas
no meio esportivo. Segundo documentos apreendidos na casa de Costa, a empresa detinha um contrato de consultoria para servios na Petrobras na rea
de eficincia energtica.
O envolvimento de Costa em contratos do Ministrio do Esporte mais um
mistrio da Lava Jato, uma operao
com comeo certo, mas sem fim vista.

integrantes do cartel teria sites do PMDB e a funcionrios


do realizada aps o incio da
da Eletronuclear, o equivalenOperao Lava Jato. Em um
te a 30 milhes de reais.
e-mail interceptado pela PolSegundo Avancini, para gacia Federal, Ricardo Pessoa,
rantir a vitria das empresas
executivo da UTC e que tamdo cartel foram includas clubm assinou um acordo de
sulas no edital que excluram
delao premiaoutras construtoda, convida repreras interessadas
sentantes das deem participar da
mais construtolicitao. Uma
ras para discutir
das companhias
etapas das obras
excludas chegou
na sede da ema ingressar com
presa. Durante
um recurso no
essas reunies
Tribunal de Conteria sido negotas da Unio conPriso temporria.
ciado o pagamentra as regras de
Othon Pinheiro, pai
to de 1% em proconcorrncia.
do programa nuclear,
pinas a integranApesar de tcnifoi alvo da 16 fase

cos do TCU terem concordado


com as alegaes e apontado
um carter extremamente
restritivo ao certame, os ministros da Corte autorizaram o
andamento da licitao.
Batizada de Radioatividade,
a nova fase da Lava Jato cumpriu 23 mandados de busca e
apreenso e cinco de conduo coercitiva, alm de determinar o bloqueio de 60 milhes de reais em bens dos investigados. Especula-se que o
prximo alvo ser a Hidreltrica de Belo Monte, em construo no norte do Par. O valor
da usina saltou de 16 bilhes
para 33 bilhes de reais desde
o incio das obras.

C A R TAC A P I TA L 5 D E AG O S TO D E 2 0 15

CCSeuPaisLavaJato861ok.indd 31

31

30/07/15 17:48

R EPORTAGEM DE CA PA

O GRAMPO
DA DISCRDIA
O EQUIPAMENTO ENCONTRADO
NA CELA DE ALBERTO YOUSSEF AINDA
ALIMENTA A GUERRA DE FACES NA PF

esde maro de 2014, a Operao Lava Jato acumula nmeros superlativos: 356 buscas e apreenses, 105 prises, 86 condues coercitivas, 52 pedidos de cooperao internacional,
28 acordos de delao premiada, 31 aes criminais contra
143 acusados e cinco processos de improbidade administrativa que alcanam 37 indivduos e empresas responsveis por
movimentar quase 4,5 bilhes de reais em propinas, segundo os investigadores. As sentenas definidas pelo juiz Sergio

Moro somam 225 anos, 3 meses e 25 dias.


Sobre tamanho sucesso paira, no entanto, um mistrio cujo eventual desfecho poderia colocar em risco toda a operao. Trata-se do ainda no esclarecido
grampo na Superintendncia da Polcia
Federal em Curitiba, nacionalmente famosa por abrigar boa parte dos envolvidos no escndalo. Descoberto pelo doleiro Alberto Youssef em sua cela antes de
assinar o acordo de delao premiada, o
equipamento provocou uma sindicncia
26

ligeira, uma guerra interna entre policiais


federais ainda sem soluo, acusaes de
traio e venda de dossis. No se entende
por qual motivo um acontecimento aparentemente simples gerou tanto rebulio
e segue inconcluso.
Em 16 de setembro, diante de Moro,
Dalmey Fernando Werlang, analista de
inteligncia da PF no Paran, voltou a
assumir a autoria da instalao de um
grampo ilegal, em maro de 2014, na cela
que receberia o doleiro Youssef. Ao depor

ao juiz, Werlang judicializou um debate travado nos bastidores e que gera


apreenso entre os envolvidos.
Especialista em monitoramentos telefnicos e ambientais, Werlang, ao assumir a instalao do aparelho, em reforo ao que havia afirmado CPI da
Petrobras, responsabilizou trs delegados: Rosalvo Franco, superintendente
em Curitiba, Igor Romrio de Paula, chefe da Delegacia de Represso ao Crime
Organizado, e Marcio Anselmo, um dos
cabeas da Lava Jato.
O agente tambm indicou os caminhos
para a confirmao de seu depoimento.
Sugeriu uma percia no servidor do Ncleo
de Inteligncia Policial, a tomada do depoimento dos colegas Maria Ins, que o teria auxiliado na instalao do grampo, e
Romildo Bolacha, chefe da carceragem,
que teria retirado os presos das celas para a operao no ser notada pelos alvos.

RODOLFO BUHRER/L A IMAGEM/FOTOARENA


E D I D A S A M PA I O / E S TA D O C O N T E D O

por M A RCELO AU LER

C A R TA C A P I TA L .C O M . B R

CCReportagemCapaAuler869ok.indd 26

24/09/15 22:19

2
4

1. Os delegados Igor Paula e


Marcio Anselmo 2. O agente
Dalmey Werlang 3. Mrio
Renato Fanton 4. Youssef
com o equipamento
encontrado em sua cela

3
C A R TAC A P I TA L 3 0 D E S E T E M B R O D E 2 0 15

CCReportagemCapaAuler869ok.indd 27

27

24/09/15 22:19

R EPORTAGEM DE CA PA

uas queixas no se limitaram ao


grampo encontrado por Youssef
em sua cela em abril de 2014.
poca, policiais comentavam sobre a existncia da escuta ilegal.
Mas a cpula da superintendncia, na tentativa de abafar o caso, providenciou uma
sindicncia s pressas, presidida pelo delegado Mauricio Moscardi Grilo, que nem se
deu ao trabalho de periciar o equipamento
achado pelo doleiro. A concluso de que a
escuta fora instalada em 2008 para monitorar o traficante Fernandinho Beira-Mar
ainda gera contestaes. Documentos arquivados na capital federal registram que
o tal aparelho s teria chegado ao Paran
meses depois de o traficante ter sido transferido para Mato Grosso do Sul.
As dvidas ultrapassam a apurao
ligeira da histria do grampo. Incluem
a possvel manipulao de testemunhas,
a perseguio a policiais que suspeitavam das irregularidades e tentativas
de escamotear fatos que coloquem em

28

risco a legalidade de certas apuraes.


Herrera no ficou sozinho nas crticas. Outro dissidente apontado
por Werlang seria o delegado Rivaldo
Venncio, chefe da Delegacia de
Represso a Entorpecentes e, at 15 de
abril, substituto eventual de Igor Paula
na Represso ao Crime Organizado.
Ambos trabalharam juntos no combate

O AGENTE WERLANG
INSISTE: A ORDEM
DE GRAMPEAR VEIO
DE DELEGADOS
DA FORA-TAREFA.
OS ACUSADOS NEGAM

a faces criminosas, inclusive por


meio de monitoramentos telefnicos.
Recentemente, um desentendimento,
que poderia decorrer do uso irregular de
grampos, os afastou. Em consequncia,
Venncio perdeu o posto de substituto.
Na CPI da Petrobras, ao tambm admitir a instalao do grampo ambiental no fumdromo da superintendncia,
a pedido da mulher de Igor Paula, a delegada Daniele Gossenheimer Rodrigues,
chefe do NIP, Werlang explicou que a escuta, tambm instalada sem autorizao judicial, tinha o objetivo de monitorar Venncio:
Ali era um local onde se encontrava,
se reunia, a grande maioria dos policiais
federais descontentes com as condues
equivocadas... Poderia se dizer que seria
uma rea de divergncia. Depois que foi
instalado (o grampo), eu percebi que a delegada Daniele tinha muito interesse em ouvir, por exemplo, o delegado Rivaldo, que

era uma pessoa que tinha tido uma desavena com o delegado Igor, dias antes. Isso
me deixou incomodado (sic).
Informado da escuta pelo prprio
Werlang, Venncio organizou uma equipe para recolher o aparelho e encaminh-lo sede da PF em Braslia.
Em meio disputa interna, Herrera foi
acusado de negociar dossis para derrubar as investigaes. As suspeitas foram
levantadas em informes assinados por
Igor Paula. Com base nesses textos, o diretor da Delegacia de Combate ao Crime
Organizado convocou aquele que se transformaria em mais um crtico do trabalho
da fora-tarefa, o delegado Mrio Renato
Castanheira Fanton.
No foi uma escolha aleatria. Fanton
era amigo de Moscardi, autor da primeira
sindicncia. A misso sigilosa do delegado
no Paran, como prova a portaria que instaurou o Inqurito Policial 737/2015, era
investigar a venda de dossis. Segundo
o prprio Fanton registrou no despacho
de encerramento de sua misso, os informes de Igor Paula tinham por base depoimentos da doleira Nelma Kodama, presa
na primeira fase da Lava Jato, prestados a
Moscardi na sindicncia sobre o grampo
da cela de Youssef.

or esses informes, os dossis seriam negociados por Herrera e


pelo ex-agente Rodrigo Gnazzo,
com a participao de um grupo de advogados comandados
por Marden Esper Maus, poca contratado pela doleira.
No foram os nicos acusados. Uma
nota na revista Veja, como relatado na
CPI da Petrobras pelo deputado Alusio
Guimares Mendes Filho, do PSDC do
Maranho, dava conta de que algumas
fontes tambm apontam a participao
de um delegado da Polcia Federal, muito prximo ao ex-desembargador, com
conexes suficientes para conseguir novas informaes na PF para instruir um
dossi.

A N I E L E N A S C I M E N T O / G A Z E TA D O P O V O

O silncio da direo-geral da Polcia


Federal, em Braslia, aumenta o mistrio
em torno do assunto, assim como cresce o
nmero de funcionrios em Curitiba que
suspeitam da inteno de se jogar a histria para debaixo do tapete. H, tudo indica, o receio de uma eventual ilegalidade
minar a credibilidade das investigaes.
Integrantes da corporao no Paran entendem, porm, que o risco ser maior se
tudo no vier a ser esclarecido.
Essa dissidncia extrapola o episdio do
grampo na cela de Youssef, que provocou
o clima beligerante entre federais paranaenses. H ntida disputa de poder e briga de
egos entre chefias atuais e antigas, ambas
com respectivos grupos de apoio.
Um dos primeiros a apontar supostas ilegalidades na Lava Jato foi um delegado que j participou da cpula da PF:
Paulo Renato de Souza Herrera, ex-chefe da Delegacia de Combate a Crimes
Fazendrios, afastado para tratamento psicolgico.

C A R TA C A P I TA L .C O M . B R

CCReportagemCapaAuler869ok.indd 28

24/09/15 22:19

Trata-se do delegado Jos Alberto


Iegas, ex-superintendente no Paran e
ex-diretor de Inteligncia em Braslia,
como ele admitiu ao depor aos deputados. O desembargador seria Edgard
Lippmann, do TRF-4, punido pelo
Conselho Nacional de Justia com aposentadoria compulsria por envolvimento em outras irregularidades.
Iegas foi quem informou a CPI sobre a
remessa a Braslia do equipamento usado
para grampear a cela de Youssef. Ao contestar a elaborao de dossis, foi irnico:
Como eu poderia preparar um dossi com
informaes negativas da Operao Lava
Jato se eu nunca tive acesso Operao
Lava Jato? (...) Ora, se esses investigadores,
sob a condio do anonimato, tm receio
de que possa existir um dossi para anular a Lava Jato, apenas quem est com a investigao que pode esclarecer se houve ou no ilegalidade e abusos cometidos.
O envolvimento de Herrera com
Maus deu-se em outra investigao
paralela. O advogado assistiu ao depoimento de Kodama na sindicncia contra

s
au
do M ado?
a
g
stig
dvo
O a o inve ponde

s
n
r
u
o
m e
gu nte
n
i
N
ame
clar

o agente Rogrio Knoblauch, de 47 anos.


Com problemas psicolgicos, ele deveria receber licena para tratamento.
Mas foi colocado nos plantes da superintendncia. Durante os plantes,
aproximou-se da doleira, presenteou-a
com caixas de bombons e flores, e a retirava da cela para privar de sua companhia. Em 6 de abril de 2014, um domingo, o agente enforcou-se em casa.
Por causa da investigao de Knoblauch,

Herrera e Maus trocaram impresses sobre a Lava Jato. Os dois eram muito crticos aos trabalhos da fora-tarefa. Mais
tarde, aps tentar sem sucesso denunciar
aos superiores o que considerava ilegalidades da operao, o policial decidiu buscar orientaes com o advogado. Em uma
das conversas, incluiu o amigo Gnazzo.
Kodama relatou aos delegados da fora-tarefa a aproximao entre Herrera e seu
representante legal. Nasceu da a suspeita
da venda de dossis, jamais comprovada.

aus e Herrera no foram


ouvidos por Fanton. Gnazzo
prestou depoimento em
Braslia. O advogado soube
da investigao por meio de
um colega de profisso, que ouviu a notcia da boca da prpria doleira. Maus desconfiava, pois sua cliente, condenada a 18
anos, foi transferida do presdio para a superintendncia. Nos seus encontros, ela
perguntava sobre dossis ao mesmo tempo que oferecia apoio para a remessa de
dinheiro ao exterior. Espalhou-se que os

C A R TAC A P I TA L 3 0 D E S E T E M B R O D E 2 0 15

CCReportagemCapaAuler869ok.indd 29

29

24/09/15 22:19

dossis custariam 20 milhes de


euros (o equivalente hoje a 100 milhes de reais). A insistncia de Kodama levou o advogado a imaginar
que a cliente topara servir de isca e
a desconfiar de que seus encontros
poderiam ser gravados.
A corregedora regional da PF
no Paran, Rosicleya Baron de
Albuquerque Barradas, explicou por escrito a transferncia de
Kodama para a custdia. Segundo
ela, a medida serviu para que ela
pudesse ser ouvida segundo um extenso cronograma de depoimentos;
aps, permaneceu nesta unidade a
fim de tratar de uma proposta, por
ela apresentada, de eventual acordo
de delao premiada. Barradas nega o
monitoramento das conversas da doleira e seu advogado.
Quando um carro rondou e fotografou sua residncia, Maus apresentou uma representao na Cmara
de Direitos e Prerrogativas da OAB do
Paran. Seu presidente, Cssio Lisandro
Telles, cobrou explicaes da superintendncia da PF no estado. Na resposta, o delegado Fluvio Cardinelle Oliveira
Garcia, corregedor em exerccio, garantia: No foi localizado qualquer procedimento (...) para investigar o advogado
Marden Estee (sic) Maus. No fez referncia ao Inqurito 737/2015.

e acordo com Barradas, Garcia


no mentiu, pois de fato no
h procedimento instaurado
contra o advogado. O Inqurito 737/2015 foi transferido para Braslia e est sob os cuidados da Coordenao de Assuntos Internos da Corregedoria, em segredo de Justia. Por causa dessa determinao, qualquer servidor
que o conhea por conta de suas atribuies no pode compartilhar dados, sob pena de incorrer em crime de violao de sigilo. Embora no seja incomum investigaes sob sigilo vazarem da PF.

30

FEDERAIS CRTICOS
DA FORA-TAREFA
PASSARAM A SER
INVESTIGADOS POR
VENDA DE DOSSIS

A passagem de Fanton por Curitiba foi


meterica. Em 4 de maio, ao saber que no
ficaria na cidade, o delegado colheu o depoimento de Werlang, que pela primeira
vez admitiu a instalao dos grampos. Em
seguida, registrou sua apurao em cinco
laudas. Nesse registro, acusou os delegados Igor Paula e sua mulher de quererem
ter cincia e manipular provas, sendo que
o principal setor de vazamento de informaes da superintendncia o NIP.
Nos dois primeiros pargrafos destacou: Diante de alguns fatos por esse
missivista presenciados (...) requeiro a
suspenso de todas as medidas pleiteadas, segundo exposto: O requerente no
v confiana nas premissas probatrias
que lhe foram apresentadas, merecendo

reviso minuciosa e cautelosa, com interferncia direta do Ministrio Pblico


Federal, sob pena de se cometer graves e
irreversveis injustias.
Fanton dever retornar a Curitiba,
caso o juiz Danilo Pereira Jnior, da 12
Vara Federal, acate a denncia por crime
de calnia apresentada pelo procurador
Daniel Holzmann Coimbra. O delegado e
Werlang, tratados como dissidentes, no
entendimento de Coimbra, cometeram
crime ao acusar a cpula da Lava Jato de
cometer irregularidades e coao. Tratase de um caso curioso, pois, inicialmente, tanto o agente quanto o delegado s
se manifestaram oficialmente em interrogatrios ou no despacho do inqurito.
Tambm estranho que a denncia surja antes de se confirmar a veracidade do
depoimento de ambos. Por fim, um caso
aparentemente comum, que no envolve
dados secretos, tratado em segredo de
Justia, sem que se consiga acesso ao argumento usado pelo procurador.
S o completo esclarecimento do tal
grampo poder demonstrar que a Lava
Jato no ultrapassa os limites da legalidade em seu mpeto louvvel de punir a corrupo no Brasil. Para quem est imbudo
da misso de limpar o Pas, a transparncia no s recomendvel. essencial.

J O N AT H A N C A M P O S / G A Z E TA D O P O V O

A doleira Kodama
tentou envolver seu
advogado na trama

R EPORTAGEM DE CA PA

C A R TA C A P I TA L .C O M . B R

CCReportagemCapaAuler869ok.indd 30

24/09/15 22:19

R EPORTAGEM DE CA PA

A SMULA
HOFFMANN
AO PEDIR O DESMEMBRAMENTO
DO PROCESSO DA SENADORA PETISTA,
TEORI ZAVASCKI REDEFINE A LAVA JATO
por A NDR BA R ROCA L

NPNPNPNPNPNPNPNPNPNPN

no o juiz
Se o ministro
casos
s
do
al
rs
ive
un
..
o.

up
rr
de co

20

C A R TA C A P I TA L .C O M . B R

CCReportagemCapaBarroca869ok.indd 20

24/09/15 22:22

N E L S O N J R . / S T F, A N T O N I O C R U Z / A B R E N E L S O N A L M E I D A / A F P

ma deciso do supremo tribunal federal sobre a Operao Lava Jato promete uma guinada nas investigaes e novos ventos nos rumos polticos e econmicos do Pas. Nem todas as descobertas tero de virar processos comandados por
um magistrado nico. Nada de concentrar tudo no ministro
Teori Zavascki, do STF, em casos contra polticos, ou no juiz
Sergio Moro, da 13 Vara Federal de Curitiba, em aes que
envolvam acusados sem foro privilegiado. A possibilidade de
separao abala a tese central da fora-tarefa de procuradores e policiais federais.
A de que todas as malfeitorias encontradas at agora integravam um mesmo esquema de corrupo, montado pelo governo federal em troca de apoio no Congresso.
A permisso do STF para a descentralizao nasceu da anlise de um caso especfico, aquele pertinente senadora petista Gleisi Hoffmann, ministra da Casa Civil no
primeiro governo de Dilma Rousseff. No fim de agosto, Moro enviara a Zavascki material recolhido 12 dias antes em uma nova fase da Lava Jato, a Operao Pixuleco II.
Os investigadores apreenderam no escritrio de um advogado, Guilherme Gonalves,
documentos que indicavam despesas eleitorais da senadora pagas com dinheiro da
Consist Software. Hoffmann disputou eleies em 2010 e 2014, e Gonalves participava de sua campanha. O repasse da Consist suspeito, pois a firma beneficiou-se

de um acordo firmado pelo Ministrio


do Planejamento em 2009, poca em que
a pasta tinha frente o marido da senadora, Paulo Bernardo.
Aps examinar o material, Zavascki
entendeu que o caso no tinha relao
com a Petrobras, foco original da Lava
Jato e dos processos por ele relatados
que atingem uma penca de detentores de
foro privilegiado. O presidente do STF,
Ricardo Lewandowski, determinou ento a redistribuio do processo para outro ministro. Por sorteio, o caso foi parar
nas mos de Jos Dias Toffoli. Para tal
construo jurdica ser vista no como
um acerto entre ministros, mas como
uma posio institucional, o assunto foi
a exame no plenrio da Corte na quarta-feira 23. Por 8 votos a 2, a redistribuio

O su
po
da ex sto caix
a2
-m
no e inistra
s
ao es t ligado
c
da P ndalo
et
conc robras,
lui o
Supr
emo

m
... Moro tamb
no seria,
am
segundo avali
s
ta
lis
cia
pe
es

C A R TAC A P I TA L 3 0 D E S E T E M B R O D E 2 0 15

CCReportagemCapaBarroca869ok.indd 21

21

24/09/15 22:22

R EPORTAGEM DE CA PA
Advogados
de defesa j
m
se movimenta
essos
para tirar proc
do Paran

foi avalizada. Assim, o inqurito da ex-ministra e atual senadora segue com


Toffoli. J o caso do ex-vereador petista
Alexandre Romano, alvo de apurao no
mesmo caso, sair da Vara de Moro, em
Curitiba, e ir Justia de So Paulo, onde mora o acusado. Est criado o precedente para novas redistribuies.

ntre os derrotados na goleada


de 8 a 2 estava Gilmar Mendes.
Pela segunda semana seguida,
o ministro adotou uma posio
de forte vis poltico-partidrio.
No julgamento que proibiu as doaes
empresariais de campanha, descrevera a proposta como uma conspirata da
Ordem dos Advogados do Brasil para favorecer o projeto do PT de se perpetuar
no poder. Na sesso que deu novos contornos Lava Jato, repetiu a toada prejulgadora antipetista. Segundo ele, a Lava
Jato revela a existncia de um mtodo
de governar e de uma mesma organizao criminosa, com o uso de recursos
pblicos para financiar a atividade poltico-partidria e campanhas eleitorais,
manter uma base partidria fisiolgica
e comprar o apoio da imprensa e de movimentos sociais. Por essa razo, segundo ele, no faria sentido separar os processos oriundos da Lava Jato. Tudo deveria ficar com um s juiz.
a mesma viso de Moro e do
Ministrio Pblico. Na sentena em que
condenou o ex-tesoureiro do PT Joo
Vaccari a 15 anos de cadeia, na segunda-feira 21, o juiz escreveu haver um
conjunto de fatos conexos e um mesmo conjunto probatrio que demanda apreciao por um nico Juzo.
Enquanto o STF julgava o destino do
caso Hoffmann, o procurador-geral da
Repblica, Rodrigo Janot, argumentava que a investigao sobre a senadora
no se dirige a delaes ou empresas,
mas a uma organizao criminosa que
tem vrios ramos, opera com diversos
atores e frentes.

22

A FORA-TAREFA
TEME QUE A LAVA
JATO TENHA O
MESMO DESTINO DE
OUTRAS OPERAES
BLOQUEADAS
Entre os procuradores, ningum foi
mais explcito do que um dos integrantes da fora-tarefa. Em entrevista coletiva na segunda-feira 21, dia de uma nova batida policial, Carlos Fernando dos
Santos Lima teorizou que os malfeitos
na Petrobras e na Eletrobras, outra estatal na mira, repetem o mensalo enquanto esquema de compra de apoio
poltico para o governo federal atravs
de corrupo. Mais: No tenho dvida nenhuma de que todos ligados Casa
Civil do governo Lula, tudo foi originado dentro da Casa Civil ento chefiada
pelo petista Jos Dirceu.

owski,
Para Lewand
u
o STF afasto
ade
o risco de nulid
o
a
da oper

C A R TA C A P I TA L .C O M . B R

CCReportagemCapaBarroca869ok.indd 22

24/09/15 22:22

u
Mendes volto
u
a exercitar se
o
ism
ar
id
rt
pa

para uma bilionria evaso de divisas.


A investigao do Banestado concentrava-se no Paran, assim como a Lava
Jato. Terminou com 97 condenaes.
Quando a Farol da Colina foi a campo,
a ideia era expandir a ao para outros
doleiros e beneficiados. poca, as investigaes foram repartidas entre vrios juzes. S no primeiro dia da operao 50 suspeitos foram presos, mas
apenas dois acabaram condenados. o
que pode acontecer hoje, afirma um integrante da fora-tarefa.

R I C A R D O B O T E L H O / B R A Z I L P H O T O P R E S S / E S TA D O C O N T E D O, N E L S O N J R . / S T F

U
Nos bastidores, a fora-tarefa explica suas preocupaes. Segundo um dos
investigadores, se a Lava Jato sair do
controle de Moro, com futuras operaes de campo, prises e quebras de sigilo dependentes de autorizao de outros juzes, vai ficar mais difcil obter resultados. Essa fonte diz que a operao
s tomou as propores atuais por uma
simbiose entre policiais, procuradores e
Moro. Sem uma das trs engrenagens, o
sistema ruiria. Alm disso, s Moro teria
o domnio completo dos personagens investigados e de suas histrias.
Teme-se agora a repetio do fim melanclico da Operao Farol da Colina,
uma das maiores aes contra lavagem de dinheiro da histria brasileira.
A operao foi realizada pela Polcia
Federal em 2004, como desdobramento do escndalo do Banestado, extinto
banco paranaense que serviu de duto

ma curiosidade sobre o
Banestado. Lima, o procurador que v risco de fim da Lava
Jato tal qual a conhecemos,
participou do caso. Como procurador no Paran em 1998, ele recebeu
um dossi com informaes sobre as remessas ilegais para o exterior. Naquele
momento, tomou o depoimento de um
ex-funcionrio da rea cambial do banco estatal paranaense. Manteve, porm,
o contedo guardado at 2003, quando
uma CPI no Congresso fingiu mexer no
vespeiro. Sua esposa, Vera Lcia dos
Santos Lima, trabalhava na agncia do
Banestado de Foz do Iguau, o epicentro
do duto de dinheiro sujo.
Para tentar evitar que a distribuio
de processos para juzes diversos cause
algum tipo de retardo s apuraes, alguns procuradores da fora-tarefa topam deslocar-se do Paran para outros
estados. No julgamento em que o STF
decidiu que nem todos os processos precisam ficar com Moro ou Zavascki, houve ministro preocupado em desfazer os
temores dos investigadores. Foi o caso
de Dias Toffoli, chefe da rea jurdica
do Palcio do Planalto no governo Lula.
No h que se dizer que s h um juzo que tenha idoneidade para fazer uma
investigao ou para seu julgamento. S
h um juzo no Brasil? O presidente do
STF foi alm. Para Lewandowski, a deciso teve carter profiltico. A Corte

est afastando eventuais alegaes de


nulidade no futuro.
Combater a corrupo exige mesmo redobrar os cuidados para no deixar brechas a contestaes. Famoso por
ter mandado prender o ditador chileno
Augusto Pinochet, o juiz aposentado
espanhol Baltasar Garzn passou pelo Brasil h algumas semanas. Em entrevista ao site Jota, especializado em
assuntos jurdicos, deu um conselho
a Moro. Quando se trata de investigar
certos crimes, disse, sempre se esbarrar nos poderes econmico e poltico.
Portanto, com as armas apenas da lei,
ele tem de ter a consistncia suficiente para que no derrubem essa investigao, afirmou. O mais fundamental a necessidade de cumprir as normas. Acontece que as normas tm uma
escala. Digamos que de 1 a 100. Aplicar
a norma de 1 a 100 o que se deve fazer.
Chegar ao 101, no!
Alguns advogados com clientes processados por Moro, e outros na posio
de observadores curiosos do caso, criticam procedimentos questionveis
adotados pelo juiz. O intenso uso da delao premiada como pea-chave das
apuraes um deles. Vrios investigados ficaram presos em carter provisrio at toparem abrir o bico. A delao premiada uma medida que cheira
muito mal. Resulta oportunisticamente da priso e no tem pressupostos ticos, pois premia o bandido, diz o advogado Paulo Srgio Leite Fernandes, decano dos criminalistas em So Paulo.

prpria concentrao na Vara


de Moro de todos o casos apurados na Lava Jato era motivo
de contestao. Uma das novas frentes de apurao atinge o setor eltrico federal. O almirante
Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente da Eletronuclear, est preso desde
julho sob a suspeita de ter recebido propina de 4,5 milhes de reais por parte

C A R TAC A P I TA L 3 0 D E S E T E M B R O D E 2 0 15

CCReportagemCapaBarroca869ok.indd 23

23

24/09/15 22:22

de construtoras da Usina Angra 3, entre elas a OAS e a Camargo Corra. No


incio de setembro, Moro aceitou uma
denncia do Ministrio Pblico contra
14 envolvidos. Diante da permisso do
STF para fatiar os processos, caberiam,
segundo um advogado de defesa de um
dos citados, medidas legais para tirar de
Curitiba o caso de seu cliente. A Usina
Angra 3 fica no Rio de Janeiro, no no

FORA DO STF,
A OPERAO
SEGUE
A TODO VAPOR
POR HENRIQUE BEIRANG

24

Para L
ima
um esq ,
ue
coman ma
dado p
or
Dirceu
atuava
em
todas a
s frent
es

presidente da Cmara
dos Deputados, Eduardo Cunha, ganhou mais
um motivo para se preocupar com o avano
das investigaes da Lava Jato. No bastassem as notcias
de que o lobista Fernando
Baiano tenha delatado expoentes da sigla, um ex-gerente da
Petrobras afirmou que a palavra final para a indicao de
Jorge Luiz Zelada na diretoria
Internacional da estatal coube
a Cunha. Zelada est preso
desde o incio de julho e responde a processo por corrupo, lavagem de dinheiro e
evaso de divisas, foi diretor
entre 2008 e 2012.
A fora-tarefa encontrou
uma conta no Principado de
Mnaco pertencente a Zelada com 12 milhes de euros.
Quem afirmou que Cunha
chancelou a indicao do ex-

Paran, e o doleiro Alberto Youssef no


est envolvido no esquema.
As empreiteiras corruptoras, comenta esse advogado, so os inimigos reais de
Moro. O destaque dado aos personagens
polticos por procuradores e policiais seria conveniente ao juiz. Ter o apoio da mdia seria a nica forma de punir empresas
poderosas. Se estas tiverem seu destino
decidido por um magistrado menos implacvel, talvez normalizem seus negcios mais depressa, com consequncias,
inclusive, na economia. A fora-tarefa e
o juiz Moro queriam reproduzir no Brasil
a Operao Mos Limpas, mas no tm
competncia legal para isso. Agora isso acabou, diz o deputado petista Paulo
Teixeira, advogado e um dos vice-lderes
do governo na Cmara.
No se trata apenas de competncia
legal. No h a mais plida possibilidade de comparar a Itlia e sua Justia ao
Brasil do juiz Moro e da nossa PF e nosso MP. Alm disso, convm lembrar que

-diretor da estatal ao posto


foi o ex-gerente da rea Eduardo Vaz da Costa Musa. Segundo ele, em uma conversa
com o lobista Joo Augusto
Henriques, mencionou-se o
fato de o PMDB mineiro ter
interesse na indicao, s
concretizada aps o aval do
presidente da Cmara.
Cunha foi denunciado pela
Procuradoria-Geral da Repblica por supostamente ter
recebido 5 milhes de dlares
do lobista Jlio Camargo por
conta de propinas decorrentes do contrato de um navio-sonda com a estatal. O deputado nega as acusaes. O
ministro Teori Zavascki, do
Supremo Tribunal Federal,
estendeu o prazo para o deputado apresentar sua defesa. Mas os problemas de
Cunha tendem a se avolumar.
O ex-scio de Alberto Yous-

H E U L E R A N D R E Y / A F P, R O D O L F O B U H R E R / L A I M A G E M / F O T O A R E N A , A B R , D I D A S A M P A I O /
E S TA D O C O N T E D O, L U I S M A C E D O / C M A R A D O S D E P U TA D O S E J O S C R U Z /A B R

R EPORTAGEM DE CA PA

sef, Leonardo Meirelles, esteve recentemente na China para recolher provas de transferncias de dinheiro que incriminam parlamentares. Durante depoimento CPI da Petrobras, Meirelles afirmou que
entregou documentos PGR
relacionados a Cunha.
As provas fazem parte de
um acordo de colaborao que
Meirelles negocia com a fora-tarefa. Novamente acuado,
Cunha recorreu estratgia
do contra-ataque. O presidente da Cmara voltou a dar tratos anlise do impeachment
de Dilma Rousseff. H um
acordo com a oposio. Cunha
rejeitaria o pedido, mas partidos a favor da cassao recorreriam ao plenrio. Bastariam
os votos de uma maioria simples para obrigar a anlise do
pedido por uma comisso do
Congresso. Enquanto Cunha

C A R TA C A P I TA L .C O M . B R

CCReportagemCapaBarroca869ok.indd 24

24/09/15 22:22

A inv
e
do a stiga
lm
o
tend irante
Oth
e
on
das a sair
mo
s de
Mor
o

a Mos Limpas no conseguiu incriminar um nico e escasso integrante do


Partido Comunista.

deciso do STF
promete influenciar tambm o humor poltico em
Braslia. Talvez seja
um ponto de virada, na viso
de outro vice-lder do governo
na Cmara. Para esse deputado,
muitos petistas encolheram-se
na defesa de Dilma Rousseff em
virtude da difuso da tese, pelos investigadores da Lava Jato, de que as falcatruas fazem parte de um esquema de
compra de apoio poltico idealizado
por Dirceu na gesto Lula. Caso essa tese perca fora, possvel que alguns petistas se animem a sair da toca.
Os ltimos dias, alis, reservaram outras boas notcias para Dilma no mbito
1.

ganhou tempo no STF, o juiz


Sergio Moro anunciou uma nova leva de condenaes.
O ex-deputado petista Andr Vargas foi sentenciado a
14 anos e 4 meses de priso
por receber propinas de contratos de publicidade da Caixa
Econmica Federal e do Ministrio da Sade. Segundo a
acusao, Vargas recebeu por
meio de uma empresa de fachada ao menos 3,1 milhes
de reais de produtoras encarregadas de prestar servios

A CONCENTRAO
DE TODOS
OS PROCESSOS
EM CURITIBA ERA
CONSTESTADA

2.

de propaganda aos rgos federais. Entre as empresas


que pagaram o ex-parlamentar, segundo a acusao, est
a Borghi Lowe e a FCB Brasil.
As duas empresas, conforme
adiantou CartaCapital em
seu site, negociam um acordo
de lenincia com o Ministrio
Pblico Federal, no qual se
comprometem a devolver 50
milhes de reais.
Outros condenados foram
o ex-diretor de Servios da
Petrobras Renato Duque e o

da Lava Jato. Enquanto tramava o impeachment com a oposio, o presidente da Cmara,


Eduardo Cunha, do PMDB, viu
o cerco apertar. No STF, o relator Zavascki marcou o prazo final para o deputado apresentar sua defesa. Cunha tem 30
dias. Na CPI da Petrobras, um
ex-scio de Youssef, Leonardo
Meirelles, afirmou ter entregue Procuradoria-Geral da
Repblica provas de transferncia ao parlamentar de dinheiro de
propina. Perante Moro, um novo delator, Eduardo Musa, ex-gerente da rea
Internacional da Petrobras, apontou o
deputado como o responsvel pela palavra final nas nomeaes a cargos no
seu antigo setor.
Se Cunha quer disparar a contagem
regressiva para o mandato de Dilma,
talvez veja o cronmetro de seu prprio
mandato zerar primeiro.

3.

1. Vaccari, ex-tesoureiro do PT, foi


condenado a 15 anos 2. Cunha
volta aos holofotes 2. Vargas,
ex-deputado, pegou 14 anos
e 4 meses por receber ao menos
3 milhes de reais em propinas

ex-tesoureiro do PT Joo
Vaccari Neto. Duque pegou
uma pena de 20 anos e 8 meses de priso por corrupo
passiva, lavagem de dinheiro
e associao criminosa. Segundo a investigao, ele representaria o partido no es-

quema de propinas envolvendo o cartel de empreiteiras


na estatal. Moro afirma na
sentena que Duque recebeu
36 milhes de reais. De acordo com as investigaes, ele
foi indicado pelo ex-ministro
Jos Dirceu, que segue preso
no Paran.
Vaccari pegou 15 anos e 4
meses de priso. O ex-tesoureiro do PT, apontam os investigadores, era o encarregado de cobrar propinas de
empreiteiras envolvidas no
esquema. Parte desses pagamentos entrou no caixa da
legenda por meio de doaes
oficiais ou entregues em espcie. Vaccari cumpre pena
desde abril no Complexo Mdico Penal de Pinhais. Duque
foi detido em abril e tambm
negocia uma delao premiada com a fora-tarefa.

C A R TAC A P I TA L 3 0 D E S E T E M B R O D E 2 0 15

CCReportagemCapaBarroca869ok.indd 25

25

24/09/15 22:23

A operao abafa
vai pelo ralo

LAVA JATO II Os grampos na cela de Youssef

estavam ativos, confirma uma percia


POR MARCELO AULER

O organograma
do delegado Igor
de Paula: delrio
inquisitorial?

CCSeuPaisLavaJato2_872ok.indd 34

em tudo anda bem na Superintendncia da Polcia


Federal do Paran, sede
das investigaes da Lava
Jato. Circula uma lista de
policiais federais, alguns de outras regies do Pas, considerados dissidentes
pelos integrantes da fora-tarefa. At o
atual deputado federal Fernando Francischini, delegado de carreira e ex-superintendente no estado, foi includo.
Em uma folha de papel, conforme denunciou o delegado Mario Renato Castanheira Fanton na 12 Vara Federal de
Curitiba e na CPI da Petrobras, na Cmara dos Deputados, o chefe da Delegacia Regional de Combate ao Crime Organizado do Paran, Igor Romrio de Paula,
relacionou mais de 15 suspeitos, entre
delegados, agentes federais e um desembargador do Tribunal Regional Federal
afastado das funes pelo Conselho Nacional de Justia, a ser investigados.
Com base em informaes da doleira Nelma Kodama, de jornalistas ou por
meio de denncias annimas, Igor de
Paula conclui que o tal grupo pretendia
vender dossis para os advogados dos
acusados no escndalo da Petrobras. Objetivo? Melar a Lava Jato.
A suspeita foi o combustvel que alimentou ainda mais o clima de discrdia
entre os policiais federais que atuam no
apenas em Curitiba, mas tambm no interior paranaense, Foz do Iguau e Paranagu includos, ou que j no cumprem
suas funes no estado.
Entre os dissidentes encontram-se aqueles que, no incio da operao, em
maro de 2014, criticaram internamente
certos mtodos adotados pela fora-tarefa, a comear pelo grampo encontrado na
cela do doleiro Alberto Youssef e descoberto pelo preso em abril do ano passado.
No toa, no centro do organograma desenhado por Igor de Paula aparecem os delegados Jos Alberto Freitas Iegas, Pau-

15/10/15 21:21

Para apagar os rastros


da ilegalidade, integrantes
da fora-tarefa criaram
a verso da venda de dossis

O equipamento
encontrado pelo
doleiro captou
mais de cem horas
de conversas. Fanton
denunciou e virou alvo

lo Renato Herrera e Rivaldo Venncio.


A cpula da superintendncia continua a negar com veemncia que o
aparelho de escuta encontrado estivesse ativado. Uma sindicncia feita
sem maiores apuros (sequer foi pedida a percia do equipamento) concluiu tratar-se de um transmissor
de udio instalado poca em que
o traficante Fernandinho Beira-Mar esteve preso em Curitiba para responder a um processo. Os federais suspeitavam de um atentado contra o juiz
Sergio Moro planejado por Beira-Mar.
Os trs delegados dissidentes colocaram em dvida essa verso. Herrera, hoje licenciado por problemas psicolgicos,
foi o primeiro a levantar suspeitas sobre
os mtodos da fora-tarefa e levou suas
preocupaes aos superiores em Braslia.
Inclusive ao Ministrio da Justia, segundo consta. Iegas, ex-superintendente e ex-diretor de Inteligncia em Braslia, confirmou CPI da Petrobras que o grampo
no era o mesmo usado na poca de
Beira-Mar. O aparelho encontrado na
cela de Youssef chegou ao Paran meses
depois de o traficante ser transferido
Venncio, ex-chefe da Delegacia de Represso a Entorpecentes, teve uma discusso com Igor de Paula que culminou

CCSeuPaisLavaJato2_872ok.indd 35

em seu pedido de afastamento do cargo


de substituto do colega na delegacia de
combate ao crime organizado. Para bisbilhotar possveis conversas de Venncio,
a delegadaDaniele Gossenheimer Rodrigues, chefe do Ncleo de Inteligncia Policial e mulher de Igor de Paula, mandou
instalar uma escuta clandestina no fumdromo da superintendncia. Tudo
isso foi abafado para no comprometer
a credibilidade da operao.
Em maio, a verso da sindicncia comeou a desabar. O agente Dalmey Fernando
Werlang confessou a Fanton ter instalado
o grampo na cela e no fumdromo. O primeiro, que visava o doleiro, disse, foi determinado por Igor de Paula e respaldado pelo superintendente Rosalvo Ferreira Franco e pelo delegado Mrcio Anselmo
Adriano, chefe das investigaes da Lava
Jato. Aps a confisso, Werlang passou a

ser alijado do grupo, assim como Fanton.


Na tera-feira 6, o deputado Alusio Guimares Mendes Filho, agente federal licenciado e integrante da CPI da Petrobras, obteve, de forma extraoficial, a confirmao de
que a percia em Braslia recuperou cerca de
cem horas de udios captados pelo equipamento instalado na cela do doleiro. Ou seja,
a se confirmarem as informaes repassadas ao deputado, os delegados da Lava Jato
mentiram. Em tese, se as regras forem levadas a ferro e fogo, poderiam responder por
perjrio.DiantedeMoro,elesnegaramainstalao do grampo. A CPI tentou ouvi-los,
mas um habeas corpus garantiu a ausncia dos investigadores na comisso.
Em Curitiba, o advogado de Youssef, Antnio Augusto Lopes Figueiredo
Bastos, que tomou conhecimento do fato pelo blog marceloauler.com.br, disse
estar em compasso de espera.
Preciso ter acesso a este material para poder me posicionar com tranquilidade. Evidentemente, sob o ponto de vista
da investigao, isso uma coisa muito
sria. Extremamente complicado se isto estiver ativo e foi colocado para tentar
envolver. Mas ns temos que estudar qual
seria o efeito para a investigao e quais
seriam os danos a serem causados. Ainda
no fiz esta prospeco. Agora, evidentemente, se confirmado, vai causar, no mnimo, um srio dano investigao.
Segundo um dos dissidentes, houve
uma tentativa de intimidar quem levantou suspeitas sobre certos aspectos da investigao, por serem de legalidade duvidosa. A verso da venda de dossis teria
sido criada para coloc-los sob suspeio.
Como Fanton declarou em juzo, o Inqurito 737 foi aberto com informaes fornecidas pelo delegado Igor de Paula, baseadas em fontes pouco confiveis ou mesmo desconhecidas. Rapidamente foram,
no entanto, vazadas a jornalistas para
desclassificar os crticos. Os tais dossis,
at agora, no apareceram.

15/10/15 21:21

Seu Pas

CORRUPO O que diferencia o caso

Banestado da Operao Lava Jato?


POR HENRIQUE BEIRANG

juiz Sergio Moro arbitra


uma operao que investiga um extenso esquema de
corrupo e evaso de divisas intermediadas por doleiros que atuam especialmente no Paran. Uma fora-tarefa montada e procuradores federais abrem aes penais contra 631 acusados. Surgem provas contra
grandes construtoras e grupos empresariais, alm de polticos. Delaes premiadas e acordos de cooperao internacional
so celebrados em srie. Lava Jato? No!
Trata-se do escndalo do Banestado, um
esquema de evaso de divisas descoberto
no fim dos anos 90 e enterrado de forma
acintosa na transio do governo Fernando Henrique Cardoso para o de Lula.
Dois processos,
o mesmo juiz:
Sergio Moro

CCSeuPaisBanestado874ok.indd 34

Ao contrrio de agora, os malfeitos no


banco paranaense no resultaram em longas prises preventivas. Muitos envolvidos beneficiaram-se das prescries e
apenas personagens menores chegaram
a cumprir pena.Essas constataes tornam-se mais assustadoras quando se relembram as cifras envolvidas. As remessas ilegais para o exterior via Banestado
aproximaram-se dos 134 bilhes de dlares. Ou mais de meio trilho de reais em
valor presente. Para ser exato, 520 bilhes.
De acordo com os peritos que analisaram as provas, 90% dessas remessas foram ilegais e parte tinha origem em aes
criminosas. A cifra astronmica foi mapeada graas ao incansvel e inicialmente solitrio trabalho do procurador Celso

Salvo raras excees, CartaCapital


entre elas, a mdia ignorou o caso. H
um motivo. Os investigadores descobriram a existncia de contas CC5 em nome de meios de comunicao. Essa modalidade de conta foi criada em 1969 pelo banco para permitir a estrangeiros
no residentes a movimentar dinheiro no Pas. Era o caminho natural para
multinacionais remeterem lucros e dividendos ou internar recursos para o financiamento de suas operaes. Como
dispensava autorizao prvia do BC,
as CC5 viraram um canal privilegiado
O BC de Loyola
dificultou
o trabalho
do MP e da PF

10/29/15 9:30 PM

V A N E S S A C A R V A L H O / B R A Z I L P H O T O P R E S S / A F P, C L A Y T O N D E S O U Z A /
E S TA D O C O N T E D O E C E L S O J U N I O R / E S TA D O C O N T E D O

A semente
dos escndalos

Trs, posteriormente aprofundado pelo


delegado federal Jos Castilho. Algum
se lembra deles? Tornaram-se heris do
noticirio?
Empreiteiras, executivos, polticos e
doleiros que h muito frequentam o noticirio poderiam ter sido punidos de forma
exemplar h quase 20 anos. No foram.
Os indiciamentos rarearam, boa parte
beneficiou-se da morosidade da Justia
e a maioria acabou impune. Quanto mdia, no se via o mesmo entusiasmo investigativo dos tempos atuais. Alberto
Youssef, Marcos Valrio, Toninho da
Barcelona e Nelma Kodama, a doleira do
dinheiro na calcinha, entre outros, tiveram seus nomes vinculados ao esquema.

V A N E S S A C A R V A L H O / B R A Z I L P H O T O P R E S S / A F P, C L A Y T O N D E S O U Z A /
E S TA D O C O N T E D O E C E L S O J U N I O R / E S TA D O C O N T E D O

O tucano Paes
de Barros
e o petista
Mentor:
prceres
do acordo

CCSeuPaisBanestado874ok.indd 35

CC5. O MP
identificou
operaes
milionrias
de grupos
de comunicao.
Isso explicaria
o desinteresse
da cobertura?

10/29/15 9:30 PM

Seu Pas

Memria. Dentro
da conta Tucano,
identificada nos
EUA, menes
a Jos Serra e
Ricardo S Oliveira

CCSeuPaisBanestado874ok.indd 36

Empreiteiras. A mesma turma


reaparece agora na Lava Jato

Precatrios, o BC parece nunca ter suspeitado da intensa movimentao financeira por agncias de um banco estatal paranaense, secundrio na estrutura do sistema financeiro. At ento,
nenhum alerta foi dado pelo rgo responsvel pela fiscalizao dos bancos.
Vamos repetir o valor movimentado: 134
bilhes de dlares.

informaes eram encaminhadas de


forma confusa, propositadamente, diz,
com o intuito de atrasar as investigaes. Diante dos entraves causados pelo BC, a Justia Federal tomou uma deciso sem precedentes. Determinou a
quebra de todas as contas CC5 do Pas.
Uma dvida surgiu de imediato: se havia formas regulares, via Banco Central,
de enviar dinheiro ao exterior, qual a razo de os correntistas optarem por essas contas especiais que no exigiam
autorizao prvia nem estavam sujeitas fiscalizao da autoridade monetria? Pior: antes do alerta da CPI dos

Editada em 1992, uma carta-circular do Banco Central determinava que


movimentaes acima de 10 mil reais
nas contas CC5 deveriam ser identificadas e fiscalizadas. Jamais, nesse perodo, as autoridades de investigao foram
comunicadas pelo BC de qualquer transao incomum. Com a quebra de sigilo
em massa determinada pela Justia, milhares de inquritos foram abertos em
todo o Pas, mas nunca houve a condenao definitiva de um poltico importante
ou de representantes de grandes grupos
econmicos. Empresas citadas conseguiram negociar com a Receita Federal
o pagamento dos impostos devidos e assim encerrar os processos contra elas.
O Ministrio Pblico chegou a estranhar mudanas repentinas em dados enviados pelo
governo FHC. Em
um primeiro relatrio encaminhado para os investigadores, as remessas da TV Globo somavam o equivalente a 1,6 bilho
de reais. Mas um
novo documento, corrigido pelo Banco Central,
chamou a ateno

E R A L D O P E R E S / A P, J O E D S O N A L V E S / E S T A D O C O N T E D O , C E L S O J U N I O R / E S T A D O
C O N T E D O, M A R C O S O L I V E I R A /A G . S E N A D O E M I LT O N M I C H I D A / E S TA D O C O N T E D O

para a evaso de divisas, sonegao de


imposto e lavagem de dinheiro.
Em seu relatrio, o procurador Celso
Trs deixa claro que possuir uma conta
CC5, em tese, no configuraria crime,
mas que mais de 50% dos detentores no
resistiriam a uma devassa. Nunca, porm, essa devassa aconteceu. A operao
abafa para desmobilizar o trabalho de investigao comeou em 2001. Antes, precisamos, porm, retroceder quatro anos
a partir daquela data.
A identificao de operaes suspeitas por meio das CC5 deu-se por acaso,
durante a CPI dos Precatrios, em 1997,
que apurava fraudes com ttulos pblicos em estados e municpios. Entre as
instituies usadas para movimentar o
dinheiro do esquema apareciam agncias do Banestado na paranaense Foz do
Iguau, localizada na trplice fronteira
entre Brasil, Paraguai e Argentina e famosa no passado por ser uma regio de
lavagem de dinheiro. Das agncias, os
recursos ilegais seguiam para a filial
do Banestado em Nova York. Informado
das transaes, o Ministrio Pblico
Federal recorreu ao Banco Central,
poca presidido por Gustavo Loyola. Os
procuradores comunicaram em detalhes ao BC as movimentaes suspeitas.
Em vez de auxiliar o trabalho do
Ministrio Pblico, o Banco Central
de Loyola preferiu criar dificuldades para o acesso dos procuradores s contas suspeitas. Segundo
Celso Trs, as

10/29/15 9:30 PM

E R A L D O P E R E S / A P, J O E D S O N A L V E S / E S T A D O C O N T E D O , C E L S O J U N I O R / E S T A D O
C O N T E D O, M A R C O S O L I V E I R A /A G . S E N A D O E M I LT O N M I C H I D A / E S TA D O C O N T E D O

Abafa. Dantas
se livrou. Thomaz
Bastos sepultou
investigao

dos procuradores:
o montante passou a ser de 85 milhes, uma reduo de 95%. A RBS,
afiliada da Globo no Rio Grande do Sul
e atualmente envolvida no escndalo da
Zelotes (reportagem pgina 30), tambm foi beneficiada pela correo do
BC: a remessa caiu de 181 milhes para
102 milhes de reais.
A quebra do sigilo demonstrou que
o Grupo Abril, dono da revista Veja,
fez uso frequente das contas CC5. A
Editora Abril, a TVA e a Abril Vdeos da
Amaznia, entre outras, movimentaram um total de 60 milhes no perodo. O SBT, de Silvio Santos, enviou 37,8
milhes.
As mesmas construtoras acusadas de
participar do esquema na Petrobras investigado pela Lava Jato estrelavam as
remessas via Banestado. A Odebrecht
movimentou 658 milhes de reais. A
Andrade Gutierrez, 108 milhes. A OAS,
51,7 milhes. Pelas contas da Queiroz
Galvo passaram 27 milhes. Camargo
Corra, outros 161 milhes.
O sistema financeiro no escapa. O
Banco Araucria, de propriedade da famlia Bornhausen, cujo patriarca, Jorge,
era eminente figura da aliana que sustentava o governo Fernando Henrique
Cardoso, teria enviado 2,3 bilhes de
maneira irregular ao exterior.
Nunca foi possvel saber quais dessas
Transaes. O banco da famlia
do ex-senador Bornhausen
movimentou 2,3 bilhes de reais

CCSeuPaisBanestado874ok.indd 37

Boa parte
dos acusados
se beneficiou
da prescrio
contas eram e quais no eram regulares.
Para tanto, teria sido necessrio aprofundar as investigaes, o que nunca
aconteceu. Ao contrrio. O BC no foi o
nico entrave. No fim de 2001, o delegado Castilho foi aos Estados Unidos tentar quebrar as contas dos doleiros brasileiros na filial do Banestado. O ento diretor da Polcia Federal, Aglio Monteiro,
determinou, porm, que Castilho voltasse ao Brasil. Apegou-se aos altos custos

das dirias para


interromper o trabalho de investigao. Valor da diria: 200 dlares.
Os agentes da
equipe de Castilho
perceberam o clima contra a operao e a maioria pediu para
ser desligada do caso. A apurao seguiu em banho-maria at o comeo de
2003, no incio do governo Lula,perodo em que Castilho voltou a Nova York.
Naquele momento, as novas quebras
de sigilo permitiram localizar um novo personagem, Anibal Contreras, guatemalteco nacionalizado norte-americano, titular da famosa conta Beacon
Hill. Descobriu-se uma estrutura complexa: a Beacon Hill era uma conta-nibus, recheada por vrias subcontas cujo
objetivo esconder os verdadeiros donos do dinheiro. Sob o guarda-chuva
da Beacon Hill emergiu uma subconta
de nome sugestivo, a Tucano. Em anotaes feitas por doleiros e algumas siglas foram identificadas transaes
que sugeriam a participao do senador Jos Serra e do ex-diretor do Banco
do Brasil, tesoureiro do PSDB e um dos
artfices das privatizaes no governo
Fernando Henrique, Ricardo Srgio de
Oliveira.S novas quebras de sigilo permitiriam, no entanto, comprovar as suspeitas. Adivinhe? Elas nunca aconteceram.
Castilho conseguiu acessar o que se
poderia chamar de quarta camada das
contas. Antes de descobrir os beneficirios finais do dinheiro, os reais titulares,
o delegado acabou definitivamente afastado da investigao pelo ento ministro
da Justia, Mrcio Thomaz Bastos. Anos
mais tarde, o inqurito seria arquivado.
A CPI do Banestado teve o mesmo

10/29/15 9:30 PM

destino melanclico. At hoje, a nica


comisso parlamentar a encerrar seus
trabalhos sem um relatrio final. O PT
e o PSDB disputaram para ver quem enterrava primeiro e melhor os trabalhos.
O petista Jos Mentor, relator da CPI, foi
acusado de receber dinheiro de um doleiro para exclu-lo do texto final. Mentor
nega. O tucano Antero Paes de Barros,
presidente, tentou proteger os prceres
do partido e aliados citados na investigao. Uma conveniente briga entre Mentor
e Barros marcou o encerramento da apurao no Congresso em dezembro de
2004. No ano seguinte, um novo escndalo, o mensalo, sepultaria de vez o interesse pelas contas ilegais no exterior.
Desde ento, mudanas na legislao
penal e a ampliao de acordos de cooperao internacional passaram a dificultar as tentativas de abafar esses casos. Foram criadas e aperfeioadas nos
ltimos anos as unidades de recuperao de ativos no Ministrio da Justia e
no Ministrio Pblico Federal. Por conta dos ataques s Torres Gmeas de Nova
York em 11 de setembro de 2001, os parasos fiscais foram pressionados a repassar informaes sobre contas suspeitas. Os bancos suos, notrios por
sua permissividade, criaram mecanismos de autofiscalizao para a identificao de dinheiro com origem suspeita,
algo impensvel h 20 anos. No Brasil, a
lei do crime organizado de 2013 foi aprimorada e a lei de lavagem de dinheiro,
alterada em 2012, ampliou o cerco contra os sonegadores. Diante dessas mudanas, as investigaes no finalizadas
do Banestado poderiam ser exumadas?
Para investigadores que atuaram no caso, a resposta sim.
As movimentaes finais no exterior dessas contas podem ter ficado ativas aps a instituio dessas novas leis,
o que daria vida a novos inquritos.

CCSeuPaisBanestado874ok.indd 38

No so o Moro. Celso Trs, Jos


Castilho e Protgenes foram perseguidos

Dependeria da vontade do Ministrio


Pblico e da Polcia Federal.
As duas instituies tm sido, no entanto, reiteradamente conduzidas a fazer uma seleo bem especfica de seus
focos de interesse. Sem o apoio da mdia e setores da Justia e do poder

A CPI do Banestado
foi a nica at hoje
a acabar sem
relatrio final

econmico, mexer em certos vespeiros


s produz ferroadas em quem se mete a revir-los. O MP e a PF tentaram, a
partir da apurao do Banestado, avanar nas investigaes por outros caminhos. Daquele esforo derivaram operaes como a Farol da Colina, Chacal,
Castelo de Areia e Satiagraha.
Em todas elas, o destino foi idntico.
Em alguma instncia da Justia, os processos foram anulados. Bastaram, em
geral, argumentos frgeis. A Castelo de
Areia, que investigou a partir de 2009
o pagamento de propina de empreiteiras a polticos, acabou interrompida no
Superior Tribunal de Justia por supostamente basear-se em denncia annima, embora o Ministrio Pblico tenha
provado que a investigao se valeu de
outros elementos.
O episdio mais notrio continua a ser,
no entanto, a Satiagraha. At um falso
grampo no gabinete do ministro Gilmar
Mendes serviu de pretexto para melar
a operao contra o banqueiro Daniel
Dantas, que, alis, operava uma das contas-nibus no escndalo do Banestado.
Pressionado, o juiz Fausto De Sanctis viu-se obrigado a aceitar a promoo para a
segunda instncia. Hoje cuida de processos previdencirios. O delegado e ex-deputado Protgenes Queiroz foi perseguido e tratado como vilo. Em agosto, acabou exonerado da Polcia Federal.
No foi muito diferente com Celso
Trs e Jos Castilho. O procurador despacha atualmente em Porto Alegre. O
delegado foi transferido para Joinville,
em Santa Catarina, e nunca mais chefiou uma operao.
Nenhum deles foi elevado ao pedestal como o ex-ministro do STF Joaquim
Barbosa e o juiz Sergio Moro, que agora
colhe as glrias negadas durante o caso
Banestado. Teria o magistrado refletido sobre as diferenas entre uma e outra investigao?

A I LT O N D E F R E I TA S /A G . O G L O B O , A R N A L D O A LV E S /A E N O T C I A S E O L G A V L A H O U

Seu Pas

10/29/15 9:30 PM

R EPORTAGEM DE CA PA

SERGIO
MORO,

JORNALISTA
EDITORES FESTEJAM O PROFISSIONAL DO
ANO NA IMPRENSA. ELE PAUTA, INVESTIGA,
EDITA (SELETIVAMENTE) E D ASPAS

associao nacional
de Editores de Revistas (Aner) administra
um negcio que perde circulao e faturamento, e, pior, perde
relevncia e credibilidade, debilitada pela
priso do pensamento nico e esclerosado. De acordo com pesquisa da Secretaria de Comunicao do governo federal, apenas 7% dos brasileiros leem algum tipo de revista. E 56% confia pouco ou desconfia do que l. O setor continua, no entanto, a insistir em bailar no precipcio. Desta vez, pelo menos,
em seu nono frum anual, realizado na segunda-feira 23 em
So Paulo, fez todo o sentido a escolha do personagem a quem
o baronato da mdia pretendia festejar, com carinhos estrepitosos de ovao de p e rapaps dignos de salvador da ptria.
O juiz Sergio Moro, condottiere da Operao Lava Jato, enfim o melhor com que podem sonhar hoje a indigncia criativa, a m-f jornalstica e a penria financeira das revistas
do status quo. Moro revelou uma insuspeitada vocao de faztudo do ofcio jornalstico: apura, pauta, repassa informaes,
distribui dossis, sussurra offs, oferece aspas quando convm,

CCRepCapaNirlando788ok.indd 32

deixa no ar acusaes infundadas. Melhor de tudo, opera naquela frequncia dos interesses sempre unilaterais e partidrios de seus agora parceiros de redao. Ou seja, s diz e s repassa o que certa mdia do privilgio quer dizer e repassar.
Quando lhe foi perguntado, no frum, se seus vazamentos so
seletivos, tergiversou e no respondeu.
O tema da palestra/entrevista do justiceiro de Curitiba era
de ruborizar um fariseu: O papel do jornalismo no meio revista na cobertura da Operao Lava Jato. O jornalismo investigativo de qualidade como pilar da democracia e das instituies brasileiras. Palanque apropriado para um integrante do
andar de baixo do Judicirio exaltar, ainda que com o malabarismo verbal ardiloso de quem age como poltico fingindo falar como magistrado, suas prprias virtudes de supremo bedel da moralidade pblica. Equilibrista das palavras, nem por
isso o juiz Moro se privou de, como era de se esperar, em meia
hora de palestra e na posterior sabatina, deixar claro de que
lado ele est. Quer dizer, do lado daqueles que vivem a clamar
pela liberdade de imprensa, naturalmente s facultada a quem
pensa como eles. Perguntem por a nas redaes da corporao oligrquica como que os patres lidam com os eventuais
repentes de autonomia de subalternos insolentes.
O Duce da Lava Jato compareceu a bordo de sua indefectvel camicia nera, o que pode sugerir aos mais desconfiados
uma filiao ideolgica que o sobrenome talvez meridionale

DAV I R I B EI R O

por NIRL A NDO BEIR O

26/11/15 21:56

N
DEI XO ME
EM S
" U ma

voz c

n o de
lama
n do
s er
Deve to", diz Mo
ro.
e s ta r
as n o
v
velas endo
bblic
da Re
as
cord

perigosamente prenuncia.
Olhando-o de perto, porm,
d para interpretar que o
pretinho bsico do juiz curitibano obedece a um dispositivo esttico, sendo a camisa fit, a gravata fininha e
o terno de corte justo adereos indicativos de que o
ilustre magistrado possa,
no fundo, ter como ambio
maior se despir daquela toga impessoal e se fazer passar por um musculoso hunky
boy de academia.

aconchego de
uma ruidosa ao entre
amigos, sob
o abrigo da
associao dos donos da verdade, perdo, donos de revistas, cenculo dos autoproclamados tutores da opinio pblica, teve o condo de relaxar o xerife de Curitiba em
sucessivos esgares de ironia
sorridente. Mas ele no est
para brincadeira. Acuado pelo que diz ser o imobilismo do
Congresso e do Executivo em
combater a corrupo endmica, convoca as massas para voltar s ruas, ainda que se
acautelando com a ressalva
de que as manifestaes de
meses atrs tinham vrias
pautas. Parece vtima de um
surto messinico moda daquele no me deixem s do
ex-presidente Collor. Sentese, vez e outra, uma voz clamando no deserto. Deve andar vendo demais as novelas bblicas da Record.
No hotel de grife Renaissance, a Aner, sem medo da contradio, entoou o coro da Contrarreforma, com o juiz Moro convidado a ocupar a cabeceira do gape. Os cardeais-revisteiros haviam convidado, para fazer as honras da casa, o cabea daquela
que j foi a mais imponente instituio da categoria: a Editora

Abril. Mas Giancarlo Civita


se desculpou e no compareceu. possvel que lhe tenha
movido o nobre constrangimento de se exibir em pblico em momento em que sua
companhia se encontra em
reestruturao, como noticiou a Folha de S.Paulo (quando interessa, at a Folha capaz de manusear um eufemismo; se fosse a Petrobras,
por exemplo, a Folha chamaria a reestruturao pelo
nome correto de liquidao).
De 2003 para c, a Abril se
desfez (apud Folha) de 11 revistas e vendeu outras sete.
Ao fim do convescote, to
logo o juiz Moro virou as costas para prosseguir em sua
misso de Moiss no Sinai,
o presidente da entidade,
Frederic Kachar, da Editora
Globo, divulgou um manifesto de 13 pargrafos do
qual respigavam, com insistncia pegajosa, os clichs da
desfaatez: liberdade, independncia, convico, paixo, confiana, confiabilidade, credibilidade. Ou seja, todos aqueles valores que
os veculos do privilgio tm
sacrificado to alegremente
no altar de seus mesquinhos
interesses. Somos a soma
de nossas escolhas e as revistas esto a para nos ajudar a escolher, diz o manifesto. De cara, escolher em
quem votar. Eis o item 1 da
lista de to levados propsitos. O manifesto foi gravado por um
locutor cujo timbre solene, sincopado, parecia emergir da caverna do Batman. Quase no deu para identificar o William
Bonner. Ironia que a mdia impressa tenha de tomar emprestado da tev o intrprete para seus pontos de vista. Desprezou
a fina estampa do rapaz para ficar apenas com aquela voz que
se notabilizou por narrar notcias desacreditadas.

MAIS POLTICO QUE JUIZ,


ELE CONCLAMOU
AS MASSAS A VOLTAR
S RUAS E PRESSIONAR
GOVERNO E CONGRESSO

CCRepCapaNirlando788ok.indd 33

26/11/15 21:56

Seu Pas

LAVA JATO A fora-tarefa disfara, mas avana

na obsesso de alcanar o ex-presidente Lula

fora-tarefa continua
sem pronunciar o nome
de Lula, mas nem seria
necessrio. A comear pelo nome, Triplo X, a nova
fase da Operao Lava Jato deixa claro
que o ex-presidente est no centro das
atenes. Aps mais de um ms sem sair
s ruas em razo do recesso do Judicirio, o juiz Sergio Moro autorizou mandados de priso e buscas contra acusa-

Nonsense. A PF
mira no prdio onde
fica o triplex que
no pertence a Lula

CCSeuPaisLavaJato886ok.indd 30

dos de lavagem de dinheiro na aquisio


de imveis em um conjunto de apartamentos no Guaruj, litoral de So Paulo. Justamente o edifcio no qual Lula
comprou cotas de um triplex, mas no
exerceu o direito de aquisio do imvel.
Oficialmente, os investigadores buscam elos entre Joo Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT preso pela Lava Jato, a
Cooperativa Habitacional dos Bancrios (Bancoop) e a construtora OAS. Em

Em 2009, em meio a problemas financeiros, os empreendimentos da Bancoop


foram repassados OAS. Um dos imveis
financiados era o tal triplex no Guaruj. De acordo com a declarao de bens
apresentada Justia eleitoral em 2006,
Lula possua uma cota no valor de 47,6
mil reais. Tratava-se, afirma o Instituto Lula, de uma opo de compra nunca
exercida. O promotor Cssio Conserino,
do Ministrio Pblico de So Paulo, responsvel por uma investigao paralela
Lava Jato, afirma haver provas de que o
ex-presidente e familiares estiveram no
apartamento aps a concluso das obras.
Em depoimento, o engenheiro Armando Dagres estimou em 777 mil reais
o valor da reforma no apartamento paga pela OAS.
Segundo Dagres, Marisa Letcia, esposa do ex-presidente, visitou o imvel em companhia do filho Fbio Lus e de Lo Pinheiro, scio da empreiteira, durante a reforma. Um
zelador do prdio confirmou

1/28/16 7:49 PM

M I C H E L F I L H O /A G . O G L O B O, L E O N A R D O B E N A S S AT T O / F U T U R A P R E S S /
E S TA D O C O N T E D O E U E S L E I M A R C E L I N O / R E U T E R S / L AT I N S T O C K

Operao
cerca-loureno

2010, o promotor de Justia de So Paulo Jos Carlos Blat denunciou integrantes da Bancoop por desvio de dinheiro
destinado construo de imveis dos
cooperados. Segundo a denncia, notas
frias teriam sido usadas por dirigentes
da cooperativa para enriquecimento
prprio e doaes ao Partido dos Trabalhadores. Vaccari era diretor-financeiro da Bancoop. Os desvios somariam
58 milhes de reais.

M I C H E L F I L H O /A G . O G L O B O, L E O N A R D O B E N A S S AT T O / F U T U R A P R E S S /
E S TA D O C O N T E D O E U E S L E I M A R C E L I N O / R E U T E R S / L AT I N S T O C K

que Lula tambm teria visitado o triplex. A fora-tarefa esfora-se agora para
ligar o imvel e a reforma
ao escndalo da Petrobras.
natural que detentores de
cotas visitem obras de um
empreendimento.
Outros imveis no mesmo prdio estariam em nome de colaboradores do
PT, entre eles Freud Godoy, ex-segurana da Presidncia da Repblica envolvido no chamado escndalo dos aloprados em
2006. Os investigadores descobriram
que um dos triplex do edifcio pertence a uma offshore sediada no Panam,
a Murray Holdings LCC. Segundo o cadastro da Receita Federal, a responsvel pela empresa Eliana Pinheiro de
Freitas, moradora de uma casa simples
em uma vila na zona leste de So Paulo.
A verdadeira proprietria seria Nelci Warken, scia de uma empresa de publicidade que teria prestado servios de
marketing Bancoop. Warken est entre os seis detidos na quarta-feira 27.
Quem conduziu a abertura da offshore
foi a Mossack Fonseca & Co., organizao panamenha com uma subsidiria na
Avenida Paulista, em So Paulo.
No a primeira meno Mossack na
Lava Jato. A empresa apontada como a
responsvel pela abertura de empresas
fantasmas de Renato Duque, ex-diretor
da rea internacional da Petrobras, Pedro Barusco, ex-gerente da mesma rea,
e do lobista Mrio Ges. Por meio de escutas telefnicas autorizadas, a Polcia Federal descobriu que a empresa teria realizado outras operaes ilegais para constituir
firmas de fachada no exterior. Uma lista
com o nome de 40 brasileiros foi identificada na carteira de clientes da companhia.
Os imveis seriam usados para ocul-

CCSeuPaisLavaJato886ok.indd 31

Triplo X. Os federais
cumpriram seis mandados
de priso na quarta 27

O edifcio no litoral
paulista seria
usado para a OAS
lavar dinheiro,
suspeitam
os investigadores

tar os pagamentos de propina, sugere, na viso do Ministrio Pblico, uma


operao entre Marice Correa de Lima,
cunhada de Vaccari, e a OAS. Ao justificar a priso da cunhada do ex-tesoureiro
petista no ano passado, os investigadores levantaram a suspeita de ela ter sido
beneficiada por uma operao de compra e venda de um apartamento da construtora. Marice teria adquirido um
imvel no valor de 150 mil reais,
em 2011, e revendido OAS,
em 2013, por 432 mil reais.
O apartamento foi repassado pela empreiteira a outro
proprietrio no ano seguinte por 337 mil reais, o que re-

O elo. Joo Vaccari,


ex-tesoureiro do PT,
foi diretor-financeiro
da Bancoop

velaria uma possvel operao superfaturada.


No inqurito, representantes da fora-tarefa fizeram questo de exibir
um diagrama com a relao de apartamentos considerados suspeitos. Entre eles figura o triplex atribudo a Lula. Alm das inconsistncias j detectadas quanto ao imvel que pertencera a Marice Correa de Lima, igualmente chamaram ateno outros imveis do
mesmo condomnio que indicaram alto
grau de suspeita quanto sua real titularidade, cita o relatrio da PF.
O governo reagiu nova fase da Lava Jato. Em viagem ao Equador, Dilma
Rousseff afirmou que o nus da prova
cabe a quem acusa. O ministro Jaques
Wagner, da Casa Civil, foi mais enftico:
Eu acho que h uma certa obsesso que
acaba se difundindo, como se toda operao tivesse o objetivo, e a gente tem testemunhos de pessoas, inquritos, depoimentos. Sempre se busca a tentativa de
contaminar o presidente Lula.
O Instituto Lula divulgou a seguinte
nota: O ex-presidente Lula no foi
sequer citado na deciso do juiz Sergio Moro e repudia qualquer tentativa de envolver seu nome em atos
ilcitos investigados na chamada
Operao Lava Jato. Nos ltimos
40 anos, nenhum lder brasileiro teve a vida particular
e partidria to vasculhada quanto Lula, e jamais
encontraram acusao
vlida contra ele.
Por Henrique Beirang

1/28/16 7:49 PM

R EPORTAGEM DE CA PA

AS MARCAS
DA LAVA JATO
A OPERAO COMPLETA DOIS ANOS, SOFRE CRTICAS
CRESCENTES E MIRA NO EX-PRESIDENTE LULA
PARA MANTER ACESA A "INDIGNAO POPULAR"

ma pgina exclusiva na internet, criada pelo Ministrio Pblico


Federal, exibe com orgulho os nmeros da Lava Jato. Em dois anos,
a operao recuperou 2,8 bilhes de reais desviados pelo esquema.
As 80 condenaes de polticos, funcionrios pblicos, lobistas e empreiteiros envolvidos somam uma pena superior a 700 anos de priso.
No h registros na histria do Pas de empresrios grados mantidos por tanto tempo atrs das grades. O juiz Sergio Moro virou um cone da moralidade, premiado pelos veculos de comunicao, aplaudido em restaurantes, aeroportos e
eventos frequentados por uma parcela da opinio pblica que, coincidentemente, tem
como trao mais marcante no o horror corrupo, mas um antipetismo arraigado.
Embora menos popular, o procurador-geral da Repblica, Rodrigo Janot, tambm
admirado por esse grupo, mdia e classe mdia. a esperana do Brasil, conforme um cartaz que aceitou empunhar
no ano passado em Braslia.
Apesar de comandarem a investigao de um esquema extenso, complexo e arraigado que sugava os cofres da
Petrobras, Moro, Janot e a fora-tarefa
j viveram dias melhores. Passados 24
meses do incio das aes, o apoio irrestrito Lava Jato sofre fissuras. Antes sufocadas ou isoladas, as crticas aos mtodos da operao, do vazamento seletivo s prises temporrias excessivas,
tm ganhado corpo nos meios jurdicos.

CCReportagemCapa888ok.indd 16

A carta dos advogados com uma lista do


que os signatrios consideram abusos ao
Estado de Direito, divulgada no fim do
ano passado, um, mas no o nico sinal dessa mudana de percepo da atuao de procuradores e policiais federais.
Uma pesquisa de opinio do Vox Populi,
em novembro passado, mostra uma reduo substancial do interesse da maioria dos entrevistados pelas notcias a respeito da operao, o que natural, dada
a prolongada durao das investigaes.
O porcentual daqueles que se declaram
muito interessados pela Lava Jato, aponta o instituto, despencou de 67% no incio

de 2014, quando o escndalo veio tona,


para 26% em novembro passado. O perfil
desses 26%? Defensores do impeachment
e antilulistas empedernidos.
Sem grandes prises, as ltimas fases da Lava Jato ocuparam menos espao no noticirio. Por coincidncia, quanto menos espetaculares foram as aes,
e quanto menos indcios reuniram para provar a ligao da presidenta Dilma
Rousseff com o escndalo, menor foi o
entusiasmo dos manifestantes pr-impeachment. Talvez por isso a fora-tarefa no esconda mais o intuito de alcanar, seja como for, o ex-presidente Lula.
Na tera-feira 9, em pleno Carnaval, veio
tona uma deciso de Moro de cinco dias
antes, que autorizou a abertura de um inqurito especfico para investigar o envolvimento da construtora OAS, cujos
executivos assinaram um acordo de delao premiada, na reforma do stio em
Atibaia, interior de So Paulo, frequentado por Lula. Como no caso do triplex numa praia do Guaruj que motivou a 22
fase da operao, apelidada de Triplo
X, o stio no pertence ao ex-presidente, mas no importa. As suspeitas servem

V A G N E R R O S A R I O / F U T U R A P R E S S , D O U G L A S M A G N O / A F P, E M B A I X A D A
DOS BONECOS GIGA N T ES DE OLINDA E MOVIMEN TO LIMPA B R ASIL /A FP

POR M A RCELO AU LER

11/02/16 11:39 PM

A fora-tarefa no
esconde mais:...

... o negcio
alcanar Lula,
custe o que
custar

Desde que no
mexa com certos
interesses...

Moro no auge: boneco


no Carnaval de Olinda

CCReportagemCapa888ok.indd 17

11/02/16 11:40 PM

R EPORTAGEM DE CA PA

para alimentar uma campanha


diuturna nos jornais, rdios e
redes de tev, na qual plantar
uma horta ou andar de pedalinho tornaram-se provas de
crimes imperdoveis. A autorizao para a abertura do inqurito deveria ter sido mantida em sigilo, mas vazou
por engano, segundo o magistrado. Logo, Moro decidiu que todo e qualquer procedimento a respeito passa a ser pblico. Garantia
da continuidade do fluxo
de notcias sobre o assunto. Esse tipo de comportamento levou Armando Coelho
Neto, ex-presidente da Associao de
Delegados da Polcia Federal, a declarar: No acho que exista um combate
corrupo. Existe uma guerra declarada ao Partido dos Trabalhadores.

pesar de a caa a Lula ter se


intensificado, no de hoje que
a Lava Jato se esmera em testar os limites legais de seu poder. Desde o incio da apurao,
mostram os fatos, a fora-tarefa tem driblado formalidades judiciais para manter o processo sob a jurisdio de Moro e
ativo na opinio pblica. Se as manobras
e o empenho dos investigadores envolvidos permitiram a revelao de um assustador esquema de corrupo, igualmente alimentaram uma mquina que
atropela princpios elementares da democracia e imbuiu-se do objetivo poltico de avanar somente contra um espectro da representao poltico-partidria, com ou sem fundamento, propsito incompatvel com os deveres constitucionais de delegados, procuradores da
Repblica e do juiz Sergio Moro.
A Lava Jato, para quem no se recorda, comeou com a investigao de crimes de lavagem de dinheiro supostamente cometidos pelo
pelo doleiro
doleiro Carlos
Carlos

CCReportagemCapa888ok.indd 18

O INTERESSE DA
POPULAO PELA
LAVA JATO, INDICA
PESQUISA DO VOX
POPULI, CAIU
DE 67% PARA 26%

Habib Chater, cuja agncia de cmbio funcionava no Posto da Torre no


Setor Hoteleiro Sul, em
Braslia. Da nasceu o nome da operao. quela
altura, os investigadores possuam, no entanto, informaes a respeito das relaes de outros
doleiros que participavam
dos esquemas de Chater.
Destacava-se o contato de
Alberto Youssef, o primo,
velho conhecido de Moro
dos tempos do escndalo
do Banestado, com polticos, entre eles o falecido Jos
Janene, envolvido no mensalo do PT, e dos deputados federais
Andr Vargas, petista, e Luiz Argolo, filiado ao Solidariedade.
O envolvimento de parlamentares
no exerccio do mandato obrigaria a remessa das investigaes para o Supremo
Tribunal Federal, por fora do foro privilegiado. Para evitar essa remessa, que
esvaziaria a atuao de Moro, os policiais federais recorreram a uma espcie de atalho: tentaram obter extratos
telefnicos dos deputados por meio de
um alvar concedido pela Vara Criminal
de Pinhais, no Paran, em uma investigao de trfico de drogas a cargo da
Delegacia de Represso a Entorpecentes
da superintendncia estadual da PF. A
recusa da operadora em fornecer os extratos das ligaes revelou o contrabando inserido no alvar da Justia
estadual e gerou um desentendimento entre os delegados lotados na autarquia. Se meu alvar foi usado na Lava Jato, fui
trado, desabafou o magistrado

O ministro da Justia, segundo


os integrantes da Polcia Federal

FA BIO RODRIGUES POZ ZEBOM/A BR E FERN A NDO QUE V EDO/AG. O GLOBO

O grampo na cela de
Youssef continua sem
esclarecimentos

11/02/16 11:40 PM

Os lixes tambm so depsitos de larvas.


Mas o governo insiste na espetacularizao
do combate e nos apelos populao

MEGAOPERAO

Os nmeros da Lava Jato

22
FASES

40

ACORDOS
de delao premiada

783 659
ANOS E DOIS
MESES
de priso em
80 condenaes

MILHES DE REAIS
repatriados do exterior

14,5 199
BILHES DE REAIS
o valor total dos
ressarcimentos pedidos

MANDADOS
de priso

86

396

2,8

PEDIDOS
de cooperao
internacional

ACORDOS
de lenincia

BUSCAS
e apreenses

BILHES DE REAIS
recuperados por acordos
de colaborao

Fonte: Ministrio Pblico Federal. Atualizado em dezembro de 2015.


Nmero de fases atualizado em janeiro de 2016

CCReportagemCapa888ok.indd 19

Jos Orlando Cerqueira Bremer, hoje na


1 Vara Criminal de Curitiba, ao saber da
malandragem.

iniciativa malsucedida prestou-se ao menos para escancarar uma mudana no estilo


de comando da Polcia Federal.
Quando, em 2003, tomaram
forma as megaoperaes da corporao,
Paulo Lacerda, diretor-geral, Zulmar
Pimentel, diretor-executivo, e o ento
ministro da Justia, Mrcio Thomaz
Bastos, optaram por manter um controle rgido da legalidade do trabalho policial. Com o tempo, medida que as operaes deixaram de ser centralizadas em
Braslia, deciso tomada aps o vexaminoso afastamento de Lacerda da direo
da PF, houve um afrouxamento das normas. O descontrole tambm uma consequncia da falta de pulso do atual ministro Jos Eduardo Cardozo, apelidado
de Rolando Lero pelos agentes federais.
A ausncia de autoridade de Cardozo
ficou patente ainda no fim de 2014. Em
novembro daquele ano, aps a divulgao
pela reprter Julia Duailibi, em O Estado
de S. Paulo, de postagens no Facebook antes das eleies presidenciais feitas por
delegados federais integrantes da fora-tarefa em apoio candidatura do tucano Acio Neves (contra quem pairam suspeitas de participao no mesmo esquema de corrupo) e com ofensas dirigidas
presidenta Dilma Rousseff, candidata
reeleio, Cardozo ordenou ao diretor-geral da PF, Leandro Daiello Coimbra, a
apurao dos fatos. Ordem nunca cumprida. Mais adiante, em entrevista ao
Estado, Coimbra desafiaria o ministro
mais uma vez. A Lava Jato, declarou, continuaria em curso doa a quem doer.
A revelao das preferncias eleitorais dos delegados foi um vazamento,
segundo depoimentos oficiais, operado

11/02/16 11:40 PM

R EPORTAGEM DE CA PA

CCReportagemCapa888ok.indd 20

das gravaes, assim como a delegada


Daniele Gossenheimer Rodrigues, chefe no Ncleo de Inteligncia Policial.
Na nova sindicncia instalada aps
as declaraes de Werlang a Fanton,
repetidas em uma sesso na CPI da
Petrobras, e em depoimento ao juiz
Moro, parte dos udios foi recuperada,
segundo o deputado Alusio Guimares
Mendes. Ou seja, a sindicncia presidida
por Moscardi, como suspeitava Herrera,
visava encobrir uma ilegalidade cometida no incio da Lava Jato.

campanha eleitoral pr-Acio nas redes sociais estimulada por delegados da fora-tarefa um raro vazamento contra os interesses dos investigadores. Em geral, dar publicidade
a depoimentos sem comprovao, a suposies e meros indcios tornou-se uma
estratgia central da operao. O objetivo dos vazamentos seria impedir a interferncia poltica e do poder econmico
que comumente no Brasil frustra o combate a crimes de corrupo. Vazar seria,
portanto, uma vacina contra o poder de
corruptos e corruptores.
A ttica abertamente admitida pela fora-tarefa, mas alguns de seus integrantes se empenham mais do que
A delegada rika Marena, como todos
os demais investigadores, acredita
que o vazamento de informaes uma
arma contra corruptos e corruptores

Maus,
o advogado
acusado
de produzir
dossis contra
a fora-tarefa

outros em pratic-la. Quem aparentemente a adota de corpo e alma a


delegada rika Mialik Marena, chefe da Delegacia de Represso a Crimes
Financeiros. Marena foi procuradora
do Banco Central, ingressou na PF em
2003 e tornou-se especialista no combate a crimes financeiros. Trabalhou
no caso Banestado e chegou a substituir Protgenes Queiroz na malfadada
Operao Satiagraha. Segundo um colega, ela costuma compartilhar com jornalistas as operaes de vulto, que abranjam pessoas relevantes poltica ou economicamente, inclusive, por meio de vazamentos.
No a nica. Seria impossvel tantos
vazamentos sem um acordo entre todas
as partes da investigao. Coincidncia
ou no, uma estranha sequncia de informaes publicadas no site da revista

J O N AT H A N C A M P O S , D I D A S A M PA I O / E S TA D O C O N T E D O,
R O D O L F O B U H R E R / R E U T E R S / L AT I N S T O C K E A N I E L E N A S C I M E N T O

no bairro paulistano do Itaim, sede


do escritrio do ex-ministro Thomaz
Bastos, que morreria no dia 20 de novembro daquele ano.
As postagens chegaram s mos do
ex-ministro por intermdio do advogado Augusto de Arruda Botelho, seu ex-estagirio. Foi Botelho quem, a pedido
de Thomaz Bastos, encontrou em outubro de 2014 o delegado federal Paulo
Renato Herrera, do Paran, e o advogado Marden Maus. Os dois tentavam encaminhar ao Ministrio da Justia um
alerta sobre supostas irregularidades
ocorridas na Lava Jato. Anteriormente,
Herrera havia procurado diretores da
Polcia Federal em Braslia com o mesmo objetivo, sem xito.
Se, no caso da tentativa de obter dados de telefones de personagens com foro privilegiado, o abuso no chegou a ser
consumado, graas recusa da operadora de telefonia, o mesmo no se pode dizer de outras ocorrncias relatadas por
Herrera. A principal delas, a escuta ambiental descoberta pelo doleiro Youssef
em sua prpria cela no fim de abril de
2014. Quando Herrera e Maus se reuniram com Botelho, a primeira sindicncia sobre o grampo, a 04/2014, tinha sido rapidamente encerrada pelo delegado
Maurcio Moscardi Grilo. Segundo ele, a
instalao era antiga e a escuta estava desativada. Herrera contestava o resultado.
Alguns meses depois da apressada
concluso de Moscardi, o agente Dalmey
Fernando Werlang confessou ao delegado Mrio Henrique Fanton ter sido o responsvel pela instalao do grampo no
dia da chegada de Youssef cela. O equipamento, afirmou, foi colocado l a pedido do delegado Igor Romrio de Paulo,
chefe da Delegacia de Combate ao Crime
Organizado. Ainda segundo Werlang,
o superintendente Rosalvo Ferreira
Franco e o delegado Mrcio Anselmo,
chefe da investigao da Lava Jato, estavam presentes quando a ordem lhe foi dada. Anselmo tambm seria o destinatrio

11/02/16 11:40 PM

Kodama:
uma histria
mal contada

a ser mencionado pelo site da publicao.


Nenhuma das 36 denncias apresentadas 13 Vara de Curitiba faz referncia a seu nome. Teria sido uma tentativa
de constranger o ministro do Supremo?

Fanton, afastado das


apuraes sobre
os grampos
Werlang admitiu ter instalados grampos na
carceragem da Polcia Federal no Paran.
O inqurito a respeito nunca chegou ao fim

Veja chamou a ateno dos policiais federais crticos dos mtodos da Lava Jato,
tachados de dissidentes. Ao meio-dia e
dezoito minutos de 19 de maio de 2014,
o site noticiou a deciso do ministro
do Supremo Tribunal Federal, Teori
Zavascki, relator da Lava Jato, de suspender os inquritos e aes penais
em andamento na 13 Vara Federal do
Paran, do juiz Moro. Zavascki suspendeu ainda os mandados de priso assinados pelo magistrado e requereu os processos para analis-los. noite, a exemplo de outros sites, Veja reproduziu um
alerta do juiz ao ministro: entre os presos prestes a ganhar liberdade por conta
da deciso estaria um suspeito de envolvimento com o trfico de drogas.
s 6 horas e 21 minutos da manh
do dia seguinte, o site de Veja divulgou a seguinte informao sob o ttulo

CCReportagemCapa888ok.indd 21

Investigado pela PF apoiou Zavascki


em eleio do Grmio. Narrava o texto:
Responsvel pela deciso que concedeu
liberdade ao doleiro Alberto Youssef, ao
ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto
Costa e a mais dez presos da Operao
Lava Jato, da Polcia Federal, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
Teori Zavascki disputou uma vaga no
Conselho Deliberativo do Grmio numa chapa articulada e apoiada por um
dos alvos da investigao.
Na eleio, no ano passado, Zavascki
integrou a chapa Grmio Maior, que tinha entre seus principais articuladores
o dirigente gremista Eduardo Antonini,
investigado na Lava Jato sob suspeita de
ter recebido 500.000 reais de Youssef.
Na tarde do mesmo dia, aps receber
novas informaes de Moro, Zavascki
reviu sua posio e cancelou a suspenso dos mandados de priso. Manteve
apenas a ordem de libertao de Costa,
que voltaria a ser preso meses depois.
O site da revista havia mencionado o
advogado Antonini uma nica vez antes
da postagem do dia 20. Foi durante a primeira fase da Lava Jato, em 17 de maro, em um texto intitulado Presos em
operao da PF contra lavagem so velhos conhecidos da Justia. L-se que a
casa do engenheiro e mestre em gesto
empresarial Eduardo Antonini foi alvo
de busca e apreenso. Na ocasio, o site
registrou o fato de o advogado ser ex-presidente da Grmio Empreendimentos e
conselheiro do time de futebol gacho.
Nunca mais o nome do advogado voltaria

m setembro de 2014, antevspera do primeiro turno das eleies presidenciais, integrantes


da fora-tarefa vazaram para
a mesma Veja parte da delao
premiada de Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, antes de o depoimento ser chancelado por Moro. O objetivo era claro: influir no resultado das urnas. Diante do efeito nulo, os vazadores
foram mais longe. Forneceram publicao afirmaes imprecisas atribudas
a Youssef. O resultado foi a famosa capa
Eles sabiam de tudo, estampada com os
rostos de Dilma Rousseff e Lula, s vsperas do segundo turno, edio antecipada para ser usada como material de campanha do tucano Acio Neves. H quem
atribua intensa propaganda da edio
de Veja a perda de cerca de 8 milhes de
votos de Dilma em So Paulo. A presidenta foi reeleita e, apesar do estardalhao
daquele vazamento, nunca foi formalmente investigada pela fora-tarefa.
Diante da ilegalidade, Cardozo, o ministro Rolando Lero, poderia ter atuado. Mas no o fez. Em entrevista ao jornal Valor Econmico, esquivou-se da acusao de no apurar os vazamentos: A
investigao difcil de ser realizada. O
jornalista tem garantia constitucional
da fonte, o que correto, mas dificulta
(a investigao).
Trata-se, no mnimo, de um equvoco. Para investigar o grampo na cela de
Youssef, ou mesmo o segundo grampo
no fumdromo da superintendncia no
Paran, a polcia no precisaria ouvir
jornalistas. Mas, apesar de o corregedor-geral Roberto Mario da Cunha Cordeiro
ter prometido ao juiz Moro encaminhar
a sindicncia da escuta da cela do doleiro at o fim de novembro passado, dois

11/02/16 11:40 PM

meses e meio depois nenhuma concluso foi apresentada. No caso do fumdromo, a demora ainda maior. Em despacho de 7 de julho de 2015, o delegado
Alfredo Jos de Souza Junqueira, da
Coordenadoria de Assuntos Internos,
confirmou CPI da Petrobras que aquela escuta no tinha autorizao judicial.
Passaram-se sete meses e no veio a pblico qualquer providncia tomada com
relao delegada Daniele Rodrigues,
apontada pelo agente Werlang como
autora da ordem para a sua instalao.
O sigilo no resultado das sindicncias,
suspeita-se, estaria diretamente ligado
necessidade de punir os responsveis, o
que poderia provocar um esfacelamento da fora-tarefa e soar como interveno arbitrria para livrar os corruptos
da punio.

outros fatos pouco esclarecidos. Um deles diz respeito


passagem pela carceragem
da Polcia Federal no Paran
da doleira Nelma Kodama.
Oficialmente, como definiu o prprio
Moro, a custdia da PF um mero local
de passagem. Os presos permanecem na
superintendncia enquanto interessa
fora-tarefa ouvi-los. Sem essa utilidade acabam transferidos para algum presdio paranaense.
Kodama foi presa em 17 de maro de
2014 no Aeroporto de Guarulhos, em
So Paulo, quando tentava embarcar
para Milo. Na carceragem da PF, em
Curitiba, segundo revelou em uma carta endereada ao desembargador Joo
Pedro Gebran Neto, relator da Lava
Jato no Tribunal Regional Federal da
4 Regio, a doleira diz ter ouvido do delegado Mrcio Anselmo e do procurador Deltan Dallagnol um recado que ela
definiu como um balde de gua fria:
A senhora tem algum poltico ou negcio com trfico de drogas? Algum fato

CCReportagemCapa888ok.indd 22

Tambm no se sabe de que maneira


o banqueiro Esteves teria obtido uma cpia
da delao premiada de Cerver

OS TRIBUNAIS
SUPERIORES TERO
DE DIZER
SE O COMBATE
CORRUPO
JUSTIFICA CERTOS
MTODOS

novo? Porque, se a senhora s tiver operaezinhas com chinesinhos, no do


nosso interesse.
Na carta, cujo contedo jamais mereceu uma investigao, Kodama narra: Durante os primeiros trs meses
que permaneci na SPF Curitiba, houve um 'evento' pessoal, o qual a delegada Andrea, de Braslia, durante o processo suspenso pelo ministro Teori,
me chama para oitiva informal do Sr.

Fayed Trabulsi, o qual admito conhec-lo. Orientada pelos meus advogados,


eles sugeriram que eu permanecesse EM
SILNCIO, ao contrrio, eu disse delegada que teria como ser ouvida, porm,
que aguardaria a deciso do Ministro,
que to logo fosse definido, eu faria a oitiva necessria. Ela no gostou, e disse
que tinha autoridade de poder me ouvir
em termo de colaborao. Mas eu insisti em aguardar a deciso do ministro.
A doleira prossegue: No dia 11 de
junho de 2014, descem sala da carceragem dois agentes federais, a Dra.
Andrea e ela disse rudemente que eu
seria transferida para o 'COMPLEXO
PENITENCIRIO, PARA O SISTEMA',
que l eu teria tempo de sobra para pensar na resposta do Ministro. Deram-me
cinco minutos para pegar meus remdios, uma roupa e me algemaram nas
mos e nos ps e me transferiram para
o Presdio Feminino de Piraquara.
Continua: Excelentssimo desembargador, eu conheci o inferno, em meio
a 450 detentas, fui ameaada (abri inqurito) e nas minhas condies de sade emagreci 15 quilos e fiquei emocionalmente abalada (sic).
Condenada a 18 anos de priso, em novembro de 2014, pena reduzida para 14
anos na segunda instncia, em um julgamento no qual o desembargador no deu
crdito s suas denncias, Kodama retornou carceragem da PF em fevereiro
de 2015. Desde ento, conforme explicaes oficiais, ela presta colaborao aos
investigadores da Lava Jato.
Houve ainda uma tentativa de forjar
provas contra Kodama. Na companhia
do delegado Moscardi, o agente Ronaldo
Massuia foi enviado a Vinhedo, interior
de So Paulo, com uma misso especial
determinada, segundo consta das anotaes da corregedoria, pelo delegado
Igor Romrio de Paula: comprar um celular bombinha, apelido dos aparelhos

D E N I S B A L I B O U S E / R E U T E R S / L AT I N S T O C K , B E T O N O C I T I / C E R R A D O
F O T O G R A F I A , E D U A N D R A D E E E D F E R R E I R A / E S TA D O C O N T E D O

R EPORTAGEM DE CA PA

11/02/16 11:40 PM

pr-pagos, e dele ligar para a doleira. O


policial deveria antes registrar o nmero do aparelho no CNPJ do laboratrio Labogen, empresa de propriedade
de Youssef investigada pela Lava Jato
por conta de contratos suspeitos com
o Ministrio da Sade. O objetivo era
produzir uma prova da ligao entre
Kodama e a firma do doleiro. Consta que
o celular chegou a ser comprado, mas
Massuia no conseguiu registr-lo em
nome do Labogen.

uriosamente, os depoimentos
de Kodama foram usados pelo delegado Igor de Paula para respaldar duas informaes policiais por eles assinadas em dezembro de 2014, com dados
sobre o possvel dossi com contedo
contra a Lava Jato supostamente montado pelo delegado Herrera e os advogados Botelho e Maus, alm do ex-agente policial Rodrigo Gnazzo, quela altura afastado h dois anos da PF. A doleira era cliente de Maus e endossou a
tese de que seu advogado negociava informaes sigilosas, o que jamais viria a
ser confirmado. Tambm esse inqurito
nunca foi concludo.
A verso do dossi surgiu logo depois
de reveladas as postagens poltico-eleitorais no Facebook dos delegados da
Lava Jato. Coube ao delegado Fanton investigar o caso no inqurito de nmero
737. Fanton no teve tempo de concluir a
apurao. Por ordens superiores, voltou
ao seu posto em Bauru, no interior de So
Paulo. O inqurito passou s mos da corregedora Tnia Fogaa. Nenhum indcio
da existncia de um dossi montado para atrapalhar a Lava Jato foi encontrado.

O vazamento enviesado produziu


danos eleitorais, mas at hoje no
se comprovou esta afirmao

CCReportagemCapa888ok.indd 23

O ministro Zavascki, relator da Lava Jato


no Supremo, foi alvo de maledicncias. Seu
pecado: conhecer o advogado Antonini

O padro de ignorar vazamentos continua. O mais recente exemplo foi a descoberta do rascunho daquela que seria
a delao premiada de Nestor Cerver,
ex-diretor da Petrobras. Para espanto
de Zavascki e de Janot, o rascunho teria chegado s mos do banqueiro Andr
Esteves, do BTG Pactual, que passou alguns dias preso em Braslia aps ser acusado de se dispor a financiar a fuga de
Cerver do Brasil.
Em 25 de novembro, aps a manifestao de Zavascki e Janot na sesso do
Supremo Tribunal Federal que confirmou as prises de Esteves e do senador
petista Delcdio do Amaral, a PF anunciou a abertura de novo inqurito para
apurar o vazamento. O trabalho est a

cargo do delegado Severino Moreira da


Silva, indicado pela superintendncia
do Paran. O retorno de Silva das frias
coincidiu com o vencimento do prazo para o inqurito ser remetido Justia. O
delegado agora espera a prorrogao, em
uma investigao na qual, vencidos quase trs meses, nenhum depoimento foi
tomado.Como de costume. CartaCapital
encaminhou uma srie de perguntas
direo da Polcia Federal sobre os mtodos de investigao e os vazamentos,
mas no obteve respostas.
Moro e a fora-tarefa costumam dizer em sua defesa que apenas uma nfima parte das decises tomadas em primeira instncia foi reformada por tribunais superiores (11 no total). fato. Para
os advogados de defesa, o massacre miditico, alimentado em grande medida
pelos vazamentos descontrolados, cobe os magistrados e restringe os direitos dos rus. Para se ter uma exata noo de quem est com a razo nesse debate ser preciso esperar o andamento
dos processos nas cortes maiores, quando, provavelmente, o clamor da opinio
pblica no passar de um eco no passado. De qualquer forma, a Lava Jato
parece viver um impasse: ou apresenta uma concluso clara sobre a extenso e os verdadeiros responsveis pela
corrupo na Petrobras ou torna-se de
vez mais um instrumento da luta intestina pelo poder no Brasil.

11/02/16 11:40 PM

R EPORTAGEM DE CA PA

O EIXO
LAVA JATOTSE
A PRISO DO CASAL SANTANA EXPE A LIGAO
ENTRE SERGIO MORO E GILMAR MENDES NA
TENTATIVA DE CASSAR A CHAPA DILMA-TEMER

priso na Operao lava jato do jornalista Joo Santana,


marqueteiro das campanhas
de 2010 e 2014, reacendeu a esperana da oposio de depor a
presidenta. Muito alm da evidncia, a sintonia entre as intenes de Sergio Moro e, desde j,
os perceptveis propsitos de Gilmar Mendes, que se prepara para assumir a presidncia do TSE. Os
adversrios da petista apegam-se a pedaladas,
acarajs e o que mais pintar para municiar a
manobra a visar a cassao de Dilma Rousseff.
Novidade at agora de difcil avaliao: pela primeira vez uma voz palaciana arrisca-se a apontar abertamente o principal juiz
da Lava Jato, Sergio Moro, como interessaBerzoini:
Moro visa
do em pegar Dilma, barrar uma candidatuDilma, Lula
ra do ex-presidente Lula em 2018 e destruir
e o PT
o PT. Haver algo mais, segundo os rumores

CCRepCapa890ok.indd 18

planaltinos: Dilma ruminaria a ideia de deixar de lado a popularidade, que acaba de subir aps desabar desde a reeleio, e
debater em pblico supostos objetivos polticos de Moro. Uma
deciso a exigir um bocado de coragem, j que a corrupo est no topo da lista dos problemas nacionais, segundo pesquisas recentes. Sussurros dos corredores, no mesmo momento
em que o governo se mostra impotente para impedir a aprovao do projeto entreguista do pr-sal no Senado.
Quem no tem dvidas sobre os propsitos do juiz e saiu a diz-lo praa o ministro da Secretaria de Governo, o petista Ricardo
Berzoini, um dos mais prximos conselheiros
presidenciais. A Lava Jato direcionada ao PT
e a inviabilizar o Lula e/ou a Dilma. Isso comeou a ficar claro no fim do ano passado e agora essa ao contra o Joo Santana prova isso,
afirmou Berzoini a CartaCapital.
Santana e a esposa, Mnica, tiveram a priso temporria decretada por Moro no incio de fevereiro e deveriam ter sido algemados na segunda-feira 22, durante a 23 batida

A F P, E R N A N I O G A T A / A G . O G L O B O , P A U L O L I S B O A / B R A Z I L
PHOTO PRESS/AG. O GLOBO E FA BIO RODRIGUES POZ ZEBOM/A BR

por A NDR BA R ROCA L

25/02/16 10:36 PM

Diz Monica: trata-se de


pagamentos de campanhas
realizadas no exterior, em
pases latino-americanos
onde a Odebrecht
tem negcios

A F P, E R N A N I O G A T A / A G . O G L O B O , P A U L O L I S B O A / B R A Z I L
PHOTO PRESS/AG. O GLOBO E FA BIO RODRIGUES POZ ZEBOM/A BR

o
na n
S a n ta o m a s
is
pr
foge vogado
d
seu a m vo
ae
t
n
e
t
e m as
as alg
r
a
it
v
e

policial da Lava Jato, uma ao batizada


de Operao Acaraj. Como estavam fora do Brasil, s na tera-feira foram levados ao juiz, ao qual prestaram depoimento
nos dois dias seguintes, a fim de explicar a posse
de uma empresa offshore no declarada e pagamentos feitos a eles
no exterior por outros investigados no escndalo da Petrobras.
O casal entrou na mira da fora-tarefa em fevereiro de 2015,
aps buscas em escritrios de um certo polons. O engenheiro Zwi Skornicki tinha sido citado por dois delatores, Pedro
Barusco e Eduardo Musa, ex-funcionrios da Petrobras, como intermediador de propina paga a polticos e dirigentes da
companhia em nome de um estaleiro de Cingapura, o Keppel
Fels, fornecedor de plataformas de explorao de petrleo
estatal. Nos pertences de Skornicki achou-se um bilhete enviado a ele por Mnica, no qual ela aponta contas no exterior
para o polons fazer depsitos. Anexa ao bilhete havia a cpia
de uma minuta de contrato a ser assinado por Skornicki com
uma empresa do casal Santana, a Shellbill.
Analisado o material ao longo de 2015, soube-se que a Shellbill
tem sede em um paraso fiscal, o Panam, e jamais fora declarada

CCRepCapa890ok.indd 19

ACARAJ SERIA
SINNIMO
DE DINHEIRO,
SEGUNDO A POLCIA
Nos papis
de Skornicki achou-se
um bilhete de Monica
sobre contas
no exterior

25/02/16 10:36 PM

R EPORTAGEM DE CA PA

pelo casal Receita Federal. Segundo informaes encaminhadas pelos Estados Unidos, pas onde houve uma escala do dinheiro depositado por Skornicki em uma conta da Shellbill na Sua,
Joo Santana recebeu 4,5 milhes de dlares do polons entre
setembro de 2013 e novembro de 2014. Pagamentos chamados
por Moro de sub-reptcios. Dvida da fora-tarefa: que negcios
uniriam Santana a um intermediador de propinas na Petrobras?

Gilmar espera
impassvel
a sua vez

o exame da minuta de contrato nasceu outra dvida. A papelada era a cpia de um acordo selado
em janeiro de 2013 pela Shellbill com uma empresa cujo nome fora rasurado por Mnica. Os
investigadores conseguiram desvendar a rasura e descobriram o nome
Klienfeld, uma offshore
anteriormente surgida no
curso da Lava Jato como
vinculada Odebrecht,
uma das empreiteiras na
mira. Da Klienfeld saram
3 milhes de dlares para contas da Shellbill entre abril de 2012 e marpor MINO CA RTA
o de 2013. A fora-tarefa
quer saber por que Joo e
como diz um eminente hom qual pas tido
Mnica teriam feito nemem poltico, contristado,
como civilizado
gcios com uma offshoembora no seja petista.
e democrtico
re suspeita de ser usada
CartaCapital no se proum simples depe a favor de um partido
legado de polpela Odebrecht para mofundado h 36 anos e que se
cia poderia anunciar investigavimentar dinheiro ilcito
desviou da rota definida na
es a respeito de um ex-cheno exterior.
sua plataforma inicial. Sem
fe de Estado que suspeita enPara os investigadoque, faz mais de uma dcavolvido em atividades criminores, o elo entre Santana,
da, a revista no deixasse de
sas? O pas da casa-grande e
Skornicki e a Odebrecht
registrar o desastrado comda senzala, resta ver at que
o PT. O marqueteiro teportamento de quem promeponto democrtico e civilizatia e no cumpriu. Nunca fodo. A seu modo, terra maligna
ria servido ao partido pamos petistas, pela simples
e exemplarmente nica.
ra ser remunerado com
razo de que no existimos
Em qual pas habilitado a fio
propinas coletadas a partr
q ua
Entre os
para favorecer este ou aquegurar no celebrado G-20, tos
o
tir de contratos selados
e brasileir
le. Pretendemos, apenas, pratipo do mundo, a mdia assume o
quintos d
la
u
L
m
rara
entre a Petrobras e forneque celeb
car o jornalismo honesto, nico
papel de partido poltico, e como
u
o termino
d
n
a
u
cedores. Uma verso conq
possvel, e advogar sem esmotal se porta para ameaar um
,
to
a
d
n
o ma
o s eg u n d
testada por Joo e Mnica
recimento a ideia da igualdade.
governo legitimamente eleito e
o
r
ta
s
e
o

muitos n
Tal , na viso de CartaCapital,
crivar de acusaes diuturnas, e
em depoimentos a Moro.
anela
a bater p
o divisor de guas em relao aos
at o momento sem prova, um exSegundo eles, Skornicki
defensores do status quo, tanto mais
-presidente da Repblica que deixou
e a Odebrecht seriam cano Brasil, campeo da desigualdade. Por
o poder com ndice de aprovao popular
nais financeiros usados
isso em quatro ocasies eleitorais nos declasuperior a 80%?
na carreira internacional
ramos a favor do candidato petista. Hoje enOutra peculiaridade da nossa situao
do marqueteiro. Santana
tendemos que a inrcia governista diante de
o silncio do governo atacado e que se deitrabalhou para eleger ou
uma ofensiva inequivocamente golpista o
xa acuar, vtima de uma espantosa catatonia,

CATATONIA GOVERNISTA
Dilma e PT no tm sada
alm do retorno s origens

CCRepCapa890ok.indd 20

25/02/16 10:36 PM

A N TO N I O C R U Z /A B R , E VA R IS TO S A /A F P E R I C A R D O S T U C K E R T

a
Temer e Dilm
o
t
am
no fic
mas
impassveis,
em
ec
an
perm
em silncio

que menos convm ao Pas. Preocupa, isto , uma


certa atitude complacente, ou francamente amedrontada, pela qual o executivo se dispe a uma
inglria retirada para ceder terreno s demandas
da casa-grande, como, de resto, faz desde a reeleio de Dilma Rousseff.
No a tentativa de reeditar a famosa conciliao das elites, to daninha aos interesses da Nao, mesmo porque o PT jamais seria aceito como elite pelos grados do lado de l.
CartaCapital teme uma rendio em troca de
um certo alvio, a comear pela entrega do ouro
negro aos bandidos. Ou seja, o pr-sal, garantia
do nosso futuro.
Vale perguntar agora onde sobraram aqueles
80% dos brasileiros que reconheceram em Lula
o melhor presidente ps-ditadura. No se exclua
que parte deles esteja a bater panela, mas haver
muitos mais vexados pela situao de hoje. Para
o governo e seu partido hora de mostrar coragem, para usar a palavra certa, exato contrrio de
covardia. Cabe, a um e outro, reparar que o nmero de filiados cresceu de forma expressiva nos ltimos tempos, assim como se fortaleceram os movimentos sociais contra a desigualdade.
Na opinio de CartaCapital, no h sada para
governo e PT, a partir do reconhecimento de erros
gravssimos, o retorno s origens, embora temperadas pelas consequncias dos eventos histricos
que marcaram o mundo desde 1980 sem abalar a
ideia central da procura infatigvel da igualdade.
Diga-se, sempre mais defensvel de um polo a outro antes ainda que do Oiapoque ao Chu. Haveria
de vingar a confiana na palavra final do povo brasileiro, em vez de agradar ao mercado, ou, por outra, turma do panelao.

CCRepCapa890ok.indd 21

reeleger presidentes em El Salvador (Mauricio Funes em 2009),


na Venezuela (Hugo Chvez em 2012 e Nicols Maduro em 2013),
em Angola (Jos Eduardo dos Santos em 2012) e na Repblica
Dominicana (Danilo Medina em 2012), pases onde a Odebrecht
tem vrios negcios. Os 3 milhes de dlares recebidos da offshore ligada construtora seriam dvidas de campanhas dos clientes
de Santana em Angola, na Venezuela e no Panam. Nesse ltimo,
o marqueteiro tentou sem sucesso eleger Jos Domingo Arias em
2014. J os 4,5 milhes depositados por Skornicki seriam pagamentos por servios em Angola. Perante Moro, Monica disse que
o uso de canais irregulares no exterior era um pedido dos clientes do marido. J o marqueteiro afirmou que o controle da conta
da Shellbill era feito pela mulher e que desconhece Zwi Skornicki.
Marqueteiros parte, os caminhos de Skornicki, da Odebrecht
e da Petrobras cruzam-se faz tempo. Hoje com 66 anos, o polons entrou na estatal em 1974, aps prestar concurso. Deixou a
companhia em 1977 e dois anos depois foi para a Odebrecht, onde trabalhou no Brasil e no estrangeiro. Deixou a empreiteira em
1995 para montar uma sociedade com um filho, a Eagle. Por meio
dessa empresa tornou-se, em 2000, representante no Brasil da
Keppel, estaleiro a quem a Petrobras encomenda plataformas de
explorao de petrleo desde o incio dos anos 90. Dcada, alis,
em que Barusco, dedo-duro de Skornicki, diz ter comeado a cobrar propina na estatal.

a mais nova batida policial da Lava Jato, batizada de Acaraj porque a palavra seria empregada pelos investigados como sinnimo
de dinheiro, Skornicki foi preso em carter
preventivo, sem prazo para ser solto. Pelo
que se conhece do modus operandi de Moro, ver o sol quadrado por um bom tempo, at topar incriminar algum, de
preferncia um peixe grado. Joo Santana e sua esposa estavam na Repblica Dominicana, a trabalhar na reeleio do
presidente local, quando souberam que a Polcia Federal estava atrs deles. O jornalista resolveu desligar-se da campanha de Daniel Medina e voltar ao Brasil para entregar-se. Em
uma carta ao comit de Medina diz haver um clima de perseguio hoje no Brasil.
Dias antes de sua priso ser decretada, seus advogados enviaram a Moro uma petio para esclarecer que o casal estava disposio para depor. Era uma tentativa de evitar o constrangimento de ambos serem algemados e encarcerados. Em
outra petio, pleiteavam acesso s investigaes, solicitao
negada pelo juiz. No era surpresa para o casal que algo parecido com a Operao Acaraj estava no forno. H algum tempo corriam notcias de que o marqueteiro estava na mira da
Lava Jato. Em novembro passado, o casal fez uma declarao
retificadora de Imposto de Renda relativa ao perodo de 2010

25/02/16 10:36 PM

R EPORTAGEM DE CA PA

a 2014 e reconheceu ter participao em empresas no exterior at ento escondidas. Nem um pio, porm, sobre a Shellbill.
A presena de Joo Santana nas pginas policiais reanimou
a oposio em sua cruzada pelo Fora Dilma. A turma andava
cabisbaixa com as chances cada vez menores de emplacar um
impeachment no Congresso. Agora, volta a apostar na cassao
da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer no Tribunal Superior
Eleitoral. Quer provar que dinheiro sujo abasteceu a reeleio de
Dilma, como suspeita a fora-tarefa da Lava Jato, pois alguns dos
depsitos feitos por Skornicki em favor da Shellbill ocorreram
durante a eleio de 2014. Quando a Acaraj foi s ruas, o coordenador da fracassada campanha presidencial do tucano Acio
Neves em 2014, senador Jos Agripino (DEM-RN), alvo de inqurito no Supremo Tribunal Federal por corrupo, comemorou:
Agora a campanha da presidente que est sob investigao.

o Facebook, Acio entusiasma-se. Os episdios apontados hoje so os mais graves j apresentados pela Operao Lava Jato, porque
vinculam o dinheiro da propina da Petrobras
a pagamento feito campanha eleitoral da
presidente. No embalo dos acarajs, o PSDB tentar turbinar
protestos anti-Dilma marcados para 13 de maro. E j pediu ao
TSE que os fatos relativos a Joo Santana sejam includos na ao
proposta pela legenda para cassar Dilma, uma tese defendida por
um notrio magistrado antipetista com vaga no tribunal, Gilmar
Mendes, que assume o comando da Corte em maio. Moro tambm partidrio de as descobertas da Lava Jato serem levadas
em conta pelo TSE no julgamento de ao tucana, uma forte razo para o Planalto ensaiar um embate pblico com o juiz.
Em outubro passado, Moro mandou um ofcio ao tribunal
com uma espcie de roteiro capaz de caar a chapa de Dilma.
Sugeria ouvir delatores da Lava Jato que j vincularam propina
na Petrobras ao financiamento de campanhas. E anexava dois documentos. Uma denncia do Ministrio Pblico a dizer que o pedgio pago por empreiteiras em troca de contratos na Petrobras
virou caixa 2 eleitoral. E a sentena em que ele, Moro, condenou
em setembro o ex-tesoureiro petista Joo Vaccari Neto por converter aquele tipo de pedgio em doaes legais de campanha.
Pelo que se ouve nos bastidores, o cenrio no TSE no folgado para Dilma Rousseff, embora no haja pessimismo. Dos sete
ministros, aposta-se em uma vitria apertada por 4 a 3, quem sabe por 5 a 2, na hiptese de a sentena sair depois que o atual presidente do tribunal, Dias Toffoli, um ressentido contra Dilma, tiver seu mandato encerrado, em maio, e for substitudo por Rosa
Weber, do STF, tida como neutra. Sem muita folga, melhor para o
Planalto que um relatrio da PF constante do inqurito Acaraj
no seja l muito promissor para quem sonha em defenestrar
Dilma em razo de pagamentos feitos ao marqueteiro. Segundo

CCRepCapa890ok.indd 22

CARDOZO,
MINISTRO
DA JUSTIA
MAIS LONGEVO
E MAIS INTIL
o documento, no h indcios, e isso deve ser ressaltado, de que
tais pagamentos estejam revestidos de ilegalidade.
De qualquer forma, diante da nova investida dos adversrios
no vcuo do caso Joo Santana, Dilma orientou alguns auxiliares
a defend-la de imediato. O coordenador jurdico de sua campanha em 2014, Flavio Caetano, divulgou nota a repudiar, com veemncia a tentativa de associar a Acaraj ltima eleio. Para
ele, no faz sentido a campanha dilmista ter informado ao TSE
que pagou 70 milhes de reais a Joo Santana, um valor alto, e ao
mesmo tempo recorrer a algum caixa 2 para honrar 10% disso.
Em entrevista, o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, declarou que at hoje Acio e parte da oposio no sararam do trauma, do pesadelo da derrota de 2014.
Embora no tenha se pronunciado como Berzoini, Wagner
outro que acredita que Moro comanda uma fora-tarefa destinada a atingir Dilma, Lula e o PT. Para o ministro, no houve coincidncia no fato de a Operao Acaraj ter ido s ruas s vsperas de o TSE retomar a ao de cassao da chapa Dilma-Temer
e das prximas manifestaes pelo impeachment da presidenta,
marcadas para 13 de maro.
No inqurito da Acaraj, a Operao Lava Jato aparece mais
uma vez no encalo de Lula. Na etapa preparatria da batida, a PF

25/02/16 10:36 PM

s
e seu
Moro
u em
q
e
d
ocos be
v
u
q
e
sa
pouco ito
e
p
s
e
r
a
do, s
n
u
do m
falar
ouviu

M A RCELO CA M A RGO/A BR E FA BIO RODRIGUES POZ ZEBOM/A BR

achou uma planilha enviada por e-mail por um ex-executivo da


Odebrecht com uma anotao que o delegado Filipe Hille Pace
considerou suspeita, Prdio IL ao lado de uma cifra, 12,422 milhes de reais. Em um relatrio, Pace diz que IL significa Instituto
Lula e que a maior probabilidade de a quantia referir-se
construo da sede do Instituto ou a outras obras realizadas pela Odebrecht em favor do ex-presidente. Concluses que o prprio delegado admite, no entanto, que podem estar equivocadas. Em nota, o Instituto afirma que o prdio onde funciona hoje foi comprado em 1991.

m artigo redigido por Sergio Moro em 2004 parece dar razo s queixas do Planalto contra supostos objetivos polticos do juiz e o apreo dele por
midiatizar todos os lances da Lava Jato. Chamase Consideraes sobre a Operao Mani Pulite
e analisa um famoso caso que sacudiu a Itlia no incio da dcada
de 1990. Segundo Moro, a nica explicao possvel para a magnitude dos resultados obtidos pela Operao Mos Limpas, como o desaparecimento dos principais partidos italianos, foi o uso
por parte dos investigadores de prises, confisses e publicidade, elementos caractersticos da Lava Jato. Enquanto prises e
confisses garantiam a comprovao dos crimes, inundar a mdia com informaes assegurava o apoio da opinio pblica ao
contra empresrios e polticos. Para ele, o largo uso da imprensa durante a Mani Pulite permitiu a deslegitimao do sistema poltico e a construo de uma imagem positiva dos juzes.
No texto, Sergio Moro aponta ainda outra vantagem de os investigadores se utilizarem da mdia no combate corrupo. Se
no der para condenar polticos nos tribunais, por insuficincia
de provas, a opinio pblica pode constituir um salutar substitutivo, tendo condies melhores de impor alguma espcie de punio a agentes pblicos corruptos, condenando-os ao ostracismo.

CCRepCapa890ok.indd 23

Ou seja, desmoralizar um poltico na mdia para impedi-lo de ganhar eleies. Seria essa a estratgia de
Moro com relao a Lula? Uma pesquisa recente do
Ibope apontou um ndice de rejeio de 61% ao ex-presidente. Parnteses: uma pesquisa MDA divulgada na quarta-feira 24 mostrou Dilma a recuperar popularidade aps meses em queda. A aprovao pessoal da presidenta pulou de 15%
para 21% e a do governo, de 8% para 11%.
O artigo de Moro tambm d corda ideia de uma atuao parcial do juiz na Lava Jato, focada no PT e a ignorar pistas sopradas por delatores de que o pagamento de pedgio em contratos
na Petrobras acontecia pelo menos desde o governo Fernando
Henrique, do PSDB. Embora no escreva isso claramente, Moro
d a entender que acha vlida crtica feita Mos Limpas de que
a destruio dos principais partidos italianos pavimentou o caminho para a chegada de um aventureiro ao poder, Silvio Berlusconi.
Seria esse o motivo de a fora-tarefa no seguir linhas investigatrias a indicar tucanos no fim da trilha?
A reclamao contra a seletividade em investigaes voltou a
ser vocalizada por petistas ao ministro da Justia, Jos Eduardo
Cardozo, durante uma reunio na tera-feira 23. Alguns deputados do partido cobraram de Cardozo apuraes sobre irregularidades que teriam sido cometidas pelo ex-presidente FHC ao
transferir recursos destinados a ajudar um filho tido pelo tucano
com a ex- jornalista global Miriam Dutra. No relato de uma testemunha da reunio, os parlamentares aproveitaram para pressionar o ministro a tomar providncias contra o que consideram
perseguio da PF contra Lula. Resposta do ministro: no h o
que fazer. No caso FHC, Cardozo tambm foi desalentador para
os petistas. Acha que, se algum dos crimes imputados pelos petistas ao ex-presidente, como evaso de divisas e crime contra a
ordem tributria, j teriam prescrito.
Tanto em relao perorao interesseira e equivocada de
Sergio Moro a respeito da Operao Mos Limpas quanto fugidia personagem admiravelmente encarnada por Cardozo, h
o que observar. Moro esquece que a Justia italiana no se compara brasileira em termos de cumprimento da lei, de sorte a no
se permitir a mais plida possibilidade de irregularidade ao longo da investigao.
Mani Pulite resultou na imploso da Primeira Repblica italiana, levou ao suicdio empresrios e polticos, mas no conseguiu
golpear o Partido Comunista, de lisura irrepreensvel. Ao contrrio do que Moro supe, o Partido Socialista de Bettino Craxi,
condenado a oito anos de priso, h muito tempo deixara de ser
de esquerda. De todo modo, o propsito do pool milans no era
atingir um governo legitimamente eleito, a servio de uma faco oposicionista. Por seu lado, Cardozo extraordinariamente
simblico da passividade governista. Trata-se do mais longevo
ministro da Justia do Pas e tambm do mais intil.

25/02/16 10:36 PM

R EPORTAGEM DE CA PA

E deste
senhor,
esperar
o qu?

COMPL
MAIS VAZAMENTOS SELETIVOS
E A PRETENSA DELAO
PREMIADA DO SENADOR
DELCDIO SO OS LTIMOS
LANCES DA MANOBRA
GOLPISTA
por A NDR BA R ROCA L

CCReportagemCapa891ok.indd 16

GER ALDO MAGEL A E ANDRESSA ANHOLETE /AFP

A CLARA
DEFINIO
DE UM

3/3/16 11:28 PM

Sai o ministro
Cardozo, entra
Wellington Csar
Lima e Silva. Comea
na retranca, mas
rumores murmuram
a possibilidade de
mudana na PF

CCReportagemCapa891ok.indd 17

3/3/16 11:28 PM

R EPORTAGEM DE CA PA

CCReportagemCapa891ok.indd 18

blico. Em nota oficial, Dilma disse que


os vazamentos apcrifos, seletivos e ilegais devem ser repudiados e ter sua origem rigorosamente apurada, j que ferem a lei, a justia e a verdade.

existncia da delao uma


histria esquisita. Foi noticiada pela Isto na quinta 3.
Amaral, segundo a revista,
teria incriminado Dilma,
ao dizer que ela tentou abafar a Lava Jato,
e Lula, apontado como mentor do cala-boca de 50 mil reais mensais oferecido pelo
senador ao ex-diretor da Petrobras Nestor Cerver, investigado na Lava Jato. A
oferta da mesada uma das razes para
Amaral ter sido denunciado ao STF pelo
procurador-geral da Repblica, Rodrigo
Janot, e ao Conselho de tica do Senado

por um colega. A delao teria sido fechada


com Janot, mas considerada invlida pelo ministro Teori Zavascki, do STF. Amaral queria mant-la escondida por seis meses, condio com a qual Zavascki no concordou. Motivo do sigilo solicitado: se o Senado soubesse, Amaral no escaparia no
Conselho de tica. Seria, enfim, uma confisso de culpa, conforme logo ressaltou o
relator do caso, senador Telmrio Mota, do
PDT de Roraima. Em nota assinada juntamente com seu advogado, Antnio Augusto Figueiredo Basto, Amaral no confirmou o teor da reportagem. Uma sutileza saltou aos olhos na nota. O senador no
negou a delao, a qual s seria aceitvel do
ngulo legal se feita ao procurador-geral.
O fato de esta ter transitado entre a Procuradoria e o Supremo explica a cobrana
feita por Jaques Wagner de providncias

A N D R D U S E K / E S TA D O C O N T E D O

u cinzento e
garoa compunham o fundo
de palco (apropriado?) de trs
acontecimentos
marcantes em Braslia na quinta-feira
3, com a Operao Lava Jato mais uma
vez no centro do picadeiro e a sacudir
a Repblica. O peemedebista Eduardo
Cunha, presidente da Cmara, tornou-se o primeiro figuro poltico a virar
ru por corrupo, resultado do que a
Lava Jato tem de melhor, o desmonte
das relaes promscuas entre agentes
pblicos e empresrios. O petista Jos
Eduardo Cardozo deixou o Ministrio
da Justia graas ao que a investigao
tem de pior, a seletividade dos alvos e o
vazamento com fins duvidosos de certas
informaes. Seletividade e vazamento ilustrados, alis, pelo terceiro acontecimento, e o de consequncias mais
imprevisveis. A notcia de uma delao premiada do ex-lder do governo no
Senado Delcdio do Amaral, do PT, desenhada na medida para alimentar o coro pela deposio de Dilma Rousseff e a
caa ao ex-presidente Lula.
A histria da delao do senador, denunciado em dezembro Justia por
tentar obstruir as apuraes da Lava
Jato, assanhou parlamentares da oposio a pedir a renncia da presidenta,
enquanto o Palcio do Planalto mostrava-se preocupado em avaliaes internas iniciais e reagia em tom duro diante das cmeras. Este ambiente que estamos vivendo destri a democracia, estamos indo para um vale-tudo, disse
em entrevista o ministro da Casa Civil,
Jaques Wagner, a cobrar do Supremo
Tribunal Federal (STF) e da Procuradoria-Geral da Repblica (PGR) providncias contra vazamentos indutores
do que ele chamou de linchamento p-

3/3/16 11:28 PM

O ministro Wagner invectiva: Este


ambiente destri a democracia.
O novo titular da Justia j esteve
ao lado dele no governo da Bahia

rigidas e vazamento seletivo de informaes. Um atuante deputado do PT diz: sob


Cardozo, a PF cometeu ao menos duas
ilegalidades na Lava Jato que mereciam
providncias, mas ficaram por isso mesmo. O grampo numa cela do doleiro Alberto Youssef e o vazamento mdia do
pronturio de alguns encarcerados como
Joo Vaccari Neto, ex-tesoureiro petista,
e Marcelo Odebrecht.

OS VAZAMENTOS APCRIFOS,
SELETIVOS E ILEGAIS DEVEM SER
REPUDIADOS E TER SUA ORIGEM
RIGOROSAMENTE APURADA,
A REAO DA PRESIDENTA

contra o vazamento. A entrevista do


ministro foi combinada com Dilma
em um almoo no
Palcio da Alvorada
do qual tambm participaram Jos Eduardo Cardozo, agora advogado-geral da
Unio, e Giles Azevedo, ex-chefe de gabinete da presidenta. Dilma, segundo Wagner, ficou indignada com o suposto teor
da delao e com outro vazamento de algo que, se existe mesmo, deveria ser secreto. Em outra entrevista tambm acertada
com Dilma, Cardozo disse que, se Delcdio
falou realmente o que estaria na suposta
delao premiada, mentiu por vingana e
para tentar escapar da priso ao oferecer
cabeas mais coroadas que a dele.
Verdadeira ou no, a histria da delao deixou o Planalto apreensivo. Um ministro participante de reunies iniciais de
anlise da situao disse a CartaCapital

CCReportagemCapa891ok.indd 19

que a extenso das consequncias polticas s poder ser medida nos prximos
dias. Uma coisa j lhe parece certa, no entanto. O fato poltico est criado, tem tudo
para levar o PSDB a encampar outro pedido de impeachment e para engordar as
marchas Fora Dilma convocadas para o
dia 13. Lutar contra a Lava Jato, diz esse
ministro, uma luta no escuro. Nunca se
sabe o que vir pela frente.
A queda de Cardozo do Ministrio da
Justia tem tudo a ver com essa luta no
escuro. Uma das razes mais fortes para sua substituio so as queixas contra
a Polcia Federal (PF). Para os petistas e
certas autoridades, a PF persegue o partido, Lula e Dilma com investigaes di-

m um texto produzido h algum tempo, Sergio Moro v


no vazamento uma vantagem
oferecida pela reao da opinio pblica a favorecer o
que ele supe ser a verdade. Escuda-se
na Operao Mos Limpas, que implodiu a Primeira Repblica italiana com
apoio popular. Moro desconhece, evidentemente, a histria da pennsula: a
mdia na Itlia no como a brasileira,
do pensamento nico, pelo contrrio,
expe todas as ideologias.
Cansado da presso, receoso de entrar
para a histria como o ministro em cuja
gesto algo mais srio contra Lula e Dilma pode ocorrer, Cardozo acha que era
impossvel fazer qualquer coisa e resolveu se demitir. Por gostar pessoalmente
dele, a presidenta quis mant-lo por perto, da t-lo nomeado para a AGU. Um ex-ministro de Dilma avalia que, sem Cardozo na Justia, desaparece um foco de
tenso entre o Planalto e o PT, o que levaria o governo a funcionar melhor politicamente e em mais sintonia com o partido da presidenta e de Lula. Um vice-lder do governo na Cmara acrescenta:
com a sada de Cardozo da Justia, cai o
ltimo tijolo do castelo que Dilma erguera em torno de si e contra o PT no incio
do segundo mandato.

3/3/16 11:28 PM

R EPORTAGEM DE CA PA

Para vrios petistas, a mudana do


ministro da Justia deveria ser acompanhada da troca do diretor-geral da
PF, Leandro Daiello. Pelo que se ouve em um gabinete ministerial do Planalto, a contagem regressiva para a sada de Daiello j comeou. O novo titular
da Justia, Wellington Csar Lima e Silva, s estaria a esperar o momento apropriado. Com receio do que vem pela frente, a corporao dividiu-se sobre a mudana na pasta. A federao dos agentes
da Polcia Federal saudou o novo ministro, enquanto a associao dos delegados viu a mexida com extrema preocupao. Pelo Estado de S. Paulo, um diretor da associao paulista, Edson Garutti, ousou mandar um recado a Lima e Silva: No chegue
JANOT V CUNHA ENVOLVIDO
na pasta sendo uma marioneva participou das negociaes
te. O atrevimento ilustraEM UMA PROPINOLNDIA.
ao lado do ento governador.
tivo da independncia desO MINISTRO ZAVASCKI DECLARA
H quem veja nele um adepfrutada pelas unidades reHAVER INDCIOS ROBUSTOS
to das ideias do ex-subprocuragionais da PF desde a gesto
dor da Repblica Juarez Tavado ex-ministro Tarso Genro
CONTRA O PEEMEDEBISTA
res. Para este, a redemocrati(2007-2010), embrio da auzao brasileira manteve o estonomia extremada da corporao atualmente.
pelos promotores baianos. Chegou ao tado policial da ditadura, e o Ministrio
posto graas ao governador, a quem ca- Pblico no instrumento de persecuo
ima e Silva tomou posse na bia escolher um dos trs. Ao ser recon- criminal, mas de defesa de garantias inquinta-feira 3, em uma ceri- duzido, j encabeava a lista, mas a j dividuais. Duas situaes reforadas pemnia relmpago no Planal- era um devedor de Wagner, algo que ago- la Constituio de 1988, apesar da boa-f dos constituintes da poca. O doutor
to, em que apenas Dilma fa- ra se repete em sua ascenso Justia.
Aos 50 anos, Lima e Silva formado Wellington gil nas decises e respeita
lou, um discurso preocupado
em deixar claro que a troca no afeta a em Direito, contra a reduo da maio- a autonomia dos rgos, da polcia, sem
liberdade de os rgos federais comba- ridade penal, a favor do casamento gay, confundir distoro com autonomia, desterem a corrupo. Seu nome foi sugeri- um crtico da espetacularizao do virtuamento com autonomia, diz a depudo presidenta por Jaques Wagner e le- combate ao crime e da mdia quando es- tada petista Moema Gramacho, secretvado por este previamente ao conheci- ta apenas simplesmente difunde o ter- ria de Desenvolvimento Social na Bahia
mento de Lula. Promotor pblico desde ror. Segundo gente prxima a Wagner, quando Lima e Silva era procurador-ge1991, Lima e Silva foi procurador-geral o promotor tem cancha no controle da ral do estado. Eis uma pista de que a ilede Justia da Bahia de 2010 a 2014, quan- atividade policial. Durante uma greve galidades cometidas pela PF na viso pedo Wagner governava o estado. Ao assu- da PM na Bahia em 2012, uma rebelio tista talvez no passem mais em branco.
Ironicamente, quem tambm deve ter
mir o primeiro mandato de dois anos, que levou tomada da Assembleia Legislativa pelos insurgentes, Lima e Sil- gostado da mudana no Ministrio da
era o ltimo da lista trplice elaborada

CCReportagemCapa891ok.indd 20

ANTONIO CRUZ /ABR E LUL A MARQUES/AGNCIA P T

A partir de agora, por deciso unnime


do STF, Eduardo Cunha ru

3/3/16 11:28 PM

Justia foi o presidente da Cmara. Ao


menos, por causa do momento em que se
consumou. O assunto ajudou a tirar um
pouco as atenes de um fato doloroso
para Eduardo Cunha. Ele o primeiro
poltico grado a responder a uma ao
penal aberta em decorrncia das descobertas da Lava Jato. Graas a um julgamento unnime encerrado no Supremo
Tribunal Federal na quinta-feira 3, o peemedebista carrega a partir de agora a
alcunha de ru. Na prtica, aproxima-se
o dia de a Corte julgar se ele corrupto e
merece cadeia.
Cunha acusado de cobrar, por meio
de chantagem, uma propina de 5 milhes
de dlares de um lobista intermediador
de negcios na Petrobras, Julio Camargo. O suborno teria decorrido da compra
pela Petrobras de dois navios-sondas,
em 2006 e 2007, por cerca de 1 bilho de
dlares. O fornecedor das sondas era o

CCReportagemCapa891ok.indd 21

Grupo Mitsui/Samsumg, representado


no Brasil por Camargo. Os dois contratos renderiam 40 milhes de dlares em
propina ao ex-diretor
da Area Internacional da Petrobras Nestor Cerver e a alguns
intermedirios, como Fernando Soares,
o Baiano, um notrio
transportador de malas de dinheiro sujo.
Cunha teria entrado
na histria em 2011,
para forar Camargo a liquidar a dvida.
Acionado por Soares,
Cunha teria bolado
um plano. Usar a prerrogativa parlamentar
e pedir ao Tribunal de
Contas da Unio e ao
Ministrio de Minas e
Energia informaes
sobre negcios entre Mitsui e Petrobras. Constranger Camargo com a ideia
de traz-lo luz do dia talvez levasse o
lobista a honrar a prometido.
Dois pedidos de informaes foram
de fato apresentados em julho de 2011
na Comisso de Fiscalizao da Cmara. Obra da ento deputada Solange Almeida, do PMDB do Rio, uma aliada de
Cunha hoje frente da prefeitura de Rio
Bonito e convertida em r junto com o
parceiro. Registros eletrnicos da Cmara mostram que os arquivos com os
requerimentos foram criados com a senha eletrnica de Cunha. O plano do peemedebista parece ter dado certo. Em
uma reunio em setembro de 2011 no
Rio entre o deputado, Soares e Camargo, teria ficado acertado que esse ltimo pagaria a propina acertada e daria
5 milhes de dlares a Cunha. Segundo o Ministrio Pblico, o deputado te-

ria recebido sua parte em vrias prestaes at 2014 por meio de empresas de
fachada e at de uma igreja da Assembleia de Deus onde Cunha comemorou
sua vitria presidncia da Cmara em
fevereiro de 2015.

urante o julgamento no
STF, Janot descreveu o rolo a enredar Cunha como
propinolndia. O relator
do processo, Teori Zavascki, disse haver indcios robustos contra o deputado, da ter votado por abrir a
ao penal. Os elementos colhidos confortam sobejamente o possvel cometimento de crime de corrupo passiva
por parte de Cunha, tendo este se incorporado engrenagem espria protagonizada pelo ento diretor da Petrobras
Nestor Cerver, anotou o ministro.
indito e uma vergonha para o Parlamento ser presidido por um ru. Os
grandes partidos precisam pedir o afastamento dele do cargo, dizia o deputado
Chico Alencar, do PSOL, ao deixar o STF,
enquanto Cunha se defendia na Cmara: Ser ru no significa condenao.
verdade e ele prprio j viveu isso. Em
2013, o peemedebista virou ru no mesmo Supremo, acusado de usar no passado
documentos falsos para rebater denncias de? Corrupo... No ano seguinte, foi
absolvido pelo relator Gilmar Mendes.
Uma semana antes de o STF levar o
caso de Cunha ao plenrio, Janot fizera
mais uma investida contra o deputado,
ao solicitar a Zavascki a abertura de um
terceiro inqurito contra o parlamentar.
outra histria do tipo propinolndia e sobra tambm para o ministro
do Turismo, o peemedebista Henrique
Alves, antecessor de Cunha no comando da Cmara. De acordo com Janot,
Cunha teria cobrado 52 milhes de reais de um consrcio de empreiteiras que
toca as obras do Porto Maravilha no Rio
de Janeiro, OAS, Odebrecht e Carioca
Engenharia. A contrapartida seria no

3/3/16 11:28 PM

R EPORTAGEM DE CA PA

atrapalhar o pleito das construtoras de


obter financiamento de 3,5 bilhes de
reais de um fundo formado com verba do FGTS. Cunha podia atravessar
o samba, pois um indicado dele, Fabio
Cleto, pertencia ao Conselho Curador
do FGTS, na qualidade de vice-presidente da Caixa Econmica Federal. A histria foi contada ao Ministrio Pblico
em delao premiada dos dois principais executivos da Carioca Engenharia,
Ricardo Pernambuco e seu filho Junior.
Cunha teria recebido seu quinho no
exterior, enquanto Henrique Alves teria sido agraciado com uma doao forada da Carioca no valor de 300 mil reais sua campanha ao governo do Rio
Grande do Norte em 2014.

CCReportagemCapa891ok.indd 22

AFP

ouco antes de o
STF converter
Cunha em ru, o
O PROPSITO DO CONLUIO ENTRE
Conselho de tiMORO E A TURMA DO ANTI-DILMA
suposta delao de Delcdio do
ca da Cmara, enAmaral, a oposio ganha um
fim, conseguiu abrir processo
TORNOU-SE EVIDENTE COM
pretexto para pregar a depopor quebra de decoro contra o
A PRISO DO MARQUETEIRO
sio de Dilma Rousseff por
deputado. Mas a deciso tem o
SANTANA, SEGUNDO O PLANALTO
uma outra via que no aquecheiro dos bastidores teatrais
la aberta por vingana por
e mostra o peemedebista ainCunha no fim de 2015.
da influente sobre vrios parNo de hoje, alis, que a turma bustidos e deputados, apesar de sua desgasta- no do Big Brother Brasil 2016. Para 78%
da imagem pblica. O placar contra ele foi da populao, merece ser cassado. Per- ca alternativas. Uma delas a cassao
apertado, 11 votos a 10, que s foi atingido guntado pela imprensa sobre a pesqui- da chapa de Dilma pelo Tribunal Supegraas a uma malandragem capaz de cus- sa, disse: No preciso ter popularida- rior Eleitoral. Na Operao TSE, a Lava
tar a Cunha uma pena branda ao final, algo de, pois fui eleito por um segmento Jato vital, pois poderia ajudar a provar
como uma censura ou suspenso, nada de do meu estado. Comentrios que fa- que Dilma usou na campanha dinheiro
cassao. O deputado ser investigado por zem pensar. O deputado elegeu-se com de corrupo. Para o Planalto, a simmentir a respeito de contas no exterior. A 232 mil votos e cr s dever satisfao biose entre o juiz Sergio Moro e a turacusao de receber suborno sumiu do re- a seu eleitor. Tenta, no entanto, impor ma anti-Dilma escancarou-se com a relatrio do deputado Marcos Rogrio, do uma agenda ao Pas (Lei da Terceiriza- cente priso do marqueteiro dilmista em
PDT de Rondnia, a pedido do deputa- o, criminalizao do aborto, reduo 2014, Joo Santana. Seria coincidncia
do baiano Paulo Azi, do DEM. Sem a ex- da maioridade penal, proibio do ca- Cardozo deixar o Ministrio da Justia
cluso, Azi votaria contra o parecer. Ti- samento gay etc.) e depor um presiden- poucos dias aps a priso, mesmo sendo
um pleito antigo de setores do PT? Teria
nha razo Cunha ao comentar no dia se- te vitorioso com 54 milhes de votos.
O carimbo de ru s costas do padro- Dilma se convencido de que a Lava Jato
guinte, com aquele ar debochado: O Coneiro do impeachment ter algum impac- se tornou uma ameaa real a seu manselho ficou mais razovel.
No foi sua nica zombaria nos lti- to nas passeatas Fora Dilma do dia 13? dato? No Planalto, h espritos prontos
mos dias. Segundo recente pesquisa do Governistas rezam pelo sim, oposicio- para a guerra: 2015 foi um ano de pernistas oram pelo no. Com a notcia da plexidade, 2016 ser de resistncia.
Datafolha, Cunha anda com ibope dig-

3/3/16 11:28 PM

O triplex
outro

O ENVOLVIMENTO DA GLOBO
COM A MOSSACK & FONSECA
EXPLICARIA O RECUO DA
FORA-TAREFA DA LAVA JATO?

t ropel a da
por outros fatos e providencialmente
esquecida pela
mdia, a 22
fase da Lava
Jato continua
um mistrio. Por que ela destoa tanto
dos padres de outras aes do juiz Sergio Moro e da fora-tarefa? E por que a
misso organizada para ser a cereja do
bolo aps dois anos de intensas investigaes tornou-se uma letra morta, um
arquivo incmodo nos escaninhos da
Justia Federal em Curitiba?
A 22 fase, batizada de Triplo X, referncia pouco sutil ao apartamento triplex
em um edifcio na praia paulista do Guaruj atribudo ao ex-presidente Lula, ganhou as ruas em 27 de janeiro. No era,
portanto, uma ao qualquer. Investia-se naquele momento contra o alvo mais
cobiado desde o incio da Lava Jato. As
coisas no saram, porm, como planejado. Um dos endereos visitados por agentes da Polcia Federal ficava no Conjun-

CCReportagemCapa2_Henrique896ok.indd 18

to Nacional, prdio de escritrios e lojas


na Avenida Paulista, centro financeiro de
So Paulo. A busca e apreenso aconteceu
mais precisamente na filial brasileira da
Mossack & Fonseca, banca de advocacia
panamenha internacionalmente conhecida por assessorar traficantes, ditadores,
corruptos e sonegadores no ato de esconder dinheiro em parasos fiscais.
Qual a relao da empresa com o apartamento no Guaruj? Uma offshore aberta pela Mossack & Fonseca, a Murray
Holdings LCC, tinha em seu nome outro
trplex no mesmo prdio. Ao esbarrar na
firma panamenha durante a fase preliminar da investigao, a fora-tarefa acreditou ter encontrado o elo para provar que
Lula havia cometido o crime de ocultao de patrimnio. Em resumo: por meio
de laranjas, a empreiteira OAS esconderia
os verdadeiros proprietrios dos imveis
no Edifcio Solaris. Bingo? Longe disso.
Logo no primeiro dia, a Triplo X identificou 40 indivduos e empresas no Brasil que fizeram negcios com a Mossack
& Fonseca. E a comea o mistrio. Ao
contrrio de outras fases e do padro

de comportamento do juiz Moro, os representantes do escritrio panamenho


no amargaram longos perodos na cadeia nem tiveram os pedidos de prises
temporrias convertidos em detenes
preventivas, cuja suspenso fica a critrio da Justia. Foram soltos em tempo
recorde, menos de dez dias aps a operao. Entre os libertados perfilava-se o
principal representante da companhia
no Brasil, Ricardo Honrio Neto.
O executivo trabalha na Mossack &
Fonseca h ao menos dez anos e bem relacionado, com contatos na prpria Polcia Federal. Em 2007, um e-mail interceptado prova que Honrio Neto havia sido informado a respeito de uma operao
da PF no escritrio da empresa. Na mensagem, ele avisa da ao e orienta subordinados a destruir e ocultar documentos antes da chegada dos federais. Esconder informaes , alis, uma prtica

PA U L O L I S B O A / B R A Z I L P H O T O P R E S S / E S TA D O
CON T EDO E NELSON A L MEIDA /A FP

por henrique beir a ng

O juiz responsvel pela


Lava Jato e a Triplo X:
ponto fora da curva

4/7/16 9:55 PM

Fora dos padres da operao


sob o comando de Moro, os funcionrios
da empresa panamenha foram
rapidamente liberados
corriqueira e contnua na companhia. Escutas telefnicas recentemente autorizadas que embasaram a Triplo X flagraram
Ademir Auada, um dos presos em 27 de
janeiro e logo liberado, a confessar a destruio de papis do escritrio.

PA U L O L I S B O A / B R A Z I L P H O T O P R E S S / E S TA D O
CON T EDO E NELSON A L MEIDA /A FP

ecloso do escndalo internacional que envolve


diretamente a empresa
panamenha, a partir do
megavazamento de 11,5
milhes de documentos sobre as offshore
pertencentes a polticos, ditadores, celebridades e afins, todas criadas com o intuito de no mnimo sonegar impostos,
causou constrangimentos na fora-tarefa da Lava Jato. Os investigadores sabem
que sero cobrados por causa do desinteresse em relao s atividades da Mossack
& Fonseca. O juiz Moro no atendeu aos
pedidos de explicao de CartaCapital.
Teria sido apenas desateno ou algum

CCReportagemCapa2_Henrique896ok.indd 19

4/7/16 9:55 PM

interesse especfico explicaria o comportamento incomum da turma de


Curitiba no episdio?
Raciocinemos: Moro j afirmou mais de
uma vez que o apoio dos meios de comunicao essencial na cruzada contra a corrupo. A parceria mdia-Justia, entende
o magistrado, serve para impedir o sistema poltico de barrar as investigaes. Mas
e se um dos aliados na imprensa cair por
acaso na rede de apurao? O que fazer?

o se sabe. Fato que entre os documentos apreendidos durante a Triplo


X aparecem os registros
de offshore ligadas a
Alexandre Chiapetta de Azevedo.O empresrio foi casado at recentemente com
Paula Marinho Azevedo, filha de Joo
Roberto Marinho, um dos herdeiros da
Globo, que apoia de forma acrtica a Lava
Jato e at concedeu um prmio ao juiz
Moro. Na lista encontrada na sede da
Mossack & Fonseca desponta a Vaincre
LLC. A offshore integra uma complexa estrutura patrimonial: scia da
Agropecuria Veine Patrimonial, que por
sua vez dona de uma imponente e moderna casa em uma praia exclusiva de
Paraty, litoral do Rio de Janeiro, que pertenceria famlia Marinho. A propriedade alvo de uma ao do Ministrio
Pbico Federal por crime ambiental. Os
Marinho, assim como o ex-presidente
Lula no caso do triplex no Guaruj, negam ser os donos do imvel.
Diferentemente do que acontece no
caso de Lula, as relaes dos herdeiros da
Globo com a casa em Paraty se avolumam.
Na mesma lista apreendida no escritrio
da Mossack & Fonseca, ao lado do registro
a respeito da Vaincre LLC aparece o nome
de outra empresa, a Glem Participaes,
que detm um contrato com o governo estadual do Rio de Janeiro para a explorao do parque de remo da Lagoa Rodrigo
de Freitas. Segundo o blog Vi o Mundo, do
jornalista Luiz Carlos Azenha, a Glem pertence a Azevedo, ex-marido de Paula Marinho. A neta de Roberto Marinho apare-

CCReportagemCapa2_Henrique896ok.indd 20

Nos Panama
Papers, escndalo
protagonizado
pela Mossack,
operaes
de compra de
direitos televisivos
pela Rede Globo

Brasileiros offshore:
Lobo, Cardoso
e Lyra, entre polticos
de sete partidos

ce ainda como fiadora do contrato entre o


governo fluminense e a Glem.
Outro documento revela que a Agropecuria Veine dona de uma cota de um helicptero do modelo Augusta A-109, matrcula PT-SDA, utilizado pela famlia Marinho. O endereo para entrega de correspondncias no contrato de importao do
helicptero o mesmo da empresa de Azevedo. S para esclarecer: a empresa dona
do triplex em Paraty recebe suas correspondncias no escritrio do ex-marido de
uma das herdeiras da Rede Globo.
As Organizaes Globo enviaram nota
a CartaCapital explicando a situao das
offshore, do helicptero e do triplex em
Paraty. Diz a nota que ningum da famlia proprietrio da empresa que administra o stio. Diz tambm que Paula Marinho no dona da offshore Vaincre, mas
pela primeira vez confirma que a empresa de propriedade do ex-marido. Ou seja, o triplex serviu, sim, famlia, uma vez
que a offshore uma das scias da propriedade em Paraty. A emissora afirma tambm que Paula no tem ligao nenhuma
com a Glem Participaes e diz que o helicptero pertenceu ao ex-genro, tendo sido
fiadora da aeronave a pedido de Alexandre. As respostas na ntegra o leitor confere no site de CartaCapital.
O ex-genro global foi procurado pela revista, mas no se manifestou sobre o assunto.
A histria da casa em Paraty no a
nica relao dos Marinho com a Mossack & Fonseca e os Panama Papers. Segundo o jornal holands deVerdieping
Trouw, com base em documentos vazados, a emissora brasileira teria usado empresas de fachada para pagar intermedirios na compra de direitos de transmisso da Copa Libertadores da Amrica.
O dirio argentino La Nacin trouxe
outras revelaes: Por razes fiscais,
em 2012, a T&T transferiu os seus direitos empresa Torneios&Traffic Sports
Marketing BV, com sede nos Pases
Baixos. Por trs dessa offshore holandesa, a Mossack & Fonseca criou a Medak
Holding Ltd., registrada em Chipre, que,

VA LT E R C A M PA N AT O /A B R , H E L E N A F O N S E C A R O D R I G U E S / F U T U R A
PRESS, LUIS MACEDO E JOO MIGUEL JNIOR/ T V GLOBO

CA PA

4/7/16 9:55 PM

VA LT E R C A M PA N AT O /A B R , H E L E N A F O N S E C A R O D R I G U E S / F U T U R A
PRESS, LUIS MACEDO E JOO MIGUEL JNIOR/ T V GLOBO

A casa em Paraty
da qual os Marinho
negam ser donos. E os
documentos de uma
transao complexa

CCReportagemCapa2_Henrique896ok.indd 21

4/7/16 9:56 PM

por sua vez, era controlada pela uruguaia


Henlets Grupo. A reportagem prossegue: A empresa holandesa, com licena
de televiso concedida pela T&T, intermediava a venda dos direitos. A offshore
negociou aportes milionrios com a TV
Globo do Brasil, que eram depositados no
ING Bank, em Amsterd. A empresa holandesa e a TV Globo tiveram contratos
negociados de 2004 a 2019, a uma quantia estimada de 10 milhes de dlares.
No toa, a Globo registrou timidamente o escndalo internacional que monopolizou a ateno da mdia estrangeira
nos ltimos dias. Na segunda-feira 4, por
exemplo, o Jornal Nacional tratou do assunto em meros 40 segundos. Sem imagens, o texto basicamente informava que
a Procuradoria-Geral da Repblica investigaria os donos brasileiros de offshore
abertas pela Mossack & Fonseca. E ponto.

Escndalo mundial:
o primeiro-ministro
islands renunciou.
Macri no se abala.
E Putin tem amigos
na lista suja

outros ilustres nativos,


vrios envolvidos em
crimes de corrupo, no
rol de clientes do escritrio panamenho. Robson
Marinho, conselheiro afastado do
Tribunal de Contas do Estado de So
Paulo e acusado de receber propina durante sua passagem pelo governo do tucano
Mrio Covas, dono da Higgins Finance.
Segundo o Ministrio Pblico, Marinho
embolsou 2,7 milhes de dlares em troca de contratos fraudulentos assinados
com a multinacional francesa Alstom. A
propina teria ainda abastecido o caixa 2 de
campanhas eleitorais do PSDB paulista.
Alm dos Marinho globais e do Marinho tucano, os proprietrios de offshore
at agora flagrados na enorme pilha de
documentos incluem polticos brasileiros de sete partidos: PSDB, PDT, PMDB,
PP, PSB, PSD e PTB. Constam da lista, entre outros, o indefectvel Eduardo Cunha,
presidente da Cmara, o ex-governador
de Minas Gerais Newton Cardoso, o ex-ministro Edison Lobo, o falecido tucano Srgio Guerra, acusado por um dos delatores da Lava Jato de ter recebido 10 milhes de reais para abafar uma CPI, e o ex-

CCReportagemCapa2_Henrique896ok.indd 22

-deputado federal Joo Lyra.


Fora do Brasil, a lista negra, conforme definio de parte da mdia estrangeira, tambm inclui nomes para todos
os gostos, de amigos do presidente russo
Vladimir Putin ao cunhado do presidente chins Xi Jinping. O primeiro-ministro islands, Sigmundur Gunnlaugsson,
viu-se obrigado a renunciar aps a descoberta de que mantinha uma offshore em
sociedade com a mulher. Depois de uma
entrevista desastrada a um canal de tev, na qual emudeceu diante das perguntas dos reprteres e encerrou a conversa

sem maiores explicaes, Gunnlaugsson


foi pressionado pelo partido e por protestos de eleitores. Na Amrica Latina, o nome de maior destaque o do presidente
da Argentina, Mauricio Macri. Dono de
duas offshore abertas nos anos 1980, Macri afirma que as operaes foram legais
e tratavam de uma sociedade com o pai.
Embora os 11,5 milhes de documentos vazados possibilitem a todos entender
melhor como funciona o esquema de lavagem de dinheiro no mundo, a atuao da
Mossack & Fonseca no propriamente
uma novidade. O escritrio, fundado em
1977 pelo alemo Jurgen Mossack e o panamenho Ramn Fonseca, poca vice-presidente do pas, estendeu seus servios por mais de 40 pases. Em 2014, o jornalista norte-americano Ken Silverstein
reconstruiu a histria da Mossack & Fonseca e suas relaes com ditadores, traficantes e criminosos diversos.
Rami Makhlouf, o homem mais rico
da Sria, descreve Silverstein, valeu-se da
empresa panamenha para esconder dinheiro sujo do ditador Bashar al-Assad.
Muammar Kaddafi, que dominava a Lbia com mo de ferro, e Robert Mugabe,
do Zimbbue, tambm foram clientes.
Os Panama Papers, pelo que se viu at o
momento, tendem a se tornar um escndalo de maior proporo do que o vazamento das contas da filial sua do banco
britnico HSBC. Mas, no Brasil atual, como diria o juiz Moro, no vem ao caso.
A rede criminosa da Mossack grande e em outros momentos, curiosamente, chegou a ser alvo de interesse da Lava Jato. Foi quando identificou que a lavanderia panamenha foi responsvel pela abertura das offshore em nome do ex-diretor da Petrobras Renato Duque e o
lobista Mrio Ges. Todos foram presos
e cumprem ou cumpriram longas prises preventivas at delatar tudo o que
sabiam ou at desconheciam.
Caber ao Conselho Nacional de Justia, ao Conselho Nacional do Ministrio
Pblico e ao Supremo Tribunal Federal,
se provocados, se manifestarem sobre tais
peculiaridades judiciais de Curitiba.

H A L L D O R K O L B E I N S / A F P, J U A N M A B R O M A T A /
A F P E I VA N S E K R E TA R E V/A F P

CA PA

4/7/16 9:56 PM

CA PA

Os segredos
de Meire

A CONTADORA DE ALBERTO YOUSSEF


E AS ILEGALIDADES DA LAVA JATO

mbora raramente registradas pela mdia, as alegaes de excessos e


falhas processuais cometidas pela fora-tarefa da
Lava Jato se avolumam desde o incio da operao, em
2014. Os investigadores da Polcia Federal e do Ministrio Pblico e o juiz Sergio
Moro sempre atriburam as acusaes
a jogadas protelatrias dos advogados de
defesa dos envolvidos, uma tentativa esperta de livrar a cara dos acusados. E a
maioria dos indcios sobre irregularidades que implicariam a possibilidade de
anulao da investigao era, de fato, circunstancial. At agora.
CartaCapital obteve com exclusividade quase 200 pginas de transcries de conversas e duas dezenas de e-mails que envolvem a contadora Meire Poza, ex-brao direito do doleiro Alberto Youssef. Os volumes revelam: Poza
agiu como uma espcie de agente infiltrada durante um longo perodo e a fora-tarefa empregou mtodos ilegais para valer-se de sua contribuio. Buscas
e apreenses foram forjadas, parlamentares viraram alvo sem a autorizao do

CCReportagemCapa10Henrique898ok.indd 42

Supremo Tribunal Federal, documentos


acabaram vazados ilegalmente para a
mdia. Tudo, conforme indicam as interceptaes das mensagens, com o conhecimento do Ministrio Pblico Federal. Por muito menos, operaes anteriores restaram anuladas pela Justia, entre elas a Castelo de Areia e a Satiagraha.
A documentao no deixa claro se o
juiz Moro teve conhecimento das irregularidades. Quem poderia esclarecer
essa dvida seria a prpria contadora,
mas ela se recusou a atender a revista ao
longo de duas semanas antes da publicao desta reportagem. A direo da Polcia Federal tambm se recusou a prestar esclarecimentos.

Eu sou
o grampo kkkkk.
A contadora,
ao se referir
a gravaes
que passava PF

Poza, no se sabe por qual motivo,


decidiu denunciar em 2012 a existncia
de um esquema de fraudes em fundos de
penso privados operados em conluio
pelo doleiro Alberto Youssef e agentes
de vrios estados. Um delegado da Polcia Federal em So Paulo de prenome
Otvio foi escalado para ouvir a contadora, mas no se interessou pelo assunto. Nada foi feito.
Dois anos mais tarde, poucos dias
aps a Lava Jato ganhar as ruas pela
primeira vez, em maro de 2014, Poza
resolveu procurar os federais mais uma
vez. Desta feita foi recebida em So Paulo pelo delegado Mrcio Anselmo, lder
do grupo que investigava a lavagem de
dinheiro por meio de doleiros a partir
do Paran. At aquele momento, a fora-tarefa no fazia a mnima ideia de at
onde poderia chegar a Operao. A contadora fez um acordo no fio do bigode.
Sem formalizao judicial ou sem delao premiada, ela forneceria informaes e vazaria documentos. Em troca,
no seria processada, o que de fato ocorreu. Apesar de seu escritrio ter lavado
5,6 milhes de reais de Youssef, ela nunca foi indiciada.
A relao entre Poza e a fora-tarefa funcionava da seguinte maneira: a

WILSON DIAS/AGNCIA BR ASIL

por henrique beir a ng

4/19/16 11:12 PM

A BUSCA FOI
COMBINADA
Para esquentar documentos
j de posse da PF,
a operao foi agendada

contadora encaminhava documentos e


fornecia informaes ainda protegidas
por sigilo. A colaborao informal ganhou elogios de Anselmo. Vc deveria fazer concurso pra PF, escreveu no
WhatsApp. Em outra conversa, ela informa que uma ex-namorada de um investigado gostaria de conversar com ela,
mas pessoalmente. A interlocutora diz
ter receio de falar por telefone, com medo de grampos. A um dos investigadores,
Meire debocha: Eu sou o grampo kkkk.
Em um dilogo de 16 de maio de 2014,
a contadora e Anselmo citavam abertamente nomes de polticos. Por causa
da prerrogativa de foro privilegiado, as

CCReportagemCapa10Henrique898ok.indd 43

investigaes no poderiam ter seguido


na primeira instncia. Necessitavam de
autorizao do Supremo Tribunal Federal. Vixi tem muito poltico..., anota ela
em uma das trocas de mensagem. Poza
continua: No dia 12 ou 13 de maro por
exemplo ele estava a noite com o Renan
Calheiros pra acertar a colocao da debenture na Postalis.

m 14 de maio, Anselmo
pergunta a Poza: vc sabe
se o bebe johnson tinha alguma relao com o precatrio do maranho? (sic).
Beb Johnson era o apelido entre os

O delegado Mrcio
Anselmo trocava
fotos com Meire.
A PF no se manifestou
sobre os vazamentos

4/19/16 11:12 PM

alvos da investigao do ento deputado federal Luiz Argolo.


O delegado deixa claro, a operao
visava outros detentores de mandatos.
Com que outros polticos ele tinha contato?, pergunta. A contadora responde: Tem um senador que eu preciso
lembrar o nome, tinha o governador da
Bahia. Nos dilogos h menes ento deputada Aline Corra, do PR, e ao
senador Ccero Lucena, do PSDB. O ento senador Gim Argello, do PTB, preso
em 12 de abril deste ano, tambm aparece nos dilogos. Segundo Poza, no dia de
seu depoimento ao Congresso, Argello
tentou manter a sesso a portas fechadas. O senador veio aqui falar. Disse
que tem receio que me massacrem, informa aos investigadores.

oza no se comunicava
apenas com Anselmo. O
agente Rodrigo Prado foi
escalado para receber as
informaes da contadora, que gravou sorrateiramente conversas com alguns dos investigados, encaminhou documentos de forma irregular e trocou fotos com o policial. Prado
enviou, entre outras, uma selfie no interior de uma viatura. No banco de trs
aparece Joo Procpio Teixeira, um dos
operadores de Youssef.A contadora recebeu ainda um vdeo do primeiro depoimento de Teixeira a integrantes da
fora-tarefa.
A troca de mensagens revela que a
contadora tinha a vasta rede de contatos
da informante. Ops... Temos um novo
financiador de despesas... Miguel Jurno,
j ouviu falar?? Eh cliente da DPF (Departamento de Polcia Federal)..., escreve a Anselmo. Doleiro, Jurno foi alvo da
Satiagraha, que investigou o banqueiro
Daniel Dantas e foi anulada pela Justia.
Na continuidade do dilogo, especialista em interceptaes, o delegado mostra
receio do vazamento dos dilogos. Melhor email, no confio em tel. Ou ento no

CCReportagemCapa10Henrique898ok.indd 44

fixo aqui do trabalho Kkkkkkkkkk. Anselmo jacta-se ainda da instalao de um


grampo na cela de Youssef. O episdio foi
alvo de uma sindicncia na Polcia Federal, que terminou inconclusa, mas criou
um racha na autarquia. O assunto surge em uma troca de mensagens em 13 de
maio de 2014. Poza e Anselmo tratavam
de outros personagens da investigao
quando o assunto surge.
A contadora dedilha: Mrcio, vc
precisa me contar essas coisas. Minha vida anda muito preto e branco
kkkkkkkkkkkkk. E prossegue: Alis,
vc obrigou o Jaime a pegar informaes
com o Beto. Alm disso vc ameaou o Rene. Vc anda impossvel hein????
O delegado responde em tom de galhofa: kkkkkkk. E raspei a cabea da
nelma. Alm de ter colocado a escuta
na cela do yousef (sic). Fato ou brincadeira?
Por conta da colaborao, Anselmo
acalma Poza sobre sua situao criminal. E promete resolver o assunto com
os procuradores: Estou acertando c eles
a tua imunidade. Ao marcarem um encontro com integrantes da fora-tarefa,
a contadora pergunta se deve ir sem advogado. O ideal e que venha sem, responde o federal.

Melhor email,
no confio
em tel. Ou no
fixo aqui do
trabalho kkkkk.
Mrcio temia ser
grampeado

Uma das conversas mais reveladoras


trata da farta documentao escriturria e contbil das empresas de fachada de
Youssef. Poza tinha em seu poder caixas
de documentos com contratos fictcios
da RCI, MO Consultoria, GDF e Empreiteira Rigidez, usadas para a movimentao de propina. O acervo comprovava o fato de o doleiro receber dinheiro
das maiores construtoras por servios
nunca prestados. A contadora repassou
os papis em maro de 2014. Mas como
a documentao foi entregue de maneira aparentemente ilegal, era preciso esquentar a documentao.
Em 5 de maio, Anselmo orienta Poza:
Devemos acertar para a prox semana
uma viagem a sp para formalizar a apreenso daqueles documentos. Resposta:
Te aguardo!!! O delegado continua: Se
puder j separe todo o material dos contratos da gfd. A GFD era a principal empresa de lavagem de dinheiro de Youssef.
A conversa sobre a busca e apreenso
armada prossegue em 27 de junho, desta
vez com Prado. O policial informa a inteno de a PF instalar uma escuta ambiental no escritrio da contadora. Poza diz sofrer presso para entregar alguns cheques. O agente sugere que ela
enrole, pois eles iriam buscar o material na semana seguinte. Inventa uma
desculpa na segunda feira dizendo que
nao deu e que vc vai depositar na terca, digita. Vou sumir. Dizer que adoeci. Febre alta..., diz Poza. E recebe de
volta: Terca cedo to ai. Importante isso Meire. Reta final.
Em outra mensagem, ela pede uma
operao discreta. Prado, sem viatura
e sem roupa preta?? Pode ser?? S pra
no assustar muito meu pessoal... Mas
se no puder, tudo bem... O policial responde: Isso nao depende de mim. Mas
vou levar sua solicitacao a quem decide. Ela retruca: A viatura o Marcio tinha prometido que no viria... O agente conclui: Vou pessoalmente para garantir que nao tera confuso.

E L Z A F I S A /A G N C I A B R A S I L , Z E C A R I B E I R O / C M A R A D O S D E P U TA D O S ,
M A RCOS OLIV EIR A /AGNCIA SEN A DO E FLIX R./FU T UR A PRESS

CA PA

4/19/16 11:12 PM

MINISTRO E
PARLAMENTARES
Polticos eram alvo, mesmo
sem autorizao do STF.
Jaques Wagner e a ento
deputada Aline Corra

E L Z A F I S A /A G N C I A B R A S I L , Z E C A R I B E I R O / C M A R A D O S D E P U TA D O S ,
M A RCOS OLIV EIR A /AGNCIA SEN A DO E FLIX R./FU T UR A PRESS

Lucena e Argolo,
personagens dos
documentos ao lado.
Mrcio dizia de Argolo:
O pior eh que ele tem
mesmo carinha
de babaca...

CCReportagemCapa10Henrique898ok.indd 45

Dito e feito. Em 1 de julho de 2014,


s 7h08 da manh, Anselmo envia uma
mensagem enquanto se aproxima do escritrio da contadora: Bom dia. Vamos
tomar um cafe? Ebaaaaa!!!, comemora Poza. Tem estacionamento ao lado.
Multipark. E ele: Viatura nao precisa
de estacionamento Kkkkkkk.
Os riscos de uso de provas obtidas de
forma ilegal tema das conversas. Quando tratam da instalao de uma escuta
ambiental no escritrio da contadora,
Prado, Anselmo e Poza, em um grupo
criado no WhatsApp, comentam a necessidade de autorizao judicial. So pra
lembrar, ainda precisa de autorizacao
judicial (risos), anota o delegado. Ela:
Vixi... mais fcil gravar com o celular, no no????? E ele: Mas nos nao
podemos. A menos que vc consiga e nos
forneca. Mas ainda assim e discutvel.

o que parece, outros integrantes da fora-tarefa em Curitiba tinham


conhecimento das tratativas, como indica um e-mail encaminhado por Poza ao delegado Eduardo Mauat e compartilhada com
os delegados Igor de Paula e rika Marena, alm de Prado e Anselmo, todos da
linha de frente das investigaes. Aparentemente, Rosalvo Ferreira Franco,
superintendente da PF no Paran, tambm estava informado dos procedimentos, indica um e-mail de 13 de agosto. Por
meio de uma mensagem enviada aos subordinados e contadora, que utilizava
o endereo eletrnico rabellopassos@

4/19/16 11:13 PM

CA PA

POR E-MAIL
gmail.com, Franco afirma estar ciente
de uma conversa entre De Paula e Poza
a respeito da segurana da contadora,
que havia reclamado de abandono: No
vou ficar esperando que algo de ruim
acontea comigo ou com a minha filha.
Espero que tenham a sensatez de saber
que um erro no justifica o outro.Eu
mostrei minha cara, mas foram vocs
que colocaram minha vida em risco. Isso eu no vou perdoar nunca.
O papel de Poza no era de conhecimento exclusivo dos policiais federais. Em uma
conversa com o procurador Andrey Borges de Mendona, a contadora trata de
uma audincia com Moro. Andrey, bom
dia! Desculpe te incomodar... Mas o fato
que estou com uma grande dvida e como no tenho advogado, gostaria de tentar esclarecer com vc. Hoje presto depoimento numa das aes penais envolvendo a Mendes Junior. Sobre esse assunto o
Sr. Joo Procopio em depoimento afirmou
que eu menti. Quero autorizao para juntar cpia de alguns e-mails trocados com o
Joo Procopio. Alm disso ele tambm alegou que menti quando falei que ele foi ao
advogado Costa e Silva buscar dinheiro.

O delegado Igor informa chefe rika


e ao superintendente da PF,
Rosalvo (abaixo), sobre necessidade
de conversar com Meire

a sequncia, ela anota:


Em relao a isso tenho algumas gravaes
aqui no meu escritrio
de conversa entre eu e
Joao Procopio onde ele fala sobre o referido advogado. correto que eu fale sobre esses dois assuntos, sucintamente,
na audincia de hoje e pea autorizao
do Juiz para juntar tambm a gravao?? A resposta de Mendona: Meire, ja tentei ver, ainda nao responderam.
Na minha opiniao vc deve mencionar isso sim e dizer que, caso seja possivel, pediria pra juntar diretamente ao juiz. Mas
vou ver a opiniao dos colegas.
Para a operao se manter em p
e angariar o apoio da opinio pblica, a fora-tarefa apoiou-se no vazamento de informaes confidenciais,

CCReportagemCapa10Henrique898ok.indd 46

Leia a Veja. O Adarico vai


enlouquecer. Mrcio vazou informaes
revista e ao portal de notcias
das Organizaes Globo, G1

4/19/16 11:13 PM

Acima, garrafas
da adega de Paulo
Roberto Costa. Abaixo,
a residncia do ex-diretor
da Petrobras, e a selfie
do agente Prado, da PF,
com um dos presos

ngulo Lopez, entregador de malas de


dinheiro que confirmou ter deixado propina na residncia do senador Fernando Collor, do PTB. O delegado parece se
divertir. Kkkkk. Boa. Eu sabia. S quis
mandar um recado. Ele te falou? Meire responde, kkkkkkkk Falou. Os dois
ligaram. Anselmo parece no entender.
Os dois? Poza ento conta que alm de
Lopez, Enivaldo Quadrado, auxiliar de
Youssef na operao, a tinha procurado.
O delegado diz que os vazamentos vo
continuar a todo vapor: O adarico vai
no prximo. Kkkk. Por partes. Adarico irmo do ex-ministro das Cidades
Mrcio Negromonte e atual conselheiro do Tribunal de Contas da Bahia e ficou preso por alguns dias em uma das
fases da Lava Jato.

principalmente para a Globo e para a Veja. Selecionar o vazamento era uma estratgia cuidadosamente estudada, segundo os prprios federais.
Em 15 de maio de 2014, Anselmo comunica-se com Poza. Tratam de um

CCReportagemCapa10Henrique898ok.indd 47

vazamento ao G1, portal de notcias da


Globo. Mais umas duas semanas e vc
no vai ter mais nenhum idoso nessa
op. O Rafael acabou de surtar. Viu o nome dele no G1... Acabou de sair, brinca a contadora. Tratava-se de Rafael

R O D O L F O B U H R E R / R E U T E R S / L AT I N S T O C K , G E R A L D O B U B N I A K /A G B /
E S TA D O C O N T E D O E VA G N E R R O S A R I O / F U T U R A P R E S S

e fato, o vazamento aconteceu como afirmou o delegado. Para a revista Veja. Um dilogo de 24 de
maio de 2014 cita informaes da investigao sobre a vida do irmo do ex-ministro. Anselmo diverte-se:
Kkkk. Leia a Veja. Adarico vai enlouquecer. A contadora tambm ri: Kkkkkkkkk.
No chegou aindaaaa, mas vi a prvia no
site. Parei pra comprar. No li ainda.
Que pessoal fotognico hein?????!
Kkkkkkkkkkkkkkk. O policial quer saber a reao do irmo do ex-ministro: Depois me diz o que o adarico achou.
Outro dilogo de 7 de outubro daquele
ano expe como a fora-tarefa compreendia a legalidade de seus atos. Anselmo
e Poza falam do depoimento da contadora CPI da Petrobras. No fim da conversa, ela pede: No esquece de dar aquela
olhadinha pra mim?? E recebe de volta: Vi aqui meire. Acho que ta bom. Tem
uma ou outra imprecisao em relacao a
termos tecnicos da investigao. Mas
acho q isso nao vem ao caso.
No vem ao caso, uma frase que, em
muitas medidas, define o esprito da
Operao Lava Jato.

4/19/16 11:13 PM

Seu Pas

Cartas de Curitiba

Novos documentos mostram como Meire Poza, aliada


de Alberto Youssef, atuou como infiltrada da fora-tarefa no Paran
LAVA JATO

POR HENRIQUE BEIRANG


ARTACAPITAL revelou na ltima edio uma ampla troca
de mensagens entre delegados, agentes da Polcia Federal e integrantes do Ministrio Pblico com Meire Poza, ex-contadora
e brao direito do doleiro Alberto Youssef.
Os dilogos e e-mails foram trocados entre
maio de 2014 e setembro de 2015, durante
o auge da Operao Lava Jato. As conversas tratam desde uma busca e apreenso
armada para validar provas a informaes
confidenciais vazadas para a imprensa.
Os dilogos ainda revelam que parlamentares foram alvo das investigaes no
incio de 2014, quando o STF no havia da-

CCSeuPaisHenrique899ok.indd 32

do autorizao para detentores de prerrogativa de foro serem investigados e que a


cpula da fora-tarefa em Curitiba trocava mensagens sobre a segurana da contadora, tratada como uma espcie de agente
infiltrada pelos investigadores.
Como benefcio pelo trabalho, a contadora nunca foi indiciada pela Polcia Federal e denunciada pelo Ministrio Pblico.
CartaCapital teve acesso a novos dilogos
com mais detalhes das conversas. Poza nega-se a prestar esclarecimentos revista.
A contadora passou a contribuir com
a fora-tarefa no incio de 2014, aps a
primeira fase da operao. No fim de
abril, Poza trocou e-mails com o agente

Rodrigo Prado a respeito de documentos


apreendidos em poder de Youssef. Ela estava encarregada de tentar decifrar o significado de siglas e apelidos em uma tabela em posse do doleiro. Foi Poza quem
esclareceu que Leitoso era Eduardo
Leite, diretor da Camargo Corra.
Por consequncia, Leite virou alvo da
operao e foi condenado em julho do
ano passado a 15 anos de priso, mas vai
cumprir apenas 24 meses em razo de um
acordo de delao premiada.
Os dilogos revelaram que uma busca
e apreenso foi armada para 1 de julho
de 2014 entre o delegado Mrcio Anselmo, o agente Prado e a contadora com o

4/28/16 7:26 PM

C A S S I A N O R O S R I O / F U T U R A P R E S S , VA G N E R R O S A R I O / F U T U R A P R E S S E F B I O Q U E I R OZ /A G N C I A A L

A contadora
grampeou a
esposa de Youssef
e entregou nomes
de diretores da
Camargo Corra

pg. 34

TAMBM
NESTA
SEO

C A S S I A N O R O S R I O / F U T U R A P R E S S , VA G N E R R O S A R I O / F U T U R A P R E S S E F B I O Q U E I R OZ /A G N C I A A L

intuito de validar documentos que j haviam sido entregues por ela fora-tarefa.
Tratava-se de papis das
empresas de fachada de
Youssef usadas para receber
propina de construtoras investigadas na Lava Jato. O dinheiro era repassado a partidos e
polticos ligados ao esquema.
Um dilogo entre o delegado
Eduardo Mauat e a contadora,
de 20 de outubro de 2014, deixa claro que
os agentes falavam com a contadora a respeito da devoluo de parte desses objetos.

Funai. O governo
acelera demarcaes
de terras indgenas

Em e-mail, Poza
identifica diretor da
Camargo Corra em
tabela de Youssef

A informante
sentia-se
abandonada pelos
investigadores

Durante a busca, um celular de Poza


tambm acabou apreendido. A contadora questiona: Boa tarde!! Alguma notcia do meu celular?? O delegado respon- uma boa... A Adriana disse que o Beto e o
de: Hj foi complicado. Vejo amanh, ok? Paulo Roberto esto s esperando o Adv
O dilogo a respeito da devoluo do apa- do Beto voltar de frias pra tentarem um
relho continua no dia 28. Vc vo ficar cha- acordo. Os depoimentos da cooperao
teada, mas tenho que te dar uma.ma not- judicial do ex-diretor da Petrobras foram
cia, afirma Mauat. E continua: Teu tele- iniciados em agosto e os de Youssef, em oufone vai ter que ficar apreendido....te expli- tubro daquele ano.
co qdo vc vier a Curitiba.
O dilogo entre os dois continua. PoO trabalho da informante rendia for- za diz que dever se encontrar com Joaa-tarefa informaes privilena e pretende gravar a convergiadas, inclusive da defesa dos
sa. Trata-se de Joana Darc Ferinvestigados. Em junho danandes Youssef, ento esposa
quele ano, a contadora confido doleiro. O agente responde:
denciou Polcia Federal que
Tenta gravar com teu telefoYoussef e o ex-diretor da Pene. Mais tarde, ela volta a fatrobras Paulo Roberto Costa
lar sobre o assunto com o delehaviam decidido fechar suas
gado Mrcio Anselmo.
delaes premiadas.
Ele pergunta: O q ela faEm uma das conversas
lou de bom. Poza responde:
com Prado, em 25 de junho
Ela contou coisas e eu tbm
de 2014, Poza diz ter sido incontei. E acrescenta: E ela
formada por algum prximo
vai nas construtoras cobrar.
aos investigados de que os dois
O delegado fica intrigado:
aguardavam apenas o retorno
Srio. Cobrar o que? Meide frias do advogado do doleire explica que Joana iria at
ro para avanar na discusso
as construtoras UTC e CaDelegados. Anselmo
da colaborao com a Justia.
margo Corra. A contadora
e Mauat trocavam
Hmmmmmmm... Tem informaes com Poza explica as razes que leva-

CCSeuPaisHenrique899ok.indd 33

riam a ento esposa do doleiro a procurar as construtoras, mesmo com o marido


preso. Disse que por causa
das filhas. E porque metade
eh dela. O delegado afirma:
Vai ser presa tb.

Um e-mail trocado entre


Prado e Poza em agosto de
2014 mostra que a funo da
contadora como infiltrada foi
definida dentro da Polcia Federal. Na
mensagem informante, o agente anota: Na reunio no trreo da PF, antes do
seu primeiro depoimento, conversamos
sobre isso. Que se fossemos frios e calculistas, seria muito melhor voc infiltrada e nos passando informaes. Mas
deixamos claro que aquilo tinha que parar por causa da sua segurana.
Mas a contadora Poza no ficou satisfeita com o tratamento da fora-tarefa ao longo da operao. Em uma conversa com o
procurador Andrey Borges de Mendona,
ela reclama por no ter firmado nenhum
acordo oficial e diz sentir-se abandonada.
O integrante do MPF fala das dez medidas propostas pela entidade de combate
corrupo. Ela reclama: Faltou o item
11: o que que se ganha denunciando, provando, testemunhando... Eu s perdi. Bjs.
O procurador diz entender a insatisfao e afirma que as propostas foram pensadas para tentar mudar estruturalmente o sistema e a consola: Mas seu lugar na
histria est reservado, como quem ousou
enfrentar e mudar, mesmo tendo que pagar um alto preo por isto. Espero que no
futuro o preo no tenha que ser to alto.
Usar infiltrados em operaes da Polcia Federal foi alvo de nulidades pela Justia brasileira. Em 2008, o Superior Tribunal de Justia considerou que a utilizao da Agncia Brasileira de Inteligncia na Operao Satiagraha foi ilegal. Toda a investigao foi anulada pela Corte.

4/28/16 7:26 PM

Você também pode gostar