PARTE I

O Pedao Azul do Inferno

Aconteceu. Depois de tanto medo e alarme, aconteceu. No passado, escrevamos nossos relatos num pedao
de papel, metamos o texto numa garrafa e lanvamos nosso S.O.S. ao mar. Agora, revestimos de chumbo
nosso caderno de notas, compactamos com cimento todo nosso espanto e rezamos para que no se percam.
Aconteceu. Aconteceu. Aconteceu em Goinia o maior acidente nuclear depois de Chernobyl, o maior do
Ocidente, conforme anunciaram, pomposamente, algumas manchetes de jornal.
Aconteceu em setembro. No calendrio, era primavera, mas os termmetros rondavam os quarenta graus
e as cigarras cantavam desesperadamente. As cigarras cantam de manha, cantam tarde, cantam noite.
s vezes, um pequeno grupo delas invade o gabinete do Governador, o ateli de um artista plstico ou
mesmo um corredor de hospital. Nesses anos, as cigarras chegaram um pouco mais cedo e pareciam
mais frenticas do que nunca, como se anunciassem com insistncia uma tragdia especial. Seu canto era
continuado, infatigvel, irritante parecia dizer que a usina da natureza entrou em pane e cada segundo era
fundamental para a salvao de Goinia.
A notcia na sua maior simplicidade era esta: dois catadores de papel recolheram uma bomba de csio137, abandonada num terreno baldio. Romperam seu invlucro de chumbo com golpes de marreta e
descobriram uma cpsula fluorescente, altamente radioativa, que passou a circular na cidade como se fosse
uma pedra preciosa, como se fosse um pedao azul do cu, cado, subitamente, no Bairro Popular para fazer
a felicidade dos pobres do planeta.
Quando aconteceu, ningum sabe ao certo. A primeira notcia vazou no dia 28 de setembro e o episdio,
segundo os catadores de papel, comeou cinco dias antes. Um sapateiro chamado Felinto de Oliveira
confirma a tese de que a bomba sumiu do terreno alguns dias antes. Ele estava na feira hippie de Goinia,
na avenida Gois, resolveu ir embora para casa e, no meio do caminho, precisou usar o terreno baldio. A
bomba de csio estava l, visvel na escurido, e o sapateiro evitou fazer pipi em cima dela.
Os dados tcnicos contradizem esta verso. A bomba de csio-137, produzida na Itlia, pesava mais de
600 quilos e no havia indcios de trao no lugar de onde foi retirada. E ali mesmo, no cho onde foi
abandonada, havia coc de gente, coc seco de gente, indicando que o local estava deserto, h algum
tempo.
Mais que importncia tm essas pequenas precises? A bomba foi abandonada pelo Instituto Goiano de
Radiologia. Um oficial de justia andou pelo lugar em abril e registrou, na sua linguagem empolada, a
presena de um jovem negro que escapou pelos fundos do terreno. No viu nenhuma bomba de csio. Alm
disso, a ultima pessoa que inspecionou a bomba, em nome da comisso Nacional de Energia Nuclear, foi
um fsico chamado Joo Emlio. Isto em 1977, dez anos antes do acidente. Essa a nica data precisa do

desastre: o inicio de uma dcada em que a bomba de csio-137 esperou que a livrassem de sua armadura de
chumbo para desintegrar-se ao ar livre, numa cidade de quase um milho e meio de habitantes.
Se soubesse que ia dar tanto trabalho a vocs e aos mdicos no pegaria naquela coisa confessou um
dos catadores de papel que ajudou no transporte da pea mas se contaminou apenas levemente. Ele uma
das 260 pessoas atingidas por um nvel de radioatividade considerado acima do normal. Os principais
personagens foram internados num hospital militar, o Marclio Dias, no Rio, e reconstruir a ligao de
cada um com a pequena cpsula de csio, com um peso aproximado de 100 gramas, tornou-se um exerccio
meio frustrante, um passeio no labirinto.
Tudo o que se conhece que Roberto e Wagner retiraram a enorme pea num carrinho de mo e venderam
o cabeote de chumbo num ferro-velho. O preo foi de mil e seiscentos cruzados, pouco mais de vinte
dlares. O dono do ferro-velho e os prprios catadores ficaram curiosos. Queriam, evidentemente, romper o
chumbo para vend-lo em parte, mas tambm queriam ver o que havia dentro. Era para eles uma espcie de
raio X. se a maquina pode ver dentro das pessoas, por que as pessoas no podem ver dentro da mquina?
Quando, aos golpes de marreta, chegaram brilhante pedra azul, ficaram maravilhados. E j eram trs as
pessoas cujas vidas estariam de alguma maneira condenadas pelo encontro com aquela luz sobrenatural:
os dois catadores e o dono do fero-velho, um homem chamado Devair.
Esse momento mgico da descoberta da pedra de csio-137 foi descrito nos despachos da imprensa, com
uma certa simplicidade. Eram pobres catadores de papel diante de uma pedra azul, maravilhados como um
colonizador portugus ao encontrar uma esmeralda. Mas h indcios de que o xtase era mais mstico do
que econmico, de que reconheceram no algo valioso, mas sim extraordinrio.
O encontro com Deus pode se dar na forma de uma pessoa, mas tambm na forma de uma bola de fogo,
como lembra a psicloga Marie-Louise von Franz, discpula de Jung, numa de suas conferncias sobre
Alquimia.
A bola de fogo no proporcionar a mesma experincia, embora seja, de certo modo, ainda mais
maravilhosa, porque a pessoa ser muito mais afetada, emocionalmente. Ser dominada, empolgada pelo
mistrio, pela completa diferena entre o divino e o humano.
A pedra de csio-137 seguiu seu curso. Mas o xtase mstico uma das possibilidades de explicar o
encontro com ela e algumas atitudes que se seguiram. Um dos catadores de papel tentou traar uma cruz
no peito e o dono do ferro-velho quis reparti-la entre os amigos, gratuitamente, para que fizessem anis.
Um deles levou um pedao para casa. Seu nome Ernesto Fabiano. A pedra brilhava tanto que incomodava
o somo da mulher com quem vivia. Ele chegou com a pedra no bolso da cala, quase em contato direto
com ela. Quando descobriram que se tratava de uma pedra maldita, lanaram-na na privada. Era tarde
demais.
O mais trgico dos movimentos aconteceu na casa do outro dono do ferro-velho, Ivo. Sua filha Leide, de
seis anos, brincou prxima do p de csio, tocou nele comendo um pedao de po com ovo e se contaminou
internamente.
Naquele momento a histria da descoberta j corria na rua 57, uma pequena rua sem sada no Bairro
Popular. O que era aquilo que brilhava de noite como um vaga-lume, que brilhava mais que o brilho da
prpria televiso sempre ligada em suas casas?
No passava pela cabea de ningum que o pedao luminoso do cu iria revolucionar a vida da rua e a vida
da prpria cidade. O Bairro Popular tinha uma mrbida tradio, mesmo numa capital de apenas 54 anos
como Goinia. Ali, na dcada dos 50, foi encontrada uma famlia de seis pessoas, todas assassinadas, com
as cabeas cortadas. Era a famlia Mateucci, que entrou para a crnica policial como um de seus casos mais
tenebrosos. No mesmo Bairro Popular, no princpio dos anos 60, ficavam concentrados os doentes de fogoselvagem, mantidos numa espcie de cela, sempre tentando estender o brao para fora, a fim de entrar em
contato com os transeuntes.

Isso tinha acontecido h muito tempo. Ningum desconfiou do pior. Mesmo porque muito forte a esperana
de que essas coisas extraordinrias tragam sorte, um sopro de raridade no montono dia-a-dia.
So pequenas desintegraes, senhores. Espero que entendam, pequenas desintegraes. O csio
desprende brio que, por sua vez, emite raios gama que podem destruir o tecido.
O fsico nuclear Jos Jlio Rosenthal tentava explicar aos vereadores de Goinia que o acompanhavam,
incrdulos. Nesse momento, era possvel prever como foi difcil para os moradores da rua 57 descobrir o
que se estava passando. Raios invisveis que se propagam como a luz, quem poderia imaginar isso?
Os primeiros sintomas comearam a aparecer vmitos, queimaduras na pele, queda de cabelo. Como
qualquer pessoa numa circunstncia dessas, os catadores de papel e o dono do ferro-velho comearam
a se interrogar sobre o que comeram. Um deles chegou a levantar uma hiptese forte: leite com manga
ou manga com sal. A mistura de leite com manga certamente estava na origem do mal-estar. O leite tem
gordura, e a tradio reza que manga e leite no do certo, quando misturados.
A essa altura das indagaes, no apenas estavam fortemente contaminados mas estavam tambm emitindo
radiaes. Fizeram tudo que estava ao seu alcance. Foram ao farmacutico e compraram pomada, foram ao
pronto-socorro e se medicaram como vtimas de queimadura, e um dos catadores de papel, mais atingido,
chegou a ser internado no hospital especializado em doenas tropicais.
Foi no auge dessa busca que a pedra comeou a ficar sob suspeita e o veterinrio Paulo Roberto Monteiro
formulou, pela primeira vez, a descoberta do acidente. Maria Gabriela das Graas chegou casa do
veterinrio e disse:
Doutor. Minha filha est doente e suspeito dessa pedra que est no ferro-velho do meu marido, Devair.
A partir da, o mistrio de desfez, o mundo desencantou e o pedao azul do cu se transformou num pedao
azul do inferno. A mesma mulher que arrastou o csio-137 para fora do crculo em que se encerrara, e com
isso atenuou as dimenses do acidente, foi a primeira pessoa a morrer, no dia 23 de outubro, s 11h55min,
no Hospital Naval, no Rio.
Foi tambm a partir da que o Brasil, poucas semanas depois de anunciar o domnio do ciclo do urnio,
enfrentou conscientemente o primeiro grande desastre com radioatividade, envolvendo pessoas que na
trabalham direta ou indiretamente com instalaes nucleares.
Cerca de 43 tcnicos desembarcaram em Goinia. Eram da Comisso Nacional de Energia Nuclear. Entre
eles, nenhuma mulher. O argumento para a ausncia de mulher o de que a radioatividade pode ser mais
perigosa para quem vai gestar uma criana. Nesse mesmo ms, na revista Esquire, o escritor Martin Amis,
depois de um longo priplo pelas instalaes nucleares em Washington e pelos escritrios dos intelectuais
que se agrupam diante do projeto, constatava perplexo que as mulheres esto totalmente fora do mundo
nuclear.
Os tcnicos desembarcavam com tarefas bem precisas e com um acumulo de conhecimento terico. No
entanto, havia uma grande excitao porque, de um lado, intuam que a prtica era mais complexa e, de
outro, tinham certeza de que estavam diante de um acidente de novo tipo, o csio-137. Chernobyl tinha
acontecido num reator nuclear e ali, entre outros materiais radioativos, fora expulso pelo vento, um vento
muito veloz.
O csio-137 estava em forma de p. A primeira tarefa urgente foi encontr-lo. Um pedao de pedra foi
levado para a Diviso de Proteo Sanitria e estava sendo mantido no ptio. Um dos homens que dirigiram
o trabalho tcnico em Goinia, o fsico Jos Jlio Rosenthal, revelou, ao longo dos debates que eram feitos
na cidade, que aquele pedao da fonte, provavelmente o maior, fora deixado em cima de uma cadeira:
Contratamos uma firma capaz de concretar algo a 30 metros de distncia e compactamos o csio com
cadeira e tudo.
Na tarefa de localizar e isolar os pontos contaminados, os tcnicos parecem ter esquecido a diferena entre
Chernobyl e Goinia. Alm de terem de comprar macaces improvisados, nos supermercados, uma vez que

no havia estoque, esqueceram de proteger seus sapatos e tnis. Ainda assim conseguiram isolar as reas.
Isolar relativamente, pois choveu algumas vezes, ventou forte e os mais de mil pombos que voavam nos
cus de Goinia passam tambm por ali.
Enquanto isto, no front da medicina, foram localizadas as pessoas atingidas, sendo isoladas para que
descontaminassem. Como realizar isso, rapidamente e sem grande escala?
Segundo o depoimento do fsico nuclear Carlos Eduardo de Almeida, os contaminados foram lavados com
agia, sabo e vinagre, e para os calcanhares, onde havia possibilidade de se acumular matria radioativa,
usara-se pedra-pomes e lixa.
A partir desse momento inicial, o esquema montado pelo governo revelou sua fragilidade. Os fsicos
tratavam o acidente de Goinia como um fenmeno material. Mas a notcia havia sido divulgada no Brasil
e fora dele. Fatores psicolgicos e polticos comeavam a dominar a cena e, nesse momento, a pobreza
material era quase uma sombra diante da incapacidade de se montar um esquema de comunicao adequado
para esse tipo de emergncia.
Um grande abismo: a credibilidade. Aps Chernobyl, um habitante de Varsvia fez uma reflexo sobre o
acidente que se adapta, na medida, para descrever o estado de esprito nas ruas de Goinia:
Se as autoridades mentem para ns durante todo o tempo, por que esperar que falem a verdade
precisamente agora?
A singularidade da agresso nuclear tambm o fato de ser invisvel. Os tcnicos, sobretudo Jos Jlio
e Carlos Eduardo, saram em campo para explicar o fenmeno. So pequenas desintegraes, espero que
entendam, mas milhes de desintegraes, teoricamente cada uma delas podendo atingir o ncleo de uma
clula humana, desorganizando a molcula de DNA (cido desoxirribonuclico), a clula responsvel pelo
armazenamento do cdigo gentico. Sem orientao, as clulas enlouquecem e comeam a se multiplicar
em forma de cncer.
Exatamente porque era invisvel, a radioatividade estava em toda parte e em nenhum lugar. Cinco mil
pessoas, por dia, no principio, acorriam ao Estdio Olmpico, onde foi instalada uma equipe incumbida de
testar a contaminao. Algumas vomitavam, outras tiveram diarria. Ao cabo de duas semanas e de mais
de 30 mil pessoas atendidas, cerca de 260 apresentaram um nvel de contaminao, inspirando cuidados.
Nas ruas de Goinia no havia sinais de pnico. O transito e a vida comercial fluam normalmente, os bares
e pizzarias da praa Tamandar estavam superlotados. No Estdio Olmpico, onde durante o dia eram
examinadas as pessoas e retiradas suas roupas contaminadas, foi realizado um grande show do cantor
Beto Guedes.
Quem sentasse numa das mesas ia ouvir, de vez em quando, dilogos inquietantes. Ser que esto mentindo
para a gente? O que pode acontecer, de fato, com nossas crianas?
Mas eram apenas dilogos noturnos, perguntas numa mesa de bar.
O estado de nimo da populao talvez fosse mais bem capturado atravs do telefone de emergncia,
193, colocado disposio para esclarecer dvidas. Ali, embora no se tenha feito um estudo sistemtico,
apareciam as duvidas mais freqentes, as questes que precisam ser esclarecidas cada noite, em cadeia de
tev.
O dinheiro que os catadores de papel receberam e usaram est contaminado?
Os nibus que passam pelo Bairro Popular so perigosos?
Os pombos, gatos, e cachorros que andam por aquela rea podem irradiar alguma coisa?
Se um parente contaminado pedir ajuda, o que fazer com ele?

Atravs do telefone de emergncia era possvel compreender que num desastre nuclear a diferena entre o
perigo real e o perigo pressentido pode ser grande, e tratar do chamado perigo real sem levar em conta a
dimenso psicolgica do problema uma ttica de avestruz.
Talvez seja uma das razes pelas quais as pessoas ficassem mais intranqilas, cada vez que apareciam os
tcnicos assegurando que tudo estava sob controle. A essa inquietao, somavam-se as notcias chegadas ao
gabinete do Governador de Gois, indicando perigo para as atividades econmicas do Estado. Manchetes
de um jornal de So Paulo insinuaram que os alimentos estavam contaminados. Logo em So Paulo,
onde havia fortes concorrentes na produo do arroz e de onde, espontaneamente, poderia surgir uma
campanha de boicote ao produto goiano. Alm disso, produtores de roupa, na emergente indstria de
confeces, registravam pedidos de cancelamento de encomendas ou mesmo de redues de 30 por cento
no preo para a compra de seus produtos fora de Gois.
O movimento de defesa do meio ambiente em Gois j tinha uma tradio de luta em prol das riquezas
naturais do Estado, pela salvao do rio Araguaia e pela proibio do uso do mercrio nos garimpos, que
estava tendo um efeito devastador no equilbrio ecolgico da regio. Mas no tinha nenhuma experincia
de luta antinuclear, jamais havia discutido planos de emergncia ou sequer examinado a experincia
internacional com Chernobyl.
Ningum queria o pnico. Mas era necessrio introduzir uma outra concepo no contato com os
moradores da cidade; descontaminao; era, tambm, fundamental mostrar que nem sempre havia razo
de tranqilidade. E tudo isso em alarmar, mas fazendo com que o processo de superao do desastre se
desse atravs de mais conhecimento e participao dos moradores de Goinia.
Esse problema que aparecia agora no campo, em pleno acidente nuclear, no era uma coisa nova. Pelo
contrrio, sempre esteve na base das consideraes do Governo no apresentar, com antecedncia, um
plano para um caso de desastre na Usina Angra I. o argumento de que um plano desse tipo poderia trazer
o pnico vigorou durante muito tempo, e s as presses constantes e mais o acidente de Chernobyl
que conseguiram alterar levemente a poltica de informao. Tanto o projeto nuclear que depende de
segredos quase militares como a prpria ditadura convergiam para uma idia de que o povo, num misto
de ignorncia e infantilidade, se comportaria melhor s e na hora mesma do acidente algum lhe dissesse,
energicamente, o que fazer.
Nas ruas de Goinia essa concepo mais uma vez se mostrou inadequada. Partindo da certeza de que
as pessoas se comportam de maneira mais madura na medida em que recebem informaes exatas e
transparentes, buscou-se, inicialmente, a inverso da pergunta mais freqente:
Voc acredita que a situao est sob controle?
No seu lugar, os setores mais conscientes da cidade colocaram outra, muito mais prxima do verdadeiro
objetivo do momento:
Vamos assumir o controle da situao?
Para comear era preciso discutir a prpria noo de estar sob controle, que os tcnicos tanto repetiam.
O que queriam dizer com isto, exatamente? Os primeiros sete dias se passaram com as manchetes sempre
indicando um novo foco de irradiao ou novas pessoas contaminadas. Quanto mais apareciam focos e
pessoas, mais os tcnicos afirmavam que tudo estava sob controle. A lgica, por trs desse argumento,
no era desprezvel. O csio-137 estava sob uma forma de pastilha, de mais ou menos 100 gramas. Duas
pessoas l levaram dentro do equipamento de radioterapia e romperam seu invlucro a marretadas. O csio
circulou num ferro-velho e em algumas casas. Todos os pontos contaminados tinham uma relao com
os pontos isolados, todas as pessoas contaminadas, direta ou indiretamente, se relacionaram com o grupo
inicial. Dessa maneira, podiam afirmar com preciso que todo ponto ou pessoa contaminados tinham uma
histria, era possvel estabelecer a gnese de seu processo de contaminao. Ningum foi atingido sem
um motivo, sem um vnculo com as personagens e os lugares da tragdia. Isso, para eles, significava que a
situao estava sob controle.

Ainda assim, era inegvel que existiam limites nesse controle. Parte do chumbo contaminado foi vendido
para outro ferro-velho que, por sua vez, o vendeu para uma fbrica de papel. O chumbo foi usado numa
pasta para homogeneizar o papel e acabou viajando em quatro caminhes para o interior de So Paulo, na
forma de papel radioativo.
Alm disso, toda histria que existia como fundo da contaminao era a histria de um pedao de pedra de
csio. Quanto fora realmente encontrado, quanto faltava para encontrar? Essa informao, por exemplo, s
foi veiculada, publicamente, 20 dias aps o acidente. Assim mesmo, foi preciso que o fsico Luiz Pinguelli
Rosa fizesse a pergunta diretamente ao representante da Comisso Nacional de Energia Nuclear, no
auditrio da Faculdade de Educao:
Acredito que encontramos em torno de 60 por cento da fonte respondeu, em nome do Governo, o fsico
Carlos Eduardo de Almeida.
A chegada de uma comisso de deputados a Goinia, uma semana depois do acidente, contribuiu tambm
para que alguns rumos novos fossem encontrados. O primeiro momento importante de confronto ocorreu
na Assemblia de Gois, quando o Constituinte Fbio Feldman (PMDB-SP) perguntou ao fsico Jos Jlio
Rosenthal sobre os exames da gua da cidade. Ele admitiu que no conhecia ainda os resultados, e, por
trs dessa admisso, estava a hiptese de que sequer o exame do pequeno rio Joo Leite, potencialmente
contaminvel, havia sido feito.
Naquele instante, ficou bastante claro que era preciso trabalhar em conjunto num plano de emergncia,
porque comeavam a aparecer lacunas perigosas demais para que fossem abandonadas aos tcnicos.
O prprio Governo estadual, diretamente interessado, passou a exigir mais e diferenciar sua poltica,
gradativamente, da poltica dos rgos federais.
Outro ponto de confronto girava em torno da urgncia de se detectar, rapidamente, todos os focos da
radiao. A cidade precisava ser rastreada e os equipamentos e tcnicos da CNEN no tiveram condies
de se dedicar a isto, num primeiro momento. Surgiu a hiptese de uma parte do rastreamento ser feito
por helicptero. Estranhvamos que ainda no tivesse sido feita. Os bandidos da Falange Vermelha
mobilizavam helicpteros para suas fugas com mais generosidade e presteza do que o Governo brasileiro
num momento de acidente nuclear.
Havia dois tipos de objees ao uso imediato de helicptero. Alguns fsicos em Goinia e no resto d Brasil
afirmavam que voando a mais de 50 metros de altura nada se acharia de importante e a operao s teria
valor psicolgico. Outros, como Jos Jlio Rosenthal, diziam que adiantaria pouco fazer o rastreamento da
cidade antes de retirar o material j localizado. Segundo ele, o nvel de radioatividade era to grande em
alguns pontos do centro que ameaava at descalibrar o equipamento e invadir o trabalho de pesquisa.
Mesmo faltando elementos tcnicos para um combate mais preciso a esses argumentos, foi possvel superlos. No caso de um valor puramente psicolgico, mais uma vez prevaleceu a idia de que o medo geral era
algo com que se tinha de trabalhar, independente de sua correspondncia mecnica com os fatos materiais.
Em outras palavras, desde que no se perdesse um tempo precioso no combate objetivo radioatividade,
uma operao tranqilizadora no faria mal algum.
Quanto aos pontos de contaminao j conhecidos, alm de estarem no centro da cidade, poderiam ser
localizados num contexto mais amplo, de forma que o rastreamento usasse a ttica que se usa para comer
mingau quente: vir da periferia para o centro. Se houvesse interferncia capas de descalibrar o equipamento,
ela se faria em pontos preciso e com a maioria do trabalho j realizado, normalmente.
Quarenta e oito horas depois desses debates, o helicptero subiu aos cus de Goinia, meio milagrosamente
porque os fsicos ainda no haviam admitido a sua necessidade. O rastreamento deveria durar uma semana,
mas durou apenas dois dias, segundo o piloto, porque as condies do tempo estava excepcionalmente
boas. O helicptero acabou descobrindo um foco da radioatividade no depsito de lixo pblico. Caram de
uma s vez todos os argumentos que se antepunham ao seu uso: no tinha apenas valor psicolgico, pois
encontrou um foco que, em outras condies, levaria muito tempo para ser descoberto. E, finalmente, os
aparelhos no ficaram descalibrados por voarem no centro.

Segundo a informao que os jornais locais revelavam, o helicptero veio de Braslia, emprestado pelo
Governo Local. O tempo que demorou para entrar em cena, as objees ao seu uso, o atraso em lanar
mo de um equipamento aerotransportvel, a rapidez com que se desincumbiu da sua tarefa sem realizar
alguns sobrevos de confirmao tudo isso mostra tambm a fragilidade de um esquema que, no caso de
um acidente em Angra I, poderia ser expresso em muitas vidas perdidas.
A mais difcil constatao, em Goinia, aconteceu quando os tcnicos da Comisso Nacional de Energia
Nuclear se reuniram para uma srie de debates abertos. Ao longo desses debates, descobriu-se que a
Comisso, incumbida no Brasil das pesquisas sobre a desintegrao do que h de mais intimo na matria,
era tambm completamente desintegrada. Os tcnicos, refugiados na sua especialidade, recusavam-se a
falar sobre a responsabilidade pelo acidente, sobre o projeto nuclear ou mesmo sobre o destino do lixo
atmico. S aceitavam conversa em torno das questes colocadas pelo acidente: descontaminao, medidas
de segurana e retirada do lixo do centro da cidade.
Nos primeiros quinze dias do acidente, o Presidente da Repblica manteve uma distncia olmpica dos
acontecimentos. Notcia publicada no Jornal do Brasil dizia que fontes do Planalto no confirmavam
nenhuma ida do Presidente a Goinia, sob o argumento de que nada havia a fazer l. Mais tarde, realizouse uma visita de improviso, destinada a tranqilizar a populao, marcada por uma srie imprudncias em
relao s regras mnimas de segurana.
O Ministro da Sade no se abalou para constatar in loco a capacidade da medicina nuclear no Brasil. No
visitou nenhum dos hospitais nem se manifestou sobre o assunto, que no conseguiu estabelecer nenhuma
conexo entre o que se passou em Goinia e sua responsabilidade. Colapso total.
Uma deciso que vigorou todo o tempo em Goinia foi a abertura dos tcnicos da CNEN para que seu
trabalho fosse vistoriado no campo. Corriam de um lado para outro, realizando debates para os quais
no estavam preparados, em termos polticos, e pareciam sinceramente preocupados com a transparncia.
Mas o que queriam transparente tornava-se opaco porque compartimentavam o tema de discusso,
estabelecendo uma srie de tabus. Alm disso, fato que a Sociedade Brasileira de Fsica, atravs do relatrio
de Luiz Pinguelli Rosa, registrou, no conseguiram condies para apresentar um novo inventrio do
csio encontrado, nem um boletim tcnico que desse uma noo quantificada e diria do trabalho de
descontaminao. Diziam: tudo bem, as coisas esto sob controle, mas no conseguiam demonstrar, com
uma linguagem que tanto respeitam, a prpria progresso do trabalho.
A abertura para que seu trabalho fosse vistoriado, entretanto, foi vital para que outras pessoas pudessem
colaborar com ele e tentassem estruturar, do lado da sociedade, o mnimo de defesa para uma situao
crtica, que no podia ser administrada s pelo Governo. Ainda mais um Governo que manda os tcnicos
e se afasta das tarefas dirias de contornar o pnico e envolver a populao numa contribuio positiva
luta contra a radioatividade.
O primeiro aspecto da vistoria ao trabalho no campo tinha como objetivo delimitar medidas mnimas que
humanizassem o tratamento s vtimas. Uma das preocupaes elementares era exatamente com o grupo
de catadores de papel e trabalhadores no ferro-velho, atingidos por invisveis raios gama, monitorados por
homens de macaco amarelo, fechados em enfermarias onde s apareciam pessoas com roupas e aparelhos
especiais, apenas com os olhos mostra. Como estavam reagindo a esse brutal afastamento de seu meio,
como se sentiam sendo observados intensamente pelos mdicos, as vezes separados entre si por cortinas
de chumbo?
O primeiro ponto de referncia era o Estdio Olmpico em Goinia. O estdio ficava relativamente perto
do Bairro Popular, e, desde cedo, filas quilomtricas se formavam diante dos portes, deixando entrar um
a um os candidatos ao teste do nvel de radioatividade em seu corpo.
A sensao inicial diante dos altos portes de arame, com policiais montando guarda, era de uma
estrutura militarizada. Mais de 50 mil pessoas passaram por ali mas grande parte delas tinha medo at
de se aproximar. O que aconteceria l dentro, se descobrissem alguma coisa de anormal? At que ponto
confiavam que aqueles portes no se fechariam atrs deles, para sempre?

Apesar disso, houve uma grande resposta popular ao exame mais simples. Uma equipe de doze tcnicos
chefiados por Donald Binns, um funcionrio com experincia internacional, checou pacientemente a
populao de Goinia, encontrando quase 300 casos de contaminao. Houve situaes em que as pessoas
tinham as roupas contaminadas, mas o nvel de radioatividade no corpo era quase nulo. Foi o caso de um
menino de rua que chegou com uma camiseta altamente radioativa, e, quando ficou sem ela, o nvel baixou
radicalmente.
O exame mais elementar do trabalho no Estdio Olmpico deixava uma srie de perguntas no ar. A fila era
uma maneira adequada para agrupar as pessoas que esperavam o exame? Ser que os contaminados no
teriam medo de aparecer num lugar assim, guardado pela polcia? O que era feito com roupa contaminada
que os tcnicos, pelo mesmo no principio, recolhiam quase diariamente?
No havia nenhuma idia melhor para fazer com que as pessoas esperassem o exame. A nica soluo
que talvez pudessem dar um pouco mais de racionalidade quela espera seria uma passagem rpida dos
tcnicos, que se moveriam ao longo da filha, em vez de esperar que o pblico chegasse a eles. Na prtica,
esta questo no teve nenhum peso, uma vez que as pessoas de uma certa forma atingidas pelo csio no
estavam contaminando as outras, quando foram detectadas no Estdio Olmpico.
Quanto s roupas, foram armazenadas em trs grandes tambores e se tornaram tambm lixo radioativo. O
nico problema, nas primeiras semanas, era que o lixo radioativo ia sendo deixado sempre no lugar onde
era encontrado, por falta de uma definio sobre o seu destino, ainda que fosse um destino provisrio, de
pouco mais de um ano. Por menos radioativos que fossem aqueles tambores, guard-los num estdio de
futebol, no centro da cidade, era uma anomalia, s inteligvel pela situao de emergncia em que Goinia
foi colocada.
O medo de ser submetido a um exame era de longe o dado mais importante para se trabalhar ali. Donald
Binns confirmou que muitas pessoas contaminadas no tinham tido coragem de se aproximar. Foi necessrio
criar uma estrutura especial para recolher os pedidos de exame na casas dos prprios interessados que
no tinham coragem de aparecer. Foi assim que se detectaram alguns casos de contaminao. O medo era
justificado no s pelo destino dos doentes que apareciam na tev, cobertos de mscara, como tambm pela
discriminao que j se esboava nas ruas. Os mdicos e tcnicos quantificavam a radioatividade recebida
por cada um e sabiam que num certo nvel no representavam perigo para os outros. Mas quem ia passar
a mesma certeza para vizinhos e parentes que no dispunham nem dessas informaes nem dos aparelhos
para consegui-las?
O ferro-velho em torno do qual se deu a tragdia do csio-137 era freqentado por catadores de papel,
e os bandos de meninos de rua que circulam por Goinia, como em qualquer outra grande cidade do
Brasil, costumavam usar os ferros-velhos para dormir. Educadores que, antes mesmo do acidente, estavam
realizando uma pesquisa entre esses meninos ficaram alarmados com a possibilidade de eles terem-se
contaminado. Mas no encontravam, nas primeiras semanas a maneira de examin-los.
Mais do que os catadores de papel, os meninos tinham pavor de polcia. Alguns deles viviam de pequenos
ganhos, furtos rpidos de uma bolsa de mulher, um cordo de pescoo, ou mesmo algum produto comercial
maio esquecido em mostrurio de loja. Todos queriam fazer um teste mas temiam chegar perto da polcia.
Pouco adiantava tentar convenc-los de que os tcnicos vestindo macaco no iriam lev-los para a cadeia.
Radiopatrulha, radioatividade, associaes inconscientes, mais o instinto de preservao diante da violncia
policial, os deixavam com um p atrs.
Foi preciso um arranjo especial. Os tcnicos se descaracterizaram e, com roupas comuns, foram encontrarse com os meninos nas praas da cidade. Nenhum deles estava contaminado, mas era uma medida de
segurana indispensvel. Apesar de tudo isso, os jornais de Goinia anunciaram a deteno de quatro
meninos, sob suspeita de estarem contaminados. O medo que tinham da polcia era plenamente justificado.
Eles so presos porque no tm pais ou casa, porque na tm emprego nem cara de meninos comportados.
Por que deixariam de ser presos logo agora, numa situao de quase calamidade?
O segundo espao que foi vistoriado, a Funabem de Goinia, tinha como finalidade deixar em observao
as pessoas contaminadas levemente. Esses critrios acabaram sendo um pouco diludos pela dinmica de

cada caso. De qualquer maneira, depois do Estdio Olmpico, o prdio da Funabem era o prximo ponto
da escala. A partir dele, os pacientes eram mandados para o Hospital do Inamps ou para o Hospital Naval,
no Rio.
Apesar de estarem contaminadas levemente, as 27 pessoas abrigadas na Funabem no nos pareceram em
bom estado. De um lado, havia o estado psicolgico e alguns deles estavam muito preocupados com os
parentes. A me de Leide, a menina que comeu o p de csio, tinha quase toda a famlia internada.
Na Funabem, o trabalho era orientado por um medico da Comisso de Energia Nuclear, amparado por
tcnicos que mediam constantemente o nvel da radioatividade de duas assistentes sociais. O espao e as
instalaes improvisadas eram mais ou menos do gnero que se usa durante as grandes enchentes. So
colocados colches no cho, arma-se uma cozinha e o prdio funciona como uma residncia coletiva.
As trs crianas com que tivemos contato estavam doentes, duas com caxumba e uma com febre de 39 graus
e sem diagnstico. No se podia definir com clareza at que ponto a combinao do estado psicolgico pela
sada de casa em condies de subnutrio era a responsvel nica por aquelas doenas. A verdade que,
pairando sobre todos os problemas havia outro, o da contaminao por csio com as perturbaes que traz
ao sistema defensivo do organismo.
Na cozinha, preparando um caf, uma das mulheres grvidas atingidas pelo csio. Estava no quarto ms
de gestao, aparentemente tranqila com a notcia de que poderia voltar para casa em pouco tempo. Os
mdicos da CNEN garantem que ser feito um acompanhamento do caso, mesmo depois de nascida a
criana. O fundamental seria garantir um nvel de exames detalhados antes do parto e uma promessa de
que a gestante teria todas as informaes necessrias para tomar uma deciso.
Se essas medidas em geral no so aplicadas nem na medicina cotidiana no Brasil, talvez seja esperar muito
que aconteam num plano a longo prazo de acompanhamento das vtimas de csio. Mas a informao
vital porque sua falta est na base de muitos problemas extraordinrios que um acidente nuclear apresenta,
num pas de Terceiro Mundo.
Na prpria enfermaria improvisada da Funabem assistimos a um dilogo importante entre o medico e um
dos catadores de papel que tiveram contato com a bomba de csio. Foi mais ou menos assim:
Como , melhorou?
Melhorei, doutor.
Est sentindo dor no p?
Melhorou, doutor, com a pomada melhorou.
timo.
Doutor: passei um pouco da pomada naquele outro lugar.
Que outro lugar? A pomada para passar no p.
Pois , doutor, mas estava coando naquele lugar.
Que lugar?
Meu pinto, doutor.
Era, entretanto, no hospital do Inamps em Goinia que a situao mais dramtica se revelava, porque
expressava a diablica combinao entre uma tragdia ultramoderna e precrios meios culturais e
materiais. O hospital considerado um dos melhores da cidade e no se pode afirmar que a medicina em
Goinia esteja atrasada, em relao a outra capital brasileira do mesmo tamanho. Diz-se que, no campo do
atendimento a queimaduras, realizam um dos melhores trabalhos do mundo.

Um detalhe: quando as pessoas atingidas pela radioatividade entraram no hospital, os funcionrios estavam
em greve. A greve que comeou, era feita por reivindicaes rotineiras, acabou se prolongando porque
grande parte dos funcionrios no queriam se envolver com vtimas da radiao.
Nas primeiras e decisivas semanas de atendimento o hospital estava meio deserto, meio inativo, foi quando
vistoriamos o trabalho, dentro dos limites de segurana mnima.
A enfermaria ficava no segundo andar e na porta havia um cartaz com letras vermelhas escritas a mo.
O cartaz proibia a entrada e avisava da presena de doentes atingidos pela radioatividade. Uma jovem
enfermeira aproximou-se da porta de vidro com a comida dos pacientes, bateu na porta, esperou alguns
instantes e algum entreabriu a porta, recolheu os pratos e devolveu a bandeja. Foi nesse instante que
estabelecemos contato com a equipe mdica, que nos convidou para um encontro na sala de reunio, dentro
da enfermaria.
No interior da enfermaria, vislumbramos alguns vultos vestidos de amarelo que apareciam e sumiam
nos corredores. L de fora, as cigarras continuavam a cantar. Tnhamos dvidas sobre a convenincia de
estar ali, sem roupa e equipamento adequado. Mas era apenas a sala de reunio, e o chefe da equipe iria se
encontrar conosco logo em seguida. Em poucos minutos, ele apareceu vestido de amarelo. Usava culos e
esta era a nica coisa que se podia conhecer dele, naquele instante. Retirou a mscara, e ento viu-se que
era um homem em torno dos 30 anos. Tirou as luvas, estendeu a mo ela estava branca, cheia de pedaos de
algodo. Quando nos demos as mos, percebeu que hesitei, inconscientemente, porque no havia entendido
aquela brancura, assim de supeto. A falou comigo como se eu estivesse perdido, precisando voltar
realidade depois de uma sbita amnsia:
Est com medo de mim? Que isso? Sou seu vizinho. Tambm moro na Lagoa. Passeamos pelos mesmos
lugares.
Seu nome Alexandre Rodrigues de Oliveira, um mdico da Comisso Nacional de Energia Nuclear que
trabalhou alguns anos no Instituto Curie, na Frana. O estgio no exterior trouxe inmeras informaes
novas, mas a equipe brasileira vivia pela primeira vez uma responsabilidade de cuidar diretamente de
pacientes atingidos pela radioatividade. L na Frana, o trabalho de assistente era relativamente confortvel
diante das inmeras decises que tinham de tomar agora.
A equipe de mdicos brasileiros estava tomando decises sozinha? Alexandre informou que em alguns
momentos utilizava o telefone para consultas internacionais. Seu estgio no exterior fora realizado sob a
gide de Agncia Internacional de Energia Atmica, e aos contatos feitos durante o trabalho somavam-se
os contatos pessoais que realizara como pesquisador. Quando perguntei sobre outros acidentes com csio137, imediatamente tirou da sua bolsa um documento elaborado por ele e publicado numa revista francesa.
um levantamento dos acidentes radiolgicos acontecidos entre 1945 e 1985, portanto pr-Chernobyl,
mas nem por isso menos importante, pois uma tentativa de sintetizar o conhecimento humano sobre tais
acidentes.
Na sala de reunio, Alexandre trabalhava diante de um quadro tambm pintado a mo, com tinta vermelha,
indicando o estado de cada paciente e suas variaes hematolgicas. Perguntei em primeiro lugar se havia
experincia internacional especfica com csio-137, se algum, de alguma maneira, havia sido irradiado e
morrido em conseqncia do istopo. Havia, disse ele:
Li sobre o extraordinrio caso de um funcionrio blgaro que se suicidou usando csio-137. Sua histria
foi relatada por cientistas soviticos.
Alexandre no ignorava que a maioria das perguntas que lhe seriam feitas eram relacionadas com o
acidente de Goinia, mas que se tinha em vista tambm checar o esquema de segurana para o caso de
acontecer alguma coisa na Usina Nuclear de Angra, que sita pouco mais de 100 quilmetros de nossas
casas. Sem entrar em conflito com seu trabalho, uma vez que no campo nuclear tudo se reveste de segredo,
disse, claramente, que os doentes no estavam todos concentrados no Hospital Naval do Rio porque no
havia lugar para todos.

As dependncias dedicadas medicina nuclear foram construdas de acordo com normas internacionais
para que a Usina de Angra pudesse funcionar. No momento de um acidente em Goinia, elas se revelaram
pequenas, quase ridculas para a hiptese de um acidente de maiores propores. Mas esto de acordo
com as normas internacionais, uma espcie de divindade superior a tudo, que iramos encontrar em
outro momento da discusso com os tcnicos: o debate sobre o mnimo de radioatividade tolervel pelo
organismo humano.
Nos relatrios de Chernobyl falava-se muito da liberao de iodo-131 e csio-137. em algumas cidades da
Polnia, milhares de pessoas foram estimuladas a consumir iodo comum para neutralizar a ao do outro
iodo, que provoca cncer na tireide. No caso de Goinia era preciso encontrar algo para o csio-137,
exclusivamente.
Por que no tnhamos o azul-da-prssia em estoque no Brasil?
Alexandre explicou que no h necessidade estocar azul-da-prssia. No seu entender, ele deve ser produzido
de acordo com as necessidades. A funo do azul-da-prssia, remdio descoberto por um alquimista no
sculo XVIII, em Berlim, atrair o csio-137 e contribuir para que seja expelido nas fezes da pessoa
atingida.
Como explicar ento que o remdio tinha sido importado s pressas dos Estados Unidos e, segundo a
imprensa, a nova partida de azul-da-prssia tenha chegado nas malas de um cientista alemo, j bem
depois do acidente?
Alexandre, que tinha muitas informaes a dar, no chegou a responder a isso; e alguns dias depois soubese que a fabricao do azul-da-prssia era possvel no Brasil, mas no se conhecia a tcnica para fabricar
as cpsulas que o envolveriam.
Os mdicos estavam trabalhando mais de 16 horas por sai e no era correto submet-los a um bombardeio
de perguntas, naquele momento. Era evidente, no entanto, que o Hospital do Inamps no estava preparado
para tratar daquele assunto. Todos os dias enviavam fezes e urina dos doentes para serem examinados
no Rio e esperavam o resultado dos exames por mensageiros. Sequer obtiveram um telex para instalar
na enfermaria e tambm no conseguiram dar uma explicao convincente para o fato do hospital estar
funcionando precariamente. Apontavam para greve, mas isso no razo para um hospital no funcionar.
Um Governo que j avanou tanto na aventura nuclear, deveria ter condies de colocar um hospital
funcionando, mesmo em caso de greve. Bastava deslocar um grande nmero de pessoas-chave e os servios
seriam garantidos, enquanto se buscava, no front poltico um acordo com os grevistas.
Os mdicos que trabalhavam em Goinia no viam as vtimas como cobaias ou mesmo como interessantes
objetos para suas teses futuras. Afeioaram-se a elas e fizeram tudo para atenuar o sofrimento fsico e
tambm a estranha sensao de terem cado num planeta assptico, onde todos usam mscaras e caminham
cuidadosamente, medindo a radioatividade com seus aparelhos especiais.
Toda essa dedicao no conseguiu esconder a precariedade do trabalho, nem outro ponto ainda mais serie
do que a prpria precariedade. que o nuclear, militarizante na economia, revelou-se pela primeira vez no
campo da medicina, e a tambm a militarizao um dado fundamental.
Assim que foram detectados, os catadores de papel deixaram de ser donos de si mesmos e seus corpos
tornaram-se um segredo de estado. As instalaes no Hospital Naval foram fechadas imprensa, que
s poderia acompanhar os acontecimentos do outro lado da rua. Qualquer tentativa de furar o bloqueio
era respondida a tiro. Pelo menos foi isso que se depreendeu do comportamento dos guardas quando um
grupo de fotgrafos avanou alm dos limites. Um tiro para o ar, argumentavam os militares. De qualquer
maneira, uma resposta inslita para se dar na porta de um hospital.
Ningum pode verificar no interior do hospital Naval as suas condies de funcionamento. Notcias
veiculadas pelo jornal do Brasil indicam que numa srie de imprudncias cometidas no tratamento das
vtimas obrigou o Hospital a arrancar os azulejos e o piso dos banheiros da enfermaria. Essa dependncia
est constantemente fechada e nunca a mostraram aos jornais.

A incomunicabilidade dos doentes era quase total. Alguns puderam passar telegramas para a famlia,
pedindo notcias. Mas no houve nenhuma iniciativa do Governo Federal no sentido de dotar a enfermaria
de um telefone com que pudessem falar com os parentes. Depois de alguns entendimentos, o Governo de
Gois se disps a contribuir para a quebra de incomunicabilidade. Aceitou a idia de montar um telefone
ligando vtimas e parentes. Surpreendentemente, a proposta foi radicalizada e o Governo anunciou,
atravs dos jornais de Goinia, que um computador seria colocado disposio dos pacientes. No universo
assptico em que foram encerrados, dificilmente teriam algum prazer em se comunicar por um computador
que roubaria a voz de seus parentes.
Desde o momento em que os pacientes foram examinados no Estdio Olmpico at o momento de seu
enterro no Cemitrio Parque de Goinia, o nuclear revelou a capacidade de militarizar cada passo da
medicina, transformando-a numa atividade secreta, protegida por guardas armados que s desaparecem de
perto dos corpos quando sepultados em caixes de chumbo, recobertos por uma camada de concreto.
Da a precariedade com que se acompanhou a situao das vtimas. Qualquer exame elementar tenderia a
buscar comparaes com um acidente nuclear de maiores propores e o resultado seria desfavorvel ao
complexo cientfico militar que se armou em torno do tomo no Brasil.
O conjunto de omisses, meias verdades e notcias cuidadosamente filtradas no consegue impedir o
surgimento de uma conscincia crtica sobre s precrias condies da medicina nuclear no Brasil. para
comear, existe uma experincia internacional, sobretudo aps Chernobyl, que nos d a chance de avaliar
o trabalho e chamar a ateno para suas inconseqncias.
Logo aps o desastre de Chernobyl, o Dr. Henry Jammt, presidente do Centro Internacional de
Radiopatologia de Paris, fez um alonga viagem pelos pases do Leste e chegou at Moscou, onde avaliou
pessoalmente o tratamento das vtimas de Chernobyl. Ele considerado um dos maiores especialistas do
mundo, e sob sua superviso foram tratadas no Hospital Curie 425 vtimas de irradiao acidental vindas
do mundo inteiro, da Iugoslvia Arglia.
O depoimento do Dr. Henry Jammet no foi feito em vo. Sua viagem, pedida pelo Governo francs, tinha
como objetivo dotar os pases da Comunidade Europia de um poltica de informaes e decises mais
adequadas, depois do que se presenciou em Chernobyl.
A viagem de estudos de Jammet foi extraordinariamente facilitada pelo fato de que a chefe do tratamento
s vtimas de Chernobyl, Angelina Gouskova, era sua amiga de 20 anos. Alm dela, participou ativamente
dos trabalhos, a convite do milionrio americano Hammer, o especialista em transplante de medula ssea,
Dr. Robert Gal.
Segundo o relatrio Jammet, um dos pontos que perturbaram o trabalho de Gal, interessado no transplante
de medula, foi o fato de os pacientes em estado grave no estarem praticamente produzindo glbulos
brancos. Essa evidencia acabou levando o tratamento para outros caminhos, sobretudo para a transfuso
de concentrados dos elementos do sangue. A terapia que parece ter-se consagrado em Chernobyl, a julgar
pela experincia do Dr. Jammet, extremamente difcil. Ele se lembra do caso de argelinos contaminados
com irdio-192, tratados na Frana, para cuja salvao foi necessrio mobilizar seis novos centros de
transfuso de sangue.
Ao comentar a experincia do Dr. Jammet, o chefe do Instituto de Proteo e Segurana Nuclear (IPSN)
da Frana, Dr. Jacques Lafuma, admitiu, numa entrevista ao Le Monde, que as capacidades de seu pas no
permitiriam tratar mais de quarenta pessoas gravemente atingidas pela radioatividade:
Isto diz ele porque no existe na Frana mais do que uma dezena de mdicos capazes, no de tratar
(os meios para isto no faltam), mas capazes de decidir a terapia a aplicar. Pacientes nesse estado requerem
cuidados a todo instante, e mobilizam, conseqentemente, um considervel pessoal mdico.
As concluses dos cientistas franceses caminham para admitir que nenhum pas do mundo teria base
suficiente para tratar uma multido de irradiados. Alem disso, constatam com certa apreenso que
a experincia mdica est nas mos de homens entre 55 e 65 anos que necessitam transmitir seus

conhecimentos urgentemente s novas geraes, de forma a capacit-las ao uso de terapias adaptadas,

muito mais eficazes do que o transplante de medula.
Se o acidente de Goinia quase superior capacidade de um dos maiores centros radiopatologia do
mundo, de se esperar que transcendeu em muito tambm ao incipiente potencial brasileiro.
S com um exame mais detalhado e cientfico das terapias adequadas se poder dizer com tranqilidade
onde aconteceram os erros. Uma coisa, entretanto, a simples leitura dos jornais revela. O Brasil est
pobremente preparado para transplante de medulas e no tem condies tcnicas para realizar transfuses
macias de concentrados de sangue e isto, num acidente na Usina de Angra dos Reis, seria fatal para
milhares de pessoas.
Foi comprada s pressas, nos Estados Unidos, a mquina que processa os concentrados do sangue, chamada
CS 3.000. a mquina s chegou, acompanhada de dois tcnicos capazes de mont-la, quando se configurou
uma situao onde o transplante de medula no seria indicado. Custou cerca de 100 mil dlares ao Brasil,
mas revela que a lio de Chernobyl praticamente no se fez sentir, num pas em crise econmica, voltado
mais para a produo da energia nuclear do que para a segurana.
A compra da maquina no resolve todos os problemas e a questo do transplante de concentrados de
sangue em grande escala, assim como das terapias adequadas, permanece aberta. Ainda mais, porque
o nvel de desencontro entre o reduzido ncleo que se preparou para a medicina nuclear no Brasil e o
restante dos mdicos e habitantes do pas praticamente total.
No final de sua viagem por alguns pases da Europa, o Dr. Jammet concluiu que o nvel de informao
sobre a radioatividade e seus efeitos era muito pobre entre os prprios mdicos. E aconselha seu ensino em
todas as escolas para que, em caso de acidente, se possa ter tambm um comportamento mais previsvel.
Essas observaes aplicada ao Brasil, no caso do acidente de Goinia, mostram que os efeitos da ignorncia
foram muito devastadores para que se possa arquitetar um projeto nuclear, secreto, conduzido por poderosos
burocratas militares e cientficos. O tempo em que as vtimas correram os hospitais e pronto-socorro de
Goinia, sem que se formulasse uma hiptese para as alteraes epidrmicas, foi muito longo. Da mesma
maneira, o trabalho de recolher e isolar a fonte de radioatividade foi realizado sem as mnimas medidas
de segurana e pode ter afetado as pessoas que o realizaram. Isso sem falar na inexistncia de um infraestrutura mnima na cidade de Goinia, para que se pudesse medir a radioatividade sem a participao dos
tcnicos do Governo federal, que s partiram do Rio quando a situao se mostrou grave.
Para que se tenha idia da precariedade: havia um aparelho em Goinia e foi usado para testar o perigo
antes da chegada dos tcnicos. O aparelho mediu a radioatividade em torno do palcio do Governo, e
registrou um ndice maior do que aquele que havia no ferro-velho, onde a fonte foi desmembrada da sua
proteo de chumbo. Estava descalibrado.
Esse abismo de informao ficou mais grave ainda no trabalho de descontaminao e isolamento das reas
atingidas. Os tcnicos, em alguns lugares, isolaram as casas com cordas e deixaram vigias, de modo geral
um soldado da PM de Gois. frente de cada uma das reas havia um cartaz indicando radioatividade e
proibindo a entrada, assim como o smbolo internacional da radioatividade, pintado de preto num fundo
amarelo.
Os dispositivos de segurana no levaram em conta o alto ndice de analfabetismo no Brasil, nem a evidencia
de que somente uma minoria conhece o smbolo da radioatividade. Tudo indica que essa apreciao levou
a uma serie de equvocos e incidentes, que tornaram as coisas mais graves ainda.
O primeiro incidente registrado pelos jornais de Goinia foi a entrada de um ladro na casa de um dos
donos do ferro-velho, Ivo, o pai da menina Leide. Aproveitando-se do precrio esquema de vigilncia, o
ladro entrou na casa e levou um aparelho de tev e um de som. Foi preso dois dias depois, sendo o material
recolhido. Nesse momento o prprio Governo comeou a se alertar para a urgncia de uma indenizao e
localizao das pessoas retiradas de suas casas. Enquanto continuassem em abrigos provisrios, a tentao
de voltar a casa para buscar algumas coisas de estimao ou mesmo um objeto de utilidade continuava
sendo muito forte.

Na rua 57 e nos restantes sete pontos contaminados, o que se via quase sempre era um sonolento soldado
e bichos entrando e saindo vontade. Quantas vezes as reas foram violadas mais um dos mistrios que
sero enterrados com o lixo atmico.
O trabalho com os animais contaminados revelou-se tambm confuso e cheio de contradies. Ao que tudo
indica, no havia pesquisa sobre o assunto, e no princpio, nem se deu importncia a ele. Mas Goinia tinha
mais de mil pombos e eles voavam por todos os bairros, inclusive o Popular.
Desde o primeiro momento, os tcnicos foram questionados sobre isso. Os pombos voavam de um lugar a
outro, os pssaros pousavam nas rvores. O que aconteceria com eles? No se deu muita importncia at
perceber que os pombos eram realmente um dado no cotidiano da cidade.
Num dos ltimos debates com o Prof. Jos Jlio Rosenthal, ele admitiu que os tcnicos tinham ido s
pressas checar um pombo morto na rua, sob suspeita de contaminao. Naquele momento, comeavam a
aparecer denncias sobre a morte dos pombos e era evidente que mesmo a morte natural dessas aves, num
contexto de acidente nuclear, ganhava uma outra dimenso.
A deciso de checar os pombos mortos foi uma correo de rota. Alm de ser uma medida de segurana
importante, iria contribuir para aclamar a populao, que j no via os pombos como o smbolo da paz, mas
sim como pssaros transformados, que, ao invs de um ramo de oliveira, podiam estar trazendo no bico um
pouco do p brilhante que aterrorizava a cidade.
Foram grandes e perigosas as hesitaes em torno dos seis porcos contaminados que a CNEN resolveu
isolar em Aparecida de Goinia. Em vez de sacrificar imediatamente os porcos e acondicion-los nos
tambores de lixo radioativo os tcnicos mais pareciam no saber o que fazer. Os porcos recebiam comida da
mo de crianas que se aproximavam perigosamente deles. Nas circunstncias em que estavam, os animais
poderiam at ter escapado.
O que marcou mais a hesitao no trato com os animais contaminados foi o atraso no caso do cachorro
Sheik. Ele foi abandonado na casa de um dos catadores de papel que abriram a bomba de csio-137. a casa
estava contaminada e o cachorro ficou mais 20 dias sem comer nem beber gua direito. Quando foi retirado
pelos tcnicos, respirava com dificuldades e quase no se mexia.
No seu sofrimento silencioso, Sheik j se havia transformado num cachorro atmico, seu corpo era uma
transio do animal para o mineral, como se os fragmentos de chumbo e concreto que iriam compact-lo
para sempre j estivessem colados no seu corpo.
O cachorro foi retirado cuidadosamente, guardado numa tenda de plstico, espera de uma deciso sobre
seu destino. Com base em dados internacionais, sobretudo nas anlises dos pacientes de Hiroshima e
Nagasaki, a sada era sacrificar os animais imediatamente. Referido-se s vtimas de Hiroshima, Holger
Strhom, no livro Caminhamos sabiamente para a Catstrofe, afirma:
A morte rpida ainda o destino mais clemente.
No entanto, Sheik ainda teve de sofrer muito na sua tenda de plstico, antes de ser sacrificado. No princpio
falou-se em observaes cientficas, como se fosse possvel realizar observaes cientficas em cobaias nessas
circunstncias. Depois, anunciou-se que seria enviado para a Alemanha e examinado por especialistas. Era
uma expectativa fantasiosa, pois se os alemes estivessem interessados seria mais provvel que viessem at
Goinia do que fazer o cachorro viajar nessas circunstncias.
Os tropeos iam se dando num nebuloso espao tcnico onde nem sempre era possvel entrar. Pressionados
pela divulgao de vrias notcias simultaneamente, os jornalistas mal tinham tempo para desenvolver
cada uma delas. Mas foi chegando o momento em que o verdadeiro calcanhar-de-aquiles de todo o projeto
nuclear iria aparecer para todos, com luminosidade mais intensa que a do prprio csio-137. Esse momento
se deu quando comeou a discusso em torno do lixo atmico.
As toneladas de lixo atmico que se produziram em Goinia iriam, a partir daquele instante, pesar muitas
vezes mais nas costas de um Governo totalmente despreparado para enfrent-las.

O primeiro momento foi decidir tirar o lixo atmico do centro de Goinia. O csio-137, segundo os
especialistas, tem uma vida mdia de 30 anos, mas certamente ainda levar um sculo antes que perca seu
pode de destruio.
Era uma emergncia retir-lo do centro de uma cidade com um milho e meio de habitantes. Mas para
onde? A Comisso Nacional pleiteou um lugar na periferia de Goinia e o Governo indicou um terreno do
Banco do Estado. Ficava numa rea habitada e, quando os tratores e mquinas chegaram a Vila Pedrosa
(esse era o nome do lugar), a populao enfurecida impediu que funcionassem. Intuitivamente, os moradores
compreenderam que aquilo iria trazer problema e se anteciparam a eles.
Surgiram com isso novas e importantes tenses entre os Governos estadual e federal. Novas, porque a
primeira tenso era, sem dvida, em torno da responsabilidade pelo acidente. O Governo federal era quem
deveria fiscalizar a bomba de csio abandonada. Mas h um decreto de 1976 que comunica responsabilidade
tambm aos Governos estaduais. Contudo, como essa discusso iria se alongar por muito tempo e havia
sempre a recndita esperana de que o inqurito policial condenaria somente os catadores de papel pelo
roubo da bomba de csio, o eixo da contradio passou a ser o lixo atmico.
O governo estadual recuou da deciso de guardar o lixo no lugar que fora designado anteriormente e
passou a defender sua retirada do Estdio de Gois. Sua nica concesso era concordar com um lugar
intermedirio no interior, para que o material fosse devidamente acondicionado antes de seguir para o
destino final. Portanto, sua deciso foi aceitar o lixo atmico por algum tempo, enquanto se fizessem os
debates cientficos sobre onde guard-lo.
Diante dessa nova realidade, o Governo federal resolveu indicar um lugar definitivo para o lixo atmico: a
Serra do Cachimbo, no sul do Par. A Serra do Cachimbo j havia sido objeto de manchetes da imprensa
porque a Folha de So Paulo ali descobrira escavaes de 320 metros, possivelmente realizadas para testes
atmicos subterrneos. uma rea reservada pela Aeronutica, que nela construiu um aeroporto maior
do que o da cidade de Belm.
O primeiro anncio sobre a Serra do Cachimbo como depsito do lixo atmico foi feito pelo prprio
Presidente da Comisso de Energia Nuclear, Rex Nazareth. Apesar de toda repercusso negativa, ele
voltou a confirmar a deciso na sada do palcio do planalto, depois de um encontro com o Presidente da
Repblica.
No dia seguinte ao anncio, o jornal O Globo publicava um documento da prpria CNEN descrevendo
as condies adequadas para o depsito de lixo atmico. E de acordo com o documento, um dos ltimos
lugares do mundo seria precisamente a Serra do Cachimbo, entre outras coisas por causa de seu alto ndice
pluviomtrico, 2.500 milmetros, quase cinco vezes mais do que o aconselhvel. Alm disso, a Serra era um
acentuado aclive. Os lenis freticos da regio poderiam ser atingidos, importantes rios dependiam da
Serra do Cachimbo, sobretudo o Tapajs, que nela nasce.
O golpe fatal, de um ponto de vista tcnico, j fora dado pelo relatrio da Sociedade Brasileira de Fsica,
assinado por Luiz Pinguelli Tosa, Fernando Souza Barros e Anselmo Paschoa. O documento analisa
as semelhanas entre as perfuraes na Serra do Cachimbo e as realizadas para as exploses nucleares
subterrneas realizadas no Nevada Test Site. Embora tenha sido dirigido antes do acidente de Goinia,
no deixava dvida de que o buraco na Serra do Cachimbo era pouco mais embaixo e seu objetivo consiste
mesmo em testar bombas:
Tal perfurao, afirma o documento da Sociedade Brasileira de Fsica, no se presta, absolutamente, ao
armazenamento dos rejeitos radioativos dos reatores nucleares de Angra dos Reis, quer pelas suas dimenses,
quer pela sua geometria, restando apenas a hiptese de outro tipo de rejeito radioativo, produzido em
reduzidas quantidades, eventualmente por reatores pequenos, sendo eliminados desta hiptese os reatores
de pesquisa conhecidos, de So Paulo, Rio e Belo Horizonte, por ser diversa a destinao do combustvel
irradiado neles.

A estava um dos pontos centrais do uso da Serra do Cachimbo. Ou a Serra havia sido destinada a exploses
subterrneas, ou as escavaes foram realizadas apenas para guardar lixo atmico dos experimentos
secretos dos militares. A concluso dos fsicos no deixa muita margem dvida:
Pela literatura tcnica e cientfica tal perfurao tem profundidade compatvel com as perfuraes que
foram utilizadas em exploses nucleares subterrneas com potncia da magnitude de quilotons (milhares
de toneladas de TNT), do tipo daquelas catalogadas no programa norte-americano de teste Plowshare,
para fins pacficos, sobre os quais se conhecem detalhes tcnicos publicados.
Enquanto o debate se limitava a uma definio tcnica, o Governo se sentia confortvel, talvez pela velha
premissa de que a maioria no vai entender nem acompanhar o assunto. Mas as variveis polticas se
confundiam com as tcnicas e a defesa da Serra do Cachimbo como depsito de lixo atmico tornou-se
insustentvel.
A primeira reao veio do prprio Governador do Par. No podia compreender como que o Estado,
to importante por suas riquezas naturais, responsvel por grande parte da produo de minrios, fora
escolhido como a lixeira do pas. Ao mesmo tempo em que deixava que fosse conhecida a sua posio
poltica, o Governo do Par iniciou um processo de consultas destinado a barrar, na justia, a deciso de
enviar o lixo atmico de Goinia para a Serra do Cacnhimbo.
Foram os ndios caiaps que fizeram a demonstrao mais espetacular, deslocando-se para Braslia,
danando defronte do Palcio do Planalto e arrancando do Presidente da Repblica a promessa de que
voltaria atrs. Os ndios falavam pelos habitantes das pequenas cidades prximas da Serra do Cachimbo e
tambm por mais de 80 mil garimpeiros espalhados na regio.
De todas as demonstraes, a mais popular foi a realizada durante o Crio de Nazar, a grande festa
religiosa do norte do pas. Uma centena de manifestantes entrou na procisso com cartazes e mscaras
de protesto e foi, progressivamente, ganhando apoio dos fiis, estimulados tambm pelas declaraes das
autoridades catlicas do Par, contrrias ao depsito de lixo atmico. Os participantes do Crio de Nazar
viveram na realidade a grande cerimnia poltica do ano, porque manifestantes que protestavam contra a
violncia dos latifundirios do Par tambm estavam presentes. Os dois movimentos se uniram ao longo
do caminho, simbolizando dramaticamente as contradies de um Brasil incapaz de realizar a mesmo
tempo uma aspirao do sculo passado, a reforma agrria, e uma aspirao do sculo XX, a superao do
projeto nuclear.
Quando o Governo federal desistiu de enterrar o lixo atmico na Serra do Cachimbo, menos de duas
semanas depois de anunciar que l era o lugar ideal, no teve sada a no ser improvisar em outra direo.
Foi enviado ao Congresso um projeto segundo o qual cada Estado da Federao seria responsvel pelo
destino do lixo atmico produzido dentro dos limites de seu territrio. O Governo estava apenas querendo
ganhar tempo, pois, no momento em que enviou seu projeto ao Congresso, os deputados discutiam a nova
Constituio do Pas e no pareciam interessados nesses detalhes, uma vez que boa parte dos polticos
brasileiros no atribuiu importncia ao problema nuclear.
Um pouco s tontas, o Governo brasileiro comeava a mergulhar publicamente no dilema no qual caram
algumas equipes estrangeiras mais bem preparadas do que ele e naufragaram, de uma forma menos
ostensiva, mas naufragaram.
muito possvel que a deciso de atribuir a cada Estado a responsabilidade guardar seu lixo atmico
tenha se inspirado na situao norte-americana. Ali existe uma determinao de se guardar os rejeitos
nos Estado, mas simultaneamente h uma distino entre o lixo de baixa e o de alta radioatividade. Uma
outra diferena que o lixo atmico nos EUA produzido em diferentes Estado, ao passo que no Brasil
basicamente, no que diz respeito alta radioatividade, produzindo num s Estado, ironicamente o que tem
maior densidade habitacional.
A prpria Inglaterra, que trilhou vrios caminhos de pesquisa nesse campo, acabou tambm num impasse.
Tal impasse, no fundo, j estava nas previses de um dos menos eufricos participantes do Projeto

Manhattan que resultou na bomba atmica. Em 1952, James Conant, ento presidente da Sociedade
Americana de Qumica, afirmava:
A energia nuclear vai sucumbir porque o projeto dos rejeitos de alta radioatividade insolvel.
Por via das dvidas, apesar de tantas tentativas de equacionar o problema, os ingleses foram jogando
tudo no mar, desde 1950, poluindo a costa da Irlanda com quase uma tonelada de plutnio. A disposio
de jogar no mar no impedia um certo cinismo internacional, pois em 1958 a Inglaterra foi signatria da
Declarao das Naes Unidas, que dizia:
Todo Estado deve tomar medidas para impedir a poluio dos mares com a descarga de rejeitos
radioativos, levando em conta todos os padres e regulamentos formulados pela organizao internacional
competente.
S em 1983, pressionada pelos marujos, por organizaes como a Greenpeace e at por sindicatos de
outros pases, a Inglaterra abandonou a prtica de descarregar o lixo nos mares.
Ao longo de todo esse perodo o complexo nuclear foi, internacionalmente, solidrio no sentido de esconder
e minimizar o problema do lixo atmico. No princpio das experincias com o tomo, a esperana era de que
todos os problemas do mundo seriam resolvidos: desertos iam se tornar habitveis, carros iam se deslocar
sem necessitar a renovao de combustvel, montanhas sairiam de seu lugar. Dentro desta viso, qumicos
e fsicos nucleares no se interessavam pelo problema do lixo. Conforme acentuou o administrador da
Comisso de Energia Atmica dos Estados Unidos, entre 1947 e 1951, o assunto no tinha charme nem
fazia a carreira de ningum.
No incio da dcada dos 50, tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos, no era de bom-tom duvidar
do futuro do projeto nuclear antepondo a ele a incerteza sobre o lixo atmico. Cautelas eram consideradas
antipatriticas.
Segundo os pesquisadores Andrew Blowers e David Lowry, o primeiro acidente com lixo atmico aconteceu
em Kyshtym, perto de Chelyabinsk, na Unio Sovitica, em 58 ou 59. Isso ficou praticamente desconhecido
at que o cientista sovitico Zhores Medvedev publicou um relato completo sobre o assunto, em 1976,
quase vinte anos depois.
A literatura cientfica, entretanto, registra vrios problemas srios com o lixo atmico e um deles foi
mencionado num longo documento da revista New Scientist. Esse documento critica o complexo nuclear
de Hanford, no Estado de Washington, onde foi registrada a contaminao do lugar em que se enterrou
plutnio, com repercusses num rio adjacente rea donde o nuclear se instalou.
Mesmo sem encontrar a soluo para o problema do lixo atmico, pressionados pela opinio pblica, os
governos dos grandes paises ocidentais so obrigados a dar alguns passos que sequer foram discutidos no
Brasil. Um deles a criao de um organismo especial para tratar da questo do lixo atmico, incluindo
nesta estrutura a maneira de financiar os trabalhos. De um modo geral, cobra-se uma taxa sobre a energia
eltrica produzida, e com esses recursos monta-se o projeto. Vrios elementos so levados em conta e um
dos mais importantes a questo do transporte seguro dos rejeitos. Foram experimentados novos tipos de
containers e existe uma disposio de no passar muito perto dos grandes centros urbanos.
A improviso brasileira estupenda porque no foram sequer levantadas as rea adequadas, nem
mencionado um aspecto fundamental. Ao determinar que o lixo atmico de Goinia se deslocasse para a
Serra do Cachimbo, o Governo federal esqueceu de anunciar a inexistncia de uma estrada adequada para
a chegada das carretas com milhares de tambores.
Em quase todos os pases, a poltica de enterrar o lixo atmico encontra uma grande resistncia das
comunidades prximas. Apesar das teses fantasiosas de que no era perigoso jogar no mar, progressivamente
se viu que o mar no pode ser o espao adequado. Depois disso, tem-se falado nas profundas minas de sal,
na esperana de encontrar a soluo mgica para um problema que, na realidade, a magia e o otimismo
triunfante dos cientistas equacionaram na clebre frmula: dentro de 10 anos, encontraremos a sada. J se

passaram mais de trs dcadas desde o Projeto Manhattan que construiu a bomba atmica e continuamos
onde estvamos: sem sada.

PARTE II

A Inquientante Estranheza
A descrio do acidente de Goinia coincide com o inventrio da prpria incapacidade do Governo de
trabalhar com um tema to complexo como o nuclear. Seria, entretanto, uma iluso supor que apenas o
Governo estava despreparado, ele que j empregou milhes de dlares nessa atividade e manteve segredo
sobre seus objetivos. A sociedade que no escolheu o projeto nuclear, nem se informou sobre o que se fazia
nos bastidores, iria sofrer um impacto muito maior.
O ncleo de pessoas que se interessou pelo tema em Goinia e tentou armar uma rede nacional de apoio
para abordar o acidente compreendeu, muito rapidamente, como era injusto que isso acontecesse conosco,
no auge de uma crise econmica e sem que tivssemos reunido as condies mnimas de defesa.
Foi, entretanto, uma extraordinria lio. A denncia do projeto nuclear ou mesmo a exigncia de que o
Governo se prepare para o caso de um desastre no bastam como programa de iniciativas da sociedade.
preciso que ela se prepare independente do Governo, pois se os responsveis no apareceram em Goinia
para coordenar o plano de emergncia, entregue unicamente aos tcnicos, muito provvel que tambm
no apaream em Angra dos Reis, se houver alguma coisa por l.
Martin Amis, no seu artigo sobre o nuclear nos Estado Unidos, chama a ateno para o fato de que o
projeto, seus segredos e sua invisibilidade s vezes nos fazem sentir meio marginais, meio estranhos, sem
saber se aquela realidade que no existe ou se ns mesmos que nos tornamos fantasmas.
Foi em meio a essa estranheza que se armou um esquema defensivo no governamental que obteve xito
em muitas de suas sugestes. Mas era visivelmente pr-nuclear, em termos de uma certa eficcia e recursos
adequados.
Como no havia credibilidade no governo, colocou-se imediatamente o problema de um sistema alternativo
de medio da radioatividade. Em Goinia existiam apenas alguns contadores Geiger. Assim mesmo,
aparelhos modestos e descalibrados, grande parte deles recolhidos pela prpria Polcia Federal, que no
queria ver gente medindo a radioatividade fora dos padres oficiais.
A nica maneira de se montar o sistema alternativo era situ-lo nos limites da universidade e apelar para
a ajuda dos principais centros de estudos nucleares no Brasil, localizados em So Paulo, Rio e Minas.
Surgiram dessa idia negociaes lentas entre reitores das vrias universidades, mas por mais que tenham
caminhado, no princpio de novembro o esquema ainda no estava de p.
A existncia de um grupo alternativo com condies tcnicas de medir a radioatividade do ambiente, sem
ajuda do Governo, passou a ser um objetivo prioritrio, pois nos momentos de pnico, quando desaba a

credibilidade oficial, passa a ser um elemento estabilizador, indicando os ndices reais de contaminao
ambiental. Da mesma maneira, sua presena uma garantia de dados no falsificados, de que as dificuldades
reais no sero mascaradas pelo falso otimismo.
A montagem de um trabalho dessa envergadura depende tambm de contatos internacionais que possam
garantir uma remessa de equipamentos que mobilize os tcnicos disponveis sem deixar vazias as principais
universidades do Pas.
Um segundo ponto da fragilidade social diante de um acidente nuclear a falta de documentao sobre a
radioatividade e acidentes que j aconteceram. Aps Chernobyl houve um grande movimento de tcnicos e
um intercmbio internacional. No entanto, as informaes que surgiram da ficaram trancadas na gaveta.
Aps o acidente de Goinia, todos os documentos individuais foram retirados da pasta e as pessoas
trocaram seus dados e suas preocupaes baseadas apenas na sua biblioteca particular. Para que houvesse
mais eficcia, era necessria a existncia de um centro sobre documentao nuclear, antenado com os
principais pontos de referncia do mundo.
O mdico Alexandre Rodrigues de Oliveira, por exemplo, no seu balano de acidentes radiolgicos entre
1945-1985 registra o caso de um blgaro que se suicidou com csio-137. no momento em que as vtimas
estavam morrendo no Hospital Naval, era necessrio informao adequada sobre como se fez a autpsia
num caso como esse e, sobretudo, como se organizou o enterro para que houvesse segurana durante a
vida ativa do csio.
Um centro de documentao, de posse dos dados existentes, poderia produzir novos dados, a partir de
consultas. Era essa a nica maneira de avanar.
Uma outra tarefa urgente era impedir o isolamento social e econmico de Gois, a partir do preconceito
sobre a radioatividade. Desde a primeira semana do acidente comearam a chegar notcias inquietantes
dando contas de reservas de hotel canceladas, de suspenso de encomendas e at de tentativa de evitar o
estacionamento de carros de Goinia em outras cidades do pas.
Qualquer anlise elementar indicaria um aumento desse preconceito ao longo do tempo. Compradores de
outros Estados, aproveitando-se da crise, decidiram pedir uma reduo de 30 a 40 por cento no preo de
todos os produtos sados de Gois. Em breve, a hiptese de inviabilizao econmica do Estado aparecia
como uma realidade palpvel.
S uma grande rede nacional de solidariedade poderia simultaneamente denunciar o desastre e impedir
o isolamento de Gois. Essas tarefas somadas s tarefas de campo, ao trabalho especfico de acompanhar
a remoo do lixo atmico, de garantir o mnimo de segurana nas reas liberadas, tudo isso era demais
para uma sociedade que no estava preparada para um grande esforo; era preciso haver um movimento
de cidados com recursos para comunicaes internacionais at sofisticados aparelhos de medio da
radioatividade.
Resta saber at que ponto realmente se iniciou uma corrida contra o tempo, at que ponto possvel
montar uma infra-estrutura fora do governo para fazer frente a um novo desastre.
As propostas mais elementares, decorrentes dessas concluses, j esto sobre a mesa: grupos de estudo
sobre o nuclear, centro de documentao e informaes, debates em escolas, fbricas e universidades, alm
da criao do esquema prprio de medio da radioatividade.
Resta acrescentar um outro tpico que est altura das legislaes estaduais e mesmo municipais: a
introduo do estudo da energia nuclear nas escolas primrias, dentro do quadro de informaes bsicas
sobre a ecologia.
Estranhezas, para quem, de alguma maneira, participou do evento de Goinia, h muitas no ar. Freud
mesmo, em 1919, j tratou do problema num importante ensaio sobre a inquietante estranheza, a partir
da palavra alem unheimlich. O ensaio foi escrito durante a Primeira Guerra e quase no era possvel
intercambiar idias, em nvel internacional. O nico ponto de referencia que Freud utilizou foi um trabalho

de Jentsch, tentando alinhavar aquelas coisas, impresses e eventos que conseguem despertar em ns
sentimento de estranheza, de forma particularmente poderosa e definida. E o grande exemplo que Jentsch
escolheu para iniciar seu estudo, segundo Freud, foi exatamente a situao na qual temos dvidas se um
ser aparentemente animado est realmente vivo; ou, de modo inverso, se um objeto sem vida no pode ser,
na verdade, animado.
Independente dos caminhos que Freud vai trilhar, a partir desse ponto de referncia, o exemplo inicial do
ensaio adequado para explicar a primeira estranheza do acidente de Goinia. Em primeiro lugar nada
mais unheimlich do que um acidente nuclear numa cidade que no se dedica a nenhum tipo de atividade
com o tomo, nada menos familiar e estrangeiro do que desintegraes atmicas atingindo catadores de
papel.
O outro aspecto do exemplo ainda mais significativo, essa dvida a respeito de um morto que pode estar
vivo, ou de um vivo que pode estar morto, dominou o primeiro ms aps o acidente e poderia ser aplicada
a quase tudo que nos cercava, no que se refere compreenso do desastre e tentativa de controlar suas
conseqncias.
Conforme j di dito, os tcnicos da CNEN afirmavam que estava tudo sob controle, e seu critrio para
definir controle era o da localizao de focos primrios de contaminao e mais a certeza de que todas
as pessoas atingidas tinham uma histria, isto , ou conviveram com pessoas que estavam irradiando ou
passaram perto do csio-137.
Se verdade que todas as pessoas atendidas tinham uma histria, tambm verdade que muitas pessoas
com histria no foram atendidas, ou ignoram que sofreram algum nvel de contaminao. De acordo com
os nmeros fornecidos no Estdio Olmpico, 257 pessoas apresentaram num nvel de contaminao, ou
pelo menos receberam uma dose de radioatividade acima do normal.
O csio-137 percorreu a cidade de Goinia e chegou a viajar para Anpolis, segundo os dados do boletim
n 111, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia. O csio-137 viajou num nibus, na forma de
um par de sapatos altamente radioativo. Quem so as pessoas que viajaram no nibus, quem so sobretudo
os vizinhos mais prximos do dono dos sapatos contaminados, quando que vo perceber em suas vidas
que receberam uma alta dose de radioatividade? Ser que vo perceber?
O mesmo boletim da SBPC, redigido pelo Professor Alfredo Aveline, convidado para inspecionar Goinia
pela prpria CNEN, admite que possivelmente duas mil pessoas foram, de alguma maneira, atingidas pelo
csio-137, mas admite que essa cifra no tem nenhum valor cientfico.
O que existe um consenso em torno do fato de que o numero de pessoas atingidas maior que o registrado
oficialmente. Mas no h condies de precisar esse nmero. Houve uma convergncia em torno da cifra
de dois mil, mas talvez apenas para no se ficar sem cifra nenhuma, o que tornaria a coisa mais estranha
ainda.
Quem so as pessoas atingidas, como descobri-las na multido que circula pelas ruas de Goinia, que
freqenta o Estdio Olmpico na prosaica condio de espectadores de uma partida de futebol?
O relatrio da SBPC anuncia um outro dado que escapou um pouco aos que acompanhavam os trabalhos,
mas merece ser analisado com calma, quando cessarem todos os movimentos de descontaminao. Vrios
tcnicos da CNEN j receberam doses de 400 mrem a 1 rem. Isso significa que era necessrio muito mais
gente para trabalhar, e gente com experincia, pois os que comearam nem sempre podero acabar, sob o
risco de se contaminarem gravemente.
O levantamento desse tema no implica apenas a preocupao fundamental com a sade dos trabalhadores
que atuam no campo da energia nuclear. No se ouviu nenhuma referencia ao assunto porque a CNEN
uma estrutura altamente hierarquizada, mas tambm porque alguns trabalhadores associam o futuro da
energia nuclear ao futuro de seus empregos e outros se consideram participantes de uma tarefa patritica,
condenada apenas pelos que esto a soldo de potencias estrangeiras que querem impedir o avano do
Brasil.

A radioatividade isto j foi mencionado nesta crnica invisvel. Os tcnicos, entretanto, consideramna perfeitamente mensurvel, e, na maioria dos casos, admitem que uma dose mnima tolervel.
Essas duas teses so colocadas em dvida, permanentemente. No que diz respeito sade dos tcnicos,
possvel manter-se uma distncia discreta porque, em ultima anlise, so livres para determinar seu
destino. Que tenham cncer em nome da cincia, como Madame Curie, ou que arrisquem suas vidas pelo
futuro do projeto nuclear, so expresses de uma escolha individual, inatacvel. Projetar este risco para a
populao, porm, um outro movimento, que no apenas merc um debate, como no poder ser realizado
sem encontrar uma forte resistncia popular.
No livro La Nuclarisation du monde, publicado pela editora Grard Lebovici, em 1986, h um trecho
significativo sobre esse ponto:
Sabe-se que a noo de dose mnima tolervel, contestada h muito tempo, foi inteiramente superada por
trabalhos recentes, segundo os quais todas as doses de radiaes ionizantes so nocivas, sem que se possa
estabelecer um limite abaixo do qual seriam incuas. O problema que a extrapolao em linha direta dos
efeitos at um nvel mnimo, subestima os efeitos de doses fracas repetidas, que seriam muito mais graves
do que numa dose quantitativamente igual sua soma.
Opinies cientficas de peso, como a do Professor Ernest Sternglass, do Instituto de Radiobiologia de
Pittsburg, caminham na mesma direo, depois de pesquisas realizadas por ele em crianas nascidas nas
proximidades de centrais nucleares.
Todas as estimativas relativas ao carter pernicioso da baixa radioatividade no ar e na gua esto
erradas, numa base de centenas, milhares de vezes.
Mais concludentes ainda so as constataes do Dr. Karl Morgan, para quem os 442 trabalhadores nucleares
de Hanford, que morreram de cncer, no absorveram mais do que um quinto da dose considerada limite.
O Professor Moscovich, da Universidade de Orsay, escreveu, na revista Projet, em setembro de 79:
Cada vez que uma experincia pode detectar fracas doses, constatou-se que os pontos experimentais
correspondentes a essa investigao foram extrapolados de doses mais elevadas; se analisamos teoricamente
a situao, lembrando que a ionizao um fenmeno descontnuo, constata-se facilmente que no h dose
limite.
O professor Bernard Cohen, em entrevista publicada no L Monde de 13-06-86, apresentou uma viso
que pode ser hoje considerada a mais prxima da realidade, embora seja necessrio admitir que a realidade
nesse caso ainda se apresenta para ns na forma de uma inquietante estranheza:
Se admitimos que uma s partcula atingindo um gene pode provocar um cncer, necessrio concluir
que um milionsimo da dose considerada perigosa implica num risco um milho de vezes menor nunca
um risco zero.
Essa sucesso de declaraes fundamental no caso de Goinia, sobretudo no momento em que se decide
liberar algumas reas contaminadas. Existem duas posies em cena: a dos tcnicos que consideram apta
para ser liberada um rea com radioatividade mnima, dentro dos padres internacionais; a outra posio
a de que as reas s podem ser liberadas quando o nvel de radioatividade for o mesmo de antes do
acidentes.
O confronto ainda no se deu, mas os indcios sempre foram inquietantes. A CNEN foi mencionada numa
notcia do Jornal do Brasil como autora de uma tese, segundo a qual algumas reas poderiam ser liberadas,
menos para mulheres grvidas e crianas. Por tudo que se disse acima, pode-se compreender a perplexidade

dos que leram a deciso. Se uma rea perigosa para mulheres grvidas e crianas, muito possvel que
seja perigosa para todos.
No relatrio do Professor Alfredo Aveline, escrito para o boletim da SBPC, h uma outra referncia que
deixa bem clara a delicadeza dessa deciso para o futuro de Goinia e das pessoas que a visitarem:
O Dr. Rosenthal informa que frente liberao das reas sero sempre tomados como referncias os valores
dos padres internacionais. No clculo das possveis doses para fins de liberao dos locais contaminados,
levam-se em conta as taxas de ocupao do local pelos usurios. Liberem-se os locais que apresentem taxas
de at 300mrem/ano, mesmo sabendo que se uma pessoa ficar no local durante um perodo longo, receber
uma dose muito maior. Em alguns casos, certos locais so liberados mesmo apresentando exposies de at
1 a 10 rem/h, que, considerando os fatores ocupacionais, se reduz ao limite de 300 mrem/ano.
O relatrio no explica exatamente como sero estabelecidos os fatores ocupacionais. Os ltimos dados
cientficos desautorizam a liberao de reas com nveis da radioatividade superiores aos de antes do
acidente. Passar por cima dessas observaes vindas de todo lado do mundo seria uma temeridade.
Temeridade maior ainda submeter uma deciso desses elementos dinmicos como so, por exemplo, os
chamados fatores ocupacionais, em reas da cidade que tiveram seu cotidiano revolucionado pelo acidente
nuclear.
O futuro do Bairro Popular incerto. E quem viveu em Goinia pode presenciar um outro tipo de estranheza
angustiante, dessa vez provocada pelo que conhecido. Os grandes e pequenos problemas humanos no se
alteram no quadro de um acidente nuclear. A iluso de que o desastre implicaria um novo tempo, que todas
as pequenas rivalidades e mesquinharias iriam se desintegrar como o ncleo do csio-137, tudo isso caiu
rapidamente por terra. Basta mencionar um trecho do mesmo relatrio feito para a SBPC:
Alguns relatos podem ajudar a dar a dimenso social do ocorrido; h uma preocupao geral dos jornais
em minimizar o impacto que o evento traz economia e imagem de Goinia, mas dentre a populao h
grande preocupao com o futuro e com sua segurana presente; todos os 50 ferros-velhos de Goinia foram
vasculhados; h evaso de alunos nas escolas; parte do pessoal no especializado, envolvido diretamente
nas tarefas de descontaminao e isolamento, sente-se inseguro e apresenta certo receio em obedecer a
todas as instrues recebidas. Em alguns casos, pedem complementao de insalubridade e gratificao
adicionais; no h um pequeno edifcio de trs andares defronte ao ferro-velho que foi evacuado, e
os moradores exigem hotel para se localizarem; o Governo do Estado est indenizando pelos objetos
abandonados dentro das casas das pessoas e comeam a surgir listas engodardas com mais objetos que
o real, exigindo verificao in loco, o que submete os tcnicos a demandas e riscos adicionais; comeam a
surgir pessoas que tentam comprar os prdios prximos s zonas conflagradas por fraes do seu valor
real; eventos pblicos esto ameaados pela negativa de pessoas de fora de Goinia de se aproximarem da
cidade; os locais onde o solo est contaminado apresentam problemas de infiltrao do csio por lixiviao
pela chuva, assim como por pequenos animais como pombos, gatos e cachorros que terminam por transitar
no local e levam em suas patas pores do material, intranqilizando os moradores da redondeza. Os
tcnicos no tm disponibilidade para lidar com esses casos menores: rvores prximas esto colhendo
material (contaminado) por suas razes e h relatos de que suas frutas (mangas e goiabas) foram colhidas
por pessoas no identificadas...
A estranheza das estranhezas no estava s em Goinia. Ela expressa aquele estado em que o desconhecido
e inquietante se revela com toda a intensidade, e constatamos que nos inquietava porque de alguma maneira
estava dentro de ns, era familiar.
Para milhes de pessoas no Brasil, termos como projeto nuclear, usinas atmicas, planos de emergncia para
o caso de acidente, programa paralelo, contas secretas, submarinos nucleares, escavaes para exploses
subterrneas eram desconhecidos ou constituam apenas expresses lidas de passagem nos jornais.

Os debates que se travaram em torno de um possvel desastre em Angra dos Reis s foram vividos,
intensamente, pelos habitantes da cidade. Isto, independente das constantes observaes de que, em caso de
acidente, a populao de Angra seria a primeira atingida, mas as conseqncias no ficariam circunscritas
aos limites da cidade.
O acidente que aconteceu em Angra, no ano passado, mencionado por ns na campanha eleitoral e mais
tarde registrado em livro, passou em branco. O diretor da Usina Angra I chegou a reagir indignado,
dizendo que no houve acidente e sim um pequeno incidente, atribuindo, numa entrevista a O Globo, sua
divulgao existncia de partidrios da candidatura ecolgica, dentro da prpria Usina.
Esse ngulo da estranheza inquietante no pode deixar de ser registrado. Ele pressupe que os
acontecimentos se desenrolam porque algum os desejou, como se um acidente nuclear fosse fruto de um
mau-olhado, resultado da onipotncia do pensamento.
Talvez seja isto que explique a preocupao da CNEN em distribuir a todos os seus convidados em Goinia
um documento especial sobre o acidente de Chernobyl, afirmando que suas dimenses no foram assim
to grandes e que a maior parte da gravidade atribuda exploso do reator foi produzida pela imprensa
e pelos ecologistas.
Quando o Presidente da Repblica visitou Goinia, meio empurrado pelos acontecimentos, manteve na
ponta da lngua uma frase que, finalmente, revelou diante dos jornalistas reunidos no aeroporto:
No houve acidente nuclear em Goinia e sim um acidente radioativo.
Essa preocupao em preservar o ncleo do csio-137 de qualquer relao com a radioatividade
despreendida no uma contribuio indita fsica, nem uma tese revolucionria que o Presidente da
Repblica amadureceu nas suas conversas no Palcio do Planalto. Tratava-se apenas do mais importante
recado que estava levando para Goinia, numa tentativa de desvincular o acidente do grande acusado: o
projeto nuclear brasileiro.
A questo bsica que estava por trs da declarao do Presidente no foi respondida por ele e nem ser
respondida pelos canais burocrticos: quem foi o responsvel?
Existem vrias maneiras de abordar esse problema. Uma delas, a imediata, trata de localizar as
responsabilidades para punies administrativas e legais. O noticirio da imprensa e o rpido debate
jurdico que se travou em torno do assunto no deixou dvidas sobre a culpa da CNEN. Entre as muitas
opinies convergentes, destaca-se a do jurista Wanderley da Costa Lima, entrevistado pela Folha de So
Paulo. Ele doutor em Direito Atmico pela Universidade de Muenster, Alemanha Ocidental, e, desde
1985, vive em Viena, onde trabalha para a Agncia Internacional de Energia Atmica, organismo da ONU
que cuida dos assuntos ligados energia nuclear. Eis a parte central do dilogo:
Folha Quem o responsvel, do ponto de vista legal, pelo acidente de Goinia?
Wanderley da Costa Lima Primariamente, a Comisso Nacional de Energia Nuclear (CNEN).
Levando-se em conta que a atividade nuclear no Brasil monoplio da Unio e que a competncia
para fiscaliz-la da Comisso, acredito que ela nunca deveria ter deixado de exercer a atividade
fiscalizadora, por maior que seja a responsabilidade secundria do Instituto Goiano de Radioterapia.
O problema brasileiro no a deficincia normativa e sim a aplicao das normas. A legislao nuclear
brasileira no melhor nem pior que a dos outros pases.
Folha De que forma pode ser enquadrado na legislao um caso como o de Goinia?
Wanderley da Costa Lima Na Leu 6.453, de 1977, que incorporou os preceitos da Conveno de Viena
legislao brasileira. Mas no consigo ver claramente o acidente de Goinia sendo agasalhado pela
lei. Ela dispe muito mais sobre a responsabilidade do operador de uma instalao nuclear. O acidente
de Goinia escapa um pouco desta tipificao. Ainda assim consegui reunir alguns pontos que poderiam
ser aplicados no caso. O artigo 15 diz que os danos causados por material ilicitamente possudo e no

relacionados a qualquer operador devem ser suportados pela Unio. Quanto CNEN, quando alega
no ter responsabilidade sobre o acidente, acho interessante esta afirmao, porque a lei que estabelece
o monoplio da Unio determina no artigo 4. que compete Comisso estabelecer regularmente as
normas de segurana relativas ao uso das radiaes e dos materiais nucleares e instalao e operao
dos estabelecimentos destinados a produzir materiais nucleares ou a utilizar a energia nuclear e suas
aplicaes, e fiscalizar o cumprimento dos referidos regulamentos e normas. Ento no h como, na
minha opinio, tirar a responsabilidade da Comisso no caso do acidente de Goinia.
Independente dos processos que se arrastam, das sinuosas investigaes da Policia Federal, de um ponto
de vista jurdico j no existe mais polmica e h uma concordncia bsica sobre a responsabilidade da
CNEN.
Mas a resposta jurdica ainda incompleta, porque no consegue alcanar as razoes polticas que levaram
a CNEN a se descuidar da bomba de csio-137 em Goinia e da fiscalizao geral de todos os aparelhos
semelhantes no Brasil. Essas razes que o Governo tentou, cuidadosamente, esconder, porque vindo tona
o deixariam numa situao de embarao no apenas diante do crculo fechado dos crticos do nuclear, ma
diante de todo o Pas.
H mais de dez anos, a comunidade cientfica brasileira faz crticas a um importante aspecto do projeto
nuclear: a acumulao, pela CNEN, das tarefas de pesquisar e produzir energia atmica com as tarefas de
licenciamento e fiscalizao.
como se chamssemos o bode para tomar conta da horta afirmou o fsico Jos Goldemberg.
Duas importantes comisses de cientistas convocadas pelo Governo convergiram em suas crticas
s funes da CNEN e propuseram uma clara alternativa: a criao da Comisso de Radioproteo e
Segurana Nuclear.
A primeira comisso foi convocada para avaliar o projeto nuclear; a segunda foi designada pelo Presidente
da Repblica para avaliar o impacto do desastre de Chernobyl.
O Governo ouviu as sugestes, mas no alterou um centmetro de sua poltica. Depois do acidente de
Goinia, essa omisso vem tona e mostra uma outra dimenso das responsabilidades pelo que aconteceu
com a bomba de csio-137. so decises tomadas no mbito da Casa Militar, e se esta passou tantos anos
resistindo ao controle social do projeto nuclear, mais do que necessrio analisar agora as causas dessa
resistncia.
A divergncia entre a comunidade cientfica e o governo , no fundo, a expresso de uma vontade real no
Brasil de se comear a investigar o projeto nuclear e estabelecer sobre ele o mnimo de controle. Depois do
acidente, j existem razoes para equacionar isto de uma forma bem mais cria: precisamos saber o que eles
esto fazendo, aberta e secretamente.
Para muitos pode soar enigmtica a insinuao do Presidente da CNEN, registrada pelos jornais, de que
era possvel haver poderosos interesses estrangeiros por trs do acidente de Goinia. Na realidade, este
apenas um dos reflexos mais comuns no clube fechado dos que dirige o projeto nuclear no Brasil. Est
encravada na prpria histria da instalao do projeto no Pas uma luta surda entre os interesses dos
militares brasileiros e norte-americanos.
A Usina Nuclear de Angra chama-se Almirante lvaro Alberto, e no toa. Ele representou um papel
fundamental em todo o processo de criao do projeto e s no mais conhecido porque os principais
lances de sua trajetria foram secretos ou ento no mereceram a ateno da mdia.
Foi ele quem, em 1948, ao voltar dos Estados Unidos, convenceu o Presidente Dutra e criar o Conselho
Nacional de Pesquisas, destinado a equiparar o Brasil aos outros pases no uso da energia atmica.
Foi ele ainda quem, chefiando a misso brasileira Alemanha, criou um caso internacional comprando
trs ultracentrifugadoras para enriquecer o urnio. Foram compradas por 80 mil dlares, construdas

e testadas. Um ano depois, um destacamento militar ingls apreende todo o equipamento no Porto de
Hamburgo, na vspera de ser enviado ao Brasil.
A compra fora feita sem a autorizao da Comisso de Ocupao da Alemanha. A proibio do embarque
foi determinada diretamente pela comisso de Energia Atmica dos EUA.
Essa gnese na luta contra os norte-americanos criou o reflexo de que tudo o que se ope ao projeto est a
servio de interesses estrangeiros. E, ao mesmo tempo, o projeto tentou se apoderar de um certo status de
ver vetado pelos Estado Unidos, como se a restrio dos norte-americanos fosse condio suficiente para
carregar de verdade qualquer argumento.
O discurso nacionalista que marcou o nuclear no seu incio perdeu fora com o tempo, mas continuou a ser
usado, mesmo quando j no correspondia prtica.
Em 56, surge a Comisso Nacional de Energia Nuclear e, dentro do programa tomos para a paz, compra
trs pequenos reatores de pesquisas para o triangulo Minas-Rio-So Paulo.
Em 1968 decide-se comprar a usina da Westinghouse, que se chamaria Angra I.
Os debates fechados que se realizaram na poca no registraram grandes oposies deciso, de um ponto
de vista da segurana. O nuclear ainda gozava de certo prestgio, os grandes acidentes s iriam ocorrer
aps o fim da dcada dos 70, Three Mile Island em 1979 e Chernobyl em 1986.
Segundo Luiz Pinguelli Rosa, no seu livro A poltica nuclear e o caminho das armas atmicas, um dos
pontos mais combatidos na compra da Usina Angra I foi a opo por um reator a gua leve, porque seu
combustvel seria o urnio enriquecido. O Brasil ficaria dependente do nico fornecedor da poca: os EUA,
que, em 1973, com a crise do petrleo, iria suspender a garantia de fornecimento para futuras usinas no
Brasil.
Se voltarmos atrs, com os conhecimentos de hoje talvez possamos explicar por que se decidiu comprar
Angra I e se optou pelo urnio enriquecido, contra a posio dos cientistas, que recomendavam reatores a
gua pesada, usando urnio natural.
Nos seus clculos estratgicos, os militares contavam adquirir a tecnologia do enriquecimento do urnio e
s trabalhavam com esta hiptese. Sem ela, era impossvel construir a bomba atmica.
Menos de um ms depois do Presidente, emocionado, anunciar que o Brasil detinha o segredo do
enriquecimento do urnio, o que vai permitir, no futuro, a produo do urnio, o que vai permitir, no futuro,
a produo da bomba, os catadores de papel marretavam a cpsula do csio-137. ao contrrio do que o
Governo faz crer, entre o discurso do Presidente anunciando o enriquecimento do urnio e as marretadas
de Goinia h um vinculo profundo.
Uma das reaes mais comuns ao acidente de Goinia foi a de lamentar a ignorncia dos catadores de
papel, que no sabiam distinguir o csio-137 de uma pedra preciosa, nem desconfiaram que no fundo do
aparelho de radioterapia estavam guardadas substncias perigosas. A nfase nesse argumento sempre foi
usada para distinguir nitidamente a massa analfabeta de uma elite intelectualmente superpreparada para
dialogar com os segredos do tomo.
No entanto, em termos de marretadas no ncleo da realidade, os membros do complexo burocrticomilitar brasileiro esto na dianteira de qualquer outro pas no mundo. Basta examinar a compra da Usina
Angra I, que j veio com problemas, consumiu milhes de dlares extras, e chamada Vaga-lume, porque
apaga e acende, quase no funciona.
Em 1975 foi assinado o Acordo Brasil-Alemanha, segundo o qual, num prazo de 15 anos, seriam construdos
oito reatores de 1.300 MW cada um, assim como instaladas empresas de engenharia nuclear, fbricas de
equipamentos para reatores, usinas de enriquecimento e reprocessameto do urnio tudo por 10 bilhes
de dlares.

Naquela poca, os alemes ainda acreditavam no mundo nuclear, o Partido Verde ainda no tinha iniciado
sua ascenso nacional nem o Partido Social Democrata inclura em seu programa a deciso de desmontar
as usinas nucleares nos prximos 10 anos.
O primeiro movimento foi comprar uma usina imprestvel da Westinghouse, para sofrer at hoje com
ela. O segundo movimento foi projetar a compra de oito usinas nucleares de um pas que, potencialmente,
poder estar se desfazendo at mesmo das suas nos prximos anos.
Toda essa operao, ao longo da histria recente do Brasil, tinha os olhos vidrados na bomba e no
submarino nuclear, mas assumia sua face racional, argumentando que o nuclear era a nica sada para
o desenvolvimento do Pas. Como encontrar energia para continuar crescendo no prximo sculo?
perguntavam eles.
Luiz Pinguelli Rosa, que alm do livro sobre o Projeto Nuclear, coordenou uma pesquisa sobre o impacto
do Acordo Brasil-Alemanha, sintetizou num quadro algumas de suas principais crticas.
Os principais pontos da sua argumentao no foram contestados, e partem de dados do prprio Governo.
Para defender a opo das usinas nucleares o Governo, na poca do acordo, superestimou o potencial do
crescimento no consumo de energia eltrica. Previu que seriam consumidos 175 milhes de Kw, quando,
na verdade, as estimativas atuais para o consumo, no fim do sculo, no passam de 115 milhes de Kw.
Num outro passo em falso, subestimou-se o potencial hidreltrico do Pas, calculando-o em 118 milhes
de Kw quando, na verdade, segundo as previses atuais, ele poder ser 213 milhes de Kw. Alm disso,
puxou-se para baixo o custo da energia nuclear, que sairia a 400 dlares por Kw e sabe-se hoje que custar
no mnimo 3.000 dlares. Isto sem contar o exemplo real de Angra I, onde se pretendia gastar 700 milhes
de dlares e j se passou dos 2,5 bilhes.
Como se v, foi preciso um enorme exerccio para construir um quadro de racionalidade para o projeto
nuclear. Um dos seus pontos crticos, os prprios tcnicos o levantaram, foi a evidncia de que o processo
de enriquecimento de urnio por jato centrfugo era apenas uma pesquisa na poca do Acordo e ainda no
tinha demonstrado sua eficcia na prtica. Comprou-se uma esperana.
A grande marretada na tcnica foi escolher, para instalar as usinas, um terreno lodoso de 35 a 80 metros de
profundidade. Isto j foi denunciado pela revista alem Der Spiegel, que, referindo-se a Angra I, afirmou
que um reator girando em torno do seu eixo, como um saca-rolhas. Das 372 estacas colocadas para
fundao de Angra II, 36 estavam sob suspeita. Isto foi denunciado numa CPI do Senado e as estacas foram
reforadas.
Em Angra dos Reis, todos sabem que Itaorna, o nome da praia onde as usinas so instaladas, significa em
tupi-guarani pedra podre.
Depois do acidente de Goinia, surgiu um novo documento questionando a localizao das usinas. No
mais partindo da sabedoria milenar dos ndios, mas baseado nos critrios modernos de anlise com a ajuda
de satlites artificiais.
A partir de imagens obtidas pelo satlite Landsat, o pesquisador Roberto Pereira da Cunha, especialista em
sensoriamento remoto e Chefe de Orientao Tcnica do Instituto de Pesquisas Espaciais, praticamente
confirmou a designao do tupi-guarani, ao anunciar:
A Usina Nuclear de Angra dos Reis est montada sobre um conjunto de falhas geolgicas que refletem
diretamente os tremores de terra e os terremotos que ocorrem na Amrica do Sul, principalmente no
Chile.
Na mesma entrevista, concedida a O Globo em 1 de novembro, o especialista em sensoriamento remoto
declarou:
Os estudos encomendados pela Nuclebrs em 1975, como parte da instalao da Usina de Angra, foram
parciais. So apenas documentos descritivos da estrutura geolgica da regio, e foram apresentados

comunidade cientfica sem que tivessem passado por uma anlise crtica. Angra I est instalada justamente
em cima da principal falha geolgica do Vale do Paraba.
Quando o satlite Landsat comea a falar em tupi-guarani sobre os perigos da usina, e o brilho azul do
csio ilumina a sinistra cena de caixes de chumbo e antebraos congelados, mais do que hora de colocar
em questo todo o projeto nuclear brasileiro.
A experincia de Goinia, que ainda no est concluda, aponta para algumas direes. Uma de longo
alcance, tratando do projeto nuclear paralelo; duas mais urgentes, repensando a questo do lixo atmico j
acumulado em Angra e o plano de emergncia para o caso de um acidente.
Ao revelar que a Serra do Cachimbo seria o lugar de depsito do lixo nuclear de Goinia, o Governo
confirmou, de alguma maneira, a vinculao do projeto nuclear com a base militar instalada no sul do
Par.
O anncio de que o Brasil j tem condies de enriquecer o urnio leva alguns membros da comunidade
cientfica a refletir sobre a diviso de trabalho, de uma maneira irnica: enquanto um grupo pesquisa e
fabrica a bomba, outro cava o buraco para explodi-la.
Se o Brasil caminha nessa direo, as esperanas de que se torne um grande Pas desnuclearizado ficaro
abaladas e, automaticamente, aumentam os perigos de se tornar um alvo importante em caso de guerra
nuclear, sem contar que a Argentina deve computar esse dado nas suas consideraes estratgicas. Em
outras palavras: haver bomba aqui e bomba l.
Numa entrevista concedida antes do acidente de Goinia, o Ministro do Exrcito, General Lenidas
Gonalves, afirmou, solenemente, que a energia nuclear era a alvorada de uma nova poca e que muitos
dos que se opunham a ela no conheciam todas as dimenses do problema, reagindo de uma forma
obscurantista.
Na aparncia, tratava-se apenas de mais uma declarao para justificar o avano do projeto nuclear, num
Governo que, segundo o Instituto de Estudos Estratgicos de Londres, j o que mais investe em armas
convencionais na Amrica do Sul. O argumento do General, no entanto, slido, porque representa uma
espcie de senso comum entre os defensores do uso de uma energia nuclear para gerar eletricidade ou
fazer bombas.
Se dermos uma rpida olhada na oposio energia nuclear no mundo, ser difcil colocar sobre ela o rtulo
de obscurantismo ou resistncia tecnolgica. Partiu da Dinamarca, um pas que no pode ser considerado
particularmente refratrio tecnologia, a oposio s usinas nucleares na Escandinvia, levando com isto
a Sucia a desativar a Usina de Barsebaeck, localizada a 12 milhas de Copenhague.
Depois de Chernobyl, a prpria Sucia, atravs do conjunto de seus partidos polticos, decidiu buscar um
caminho diferente do nuclear. Mesmo antes do desastre, um plebiscito na ustria negava a instalao de
uma usina. Ainda na primeira semana de novembro, depois do acidente de Goinia, um outro plebiscito, na
Itlia, colocava a instalao de usinas sob controle da vontade da maioria da populao.
Se acrescentarmos a isto a amplitude do movimento ecolgico na Alemanha e a combatividade do
antinuclear britnico, acabaremos chegando rapidamente concluso de que a resistncia s bombas e
usinas maior nos pases que usam tecnologia de ponta e vivem em regimes democrticos.
Chega um momento, entretanto, em que preciso deixar para trs o senso comum e encarar o nuclear
tal como , uma pratica constante e acelerada de separao da matria que representa uma verdadeira
inverso do processo vital.
O csio-137, por exemplo, personagem principal do desastre de Goinia, no existe em estado separado na
natureza. A ele podem muito bem ser atribudas estas reflexes de Pierre Thuillier.
Ser que se est realmente no domnio da natureza, ou estaremos criando artefatos, partculas
artificiais? Tais partculas, claro, no so miraculosas, mas gostaria de acentuar que, de certa maneira,

so produzidas pelo homem.

O avano na separao da matria como uma inverso do processo vital ganha uma consistncia maior nos
argumentos de Alice Stewart, que escreveu em 1983:
possvel que a vida e o desenvolvimento da biosfera na superfcie da Terra tenham tido de esperar que a
radioatividade na superfcie do Sol decrescesse at os nveis atuais. A descoberta dos raios X e depois a do
radium tornaram possvel a superexposio de animais ou de plantas, nos pases de tecnologia avanada.
Foi apenas aps a descoberta da fisso nuclear que houve um acrscimo de certos nveis na radioatividade
ambiente. Desta maneira, problema atual, herana direta da Segunda Guerra mundial, o de impedir que
um processo inverso ao processo natural possa causar danos irreparveis s foras da vida.
E os crticos desse processo constatam com amargura que, ao romper com as concepes filosficas da
alquimia, a cincia, para fazer sua carreira, rompeu com todo pensamento da totalidade viva, tornou-se
escrava do progresso e jamais recuperou o vnculo com o ncleo racional que rejeitou.
Para quem viu o desastre de Goinia, com tudo que representou de sofrimento fsico e psicolgico, de medo
e desamparo, o poder de separao da matria chegou ao seu limite.
Num discurso realizado na Praa da Bandeira, em Goinia, arrisquei esta reflexo: se a desintegrao da
matria causa todos esses transtornos, cada vez mais razovel aceitar a idia de que Deus a unidade.
Estava pensando no apenas nas religies orientais como o Tao, mas tambm na frase do filsofo japons
Nishida Kitar: Deus o fundo da unidade da realidade.
Colocar a evoluo da cincia em confronto com a alquimia, apresentar a fragmentao ntima da matria
como uma atividade diablica, no sentido de contrria ao divino, talvez possa dispersar um pouco a
compreenso histrica de como tudo aconteceu. E fazer com que as pessoas esqueam que h, por trs da
cincia, um sistema que tudo fragmenta, um sistema mercantil que pulveriza a atividade social e afirma a
supremacia do trabalho morto sobre o trabalho vivo. O nuclear sua mxima metfora.

PARTE III

A Sobrevivncia do Manual
e o Manual de Sobrevivncia
Muitos cientistas foram a Goinia preparar seu informe pessoal. Mdicos fotografaram diariamente os
pacientes para acompanhar a evoluo dos efeitos da radioatividade. Artigos para revistas cientficas
internacionais esto sendo preparados, assim como j se articula um projeto de observao sistemtica
dos atingidos, nos prximos anos. Novas mquinas foram testadas, personalidades internacionais vieram
observar o caso ou ento visitaram secretamente as vtimas, como foi o caso do Dr. Robert Gal, especialista
em transplante de medula.
Todo esse movimento significa que nos prximos anos vai aparecer uma slida produo cientfica sobre
o acidente de Goinia, remetendo nossas crnicas para o limbo das aparncias, dos relatos impressionistas
de um episdio dinmico.
Nossa ida a Goinia tinha tambm como objetivo um relatrio pessoal. Os debates sobre o plano de
emergncia para o caso de acidente em Angra h muito tempo que se arrastam. Antes de Chernobyl, o
Governo colocou sobre a mesa algumas idias vagas. Discutia-se, por exemplo, sobre quantos dias eram
necessrios para evacuar a cidade. O plano previa 15 dias e a experincia de Chernobyl mostrou que esse
tempo era longo demais.
Enquanto os debates se referem a um hipottico desastre que precisa ser confrontado com o desastre real
acontecido na Unio Sovitica, tem-se s vezes a impresso de estar jogando uma partida de xadrez. Todos
os lances so importantes no conjunto do jogo, mas tanto eles como o prprio jogo guardam uma certa
distncia da realidade.
O acidente de Goinia um novo marco. No falamos mais de Chernobyl apenas, nem discutimos sobre as
foras hipotticas que sero acionadas em caso de desastre. De certa maneira, conhecemos um acidente no
Brasil e temos condies de analisar as foras que se puseram em movimento para neutraliz-lo. Agora,
nem s as vtimas tm uma histria. Nossos fracassos e inquietaes tambm tm uma histria e sobre
ela que gira o relatrio tentando estabelecer o que aconteceria no caso de um acidente nuclear em Angra.
Toda a discusso sobre o tempo de retirada da populao de Angra, em caso de acidente, me parece
um pouco absurda. Quinze dias, uma semana, o que interessa isso se no conseguimos definir quem vai
coordenar a sada e como chegar ao lugar?
Um dos detalhes mais impressionantes no depoimento prestado pelo Secretrio do Meio Ambiente de
Goinia, Harlen dos Santos, foi a maneira como viu a chegada dos tcnicos da CNEN, quando se anunciou
o desastre:

 Pensei que tivessem conduo adequada, que chegariam todos juntos, o mais rpido possvel. No foi bem
assim. Vieram separados, viajando em avies de carreira, sujeitos aos horrios que existiam e os lugares
vagos nos avies.
Se acrescentamos essa falta de urgncia dos tcnicos ao problema real de como mover a populao, ento
fica tudo mais delicado ainda. O plano de Angra previa a remessa de 400 nibus do Rio de Janeiro para
buscar os retirantes. Naquele momento, uma das objees idia dizia simplesmente que isso provocaria um
engarrafamento monstro na estada, de forma que nem os nibus entrariam, nem os retirantes sairiam.
Com a perspectiva do acidente de Goinia, pode-se levar a objeo um pouco adiante, perguntando
quem so os motoristas que vo conduzir os nibus e se vo aceitar tranquilamente a tarefa. A greve dos
funcionrios do Hospital do Inamps em Goinia colocava como uma das reivindicaes a existncia de
informaes e equipamentos adequados para o trabalho. A recusa em viajar para uma rea contaminada,
com ou sem equipamentos especiais, uma varivel que tem de ser considerada.
O acidente de Goinia foi localizado. Se somarmos a extenso de toda a rea isolada, possivelmente no
alcanar mais do que dois mil metros quadrados. Ainda assim, a CNEN, a julgar pelos relatrios cientficos,
mobilizou 80 por cento dos seus tcnicos e os trabalhos se arrastaram com uma lentido impressionante.
No caso de um acidente nuclear em Angra dos Reis muito provvel que a contaminao viesse pelo ar,
tangida por ventos que se espalhariam pelo pas todo. Nesse cenrio, faltariam tcnicos e equipamentos
para fazer a medio dos alimentos, reservatrios de gua, animais de abate, ao longo de todas as regies
atingidas. No caso de Chernobyl, a internacionalizao das nuvens radioativas mobilizou todo o dispositivo
europeu.
Portanto, os acontecimentos de Goinia mostraram que, em caso de disperso, as nuvens radioativas vo
bater o equipamento tcnico com a facilidade com que a guerrilhas batem os exrcitos convencionais.
Embora reduzida nesse ponto, a experincia de Goinia mostrou como difcil retirar muita gente de
casa, num determinado prazo. As pessoas hesitam, apegam-se aos seus objetos de estimao, duvidam do
perigo.
No fundo da hesitao existem dvidas sobre o lugar onde sero abrigadas, se o responsvel por tudo
ser o governo local ou o nacional; sobre a segurana e a proteo dos seus lugares, provisoriamente
abandonados.
No encontrei resposta para isto, examinando o caso de Goinia. O tempo de retirada da populao depende
do seu tempo mental, do nvel de informao e importncia que cada um comunica ameaa nuclear.
A segurana nos lugares isolados revelou-se um fracasso. Conforme j foi mencionado, uma das casas teve
um aparelho de som e outro de televiso roubados. Na rua 57 permaneceu apenas um guarda solitrio,
tomando conta de toda rea. Aumentar a guarda significa colocar mais gente se expondo a nveis altos de
radioatividade. Em Goinia, o recurso possvel era instalar alarmes eletrnicos nas casas. Numa cidade
inteira como Angra, qual seria a sada?
uma iluso pensar que as pessoas se afastam dos seus lugares apenas porque colocaram um cartaz
com o smbolo da radioatividade ou a palavra perigo. Entre um perigo invisvel e uma misria tangvel a
tendncia pode se a de saques e uma tentativa desesperada de redistribuir os bens abandonados.
Tudo isso parece secundrio diante da falta de credibilidade do Governo. Essa uma varivel que muda,
podendo um governo ganhar popularidade de uma hora para outra. No caso de um possvel acidente em
Angra dos Reis, necessrio contar com o pior, por uma questo de mtodo.
Num outro momento, j se discutiu a criao de mecanismos alternativos de medio e mecanismos de
comunicao tambm alternativos. Isso no pode, entretanto, fazer com que nos resignemos com uma
atuao nula do Governo.
No caso de Goinia, acreditava-se mais no Governo local do que no nacional. Mas foi impossvel criar
um esquema extraordinrio de comunicao, com um ou vrios porta-vozes claramente identificados e

de quem se poderia esperar que responderiam pelas informaes, arriscando, no mnimo, suas carreiras
polticas.
Todo mundo falava, o que positivo, mesmo num momento de crise aguda. Mas entre os que falavam
no se consegui identificar quem era incumbido disto ou daquilo, quem analisava todos os dados antes de
comunicar alguma coisa, quem passava em revista os telefonemas de emergncia para garantir um fluxo
de respostas adequadas s perguntas reais e estatisticamente relevantes.
Grandes problemas foram criados por brechas na prpria capacidade de comunicar. Num debate na Cmara
dos Vereadores os jornalistas perguntaram se a gua poderia estar contaminada. O fsico nuclear afirmou
que, teoricamente, sim, e o resultado saiu nas manchetes:
gua de Goinia pode estar contaminada.
Naquele dia mesmo em que se travou o dialogo, j havia exames disponveis atestando que a gua no
estava contaminada.
A maneira de neutralizar o trabalho negativo do Governo criar e tornar reconhecida uma comisso de alto
nvel que possa ter acesso s informaes e funcione como um ponto de referncia. Essa comisso necessita
ligar pelo menos trs pontas: as informaes transmitidas pelo Governo, as informaes alternativas e o
circuito aberto com o resto do mundo, para avaliar tpicos duvidosos.
Em Goinia, isolaram-se alguns animais, mas o controle dos pombos, cachorros e gatos que entravam na
rea contaminada foi quase nulo. No contexto de um desastre numa usina nuclear, esse controle torna-se
quase impossvel para os animais das reas evacuadas. No h tempo para eles. Se houver liberao de
iodo-131, ser preciso realizar permanentemente exames na tiride dos animais de abate.
A julgar pelo que vi, seria possvel estabelecer um controle extraordinrio em todos os pontos de venda
macios de carne de gado, porco, galinha e carneiro. Ainda assim, muito pouco. Esse mesmo exame teria
de se estender a toda uma extensa regio de pesca. Num acidente ecolgico que presenciamos em Cabo
Frio, milhares de camares envenenados desapareceram rapidamente da praia, e alguns foram vendidos na
cidade. Da, entre outros, a importncia de um trabalho sistemtico de comunicao.
A localizao de milhares de retirantes em outro ponto do pas no ser automtica. Dificilmente se far
sem conflitos, se no houver uma consulta prvia s comunidade que ficam prximas s barracas. O caso
de Gois mostrou como os parentes fugiam, como os bairros resistiam ao enterro das vtimas no cemitrio
local; em outros Estados, houve recusa de aceitar gente de Goinia em hotis, apedrejamento de carro com
placa de Goinia, e at uma deciso de proibir a barraca de Gois na Feira da Providncia.
Tudo isso contornvel, desde que haja um trabalho preparatrio. Na Feira, como prova de solidariedade,
a populao do Rio, reagindo discriminao, esgotou os produtos da barraca alternativa de Gois. Entre
esse gesto, mediado por uma luta poltica, e a aceitao de milhares de retirantes numa rea determinada,
vai uma distncia que tem de ser levada em conta.
De um ponto de vista mdico, pode-se dizer com tranqilidade que h preparo para um acidente de
grandes propores. O nmero de leitos do Hospital Naval muito pequeno, os recursos so limitados, e o
tratamento macio atravs de um esquema mdico militarizado traria inmeros conflitos.
Um grande nmero de atingidos implicaria uma grande necessidade de concentrados de sangue, glbulos
brancos, glbulos vermelhos e plaquetas. A conjuntura atual, com os problemas trazidos pela AIDS,
de sangue escasso e controle precrio dos bancos que o fornecem. Embora essa conjuntura de escassez
de sangue no seja eterna, muito provvel que prevalea alguns anos, e por uma questo de mtodo,
fundamental contar com ela.
Um problema especial, que ainda no foi sequer discutido em Angra, o que fazer com o lixo atmico, em
caso de acidente. O lixo est depositado em piscinas ao lado da Usina e deve rondar as 20 toneladas. Seu

tempo de vida ativa no curto como o do csio. Sua capacidade de provocar danos permanecer inalterada
durante oito sculos, tempo suficiente at para desaparecer um idioma.
Como esse lixo atmico seria protegido com a cidade em debandada e um alto nvel de contaminao no
ar? Alis, o complexo de Angra, onde se integram o reator e lixo produzido por ele, nunca foi estudado nos
detalhes ligados a um grande acidente.
Na Inglaterra, um complexo semelhante, o de Sellafield, foi produzindo pequenas descargas ao longo
do tempo, poluindo as guas do mar, e, em 1983, um programa da TV Yorkshire denunciou uma grande
incidncia de leucemia entre as crianas. Para aliviar a tenso, o Governo criou uma comisso e lanou o
relatrio Black, em 1984. O relatrio, embora produzido com a inteno de acalmar, teve de admitir que o
ndice de leucemia em Seascale era dez vez maior que a mdia nacional; no distrito de Millon, o ndice era
quatro vezes maior que o nacional.
O relatrio conclui que no h uma relao causal entre a presena da usina e o ndice de leucemia. Ainda
assim, no acalmou completamente. Casos de leucemia eram registrado em nmeros crescentes em
Winfrith em Dorset, Aldermaston em Berkshire, Leiston em Suffolk, cada um deles prximos a diferentes
instalaes nucleares.
Os crticos do relatrio Black foram implacveis ao examinar a afirmao de seu texto segundo a qual no
havia uma relao causal entre radioatividade do complexo de Sellafield e a incidncia de leucemia:
A afirmao de que um vnculo causal no foi estabelecido de um ponto de vista cientfico absurda,
uma vez que uma relao causal dessa natureza jamais pode ser provada
(Guardian, 27 de dezembro, 1984)
Nas noites quentes de Goinia era possvel chegar janela do hotel, olhar para um lado da cidade e
pensar: ali est a radioatividade. Goinia era uma cidade normal onde se podia entrar e sair sem problemas,
circular por todos os pontos, como se nada estivesse acontecendo.
Se houver um acidente em Angra, dificilmente se poder circunscrever a contaminao num s ponto.
Alm disso, ser quase impossvel entrar na cidade e acompanhar os trabalhos de isolamento, evacuao
e segurana. A tendncia ser a de militarizar toda a rea, e, como h usinas nucleares para proteger, o
Governo poder racionalizar o fechamento, impedindo o controle, suprimindo as crticas e chegando ao
ponto ideal num projeto desse tipo: transformar a cidade e seus arredores num imenso quartel.
A nica sada obter um compromisso antecipado de que se podem controlar os trabalhos, caso contrrio
as nicas informaes viveis sero dadas pelos sobreviventes, assim mesmo quando estiverem acessveis,
depois da remoo.
S trs meses aps o acidente de Goinia que foram descobertos dois novos focos radioativos em rvores.
Eram uma bananeira e uma mangueira, localizadas perto do ferro-velho onde ficou a cpsula de csio-137.
Se projetarmos essa lentido em inspecionar todas as rvores da rea para as matas que circundam Angra
dos Reis, podemos afirmar com segurana que a vegetao naquela rea ficar sob suspeita durante muitos
anos.
Todas as consideraes feitas aqui no examinam ainda os perigos de radioatividade que pesam sobre o
Rio de Janeiro, em caso de desastre em Angra. O Rio impossvel de ser esvaziado, e a populao teria de
conviver com a radioatividade. S os mais ricos, com dinheiro para viajar e reiniciar a vida em outro canto,
teriam chance maior. Alias, basta dar uma olhada no relatrio para sentir tambm que os mais ricos tm
condies de pagar um transplante de medula, ou podem armazenar sangue descontaminado, para usar
em caso de emergncia.
Aprofundar uma anlise da vida no Rio, em caso de acidente nuclear em Angra, na realidade um exerccio
sinistro, pois as conseqncias transcendem em muito a capacidade de fazer frente a elas.

Diante dessa observao, a nica coisa que me pareceu segura, realmente, no caso da Usina de Angra dos
Reis, a deciso de desativ-la. Por incrvel que parea, esta soluo, apesar de ser a mais simples, implica
trabalho, tcnica apropriada e muito tempo.
Perdido na luta para fazer funcionar uma usina que instalou e montar duas usinas que comprou, o Brasil
ainda ignora solenemente o debate internacional sobre a desativao de centrais nucleares.
Um dos estudiosos do assunto, M. J. Pasqualetti, compara as usinas nucleares com os carros e lembra que,
teoricamente, elas devem operar de uma forma melhor e mais econmica no principio de sua vida:
O tempo da desativao chega quando a operao continuada e antieconmica ou insegura.
O caso de Angra i tpico de velhice precoce. A Usina apresenta todos os sinais de decadncia j nos
primeiros anos de vida, a ponto de se suspeitar que parte do material comprado j tenha sido usado em
Porto Rico. Angra I parece, de fato, com um personagem do escritor norte-americano Scott Fritgerald,
que nasceu com 70 anos de idade e se comporta como um ancio desde os primeiros dias de sua vida.
Mas suas observaes sobre a decadncia de uma usina, Pasqualetti lembra que o ponto tcnico mais
delicado a perda de condutibilidade no vaso reator, provocada pelo constante bombardeamento de
nutrons. Isso esperado acontecer depois de 30 ou 40 anos de funcionamento, mas nada impede que
outros problemas coloquem a usina fora de combate, antes desse prazo.
O problema que somente pequenos reatores foram desativados at agora, e a experincia de sua desativao
talvez no seja diferente da que precisa ser aplicada usina de Angra: desmontagem, armazenamento num
lugar seguro ou a compactao.
O desmantelamento imediato envolve a descontaminao e remoo do material radioativo para que a rea
onde funcionou a usina nuclear possa ser usada sem restries. J o armazenamento num lugar seguro
permite neutralizar alguns istopos perigosos mas de vida ativa curta, como o cobalto-6-.
No caso do reator de Angra, reator a gua pressurizada, existem j projetos prevendo todas as fases da
desativao. Em 1982 foi estabelecido um plano para o reator de Sizewell, cujos pontos principais podem
ser adaptados ao Brasil, a julgar por alguns aspectos semelhantes dos reatores.
Fora do Brasil, uma das razes para se desativar uma usina nuclear a oposio a ela. Alguns pesquisadores
adiantam que quanto mais visvel for uma usina, e mais prxima de uma rea de recreao, mais rapidamente
tende a ser objeto de lutas pela desativao.
Os dois exemplos disso so as usinas de Humboldt Bay e Indian Point. A usina de Sizewell, por exemplo,
foi atacada duramente apenas porque se localiza numa rea de importncia esttica.
Se considerarmos esses critrios internacionais, o Brasil tem todas as condies de ser o primeiro do
mundo no campeonato de dasativao de usinas. A de Angra dos Reis visvel por todos os que passam
na estrada, e se localiza numa rea de recreao que , nada mais nada menos, um dos pontos mais bonitos
da costa brasileira.
Por ser a mais desejada, a sada de desativar Angra no resolve magicamente todos os problemas. Como
se transportar o lixo nuclear, onde ser guardado para sempre, quanto tempo ser necessrio para que
ndice de radioatividade seja to baixo a ponto de se liberar a reas, irrestritamente?
As pessoas que estudam o problema da aposentadoria de usinas nucleares garantem que a firmeza sobre o
que fazer com o local, no futuro, um dos pontos que contribuem para apressar o processo.
Por um desses irnicos caminhos brasileiros, a experincia de Goinia nos mergulhou numa discusso
futurista antes de termos chegado completamente ao sculo XX. O que fazer com as reas liberadas: o
pintor Siron Franco, logo no incio, props que se construsse um monumento e um grande jardim na rua
57, em homenagem s vtimas da radioatividade.

A proposta, sem que se soubesse, coincide, de certa maneira, com projetos para a desativao da usina de
Indian Point, os quais incluem a construo de um grande parque.
Goinia apresenta este problema especial. Como reintegrar paisagem da cidade uma rea atingida pela
desintegrao do csio? um desafio para os urbanistas e paisagistas brasileiros, desafio que poder
futuramente ser estendido a Angra.
Infelizmente, no momento, luta-se com problemas bem ais prosaicos na rua 57. na metade do ms de
novembro, o servio urbano de coleta de lixo, em Goinia, ainda se recusava a recolher o lixo domstico h
vrias semanas acumulado nas portas.
Uma das grandes lacunas do trabalho em Goinia foi a conduo quase que exclusiva do processo pelos
fsicos nucleares. No h dvida que sua capacidade de tratar do problema era maior, no que diz respeito
s tarefas de descontaminao, isolamento, retirada do lixo etc.
Ficou bastante claro que o fenmeno no apenas fsico e sobretudo no acontece somente no interior
do tomo. O relatrio da Sociedade Brasileira de Fsica lamenta a ausncia de bilogos que poderiam ter
enriquecido bastante a avaliao do acidente.
Ao longo de todos os momentos do acidente foi necessrio localizar e mobilizar alternativamente em
Goinia todos os talentos que, de alguma maneira, poderiam contribuir durante o processo. Em sucessivas
reunies, especialistas discorriam sobre a resistncia do concreto, o movimento dos pombos, o perigo dos
aparelhos de raios X, os hbitos secretos dos grupos de meninos de rua, a histria da rua 57.
Foi uma gigantesca maratona intelectual e psicolgica que no pode entrar na histria s como um
captulo da fsica nuclear. Os especialistas neste campo, trabalhando para o Governo, deram uma grande
contribuio prtica, mas, simultaneamente, provocaram um grande curto-circuito na tomada de conscincia
do problema geral. Ao optarem por discutir apenas suas minsculas tarefas e proteger o Governo das
crticas mais abrangentes, acabaram mergulhando numa falsa racionalidade do fragmento que engendra a
grande irracionalidade o conjunto.
Este informe foi produzido ao longo de um confronto cotidiano com fsicos nucleares, numa tentativa de
entender sua linguagem, apontar seus eufemismos, condenar suas omisses. O esforo bsico apontava
na direo de dotar o maior nmero possvel de pessoas das informaes necessrias para que pudessem
contribuir tambm no debate e na luta contra a contaminao radioativa.
Foi com essa perspectiva que se conduziu um trabalho poltico em Goinia, tentando bloquear os caminhos
do esquecimento. Enquanto muitos sonhavam com o momento em que o acidente nuclear ficasse para trs,
como se nada tivesse acontecido, outros se preparam para manter acesa a chama do debate, transformando
Goinia na capital da paz e do movimento antinuclear no Brasil.
Dentro desse quadro, inmeras respostas estticas j foram dadas: exposies, musicas, poemas tudo que
possa lembrar a rua 57 e os horrores da contaminao.
O que comeou em Goinia na acaba mais. Na realidade, nada comeou em Goinia. Ali se viveu apenas um
drama universal, cantado por milhares de poeta, temido pelas pessoas sensveis do mundo inteiro.
Se no assim, como explicar este discurso do escritor Albert Camus, feito em Estocolmo, quando recebeu
o Prmio Nobel de Literatura:
Foi necessrio forjar uma arte de viver em tempos de catstrofe, para nascer uma segunda vez e, em
seguida, lutar de cara aberta contra o instinto de morte que envolve a nossa histria.

As informaes sobre o tamanho a pedra so contraditrias. Para o fsico Carlos Eduardo de Almeida, da
CNEN, a fonte tinha 2 centmetros de comprimento para 0,2 centmetros de dimetro. Para outras fontes,
a pedra tinha 3,6 centmetros de dimetro.
Marie-Louise von Franz, Alquimia, Edit. Cultrix.
Morreu no dia 23 de outubro, s 18h10min.
A comisso era composta pelos deputados Fbio Feldman (PMDB-SP), Maurcio Miranda (PMDB-GO),
Carlos Minc (PV-RJ) e o autor.
Aluso Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro.
Citado em Anatomie dum nuage, Ed. Gerard Lebovici.
Dirio da salvao do mundo, Espao e Tempo, 1987.
Jorge Zahar, editor, 1985.
Ver Pinguelli Rosa, obra citada.
Pierre Thuillier, La Matire aujourdhui, Ed. Du Seuil, 1981.
Dados de Nuclear Power Crisis, editado por Andrew Blowers e David Pepper.