13 Cronicas 1906

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1906

O Theatro, 12/01/1906
Apesar da chuva, que ha muitos dias no cessa, o Apollo no se tem dado
mal com a reprise o Gato Preto, magica felicissima que j fez a fortuna de um
emprezario, e duvido que ainda faa a de mais algum.
O artista que deve ser elogiado em primeiro logar o incansavel e
engenhoso machinista Augusto Coutinho, a quem compete, desde a primitiva,
melhor parte no successo escandaloso daquelle Gato. O publico tem agora uma
bella occasio de recompensal-o de tantos esforos para bem sevil-o. Segundafeira proxima a festa de Augusto Coutinho, e beneficiado, thesoureiro da
Caixa Beneficente Theatral, destinta piedosa associao cinco por cento da
venda da porta. Fao votos para que a Caixa receba cem mil ris, pelo menos.
Dizer que os principaes papeis do Gato preto esto confiados a Brando,
Cols, Leonardo, Brando Junior, Veiga, Carmem Ruiz, Pepa Delgado, Ismenia
Matheus, etc., aconselhar ao publico que no perca esta reprise, emquanto os
Granadeiros em portuguez no fazem a sua entrada triumphal naquelle palco,
onde agradaram tanto em italiano.
***
A companhia Lucinda-Christiano partio ante-hontem para S. Paulo,
contratada pelo activo emprezario Cateysson para dar uma serie de
espectaculos no Polytheama daquella cidade.
J num artigo escripto para o Commercio de S. Paulo, recommendei aos
meus leitores paulistas essa companhia, que alis no precisava disso, em que
pese inexplicavel ingratido com que o nosso publico se houve para com ella.
Si S. Paulo merece realmente a classificao de capital artistica do Brasil,
com que a condecorou Sarah Bernhardt, fer justia ao repertorio, ao cuidado
com que as peas esto enscenadas, e sobretudo ao merito dos artistas, entre
os quaes se contam escuzez du peu! a primeira actriz brasileira, sem fallar
dos dois Souzas-Christiano e Ferreira , cada qual mais digno de uma plata
intelligente.
***
E a proposito de S.Paulo:
A municipalidade da capital artistica decretou, ha dias, a creao de um
Consevatorio Dramatico e Musical. Venceu a ida pela qual Gomes Cardim
se bateu com tanta constancia e denodo. Envio os meus parabens ao illustre
collega.
Na longa campanha que tenho sustentado em prol do Theatro Brasileiro
jmais fiz questo de um Conservatorio, porque francamente no creio no
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ensino official da arte de representar. Tenho que esta, com todo os seus
accessorios, no se aprende. O actor nasce actor, e no palco que estuda seu
papel gesto por gesto, inflexo por inflexo. Frederick Lamaitre, o primeiro
actor francez, do seculo passado, foi recusado pelo jury de admisso do
Conservatorio. Teve apenas um voto: o de Talma. Portanto, esse no aprendeu
e foi o primeiro.
Todavia, no creio tambem que o Conservatorio prejudique o talento de
quem o tenha, e como preferivel que o artista por um lado possua certos
conhecimentos e por outro possa invocar em seu favor um diploma official,
convenho na utilidade do Consesrvatorio. O melhor servio que poderia
prestar entre ns um estabelecimento desse genero, ou mesmo um simples
curso de declamao theatral annexo ao Instituto Nacional de Musica, seria
fazer com que o theatro deixasse de ser o refugio de quanto analphabeto
experimentou diversas profisses sem acertar em nenhuma.
Gomes Cardim tem,como eu, conhecido insignes artistas que nunca
frequentaram Conservatorios, e alguns creio que nem mesmo a escola
primaria. Antonio Pedro, o grande actor portuguez, no seria, talvez, o artista
que foi, si o houvessem escravisado a theorias didacticas. E quantos exemplos
tivemos ns, desde Joo Caetano at Guilherme de Aguiar! Aquelle, no fim da
sua gloriosa carreira de artista sem mestres, quiz fazer-se professor, e enfeixou
num folheto ridiculo algumas lices de arte dramatica, as quaes dariam, na
pratica, no artistas, como elle, mas bonifrates de carne e osso, como tantos
que conhecemos.
No! o individuo que no nasceu para o theatro pde frequentar quantos
Conservatorios quizer, no ser nunca um artista; e o que recebeu esse dom no
bero, dispensa mestres, porque a natureza lhe ensinou e lhe ensina tudo.
Quando se diz de um artista: Tem talento, mas no tem escola , diz-se
uma asneira; a phrase deve ser esta: Tem talendo, mas no artista. Si bem
que haja, naturalmente, um modo de representar a tragedia e outro a comedia,
a arte dramatica no est, como a pintura e a musica, adstricta a divises e subdivises de escolas. Desde que o artista dramatico tenha a dico, a inflexo,
o gesto, a mobilidade physionomica, o movimento ambulatorio, e, sobretudo,
a naturalidade, nada lhe falta; todo o seu trabalho completar, e deve
consistir em copiar a vida o mais fielmente possivel, identificando-se physica e
moralmente com o personagem que interpreta.
O movimento de scena, a propriedade do gesto nesta ou naquella
passagem, a inflexo adequada a certa phrase, a pronuncia de uma palavra que
offerea duvidas, so questes que se discutem e se resolvem no palco entre
o artista, o ensaiador e o auctor se est presente, embora o publico (fallo do
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nosso) no dividas as responsabilidades. o ensaiador o principal responsavel


por tudo quanto se diz e se faz em scena aberta. O seu dever advertir o
proprio auctor ou traductor de algum erro que escapasse.
S. Paulo, que est, como o Rio de Janeiro, construindo um theatro
monumental, deve fazer, a menos que reserve o monumento para servio
exclusivo da arte estrangeira, o que, apezar das minhas supplicas, no
quiz fazer o Rio de Janeiro: aproveite a Mestra que ante-hontem para l
partio: Lucinda Simes, incumba-se de organisar, disciplinar e dirigir uma
companhia que no pesar extraordinariamente sobre os cofres municipaes,
porque o publico pagar. E depois, S. Paulo que emprste generosamente
essa companhia ao Rio de Janeiro, quando este quizer inaugurar o Theatro
Municipal.
***
Um telegramma de Paris noticiou-nos o fallecimento de Gabriella Krauss,
uma das artistas lyricas mais notaveis do seculo passado.
Nascida em Viena dAustria, em 1842, cursou o Conservatorio Imperial
daquella cidade, onde se estreou, com extraordinario successo, em 1860, no
Guilherme Tell, formando em seguida um repertorio consideravel.
Em 1866 appareceu em Frana, e obteve estrondosos triumphos, cantando,
no Theatro-Italiano, o Trovador, a Norma, a Lcia, o Othelo (de Rossini), a
Semiramis, e principalmente o Fidelio, de Beethoven.
Em 1872 fez-se applaudir em Napoles, Milo e S. Petersburgo, e acceitou
contracto para cantar, em francez, na Opera de Paris.
Estreou-se ahi, victoriosamente, na Hbrea, e cantou os Hunguenotes, o Don
Juan, o Roberto e depois Freichutz, a Africana, o Fausto, o Rigoletto, e Sapho
(que Goanod revio e alterou expressamente para ella); creou Jeanne dArc,
Polyeucte (de Gounod), Aida e Tributo de Zamora, Henrique VIII e, finalmente,
Patrie (de Paladilhe), que foi, em 1886, o fecho da sua gloriosa carreira.
Em 1888, aos 46 annos, Gabriella Krauss, abandonando o theatro, dedicouse exclusivamente ao ensino.
Ouvi-a, em 1883, no Fausto e no Henrique VIII, de Saint-Saens, Era,
realmente, alm de uma prodigiosa cantora, uma tragica admiravel,
concorrendo para isto uma estatura imponente e um perfil severo, que parecia
talhado em marmore.
No Fausto achei-a grande e morena para a pobre Margarida, que sempre
sonhei melindrosa e loura. Ella apresentava-se de cabellos pretos, isto , com
os seus proprios cabellos, e os tinha magnificos. Disseram-me que essa inverso
da principal tradio do personagem dra logar a uma grande discusso na
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imprensa parisiense, e a Krauss, mais allem que franceza, respondra que em


nenhuma pagina do Fausto affirma Goethe, que a sua heroina seja loura.
Pondo de parte essa questo de cabellos, que no interessa, posso affirmar
que nunca ouvi e provavelmente que jmais oua o papel de Margarida to
bem cantado.
A. A.

O Theatro, 18/01/1906
Depois do meu ultimo folhetim, nenhuma novidade houve, que me
constasse, em os nossos theatro. A opereta os Granadeiros, annunciada para
sabbado, para tera-feira, e afinal para hontem, s amanh ser representada
no Apollo, e sem duvida attrahir os apreciadores da bonita musica de Valente.
Para hoje, naquelle theatro, est annunciado um espectaculo em
beneficio do distincto actor Portulez, que durante algum tempo foi director de
scena da companhia Mesquita, mas infelizmente, por desintelligencias havidas
no exercicio do seu cargo, no se quiz conservar no Apollo. Desejo-lhe uma
enchente cunha.
A convite dos respectivos auctores, a revista Guanabarina esta sendo em
saiada pelo Brando, que pz em scena o Rio N e a Capital Federal.
***
On revient toujours ses premires amours, Dias Braga est outra vez
emprezario do Recreio Dramatico, e conta inaugurar amanh a sua nova
companhia, com a reprise do Martyr do Calvario, um dos successos mais
populares daquelle theatro.
O papel do Christo, creado por Olympio Nogueira, ser desta vez
representado pelo emprezario, e os demais papeis sero, pouco mais ou menos,
desempenhados pelos mesmos artistas da primitiva.
Sempre fiel as tradies celectivas do Recreio, Dias Braga aprompta
ao mesmo tempo a applaudida revista C e l, para succeder ao Martyr do
Calvario, com a graciosa Pepa no papel da comadre, creado por Cinira Polonio.
Vo, pois voltar as bellas noites do Recreio, com seu publico [ps. is.],
publico ingenuo, bem intencionado e que quer que lhe faam rir ou chorar
e no sorrir [p. i.] a mo de Deus [p. i.] as sutilezas do dialogo de Capus ou
Donnay.
Estava alli deslocada a comedia moderna, interpretada por Lucinda
e Christiano, embora os dous illustres artistas de vez emquando fizessem
algumas ligeiras concesses ao vaudeville, euphemismo theatral que hoje toda
a gente usa para classificar a fara.
No tenho a prentenso de dar conselhos a Dias Braga, cuja longa
experiencia servida por uma intelligencia fra do commum; mas como sei
da velha quda que elle tem para as reprises, sempre lhe vou dizendo que
d de mo o mais que puder, ao velho repertorio, proporcionando ao publico
algumas peas novas que o faam vibrar de enthusiasmo, como vibrava
outrora, ouvindo, por exemplo, o Conde de Monte Christo.
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Nada de comedias! A infeliz passagem de Lucinda e Christiano pelo Recreio


me convenceram de que esse theatro a necropole daquelle genero: as cinco
ou seis representaes da Sorte me consolaram das sete ou oito do Retrato a
oleo...
***
Segundo creio, a companhia Lucinda-Christiano tem tido, em S. Paulo,
alguma compensao dos prejuizos e semsaborias que amargou no Rio de
Janeiro.
[p. i.: IF?] espirituoso chronista do Commercio de So Paulo, antigo
admirador da Lucinda, achou-a velha na Madame Flirt. No tenho a mesma
opinio, porque em certos papeis habituei-me a fechar os olhos edade
da eminente actriz, que , alis, a mesma edade, pouco mais ou menos, de
todas as actrizes celebres; no tenho a mesma opinio, mas comprehendo
que o collega ficasse mal impressionado. O mesmo no lhe succederia si
os espectaculos de Lucinda comeassem pelo Monsieur Alphonse, ou pela
Tia Leontina, ou pelo Regabofe,Temperana & C. Quem a v e admira nessas
comedias, acceita-a depois, com muita boa vontade, na Madame Flirt, em
que prodigiosa de sentimento e naturalidade, fazendo esquecer com esses
predicados, o que o personagem tem de absurdo.
S uma artista de talento pde fazer com que o publico acceite, sem
protestar, aquella mulher que, para salvar a amiga, se faz passar por
deshonesta aos olhos do homem que a ama e por ella amado. A interpretao
que Lucinda Simes d ao papel justifica, pelo menos theatralmente, a
inverosimelhana do sacrificio. E si ella no tem a edade de Madame Flirt, mais
admiravel se torna o seu trabalho.
Si Lucinda fosse franceza, e tivesse, como a Rjane, a Grnier, a Baudy e
outras, autores talentosos que lhe talhassem carapuas, alfaiates de primeira
ordem que a vestissem da cabea aos ps, e si tomasse os famosos banhos
hydroelectricos, seria hoje uma artista universalmente consagrada.
***
Recebi de Milo um numero da Revista Theatral Melodramatica, com a
seguinte noticia tarjada, para chamar-me a atteno:
Ia questo giorgi abbiamo aonto il piacer dudire una giovanissima artista
brasiliana: Stella Magalhes, di Rio Janeiro, allieva del tenore cav. M. de G.
Palmieri. La Magalhes ci ha cantato il suicidio della Gioconda e laria Vissi
darti delia Tosca, con bellissima voce e molto sentimento. La Magalhes
pronta ad accettare seritture con lopere Iris, Mefistofele, Aida, Tosca, Cavalleria,
Bohme, del Puccini, e Faust. Sappiamo che anche limpresario Poli, che la udi
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negli stesse pezzi, ebbe a lodare molto e mezzi vocali e lottimo metodo nuova
prima donna, indubbiamente destinada a brilhante carreira.
Quando ouviremos no Lyrico a nossa gentil cantora?
A. A.

O Theatro, 25/01/1906
Os leitores dispensam-me, creio, de lhes dizer o que a opereta em 3 actos,
Os Granadeiros, de Mery e Della Campo, musica de Valenti, que a empreza
do Apollo acaba de pr em scena: ella foi tantas vezes representada naquelle
mesmo theatro, a principio pela companhia Maresco, depois pela companhia
Tomba, que se tornou popular, embora o publico s agora a ouvisse em
portuguez, por signal que bem traduzida por Accacio Antunes.
O que nem todos sabem que o libretto italiano imitado de Gondinet e
Duval. Os Granadeiros, em Paris, so Les voltigeurs de la 32, e appareceram,
pela primeira vez, com musica de Planquette, no theatro da Renaissance.
No Apollo, as honras do desempenho cabem desta vez ao Cols, que
tirou grandes effeitos do papel de um Batatudo em que o actor italiano
Lambiasi deixou uma especie de tradio. Alguns criticos, reconhecendo,
alis, que o artista brasileiro deu muito ba conta do recado, chegaram-lhe
um poucochinho por ter exagerado. Releva dizer que o Cols exagera tanto
como o Lambiasi; se exagerasse menos, se representasse o papel com mais
commedimento, achariam todos que elle no estava na altura do outro. Na
minha opinio o artista fez o que devia procurando imprimir ao personagem a
feio j acceita e applaudida pelo publico.
Juanita Many, Carmea Raiz e Victorina Cosana, fazem valer a musica de
Valenti, que tem, na verdade, todos os elementos de agrado exigidos naquelle
genero, o que raro nas operetas italianas.
No esqueamos um estreante, o tenor Cilla (pronuncia-se Chila), tenor
a valer, com bonita voz e boa presena, ainda que um tanto acanhado como
actor, pois a primeira vez que representa. Ahi est, um artista que conquistar
o publico principalmente si conseguir falar o portuguez com alguma correco.
Os cros e a orchestra, ensaiados e dirigidos pelo caprichoso Assis Pacheco,
comportaram-se bem.
Os Granadeiros esto postos em scena com toda a propriedade e decencia.
As representaes foram interrompidas pelo doloroso motivo da
catastrophe que nos cobrio de luto, mas recomeam hoje, e espero que dem
tempo ao emprezario Mesquita para pr em scena, sem afogadilho, a revista
Guanabarina, cujos ensaios esto, alis, muito adeantados.
***
Com o Martyr do Calvario voltaram naturalmente as bellas noites do
Recreio Dramatico, noites de theatro cheio, noites de publico fremente e
esmante. Assaltado por uma onde de povo, o Juca vio-se tonto para encontrar
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a famosa taboleta S ha entradas que ha muito tempo no funccionava,


e jazia, sob uma espessa camada de p, a um canto da arrecadao a
contraregra.
No assisti ainda representao, porque os espectaculos do Recreio,
como todos os outros, foram suspensos; mas ao que me dizem, esta reprise no
alterou o credito da pea, comquanto Dias Braga physicamente no nos possa
dar um Christo de Guido Reni.
***
J que estou no Recreio Dramatico, permittam-me os leitores uma pequena
defeza:
O collega encarregado de dar conta, nesta folha, da primeira representao
do Martyr do Calvario, no levou a bem que no meu ultimo folhetim eu
chamasse aquelle theatro o tumulo da comedia, e, para provar o contrario,
lembrou as 51 representaes consecutivas das Doutoras, do saudoso Frana
Junior.
O collega poderia lembrar tambem a comedia Como se fazia um deputado,
do mesmo auctor, e outras que alli fizeram pocha, taes como Piperlia, Tres
mulheres para um marido, etc. Eu proprio tive a satisfao de ver representada
muitas vezes naquelle palco uma comedizinha da minha lavra, intitulada a
Almanjarra.
Mas tudo isso historia antiga. O collega refere-se a uma poca remota:
as Dolores contam 16 annos, pelo menos: so anteriores proclamao da
Republica e naquelle tempo o Recreio Dramatico tinha uma physionomia bem
diversa da de hoje. Os theatros mudam, meu caro collega: basta dizer que no
S. Pedro de Alcantara j muitas vezes comedias fizeram carreira. Os Moos e
velhos deram alli uma enfiada de representaes, verdade que com o Valle, a
Anna Cardoso e o Silva Pereira.
Percorra-se a lista das comedias que tem sido representadas no Recreio
Dramatico da Republica para c, principiando pelos Portuguezes s direitas, do
mesmo Frana Junior: nenhuma fez carreira, embora algumas fossem muito
elogiadas pela imprensa e pelos raros espectadores que as ouviram.
Durante os ultimos annos em que alli funccionou a companhia Dias
Braga, comedias como Feu Toupinel, de Bisson, e outras, no inferiores a essa,
nenhum resultado deram, apezar de bem representadas. Fez excepo apenas
o Comissario de policia, de Gervasio Lobato. A prova de que os tempos esto
mudados, que as proprias Doutoras no tiveram nunca uma reprise que
valesse a pena.

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A cara experiencia soffrida pela companhia Lucinda Christiano a prova


mais decisiva de que o Recreio se tornou o tumulo da comedia. Produces
como a Sorte, o Heroe do dia, a Tia Leontina e tantas outras passaram por ali
que nem ces por linha vindimada.
Dias Braga deve estar convencido disso, e naturalmente no querer
explorar no seu theatro outras peas que no sejam de grande espectaculo,
dramas phantasticos, magicas, revistas, etc. Todas as vezes que se afastar desse
programma, fallo-o-ha unicamente por amor da arte, o que, alis, ser muito
louvavel, e c estou para applaudil-o.
***
Os amadores dramaticos, e mesmo alguns artistas, andam constantemente
procura de alguma coisa que possam declamar nos intermedios;
recommendo-lhes o livrinho do joven poeta Alarico Cintra, Monologos e
humorismos, ultimamente publicado na Bahia, do qual recebi um exemplar,
que agradeo. Ha alli, no genero, alguma coisa aproveitavel.
Xavier Marques, o fino litterato bahiano, que prefaciou a obra, escreveu
o seguinte: Folheando os manuscriptos, lendo pea por pea, ao passo que
verificava em todas ellas uma destresa de versificao no commum em versos
de estra, e que notava ainda (valha sempre a verdade) algumas pequenas
violencias feitas a palavra, ora por necessidade de uma rima que tarde em
chegar, ora de um sentido que no precisamente o que registra o lexicon, ao
passo que isso apurava, ia fazendo agradaveis experiencias, ao fim das quais
confessei a mim mesmo que a obrinha no trahia o programma insinuado no
titulo, sendo assim mais feliz do que certas comedias hilariantes... no cartaz.
Essa impresso justa; subscrevo-a.
***
Francisco Valente, o infeliz reporter do Jornal do Brasil que foi uma das
victimas da catastrophe do Aqualadan, tem direito a uma sympatica referencia
neste folhetim, por ter sido cultor das lettras dramaticas e amigo do Theatro.
O publico ignora os seus trabalhos, que s foram exhibidos em
espectaculos de amadores; mas, segundo me informa pessa auctorisada, esse
desditoso collega, que tinha apenas trinta annos e tantos servios, poderia
prestar ao nosso theatro, deixou alguma coisa indita, digna da atteno e dos
applausos do publico.
No movimento de piedade feito em volta da familia do morto, projectam-se
espectaculos em beneficio della. No seria uma bonita homenagem prestada a
Francisco Valente a incluso de um trabalho seu no programma de um desses

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espectaculos? Ahi est uma ida para cuja realisao hypotheco os meus
esforos.
A. A.

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O Theatro, 01/02/1906
Nenhuma novidade tivemos nestes ultimos dias, mas o Recreio annuncia
para amanh a reprise do C e l... e, si, verdade o que me disseram, no
Carlos Gomes prepara-se tambem uma reprise de S para homens; vamos ter,
pois, duas revistas em scena, e, ainda uma revista a unica novidade que est
promettida ao publico.
Os nossos emprezarios de theatro parecem-se um poucochinho com os
nossos directores de jornaes: gostam de andar nas aguas uns dos outros, e,
no tocante imaginao, revelam uma pobreza commovedora: s inventam o
inventado.
Refazendo a sua velha companhia com os elementos de que poude lanar
mo, Dias Braga recorreu naturalmente ao C e l... revista que tem direitos
adquiridos reprise, por ter sido um dos grandes successos do Recreio; tanto
bostou para que a empreza do Carlos Gomes tambem recorresse a uma revista
do mesmo auctor do C e l... embora essa no tenha os mesmos direitos, nem
se recommende pelo titulo, S para homens, o espanta familias mais completo
que tem at hoje figurado na quarta pagina dos jornaes do Rio de Janeiro.
Quando a pea foi representada no Variedades, e depois no Carlos Gomes,
a empreza, ao cabo das primeiras rcitas, vio-se obrigada a declarar, nos
annuncios, que, no obstante aquelle titulo, a pea nada continha que pudesse
offender ouvidos castos, o que alis era verdade.
Si amanha o emprezario A. pozer em scena uma pea militar contem que o
emprezario B. vae remover cus e terras para arranjar outra do mesmo genero,
seno a mesma, que isso ento ser um prazer supremo! So essas e outras
espertezas que tem dado cabo da industria theatral do Rio de Janeiro...
***
Chegam-me de So Paulo agradaveis noticias relativamente companhia
Lucinda-Christiano. Quando os prejuizos de 1905 no sejam completamente
resarcidos, sero pelo menos, sensivelmente attenuados, o que j alguma
coisa. O publico da Paulica tem feito justia ao esforo intelligente e
sympathico de Lucinda Simes e Christiano de Souza.
Os leitores destes folhetins sabem o interesse que me desperta Lucilia
Peres, interesse muito natural porque, quer queiram, quer no queiram, ella
a unica actriz dramatica brasileira com quem actualmente podemos contar.
Houve algumas de mais valor, antes della, e no duvido que depois della
appaream outras, mas o caso que neste momento, Lucilia tem o n.1.

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Folguei de ver que o seu trabalho na Zaz foi muito discutido pela
imprensa de S. Paulo. No quero saber si a discusso foi justa, ou si chegou a
um resultado seguro para orientar o espectador ingenuo, que espera a opinio
dos jornalistas para formar a sua; s de uma coisa sei: o trabalho de Lucilia foi
discutido.
Houve quem lhe chamasse Zaz do Sacco do Alferes. Que essa piada no
a desgoste. Bairro por bairro, tratando-se da Zaz, antes o Sacco do Alferes que
Botafogo ou Laranjeiras. Outros criticos lhe disseram coisas mais amaveis. Os
elogios e os doestos contrabalanaram-se. dessa divergencia de pareceres que
nasce muitas vezes a reputao do artista.
Lucilia Peres ainda nova; estude, trabalhe, ame a sua arte sobre todas
as coisas, respeite o publico para que o publico possa respeital-a, e confie no
futuro e em Deus que ainda ajuda a quem trabalha.
***
No quero entreter com o meu collega X uma polemicazinha, que
interessaria mediocremente aos leitores dA Noticia, cujas columnas acolhem
gentilmente a prosa de ns ambos. Continuarei a pensar que o Recreio hoje o
nosso Theatro popular por excellencia, onde se devem ser exhibidos os generos
predilectos do publico, os espectaculos destinados menos para o espirito que
para os olhos; o meu collega pensar, si quizer, que a comedia tem um tumulo
em cada um dos nossos theatros. Ahi est uma questo de lana-caprina que no
despertar a atteno de ninguem neste periodo em que as catastrophes, as
calamidades, as eleies e os caixotes empolgam a curiosidade geral.
O que no posso deixar passar em silencio a injustia que o collega
comette contra Joo Caetano.
O nosso artista nunca dansou o samba. O facto daquelle annuncio: No
final do espectaculo ser dansado um samba por toda a companhia no quer
dizer que Joo Caetano, Ludovina ou Estella tambem sambassem. O publico,
lendo por toda a companhia, fazia o que no fez o collega: exceptuava
metalmente Joo Caetano e outros. Ainda hoje os annuncios dos nossos
theatros usam a formula: Toma parte toda a companhia, mesmo quando haja
artistas que no figuram na pea annunciada.
Releva notar que si, fiado na opinio de Machado de Assis, Henrique
Muzio, Jos de Alencar e outros, considero Joo Caetano um artista
phenomenal, superior a sua epoca e ao seu meio, sempre tive grandes
reservas contra o emprezario, que no aproveitou os grandes elementos de
que dispunha para crear definitivamente o nosso theatro, quando, e ninguem

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melhor do que elle, poderia fazel-o, e no faltou quem o instigasse nesse


sentido, como poderei provar num folhetim em que disponha de mais espao.
Isso de fazer de um samba, ou do Meirinho e a pobre e quejandas
borracheiras um rabo-leva do Othelo, embora a profanao comeasse pelo
proprio Othello na firma Ducis & Magalhes, uma concesso que Joo
Caetano no deveria fazer ao publico, embora o publico do seu tempo no
dispensasse taes frioleiras; faamos, porm, ao grande artista brasileiro a
justia ao menos essa de no acreditar que elle dansasse o samba depois do
Othelo, mesmo porque, materialmente, era isso impossivel, visto que o papel
do mouro de Veneza, mesmo modificado por aquella firma, um dos mais
fatigantes que se conhecem.
Para que diminuir Joo Caetano?
***
O Sr. J. Ribeiro dos Santos, actual proprietario da velha livraria Cruz
Coutinho, acaba de dar a lume, pela primeira vez, um Almanach Theatral, a que
no falta nenhum dos bons elementos desse genero de publicaes: retratos,
biographias, comedias, monologos, bonitas coisas em prosa e verso, etc., sem
fallar do calendario e outras informaes uteis.
Como tenho l meu retrato e um artigo muito lisonjeiro para a minha
pessoa, artigo que devo generosidade de Salomar, pseudonymo, creio, de um
bom amigo e distincto collega, o comediographo Marinonio Piedade, sinto-me
coagido para dizer todo o bem que penso deste livrinho.
Julgue o leitor por si, procurando-o na livraria Cruz Coutinho, a mais
theatral da rua de So Jos... e do Brasil.
A. A.

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O Theatro, 08/02/1906
A reprise da revista C e l, de Tito Martins e Bandeira de Gouva, attrahio
grande concorrencia ao Recreio Dramatico; folgarei que a nova empreza Dias
Braga apanhe muitas enchentes como as que tm tido nas ultimas noites.
A representao apresentava, entre outras, uma grande novidade: a Pepa
Ruiz nos papeis creados pela Cenira Polonio. No se pde dizer que esta fosse
subjugada, pois que era, realmente, a alma do C e l..., mas no ha duvida
que a Pepa ainda a melhor figura que nos resta para aquelles espectaculos em
lingua portugueza, e a melhor de que pode qualquer empreza lanar mo para
firmar os creditos de uma revista nova.
Tanto assim penso, que fiz o possivel para que a Pepa creasse o papel
da protagonista da Guanabarina, e sinto que, por causa de uma questo de
malhas, a gracisoa actriz no interpretasse um papel escripto para ella, e no
qual no teria de luctar contra a sabedoria do proverbio da candeia, pois iria
adeante e alluminaria duas vezes. Paciencia.
Ao lado da Pepa figura no papel do compadre Pancracio, creado, no C e
l..., por Ferreira de Souza, o actor Claudino, que j tinha feito boa figura no
Judas do Martyr do Calvario, e agora se mostrou muito acceitavel num genero
diverso.
Esse artista veio da provincia, fez-se, por bem dizer, na roa, e mais um
argumento a favor que tenho dito tantas vezes: as companhias dramaticas
ambulantes, obrigadas a representar peas de todos os generos, umas atrs
das outras, so magnificos viveiros de artistas. Observe o leitor que de muitos
annos a esta parte os melhores nos tm vindo da provincia.
uma victoria para o actor Claudino ter substituido Ferreira de Souza em
duas peas a seguir, sem que ninguem protestasse. No C e l s lhe falta para
hombrear com seu digno collega ser to ilho como elle; Ferreira de Souza, no
Panerario tinha a vantagem de haver nascido nos Aores.
Si alguma coisa faltou a esta nova edio de C e l..., foi a alegria
communicativa de Olympio Nogueira, que, infelizmente, no pertence
companhia Dias Braga, mas l esto Helena Cavalier, Aurelia Delorme, hoje
mais elegante que nunca, porque est delgada, Alfredo Silva, e, excepo de
Marzulo, todos os demais, primitivos interpretes do segundo plano, si que nas
revistas h graduaes.
No esqueamos Cecilia Porto, que figura pela primeira vez no elenco do
Recreio.
Estas impresses trouxe-as do theatro tendo assistido apenas ao primeiro
acto, o melhor e o mais cheio, do C e l...; dizem-me, porm, que no quadro
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dos theatros figura um estudante, cujo nome no me accode neste momento,


o qual nota admiravelmente o Jos Ricardo. Hei de ir ouvi-lo, mesmo porque
essas imitaes, verdadeiras scenas de revistas, me divertem muito.
***
No Apollo realiza-se hoje a primeira representao da revista Guanabarina,
escripta por Gasto Bousquet de collaborao com o auctor destas linhas.
No me compete julgar a pea, mas no me tenho por incompatibilizado
para dizer que a empreza do Apollo fez o possivel para dar-lhe a melhor
enscenao que um auctor pde exigir numa poca theatral to climaterica, e
bem assim que o Brando, o ensaiador, no se poupou esforos e fadigas, como
bem dizem os annuncios publicados.
Os nossos scenographos Marroig, Affonso, Timotheo e Emilio Silva deram a
melhor conta do recado, e Fiuza, o apreciado pintor brasileiro, faz a sua estra
na scenographia, reproduzindo milimetricamente o quadro Paz e Concordia, de
Pedro Americo, o grande artista cujo cadaver acaba de chegar de Italia, e vem
dar alguma actualidade a essa apotheose.
Pintando, alis, com muita felicidade, a apotheose final, que representa
a Avenida, Marroig adornou-a, por sua alta recreao, com alguns letreiros
saudando os Drs. Rodrigues Alves, Lauro Muller e Frontin.
Isso pde parecer um engrossamento dos actores, mas estes foram
completamente estranhos introduco desses letreiros. Para saudar o governo
e os seus auxiliares bastava, alis, a representao da propria Avenida em toda
a sua belleza, sem ser preciso o Salve que os espectadores l encontraro, e que
deve correr por conta, exclusivamente do sympathico e prestativo Marroig.
Os papeis esto bem confiados a todos os artistas da companhia do Apollo;
alguns encontraro na Guanabarina ensejo de fazer valer o seu talento.
A Pepa Ruiz foi substituida pela sua collega Carmen, tambm Ruiz, a quem
agradeo a boa vontade com que pegou no papel abandonado pela interprete
que os auctores tinham escolhido. Espero que o successo a recompense.
A partitura da Guanabarina, com alguns numeros de Assis Pacheco e um
numero do reputado pianista Amabile, que ensaia galhardamente os seus
vos de compositor, foi compilada aqui e alli, apresentando uma singular
variedade de musica de todos os paizes. Espero que essa variedade deleite os
espectadores. No se abusou do maxixe...
o que me cabe dizer a proposito de Guanabarina.
***

17

O meu collega Marinonio Piedade escreve-me, dizendo que da lavra de


Xavier Pinheiro o artigo, que tanto me lisongeou, inserto no Almanak Theatral,
da livraria Cruz Coutinho, e ao qual me referi no folhetim passado.
Receba, pois, Xavier Pinheiro os meus agradecimentos pelas generosas
mentiras com que me confundio.
A. A.

18

O Theatro, 15/02/1906
Foi representada a revista Guanabarina, e que aqui venho, em nome de
Gasto Busquet e no meu proprio nome, agradecer aos collegas da imprensa
a beniguidade com que acolheram o nosso trabalho, e empreza do theatro
Apollo e cuidado com que o pz em scena.
Nestes agradecimentos no dever ser esquecidos os artista daquelle
theatro, que todos a uma, to boa vontade manifestaram para o bom exito
da Guanabarina, e tambem os compositores e ensaiadores da musica, os
scenographos e o machinista. No ponho aqui nomes, porque o meu desejo
seria mencionar todos, e no quero estabelecer preferencias nem distinces
num artigo em que falla a gratido, no a critica.
Seja qual fr a sorte resevada Guanabarina, jmais olvidaremos Gasto
Busquet e eu o esforo que ella custou empreza e companhia do Apollo.
***
Dois dos nossos collegas da imprensa, Rodrigues Barbosa, do Jornal do
Commercio, e Paulo Barreto, da Noticia e da Gazeta de Noticias, aquelle com o
seu estylo de uma gravidade leve e graciosa, que tanta autoridade lhe d, este
com toda a originalidade e toda a graa da sua prosa esfusiante e polychroma,
accentuaram ambos, a proposito da Guanabarina, que a revista de anno
um genero theatral em que pde haver arte, desde que no seja uma simples
exhibio de pernas e scenarios.
Nada impede, realmente, que nas revistas haja grammatica, bom senso,
critica, observao, prosa limpa e versos bem feitos, nem me parece que ao
homem de lettras mais reputado fique mal o escrevl-as.
O genero desmoralisou-se ao Rio de Janeiro porque uns tantos individuos
entenderam que, para fazer uma revista, no era necessario mais que papel,
penna e tinta. Os emprezarios aceitaram e o publico applaudio as produes
informes desses individuos, confundindo-as injustamente com aquellas em que
havia um pouco de arte compensadora; mas de agora em deante conto que haja
um pouco mais de justia, e comece o publico, em se tratando de revistas, a
separar o trigo do joio.
***
Um sujeito, cujo nome no publico para lhe no fazer a vontade, accusou
a Guarabarina de ser plagiada de uma revista delle, escripta ha nove annos e
que ha nove annos persegue a todos os emprezarios, nacionaes e estrangeiros,
cata de um sufficientemente idiota para pl-a em scena. Ora, eu, autor de
dezenas de peas applaudidas pelo publico, seria um parvo si, querendo
19

plagiar alguma coisa, plagiasse uma pea de autor vivo e que andou, anda e
andar por todas as mos.
As pessoas que conhecem as minhas revistas no podem, assistindo
representao da Guanabarina, deixar de reconhecer que esse trabalho tem o
que se pde chamar a minha marca, e se noutro foi inspirado, esse outro o
meu Bilontra, em que ha uma luta entre o Trabalho e a Ociosidade, ou o meu
Fritsmc em que a uma luta entre a Virtude e o Vicio, ou o meu Major, em que
ha uma luta entre a Paz e a Guerra. Essas tres revistas foram representadas
centenas de vezes e esto impressas.
Na Guarabarina a luta entre o Progresso e o Carrancismo, e essa luta
estabelecida no entre aquellas duas figuras, que apparecem e desapparecem,
mas por outras duas, forjadas por meios maravilhosos, como no Bilontra, no
Fritsmac e no Major.
Esse meu processo de fazer revistas anterior, que diabo! produco que
o tal militante me accusa de haver copiado.
Si, independentemente dos meus proprios trabalhos, nalguma pea
se inspirou a Guanabarina foi no na revista errante de que se trata, mas
no bailado Excelsior, cujo assumpto , como se sabe, uma luta entre o
obscurantismo e a civilisao.
Note-se que a Guanabarina foi concebida em conversa e naturalmente de
accordo com Gaston Bousquet, e que durante essa elaborao nem um instante
me lembrei da tal pea escripta ha nove annos.
Tem esta, ao que parece, um personagem que lhe chama Rococ, na minha
ha o carrancismo; dahi conclue o maluco, num accesse de melogamia, num
delirio da vaidade e do despeito, com uma toleima commovedora, que lhe dei a
honra de plagial-o!
Nem por casualidade pde haver nas duas peas (felizmente para a minha)
duas figuras nem duas scenas que se paream.
A ida da luta entre o novo e o velho nasceu da abertura das Avenidas e de
outros melhoramentos materiaes com que o Rio de Janeiro acaba de ser dotado
contra a opposio dos carrancas. A ida dessa luta impunha-se na concepo
de uma revista carioca de 1905.
Para dizer toda a verdade, devo confessar que tive em meu poder mas no
li a revista do meu detractor. O actor Brando e outros, que assistiram leitura
desse trabalho, disseram-me que tinha elementos de agrado, e foi confiando
nessas informaes que escrevi num dos meu folhetins algumas linhas em favor
delle. Eil-o, devo dizel-o, vencido pelo cansao, porque esse auctor sem sorte
(diz o toleiro que a no tem por no ser jornalista nem estrangeiro) um dos
massadores mais temiveis e temidos que tenho conhecido. homemzinho de
20

obrigar os amigos a dobrar esquinas para evital-o. Ainda bem que graas a este
incidente estou livre delle.
O enxovedo, que hoje me insulta, e no me reconhece nenhuma qualidade,
fazia questo de que eu lesse todos os seus trabalhos, de que o aconselhasse,
de que o recommendasse aos empresarios. E fil-o, com toda minha pachorra
de homem bom, gordo e fraco; tive sempre boas palavras para com elle,
recommendei-o a emprezarios, defendi-o contra estes, e, por ultimo, pedi com
muito interesse ao emprezario Taveira que posesse em scena, si fosse possivel,
em Lisboa, essa mesma revista que o infeliz me accusa de haver copiado!
Em compensao, o patife engrossava-me, chamava-me seu mestre,
escrevia-me coisas amaveis em prosa e verso! Tenho as provas disso numa
gaveta.
Esta questo encetou-a elle, mandando-me uma carta anonyma,
insultuosa, com letra disfarsada. Isso pinta-o. No sei de maior infamia que
escrever cartas anonymas...
A lio talvez me corrija da condescendencia com que acolho maus scriptos
alheios, que pertubam a minha vida trabalhosa e retirada. Tenho ainda em
casa uma ruma delles. No lhes toco. Esto disposio dos seus donos. No va
outro dramaturgo mendicante accusar de improbidade litteraria um escriptor
que ha trinta annos produz para theatro, e cujas as peas, comquanto no
sejam primorosas, lhe tm dado um nome que elle deseja transmittir a seus
filhos puro e respeitado.
A. A.

21

O Theatro, 22/02/1906
A chuva incessante, impertinente, enfadonha, que tem cahido nestas
ultimas noites, causou grandes prejuizoes aos nossos emprezarios, que alias
tinham j contra si a aproximao do Carnaval.
Emquanto a companhia Dias Braga enceta uma revista geral ao seu
ecclectico repertorio, e procura attrahir ao Recreio o bom publico de outrora,
a companhia Mesquita faz lentamente as malas para S. Paulo, pois que est
compromettida a inaugurar, em maro proximo, o theatro Carlos Gomes,
recentemente construido naquella cidade. Entrementes, vae dando as ultimas
da Guanabarina, que [p. i.] sem duvida reservada uma [p. i.].
***
Ainda no pude ir ao Parque, onde o antigo Cateysson inaugurou um
genero de espectaculos que no pode desagradar ao publico: trata-se de
misturar com a opereta franceza o genero music-hall, que fez a fortuna do
Casino.
A opereta do espectaculo de estrea foi Le Lyce Poulardin, em dois actos,
libretto de Joullot fils, musica arranjada pelo maestro Ded. o que diz o
annuncio.
A pea, affirma o collega do Paiz, a mesma que o Guilherme de Aguiar
representava no SantAnna, traduzida com o titulo O Sr. Polycarpo; note-se,
porm, que o libretto muito mais engraado no idioma original.
Enganou-se o collega. A pea representada no SantAnna por Guilherme de
Aguiar, Vasques, Henry, etc., intitulava-se no original Un lyce de jeunes filles,
tinha 4 actos, era escripta por Alexandre Disson, e foi traduzida por mim com
o titulo O lyceu Polycarpo. Nada tinha de commum com a opereta do Parque. A
menos que se trate de um plagio.
***
Por fallar em plagio:
O militante que me accusou de lhe ter furtado a tal pea escripta ha nove
annos. outra [p. i.], no para insistir sobre a origem da Guanabarina, mas
para desenrolar aos olhos do publico a lista dos meus plagios.
Elle publica uma carta do Sr. Benevenuto dos Santos, em que este senhor
affirma que appresentara na imprensa dois contos escritos por seu pae
trazendo por baixo uma minha assignatura e outra as minhas iniciais.
Podiam ter apparecido, em vez de dois, cincoenta nessas condies, sem
que eu fosse culpado. Que culpa tenho de me fazerem assignar trabalhos que
no me pertencem?
22

Quem sobre o caso poderia informar eram os jornaes em que os contos


foram publicados, e na occasio em que foram; entretanto declarando o Sr.
Santos o titulo e a data desses jornaes, ainda poderei, talvez, tirar o facto a
limpo, o que farei com muito prazer.
De identicos abusos mais uma vez fui victima. J me fizeram assignar
versos de Luiz Murat e j me annunciaram isto quantas vezes! em
programma de theatro como autor de peas que eu nem siquer conhecia!
E si basta, para accusar um escriptor de plagiario, ver o nome delle
por baixo de trabalhos alheios, qualquer mariela pde, por esse processo,
desmoralizar um homem de bem. O meu accusador, por exemplo, se mandar
publicar com o seu nome alguma coisa do Fulano ou de Beltrano, ter nas
mos, para fulminar-me, um plagio escandaloso, commetido por mim!
Elle faz reviver uma accusao, que me fizeram ha vinte annos, de haver
plagiado na revista o Carioca um quadro da magica a Princesa Flor de Neve, de
Eduardo Garrido.
Naquelle tempo me defendi cabalmente dessa accusao: deixei provado
que nem eu nem Moreira Sampaio, meu co-autor, conheciamos o trabalho de
Garrido nem a pea franceza de onde este o extrahira.
Oque houve foi, realmente, um encontro de idas, e, apresentando cada
qual das duas peas o reino do dinheiro, era natural que aos respectivos
autores accudissem episodios identicos. O quadro foi, alis, escripto menos por
mim que por Moreira Sampaio, e, em todo caso, escripto de collaborao, o que
exclue qualquer ida de copia.
Ha annos, diz o homemzinho, foi publicado em O Fluminense, de
Nictheroy, o prologo de uma revista, denominada A Invicta, original do Dr.
Horacio Jos de Campos, actual promotor publico em Cantagallo. Pois bem:
tempos depois, era representada em um dos nossos theatros a revista Fantasia,
cujo prologo apresenta uma notavel semelhana com o da Invicta.
Desde j declaro que no conheo a Invicta, nem o Dr. Horacio Jos de
Campos. Nesta data escrevo a esse cavalheiro, pedindo informaes que, se me
forem dadas, transmittirei aos meus leitores.
Ainda espero as declaraes com que fui ameaado com referencia ao
supposto plagio da Guanabarina: por emquanto, o maluco publicou apenas
uma carta, escripta, creio, por elle proprio, com o pseudonymo de Fuo Lessa.
Tambem espero que o espirituoso jornalista encarregado da seco theatral
do Jornal do Brasil indique os pontos de semelhana que encontrou entre a
Guanabarina e a pea do meu detractor. A opinio que externou o collega
por mim considerada o ponto mais melindroso desta questo, que desejo bem
apurada.
23

Como a gatunagem litteraria , no meu entender, to infamante como


qualquer outra, sujeitarei o caso, si necessario for, ao juizo da Academia
Brasileira, qual me honro de pertencer.
***
Machado de Assis acaba de publicar mais um livro, Reliquias da casa
velha, editado pelo Sr. H. Garnier.
um magnifico feixe de varios escriptos, alguns ineditos, outros j
publicados, entre os quaes se acham tres trabalhos que interessam ao Theatro:
um estudo magistral sobre Antonio Jos, o Judeu, e duas finissimas comedias:
No consultas medico e Lio de botanica.
A. A.

24

O Theatro, 01/03/1906
Nos theatros, como nas ruas, no houve outra coisa seno Carnaval, e quer
me parecer que o carioca a muitos annos no se divertia tanto. Se no fosse a
chuva impertinente de tera-feira, teria festa passado sem um seno.
Os tres illustres brasileiros que tiveram a gloria de inventar a Avenida
Central, isto , os Dr. Rodrigues Alves, Lauro Muller e Paulo de Frontin, devem
estar satisfeitissimos: o Carnaval de 1906 foi a demonstrao mais positiva e
flagrante de que aquelle incomparavel melhoramento iniciou a reforma dos
costumes cariocas. Houve na festa uma nota de elegancia que o nosso povo
no conhecia ainda, e a alegria popular, o enthusiasmo das massas, a propria
concorrencia publica foram mais consideraveis que nos outros annos.
Lembram-se do atropello e dos apertes que havia na rua Ouvidor, durante
a passagem dos prestitos carnavalescos? Pois bem, na Avenida passam dois ao
mesmo tempo, em sentido contrario, de um lado e de outro, sem que ninguem
se apertasse!
Ainda este anno, os clubs, que acabaro, espero, por se convencer do seu
erro, deram populao o pernicioso espectaculo de exhibio de mulheres
nos carros allegoricos, mas fora convir que havia mais decencia ou menos
indecencia que nos outros annos: elas no iam to despidas e mostravam certa
reserva na gesticulao. Effeitos da Avenida, onde o sol, e com elle a verdade,
penetram com mais liberdade e franqueza...
A prova de que as mulheres no fazem falta aos prestitos carnavalescos,
que o carro de mais effeito, apresentado pelos Fenianos, foi o entitulado Ch
das sextas-feiras, delicada e inoffensiva allegoria comica, em que a hectaira da
tradio era substituida por um guapo e espirituoso rapaz, vestido de chineza.
J tenho um companheiro e que grande companheiro! na minha
velha campanha contra a exhibio das mulheres, Olavo Bilac, o primoroso
chronista, assim se exprimio num dos seus ultimos Registros:
Tenho para mim que o Carnaval carioca vae agora tornar a ser o que j
foi: uma grande festa ruidosa mas decente, expansiva mas decorosa, deixando
de ser uma apotheose a prostituio e da bebedeira, para ser um folguedo de
gente asseiada e digna.
E mais abaixo:
Daqui a alguns annos a pandega frenetica das mulheres da vida airada,
que at agora se fazia s escancaras, na rua, durante os tres dias de Carnaval,
passar a fazer dentro dos clubs e dos sales de baile, organizando-se c fora
um Carnaval mais limpo, que talvez no seja to barulhento como o outro, mas
que ser muito mais digno de uma populao civilisada.
25

o mesmo que tenho escripto, ha tantos annos, por outras palavras, e at


pelas mesmas, pois aquella phrase apotheose da prostituio , no assumpto,
um dos meus clichs favoritos.
No quero, como no quer Bilac, a suppresso do Carnaval, que o
divertimento por excellencia do nosso povo; o que desejo, o que deseja o
admiravel poeta da Via lactea, o que todos ns devemos desejar, que o
Carnaval no Rio de Janeiro seja um festa e no um tripudio. Felizmente
caminhamos para esse resultado.
***
Tendo o Carnaval tomado conta dos theatros, no levem a mal os meus
leitores que o folhetim, destinado especialmente ao theatro, se ocupasse tanto
do Carnaval. Demais, os theatros no offerecem, na actualidade, a sombra de
um assumpto.
A companhia Mesquita deixou o Apollo e partio hontem para S. Paulo,
onde hoje se estrear, no SantAnna, com a opereta os Granadeiros.
A Guanabarina, prejudicada pelo mu tempo, e com a sua promissora
carreira interrompida por essa viagem, a que estava obrigada a companhia
Mesquita, ter, na volta, uma reparadora reprise. Entretanto, Gasto
Bousquet e eu j lanamos as bases de uma burleta de grande espectaculo,
encommendada pelo emprezario Mesquita, e cujo titulo provisorio o Seculo
das luzes.
No Recreio, segundo me communicou Dias Braga, prepara-se uma reprise
do Quo vadis, e no Carlos Gomes... Francamente: no sei o que se passa no
Carlos Gomes. Dizem uns que a companhia foi dissolvida, outros que aprompta
as malas para uma excurso ao Norte, havendo tambem quem sustente que
continua em ensaios o Mascotte, o que prova que o estar gasto no motivo
para ser desdenhado... Em todo caso, espero que, aqui ou noutra qualquer
parte, continue a funccionar uma companhia que dispe de tantos e to bons
elementos.
E aqui tm os leitores ao que se acha reduzida a nossa industria theatral,
pois que da arte nem bom fallar: um theatro que no funcciona todas as
noites, e outro que no se sabe si funcciona ou no. De todas as manifestaes
da actividade nacional s o theatro no acompanha o progresso visivel do Rio
de Janeiro!
Precisavamos, todos ns, que ainda nos interessamos pelas coisas da arte,
sahisse hoje das urnas um chefe de Estado convencido de que o Theatro
tambem um symptoma de civilisao.

26

Infelizmente o Dr. Affonso Penna, estadista da velha escola, no homem


com quem possamos contar: vem ajonjado de preconceitos; no sae coelho
daquella mata... mineira. O theatro brasileiro ser por muitos annos isto que
est vendo...
Entretanto, seria to facil e to barato salvar o pobresinho! Que querem?
Pesa sobre elle uma condemnao terrivel! Parece que a gloria de ergue-lo da
choldra em que cahio amedronta os nossos dirigentes!
***
A proposito dos meus suppostos plagios, devo dizer aos leitores que no
recebi resposta carta que dirigi, quinta-feira passada, ao Dr. Horacio campos,
autor da Invicia.
Quanto Guanabarina, a questo tinha para mim apenas um ponto
melindroso: a opinio de Baptista Coelho, escriptor que tem imputabilidade
litteraria. Pouco me importa o juizo de individuos que no a tenham. Baptista
Coelho declarou que a revista no foi plagiada: estou satisfeito.
Um amigo intimo do meu gratuito aggressor confessou-me que elle no
assistio a uma unica representao da Guanabarina! O desastrado tem feito
todo este barulho (de que est arrependido) sem conhecer absolutamente
a pea que affirma ser copiada da sua, e levado apenas por informaes de
amigos que se divertem a vel-o dar por pus e por pedras!
Acabam por pl-o doido, e eu no quero concorrer para tirar o juizo a um
pae de familia que me dizem ser bom funccionario publico.
A. A.

27

O Theatro, 08/03/1906
Pondo de lado o theatro do Parque Fluminense, onde se explora um genero
de espectaculos que no exclusivamente theatral, apenas o Recreio tem
funccionado estas ultimas noites, exhibindo o Conde de Monte Christo e o C e
L... que hontem reappareceu.
A companhia que trabalhava no Carlos Gomes foi, effectivamente,
dissolvida; alguns dos artistas que a compunham, entre os quaes Medina de
Souza e Olympio Nogueira, vo para o Norte, levados pela emprezario Silva
Pinto, que est organisando um elenco para essa excurso; os demais, reunidos
a outros elementos, formaram uma nova companhia, que ensaia activamente
uma revista nova, o Maxixe, escripta por Baptista Coelho, o espirituoso
autor do No venhas, e Bastos Tigre, que no Correio da Manh tem revelado
excepcional talento para a poesia lyrica, e deve ser, naquelle genero, um
collaborador de primeira fora.
E eis ahi ao que se reduz todo o nosso movimento theatral: um theatro a
funccionar e uma revista em perspectiva!
***
No! isto no pde ser! Numa capital to grande como a nossa, com uma
populao que tem crescido de anno para anno, e sempre fez do theatro o seu
divertimento predillecto, impossivel que haja um numero to reduzido de
espectaculos!
Dir-se-ia que o publico perdeu inteirmente a f nos emprezarios e nos
artistas! Entretando estes e aquelles, justia se lhes faa, empregam todos os
esforos para attrahil-o.
Dizem-me que a companhia do Carlos Gomes, ultimamente dissolvida,
representa para o emprezario, que alis o mesmo da nova companhia, um
prejuizo superior a quarenta contos de ris. Entretanto, no elenco havia artistas
habituados aos applausos do publico, s se representaram peas manipuladas
por Eduardo Garrido, o mestre dos mestres do riso nos palcos de Porutgal e
Brasil, e quanto enscenao, falla bem alto aquelle deficit. A que attribuio,
pois, esse retrahimento de uma populao que outrora, quando era menos
densa, enchia, cunha oito e mesmo dez theatros na mesma noite?
Apontam como causa, alis accidental, desse retrahimento, a srie de
calamidades que ultimamente nos tm affligido, mas essa causa em toda a
parte do mundo produziu sempre o effeito contrario. Uma populao que soffre
procura distrahir-se, principalmente no theatro. Durante a guerra do Paraguay,
o emprezario Arnaud enriqueceu no Alcazar, e durante a revolta de 1893,
28

quando choviam balas sobre a cidade, os theatros no apresentavam o aspecto


desolador que hoje apresentam.
Ha quem diga que o extraordinario desenvolvimento das sociedades
sportivas concorreu para desviar a predileco, afastando-o dos theatros; mas
em todas as grandes capitaes h sport, sem por isso deixar de haver publico
para os theatros.
Outros dizem que os amadores dramaticos substituiram os artistas,
e o theatrinho o theatro; ha, realmente, no Rio de Janeiro um numero
consideravel de sociedades particulares, cada uma das quaes por via de regra,
d um espectaculo todos os mezes, mas sociedades dramaticas sempre as
tivemos; no eram tantas como hoje, mas, em compensao, havia menos
gente, e deixem l! nem ellas podem competir como theatro a valer na
apresentao de todos os elementos indispensaveis satisfao do publico;
nem este encontra nellas o ambiente especial nem as emoes que procura.
No quer isto dizer que as sociedades de amadores no sejam dignas de
animao e de apreo; tenho-me fartado de repetir que so ellas o nosso unico
viveiro de artistas; assim o fossem tambem de autores, sendo que algumas,
ainda neste particular, tm feito as mais louvaveis tentativas.
tambem opinio corrente que os nossos bons artistas envelheceram ou
morreram, e no foram substituidos. Essa opinio difficil de rebater porque
vae de encontro magia das recordaes, mais forte que qualquer argumento;
o nosso pessoal artistico no , porm, to pobre como se diz; entre os velhos
ainda se conservam alguns que do perfeitamente o seu recado, e entre
os novos ha no s esperanas como realidades. No cito nomes para no
lisonjear Fulano e desgostar Beltrano.
Outros attribuem a falta de concorrencia aos theatros carestia da vida,
sem se lembrarem de que no Rio de Janeiro o theatro foi sempre considerado
genero de primeira necessidade, figurando no oramento do rico e do pobre.
Si hoje faltasse dinheiro para esse divertimento, tambem o faltaria para
todos os outros, e, como se v, o carioca diverte-se o mais que pde. Ha dias
tivemos a prova disso pelo Carnaval. Nem a chuva nem a tristesa causada pelas
calamidades o impediram da sahir rua e gastar dinheiro.
Do mesmo argumento se pde lanar mo para contrariar os que attribuem
a crise theatral ao jogo, principalmente ao jogo dos bichos, verdadeira chaga
social a que a policia, no sei porque, no tem querido applicar um ferro em
brasa.
A causa; ou as causas da crise theatral so, pois, difficeis de averiguar; mas,
por isso mesmo que o publico se mostra to arredio do theatro, seria agora,
mais do que nunca, opportuna a interveno dos poderes publicos.
29

O nosso benemerito prefeito, que est sendo injuriado em todos os tons


por ter bolido numa casa de Caridade que ao mesmo tempo uma casa de
maribondos, e expia, nos a pedidos, o crime de querer transformar o Rio de
Janeiro numa bella cidade, bem poderia, sem perder nada, sujeitar-se a mais
uma duzia de descomposturas por amor da arte... dramatica.
***
O maestro Cavalier Darhily, director do Conservatorio Livre de Musica,
organisou um concerto, que se realisar naquelle estabelecimento (rua do
Carmo n. 47), a 22 do corrente, em beneficio das victimas da catastrophe do
Aquidaban.
No programma, que excellente, figuram distinctissimos artistas, entre os
quaes a insigne pianista russa Elisa Pekschen, que se acha nesta capital, que
se acha nesta capital, e aproveita o sympathico ensejo para apresentar-se ao
publico.
***
Recommendo aos leitores o espectaculo que se realisa no S. Jos, domingo
proximo, em beneficio da actriz brasileira Isolina Monclar, que, ha muito
tempo, est sem theatro, e do sympathico actor Marcellino da Fonseca.
Representar-se-ho dois vaudevilles que noutros tempos gosaram
de grande popularidade: o Eclipse e a Corda sensivel, e tomaro parte no
espectaculo alguns artistas estimados: Machado, a Maria Lino e outros, entre
os quaes o Joo Rocha, que tinha invernado no Norte, de onde chegou ha dias.
Como se v, trata-se de um curioso espectaculo.
A. A.

30

O Theatro, 15/03/1906
A reprise do Quo Vadis? attrahio grande concorrencia ao Recreio, unico
theatro neste momento aberto na primeira capital da America do Sul.
A interessante e apparatosa pea extrahida, por Eduardo Victorino, do
celebre romance de Sienkieweiz, conserva ainda a frescura dos scenarios e
vestuarios, e o publico festejou-a como si se tratasse de uma novidade.
Na distribuio dos papeis houve modificaes apenas perceptiveis pela
ausencia de Lucilia Peres e Ferreira de Souza, dois artistas que fazem falta
a companhia Dias Braga (seco drama comedia), o nosso publico acceitou
satisfeito a nova interpretao, e confundio todos os interpretes nos mesmos
applausos.
de presumir que o Recreio tenha pea para muito tempo, mesmo porque
no tocante a theatro, o publico s tem esta resposta: Ao Recreio, quando lhe
perguntam: Quo vadis?
***
O emprezario Cateyson, que no se tem dado mal com os espectaculos do
theatro do Parque, onde as operetas em 1 acto se succedem, para satisfao
geral, inaugura hoje uma nova phase do Casino Nacional, transformado
agora em Palace-Theatre, e podendo ser frenquentado pelas familias mais
escrupulosas.
O espectaculo constar de uma opereta militar, Nos pious-pious, e das
attraces de costume: canonetas, acrobacia, etc.
Apezar do excessivo calor que fez a noite passada e hoje se reproduzir
sem duvida (estamos em maro, no nos podemos queixar), provavel que o
Palace-Theatro apanhe uma enchente descommunal.
***
Continua em activos ensaios, no Carlos Gomes, o espectaculo Maxixe, de
Baptista Coelho e Bastos Tigre, do qual j tenho ouvido dizer maravilhas.
***
A associao do theatro Lyrico Brasileiro, ultimamente organisada,
annuncia dois espectaculos, que no podem deixar de attrahir a atteno do
publico em geral e a dos nossos dilettantes em particular.
O primeiro desses espectaculos se realisar quinta-feira, proxima, 22 do
corrente, no S. Pedro de Alcantara, onde ser cantada, por brasileiros, uma
opera brasileira.

31

O facto virgem nos annaes do nosso theatro. Mesmo no tempo da Opera


Nacional, em que foram cantadas as partituras de Joanna de Flandres e da
Noite no Castello, de Carlos Gomes, do Vagadunbo, de Henrique de Mesquita,
da Noite de So Joo, de Elias Lobo, e no sei si mais alguma, nem todos os
cantores eram nacionaes.
verdade que a opera annunciada tem apenas quatro personagens. Tratase da Carmela, do talentoso compositor rio-grandense Araujo Vianna, dois
actos que me dizem ser deliciosos de inspirao e factura. Os executantes
chamam-se Zilda Chiabotto, soprano, Mariano Soares, tenor, De Larrigue
de Faro, barytono e Levy da Costa, baixo. J ouvi apenas o soprano e o
barytono, mas todos os quatro so conhecidos por quantos no Rio de Janeiro se
interessam pela musica, e , portanto, ocioso recommendal-os.
A orchestra, regida por Francisco Braga, consta de quarenta professores, e
o corpo de coros foi organizado do melhor modo possivel.
Alm de Carmela, cantada naturalmente em portuguez, haver um
concerto symphonico, mas no sei ainda que peas figuraro nesse concerto.
, como se v, de uma tentativa artistica digna, por todos os respeitos de
incitamento e louvor.
Ahi est um espectaculo como eu quizera que os promovesse annualmente
o Instituto Nacional de Musica, mas num theatro seu, com peras compostas
pelos seus professores ou pelos alumnos mais notaveis, com uma orchestra e
um choral sahidos das suas aulas. Sem esse theatro, que seria um campo de
experiencias, e um poderoso estimulo, cujos effeitos promptamente se fariam
sentir aquelle grande estabelecimento no est completo.
No ha duvida que o Instituto, possuindo, como possue, um corpo docente
de primeira ordem, e adoptando, como adopta, os methodos de ensino mais
intelligentes e efficazes, presta assignalados servios nossa educao musical,
mas a arte, a arte propriamente dita, a arte no do amador mas do artista
que se deve ao publico e no familia, essa ainda no est bastantemente
interessada na organizao do estabelecimento, nem aproveita o sacrificio,
alis pequeno, que este custa ao Thesouro.
O Instituto , por emquanto, um viveiro de amadores, nada mais, e ns
precisamos de artistas.
Portanto, no devo regatear os meus applausos Associao do Theatro
Lyrico Brasileiro, que tomou a si a iniciativa desses espectaculos. Ella tem por
presidente Henrique Oswaldo, o illustre director do Instituto, e por secretario
o fino poeta Osorio Duque-Estrada, que tem desenvolvido, noite e dia, uma

32

extraordinaria actividade afim de que to sympathica tentativa se possa impr


admirao do publico e proteco do Estado.
A. A.

33

O Theatro, 22/03/1906
A proposito do meu penultimo folhetim, escreve-me o Sr. Sergio
Montmoreney, attribuhindo a nossa crise theatral ao excessivo preo dos
bilhetes.
No Rio de Janeiro o theatro , realmente, um divertimento caro, no
serei eu quem o negue; o mesmo, porm, succede em toda a parte, pela simples
raso de que no se pde vender por tres o que custa quatro...
A experiencia tem mostrado que o preo dos bilhetes exerce sobre o
publico uma influencia muito limitada. Toda a gente attribuhio o successo do
Homem do guarda chuva reduco dos preos, e comeou a convencer-se de
que a empreza do Lucinda havia resolvido o problema, entretanto, em seguida
ao Homem do Guarda-chuva foram representadas, pelos mesmo artistas, peas
muito superiores quella, e a empreza nunca mais apanhou seno vasantes,
sendo, afinal, obrigada fechar a porta!
O nosso publico volta as costas, e faz muito bem, a todo e qualquer
theatro onde no funccione uma companhia seriamente organisada, sob
a responsabilidade de um emprezario; mas o contingente que fornece aos
espectaculos sempre o mesmo, e, desde que no haja abuso, no faz questo
de preo. Quando este reduzido, elle fica de p atrs, e lembra-se do ditado:
quando a esmola grande o pobre desconfia.
A causa da crise , por conseguinte, outra que no o preo dos bilhetes;
entretanto, concordo com o Sr. Montmoreney: o theatro no Rio de Janeiro
um divertimento caro, sendo de toda a justia accrescentar: principalmente
para as emprezas.
***
Nada de novo. O Recreio continua a dar-nos todas as noites o Quo Vadis?
emquanto prepara uma reprise dos Milagres de Santo Antonio e uma pea
nova, de grande espectaculo, o Novo Jesus; o Palace-Thtre vae entremeando
as canonetas e peloticas do seu repertorio com a representao de operetas
ligeiras, como Coco Bel-Oeil, que pelo titulo no perde.
***
Realisa-se hoje, no S. Pedro De Alcantara, o primeiro espectaculo da
companhia lyrica brasileira, da qual me occupei largamente no folhetim
passado. Conto que o successo corresponda coragem, ao trabalho, e aos
sacrificios que representa essa nobre tentativa de arte, e o espectaculo de hoje
seja o inicio de uma nova ra musical para o Brasil.

34

Repetirei que a opera de hoje, cantada exclusivamente por brasileiros, a


Carmela, do compositor brasileiro Gomes de Araujo.
***
Ante-hontem fui sorprehendido, em casa, pela visita do Rangel Junior, o
actor-emprezario que nos traz este anno uma companhia dramatica do Porto.
Ol! voc no Rio de Janeiro!
Cheguei hontem; uma das minhas primeiras visitas sua.
E a companhia?
Deve embarcar amanh no Cordillre.
Que tal?
uma companhia modesta, sem pretenses, nem eu a annunciei com
grande estardalhao; entretanto, conto que agrade, porque o repertorio novo,
no mu, e os artistas esto muito afinados uns com os outros.
Para que theatro vae?
Para o S. Jos.
Quantos espectaulos d?
Trinta; por minha conta, trinta; depois percorrer os Estados, si quizer,
mas por conta do Alves da Silva.
Do Alves da Silva?
Sim; o primeiro actor, isto , o que se encarrega dos primeiros papeis.
O Alves da Silva no aquelle rapaz que ganhou uma fortuna na
companhia da Clementina?
Esse mesmo; tem figura, habil, atira-se resolutamente ao Kean e ao D.
Cesar de Bazan, e o publico acceita-o.
Lembra-me que em S. Paulo, ha annos, o Camarati proclamou um grande
actor, por signal que transcrevi o artigo para animar o artista. Quaes so os
demais actores da companhia?
O Caetano Reis, que voc conhece.
Aquelle que fazia o Napoleo na Madame Sans Gne?
Esse mesmo; o Almeida, um bom comico, o Thomaz Vieira, o Hyppolito
Costa...
E as mulheres?
Vem a Apollonia Pinto...
A nossa Apollonia, a inolvidavel Cecy do Guarany?
verdade; hoje faz damas centraes...
Comprehendo; tambm eu, si fosse actor, j no poderia fazer galans. E
quem mais?

35

A Adelina Nobre, a Augusta Guerreiro, a Virginia Lima, a Rosa de


Oliveira... Recommendo-lhe especialmente esta ultima; uma bella actriz do
genero melodramatico.
A companhia s tem melodramas no seu repertorio?
Exclusivamente. A estra ser com uma pea muito bem feita, o Conselho
de guerra, que pe em scena a questo Dreyfus. escripta por um hespanhol
chamado... chamado... ora espere!
O Rangel consulta um caderninho de notas, e atira-me o nome do
dramaturgo.
Igurbide.
Espero que a companhia traga tambem algumas peas portuguezas...
Traz umas poucas; o Rei maldito, de Marcellino de Mesquita, o Principe
Perfeito, de Lobo dAvila, o Amor de perdio, de Camillo e D. Joo da Camara,
e... e mais tres ou quatro, Ministro e rei, o Coxo do Bairro Alto, etc. Entre as
peas francezas ha verdadeiras novidades para o Rio de Janeiro, como o Circo
de Paris, a Mordaa, e outras.
Bom; palpita-me que voc vae ganhar dinheiro. Agora d-me noticias dos
nossos amigos. O Taveira?
Apanhou um successo estrondoso com a Bohemia, pea extrahida pelo
Garrido do romance de Murger, do drama de Barrire e do libretto de Hica
e Giacosa, com os numeros mais notaveis da partitura de Puccini, muito
bem cantados pela Delphina Victor, pela Rentini, pelo Almeida Cruz e pelo
Salvaterra. A pea tem muita graa a graa do Garrido e est bem posta em
scena. O publico enche Trindade todas as noites.
E o Jos Ricardo?
Fez tambem uma excellente poca em Lisboa. A Flor do tojo agradou
muito. A companhia esta agora no Porto. Mas adeus, que tenho de ir
Alfandega retirar a minha bagagem.
Adeus, meu caro Rangel; conte com uma noticia no meu proximo
folhetim.
***
O Rangel Junior a sahir e o secratario do Carlos Gomes a entrar, trazendome bilhetes para a primeira representao do Maxixe, a esperada revista de
Baptista Coelho e Bastos Tigre, que o assumpto da actualidade no mundo dos
theatros.
Perguntei ao secretario si a empreza estava satisfeita:
Muito! respondeu-me elle. A revista boa, e vae fazer successo. A musica
lindissima.
36

De quem a musica?
A do primeiro acto original do Paulino do Sacramento, a do 2 compilada
pelo Costa Junior, e a do 3 pelo Luiz Moreira.
O Joo do Rio, que assistio a esse ensaio, falou-me com muitos elogios dos
versos da revista, e a esta bastam-lhe os bons versos, confesso para despertar as
minhas sympathias.
Fao, portanto, votos para que a empreza, sem jogar nos bichos, ganhe uma
fortuna com o Coelho e o Tigre.
***
hoje o concerto organisado pelo maestro Cavalier Darbilly, no
Conservatorio Livre de Musica (rua do Carmo, 47), em beneficio das familias
dos mortos do Aquidaban.
Alm de muitos artistas e amadores de primeira ordem, far-se-ha ouvir,
pela primeira vez, no Rio de Janeiro, a afamada pianista russa Elise Pekschen.
O magnifico programma, j publicado nesta folha, e o fim humanitario
a que se destina o producto da festa, faro, espero, com que fique hoje
completamente cheio o salo do Conservatorio Livre de Musica.
Entretanto, como se realisa tambem hoje o primeiro espectaculo da
companhia lyrica brasileira, muitos dilletantes estimariam que esse bello
concerto fosse transferido.
A. A.

37

O Theatro, 29/03/1906
A Empreza Theatro Lyrico Brasileiro deve estar satisfeita com o resultado
dos seus dois primeiros espectaculos. Tudo correu da melhor forma possivel, e
o publico mostrou-se disposto ao applauso, levando-o mesmo at o exaggero,
que esta a sina de todas as tentativas de arte no Rio de Janeiro: succumbem
ao frio da indifferena ou rebentam ao calor de um enthusiasmo desmedido e
absurdo. Esses extremos tocam-se, e, dos dois, no sei qual se deva preferir; a
indifferena, talvez, porque ao menos sincera.
No sou critico musical, no me considero autoridade para dar opinio
sobre a partitura do maestro Araujo Vianna, a quem peo me perde o
lhe haver errado o nome no folhetim passado. Remetto os leitores para o
Jornal do Commercio, onde Rodrigues Barbosa fallou da Carmella com a sua
reconhecida competencia, e contou, com uma sympathia commovedora, o
longo martyrologio do compositor rio-grandense, a extenuante luta em que se
empenhou para que a sua opera fosse, ou antes, no fosse cantada.
Penso que Araujo Vianna nasceu para o theatro, pois que a sua musica
theatral e no lhe falta inspirao e belleza; mas penso tambem que elle
foi sacrificado por um detestavel libretto, que no offerecia campo ao seu
talento. Nas duas pobres situaes musicaes que lhe proporcionou: a barcarola
cantada pelo pescador que passa ao largo, como o Fabiani da Maria Tudor, e o
bailado, Araujo Vianna mostou-se um compositor theatral, e tanto basta para
desejar que a sua boa fortuna lhe depare outro poeta, que seja tambem um
dramaturgo.
Muito bem tratada por uma excelente orchestra, regida por Francisco
Braga, a Carmela foi cantada por dois artistas, Zilda Chiabotto e De Larigue
Faro, que se devem ao palco, e por alguns amadores de talento e de boa
vontade, deante dos quaes a critica perde necessariamente os seus direitos.
Zilda confirmou agora as esperanas que fez nascer quando cantou a
Bohemia naquelle mesmo theatro e Faro cuja magnifica voz de barytono tem
sido at hoje muito applaudida nos concertos, revelou-se no palco um actor,
que ser um bello actor em sendo um pouco menos amaneirado.
Ambos os espectaculos comearam por uma parte symphonica muito bem
escolhida. Referindo-me ao primeiro, escrevi as seguintes palavras, que foram
publicadas no Commercio de S. Paulo:
O heroe da noite foi Francisco Braga, com o seu poema symphonico,
pagina admiravel como inspirao e como factura, que poderia, creio, ser
assignada por qualquer symphonista universalmente celebre. Muito bem

38

executada por uma orchestra de quarenta professores, dirigida pelo proprio


compositor, esse poema provocou uma estrondosa ovao.
Emquanto reboavam os applausos, insensivelmente me lembrei de outra
ovao que Francisco Braga recebeu naquelle mesmo theatro, ha uns vinte
annos, na matine em que fez a sua estra de compositor, introduzindo o seu
nome, at ento ignorado, na historia da arte musical brasileira, que, pesa-me
dizel-o, adeantou poucos passos. Elle era ento uma creana timida, e quando
veio, quasi arrastado scena, e como envergonhado de ter tanto valor, vestia o
uniforme do Asylo dos Meninos Desvalidos. Com que largueza pagou aquella
gloriosa creana o po e o ensino que lhe deu o Estado!
Nesses dois espectaculos s uma coisa me desgostou: a vozeria, as vaias, as
apupadas, os dictorios dos espectadores das galerias, que, alis, manifestaram
sympathia e enthusiasmo nas occasies de applaudir; mas , bem o sabem
todos, malhar em ferro frio pretender que numa sala, onde se presume estar
reunida a fina flor da sociedade carioca, haja um pouco mais de decencia que
na praa de touros...
Entretanto, renovo os meus parabens a Osorio Duque-Estrada, que foi
o promotor incansavel dessa tentativa de arte. Infelizmente receio que, por
falta de elementos e em que pese aos mais intelligentes esforos, no se possa
manter no Rio de Janeiro, por emquanto, um theatro de opera nacional.
preciso que esses elementos saiam do Instituto de Musica. Ns temos quem
componha operas, ns temos uma orchestra para executal-as, mas no temos,
em numero sufficiente, as artistas que cantem, nem amadores que, afrontando
o preconceito e o soffrimento, queiram ser artistas de profisso, e sem artistas
de profisso no ha theatro possivel.
***
Nos theatros nada de novo. A companhia Dias Braga fez um ligeira reprise
dos Milagres de Santo Antonio, e prepara activamente o Novo Jesus, pea
hespanhola que Eduardo Victorino traduzio e vem precedida de grande fama
no Carlos Gomes est annunciada para amanh a primeira representao da
revista o Maxixe, anciosamente esperada.
***
Um dos meus leitores que se assigna Joo Triste, pede-me noticias da
companhia Lucinda-Christiano, e com todo o prazer que lhas dou.
Essa companhia realizou uma grande series de espectaculos na capital
de So Paulo, e depois visitou as cidades de Campinas e Piracicaba. Estava
ultimamente em Santos; no sei si ahi se dissolver, ou se seguir para o Rio
Grande do Sul; as noticias variam.
39

Guilhermina Rocha desligou-se do elenco, est nesta capital; em


compensao, entrou para a companhia uma nova artista, Laura Poloni, jovem
italiana que falla o portuguez quasi sem sotaque, no feia, e revela muita
habilidade para a scena. O meu informante accrescenta que Lucilia Peres tem
saudades do Recreio...
tudo quanto sei da companhia Lucinda-Christiano.
***
O Sr. Eduardo Magalhes escreve-me dizendo que leu o meu ultimo
folhetim e ficou pesaroso por no ver explicada a razo do afastamento da
nossa distincta patricia a actriz Canira Polonio do elenco da companhia do
Porto, que vem ao nosso paiz e se estrear brevemente no S. Jos.
Eu ignorava que Cinira fizesse parte desse elenco, onde com certeza no
estava muito vontade: ella uma actriz de opereta e comedia, e a companhia
s representa melodramas, vulgo dramalhes.
O Sr. Magalhes espera que eu encontre o X do problema (?), que talvez
envolva grave injustia ao caracter da nossa talentosa patricia, e remata a sua
epistola dizendo que ter muito prazer em fornecer qualquer prova de que eu
carea.
No! eu no me envolvo na vida intima das companhias, nem quero
saber das relaes, bas ou ms, que haja entre emprezarios e artistas; s me
interessa o que possa interessar o publico.
Sou amigo de Cinira Polonio, e, se organizasse, por minha conta (do que
Deus me livre!) uma companhia de comedia, convidal-a-ia immediatamente
para fazer parte do elenco; mas nada, absolutamente nada tenho com qualquer
divergencia que por ventura houvesse ou haja entre ella e qualquer emprezario.
Tenho mais em que cuidar.
A. A.

40

O Theatro, 09/04/1906
A Empreza do Carlos Gomes parece ter apanhado afinal o seu primeiro
successo com o Maxixe, interessante revista de Baptista Coelho e Bastos Tigre.
Os autores no descobriram nenhuma nota solutamente original, o que
seria difficil seno impossvel naquelle genero, mas aqui e alli tiveram graa,
aproveitaram certos factos e dividiram as scenas com muita habilidade, e
foram felizes na apresentao de alguns typos caracteristicos.
Baptista Coelho, j lho disseram, abusou um pouco da linguagem do povo
da lyra, a qual, servida em pequeninas doses, tem alis um pico delicioso;
em compensao, Bastos Tigre encheu a revista de versos espirituosos e bem
feitos de modo que as duas poeticas se contrabalanam, formando um todo
agradavel.
Os actores, os scenographos (com Chrispim do Amaral frente) e
os compositores Costa Junior, Luiz Moreira e Paulinho do Sacramento
empregaram todos os esforos para o successo do Maxixe.
Do desempenho dos papeis, convem destacar primeiramente o
protagonista, o Machado, que declarou, cantou e danou durantes os tres actos
como ha vinte annos o faria, depois Maria Lino, com a sua deliciosa bocca,
feita para o riso e para o couplet, Balbina Maia, comquanto me parecesse mais
japoneza que roceira, Rocha, um transfuga de quem tinhamos saudades,
Esther Bergerat e Maria Regina, duas bellas comadres, Pinto, Pedro Augusto,
Joo de Deus, Franklin Rocha, Barros e outros, que no cito por no ter mo
o programma. Notei satisfeito, que os papeis mais insignificantes eram bem
representados, e o publico ficou tambm satisfeito, embora a empreza tivesse
o bom senso de dispensar estrellas, que em geral so umas senhoras que tanto
tm de pretenciosas como de insupportaveis.
Na primeira representao a pea pareceu longa, porque o espectaculo
terminou fora de horas, o que sempre acontece nas estras das magicas e
revistas. As representaes subsequentes tm acabado meia-noite, e o publico
enchido litteralmente o theatro. Fao votos para que assim acontea durante
cem noite pelo menos.
***
Deus nos livre, a mim e ao leitor, de uma analyse profunda e minuciosa da
pea em que o dramaturgo hespanhol Igurbide amalgamou o processo Dreyfus,
e servio de estra, no S. Jos, companhia dramatica portugueza do theatro
Aguia de Ouro do Porto. preciso evitar esses trabalhos pelo que so e pelo
que valem, fechando os olhos a tudo quanto no seja o proposito louvavel de
41

impressionar, commover, indignar e enthusiasmar as platas populares. Nesse


particular, o Conselho de guerra tem todos os matadores, e a traduco, valhanos isso, enriqueceu a lingua portugueza com a adjectivo laico forncendo um
gracioso synonymo ao adjectivo laigo.
A companhia, que se apresentou modestamente e na realidade modesta
e a modstia uma virtude das mais sympaticas. A parte Alves da Silva, cujas
qualidades artisticas se revelaram no papel de Alfredo David (leia-se Dreyfus)
e se revelaro ainda mais, espero, noutros papeis menos artficiosos, nenhuma
outra figura parece ter impresisonado o publico, sendo muito provavel que essa
reserva desapparea nas representaes de outras peas.
Entretanto, abra-se uma excepo em favor de Caetano Reis, que j,
conheciamos. Esse artista deu-nos um Emilio Zola physicamente parecidissimo
com o proprio, e fez o successo do espectaculo; mas se o Zola de Caetano Reis
um retrato, o de Igurbide uma caricatura.
A empreza annuncia para hoje o Rei maldito, de Marcellino de Mesquita.
Esse drama portuguez ser, palpita-me, a verdadeira estra da companhia.
por ahi que ella deveria ter comeado.
***
Por coincidencia, o Novo Jesus, a primeira pea nova de que lana mo
a companhia Dias Braga, depois de reconstituida, tambem de Igurbide, o
mesmo dramaturgo hespanhol do Conselho de guerra. mais bem feita que
a outra, prende o espectador, de principio ao fim, tem lances de uma grande
intensidade dramatica, e um pleito em que se defende a justia, a paz, o amor
e a liberdade. No ha pea mais apropriada para esse theatro do povo, cuja
creao preocupa nesse momento o governo francez, e bem faro todos os paes
mandando os filhos ouvirem as boas ideas ahi pregadas; mas o autor mostrou
uma Russia de fantasia, que faz sorrir, pz em scena individuos que esto fra
da humanidade, e empregou uma rhetorica intoleravel, exprimindo tudo por
meio de imagens sedias. Este ultimo defeito no prejudica absolutamente a
pea, porque os frequentadores dos nossos theatros confundem facilmente o
palavriado com o estylo, e gostam muito do empolado e do emphatico.
O novo Jesus um jovem russo que, apezar de aristocrata, se deixa
convencer pelo racionalismo mystico de Tolstoi, e faz, por sua propria
conta, a propaganda das grandes verdades escriptas por aquelle philosopho,
sacrificando-se at a morte com um altruismo de que o proprio Jesus, o velho,
talvez no fosse capaz. Esse papel foi representado com talento por Eugenio
de Magalhes, que attenuou aquella rhetorica abundante com a sobriedade do
gesto e da dico.
42

Dias braga, no arcebispo de Moscow, um dos personagens mais


extrevagantes do drama. Claudino de Oliveira, no general Petronio Ivanoff,
um ferrabraz, Antonio Ramos, no revolucionario Aleixeff, defenderam
galhardamente a pea, mas as honras do desempenho couberam, talvez, a
Helena Cavalier e Aurelia Delorme, que vibraram, como outrora vibravam nos
melodramas do Recreio.
O Novo Jesus tem todos os elementos, excepo do comico, para levar
uma populao rua do Espirito Santo; deve dar, pelo menos, cincoenta
representaes. Noutra poca seria representado duzentas vezes seguidas.
***
Noticias midas:
No Palace-Thtre, deram-nos uma pochade, genero livre, La demoiselle
de chez Maxim, que ainda no vi.
Para o Apollo vem uma companhia lyrica e para o Lucinda uma
companhia de gatos.
A companhia Lucinda-Christiano partio de Santos para Porto-Alegre.
A nova actriz, de quem fallei no meu ultimo folhetim, chama-se Fausta e no
Laura Polloni. Lucinda Peres ficou. Bem disse eu que ella estava com saudades
do Recreio.
A companhia Mesquita tem sido muito feliz em S. Paulo.
Partio para a Europa a esperanosa actriz brasileira, Guilhermina Rocha,
que vae ver como se representa em Paris, e chegou do Porto a provecta actriz
brasileira Cinira Polonio.
A. A.

43

O Theatro, 12/04/1906
Estreou-se ante-hontem no Apollo, modestamente, sem o menor
espalhafato, uma companhia lyrica italiana que agradou devras e me parece
destinada a grandes triumphos.
Attrahido pela opera que se cantava, embora um tanto desconfiado da
modicidade dos preos dos bilhetes, o publico encheu completamente o
theatro, e quanto, logo s primeiras scenas, reconheceu que tinha deante de
si verdadeiros artistas, ainda que no fossem notabilidades, deu largas ao
contentamento e ao enthusiasmo.
A opera era a mais popular do repertorio, a incomparavel Aida, em cuja
partitura os dilesiantes encontram sempre novas bellezas.
A primeira boa impresso foi causada pela orchestra, composta de 34
executantes, dirigida pelo regente Anselmi, que tantas sympathias deixou
quando aqui esteve da outra vez.
At o 2o acto o successo foi real para as primadonas Lina de Benedetto e
Emma Longhi nos papeis de Aida e Ammeras, para o tenor Pietro Venerandi,
que teria a estas horas palacio e automovel si a natureza lhe houvesse dado
outra figura, para os baixos De Blassi e Flord, o primeiro um magnifico
sacerdote e o segundo um rei sufficientissimo, e principalmente para o
barytono Ardito, j nosso conhecido, que no papel de Amosnaro me fez
lembrar (e este o maior elogio que lhe posso fazer) o famoso Aldighieri, que
ouvi ha vinte e tantos annos em Liosboa.
Os espectadores esperavam o 3 acto, que cheio de escolhos e
difficuldades para formar um juizo definitivo sobre a companhia. Pois bem: o
terceito acto foi decisivo o dueto de Amosnaro e Aida foi cantado como nem
sempre o tem sido na Guarda Velha.
pena que no se possa dizer o mesmo do dueto final. Rhadames e Aida,
esquecendo-se de que estavam nas entranhas da terra e iam morrer por falta
de ar nos pulmes, ou antes, tendo tomado o pulso ao nosso publico, que segue
muito ao p da letra a opinio de Rossini (voce, voce e... voce), expectoraram
violentamente um canto escripto para ser quasi sussurrado.
Em resumo: ba orchestra, um regente que sabe o que faz, excellentes
cantores, um corpo de cros razoavel, sete bailarinas entre as quaes ha uma
que bonita por si e pelas primadonas, e uma Aida a que s faltaram a deusa
Isis e o boi Apis, ausencia que alis ninguem lamentou.
A empreza da companhia lyrica do Apollo ganharia muito dinheiro se no
desse tanta mcha por dez ris. Alguns espectadores protestavem singular
protesto! contra a barateza dos bilhetes.
44

***
A companhia dramatica portugueza do S. Jos deu-nos, segunda feira,
a sua segunda pea, o Rei Maldito, verdade, verdade, no foi mais feliz que
com a sua primeira, tanto assim que sabbado proximo, passadas as frias da
Semana Santa, ser substituida pelo Cerco de Paris, drama francez, no qual
reapparecer aos seus compatriotas a saudosa actriz Apollonia Pinto, tradio
viva dos ultimos bons tempos do nosso theatro.
O Rei maldito D. Joo III, que alis no dos mais amaldioados pela
historia portugueza; elle introduziu a Inquisio e os jesuitas em Portugal,
verdade, mas teve alguma coisa de Luiz XI quando combateu o feudalismo,
limitando os privilegios dos nobres e contendo-os contra o povo.
O D. Joo III do Rei maldito um monstro fanatico, sanguinolento e ladro,
que concede a vida a um judeu a troco de cincoenta mil ducados, guarda o
dinheiro e manda queimar o pobre diabo, ao lado de uma filha, que morre por
no ter querido ser amante do inquisidor-mor.
O drama de Marcellino de Mesquita. Dil-o o cartaz e os cartazes no
mentem. S se conhece o dedo daquelle gigante por algumas scenas em que
transparece o talendo do dramaturgo e do escriptor, ou, si quizerem, pelo
empenho de horrorisar o proximo. Na Suprema dr e nas Almas doentes, o
gracioso auctor de Peraltas e secias compraz-se em fazer com que o espectador
assista a dois suicidios, um pela asphyxia e outro pelo veneno; o Rei maldito
mostra ao publico as torturas do Santo Officio, e a pea termina por um auto
de f, em que os judeus so queimados vista do espectador, como em certos
estabelecimentos o caf torrado e moido vista do freguez.
Ainda desta vez reservo para melhor occasio os meus elogios companhia
do Aguia de Ouro, limitando-me hoje a cumprimentar, pela sua caracterisao,
mas s pela sua caracterisao, o artista que desempenhou o ingrato papel do
protaginista. , sem tirar nem pr, D. Joo III, tal qual nol-o mostra a gravura
de Dbrie.
***
Nos demais theatros nada de novo: no Carlos Gomes continua o exito
excepcional do Maxixe, e no Recreio proseguem as representaes do curioso
drama o Novo Jesus, muito bem representado pela companhia Dias Braga.
***
A nossa gentil patricia Estella de Magalhes, a quem Julia Lopes consagrou
um folhetin inteiro no Paiz, de domingo, j teve o seu baptismo de arte no

45

theatro Dal Verme, de Milo, representando a difficil parte de Santusa, na


Cavallaria Rusticana.
A imprensa italiana recebeu com todas as honras a jovem cantora
brasileira. Um collega milanez escreve que ella alcanou un successo
bellissimo, non solo per la voce sana, robusta ed estessa, ma anche per
lintelligenza scenica, degna dartista provecta E acrescenta: Il pubblico,
distinto i numeroso, lacclam al raconto (che disse, con passione e
sentimento) al duetto col tenore, nem qual apparve una rivelazione, ed in
quello col baritono.
Envio sinceros parabens jovem artista, e fao votos para que d
brevemente a seus patricios o prazer de ouvil-a no Rio de Janeiro.
A. A.

46

O Theatro, 19/04/1906
As representaes da Gioconda, da Cavalleria Rusticana e dos Palhaos
confirmaram os creditos da companhia lyrica italiana que d espectaculos
no Apollo. No ouvi a Gioconda; ouvi, porm, as outras duas operas, e posso
afinaar que ficamos satisfeitos o publico e eu.
O tenor Venerandi vae melhor, muito melhor nos Palhaos que na Aida;
a musica de Leoncavallo presta-se admiravelmente sua voz, e no papel do
palhao, por isso mesmo que agitado e violento, facilmente se desculpa uma
gesticulao arbitraria. O famoso Ride, palhaccio! provocou uma torrente de
applausos, e teve, alis como sempre, as honras do bis. Foi, realmente, cantado
com muita expresso, com muito brio, e sobretudo, com muita voz.
Si nalguma conta se podesse ter a minha opinio, eu aconselharia o tenor
Venerandi a no representar esse papel sem branquear inteiramente o rosto
com alvaiade. Quando os versos do proprio libretto no o exigissem, bastava
pensar que a pea ganharia em pittoresco e o personagem causaria mais effeito,
pois quando a situao devras dramatica, no ha nada mais terrivel que a
bracura de Pierrot, cuja physionomia adquire uma expresso eminentemente
dramatica.
Nos Palhaos ha que notar ainda a artista Nelma, cantora afinada, graciosa
e bonita, em quem assenta o vestuario de Colombina. Ella no agradou tanto
na Santuza, da Cavalleria, que reclama um pouco mais de nervo drammatico.
Deve dar uma excellente Manon.
O tenor Cucci, que tem uma voz agradavel, cantou mas no representou a
parte de Turiddu; tem ainda muito que aprender.
Os demais artistas que figuraram nas duas operas concorreram para a ba
harmonia do conjuncto (muito gosto eu desta chapa), e tanto elles como a
orchestra e os cros fizeram com que o publico sahisse do theatro com desejos
de l voltar.
Hontem, a companhia cantou a Aida, no S. Pedro de Alcantara. Foi a
primeira das suas rcitas da moda, assim chamadas por serem um poucochinho
mais caras que as outras. O publico no se importou com esse augmentosinho,
que era justo e encheu o velho theatro. No S. Pedro, a incomparavel opera de
Verdi produziu naturalmente mais effeito que no Apollo.
***
Com as peas No cerco de Paris, e Rosa Engeitada melhorou alguma coisa no
S. Jos a situao da companhia do Aguia de Ouro, do Porto; mas a empreza,
ao que parece, quer mudar de genero, pois annuncia duas comedias, o Papo e
47

Europeus e Americanas. Creio que essa resoluo a mais acertada que poderia
tomar. O nosso publico , como diz o outro, para onde lhe d, e neste momento
no lhe d para o melodrama.
No Cerco de Paris uma manta de retalhos cortados no guarda roupa
do Velho DEnnery, e tem, por isso mesmo, todos os matadores. um drama
de familia que se complica de acto para acto, de situao em situao,
soprehendendo e atordoando o espectador.
Dizendo que, a meu ver, a representao deste drama foi, nas suas linhas
geraes, mais homogenea que a do Conselho de guerra e a do Rei maldito,
destacarei do conjuncto o actor Hippolyto Costa, que interpretou com a arte
a morte de um hemiplegico, scena que produziria dobrado effeito si o autor a
fizesse menos longa, e por conseguinte, menos penosa.
Mas a grande atraco do espectaculo era o reapparecimento de Apollonia
Pinto, uma das poucas actrizes brasileiras que o nosso publico tem applaudido
com verdadeiro enthusiasmo.
Apollonia, que adquirio uma pequena fortuna percorrendo, com uma
companhia s costas, o Brasil inteiro, casou-se com o actor Germano Alvez,
seu companheiro e socio nessas excurses, e foi viver com elle numa aldeia de
Portugal, completamente esquecida dos seus triumphos no Guarany, na Filha
unica, na Morgadinha, nos Danicheffs, e em tantas outras peas do bom tempo.
Veio a nostalgia, veio o revenezy, e eil-a figurando no elenco da companhia
dirigida pelo seu cunhado Alves da Silva, fazendo damas centraes em
atteno unicamente aos seus cincoenta annos no ao seu physico, que no
, positivamente, no o de uma senhora daquella edade. Parece-me que ella
estaria melhor, seno naquellas ingenuas de outrora, ao menos em certos
papeis de meio caracter e de meia edade, como ha tantos no theatro de Dumas
Filho.
Apollonia Pinto nunca teve a corda teve a corda melodramatica; o seu
forte eram as comedias ou os dramas intimos, e essa Francisca Pascal, com que
voltou scena, me afflicta e desesperada que vae at o crime para salvar o
filho, por demais tempestuosa e violenta para o seu temperamento artistico.
Espero vel-a numa comedia, para ter a viso exacta daquella outra Apollonia,
sentimental e graciosa.
***
Da Rosa Engeitada, de Joo da Camara, o glorioso autor dos Velhos e da
Triste viuvinha, j tratei, quando a pea foi aqui representada por Angela Pinto.
um bello drama popular, em que ha scenas de costumes bem observadas,

48

situaes de dramaturgo, e essa poesia com que D. Joo da Camara, quer


queira, quer no queira, polvilha tudo quanto escreve.
A representao, muito bem sustentada por Alvez da Silva, Caetano Reis,
Jos de Almeida e outros artistas, foi um successo, um successo real para a
actriz Rosa de Oliveira, que se metteu prefeitamente na pelle da protagonista, e
conseguio quebrar a frieza com que o publico tem assistido aos espectaculos da
companhia portuense.
***
Nos outros theatros nada de novo.
Est annunciada para segunda feira proxima a recita dos autores do
Maxixe, a afortunada revista que marcha serenamente para o jubileu, e no
Recreio ensaia-se o Homem sem cabea, pea fantastica de grande espectaculo,
que no nenhuma coisa sem ps nem cabea.
***
Fonseca Moreira, o incansavel dramaturgo, presenteou-me com um
exemplar da sua nova pea fantastica em 3 actos e 11 quadros, Titeres do Diabo.
uma magica cheia de visualidades e tramoias, que em merecimento
litterario no fica a dever nada Passagem do Mar Vermelho e outras
produces do mesmo autor.
Numa cartinha muito amavel, que acompanhou o volume, Fonseca Moreira
me participa que a 23 do mez proximo partir para a Europa, no Thames, e
offerece-me seus servios em Lisboa, Paris, Londres e Berlim.
Agradecendo a delicadeza, fao votos para que o illustre confrade tenha
boa viagem, e enriquea o espirito naquellas grandes capitaes, afim de que
continue a opulentar o nosso theatro com os productos da sua musa diabolica.
A. A.

49

O Theatro, 26/04/1906
No alcanou a companhia lyrica positivamente um successo com a
Bohemia, representada em condies muito desfavoraveis, numa noite de calor
asphyxiante. Comquanto naquella occasio o publico difficilmente pudesse
comprehender que alguem lamentasse a perda de um capote, o unico trecho
applaudido foi o da vecchia zimarra, cantado com muita expresso pelo baixo
De Biasi, que muitos dilettantes consideram a voz mais pura da companhia.
Esta desforrou-se brilhantemente com o Rigoletto. Foi um triumpho para
a cantora Tamanti Zavaschi, talvez a melhor das ultimas cinco ou seis Gildas
ouvidas no Rio de Janeiro. O tenor Colli, que no agradra na Bohemia, o
barytono Ardito, o baixo De Biasi e a primadona Longhi completaram um
excellente conjuncto.
O Trovador, cantado ante-hontem no So Pedro, sem uma enchente (Les
dieux sen vont!)no teve interpretao inferior a do Rigoletto: Venerandi,
Ardito, De Benedetto e Longhi fizeram-se applaudir a valer nos papeis de
Manrico, conde de Luna, Leonor e Assucena. Os trechos capitaes foram
bisados.
Hoje repete-se a Bohemia. Como a temperatura baixou
consideravelmente, e j se respira, pde ser que o effeito seja outro.
A companhia conquistou difinitivamente a sympathia do publico, e far,
no h duvida, uma bella temporada.
***
Depois de tres representaes da espirituosa comedia allem, o Papo, j
nossa conhecida, muito bem defendida pelos artistas Rosa de Oliveira, Isabel
Berardi, Emilia Sarmento, Caetano Reis, Antonio de Souza, Sarmento e Soares,
a companhia dramatica do S. Jos deu-nos o Don Cezar de Bazan, a famosa
comedia de DEnnery e Dumanoir. Este ultimo nome, que o de um autor
dramatico de muito talento, jmais figura nos annuncios, quando a pea
representada em Portugal ou no Brasil.
Toda gente conhece a historia desta comedia. Quando Victor Hugo
leu o Ruy Blas aos artistas do Renaissance, Frederick Lematre ficou muito
contrariado por no lhe haver o poeta distribuido o papel de Don Cezar de
Bazan, e foi a contragosto que desempenhou o do protagonista, alis uma das
mais brilhantes victorias da sua gloriosa carreira artistica.
Quinze annos depois de representado o Ruy Blas, Frederick no se havia
ainda consolado de no ter sido o Don Cesar. Foi ento que DEnnery e

50

Dumanoir lhe propozeram uma pea cujo protagonista seria aquelle escaldafavaes, herdeiro directo de Buridan e dos mosqueteiros do velho Dumas.
O Ruy Blas de 1838 tornou-se Don Cesar de Bazan, em 1853, e o seu
triumpho, graas suprema habilidade com que os dramaturgos talharam uma
carapua para o seu talento, foi estrondoso e completo.
Essa comedia de capa e espada, graciosa, leve, bem feita, que seria uma
obra-prima se fosse escripta em versos de Hugo, Banville ou Rostand, essa
comedia, inventada, no para um bom actor, mas para um grande actor s
por grandes actores deve ser representada, e Alves da Silva limita-se, por
emquanto, a ser um bom actor, o que j no pouco.
O papel que lhe cabia no Don Cesar de Bazan era o do rei. Lesprit quon veut
aroir gate calui quon a.Isto um alexandrino; escrevo-o como prosa porque as
columnas da Noticia so estreitas... Ao papel de Don Cezar, mettido em Alves
da Silva, acontece o mesmo que aos alexandrinos nestas columnas: no cabe...
Console-se o sympathico artista: Coquelin, que mais tarde havia de ser o
extraordinario Cyrano que , tambem me desagradou nesse papel, muito mais
bem representado, na minha opinio, por Augusto Rosa.
Amanh, a companhia portugueza representar outra comedia allem:
Europeus e americanos, e para breve annuncia uma pea brasileira, o Desfalque,
original de Jos Piza e Arthur Guimares, os applaudidos autores do Destino.
Diga-se de passagem ue esse drama, representado no Recreio pela
companhia Lucinda-Christiano, acaba de ser publicado numa elegante
brochura, impressa em Lisboa, com duas phototypias reproduzindo varias
scenas capitaes.
***
Confesso que no levava grandes esperanas de passar uma hora divertida
quando hontem me dirigi ao Palace-Thatre (ex-Casino) para assistir
representao da revista Allons au Palace, escripta por Mr. Marcel Chicot, um
dos artistas do grupo alegre que faz as delicias dos habitus daquelle musichall, representando faras e operetas.
Pois, senhores, enganei-me! A revista, que tem a virtude de ser rapida,
bregeira sem excesso, e satyrica sem grosseria, antes com espirito, espirito mais
de boulevard que da rua do Ouvidor.
O compadre Pedralvares Cabral, que estava enterrado no Rio de Janeiro
sem que o Dr. Alberto de Carvalho o soubesse, e deixa o seu tumulo para
propr Avenida Central passarem juntos em revista, no precisamnete os
factos, mas alguns typos e alguns costumes cariocas.

51

Muito bem enleve por Sorius, Mothu, Tramel, Paul, Colette dOr, Damiette,
etc., a revuette fez rir de principio a fim, principalmente na scena das rotundas
(fentres damour) e na da plata, indispensavel a toda revista franceza que se
preza.
Cavada por Luiz Moreira numa infinidade de partituras e canonetas, a
musica produzio muito effeito.
Os vestuarios eram magnificos, mas foi pena que o Cateysson confiasse os
dois scenarios ao pincel de um amador. Esse o ponto fraco da revistinha.
O publico applaudio, como quem est satisfeito de no haver perdido o
tempo e o dinheiro.
***
Nos demais theatros nada de novo: no Carlos Gomes prosseguem as
representaes do Maxixe, sempre cheias, e no Recreio os ensaios de pea
fantastica o Homem sem cabea.
A. A.

52

O Theatro, 03/05/1906
O publico saudoso da musica de Carlos Gomes encheu completamente o
S. Pedro de Alcantara para ouvir o Guarany. As pessoas, que se retiraram por
no achar bilhetes, foram tantas, que encheriam outro theatro das mesmas
dimenses. Naturalmente essas pessoas se preveniram a tempo e a horas para
repetio da querida opera, hoje, em espectaculo de gala, commemorativo do
descobrimento do Brasil.
A representao do Guarany no foi das mais brilhantes a que tenho
assistido, mas nem os cantores nem a orquestra sacrificaram a partitura,
de modo que o publico ficou satisfeito, chamando scena e applaudindo
calorosamente os artistas e o regente Anselmi, cuja batuta fez prodigios para
manter um perfeito equilibrio entre as vozes e a orquestra. O concertante do 2
acto foi uma victoria.
O tenor Venerandi, que ha pouco tempo cantou a opera na Italia, estava
senhor da parte do protagonista e desempenhou-a sem uma hesitao, e a
primadona Benedetto, de formas um tanto opulentas para a melindrosa Cecy,
fez valer todos os recursos da sua voz e da sua experiencia artistica. Ardito
cantou irreprehensivelmente a aria de aventureiro, que, sendo o trecho mais
banal da opera, e, mesmo por isso, o mais popular: o Senza tetto do Guarany e
um pendant do Torcador, da Carmen. Ardito foi enthusiasticamente applaudido.
O memso no se pode dizer de Biasi, que nos deu, alis, um cacique de
primeira ordem. Injustia do publico.
Hontem cantou-se a Lucia, de Donizetti, partitura de setenta annos, mas
que no envelhece, pois, apezar da conquista vagneriana, figura ainda como a
Favorita no repertorio da Opera de Paris, e sempre ouvida com prazer pelos
dilettantes da velha guarda.
Aqui tambem os temos, porque o Apollo apanhou hontem uma enchente,
e ainda bem: o espectaculo foi o mais completo que nos tem dado a companhia
lyrica.
No papel da protagonista a prima-dona Zavaschi alcanou um successo
ainda mais vibrante que no Rigoletto, fazendo-se applaudir ruidosamente em
varios trechos, mas sobre tudo na aria da loucura, e o papel de Edgard, pelo
que se vio, ou antes, pelo que se ouvio, um dos melhores do repertorio do
tenor Colle, que foi tambem muito applaudido. Fiori e Ferraresi completaram
dignamente o quartetto.
A Lucia ser repetida domingo, em matine, no S. Pedro, com a Cavaleira
Rusticana.

53

***
Passemos agora ao S. Jos, onde a companhia Alves da Silva nos deu uma
comedia allem, de Buzenthal, que j tinhamos ouvido ha annos, j me no
lembra com que titulo, representada, no Apollo, pela ultima companhia aqui
trazida por Giovanni Emmanuel.
Traduzida da traduco italiana, que transferio para a Italia, um pouco
discricionariamente, a aco que se passava na Allemanha, essa comedia foi
representada em Portugal com o titulo os Dois brazes, que a companhia do S.
Jos mandou para Europeus e americanos.
Trata-se do filho de um fidalgo italiano de quatro costados, que se
enamorou da filha de um industrial, tambem italiano, mas americanisado, que
enriqueceu em Chicago a preparar carne de porco para a exportao, nalgum
matadouro colossal como aquelle que Paul Bourget descreveu, com tanto
colorido, no seu curioso livro Outre mer.
A pea consiste no conflicto que se estabalece entre os dois paes, o fidalgo
vaidoso dos seus avs e o mata-porcos orgulhoso do seu trabalho e dos seus
milhes.
Fidalgos assim ainda os ha na Allemanha, no na Italia nem na Frana
onde os marquezes de Castellane j no olham aos porcos nem porcaria
quando se casam com as miss americanas, cobertas de ouro. Por isso, fez mal o
traductor em passar a aco para a Italia.
Estes americanos e europeus no produziram no So Jos o mesmo effeito
que causaram no Apollo, onde a representao foi muito mais apurada,
principalmente por parte do grande actor Cesare Rossi, que fazia muito bem o
americano.
Melhor foi o desempenho do Outro sexo, interessante vaudeville de
Hannequin e Valabrgue, que ante-hontem subio scena, e fez rir, como ha
tempos, no Apollo, quando representado pela companhia Souza Bastos.
O Outro sexo uma divertida troa ao feminismo, um pouco inspirada (e
que melhor inspirao poderiam desejar os auctores?) nas Femmes savantes, de
Molire. Apollonia tem um bom papel de doutora, que lhe deve lembrar a sua
inolvidavel creao na comedia do nosso Frana Junior, e Sarmento, Alves da
Silva, Caetano Reis Adelina Nobre, Rosa de Oliveira, etc. desempenham os seus
papeis a contento geral.
Porque diz Alves da Silva obrigado ao seu lacaio, quando este lhe
entrega o chapu e a bengala? Esse agradecimento est na pea?
A Companhia continua a ensaiar Desfalque,a nova pea de Jos Piza e
Arthur Guimares, mas antes disso representar um vaudeville traduzido por
Joo Luzo: a Mala de Cupido.
54

***
No Recreio, voltou scena a Doida de Montmayor, e annuncia-se para
sabbado o reapparecimento de Lucilia Peres na Morgadinha. Ahi est uma
figura que fazia falta na companhia Dias Braga, e cuja volta ser effusivamente
saudada pelo publico.
provavel que na semana proxima tenhamos a pea nova, esse Homem
sem cabea, cujo titulo tem intrigado a tanta gente.
J que estou no Recreio, no sahirei delle sem dizer aos leitores que
na proxima segunda-feira se realisa alli um espectaculo, em beneficio da
Felicidade, actriz que se tornou credora da estima e da proteco do publico
por muitos annos de trabalho consciencioso e honesto. Actualmente est
desempregada e enferma.
***
Annunciam-se as ultimas representaes da revista Allons au Palace,
e a revistona o Maxixe falta apenas uma duzia de rcitas para a festa do
semicentenario.
A. A.

55

O Theatro, 10/05/1906
A Traviata, no Apollo, foi uma triumpho para a cantora Tamanti-Zavaschi,
que venceu com talento as difficuldades, no pequenas, do papel de Violeta.
Cumpre notar que, na parte dramatica, no foi auxiliada antes pelo contrario
pelo seu collega Cucci, um detestavel Alfredo. Poucas vezes tenho visto, santo
Deus! tenor to mal mettido na pelle do seu personagem! Entretanto, esse
artista tem voz para dois tenores, o que prova que nem sempre verdadeiro o
famoso dito de Rossini...
Ardito, cuja voz se compadece com os papeis violentamente dramaticos,
me pareceu um pouco aspero no pae do soberbo Alfredo; as honras da noite,
repito, couberam prima-dona, que foi calorosamente applaudida.
***
No S. Jos foi representada a Tosca. No fui l, porque todos os
personagens morrem de morte violenta, e eu naquellla noite no estava para
horrorizar-me.
Antes o hilariante Maxixe, cujo meio centenario ser festejado amanh.
No Recreio voltou scena, em beneficio de Eugenio de Magalhes, o Filho
de Coralia, um dos grandes successos desse artista, e prepara-se, para domingo
proximo, a Cabana do pae Thomaz.
Depois desse espectaculo commemorativo do 13 de maio, a companhia
Dias Braga deixara o Recreio, passando-se para o S. Pedro, onde assistiremos
primeira representao do Homem sem cabea, que se acha em ultimos ensaios.
Para o Recreio vem a companhia da opereta do theatro Carlos Alberto, do
Porto, que est a chegar.
Dirigida pelo intelligente actor-emprezario Alfredo Miranda, essa
companhia traz, segundo consta, um elenco muito regular, em que figura
Carmen Cardoso, actriz cantora de que dizem maravilhas.
No repertorio vm algumas operetas novas, a Alma penada, o Sargentomor de Villar, o Principe Lili, a Filha do Feiticeiro, o Sonho da pastora, todas
portuguezas, uma nova adaptao do Homem das mangas, intitulada o
Homem das botas, que ser, creio, a pea de estra, e uma revista nova, No
lhe bulas! Que mereceu Epoca, de Lisboa, um compte-rendu ethusiastico.
***
Mas a companhia que o nosso publico espera ou deve esperar com mais
ansiosidade a grande companhia dramatica italiana que tem como principal
figura a formosa Tina de Lorenzo, e deve estar, a 28 do corrente, no Rio de
Janeiro.
56

No preciso dizer aos meus leitores que Tina di Lorenzo uma das actrizes
mais celebradas da Italia.
Vem acompanhada por bons artistas, entre os quaes o nosso conhecido
Cassini, um dos melhores companheiros de Ermete Novelli, e no repertorio
figuram muitas peas inteiramente novas, como sejam La rafale, de Berstein, e
Vers lamour, de Gondillot, dois successos parisienses de fresca data.
Pelo que me affirmou um dos emprezarios, que j ahi est, o Sr. Consigli,
vamos ter pela primeira vez uma companhia dramatica estrangeira com
enscenao apropriada. Veremos.
***
A companhia Mesquita, que est agora em Santos, fechou a srie de seus
espectaculos, na capital de S. Paulo, com duas representaes da Capital
Federal, desempenhando o autor Leonardo o papel de Eusebio, que at ento
havia sido representado pelo seu creador, o actor Brando.
O facto foi determinado, ao que parece, por insinuaes partidas de um
grupo de espectadores, e Brando foi o primeiro, no que fez mal, a ceder o
papel que seu, exclusivamente seu.
Fazendo um parallelo entre os dois Eusebios, e dando a palma a Brando, o
critico do Estado de S. Paulo appellou para o auctor da pea.
J manifestei o meu juizo nas columnas do Comercio de S. Paulo Brando
imcomparavel naquelle papel; a sua interpretao perfeita, desde o vertuario
e a caracterizao at o modo de sentir e fazer, viver o personagem; todos os
seus gestos e inflexes foram estudados, com arte, e o jogo physionomico e
admiravel de mobilidade e expresso. Nenhum artista poder medir-se com
elle no desempenho do papel de Eusebio.
Ahi est, francamente exposta, em poucas palavras, a opinio do autor da
Capital Federal.
***
Por indicao do illustrado professor do Collegio Militar, Dr. Laudelino
Freire, o digno commandante desse grande estabelecimento de educao, Dr.
Rodrigues de Campos, resolveu, de accordo com o ministro da Guerra, annexar
ao respectivo curso uma aula de dico, e para regel-a nomeou, ou vae nomear,
o Sr. Julio de Freitas Junior, autor de uma boa Arte de recitar, publicada na
Revista Pedagogica.
No poupo os meus elogios aos illustres funccionarios que pela primeira
vez reconheceram officialmente, neste paiz, a necessidade de se aprender a
fallar, como se aprende a ler e a escrever, e louvo tambem a nomeao, justo
premio de um esforo intelligente e honesto.
57

Os alumnos daquelle collegio no se destinam todos vida militar. Quem


sabe si algum delles trar um dia, ao nosso theatro, os seus conhecimentos de
recta pronuncia.
***
Falleceu ha dias, nesta capital, o actor portuguez Guilhermino Sepulveda,
que fazia parte da companhia dramatica Alves da Silva. Veio de Portugal j
gravemente enfermo do corao, e, logo que aqui chegou, foi recolhido a
um quanto particular do hospital da Misericordia, de onde sahio depois para
morrer em casa de um irmo.
No era a primeira vez que Sepulveda vinha ao Brasil. J tinha aqui estado
trazido por Furtado Coelho, e aqui se demorou, percorrendo todo o paiz,
durante alguns annos, com uma companhia de que eram emprezarios elle e
Dolores Lima.
Regressando a Portugal, teve saudades da nossa terra, e no houve meios
de dissuadil-o de acompanhar ao Rio de Janeiro os seus collegas do theatro
Aguia de Ouro.
Foi um artista intelligente e de grande utilidade, que se atirou a todos os
generos, e conseguio agradar em muitos papeis. Infelizmente era escravo de
um vicio, que lhe no deixou alcanar no theatro a posio que merecia.
***
hoje, finalmente, que se realisa, no Conservatorio Livre de Musica (rua
Carmo, 47) o concerto organisado pelo maestro Cavalier Darbilly em beneficio
das victimas do Aquidaban.
A festa foi diversas vezes transferida por doena de Elise Pekschen, mas
a afamada pianista russa j est completamente restabelecida, e far-se-ha
ouvir pelas pessas que tiverem o bom gosto de comparecer logo noite ao
Conservatorio Livre de Musica.
A. A.

58

O Theatro, 17/05/1906
A companhia lyrica italiana deu-nos a Manon de Massenet,e a Tosca de
Puccini, ambas no S. Pedro de Alcantara.
A partitura da Manon de uma extrema delicadesa, reclama elementos de
que no dispe aquella orchestra, alis bem dirigida; mas os cantores deram
boa conta do recado: a primadona Tromben, sem ter grande extenso de voz,
representou a parte da protagonista com muito sentimento dramatico, e o
tenor Colli satisfez no papel de Des Grieux, fazendo valer os trechos capitaes, e
obrigando o publico a pedir-lhe que repetisse a bellissima romana do 2 acto.
De Biasi, Fiori e Carona completaram um excellente conjuncto.
Entretanto, o Rio de Janeiro ainda desta vez no ficou, essa a verdade,
conhecendo a partitura de Massenet, tanto mais que a opera foi cantada, como
das outras vezes, com a suppresso de um quadro.
A Tosca foi um successo, e o enthusiasmo do publico tocou as raias do
delirio, como se dizia nos tempos do Provisorio. Chapos, sobretudos e at
punhos de camisa (manifestao extrema do contentamento das galerias)
foram arremessados ao palco.
Essa extraordinaria ovao foi provocada pelo tenor Colli e pela primadona
Benedetto, que realmente brilharam nos papeis de Mario Cavaradossi e da
Tosca. Ella teve que repetir a aria do segundo acto, e elle cantou tres vezes
a do terceiro; no preciso dizer mais nada para dar ida do successo da
representao.
Cumpre acrescentar que o sympathico Andito foi um excellente Scarpia, e
o maestro Anselmi participou dos applausos pela irreprehensivel execuo que
a sua orchestra, apezar de insufficiente, deu popular partitura, excepo feita
do violoncello, em certa passagem do 3 acto.
Tanto na representao da Manon como na da Tosca, o theatro estava
completamente cheio. Hoje repete-se a Tosca naquelle mesmo theatro.
***
A companhia Alves da Silva teve uma boa ida, pondo em scena a fara em
3 actos de Tristan Bernard, Laffaire Mathieu, traduzida com muita graa por
Joo Luso, com o titulo a Mala de Cupido.
Tristan Bernard, que ainda agora acaba de triumphar em Paris com seu
Triplepatte, comedia de um chiste e de uma ironia irresistiveis, no um faiseur
vulgar: um escriptor de muito merecimento, um humorista cuja reputao foi
feita por alguns livros solidos, entre os quaes se destaca Un jeune homme range.

59

Na Mala de Cupido, como na fara Langlais tel quon le parle, que vimos bem
representada pela companhia Antoine, sente-se que Tristan Bernard escreveu
por desfastio, sem o plano assentado de arranjar um successo para o PalaisRoyal, sem quebrar a cabea nem fatigar o espirito, combinando situaes e
quiproqus.
Entrentanto, os quiproqus e as situaes abundam na pea, que uma
gargalhada em 3 actos; v-se, porm, que os episodios sahiram uns dos outros,
naturalmente, sem esforo, sem outra pretenso que no fosse a de escrever
uma fara com o mesmo bom humor, a mesma despreoccupao, a mesma
expontanea e ingenua sinceridade com que Molire escreveu Le mdecin rolant
ou o nosso Martins Penna o Judas em sabbado da Alleluia.
Dito isto, no esperem os leitores que eu lhes conte a historia daquella
mala, mettido na qual anda aos bolos um namorado sem ventura,
aproveitando, para respirar, uns orificios abertos na singular inteno
de guardar ali dentro um cachorro. Basta dizer-lhes que o dialogo, no
desvirtuado por um traductor de talento, digno do melhor Meilhae.
Alves da Silva, Caetano Reis e principalmente Sarmento, actor engraado
que por ter uma bronchite choronica tem sido injustamente considerado como
um imitador de Alfredo de Carvalho, do muita vida aos seus papeis e os
representam como se deve representar a fara, mas imagino o que seria esta
insigne pochade interpretada pela troupe do Palais Royal?
Infelizmente os espectaculos em beneficio tm impedido a carreira de que
era digna a Mala de Cupido. Ante-hontem subio scena o Voluntario de Cuba,
hontem voltou a ella o Papo, hoje voltar o Outro Sexo, em beneficio da nosso
Apollonia, a quem desejo uma enchente a deitar fra, e sabbado o palco do So
Jos, ser occupado por uma pea nova, de auctores brasileiros: o Desfalque, de
Jos Piza e Arthur Guimares, pea que ha de ser, espero, um triumpho para os
dois escriptores a quem prezo.
pena entrentato, que a 1 representao do Desfalque coincida com a
do Homem sem cabea, pela companhia Dias Braga, que se passou com armas e
bagagens para o Lucinda.
***
O Maxixe, depois do jubileu adquirio novas foras, e resiste heroicamente
invaso dos artistas de alm-mar.
A companhia do Carlos Gomes, que j tinha para si Pepa e Antonio Serra,
acaba de contratar mais um elemento de primeira ordem: Cinira Polonio.
Os auctores do Maxixe preparam novos quadros para quando a pea
afrouxar; mas at agora o bilheteiro tem dito que no ha pressa. Ainda bem.
60

***
Estreou-se hontem, sob os melhores auspicios, no Recreio, a companhia
Miranda, do Porto, com a opereta fantastica em 3 actos e 13 quadros, a Filha do
Feiticeiro, original do proprio Miranda (o emprezario) e Souza Rocha, musica
de Calderon.
O libretto revela pouca technica, mas no deixa de ser divertido como
todos os librettos de magica; pena, entretanto, que destinando-se esse genero
de peas principalmente s familias, haja ali tanta coisa que senhoritas e
creanas no devem ouvir, como aquella cantiga do pucharinho rachade, que
no tem a delicadeza da Cruche casse, de Greuze.
A musica de Calderon, sendo original, produz o effeito de uma
dessas compilaes que se fazem para as revistas de anno, tantas so as
reminiscencias que entram no ouvido do espectador, como em praa j
conquistada; mas por isso mesmo no ha um numero que falhe.
Os dois artistas, annunciados como estrellas, devem ser vistos e ouvidos em
papeis de outra importancia, para serem convenientemente julgados; sente-se
que Carmen Cardoso e Oliveira servem para alguma coisa mais que aquelle
Grillo, sempre em risco de ser comido ou chupado, e aquelle Jelmirez, que to
pouco tem que fazer.
Maria Pinto, nossa conhecida, tambem no appareceu em boas condies,
e o mesmo deve se dizer dos demais artistas, pois as magicas s em casos
excepcionaes podem servir de estalo ao merecimento de uma companhia;
mas o elenco est bem servido, ao que parece, pelos artistas mencionados,
e por Miranda, cujos processos simples e naturaes sempre me agradaram.
Isabel Pacheco, boa caricata, Eduardo Fernandes, tambem nosso conhecido, e
Firmino, que teve momentos felizes no papel de um rei burlesco.
Do scenario no ha que dizer seno bem: magnifico, faz honra a Eduardo
Machado. O guarda-roupa riquissimo.
A companhia trouxe um bom corpo de cros, em que ha mirabile visu!
coristas que no so feias, e a orchestra portou-se galhardamente sob a
regencia do provecto Xavier Roque, outro nosso velho conhecido.
O publico encheu completamente o theatro, rio com vontade e applaudiu
com enthusiasmo, pedindo bis a muitos numeros de musica e chamando
scena os artistas nos finaes dos actos. A filha da feiticeira pea para um bom
numero de rcitas.
***

61

S tenho elogios para a insigne pianista russa Elise Pekschen, que ouvi no
Conservatorio Livre de Musica. No lhe faltam altas qualidades de estylo, e
grande vigor de execuo. Interpretou deliciosamente Listz e Rubinstein.
O maestro Cordiglia Lavalle, com quem me encontrei nesse concerto,
pedio-me um reclame para o grande festival lyrico, por elle organisado, que se
realisar no Parque Fluminense, a 18 do corrente, em beneficio da Associao
das Creanas Brasileiras. O programma no pde ser mais convidativo; sinto
no dispr hoje de bastante espao para transcrevel-o aqui.
***
A revista o Theatro, fundada pelo Dr. Adhemar Barbosa Romeu,
reappareceu no ultimo sabbado, editada agora pela antiga Livraria Cruz
Coutinho, o que certamente lhe assegura larga existencia. Esta nova phase da
interessante publicao illustrada no desmerece em nada da primeira.
Aproveito o ensejo para dizer que j est prompto e ser hoje ou amanh
posto venda o Almanach do Theatro, do qual fallarei no meu proximo
folhetim.
A. A.

62

O Theatro, 24/05/1906
sempre com jubilo que vejo annunciada a primeira representao de
qualquer pea theatral escripta por autor brasileiro, e em taes circunstancias,
infelizmente raras, nunca vou para o theatro sem levar commigo o meu
velho optimismo e a doce esperana de assistir a um espectaculo que fique
assignalado na historia na nossa litteratura dramatica.
Foi nessa disposio de animo que me dirigi uma noite destas, para o S.
Jos, onde se representav, pela primeira vez, o Desfalque, pea em 3 actos,de
Jos Piza e Arthur Guimares.
Quando a companhia Lucinda e Christiano representou o Destino, dos
mesmos auctores, observei que estes no tinham explorado pacientemente o
seu assumpto, deixando no tinteiro as principaes situaes que comportava,
e fiz ver que, com uma pouco mais applicao, teriam escripto uma pea
vibrante.
A mesma observao farei quanto ao Desfalque. Os auctores procederam
pela mesma forma. Seno, vejamos.
O velho medico Dr. Paulo carrega valentemente os seus setenta invernos.
Tem uma filha, D.Balbina, casada com um negociante, o Sr. Eugenio, e dois
netos, filhos deste casal. O mais velho, Alfredo, est empregado na casa
comercial do pae, e a mais nova, Izabel, gosta de jorge, estudante modelo, filho
do velho Ataliba, caixa da casa, e de D. Maria de Lourdes, ba senhora, com
que a senhorita Izabel aprende a tocar piano.
Levado por ms companhias, Alfredo vae a uma casa de jogo, onde perde
roleta, sob palavra, cinco contos de ris, que devem ser pagos dentro de vinte e
quatro horas. No dia seguinte, no sabendo onde ir buscar o dinheiro, confessa
mame a situao desesperada em que se acha, e implora o seu soccorro.
D. Balbina, em vez de dizer tudo ao marido, vae ter com Ataliba, o caixa,
e pede-lhe os cinco contos, que o bom homem tira do cofre e lhe entrega,
exigindo apenas uma resalva.
Conferindo a caixa, o negociante d por falta do dinheiro, e pe na rua
o velho Ataliba, que, no querendo deixar mal D. Balbina, cala-se, dizendo a
verdade apenas mulher e ao filho.
Estes procuram Dr. Paulo e contam-lhe tudo. O velho medico, a principio,
exige que o neto confesse a verdade ao pae, mas logo muda de parecer; arranja
os cinco contos e manda o Alfredo collocal-os num compartimento do cofre,
como se alli houvessem cahido por acaso. Ataliba, rehabilitado, volta a occupar
o seu emprego.

63

S ento, depois de tudo arranjado, resolve Alfredo revelar ao pae o que se


passou. O negociante quer zangar-se, mas Dr. Paulo intervem com a bandeira
de misericordia, e tudo fica em paz, casando-se Jorge com Isabel.
Os auctores, para dividir a pea em tres partes, deveriam ter feito um
primeiro acto pondo em aco o desespero de Alfredo, a leviana resoluo de
D. Balbina, os escrupulos e a fraqueza de Ataliba, e os amores to pallidos, to
mal accentuados de Jorge e Isabel. Esse acto terminaria pela expulso do caixa,
que forneceria pea uma scena eminentemente dramatica.
O 1 e do 2 acto fariam um acto so, supprimindo todo o enchimento inutil,
como seja a leitura de um trabalho scientifico de Dr. Paulo, feita pelo velho
medico numa situao de espirito que a torna extravagante e inveriosimil, e
interessando o expectador pelos amores contrariados do filho do caixa e da
filha do negociante. Nesses amores encontrariam elles a scene faire, e um
soberbo final de acto.
A simplicidade tem o seu encanto, mas no exclue a situao. Na pea ha
um dito delicioso, proferido por Isabel: Como o dinheiro mu! ahi est a
phrase de theatro que se fosse justificada pelas peripecias do drama, faria o
Desfalque uma pea resistente e empolgante.
No acceito nem comprehendo as famosas unidades aristotelicas, mas
tenho que num drama ou numa comedia no deve haver nada inutil, isto , que
no esteja inteiramente ligado aco dramatica, e todo o 2 acto do Desfalque
ocioso. A pea poderia ser representada sem elle, que o espectador no daria
por isso.
Outro erro dos auctores foi a decepo que causaram plata com a
figura de tia Bicota. Essa mulher, perfeitamente apresentada como o typo
de solteirona pobre que se aggrega a uma familia e vae pouco a pouco
tomando certa ascendencia na casa, parecia a principio ser o elemento de uma
catastrophe que sacudisse os nervos do espectador; quem a v espreitando as
portas e ameaando os culpados, espera que ella v influir terrivelmente na
aco da pea; mas qual! o typo da tia Bicota dilue-se, desapparece, um typo
inutil.
Repito: o que faltou a Jos Piza e Arthur Guimares no foi talento: foi
simplesmente paciencia. Desde que elles queriam pr um pouco desta virtude
fundamental na concepo de uma pea, triumpharo com toda certeza.
Triumpharo, mas para isto ser preciso que se faam representar em
boas condies. O Desfalque foi exhibido sob mais auspicios. A pea tinha
sido acceita por condescendencia, ensaiada em quatro ou cinco dias, e posta
em scena sem a menor preocupao do pittoresco e da verdade. Era visivel
nalguns artistas a m vontade com que estudaram, ou por outra, com que no
64

estudaram os papeis, e de vez em quando feriam os ouvidos do espectador


grosseiros solecismos que os autores no escreveram, e pelos quaes ninguem os
responsabilisou,
***
Tratando-se de uma pea que appareceu e desappareceu, o
desenvolvimento desta noticia a prova real do interesse que me merecem os
autores do Desfalque, principalmente Jos Piza, que conheo mais de perto,
pois lhe medi as foras quando escrevemos juntos a burleta o Mambembe,
que no foi, como affirmou um judeu errante dos nossos theatros, tirada dos
Comicos ambulantes, de Escrich. Eu, pelo menos, nunca li esse romancista
hespanhol e espero em Deus morrer sem o ter lido.
Jos Piza, num artigo do Correio da Manh, referia-se ha dias aos receios,
s apprehenses, sobrexcitao nervosa, ao trac, emfim, que accommette
a certos autores na noite das primeiras representaes das suas peas. Esse
trac no deve existir desde que o dramaturgo tenha confiana na sua obra,
e esta lhe custasse longas horas de reflexo, de vigilia, e, mais uma vez o
digo, de paciencia. Que lhe importa a opinio fallivel do publico, si elle tem
a consciencia de seu trabalho? O seu receio mais legitimo deve ser o de no
agradar a si mesmo, o de achar a sua obra insuficiente e incompleta.
***
Pouco espao me resta para dizer que o Barbeiro de Sevilha proporcionasse
a Tamanti Zevaschi mais uma occasio de brilhar; que a Favorita foi bem
cantada pelo tenor Colli, pelo barytono Casona e pelo baixo de Biasi; que o
Homem sem cabea no deu o que promettia um titulo to suggestivo; que os
novos quadros do Maxixe foram applaudidos; que o Almanack do Theatro,
organisado por Adhmar Romeu, tem agradado muito; que Helena Cavalier,
a provecta artista, realisa seu beneficio a 31 do corrente, no Lucinda, com a
enchente cunha que tem direito a sua brilhante f de officio.
***
Ao terminar o meu artigo, leio nos jornaes a noticia da morte de Ibsen
Que dizer em duas ou tres lihnas de um sol que se apagou?
A. A.

65

O Theatro, 31/05/1906
O Theatro Lyrico abrio hontem as suas portas pela primeira vez esse ano.
Abrio-as para um triumpho. Ainda bem!
Tina de Lorenzo chegou da sua Italia precedida de uma dupla reputao de
talento e de belleza, e eu, confesso, tinha os meus receios de que a belleza fosse
superior ao talento. As actrizes famosas agradam sempre. Jane Hading que o
diga.
Felizmente o espectaculo de hontem dissipou os meus receios: Tina de
Lorenzo bella, mas o seu talento ainda maior que sua belleza.
Pode-se dizer que a Magd, de Sudermana, teve hontem pela primeira
vez no Rio de Jeneiro uma interprete fiel e na verdadeira altura daquelle typo
de mulher to complexo e to profundamente analysado pelo dramaturgo
allemo. Toda a psychologia daquella revoltada appareceu claramente ao
espectador, graas ao trabalho artistico de Tina Di Lorenzo. Dir-se-ia que
Magd nos apparecia pela primeira vez.
A voz, o gesto, a inflexo, o movimento scenico, a mobilidade de
physionomia, a graa, a emoo, tudo nella so qualidades que se completam
umas s outras. Tina di Lorenzo brilhante, na excepo da palavra.
Ouvindo-a hoje na Frou-frou, depois damanh, na Zaz, e segunda-feira
na Rafale, estou certo de que confirmarei e estabelecerei definitivamente o meu
juizo. A deliciosa actriz pode entrar com sua bella voz sonora e musical, Vini,
vidi, vici.
Os applausos comearam mesmo antes della entrar em scena: Magd no
figura no 1 acto, e o 1 acto foi applaudido. Isto quer dizer que a companhia
uma das melhores que tm vindo a essa capital.
Bonatini, que j aqui esteve ha 16 annos com o grande Novelli, voltou
artista consummado, representando irreprehensivelmente o difficil papel do
velho Selcke; no do pastor, Carini, o galan da companhia, no voou por no
lhe permitir o psrsonagem, mas ao menos mostrou que tem azas para voar;
Casini, que vem ao Brasil pela quarta vez, desempenhou com muita distinco
o ingrato papel do baro Keller; Nerina Grossi foi uma ingenua adoravel e Elide
Rossetti uma boa dama caracteristica. Os demais artistas concorreram para um
conjuncto harmonioso; nenhum papel foi mal representado.
Nao esqueamos a enscenao. A companhia trouxe magnificos scenarios e
accessorios especiais para cada uma das peas do seu repertorio. No precisava
de tanto para ganhar a partida; bastava presena de Tina Di Lorenzo para que
cada representao fosse o triumpho que ha de ser.

66

***
Lamento que a companhia Alves da Silva no se tivesse estreado com
Ciumenta, a delicada comedia de Alexandre Basson, exhibiba nas melhores
condies de desempenho.
Todos os artistas, excepo de um, interpretaram dignamente os seus
papeis; Sarmento, porm, merece especial meno pela graa, ainda que um
tanto exagerada, com que fez lembrar o grande Valle.
Apezar de ter causado muito effeito, Ciumenta no se demorou no cartaz:
foi logo substituida pelo Premio de virtude, que ainda no vi, e talvez no veja
porque a empreza do S. Jos annuncia j para amanh Ministro e rei, drama
portuguez cujo protagonista o marquez de Pombal.
***
A companhia lyrica deu-nos o Othelo no S. Pedro e o Fausto no Apollo.
Essas duas operas no lograram at hoje, nos nossos palcos, uma execuo
completamente feliz, e desta vez no tiraram ainda a sua desforra.
Entretanto, o barytono Ardito e a primadona Benedetto, fizeram-se
applaudir no Othelo, e o tenor Colli e a primadona Tamanti-Zavaschi no Fausto.
O tenor Venerrndi e o baixo De Biasi, mettidos, aquelle na pelle do mouro de
Veneza e este no do Dr. Fausto, fizeram tremer os manes de Shakespeare e
Goethe.
***
Nos demais theatros nenhuma novidade. No Recreio continuam as
representaes da Filha do feiticeiro, e no Carlos Gomes as do Maxixe, com os
seus quadros novos.
***
J est em viagem a companhia dramatica de Eduardo Victorino, frente
da qual vem o provecto Brazo. A estra ser em 11 de junho, data auspiciosa
que lembra uma victoria e ver outra.
***
No meu ultimo folhetim fiz uma ligeira referencia ao Almanaque do
Theatro, organizado por Adhemar Barbosa Romeu. Esse livrinho merece mais
do que isso, porque na realidade muito interessante. Traz numerosos retratos
e biographias de actores e artistas, caricaturas, noticias, anecdotas, poesias,
monologos, canonetas, etc. Traz egualmente, alm do calendario do corrente
anno, o do anno vindouro. A isto que se chama um furo!
***
67

Terminei o meu ultimo folhetim, perguntando, a proposito da morte de


Ibsen: Que dizer, em duas ou tres linhas, de um sol que se apaga?
Reduzi hoje quanto pude a minha materia, para reservar duas ou tres
columnas ao necrologio; mas de um sol que se apaga tanto se diz em cem
linhas como em duas ou tres.
E, francamente, a morte de Ibsen no assumpto que interesse maioria
dos leitores habituaes, porque poucos o conheciam, e comprehende-se:
a no ser na Scandinavia, onde o autor da Casa da boneca tem a maior
e mais pura popularidade, a fama delle no desceu ainda das camadas
superiores. Lembrem-se de que, na sua famosa conferencia do Lyrico, o actor
Antoine disse-nos que o theatro do illustre dramaturgo sueco no era ainda
comprehendido nem acceito pela grande massa do publico parisiense, e,
de facto, nenhuma das sus peas tem tido, em Paris, uma grande srie de
representaes consecutivas, o que alis succede egualmente s de Franois de
Curel, que no theatro francez o proselyto mais accentuado de Ibsen.
Isso prova que, escravisado como est o theatro latino s suas velhas
tradies, os dramas de Ibsen, quando descem dos gelos do Norte, so mais
para serem lidos que representados, o que alis no os impede de proporcionar
aos artistas dramaticos de todos os paizes papeis de primeira ordem, em que
possam brilhar pelo primor da interpretao. No ha duvida que, fra da
Scandinvia, o successo theatral dos Espectros causado, no pela obra, mas
pelo artista encarregado do papel de Oswaldo, quando esse artistas se chama
Novelli ou Zacconi.
No quer isto dizer que os dramas de Ibsen no sejam obras primas de
uma grande elevao moral, dignas da admirao universal que as celebrisou,
exprimindo, de um modo intenso, impetuoso, estranho, uma grande alma
esmagada pelo peso de um meio social em antagonismo com ella.
Ser sempre ouvida com enthusiasmo a voz potente desse revolucionario
que pretendeu substituir pelos direitos superiores do individuo todas as
conveniencias e todas as instituies de um mundo que envelheceu; mas
essa admirao, esse enthusiasmo de gabinete, no de plata, e assim ser
emquanto nos paizes latinos durarem as convenes do theatro, que elle
perturbou, mas no destruio.
Ibsen uma das glorias litterarias mais puras do sculo XIX.
A. A.

68

O Theatro, 07/06/1906
Foi falta de consciencia, por parte da empreza da companhia lyrica, fazer
com que a sympathica Sra. Nelma, visivelmente indisposta como estava,
cantasse, ou por outra, no cantasse a parte de Manon Lescaut na opera de
Puccini; portanto, passemos por alto essa representao, que no foi nem podia
ser um successo, comquanto houvesse apenas uma figura sacrificada...
O Ballo in maschera, cantado ante-hontem, no S. Pedro, foi uma desforra.
Com esta so nove as operas de Verdi representadas pela companhia
Rotoli, mas o nosso publico, apesar da facilidade com que esquece, no theatro,
os seus velhos idolos, ainda no se canou de ouvir a musica daquelle genial
compositor. A Italia a primeira a dar o exemplo dessa venerao: no ltimo
inverno, a Traviata, posta em scena como uma opera inedita, foi cantada
dezesete vezes consecutivas no Scala de Milo.
O Ballo in maschera, uma das operas mais inspiradas de Verdi; no ha
nada to bello nem to theatral como o final do 4 acto, em que a musica, pelo
vigor do colorido, pela variedade do rhythmo, e pela sciencia das apposies,
attinge, no dizer de um critico, ao paroxismo da expresso.
E toda partitura um ramilhete em que no ha flr que no seja linda e
cheirosa.
As honras da noite couberam ao barytono Ardito pela ovao que mereceu
na famosa aria
Eri tu che macchiari quellanima,

sendo obrigado a repetil-a, bem como o delicioso cantabile que se segue


O dolcezze perdute!

A primadona Benedetto e mesmo o tenor Venerandi (os demais


papeis tm uma importancia apenas relativa) no prejudicaram o que
esta bellissima opera tem de dramatica e pathetica, e a representao foi,
inquestionavelmente, uma das mais dignas de elogio que nos tem dado a
companhia Rotoli; esta parece ter sido a impresso do publico.
Hontem realizou-se no Apollo a segunda representao do Fausto,
de Gounod, com uma estra: a do baixo Sorgi, substituindo, no papel de
Menphistofeles, o seu colega De Biasi que na parte dramatica no foi l das
pernas e comprometteu o successo da primeira representao.
A Theodora no me deixou assistir a essa estra.
69

***
Nem na Frou-frou, nem na Zaz, nem no Romance de uma moo pobre,
nem na Theodora desmereceu a Tina Di Lorenzo da excellente impresso
causada pelo seu talento. Um critico meticuloso e resinguento diria que ella
exagerou a scena do ensaio na Frou-frou e a scena do camarim na Zaz, onde
a sua preoccupao parecia tentar os espectadores e no aquelle inverosimil
Dufresne, reproduo moderna do famoso Santo Anto; mas esses pequeninos
desvios da grande recta da arte nada valem deante da emoo que a eminente
artista communica s almas em havendo, nos personagens que interpreta, um
vislumbre de paixo, e quanto mais a paixo profunda, real, absoluta, mais
crescem todos os effeitos da voz, do gesto, da physionomia, do olhar.
O seu talento faz com que nos interessemos por Frou-frou e Margarida
Laroque, duas tolas, que tm dentro de si no o sangue das mulheres, mas
farello das bonecas: por Zaz, cabotine da ultima especie, que se offerece aos
homens, e por Theodora, pretexto de panorama.
Amanh, na Rafale, de Bernstein, Tina de Lorenzo interpretar,
pela primeira vez, no Rio de Janeiro, um papel de mulher superior,
verdadeiramente apaixonada, e estou certo de que ser esse o primeiro e mais
decisivo dos seus triumphos.
A companhia contina a mostrar-se digna dos applausos do publico;
Giulia Rizzotto, Erude Rosseti, Falconi, Carini, Bonafini, Cassini, e no
sei si mais alguns nomes em ini, merecem destacar-se pelo capricho da
representao.
A companhia credora dos mais francos elogios pelo bom gosto, riqueza
e propriedade com que tem posto em scena as suas peas, distinguindo-se,
por essa forma, de quantas a precederam. A Theodora de hontem foi um
deslumbramento: a pea tem seis actos e seis scenarios de primeira ordem,
destacando-se o terrao da casa de Andras, illuminado pelo luar, e um salo
byzantino do palacio de Justiniano. Bastavam os scenarios e o guarda-roupa,
de grande riqueza e propriedade, sem fallar nos demais accessorios, para
levar o Lyrico a populao inteira, quando ali no estivesse, para attrail-a, a
encantadora actriz, em quem no sabe a gente o que mais admire, si a belleza,
si o talento.
***
S no caso de possuir o dom da ubiquidade poderia eu ter assistido
representao do Homem das botas, a nova edio do Homem das mangas,
pelo que dizem, menos salgada, e mais apimentada, exhibida no Recreio pela
companhia Miranda. No proximo folhetim darei a minha impresso.
70

***
Com Ciumenta, a espirituosa comedia de Bisson, encerra hoje a serie dos
seus espectaculos, no S. Jos, a companhia Alves da Silva, que no conseguiu,
comquanto houvesse no seu elenco alguns bons artistas, lutar contra a m
vontade que o publico revelou desde logo contra um repertorio mal escolhido.
***
A companhia Dias Braga fez, no Lucinda, uma reprise de Jack, o estripador
e prepara a Voz do Tumulo; a companhia Segreto & Souza, que acaba de
contractar o Cols, annuncia as ultimas representaes do Maxixe e para breve
a primeira das Mas de Ouro.
***
o Marquez de Villemer, de Jorge Sand, a pea escolhida para a estra, no
Apollo, da companhia dramatica portugueza, que tem como principal figura
Eduardo Brazo, e est a chegar. A escolha no poderia ser mais acertada.
A. A.

71

O Theatro, 14/06/1906
Depois do meu ultimo folhetim, a companhia dramatica italiana
representou La Rafale de Henri Bernstein, Romeu e Julieta de Shakespeare, La
trilogia de Drina, de Rovetta, e Amantes, de Maurice Donnay. Comprehende o
leitor quanto me difficil tratar de tanta coisa em to reduzido espao, quando
cada um dos papeis representados por Tina di Lorenzo merecia um folhetim
inteiro: ha tanto, tanto que dizer daquelle talento!...
Deixando de parte Romeu e Julieta e La trilogia de Dorina, a cujas
representaes no assisti por no ter, infelizmente, o dom da ubiquidade
(a comedia de Rovetta, dizem-me todos, deliciosa, e Tina di Lorenzo tem
nella uma soberba creao), fallarei das peas de Bernstein e Donnay, em
que o talento da eminente actriz em dois papeis muito diversos um do outro,
se mostra em toda sua pujana, no perdendo o effeito de um sentimento,
de uma phrase, de um gesto, de um olhar. Essa meticulosidade, que significa
um trabalho de interpretao consciencioso, definitivo, completo, a maior
virtude artistica de Tina di Lorenzo.
Os leitores conhecem aquelles amantes de Donnay, psychologo moderno,
que no recua deante das situaes mais escabrosas para dizer a verdade, e
que j teria sido lapidado na praa publica si o acaso o houvesse feito nascer
brasileiro; La Rafale, por ser pea nova para o nosso publico, interessa-nos
mais.
Interessa-nos mais, no pelo protagonista, fidalgo rafale (Vid. Littre), que
joga um dinheiro que no seu e tem relaes clandestinas com uma senhora
que no sua, mas por ella, pela mulher loucamente apaixonada por esse
amigo do alheio, desgraada que se deixa allucinar pela ida de obter, seja
como for, 650 mil francos para salval-o, e leva o sacrificio ao extremo de
vender-se por aquella quantia a um primo que, como se v, no olha a preo.
O trabalho de Tina di Lorenzo nunca me pareceu to communicativo, to
harmonioso, to penetrante, nem nunca me comoveu tanto. Uma grande scena
do 2 acto, representada por ella e Bonafini, scena que vale um drama inteiro
pela quantidade e diversidade das situaes creadas pelo dialogo, deu toda a
medida dos recursos dramaticos da formosa actriz.
Entretanto, hontem me pareceu que ella tem na pea de Donnay o seu
melhor papel... Que diabo! o seu melhor papel, j vejo, sempre o ultimo,
porque em todos admiravel, porque nem ella se fatiga, nem se reproduz,
confundindo os personagens uns com os outros. A sua propria belleza, sempre
irradiante, parece que se transfigura e tem um caracter especial para cada typo
de mulher.
72

Nalgumas peas, como na Zaz, que se repete sabbado, Tina di Lorenzo ,


talvez, bella de mais. Essa a nica qualidade de que ella abusa...
pena que Falconi ainda no se mostrasse num grande papel, e,
francamente, no tivesse feito l muito ba figura no Justiniano, da Theodora;
mas, como disse o poeta, mme quand loiseau marche on seul quil est des ailes,
e aquelle, se no me engano, o actor mais completo da companhia, a que no
faltam, alis, bons artistas, formando um raro e delicioso conjunto, sempre
vibrante, applaudido sempre.
No so por de mais os elogios que se possam fazer enscenao das
peas, cada uma das quaes tem os seus scenarios e accessorios apropriados e
de primeira ordem. Neste particular, a companhia Tina di Lorenzo, de quantas
companhias dramaticas estrangeiras vieram at hoje ao Brasil, a que se tem
mostrado mais respeitosa do publico.
O publico paga-lho deixando o theatro s moscas, o que tem sido, no
falta de gosto, nem de educao, nem de simples curiosidade; mas de uma
dessas grosserias ferozes, que seriam inexplicaveis si o Fregoli no houvesse
embolsado perto de duzentos contos de reis, no mesmo theatro em que o
talento extraordinario de Tina di Lorenzo se exhibe deante das cadeiras vazias
e dos camarotes fechados.
***
Parece que o publico o que no perdoa a Tina di Lorenzo no representar
em portuguez, porquanto na estra de Eduardo Brazo cumprio elle o seu
dever, enchendo o theatro Apollo, e recebendo o grande artista com uma salva
de palmas que parecia no terminar, uma salva de palmas vibrante, unisona,
carinhoso que exprimia fielmente a sua admirao, a sua saudade, o seu
entusiasmo, uma salva de palmas que soar aos ouvidos do artista, emquanto
elle viver, como um hymno de amor e de justia.
Durante esta ausencia de treze annos, Brazo ganhou em experiencia e
saber o que naturalmente perdeu em mocidade. na accepo da palavra, um
artista consummado.
Escolhendo, para apresentar-se ao publico, o papel do duque de Aleria,
fel-o propositalmente, porque, de todos os personagens de sua vasta galeria
esse talvez, o que exige mais leveza, mais vida, mais juvenilidade. O duque tem
quarenta annos: nenhum espectador lhe daria mais de trinta.
Brazo tem todos os attributos de um artista excepcionalmente dotado pela
natureza, e que vio, estudou, assimillou, aprendeu: mas a qualidade que nelle
mais me encanta a dico impeccavel, sem a melopa nasal dos portuguezes,
nem a languidez pigas dos brasileiros. Aquelle o portuguez que se deve
73

fallar no palco, e tenho por muito recommendado aos nossos artistas que
aproveitem o mestre.
Si Brazo no envelheceu, envelheceu o Marquez de Villemer, em que pese
ao genio de Jorge Sand. Dos marquezes do theatro do sculo XIX s um ficou: o
de la Seiglire; os outros diluiram-se ao calor da produco moderna, que nos
tem tornado to exigentes.
Maria Falco, Barbara Wolkart, Jesuina Saraiva, Luiz Velloso, Chaby, outro
que sabe exprimir-se em lingua portugueza, Carlos de Oliveira e Pinto Costa
formam um conjuncto agradavel em torno de Eduardo Brazo; mas notavase na representao a desegualdade que resulta quando um dos artistas ha
longos annos se assenhoreou do seu papel, e os outros s agora comeam a
estudar os que lhes couberam. Nestas condies para lastimar o pobre Carlos
de Oliveira, sem armas para luctar com uma das personagens mais difficeis do
repertorio romantico.
Receba o meu bom amigo e collega Eduardo Victorino sinceros parabens
por ter conseguido que Eduardo Brazo atravessasse mais uma vez o Atlantico,
para vir receber applausos na terra que assistio primeira efflorescencia do seu
bello talento.
***
Estou vexado com o amavel emprezario Miranda por no ter podido assistir
a nenhuma representao do Homem das botas.
Entretanto, nem elle nem eu perdemos grande coisa: a pea j foi retirada
e substituida pela revista Por cima e por baixo, que est posta em scena e
representada com todos os matadores, promettendo fazer no Recreio carreira
superior que j fez no Apollo. A companhia Miranda entrou no Rio de Janeiro
com o p direito.
***
No Carlos Gomes annuncia-se para amanh um grande festival
commemorativo do centenario do Maxixe, e no Lucinda, para depois damanh,
a Voz do tumulo.
***
Estra-se amanh no S. Jos, com a pea de Kardweios, Escola Antiga, a
excellente companhia dramatica portugueza de que emprezaria e primeira
actriz Angela Pinto, e da qual fazem parte alguns artistas que o nosso publico
habituou aos seus applausos, como sejam Carolina Falco, Emilia de Oliveira,
Mattos (o nosso Mattos), Luiz Pinto, Ignacio Peixoto e outros, muitos outros,
formando um elenco de primeira ordem.
74

para lastimar que tambem para amanh estejam annunciadas as


representaes do Vers lamour, no Lyrico e Leonor Telles, no Apollo... Que bom
seria si as emprezas si combinassem para evitaressas coincidencias.
A. A.

75

O Theatro, 21/06/1906
A companhia dramatica italiana teve, afinal, a sua primeira enchente
domingo passado, em matine, com a Dama das camlias; si quizer outra igual,
annuncie para domingo o Mestre de forjas e dinheiro em caixa!
Tina di Lorenzo, no papel de Margarida Gauthier, recebeu uma ovao
formidavel. Ainda bem. No tive o prazer de assistir e de me associar a esse
triumpho, porque fiz voto de acabar os meus dias sem desmanchar nem
attenuar a profunda impresso que o anno passado Sarah Bernhardt me
deixou, naquelle mesmo theatro, representando a velha pea de Dumas Filho.
No se me dava at que fosse aquelle o meu ultimo espectaculo!
Dahi por deante no teve a eminente actriz italiana outro grande papel
sino hontem, na Adriana Lecouvreur: infelizmente, porm, meu estado de
saude no me permittio levar-lhe os meus applausos. Reservo-me para a Maria
Antonieta, amanh.
No Vers lamour, o papel de Blanche no tem a importancia do de Jacques
Martel, desempenhado por Luigi Carini. Este galan dramatico vibraria com
mais intensidade, sem um defeitosinho que alis seria virtude num galan
comico: ser fanhoso. No theatro, o amor perde a expresso quando sae pelo
nariz. Entretanto, o 4 acto foi muito bem representado por esse artista,
que reproduzio admiravelmente a mortificao de um moo apaixonado,
esperando em vo a amante adorada, que prometteu vir e no vem. Foi pena
que, depois desse acto, Carini rezasse o ultimo, tornando-o de uma monotonia
mortal.
Duas palavras sobre a pea, que foi um dos ultimos successos do theatro
Antoine. escripta por Leon Gandillot, um auctor de vaudevilles nos quaes
transpareciam a observao, o sentimento e as demais qualidades da boa
comedia. Gandillot comptera sans aucun doute parmi les premiers auteurs
dramatiques de ce temps, escrevia, em 1800, Sarcey, que, como se v, foi bom
propheta.
Vers lamour a histria de um pintor, um tanto bohemio, ligado a uma
rapariga pesando to pouco na sua vida que elle resolve casar-se com outra.
Resolve, mas no se casa, e comea ento a sentir pela amante desdenhada
uma affeio mais seria, to seria, que elle convence-se de que no pde passar
sem ella. Mas tarde: a rapariga encontrou um marido. Principia para o pintor
uma existencia cruel, uma agonia terrivel, que lhe aniquilla o talento, e acaba
pelo suicidio, com escala pela morphina.
O Marido no campo, a espirituosa comedia de Bayard, que a Comdie
Franaise incluio no seu repertorio e servio de padro a quinhentas peas
76

de theatro, proporcionou a Armando Falconi o ensejo de mostrar que eu


me no enganava quando suppunha que era elle o artista mais completo da
companhia: o papel de Colombet foi representado com a graa, a vivacidade,
o talento com que ha vinte annos o seria pelo grande Coquelin. De resto,
Falconi, como Novelli, como todos os bons actores comicos italianos, filiou-se
inteiramente escola franceza.
O Marido no campo, em que tambem Bonatini mostrou talento comico, foi
precedido por uma [p. i.] intitulada Una aventura in riaggio, espirituosa, talvez,
mas to insignificante, que no supporta a assignatura illustre de Roberto
Braco. Tirem dali o talento e a formozura de Tina di Lorenzo e a graa de
Falconi; que mais fica?
No tenho espao para fazer a todos os artistas da companhia italiana
a justia devidas nem para contar por miudo aos leitores os prodigios de
enscenao que tornam ainda mais interessantes os espectaculos de Tina di
Lorenzo, grande artista que brilha egualmente pelo talento e pela belleza.
***
Ainda no vi no Apollo nem o Gendarme, nem a Ceia dos cardeaes, o
bellissimo dialogo de Julio Dantas; assisti porm, representao de Leonor
Telles, o drama que Marcelino de Mesquita escreveu aos vinte annos, e devia
ser o inicio da carreira de dramaturgo mais singular que ainda houve, por
no apresentar dois trabalhos que paream escriptos pela mesma penna.
Dir-se-hia que Leonor Telles,Perallas e secias e Almas doentes so filhos de tres
temperamentos litterarios diversos um do outro.
Apesar de algumas scenas e de alguns versos desarticulados, Leonor Telles
um drama que interessa aos espectadores, no s pelas situaes e pelo
dialogo, como pela expresso e relevo que o autor conseguio dar ao papel do
rei D. Fernando, que no drama real ficou em ultimo plano.
Esse um dos personagens que Brazo estudou com mais amor e aos
quaes communica mais facilmente todo o calor da sua alma de artista.
Interpretado por elle, D. Fernando, o rei fraco e vilipendiado, uma das figuras
mais vigorosas do theatro portuguez. Em todos os actos, Brazo encontrou
um trecho de bravura: aqui um idylio, um monologo alli, mais adeante uma
imprecao; onde, porm, o seu trabalho verdadeiramente pathetico na
scena do 1 acto, quando o rei, sentindo-se fraco para viver e punir, pede ao
mestre de Aviz que o vingue depois da sua morte. Ahi Brazo revela-se o artista
excepcional que dois povos admiram.
Seria faltar minha consciencia de chronista dizer que os demais
interpretes estiveram na altura do seu illustre collega; parte Chaby, no creio
77

que nenhum delles tenha noes exactas de metrificao; prudente pois, para
louval-os, esperar por alguma coisa que no seja escripta em verso.
***
A companhia Angela Pinto estreou-se no So Jos com a comedia
austriaca,de Kabbweis, Escola antiga. uma comdia honesta, muito honesta,
como todas as comedias austriacas. Poderia ser representada num collegio de
meninas. Trata-se de um rapaz mettido a socialista, que tem vergonha de ser
filho de um homem rico. O pae finge que se arruina em especulaes da Bolsa,
e o rapaz, vendo-se na drisga, no tarda a arrepender-se.
A pea foi satisfatoriamente representada por Ignacio Peixoto, Mattos,
Carlos Santos, Luiz Pinto, Carolina Falco, Delfina Cruz, Elvira Bastos, etc.,
entretanto, nenhuma concorrencia levou ao theatro: a companhia chama-se
Angela Pinto; o publico fazia questo de Angela Pinto.
A festejada actriz portugueza appareceu-lhe no Frei Luiz de Souza, a obraprima de Garrette, e foi calorosamente applaudida.
Os seus triumphos continuaram hontem com o vaudeville Nelly Rosier, j
nosso conhecido, e attingiro ao maximo depois de amanh, sabbado, com a
reprise da Serera, de Jlio Dantas.
Como se v, o repertorio variado e ecletico; em quatro espectaculos
figuram uma tragedia, um drama, uma comedia e uma fara.
A companhia, que tem artistas de talento, apropriados para fazer face a
todos os generos, reserva sem duvida magnificas noites ao publico.
***
No Recreio, a companhia Miranda annuncia para hoje a 1 representao
do Principe Lih, opereta em 3 actos, original de Accurcio Cardoso, musica do
Dr. Vianna (sic) e do maestro Figueiredo.
***
No S. Pedro de Alcantara tivemos dois espectaculos, e hoje vamos ter
outro, do illusionista conde Affonso Patrizio de Castiglioni, filho do defunto
conde Ernesto Patrizio de Castiglioni, o qual, alm de algumas peloticas
e magicaturas feitas com limpeza, exhibio curiosissimas experiencias
de suggesto hypnotica, somnambulismo, magnetismo, transmisso de
pensamento, o diabo!...
***
No Palace-Theatre trabalha de novo o pequeno grupo de artistas, frente
dos quaes se acha o applaudido comico Sorius.

78

Esse grupo tem algumas representaes de um alegre vaudeville intitulado


Les filles de Barrazin, e provavelmente prepara outras peazinhas do mesmo
genero.
***
Nada mais de novo. No Carlos Gomes est imminente a 1 representao
das Mas de ouro, e no Lucinda a da Voz do tumulo.
A. A.

79

O Theatro, 28/06/1906
Com Maria Antonietta, o drama fatigante e lacrimoso de Paolo Giacometti,
continuaram as representaes da companhia dramatica italiana. Tina Di
Lorenzo, que pela primeira vez, na sua carreira artistica, desempenhava
o papel da infeliz rainha, verdadeiro papel de exportao, teve momentos
felizes, principalmente na scena em que o sapateiro Simon lhe arranca o filho.
Bonafini, que deveria ter feito o Luiz XVI, fez Melhesherbes; Carini, que deveria
ter feito o Lafayete, fez o Luiz XVI; Nipoti, que no deveria ter feito nada, fez
o Lafayete. Com a distribuio dos papeis assim invertida, a representao
naturalmente claudicou. Falconi deu-nos o sapateiro Simon da tradio. Esse
personagem tem uma physionomia to sua, que todos os artistas, quando o
interpretam, se parecem uns com os outros. Tenho a impresso de haver visto
um unico actor interpretal-o, ora em italiano, ora em portuguez. O que se pode
louvar sem reservas o luxo, o cuidado, a propriedade intelligente com que
Maria Antonietta foi posta em scena.
Tina di Lorenzo estava indisposta ou contrariada, na noite em que se
representou Ladrersaire, de Alfred Capus e Emmanuel Arene, comedia que
pecca pela extravagancia dos caracteres, mas que se salva por um dialogo
admiravel e um desenlace originalissimo. A eminente artista no quiz
aproveitar os raros effeitos do seu papel, que alis no so muitos, e cedeu todo
o terreno a Carini que fez discretamente o marido. Falconi carregou um pouco
a feio comica de Chantereine, mas o personagem to falso que, reflectindo
bem, o espectador acceita aquella interpretao, como outra qualquer. Os
demais artistas deram muita harmonia ao conjuncto, mas no ha duvida que
Ladrersaire foi a pea menos bem representada da companhia. A propria
marcao deve ser revista, principalmente no final do 2 acto...
Tina Di Lorenzo escolheu para a sua festa o Dirorons, de Sardou
Najae. M escolha. Felizmente o espectaculo comeava pela Figlia de Jefle, o
primoroso acto de Cavalotti, que no Rio de Janeiro tem tido sempre a fortuna, e
ainda desta vez a teve, de ser bem representado: Tina foi uma Emma adoravel.
Est claro que uma actriz do seu tamanho no podia deixar de ser, no
Dirorons, uma Cypriana acima de todo elogio; mas naquella noite, com o
theatro completamente cheio, e o publico enthusiasmado, eu preferia vel-a
num dos seus grandes papeis. Carini fez-me saudades de Furtado Coelho, o
Des Prunelles ideal, e Falconi, a alegria da noite, foi comico emquanto o bello
Adhemar comico, e burlesco desde que a comedia desanda em fara.
Hontem a companhia representou La locandiera, ou antes, algumas
scenas dessa immortal comedia de Goldini, que pelos modos j no apparece
80

no palco seno podada, o que pena: Tina Di Lorenzo reproduzio com


extraordinario talento, toda a graa, toda a malicia, toda a perversidade,
toda a faceirice de Mirandolina, o typo de mulher mais complicado e perfeito
do theatro classico italiano. Carini metteu-se discretamente na pelle do
cavalheiro. Bonafini foi um marquez sufficientemente ridiculo, e Falconi
encontrou effeitos de hilaridade no papelinho do criado.
Terminou o espectaculo por uma fara indigna de artistas como Falconi e
Bonafini.
A companhia d ainda tres espectaculos: amanh, depois damanh e
domingo: o primeiro com a Dora, de Sardon, o segundo com a Dama das
camelias, e o ultimo com a Zaz, cedendo ento o theatro companhia
franceza, que traz como primeira figura Suzanne Desprs, e cuja estra est
marcada para a prxima segunda-feira.
***
No querendo perder no Lyrico a unica representao de Locandiera,
deixei de ir hontem ao Apollo applaudir os Velhos, illustre comedia que espera
pela morte de Joo da Camara para ser proclamada a obra prima do theatro
portuguez.
Na vespera assistia representao da Castell, de Capus. Quando a pea
foi aqui representada por Jane Hadding e Duquesne, achei-lhe pouco nervo;
pareceu-me que Capus, o encantador Capus autor dos Maris de Lontine, tinha
sido ali um pouco trahido, como dramaturgo, pela sua philosophia optimista.
A Castell produziu-me agora, em portuguez, o mesmissimo effeito: dir-se-hia
que o autor recuou deante das situaes.
Eduardo Brazo pe toda a sua consciencia no papel de Andr Jossan,
isto , representa-o sem procurar effeitos faceis de que Capus no cogitou, e
fazendo valer o que a pea tem de melhor, o dialogo.
Subscreve as seguintes palavras de Job, do Paiz: Chabi, admiravel na
singeleza e na naturalidade dos seus processos, um La Baudire perfeito,
e envio calorosos apertos de mo a Maria Falco, Jesuina Saraiva e Carlos de
Olivira.
No proximo folhetem me occuparei dos Velhos.
***
A Severa, o applaudido drama de Julio Dantas, e o Bode expiatorio, a
engraadissima comedia allem, j nossa conhecida, foram successivamente
representadas, no S. Jos, pela excellente companhia Angela Pinto. No ha
mais que falar das peas nem mesmo do desempenho: j todos sabem que a

81

insigne actriz emprezaria incomparavel na Serera, e que o Bode expiatorio


tem Ignacio Peixoto um dos seus grandes papeis.
A companhia demora-se pouco tempo nesta capital; vae comear a serie
dos beneficios; o primeiro ser o de Luiz Pinto, depois damanh, com o Joo
Jos, seguindo-se, o de Carlos Santos, segunda-feira, com o Sr. Director, cuja 1
representao est annunciada para amanh.
***
tarde para fallar do Princepe Lili, opereta que nos cartazes da companhia
Miranda appareceu e desappareceu como o bolide de ante-hontem.
A partitura tinha alguns trechos agradaveis, mas o libretto era uma
pobreza mais que franciscana, e francamente, no fornecia aos artistas ensejo
de mostrar para quanto prestavam. A enscenao podia ser elogiada sem
restrices, mas isso no basta para o successo de uma opereta.
Voltou scena a Filha do Feiticeiro, e j esto annunciados os Madgyares,
velha zarzuela em que Carmen Cardoso, Maria Pinto, Oliveira, Firmino,
Miranda, Gentil, etc., podero finalmente patentear as suas aptides artisticas.
***
A empreza Paschoal Segreto teve a feliz ida de fazer reprise, no Carlos
Gomes, de uma das magicas mais applaudidas no Rio de Janeiro: As Mas de
Ouro, e no poupou esforos nem dinheiro para que ella fosse representada
com todos os matadores.
O desempenho no podia ser confiado a um pessoal mais escovado, como
agora se diz: figuram na distribuio, a graciosa Pepa, a elegante Cenira, e
espirituosa Maria Lino, e essa outra Maria Maria Rgine que canta como
um rouxinol e faz-se acompanhar de um sequito de admiradores. Do lado
dos homens citem-se Machado, Antonio Serra, Joo Rocha e outros, cuja
nomenclatura me levaria longe.
Magnificos scenarios, roupas luxuosas, tramoias, transformaes, musica
alegre, cros, bailados, comparsaria, luz electrica, etc., nada falta para
assegurar s Mas de Ouro um numero crescido de representaes.
***
A companhia Dias Braga foi ao seu opulento archivo, desenpoeirou, e
exhibou no Lucinda a Voz do tumulo, de Xavier de Montepim, cujas reprises tm
sido sempre fructuosas.
Ainda desta vez no falhou a pea que est bem representada por Lucilia
Peres, Luiza de Oliveira, Dias Braga, Claudino, etc.

82

Nesse mesmo theatro (Lucinda) ser dado, na noite de 6 de julho,


proximo, um espectaculo em beneficio do Peixoto.
No sei ainda qual ser o drama escolhido, mas posso annunciar que o
estimado e popular artista comico reapparecer nessa noite fazendo o papel do
criado na hilariante comedia o Diabo atrs da porta.
***
No Palace-Theatre representa-se agora um vaudeville intitulado Adele est
Grosse. o caso de desejar-lhe um bom successo.
A. A.

83

O Theatro, 05/07/1906
Victorien Sardou escreveu, ha perto de trinta annos, uma comedia em 5
actos. Dra, que obteve grande successo em Paris, e, traduzida em todas as
linguas europeas, deu a volta ao mundo. A traduco italiana, Dora, o lespia,
foi representada no Rio de Janeiro em diversas pocas, e a portugueza no
So Pedro de Alcantara, em 1880, por uma companhia da qual faziam parte
Celestina Paladini, que, naquelle tempo, estropiava o idioma de Cames, e
Eduardo Brazo, o grande artista, que nos vae dar hoje, no Apollo, o Hamlet,
de Shakspeare, e que naquelle tempo tinha 26 annos... de menos.
Ultimamente um dos primeiros comediantes francezes, Lucien Guitry,
actual director do Renaissance, de Paris, o qual havia com extreordinario exito
representado a Dora na Russia, pedio a Sardou lhe permittisse inclui-lo no
repertorio do seu theatro, e o velho dramaturgo acquiesceu, sob condio de
fazer na pea algumas alteraes que lhe pareciam indispensaveis. Acceita esta
condio, Sardou condensou os dois primeiros actos num acto s, supprimio
scenas e personagens inuteis, e a comedia, assim transformada, subio scena
em dezembro do anno passado, com o mesmo titulo, Lespionne,que lhe dera o
traductor italiano.
A reprise foi infructuosa, mas isso no quer dizer que a pea no seja muito
bem feita e muito interessante. No tenho espao para dizer aqui o que ella .
Os leitoreas encontral-a-ho, si quiserem, no n. XII da revista da moda, o Je sais
tout.
A companhia Tina di Lorenzo deu-nos essa comedia, infelizmente sem as
alteraes, mas muito bem interpretada pela eminente artista, que vibrou,
como sempre, no papel da protagonista, e pelos seus dignos companheiros
Carini, Falconi, Bonafini, Nipote, Elide Rosetti, Giulia Rizzotto e Marinella
Bragaglia.
Depois desse espectaculo, a companhia representou pela terceira vez, a
Zaz, e despedio-se do publico, domingo, com a Dama das Camelias, que valeu
a Tina di Lorenzzo e aos principaes artistas uma estrondosa ovao.
No dia seguinte seguio a companhia para S. Paulo, onde estreou hontem,
no theatro SantAnna.
Tina Di Lorenzo voltar em agosto, a convite do governo, para dar
algumas representaes durante as festas do Congresso Pan-Americano. Nessa
occasio exhibir dois primores do theatro moderno italiano: Come le foglie, de
Giacosa, e Maternit, de Roberto Bracco, que valeram esplendidos triumphos
eminente artista a quem s falta uma coisa: a consagrao de Paris.

84

***
Tres horas depois de partir o trem que levava para S. Paulo a companhia
Tina Di Lorenzzo, estreiava-se no Lyrico a companhia Suzanne Despres.
Representou-se a Casa de Boneca, de Ibsen,, drama illustre sobre o qual j
escrevi longamente nesta mesma folha, quando representado, ha oito annos,
por Lucinda e Lucilia Simes, Christiano de Souza, Chaby e Bellard.
Suzane Desprs uma actriz de temperamento e de estudo, que conhece
todos os segredos e recursos de sua arte, possue uma dico admiravel e uns
olhos que fallam, no perde um effeito physionomico, tem o gesto apropriado
e sobrio, a intelligencia viva, e o seu talento indiscutivel; mas (no sei si
esta impresso me ficou depois de a ver representar to bem o Poil de Carotte)
parece-me um rapaz de saias; ha nella alguma coisa de msculo, falta-lhe
a linha feminina, a linha de Rjane, para citar apenas a mais parisiense das
mulheres, ou antes, a mais mulher das parisienses.
Nas Remplaantes e na Blanchette, em que Suzanne Desprs admiravel,
na Fille Elisa, em que insubstituivel,e mesmo, si quizerem na Nora que a
rigor no uma boneca, apezar do titulo da pea, a sua pessoa compadecese perfeitamente com os personagens; receio, porm, que claudique nas
peas em que a elegancia fr um elemento imprescindivel. Segunda-feira
comprehendi pela primeira vez que o marido da Nora no fechasse a porta nem
dsse um passo para impedir que a esposa lhe sahisse de casa a horas mortas,
abandonando-o, e abandonando os filhos...
Entretanto, impeccavel a interpretao dada por Suzanne Desprs ao
papel de Nora, que ella comprehendeu e estudou seriamente.
Os demais artistas pouco fizeram, e comprehende-se; tinham apenas
desembarcado de uma fatigante viagem de treze dias. O proprio Burguet, que
veio especialmente recommendado, no manifestou as boas qualidades que
hontem revelou representando Lautre danger.
O nosso publico j conhecia essa comedia de Donnay, terrivel historia de
um homem apaixonado pela filha da sua amante.
Cora Laparcerie, tendo, alis, revelado talento dramatico, deu menos do
que se esperava no papel da me; o da filha, em compensao, valeria um
trimpho a Mme. Tailhade, si esta jovem artista, portadora de um nome illustre,
fosse annunciada como estrella de primeira grandeza. As duas actrizes valemse, pelo menos, e provavel que de agora em deante ambas me obrigem a
gastar muita tinta.
A pea foi bem representada por ambas, e por Burguet, j eu o disse, Marie
Laure, Bacque e Tune, muito apreciado no papel do marido.

85

Limito-me a essas ligeiras referencias. O meu folhetim, est hoje to cheio,


que no posso consagrar companhia o numero de linhas que ella merecia.
***
Os Velhos, a primorosa comedia de D. Joo de Gamara, foi representada no
Apollo pela companhia Eduardo Brazo, e no So Jos pela companhia Angela
Pinto. No theatro portugueza, nada h, na minha opinio, superior a esse
poema dramatico; portanto, no muito que seja exhibido simultaneamente
em dois theatros.
Eduardo Brazo, o Patacas do Apollo, no me perdoaria um parallelo com
Salgado, o Patacas do So Jos; em compensao, a Emilia da rua do Lavradio,
que Augusta Cordeiro, no vale a Emilia da praa Tiradentes, que Carolina
Falco. Si o Porphiro de c (Ignacio Peixoto) mais comico e mais verdadeiro
que o de l (Pinto Costa), a TiAnna de c (Julia Moniz) est longe de valer a
de l (Jesuna Saraiva), e o mesmo pde-se dizer da Narcisa, que no Apollo
Barbara Volkart e, no So Jos, Joaquina Vellez, Henrique Alves, do Apollo,
est no papel de Julio talvez mais vontade que Carlos Santos, do So Jos.
No Apollo Chaby caracterisou o barbeiro melhor que Mattos no So Jos, mas
nenhum dos dois distinctos artistas fez esquecer o Gil, que era inconparvel
naquelle papel. Maria Falco interpreta com muita felicidade o mimoso typo
de Emilinha, mas no So Jos Delfina Cruz no me pareceu menos feliz. O prior
cego no me satisfez em nenhum dos dois theatros, e, no meu parecer, esse
papel, o primeiro da pea, deveria ser aqui representado por Brazo, embora
este houvesse creado em Lisba o de Patacas; mas no ha duvida que no Apollo
Conde fez muito mais que o Galvo no S. Jos.
***
A companhia Angela Pinto deu-nos ainda Joo Jos e o Sr. Director; vae darnos amanh a Zaz, e annuncia para o dia 11 do corrente o beneficio do nosso
Mattos, que naturalmente vae ser obrigado a alargar o theatro.
Todos os espectaculos tm sido dignos do publico; talentosa actriz
emprezaria e aos seus excelentes companheiros no se regateiam applausos;
mas falta-me o espao para uma apreciao mais demorada. Nesta poca o
meu folhetim devia ser diario.
***
No h mais nada de novo:
No Recreio a companhia Miranda vae dar amanh descano Filha do
Feiticeiro e pr em scena a linda zarzuela os Madgyares.

86

No Lucinda, a companhia Dias Braga, que prepara outra exhumao, o


Castello do Diabo, representar hoje a Voz do Tumulo, em beneficio de Olympia
Montani e de Alfredo de Souza, que entreter seus convidados com algumas
sortes de prestidigitao e ventriloquia, e amanh a Tosca, em beneficio de
Peixoto.
No Carlos Gomes contina o successo persistente das Mas de Ouro,
e no Palace-Theatre voltou scena a espirituosa revista Allons au Palais, que
regressou de S. Paulo consideravelmente augmentada.
***
Realiza-se hoje, no salo do Instituto Nacional da Musica, o primeiro
concerto da insigne pianista russa, Elise Pekschen, que j no Conservatorio
Livre nos deu uma bella mostra do seu talento.
A. A.

87

O Theatro, 12/07/1906
Comearei cumprimentando dois hospedes, que no podem ser esquecidos
num folhetim consagrado ao theatro: Jacques Richepin e Lugu-Po. O
primeiro, filho de Jean Richepin, o celebre poeta, dramaturgo e romancista,
autor de um livro de versos, Les Fredaines, que teve o mais lisongeiro
acolhimento, e de tres peas applaudidas pelo publico parisiense, entre as
quaes La Cavalire, que foi segunda-feira representada no Lyrico. Durante
o proximo inverno ser exhibida no Odeon, de Paris, uma nova produco
dramatica de Jacques Richepin, Marjolaine.
O autor da Cavalire ainda muito novo, e tem um grande futuro, pois
digno do seu illustre progenitor.
Lugu-Poe uma notabilidade parisiense. Nasceu para o theatro. Tinha
apenas sahido do collegio quando fundou a sociedade de amadores Les coliers,
que deu brados. Aos 19 annos, em 1883, entrou para o Conservatorio, onde
obteve um second prix de comedia e fez a sua estra de artista no Theatro
Livre. Depois, resolveu fundar um theatro com o principal escopo de tornar
conhecidos em Frana os dramaturgos das outros paizes, e, ajudado por alguns
amigos, formou aos 23 annos, uma companhia intitulada Le vre, que deu a
sua primeira representao em 1893, e funccionou em diversos theatros, ora
em Paris, ora na provincia, ora no estrangeiro. Essa campanha, ou antes, essa
instituio illustrou o nome de Lugu-Po.
Foi elle quem fez se apresentar em Frana maior numero de peas de
Ibsen; foi elle quem, ainda este anno, levou Eleonora Duse a Christiania e fel-a
representar ali Rosmersholm e Hedda Gabler. Na revista Le Thatre publicou
Lugu-Po uma curiosa notcia dessa viagem artistica.
Lugu-Po um bello espirito moderno, cultivado, encantador. Est muito
interessado pelo movimento artistico do Brasil. J lhe dei a esse respeito,
verbalmente, as informaes que me occorreram.
A presena dos dois illustres parisienses no Rio de Janeiro explica-se pelo
facto de ser Jacques Richepin esposo de Cora Laparcerie e Lugu-Po esposo de
Suzanne Desprs.
***
Das representaes da companhia dramatica franceza perdi apenas a do
Demimonde; ouvi Le detour, de Bernstein, Le robe rouge, de Brieux, Le Cavalire,
de Jacques Richepin, e hontem La Gioconda, de Gabriel DAnnunzio.
Le detour uma das mais interessantes comedias francezas aqui
representadas nestes ultimos annos. Trata-se de uma boa rapariga,
88

filha de uma mulher de costumes faceis, que, casando-se com um rapaz


apparentemente srio, e entrando numa familia, apparentemente virtuosa,
escapa a todos os perigos do meio pouco edificante em que foi educada e em
que vive; incompatibilisando-se, porm pela sua origem, com os parentos
do marido, volta, depois de ter feito o dtour do casamento, ao caminho que
fatalmente deveria percorrer.
Suzanne Desprs tem no papel de Jacqueline, a rapariga, um dos trabalhos
mais completos que tenho admirado no theatro. uma interpretao
minunciosa que eu apreciaria minunciosamente, si este folhetim no fosse o
meu leito de Procusto.
No 2 acto da Robe rouge ella mediu-se com Rjane, mas no 4 acto
excedeu-a: no lhe posso fazer maior elogio. Ahi revelou a eminente artista
uma fora tragica tamanha, que fiquei morto por ouvir-lhe declamar os
alexandrinos immortaes da Phedre. Ser uma noite dessas.
Novo triumpho obteve hontem Suzanne Desprs no 3 acto da Gioconda,
que representou com grande intensidade de effeitos, fazendo com que os
espectadores estremecessem de horror.
La cavalire escripta por um poeta de vinte annos: tem bonitos versos,
muita mocidade e alguma criancice. pittoresca, como todas as peas de
capa e espada que se passem na Hespanha e tenham hidalgos, estudantes,
espadachins, estalajadeiras bonitas, corregedores, um pouco de musica, etc.
A cavalleira uma fidalguinha que foi educada como um rapaz, veste-se de
homem, puxa da espada por d c aquella palha, sonha com a guerra, e acaba
revelando-se mulher como todas as mulheres, apaixonando-se por um homem,
fazendo-se matar por amor delle. No ha duvida que a pea muito teatral.
Jacques Rechapin no poderia fazer a sua estra de dramaturgo sob melhores
auspicios.
Cora Laparcerie no uma actriz completa como Suzanne Desprs, mas
seu talento vibra e faz vibrar a sala. Nesse papel de Mira de Amescua, ella tem
scenas felicissimas, quer como cavalleira, quer como apaixonada, cantando
carinhosamente os bonitos versos de seu poeta querido.
No a vi no Demi monde, mas quantos a viram so concordes em louvar a
interpretao que deu ao papel de Suzanne dAnge.
Entre os demais artistas, so dignos de louvor Burguet, pincipalmente
no Dlour; Dorival, actor de muito mrito, que caracterisou com talento
o espadachim Tagarote da Cavalire; Marie Lauro, sempre correcta, Mlle.
Taillade, que devia ter feito menos choramingas a Serinetta da Gioconda, etc.
***

89

Brazo ainda ou ja no o Hamlet de outrora? As opinies dividem-se;


uns dizem que sim, outros que no.
Estes ultimos enganam-se: o que falta ao insigne artista so companheiros
que possam, como elle, atirar-se quelle gigante que Shakspeare.
O elenco da companhia do Apollo muito estimavel, mas o seu forte a
comedia moderna, e j no pouco.
Brazo o mesmo Hamlet que foi, mas tirante Luz Velloso(Ophelia) e
Chaby(o coveiro) ninguem ali o ajuda a carregar um collosso. Entretanto,
este um poderoso argumento a favor do artista, a pea deu j meia duzia de
enchentes, e mais algumas promette.
***
A Companhia Angela Pinto deu-nos a Zaz, em que a festejada actriz
emprezaria teve um dos seus melhores papeis, A Dolores, pea hespanhola a
cuja representao no pude assistir.
Ante-hontem o Amor de perdio attrahio grande concorrencia ao theatro.
A pea extrahida do romance de Camillo, pelo grande poeta e dramaturgo
Joo da Camara, muito diversa da do modesto Alvaro Peres, representada no
Recreio, mas no a envergonha, diga-se a verdade.
A representao agradou immenso, e no faltaram applausos a Angela
Pinto, Luiz Pinto, Ignacio Peixoto, Carolina Falco, Delfina Cruz, Carlos Santos,
Mattos, etc.
***
No Recreio agradou francamente a velha zarzuela de Gastambide, os
Madgyares, bem representada e cantada pela companhia Miranda, e no
Lucinda voltou scena o Castello do Diabo, com o famigerado salteador
Mandrim a fazer das suas; quanto ao Carlos Gomes, dissolveu-se a companhia
que alli trabalhava, representando com successo as Mas do Ouro. O theatro
vae passar por algumas transformaes, a comear pelo titulo, que ser MoulinRouge. Trata-se, j se v, de estabelecer alli um music-hall. Mais um punhado
de artistas que ficam desempregados... Triste vida!...
***
Tenho muitas vezes aconselhado s nossas sociedades de amadores que
escolham de preferencia para os seus espectaculos peas nacionaes. Folgo de
ver que o Cassino Commercial vae pr em scena, depois damanh, o drama
Jos, de Arthur Rocha, o applaudido dramaturgo rio-grandense to cedo
roubado s letras.

90

O espectaculo e realisado em homenagem ao ensaiador do Cassino


Commercial, o intelligente actor, tambem rio-grandense, Julio de Oliveira, que
desempenhar o papel do protagonista.
A. A.

91

O Theatro, 19/07/1906
Henrique de Mesquita morreu ha dias septuagenario e pauperrimo. Era
um esquecido. Ha vinte e cinco annos a noticia do seu fallecimento produziria
sensao; agora, deu apenas logar a alguns necrologios laconicos, escriptos por
quem tem mais em que se occupar.
J os rapazes da minha gerao no conheceram o Vagabundo, a
opera delle, cantada no Rio de Janeiro em portuguez e depois em italiano;
deliciaram-se, porm, com outras composies do mestre, que, por serem
ligeiras, no deixaram de popularisar o seu nome. Quem ahi ha, da minha
edade, que se no lembre das Soires brsiliennes, a celebre quadrilha que
nos fez dansar, e do tango dos pretos e da marcha do elephante do Ali-Bab,
e de tantas romanas brasileiras, to bellas como as de Tosti? Muita gente se
lembra ainda da opera-comica La nuit au chteau, cantada no Alcazar e depois,
muito depois, na Phenix, cujas ruinas devem guardar os echos das melodias
da Princeza Flor de Maio, da Cora de Carlos Magno, do Trunfo s avessas, da
Loteria do Diabo, da Gata borralheira, e que sei eu!
Henrique de Mesquita no era um musico profundo, no estudou
sriamente a sua arte, mesmo porque viveu numa poca menos exigente que
a nossa, quando as victorias artisticas eram um pouco mais accessiveis: tinha
porm, muita originalidade e muita inspirao, duas virtudes que devem
tornar respeitavel a sua memoria.
Esse musico no foi o maior nem menor que os pintores, os escriptores e os
architectos do seu tempo. Era um producto logico do ambiente ingrato em que
nasceu e se deixou flear. Carlos Gomes no daria, talvez, nem mais nem menos,
si no tivesse ido para a Italia...
***
A companhia dramatica franceza deu-nos, depois do meu ultimo folhetim,
Le retour de Jerusalem, a peor pea pea de Donnay, e Petite amie, a por pea
de Brieux. No se pde dizer que a companhia seja de uma felicidade sem
limites na escolha do repertorio.
Antes disso, Cora Laparcerie e Burguet declamaram, na matinee de
domingo, os velhos amores, sempre novos, de Marguerite Gautier e Armand
Duval; mas eu j tive a honra de dizer aos meus leitores que no quero perder
a impresso da ultima Dama das camelias que vi e ouvi, representada por Sarah
Bershardt. Essa declarao parecer, talvez, um pouco singular por parte de
um escrevinhador com obrigao de dizer o que se passa nos theatros, mas
que diabo! em todas as situaes um inoffensivo capricho coisa permittida.
92

Le retour de Jerusalem a historia de um christo que abandoua mulher


e filhos para viver com uma judia intellectual, com o espirito emancipado de
todos os preconceitos sociaes, e leva o amante a Jerusalem, no se sabe ao
certo com que fim. De volta da terra santa, os dois amantes abrem um salon
em Paris, no qual s se reunem judeus antipathicos e rebarbativos. O dono da
casa no os pde aturar, e isto naturalmente o indispe com a amante, que d o
cavaquinho por aquella sociedade. A ligao desfaz-se justamente na occasio
em que a esposa divorciada encontra outro marido.
O segundo acto, espirituoso, embora aggressivo, tem alguma coisa do
autor da Douloureuse, mas o ultimo to vasio, to mal feito, que desapontou
o publico. Os espectadores convencionaes esperavam a reconciliao dos dois
esposos, reconciliao que, graas aos filhos, forneceria ao dramaturgo mais
conservador uma situao eminentemente theatral. Sahio toda a gente do
Lyrico sem saber porque a comedia se intitula Le rtour de Jerusalem, e um
pouco admirada de que exhibissem esse libello contra os judeus justamente
na occasio em que chegava a noticia da demonstrao juridica e absoluta da
innocencia do judeu Dreyfus. verdade que na noite seguinte repetiram La
robe rouge...
A pea de Donnay uma das que tem sido mais bem representadas pela
companhia franceza. Cora Laparcerie interpretou com talento o papel da judia,
mas as honras da noite couberam tambem a Burguet, que desempenhou com
extraordinaria correco o papel de Aubier, o esposo infiel. Dorival, Tune,
Bacqu, Marie Laure, Varennes, Viarny, etc. completaram um harmonioso
conjuncto.
No fosse Brieux o autor acclamado de tantas e to boas peas de theatro,
e Petite amie no lhe daria esporas de dramaturgo. O assunpto no pde ser
mais velho nem mais batido, e o autor de Blanchette nenhuma formula nova
encontrou para tratal-o.
Um casal de burguezes apatacados estabelecido em Paris, com um atelier
de chapus de senhoras, e tem um filho de 20 annos, que deseja ver casado
com uma senhorita rica, filha de um velho amigo; infelizmente, porm, o rapaz
apaixona-se por uma das modistas do atelier, mette-se com ella e nasce-lhes um
filho. Para evitar o seu casamento com a tal senhorita, de quem no gosta, elle
confessa aos paes a situao em que se acha, e o velho entende que tudo pde
remediar comprando por mil francos o silencio e a resignao da modista.
O rapaz deixa a casa parterna e vae viver com a petite amie, esperando
encontrar um emprego, mas o velho, na inteno de obrigal-o a voltar, rendido
pela fome, tece occultamente os pausinhos para que o filho no consiga
nenhum meio de vida.
93

Os dois amantes desesperam e resolver suicidar-se juntos. A pea acaba


quando elles, enlaados, se dirigem para o rio. O publico no v o mergulho,
mas adivinha-o.
O 1 acto puro Scribe, e o final tem o feitio do theatro de amor,
desarticulado e vago como o comprehendem os dramaturgos modernos.
O publico recebeu friamente a pea, admirado, como eu, de que um moo
to convencido da sua responsabilidade moral, to escravo do seu dever, se
deite a afogar com a me de seu filho, e com o seu proprio filho, ainda por
nascer.
Suzanne Desprs a representar o papel da petite amie um gigante a
brincar com uma flr. O personagem mais importante da pea o do rapaz,
que foi inteiramente sacrificado por Bacqu. Marie Laur teve scenas felizes no
papel de me, e Tane mostrou-se muito discreto no de pae, enquanto o papel
foi comico; desde que se tornou dramatico, o artista deu por paus e por pedras.
Amanh Suzanne Desprs ter uma bella revanche com a Magd, de
Sudermann, e para depois de amanh, sabbado, est annunciada a festa de
Cora Laparcerie, com a Rafale, de Bernstein, e a Nuit dOctobre, de Musset.
***
A companhia dramatica portugueza, que nos vae dar hoje, no Apollo, o
Adversario, de Capus, com Eduardo Brazo, no principal papel, deu-nos, como
espectaculo imtermediario, o Genro do Sr. Poirier, de Augier e Sandeau, uma
das comedias mais fortes do theatro francez no seculo IX.
Chaby encontrou perfeitamente a expresso e a physionomia moral do Sr.
Poirier, sendo muito bem acompanhado por Maria Falco, Carlos de Oliveira e
Henrique Alves. A interpretao geral foi digna da companhia e do publico.
***
Despedio-se com Amor de Perdio, e l vae, caminho de Pernambuco,
a excellente companhia Angela Pinto, que cedeu o palco do S. Jos a uma
companhia de marionettes. Esta j hontem deu a sua primeira funco. Estava
escripto neste anno de 1906 teriamos espectaculos de todos os generos e para
todos os gostos. Faltavam-nos os bonecos; elles ahi esto, apra regalo das
creanas grandes e pequenas.
***
A companhia Miranda representou no Recreio mais uma opereta fantastica,
o Sonho da pastora, que segundo me consta, agradou muito, e da qual fallarei
no prximo folhetim; no Lucinda a companhia Dias Braga fez reprise da
Tomada da Bastilha para festejar o 14 de julho; no Palace Thatre representa-se
94

agora uma opereta, Le Capricorne, que faz rir e tem boa musica apanhada aqui
e alli. O principal papel representado por um actor comico chamado Fortune,
que agrada muito aos habitus do elegante music hall.
***
Est quasi inteiramente coberta a assignatura para tres representaes de
Tina Di Lorenzo, que em S. Paulo tem alcanado um retumbante successo.
A eminente artista vae dar-nos a Gioconda, de DAnnuzio, o Dedalo, de
Savedane, Maternita, de Roberto Bracco, pea que lhe valeu na Italia um
estrondoso e brilhante triumpho.
provavel que Tina Di Lorenzo nos d outras representaes alm dessas
tres.
***
Na Cronoca dei teatri, que se publica em Milo, encontro noticia de dois
artistas lyricos brasileiros: Maria Campello de Verney, discipula do nosso
Instituto, que se estreou em Florena cantando a Margarida do Fausto, de
Gounod (una Margherita ideale, diz aquelle periodico), de Jos Vasquez, o
tenor paulista a quem por mais de uma vez me tenho referido. O esperanoso
artista acaba de ser contractado para cantar em outubro e dezembro, nesta
capital e na de S. Paulo, as operetas Gioconda, Rigoletta, Fausto, Cavalleria,
Bohemia, Tosca, Traviata e Manon Lescaut.
A. A.

95

O Theatro, 26/07/1906
Depois do meu ultimo folhetim, a companhia dramatica franceza
representou as seguintes peas: Magda de Sudermann, La rafale de Bernstein,
Denise de Dumas Filho, e La massiere de Jules Lemaitre, o illustre escriptor que
durante alguns annos abandonou as lettras pela politica, mas desiludiu-se e
arrependeu-se ainda a tempo de encontrar e erguer a penna que lhe cahira da
mo.
Perdi as representaes da Rafale, em que foram muito apreciados Cora
Laparcerie e Burguet, e da Denise, cuja protagonista parece ter sido, mais que
Magda, inventada para utilisao do talento de Suzane Desprs.
A representao da pea de Sudermann apresentava uma circumstancia
muito curiosa: era a primeira vez que Suzanne interpretava um dos
personagens do theatro moderno que mais repugnam nossa educao latina
e patriarchal; iamos assistir, e assistimos, a um trabalho da insigne actriz todo
de inspirao propria, sem suggesto de ensaiador ou mestre. No tenho sino
que louval-a; falta-lhe, talvez, o physico de Magda, que deve alvoroar a casa
paterna com uma belleza, uma elegancia, uma altivez e uma independencia
escandalosa, mas no lhe falta mais nada, e admiravel que com to poucos
e to perfunctorios ensaios, ella fizesse valer tanto e to minunciosos effeitos
de interpretao. A scena final foi admiravel de theatralidade.
O talento de Suzane Desprs no tem sido, infelizmente, bem aproveitado
pelos dramaturgos seus compatriotas; para prova ahi est que lhe falta
completamente um repertorio. O papel de Juliette, da Massire, ainda mais
insignificante que o de Marguerite, da Petite amie.
No quer isto dizer que a comedia no seja interessante, mesmo para o
nosso publico, apezar de passar-se num meio completamente estranho para
elle. Mesmo em Paris muita gente no sabe o que significa massire, e tanto
assim que o autor teve o cuidado de explical-o no 1 acto. Nos ateliers de
pintura ou esculptura, em Paris, ha sempre um alumno de mais confiana,
encarregado de prover as despezas da aula, depois de receber dos collegas as
respectivas mensalidades, isto , a massa. Os francezes tambem chamam ao
dinheiro massa, tal qual os portuguezes. Como na pea de Lamaitre ha um
atelier, no de rapazes, mas de raparigas, o massier uma massire.
O mestre dessas raparigas, Marze, pintor celebre, condecorado, s portas
do Instituto, e, portanto sexagenario, ou quasi, sente pela sua massire uma
affeio menos paternal do que suppe. Elle tem um filho, tambem pintor,
que se enamora della, tornando-se inconscientemente rival do proprio pae;
mas no nas situaes accessorias que est o encanto da comedia, seno
96

no sentimento e na delicadeza com que est estudada aquella affeio


anachronica e serodia.
Dorival, que carregou de mais, talvez, a caracterisao physica do papel
de Marze, fazendo-o um pouco mais velho do que era preciso, representou o
papel com uma naturalidade e uma certeza de effeitos que o recommendam.
um bom actor, no h duvida, esse Dorival, que ha oito annos presta os
melhores servios no Odon, e dar fundo, talvez, na casa de Molire.
A companhia franceza, sem ser numerosa (a exiguidade um dos seus
defeitos) compe-se de artistas perfeitamente escolhidos, que tm apenas
contra si pertencerem a diversos theatros, isto , no se sentirem os cotovelos
uns aos outros, para empregar aqui uma expresso favorita do tio Sarcey,
e representarem, em tourne, papeis que no conheciam e que s agora
estudam. Burguet , sem contestao, um fino comediante, Marie Laure
uma dama central muito acceitavel, Tune um comico razoavel, Taillade
uma adoravel ingenua, Varannes uma actrizinha experiente, Garnier...
Ahi tem! este Garnier, que passou despercebido at agora, surprehendeu-nos
representando, na Massiere, o papel do filho do pintor de modo a contenter tout
le monde et son pere. A companhia ba.
Para hoje est annuciada a festa de Suzanne Desprs com a Phedra, de
Racine, que lhe valeu o primeiro premio de tragedia no Conservatorio de Paris,
e ella representou com extraordinario exito na Comdie Franaise, no mesmo
palco pisado pela Phedra Rachel e pela Phedra Sarah. O espectaculo tarminar
pela representao de Poil de Carotte em que a encantadora actriz tem uma das
suas creaes mais notaveis.
***
Assisti, no Apollo, representao do Adversrio, de Capus e Arne, numa
dessas noites de concorrencia limitada em que os artistas no esto para a
coisa... Parecia um ensaio, um bom ensaio com todos os pertences. Apenas
Henrique Alves, no papel do banqueiro absolvido, trabalhava como num
espectaculo a valer. O proprio Brazo, que deve ser delicioso no papel do
marido, deu-me apenas um tero da fora da sua machina.
No aconteceu o mesmo, hontem, com a Timidez de Cornelio Guerra,
a velha fara de Garrido, que o grande artista representou com graa e a
vivacidade de outrora.
Antes dessa fara, a companhia do Apollo exhibio outra, em tres actos,
La culotte, de Sylvane e Artus, traduzida com o titulo As calas da autoridade.
A pea, que j tinha sido aqui menos mal representada no So Jos, uma unica
vez, pela companhia Poirier, prece-se com todos os vaudevilles parisienses, o
97

que alis no a inhibe, antes pelo contrario, de ter muita graa, adubada por
um dialogo coruscante de espirito e malicia.
As honras do desempenho couberam a Chaby, que hontem revelou
brilhantemente os admiraveis progressos que tem feito na sua arte. Com que
habilidade elle applicou a um papel de official de justia dos mais burlescos os
seus processos de naturalidade e, deixem-me dizer, de simplicidade! Vo vel-o
vestido de mulher sem recorrer menor exagerao para conseguir os effeitos
mais ruidosos e mais hilariantes.
H ainda que louvar em primeira linha Henrique Alves, Barbara Volkart, e
Leonor Faria, e em segunda linha Jesuina Saraiva, Sacramento e Pinto Costa.
As Calas da autoridade agradaram muito e deveriam fornecer um bom
numero de recitas; mas a empreza, no seu afan do eclectismo e variedade,
annuncia j para amanh o Frei Luiz de Souza.
***
Sobre a companhia dos bonecos do Sr. Gorno DallAcqua, darei a opinio
dos meus pequenos, que no pde ser mais lisongeira nem mais sincera. Em ore
partulorum veritas. Elles foram ao S. Jos e voltaram maravilhados, como todos
os outros espectadores da sua edade, to maravilhados, que me abriram o
appetite de assistir tambem a um espectaculo da Companhia Marionettistica.
assim que a annunciam.
***
No Recreio, o Sonho da pastora tem alcanado o mesmo successo da
Filha do feitieiro, que foi uma verdadeira mina para a empreza Miranda;
no Lucinda a companhia Dias Braga fez a reprise do Naufragio da Medusa e
prepara a do Mestre de forjas; o S. Pedro abraira depois de amanh as suas
portas companhia lyrica Rotoli, que volta de S. Paulo correcta e augmentada,
estreando-se com a opera Iris, de Mascagni; o Palace-Thatre poz de novo em
scena Le lyce Poulardin. Desculpem-me os leitores si o pouco espao de que me
disponho me obriga a enrodilhar o profano com o sagrado.
***
Na proxima semana teremos outra vez no Lyrico a formosa Tina di Lorenzo,
que volta contentissima da sua triumphante excurso Paulica.
***
Est annunciado o proximo regresso da companhia Lucinda-Christiano,
que vem trabalhar no sei em que theatro.

98

Os jornaes do Rio Grande tecem formidaveis elogios (o Artista chamalhe magistral, impecavel, sem senes, dantesca em summa) actriz Fausta
Polloni, que Lucinda e Christiano descobriram em S. Paulo e levaram consigo
para o Sul.
No creio que ella seja dantesca, mesmo porque Dante nada tem que
vr com a arte dramatica, mas so to boas as referencias que dos proprios
actores tenho ouvido, feitas a essa nova collega, que estou ancioso por vel-a e
ouvil-a esperanado de que effectivamente o nosso theatro, to esquecido pela
fortuna, adquirisse agora uma artista.
A. A.

99

O Theatro, 02/08/1906
De volta de S. Paulo, reappareceu no S. Pedro de Alcantara a Companhia
Lyrica Italiana de que emprezario o amigo Rotoli, um pouco augmentada no
pessoal... e nos preos.
Cantou-se a Aida com uma Aida e um Radams positivamente superiores
aos que este anno nos tinha dado a mesma companhia. O tenor Fassino e a
prima-dona Alloro conquistaram ambos o publico e foram muito applaudidos
em toda a opera, e com especialidade no 3 acto, considerado uma pedra de
toque para tenores e sopranos.
Para os demais papeis no houve mudana de interpretes. Longhi, Ardito,
Brasi, Fiori, etc.
Depois disso, a companhia cantou a Tosca, na qual reappareceram Lina
Benedotto e Colle, e tambem cantou o Guarany em homenagem ao Sr. Elihu
Root. E pena que em materia de theatro nacional s possamos mostrar a esse
illustre hospede uma opera de quarenta annos de edade, cantada por artistas
estrangeiros...
Para amanh est annuncianda a opera Iris, de Mascagni, que agradou
em toda a parte, mas passou, bom bem dizer, despercebida no Rio de Janeiro,
quando aqui foi cantada por uma companhia de que alias fazia parte o
extraordinario tenor Caruzo. Veremos si desta vez os nossos dilettantes fazem
amende honorable, applaudindo uma das melhores partituras do inspirado
compositor da Cavalleria e do Amico Fritz.
***
A companhia dramatica franceza partio segunda-feira para S. Paulo. O seu
ultimo espetaculo foi domingo, em matinee, com La Gioconda, de DAnnunzio,
e Poil de Carotte, essa pagina dolorosa da vida de uma pobre creana que, tendo
me, pensa em matar-se por lhe faltarem os carinhos maternos.
Todos sabem que Suzanne Desprs tem nesse acto uma das mais
interessantes creaes, pondo em relevo as suas eminentes qualidades de
observao e commoo penetrante. Foi pena que desta vez lhe faltasse o Mr.
Lepie de ha tres annos. Antoine sejamos justos era extraordinario nesse
papel.
Poil de Carotte fez rir a plata como se fosse um vaudeville qualquer.
Porque? Aquillo pea que, pelo contrario, deve fazer chorar...
Antes desse espectaculo Suzanne Desprs nos tinha dado a Phedra, de
Racine, e pde-se dizer que foi este o seu maior triumpho no Rio de Janeiro.

100

Antes da representao, a encantadora artista, respondendo observao,


que lhe fiz, de a achar muito joven para se metter na pelle daquella madrasta,
me havia dito, em conversa, que ella no representava ainda o papel de Phedra;
apenas trabalhava-o para interpretal-o definitivamente daqui a uns dez
annos.
Effectivamente, notam-se algumas desegualdades no seu trabalho: o
primeiro acto e o ultimo so representados um tanto conforme a tradio
classica, e nos demais Suzanne, e por vezes com uma felicidade inaudita,
esfora-se por applicar tragedia os seus maravilhosos processos de arte
moderna: a confisso do monstruoso amor de Phedra, feita ao proprio
Hippolyto (para citar apenas a scena mais difficil da pea) foi admiravel
de vibrao tragica e no deixou nada, absolutamente nada que desejar ao
espectador mais exigente.
O encanto desse espectaculo foi porm, a declamao daquelles versos
immortaes. Sabe-se que a Phedra valeu a Suzanne Desprs, no Conservatrio
de Paris, um primeiro premio de tragedia; entretanto, ouvindo-a, no se
tem absolutamente a impresso do convencinalismo da arte official; uma
sensao nova, novissima para ns, qua to afastados vivemos dos grandes
centros de renovao artstica. Para represetnar definitivamente a obra-prima
de Racine, Suzanne Desprs no tem necessidade de ser mais artista: precisa
apenas ser mais mulher.
Foi para lastimar que os demais artistas no a ajudassem. Apenas Dorival,
no papel de Thezeu, parecia senhor do genero. Do Hyppolyto nem fallemos...
***
Acha-se outra vez nesta capital a companhia Tina Di Lorenzo, que vem dar
cinco espectaculos, no Lyrico, antes de partir para S. Paulo.
O primeiro realizou-se hontem com La rafale, de Bernstein, muito bem
interpretada, como da primeira vez, pela famosa artista, e seus dignos
companheiros Carini, Falcone, Bonatini e Cassini.
Amanh, teremos o drama em 4 actos Maternita, de Roberto Bracco,
escripto expressamente para Tina Di Lorenzo, que alcanou estrondoso
triumpho no papel da protagonista.
***
No Apollo tivemos o Frei Luiz de Souza, com o papel do protagonista
desempenhado por Eduardo Brazo com aquelle talento, aquelle brilhantismo,
e sobretudo aquella consciencia que to alto o collocaram no palco portuguez.

101

O grande artista foi bem acompanhado por Maria Falco, Luz Velloso,
Chaby, Pinto Costa, etc... que trataram a obra-prima de Almeida Garret com o
respeitoso carinho a que ella tem direito.
Para hoje est annunciada a primeira representao em 4 actos, a Durida,
de Augusto de Lacerda.
Esse drama, extraordinariamente applaudido em Lisboa, escripto por um
brasileiro.
Augusto Lacerda, comquanto tivesse abraado a nacionalidade paterna,
nasceu no Rio Grande do Sul, durante uma excurso que fizeram quella
provincia, seu pae, o actor-autor Cezar de Lacerda e sua me, a actriz Carolina
Falco.
No esta a primeira produco dramatica de Augusto de Lacerda, que
tambem autor de alguns romances muito apreciados, o ultimo dos quaes,
Aurora, obteve em Portugal um grande successo litterario e de livraria.
***
A companhia Miranda, que contina a attrahir o publico ao Recreio,
representou uma das mais interessantes revistas protuguezas que tm sido
exhibidas no palco brasileiro. Intitula-se No lhe bulas, tem 3 actos e 12 quadros,
foi escripta por Souza Rocha e posta em musica pelo maestro Manoel Benjamim.
Tem essa revista algumas scenas de comedia que agradaram muito, no
s por serem espirituosas, como pela fortuna, que alcanaram, de encontrar
magnificos interpretes, como Oliveira, Eduardo Fernandes, Firmino, Maria
Pinto, Isabel Pecheco, etc. Oliveira faz rir devras sempre que est em scena
e raramente o no est. Carmen Cardoso est mal contemplada quer na
declamao quer no canto: pena. Entre os demais interpretes, destacam-se
Gentil, actor de muito futuro si o aproveitarem, e Eusebio, que tem a fortuna de
se parecer ora com o Valle ora com o Joaquim Silva.
Um grande atractivo do No lhe bulas so os scenarios de Eduardo
Machado, que a primou como sempre. Ahi est um artista de quem os theatros
portuguezes se podem orgulhar.
A revista do Recreio tem direito a cincoenta casas, pelo menos.
***
Inaugurou-se brilhantemente o Moulin-Rouge (antigo Carlos Gomes) com
um espectaculo attrahentissimo, a que no assisti; no S. Jos continuam a
agradar os bonecos do Sr. Gorno Dalla Acqua; no Palace Thtre, prepara-se
uma nova revuette de Chicot: Pan... a y est. Vamos ter o pan-americanismo em
scena, e a poucos metros do palacio Monre.
A. A.
102

O Theatro, 11/08/1906
Depois do meu ultimo folhetim, no pude infelizmente assistir seno a
dois espectaculos, ambos no Lyrico, o primeiro com a Sociedade onde a gente se
aborrece, de Pailleron, e o segundo com o Dedalo, de Hervieu.no vi nem ouvi
o Duvido, de Augusto de Lacerda, que me interessava particularmente pela
sympathia que consagro ao auctor; perdi a representao de Maternidade, de
Roberto Bracco, o mais reputado entre os dramaturgos vivos da Italia, talento
moderno, generoso, profundamente humano; perdi tambm a audio da Iris,
de Mascagni, opera que tem agradado em toda parte, mas no Rio de Janeiro
encontrou, no sei porque, um publico frio e refractario.
Tina Di Lorenzo encantadora no papel de Suzanna da Sociedade onde a
gente se aborrece; no seu trabalho, ha que admirar, primeiramente, a habilidade
com que ella se faz menina, e depois a maturidade e a graa da interpretao.
No se pde, entretanto, dizer maravilhas do desempenho geral: Falconi,
que decididamente um artista comico de primeira ordem, foi delicioso no
subprefeito, e Bonafini, muito bem mettido na pelle do general, mostrou mais
uma vez que, para os bons actores, no ha papeis insignificantes, mas no me
parece que pelos demais interpretes a pea fosse to bem representada como j
o tem sido no Rio de Janeiro.
Percebia-se nalguns dos artistas o proposito de dar representao uns
tons de vaudeville. A pea que no existiria, talvez, se no houvesse Les femmes
savantes, uma comedia satyrica, mas no confundamos a satyra com a
caricatura.
Todavia, basta ver e ouvir Tina Di Lorenzo naquella Suzanna, ora irrequieta
e saltitante, ora magoada e chorosa, para que o espectador se d por muito
bem pago.
***
Que prodigiosa transoformao da meninae moa de Pailleron na
divorciada de Hervieu! Dir-se-ia outra mulher, si aquella formosura no fosse
inconfundivel.
A pea, falsa como Judas, um digno pendant de Reveil, o ultimo trabalho
do mesmo dramaturgo, cuja obra , alis, bastante consideravel, para safal-o
incolume desses e outros baixos.
Li a pea e desconfiei as minhas impresses de leitura; assisti sua
representao no Club Riachuelense e atirei a culpa das minhas impresses s
efficiencias muito naturaes num grupo de amadores; agora, com o principal

103

papel representando com uma extraordinaria vibrao por Tina Di Lorenzo,


no se modificaram aquellas impresses.
Na vida real as coisas no se passam assim, e eu no peo ao Theatro mais
que a verdade.
A unica situao interessante que nos depara o Dedalo, uma senhora
casada e honesta apaixonar-se, por amor de uma creana enferma, do homem
que foi e j no seu marido, mas que ainda a ama; esta situao, porm, j
tinha sido tratada e muito bem tratada, por Brieux, na sua pea O Bero.
Hoje a festa de Tina Di Lorenzo. A eminente artista reservou-nos para
esta noite um maginifico regalo: a primorosa comedia de Giacosa, Come le
foglie. Vamos admiral-a e applaudil-a num papel que ella creou, na Italia, e lhe
valeu assignalada victoria.
***
pena que com a festa de Tina Di Lorenzo coincida o Chaby, que tam
hoje, no Apollo, com a hilariante Coraly & Companhia, hontem representada
pela primeira vez no palco daquelle theatro.
Podendo-se, porm, affirmar, mesmo antes de conhecido o resultado
do recenseamento da Prefeitura, que esta cidade tem por ahi um milho de
habitantes, que ha no Rio de Janeiro publico bastante e bastante enthusiasmo
para encher na mesma noite o Lyrico e o Apollo,
Estou, alis, gastando palavras ta: o Chaby goza entre ns de tantas
sympathias quer como homem, quer como artista, que no precisa de outro
chamariz que no ser o seu nome.
***
No Lucinda, est annunciada para hoje uma reprise de Duas orphs, com
Lucilia Peres no papel de cega, e no Palace-Theatre a primeira representao da
revuelle de Mr. Chicot, Pan... a y est! La voil en root pour la cinquentime!
***
No Recreio as representaes da revista No lhe bulas tm sido cortadas
pelos beneficios.
Naturalmente no possivel recommendar ao publico todos os artistas
que se beneficiam, mas no quero esquecer dois, apenas dois, da companhia
Miranda: Firmino e Isabel Pacheco.
A festa daquelle a 14 e a desta a 13 do corrente, ambas com a Filha do
Feiticeiro, o maior successo da companhia.

104

Firmino um artista consciencioso, e Isabel Pacheco uma das actrizes


do seu genero mais conceituadas em Portugal, onde toda a gente a estima e
festeja. So ambos dignos da proteo do publico.
A. A.
P.S. Por falta de espao no sahiu este folhetim no dia de costume. Assim
se explica o emprego da palavra hoje, tratando-se de coisas que se passaram
ante-hontem. A. A.

105

O Theatro, 16/08/1906
A companhia Tino Di Lorenzo deu seu ultimo espectaculo domingo com
a Dama das camelias. Nas duas noites anteriores tinha representado Come le
Foglie, comedia em 4 actos de Giacosa, e Linfidele, comedia em 3 actos, de
Bracco. Tina quiz deixar-nos, antes de partir, uma boa impresso do theatro do
seu paiz.
Come le foglie j tinha sido aqui representada por Clara Della Gnardia, num
anno em que veio muito bem acompanhada por Paladini e Orlandini; uma
comedia subtil, subtil de mais, talvez, para o nosso publico, que no theatro
gosta, e razo tem elle, das situaes claras, que o no obrigem a uma grande
gymnastica de raciocinio.
Trata-se de um infeliz que, emquanto viveu na opulencia, no reparou
que estava mal casado e no tinha educado convenientemente os filhos: foi
preciso que viesse a pobresa para que as suas illuses cahissem, como as folhas.
o outomno de uma alma, que apezar de contado com muita louania de
linguagem, deixa no espectador uma impresso pesada e acerba. A pea no
diverte.
Os tres primeiros actos so escriptos segundo as formulas convencionaes
do theatro moderno: o terceiro consiste num longo dialogo entre dois
personagens, e nada mais. Nas operas isso passa, como na Manon Lescaut,
mas em peas declamadas de um mediocre effeito. Entretanto, creio que o
processo proposital, ou, pelo menos, esteve em moda, pois que lanaram mo
delle, quasi ao mesmo tempo, Donnay, nos Amantes e na Dolorosa, Berthon na
Zaz, e Bracco nas Tragedias dalma. Podem limpar a mo parede.
Giacosa escreveu o papel de Nenele expressamente para Tina di Lorenzo,
que o representa sem hesitao nem discrepancias, mas o desempenho dos
demais papeis nada teve de particularmente notavel.
Linfidele tem apenas tres personagens: um marido, a mulher e um amigo
do casal, que cavalheiro servente da senhora e acompanha-a por toda parte,
peccando contra o nono mandamente. O marido tem zelos, pudera! mas finge
que os no tem, para no ser ridiculo.
Ella, por fanfarrice, vae ssinha a garonire do seu pretendente. A scena
muito comica.
Aqui me tem! seduza-me! diz-lhe a imprudente, e elle fica intimidado e
tibio.
O marido, por uns meios um tanto forados, descobre a mulher nesse
lugar suspeito, e leva tres mezes separado della, embora habitem ambos

106

sob o mesmo tecto. Esquecia-me dizer que o casal aristocrata. S assim se


comprehendem certos costumes.
No fim daquelle periodo, a mulher manda convidar o marido para tomar
uma chavena de ch no seu boudoir, e justifica-se, dizendo que ella no pde
ter um amante, pois si o tivesse no seria outro seno elle, de sorte que s o
proprio esposo era capaz de fazer com que ela claudicasse. Como se v, ha na
pea muita daquella velha marivaudage, que anda agora renovada por PortoRiche e outros.
A comedia muito delicada at a scena final, positivamente grosseira,
destoando de mais. A condessa (ella condessa), para tornar mais decisiva e
completa a sua justificao, tem feito vir tambem o namorado ao seu boudoir,
no proposito firme de que elle oua, na alcova contgua, os risinhos e os
suspiros da reconciliao...
O conde, si , como parece, um homem intelligente, devia dizer comsigo
que uma cocotte no se lembraria, talvez, de outro systema de justificao. A
comedia fina, , mas foi pena que o autor deitasse uma pilula de Hercules
naquella chavena de ch.
Tina Di Lorenzo, que principalmente uma grande actriz de comedia,
representa com extraordinaria arte o papel dessa formosa condessa, muito
interessante no palco, mas que um homem de espirito no supportaria durante
meia hora.
Falcone foi delicioso no pretendente ridiculo, e Carini deu boa conta no
papel do marido.
Numa carta dirigida imprensa o emprezario Consigli declara-se
orgulhoso de ter trazido ao Rio de Janeiro a companhia Tino Di Lorenzo.
Tem razo, porque, si a esta capital tm vindo grandes artistas de alm mar,
nenhuma companhia se mostrou ainda to respeitosa do publico.
***
A companhia lyrica tem dado, no So Pedro, as operas j cantadas na
temporada anterior, com os mesmo artistas, excepo feita da prima-dona
Aida Alloro, cujo successo foi incontestavel na Gioconda e na Manon Lescaut.
Para breve est annunciada a Bohme, de Leoncavallo, que o nosso publico no
conhece.
***
Hontem, no Lyrico, assisti a um bello espectaculo: o concerto, composto
unicamente de musica brasileira, organizado por Francisco Braga e Elpidio
Pereira, e offerecido pela prefeitura aos membros do Congresso PanAmericano.
107

No programa, cujo unico defeito era ser por demais abundante figuravam
Carlos Gomes, Leopoldo Miguez, Alexandre Lvy, Francisco Braga, Henrique
Oswaldo, Francisco Valle (que fim levou?), Alberto Nepomuceno, Carlos de
Mosquita, Deigado de Carvalho, Gomes de Araujo, Araujo Viana, Eleidio Pereira,
Manoel Faubaber, Chiaffitelli, e a amadora Gina de Araujo, autora de uma
mimosa Berceuse, que o barytono Larrigue de Faro cantou com muita expresso.
Chiaffitelli, que eu ouvia pela primeira vez, encantou os ouvintes com o
seu violino, e Zilda Chiabotto foi muito applaudida no raconto do 1 acto da
Carmela, de Araujo Vianna.
A no ser a famoza Suite, de Nepomuceno, que eu ouo sempre
com enthusiasmo, no figurou na festa nenhuma outra composio
caracteristicamente brasileira, mas o que alli se ouvido foi bastante para dar
aos nossos illuestres hospedes uma ba ida da nossa civilisao musical.
O clou do espectaculo foi o ultimo numero do programa: o hymno
bandeira nacional, versos de Olavo Bilac, musica de Francisco Braga, cantados
pelos alumnos dos Institutos Profissionaes e da Escola Tiradentes.
Os versos e a musica so faceis e bonitos, e a meninada mostrou-se de uma
afinao impeccavel.
***
No Apollo, a companhia Eduardo Victorino varia os seus annuncios com
as magnificas peas representadas at agora, e prepara outras; ao Lucinda, a
companhia Dias Braga pz em scena as Duas Orphs e annuncia para breve
o Gran Galeoto de triumphal memoria; no Recreio, a companhia Miranda
continua a attrahir concorrencia com a revista No lhe bulas; no Palace
Theatre, prosseguem as representaes da revista Point...a y est, no S. Jos, os
bonecos do Sr. DallAcqua esto em pleno successo; no Moulin Rouge.
Perdo! o Moulin Rouge merece um paragrafo especial. Ainda l no tinha
ido. Fui segunda-feira passada e tive pena de que o theatro no estivesse cheio,
porque passei uma noite divertidissima.
No tocante a chanteuses, o amigo Segreto est mal servido, mas os
acrobatas de barra fixa e trapezio, os seus malabaristas, os seus palhaos no
podem ser melhores. A pea Tingel-Tangel, que constitui a ultima parte do
espectaculo, capaz de fazer rir a um desgraado, que tenha a ida fixa do
suicidio.
uma pena que aquelle theatro fosse transformado em music-hall, mas
consolemo-nos com a noticia de que, depois da morte do grande Irving, o
Lyceum, de Londres, teve o memso destino.
A. A.
108

O Theatro, 25/08/1906
Tivemos, no Apollo, a primeira representao de Talitha, pea em 3 actos,
em verso, original do jornalista rio-grandense Dr. Pinto da Rocha.
O auctor viveu durante alguns annos em Portugal, onde se formou;
conhece, portanto, a vida portugueza, e assim se explica que a aco de Thalita
se passe numa aldeia daquelle reino, em casa de um velho cura bondoso e
ingenuo como todos os velhos curas do romance e do theatro, desde o vigario
de Wakefield at o padre Constantino.
Esse velho cura mora em companhia de uma irm, tambem edosa, e de
uma rapariga de vinte annos. Thalita, que numa noite de Natal, em que cahia
muita neve, elle encontrou porta de casa, mettida numa cestinha de vime, e
envolvida num panno branco. No sei como resistio, coitadinha, com um frio
daquelles!
Ainda pequena, teve a rapariga cataractas, cegou completamente, e cega
ficou durante muitos annos, at que appareceu no logar um jovem oculista, o
Dr. Ruy dOrnellas, que se enamorou della e a operou, restituindo-lhe a vista.
Thalita corresponde ao amor do medico, a quem, de mais a mais, muito
reconhecida pelo inapreciavel servio que lhe prestou; mas infelizmente fizera
a Nossa Senhora a promessa de entrar para um convento carmelita si algum dia
recuperasse a luz dos olhos.
Esse voto um obstaculo ao casamento de Ruy e Thalita; o namorado,
porm, convence ao cura de que elle deve dizer rapariga que por seu
intermedio Nossa Senhora a desobrigou do cumprimento da promessa, e o
velho, que, pelos modos, tem as suas tinturas de casuistica, o faz do melhor
modo possivel. Os namorados atiram-se nos braos um do outro.
Termina ahi o segundo acto, e terminaria a comedia, si no entendesse o
auctor escrever mais um acto que no era indispensavel, tanto assim que para
enchel-o, teve que metter em scena, intempestivamente, alguns camponezes
que de volta da missa do gallo (a scena passa-se na noite do Natal), entram
em casa do cura para dansar, o que no verdadeiro, porque naquella noite
nas aldeias portuguezas, vae cada um para sua casa, com sua mulher e seus
filhos.
Voltando da missa, Thalita conta uma allucinao que teve, mais
extraordiaria que a de Bernadette na gruta de Lourdes: a Virgem sorrio-lhe do
alto do seu altar, e disse-lhe:
Que lindos olhos, Talitha
Os olhos que Ruy te deu!

109

Tem uma luz infinita!


Parecem feitos no co!...

Mas o terceiro acto foi exclusivamente escripto, veio, para o apparecimento


da me de Thalita, que bem fora de horas, quasi ao romper dalva, a casa do
cura reclamar a filha.
A pea no explica muito claramente porque essa mulher, fidalga e rica,
engeitou a filha numa cestinha de vime, envolvida apenas num pano branco,
em noite de to rigoroso inverno, no explica porque tantos annos se passaram
sem que a marqueza (ella marqueza) procurasse noticias de Talitha, pois nem
ao menos sabia o seu nome e ignorava que ella tivesse estado cega; no explica
o que determinou naquella marqueza noctivaga to subita exploso de ternura
maternal. S se sabe que ella conhece o Dr. Ruy dOrnellas, e approva o seu
casamento com Talitha.
Mesmo com taes defeitos, a pea representa uma das mais auspiciosas
estras do dramaturgo que ainda houve nas lettras brasileiras. De principio
a fim o auctor sustenta, com extrema habilidade e um sentimento e uma
delicadeza notaveis, a feio idylica do seu trabalho.
As scenas esto bem divididas, e algumas tm grande theatralidade, como
aquella em que Thalita recupera a vista, qual me pareceu tratada por mo
de mestre, e teve a fortuna de encontrar em Maria Falco uma conscienciosa
interprete.
A excepo da quadrinha, que transcrevi, a pea toda escripta em
alexandrinos. No esse o metro mais adequado ao theatro portuguez, que,
pela indole da lingua, deve procurar os seus modelos no no francez mas no
hespanhol, em que teve, alis, a sua origem. A redondilha offerece maiores
vantagens ao poeta, compadecendo-se melhor, no caso particular de Talitha,
com a simplicidade do dialogo. O alexandrino obriga a uma adjectivao
excessiva, umas tantas excrescencias que desnaturam a singeleza da phrase.
Pinto da Rocha que, como todos os poetas brasileiros, demasiado lyrico,
a ponto de descaracterisar, ou antes, deshumanisar os seus personagens,
abusa das imagens e das comparaes, s vezes despropositada como aquella
do menino Jesus com o rouxinol; mas os bons versos, as rimas felizes e
inesperadas abundam na pea, que fica sendo um dos mais bellos poemas da
nossa litteratura.
Sado com effuso o novo dramaturgo brasileiro, que se estra sob to
bons auspicios, e agradeo a Eduardo Victorino o ter-nos regalado com esta
delicia litteraria, mostrando mais uma vez aos nossos dirigentes no ser por
falta de materia prima que no temos Theatro.
110

A respeito da indifferena esmagadora com que foi recebida a pea do


escriptor rio-grandense, j publiquei no Paiz algumas linhas mal humoradas;
no quero que meu azedume jorre de novo. Lembrarei apenas que o Theatro
Municipal, foi creado, por lei, para salvar daquella indifferena, no a nossa
architectura, mas a nossa arte e litteratura dramaticas.
Dos que tomaram parte na representao de Talitha Chaby o unico artista
que tem a consciencia exacta do que sejam versos. A metrificao deve ser
parte integrante da educao do actor, mas infelizmente assim no se pensa em
Portugal e muito menos no Brasil.
No exijo, note-se bem, que os artistas saibam fazer versos; exijo apenas
que saibam como si elles fazem. Sabendo-o, no haver meio de desfigurarem
um verso com um eu, um no, ou e, um ah!, um monossylabo, um som
qualquer que os corrompa.
As peas em verso so as mais faceis de decorar, por que o proprio metro
auxilia a memoria, mas para isso indispensavel que o interlocutor conhea
quando o verso est certo e quando o no est, e to facil, to intuitivo esse
conhecimento que admira no estar profundamente generalisado entre os
artistas portuguezes e brasileiros.
A pea de Pinto da Rocha foi muito bem representada; se tivesse
sido escripta em prosa no teria eu que fazer a menor observao; mas o
desempenho de uma pea em verso como a execuo de uma opera: tanto
offende o ouvido a inciso ou a supresso monstruosa de uma syllaba no verso
como a de uma nota na musica, pois aquelle tem, como esta, o seu rhythmo,
que no pode ser alterado.
Apezar de privada do brao direito, Maria Falco foi uma Talitha ideal;
Henrique Alves deu bem a physionomia do Dr. Ruy dOrnellas; Jesuina
Saraiva caracterisou perfeitamente a irm do velho cura; Barbara Wolkart,
uma das melhores actrizes portuguezas, que sempre considerei como tal, foi
verdadeiramente fidalga na me de Talitha.
Quanto ao nosso Chaby, fez uma verdadeira creao no papel do padrecura e melhor seria si o personagem no fosse to choramingas, si tivesse uma
pontinha alegre como o reitor das Pupillas.
Se tivessemos um pouco mais de atteno e de amor pelo que nosso,
Thalita daria cincoenta enchentes. Mas... que querem? Aos membros do
Congresso Pan-Americano tem se mostrado tudo quanto temos de bom, e
mesmo alguma coisa do que temos de mu; ninguem se lembrou, entretanto,
de lhes mostrar esta bonita comedia em verso, escripta por um poeta brasileiro.
Pois, olhem, no ha muito disto por toda essa America afora!

111

***
A pea de Pinto da Rocha tomou-me todo o espao. A tout seigneur tout
honneur. Restam-me apenas algumas linhas para dizer que a Bohemia de
Leoncayallo , em muitos pontos, superior de Puccini, e este o maior elogio
que lhe posso fazer. Voltarei a tratar mais detidamente dessa grande comedia
lyrica, e da representao do Kean, em que Eduardo Brazo triumphou
hontem. O eminente artista s trabalhar at o proximo domingo.
A. A.

112

O Theatro, 06/09/1906
J tarde, talvez, para fallar do falecimento de Carolino Falco:
Depuis qelle nest plus quinze jours sont passs;;;

Mas, j nas columnas do Paiz e na sympathica revista O Theatro, de


Marinonio Piedade, rendi a homenagem da minha penna provecta artista,
cujo fallecimento enlutou dois palcos o portuguez e o brasileiro
***
No foi publicado o meu folhetim de quinta-feira passada.
Era um folhetim um pouco triste, porque a semana anterior tinha sido
a semanda dos adeuses. Quasi ao mesmo tempo que os congressistas pan
americanos retiraram-se os artistas da companhia Rotoli e os da companhia
Brazo. Si ahi no estivessem ainda os da companhia Miranda, ogrigados a
ficar at o fim do corrente mez, porque em So Paulo no se acham disponveis
nem o Polytheama, nem o SantAnna, o theatro do Rio de Janeiro j estaria
entregue aos seus proprios recursos.
***
Ha certa melancolia pois no ha? na situao dos nossos artistas,
condemnados a mendigar do publico, durante o vero, os magros nickeis do
theatro que este economisou durante o inverno. Como os estrangeiros no
foram tambem absolutamente felizes, o caso faz lembrar o famoso apologo
deliciosamente contado pelo poeta de La vida es sueo:
Cuentam de um sabio, que un dia
Tan pobre e misero estaba
Que solo se sustentaba
De unas verbas que cogia.
Habra otro (entre si decia)
Mas pobre y triste que yo?
Y cuando el rosto volvi
Hallo la respuesta, viendo
Que iha otro sabio cogiendo
Las hojas que el arroj.

***

113

Para fazer juz a esses mesquinhos sobejos, o emprezario Mesquita


organizou uma companhia com os melhores elementos de que poude lanar
mo, e cuja estra se far proximamente, no Apollo ou com uma reprise,
ou com uma revista inedita, N e cru, escripta por auctor nacional que pela
primeira vez se aventura ao theatro, e a companhia Dias Braga, no Lucinda,
inaugurou a terceira serie das representaes do C e l..., desta vez com Cinira
Polonio nos papeis que representou na primitiva, e em que tantos applausos
conquistou.
Ainda o Palace-Thatre promette-nos, para qualquer noite destas, outra
revista franco-brasileira, Viens ici, mulata! escripta pelo experimentado
Chicot, de collaborao com Patrocinio Filho, que tambem faz a sua estra de
autor.
O publico estranhar um pouco, talvez, que as nossas emprezas,
para attrahil-o, no lhe dem peas de outro genero seno revistas de
acontecimentos ou de costumes, tanto mais que no Recreio o No lhe bulas
vae voltar scena com um quadro novo, apologetico dos melhoramentos da
cidade, para o qual Julio Machado est pintando uma apotheose. Esse artista,
que triumphou no desenho, na caricatura, na comedia e na chronica, vae
triumphar tambem na scenographia.
***
Para encher o tempo entre a ultima representao e a reprise do No lhe
bulas, a companhia Miranda recorreu s Travessuras de Cupido, opereta em
tres actos, original de Souza Rocha, musica de Simaria e Figueiredo, que j
tinha sido aqui representada, e desta vez me agradou mais que da primeira,
provavelmente por ser exhibida em melhores condies. Isabel Pacheco foi
impagavel no papel da morgada da Freixoeira, Carmen Cardoso me pareceu
menos incolor que de costume, e Maria Pinto, Oliveira, Firmino, Gentil e
Raphaela Fons portaram-se galhardamente. O publico applaudio.
***
A Darcle desistio de trazer do Rio da Prata a companhia lyrica italiana que
nos promettera: em materia musical satisfaamo-nos, por emquanto, com as
interessantes conferencias de Luiz de Castro no salo do Instituto; o illustrado
comediografo vae fallar-nos da cano allem na proxima conferencia, hoje
adiada por molestia de Mlle. Carmen Ferreira de Araujo.
At agora o seu assumpto, o seu grande assumpto tem sido Ricardo
Wagner. Ninguem no Brasil defendeu e defende com mais ardor nem com mais
sinceridade o genio e a memoria do grande compositor allemo, e esse tem
sido um bello servio prestado por Luiz de Castro nossa educao artistica.
114

No meu ultimo folhetim, occupado inteiramente pela Thalita, de Pinto


da Rocha, prometti escrever alguma coisa sobre a Bohemia, de Leoncavallo,
cantada pela companhia Rotoli.
Disseram-me que essa comedia lyrica no tem obtido um successo
definitivo em parte alguma, nem mesmo na Italia; informaram-me at que em
Lisboa, ainda este anno, esteve a ponto de ser patoada, comquanto a orchestra
fosse regida pelo proprio autor, contractado expressamente para isso pelo
emprezario Paccini.
Creio que essa indisposio universal provm unicamente do facto de
haver o insigne compositor e poeta escolhido um assumpto j musicado por
outro; espero, porm, que o futuro d ganho de causa a Leoncavallo. Tambem
a Rossini, durante muito tempo, ninguem perdoou ter posto em musica o
Barbeiro de Sevilha, depois de Paisiello.
No ha duvida que no trabalho de Leoncavallo ha muito talento, muita
inspirao, muito bom humor, muito sentimento comico e dramatico e,
sobretudo muito theatro. A pea tem qualidades artisticas de primeira ordem;
o libretto deixa a perder de vista a poesia do romance, e a partitura , j o
disse e agora repito, a mesma que escreveria o proprio Henri Murger se fosse
musico e vivesse hoje. Aquella a expresso musical, por excellencia, da vida
da Bohemia.
Fao votos para que essa comedia lyrica seja uma dia representada no Rio
de Janeiro em condies que satisfaam o publico, e o habilitem a promover
uma estrondosa desforra para o poeta musico. Nem a orchestra nem os artistas
da companhia Rotoli, excepo feita da prima-dona Aida Alloro, que foi uma
excellente Musette, poderam arcar victoriosamente com todas as difficuldades
da representao, e a mise-en-scne era de uma impropriedade e de uma
probresa contristadoras. Dir-se-hia um espectaculo de bohemios a valer.
No vae nisto uma censura companhia Rotoli, que no era a mais
obrigada; agradeo-lhe, pelo contrario, ter me feito conhecer a comedia lyrica
mais brilhante que, parte os incomparaveis Mestres Cantores, tenho ouvido
nestes ultimos vinte annos.
***
Depois de Ernesto Rossi, que era o Kean ideal, nenhum outro actor e a
quantos tenho ouvido representar o Kean! me agradou tanto nesse papel
como Eduardo Brazo.
Limito essas palavras a minha noticia da representao do Apollo,
que j vae longe. A companhia portugueza despedio-se com a velha pea do
velho Dumas. O Kean deu quatro enchentes reaes, e outras daria ainda, se
115

a companhia se demorasse mais tempo. Isto quer dizer que, para o publico,
Eduardo Brazo ainda o mesmo artista de outrora.
***
E nada mais se me offerece a dizer dos nossos theatros, seno que o Moulin
Rouge renovou o programa dos seus espectaculos.
Os Srs. G. Tojeiro e Victorino de Oliveira, duas vocaes aproveitaveis, que
se ho de perder, como tantas outras, falta de theatro, publicaram (J. Ribeiro
dos Santos, editor) a sua comedia em 3 actos as Obras do Porto, da qual me
occupei largamente, e com louvor, quando foi representada no Lucinda em
1901.
A pea, que produz muito effeito no palco, nada perde na leitura.
Aos nossos artistas dramaticos dou conhecimento da seguinte carta que
recebi dos Drs. Bezerra de Menezes e Jonathas Pedrosa:
Temos o prazer de offerecer, por seu intermedio, pois que gosa de estima e
considerao entre os artistas, os nossos cuidados medicos na electrotherapia a
todos que tiverem necessidade desse tratamento.
O que justifica nosso procedimento nesta offerta espontanea, a sympathia
que nutrimos por essa to digna quo desprotegida classe.
No raro que, com o genero de trabalho intellectual que tm, os artistas
sejam accommetidos de variadas affeces nervosas.
A electricidade medica, em taes casos, produzir beneficos resultados; mas
o aproveitamento de tal recurso therapeutico impossivel muita vez se torna por
sua remunerao onerosa. Esse obstaculo, porm, afastaremos de todo artista
que precisar da electro-therapia, gozando elle da reduco de cincoenta por
cento nos preos estabelecidos.
Com subida estima, etc. Dr. Bezerra de Menezes, Dr. Jonathas Pedrosa.
Agradecendo, em nome dos artistas, o sympathico offerecimento, declaro
que o communiquei, para os devidos effeitos, Caixa Beneficente Theatral na
ultima sesso do conselho.
A. A.

116

O Theatro, 13/09/1906
a y est! o nosso benemerito prefeito declarou, na sua Mensagem, que
o Theatro Municipal foi construido para ser alugado! J toda a gente o sabia;
faltava, porm, a declarao official. Ella ahi est! a y est!
Uma vez concluido o edificio do Theatro Municipal, diz a Mensagem, o
que convem que a Municipalidade o ceda s e directamente a companhias
srias, mediante razoavel retribuio, jamais consentindo que esse proprio
nacional seja objecto de especulao. Para esse fim, basta que qualquer
contracto de aluguel seja feito apenas por praso curto e determinado, isto ,
por uma temporada, si se tratar de companhia estrangeira em digresso por
esta cidade, e ainda por um tempo marcado quando o locatario fr director de
companhia nacional.
O Dr. Francisco Pereira Passos, que fez impossiveis, recuou deante da tarefa
to facil, to suave e to patriotica de levantar o Theatro brasileiro, o que lhe
custaria menos, muito menos que deitar abaixo o hospital da Penitencia!
Resta saber si, to definitivamente desilludidos a respeito do Theatro
Municipal, os pobres artistas continuaro a pagar o pesado imposto creado
exclusivamente para a realisao do seu sonho. Si assim fr, ficar invertido
o espirito das leis municipaes votadas, sanccionadas e promulgadas para
proteger o theatro brasileiro: em vez de ser este auxiliado pelas companhias de
arribao, vae trabalhar para ellas...
No desanimo! Continuarei na minha campanha emquanto poder manejar
uma penna.
Estou satisfeito, porque o meu querido Rio de Janeiro vae ter uma
sumptuosa casa da espectaculos, digna de uma grande capital, e eu concorri
muito para esse beneficio.
No vejo razo para que esta cidade, independentemente desse grande
theatro de opera, no possua um pequeno theatro de comedia, e tenho f
em Deus que o possuir, e que esse theatro ser o germen das glorias mais
fulgurantes das nossas lettras.
Venham, senhores emprezarios das tournes, venham!
O Theato Municipal est com escriptos!...
***
Tivemos domingo passado, no Apollo, uma comedia nacional inedita, mas
com um acto apenas, e representada em ms condies, numa recita sporadica,
ou antes, num tiro, em beneficio do Brando.

117

A comedia foi escripta por Jos Piza, e intitula-se Por causa da Capital
Federal.
Ha em S. Paulo uma familia que tem muita vontade de ver a Capital
Federal, cidade; um rapaz, que deseja fazer parte dessa familia (j se adivinha
como), suppe que se trata da Capital Federal, pea de theatro, e, para ser
agradavel aos futuros sogros, offerece-lhes bilhetes e vae compral-os. Quando
volta, encontra-os e mais a senhorita, de malas feitas e em trajos de viagem.
Tudo se explica e desfaz-se o quiproquo. Viro todos Capital Federal, cidade,
mas para no perderem os bilhetes comprados, iro primeiro Capital Federal,
pea de theatro.
Jos Piza arranjou essa comediasinha com a habilidade que tem revelado
em trabalhos mais consideraveis, e fez rir o publico durante um quarto de hora,
ou vinte minutos.
As peas escriptas especialmente para uma noite de beneficio tm o
incoveniente de ser ensaiadas e representadas por favor; nenhum artista cuida
seriamente de um papel em que se vae exhibir uma unica vez, e at certo ponto
tem razo. A comediasinha de Jos Piza, apresentada em condies normaes
pelos mesmos artistas que a interpretaram, teria produzido outro effeito. Dos
interpretes o que mais agradou foi Brando Sobrinho.
O espectaculo principira pela representao de uma fara em 3 actos,que
foi representada com o titulo Mundaa meia noite, mas tem sido muito vista,
dizem-me, com o titulo Que sogra! Eu no a conhecia.
A pea foi bem mais representada que a de Jos Piza; o Brando estava
nas suas bas noites, e Balbina, Cecilia Porto, Leite, Brando Sobrinho e
Encarnao Gonzales, uma criadita bem geitosa, apezar da sua meia lingua,
fizeram o possivel para que funccionassem a contento da plata umas tantas
molas comicas j muito gastas e dignas de desaparecer naquillo que o Dr.
Gramma via no fim do corredor esquerda.
O publico j no gosta do theatro que cheira mal.
Diverti-me no Palace-Thetre assistindo representao da pochade em
um acto, Le garon de chez Polin, que pelo titulo, julguei ser uma das mais
espirituosas comedias de Labiche, Le garon de chez Vry. As duas peas nada
tm de semelhante.
A scena que mais me fez rir foi uma em que o comico Fortum levantou
as saias de uma senhora e lhe deu quatro palmadas em certo logar. Devo
accrescentar, para salvar a boa fama do Palace-Thetre, que essa senhora tinha
calas. Tambem o que daltava que no as tivesse.
Antes da pochade, eu tinha ouvido no music-hall da rua do Passeio um
tenor, que hespanhol, apezar de ter uma bonita voz e de se chamar Floriani.
118

Cantou muito bem uma aria da Tosca e outra da Carmen, to bem, que
perguntei aos meus botes porque carga dagua um tenor assim no est numa
companhia lyrica.
***
E nada mais. Com a noite borrascosa de hontem no me animei a sahir
de casa para assistir, no Recreio, a representao do Homem da bomba que
succedeu s Travessuras de Cupido. A companhia Dias Braga annuncia para hoje
a primeira da Casa de Suzanne. Desejo-lhe uma boa casa.
***
Suzanne Desprs foi to apreciada em Buenos-Aires, que, segundo nos
comunica seu esposo, Lugn-Pe, contractou em boas condies uma serie de
quarenta rcitas naquella capital, em 1908, com a companhia de LOeuvre.
Lugn-Pe no me affirma que Suzanne Desprs venha nessa occasio
ao Brasil, mas certo que para o anno teremos, alm da Duse, a bella actriz
Martha Brandr, trazida pelo Coquelin que emprehende a sua ultima tourne.
A. A.

119

O Theatro, 20/09/1906
Comearei meu folhetim rejubilando-me com a Noticia por haver
completado, no dia 17 do corrente, mais um anniversario, subindo sempre no
apreo e na estima do publico.
Quando no bastasse, para a minha saudao affectuosa, a velha
camaradagem que a muitos annos me prende a Manoel da Rocha e Salvador
Santos, o facto de ser eu o mais antigo collaborador da Noticia era sufficiente
para motival-a, e dar-lhe, mais que a nenhuma outra, um caracter de
sinceridade e carinho.
Effectivamente, desde a primeira quinta-feira da Noticia que plantei nas
suas columnas hospitaleiras a minha tenda de combate em favor do Theatro
Brasileiro, e si nada consegui at hoje, a no ser a construco de uma casa de
espectaculos verdadeiramente digna da nossa bella capital, no foi isso devido
falta de ardor, mas de talento, e tambm um pouco eterna verdade daquelle
velho proverbio: uma andorinha s no faz vero.
Um servio, entretanto, prestaro meus filhetins. Os futuros invertigadores
ho de encontrar na colleco da Noticia, em dias certos e determinados, e, por
conseguinte, com grande facilidade na busca, toda a histria do Theatro do Rio
de Janeiro durante um largo periodo, inclusive a estatistica dos espectaculos, a
nomenclatura das peas representadas, etc... que publico todos os anos.
Oxal que algum chronista das geraes precedentes tivesse lembrado de
fazer a mesma coisa.
Antes da introduco da imrpensa no Rio de Janeiro, em 1808, no nos
deixaram seno vagas e diffusas informaes a respeito do Theatro nesta
cidade (esse periodo de um seculo pde ser considerado pre-historico), e s
muito depois daquella data os jornais comearam a dar, de vez em quando,
uma ou outra noticia do que se passava no Theatro. S dos meados do seculo
em diante podero elles fornecer importantes subsidios para uma historia que
ser escripta quando no Brasil a arte fr uma preoccupao nacional.
Nos outros paizes, principalmente em Frana, fazem-se todos os annos
publicaes especiaes, pelas quaes se pde acompanhar com facilidade, todo
o movimento, toda a evoluo do Theatro, e l esto as revistas que chamarei
photo-documentarias, para no deixarem desapparecer o presente. Aqui
no temos nada disso, e alguma tentativa que apparea feita sempre com
elementos e em propores que no satisfazem. Portanto, os folhetins da
Noticia, que alis no se recommendam pelo estylo, nem pela graa, podem
servir de magnificos auxiliares, e desta gloria s fico contente.

120

Continuarei a escrever todas as semanas essa historia, umas vezes alegre,


outras melancolica, emquanto a Noticia quiser, e creio bem que o queira
emquanto Deus me der vida e saude.
Contam que Mme. de la Sablire, reformando a sua casa, declarou que no
levava para a nova residencia seno o seu gato Lafontaine.
Se fizer o mesmo, a Noticia me levar comsigo, no como seu Lafontaine
(oh, no D, mas como o seu gato).
***
A companhia Dias Braga pz em scena, no Lucinda, um vaudeville,
traduzido para o titulo A casa da Suzanna, que, mesmo em Paris, e
representado no Palais-Royal, foi considerado livre de mais.
A empreza teve a lealdade de annuncial-o como tal: ningum se pde se
queixar de um [p. i.]. O publico s tem o direito de exigir que a pea esteja
bem representada, e, nesse particular, no h tambem razo de queixa: Cinira
Polonio, Helena Cavalier, Alfredo Silva, Ramos, Henrique Machado, Bragana
e os demais interpretes sabem de cor e desempenham satisfatoriamente os seus
papeis. O theatro enche-se todas as noites, e o publico ri s gargalhadas.
Eu preferia que as nossas emprezas conseguissem attrahir concorrencia
com peas que no fossem o genero livre, mas, francamente, no sei oq eu seja
mais pernicioso, si a fara que exagera e deshumanisa tudo, ou si a comedia
que explora o vicio elegante e espalha o perfume capitoso da flor do adulterio.
A Casa da Suzanna ser menos inconveniente que a de Margarida Gauthier?
***
J vae longe no Recreio a representao do Homem da Bomba,
substituido pela opereta em 3 actos, Proezas do Tareco, letra de Luiz Aquino
e Francisco Dantas, musica de Jorge Pontes. Todos esses nomes cheiram-me
a pseudonymos, e a musica parece-se muito com o que costuma escrever o
compositor Calderon, do Porto.
Apezar da anonyma, ou por isso mesmo, a pea a mais engraada e a
mais bem feita de quantas peas portuguezas tm sido aqui representadas pela
companhia Miranda. Apresenta alguns quadros de costumes da aldea muito
bem observados, tem bom dialogo e faz rir de principio a fim.
O desempenho dos papeis foi muito regular, principalmente por parte de
Maria Pinto, sempre muito bem nas aldes, e de Isabel Pacheco, sempre muito
bem nas velhas gaiteiras. Os demais artistas agradaram. Eduardo Fernandes,
que tem apparecido pouco nesta temporada, caracterisa com sobriedade, e por
isso mesmo com muita graa, um regedor o seu tanto parecido com o Brasileiro
Pancracio.
121

Resta-me falar do Aldo, o habil transformista que o nosso publico


applaudio j, e que hontem reappareceu no theatro S. Pedro.
Esse genero de espectaculos no faz minha felicidade, mas confesso que
estou em minoria absoluta: os cariocas do o cavaquinho pelo transformismo.
Aldo no superior a Frgoli, mas tambem no inferior: despe-se e vestese com a mesma rapidez, canta e representa com a mesma arte. O publico
applaudi-o ainda desta vez enthusiasticamente.
No proximo folhetim falarei da revista Vem c, mulata! De Chicot e Jos do
Patricinio Filho, representada hontem no Palace Thetre.
A. A.

122

O Theatro, 04/10/1906
No sei se o Conselho Municipal, acceitando a indicao feita na
mensagem do prefeito, vae revogar as leis que tinham sido promulgadas no
intuito de levantar o nosso Theatro dando novos impulsos arte e a litteratura
dramaticas: no sei si os actuaes conselheiros, entre os quaes se contam alguns
amigos do theatro, deixaro aos seus substitutos a tristissima tarefa de arrancar
a ultima illuso aos que ainda esperam dessas leis ameaadas alguma coisa
em beneficio da arte; em todo caso, a julgar pelo alto e merecido concceito de
que goza a opinio do Dr. Pereira Passos, em todos os assumptos municipaes,
e a julgar tambem pela terrivel indifferena com que toda a imprenssa recebeu
a declarao de que o Theatro Municipal seria alugado a emprezas lyricas ou
dramaticas, provavel que as leis de que se trata fiquem sendo lettra morta,
mesmo quando no sejam revogadas. No sero as primeiras nem as ultimas a
que tal acontea.
Nestas condies, preciso desde j preparar os fundamentos para uma
nova propaganda em favor do theatro brasileiro, parecendo-me, no momento
actual, que convem arredar do assumpto toda e qualquer veleidade e copartio-official.
Decididamente nada mais ha que esperar dos poderes publicos. Os nossos
dominadores no tomam o Theatro a serio. Quando um homem intelligente,
corajoso, energico parece, como o Dr. Pereira Passos me pareceu, disposto a
fazer alguma coisa por elle, iniciando uma era de regenerao e prosperidade,
logo cercado por individuos maldosos, inimigos do theatro, que lhe tiram da
cabea qualquer boa ida que ali germinasse em favor do pobresinho.
O theatro brasileiro foi victima, na Prefeitura, de uma contra-propaganda
a que no poderia resistir. O Dr. Pereira Passos estava a principio animado
das melhores intenes, e eu lhas conheci; tiveram a habilidade de
dissuadil-o de prestar civilisao intellectual do seu paiz um grande
servio, que contribuiria para dar ao seu nome illustre a aureola da arte que
inquestionavelmente lhe falta.
Ide aos nossos theatros, vde o que se representa, observae como se
trabalha, e dizei-me a que gloria poderia aspirar um prefeito maior que
a de transformar em templo uma pocilga! O Dr. Pereira Passos tem sido
um Hercules, mas pena que recuasse ou o fizessem recuar deante das
cavalharias de Augias!
Voltemos, pois, as nossas vistas para a iniciativa particular. Ha dias tive a
occasio de apreciar o plano de um bello theatro de comedia, com capacidade
para mil espectadores, mandado levantar por um grande capitalista, para ser
123

edificado no mesmo terreno da Avenida Central, outrora ocupado pela Phenix.


Um pequeno desaccrdo entre o capitalista e a commisso da Avenida impedio
que se fizesse a construo, mas esse desaccrdo pde, de um momento para o
outro, desapparecer, desde que se faam concesses mutuas.
Ora, o desejo desse capitalista, que um bom brasileiro, no era
augmentar sua fortuna; para esse fim no construiria um theatro. O seu desejo
era pura e simplesmente dotar nossa capital de um theatro, um verdadeiro
theatro, onde se representasse exclusivamente o drama e a comedia, e para
realizar esse desejo abria mo de dois mil contos de ris.
Estou convencido de que este distincto compatriota no pensa, como eu,
que se poder organizar uma companhia muito regular de artistas brasileiros
para representar peas brasileiras; mas, construido o theatro, estou certo que
elle no se negaria a consentir numa tentativa, e tenho certeza de que essa
tentiva, embora no fosse recebida com enthusiasmo por ahi alm, seria o
inicio da regenerao do nosso theatro, desde que se conseguisse attrahir a
sociedade ha tanto tempo divorciada delle.
Sei que vo dizer, mais uma vez, que fantasio utopias. Porque ser, meu
Deus, que numa capital onde surgiram em tres annos avenidas e palacios,
numa capital completamente transformada pela boa vontade de meia duzia de
homens s a ida do Theatro encontra tanta resistencia e tanta inercia?
Note-se que esta capital sem Theatro a unica do mundo que tem na praa
publica a estatua de um actor dramatico. Bastava o bronze de Joo Caetano
para protestar contra essa falta de confiana que tanto contribuio para o
aniquillamento da ida de erguer o theatro brasileiro.
***
Nada direi dos nossos theatros porque tenho estado mettido em casa,
convalescendo da enfermidade que me obrigou a dar ponto quinta-feira
passada.
Nenhuma novidade tem havido. A companhia Miranda partio para S.
Paulo, deixando o Recreio companhia Tomba, que hoje se estreia com a
Geisha; no Lucinda proseguem as representaes concorridissimas da Casa
da Suzanna, no Palace-Thtre a revista Vem c, mulata! contina a attrahir
o publico; no Apollo estreia-se hoje a nova companhia Mesquita, com a nova
revista N e cru, do novo autor, Antonio Quintiliano, com musica, scenarios
e vestuarios novos. S no ha novidade no pessoal artistico, mas isso uma
garantia para o publico.
So essas as informaes trazidas l de fora ao meu quarto de doente.
A. A.
124

O Theatro, 18/10/1906
Quando penetrei no S. Pedro, pareceu-me ouvir ainda os ultimos echos
do piano de Miecio Horszowski, e me suppuz o ludibrio de uma allucinao
auricular; mas logo se desvaneceu esse phenomeno deante do aspecto da sala
transformada em circo.
Ainda era cedo; raros espectadores, desses que no perdem nada dos
espectaculos, nem mesmo o afinar dos instrumentos, tinham tomado os seus
logares.
Atravessei o circo e dirigi-me para a porta por onde haviam de sahir os
politiqueiros. Um homem de libr, que talvez no fosse um lacaio mas um
artista, pois nas companhias esquestres confundem-se todas as funces,
avanou para mim como para impedir-me a entrada, mas a resoluo com
que eu atravessei a arena, o meu abdomen, a minha cara raspada e o gesto de
deciso com que afastei a cortina da porta, fizeram com que elle recuasse.
J dentro a primeira creatura que encontrei foi um cachorro sabio,
to sabio que fallava perfeitamente o portuguez, e cumprimentou-me
pronunciando o meu nome:
Ora viva, Sr. Fulano! o senhor aqui para estranhar!
Por que?
Ora essa! depois da sua Palestra no Paiz...
Que tem isso? Limito-me a lamentar que insultem por esta frma o
theatro de Joo Caetano; mas confsso que tenho um fraco pelos ces sabios
como o senhor.
Nisto chegou-se a ns um elegante poney e o cachorro teve a bondade de
mo apresentar:
Ah! Ah! foi ento o senhor que defendeu este theatro contra a invaso dos
bichos? pergountou-me o poney, que tambm falava.
Defendi, verdade, mas sem nenhuma esperana de ser ouvido; os
bichos no atacaram a casa, mas a sociedade inteira.
Foi ento aqui que Pedro I em 1824...
verdade: foi do terrao deste theatro que elle declarou ao povo, reunido
na praa, que o governo deixra de ser absoluto; partio daqui o nosso primeiro
lampejo de liberdade.
Para mim tem muito mais importancia a rectificao do grito do
Ypiranga: Independencia ou Morte! accrescentou um cavalo que se
approximra sem ser por mim pressentido.
Folgo de ver que os senhores tenham lido o meu artigo e considerem,
como eu, esta casa um monumento historico.
125

Historico no ha duvida, approvou o co; pondo mesmo de lado a


politica, bastaria ser este o primeiro theatro digno desse nome que se construio
no Rio de Janeiro.
E foi reconstruido duas vezes por Joo Caetano, hein? disse um macaco
que chegou aos pulos e foi se intromettendo na conversa.
No valia a pena, opinou o poney; melhor seria que o deixassem em
ruinas.
Mas vejo que os senhores so todos de uma deliciosa modestia! disse-lhes
eu; outros quaisquer quadrupedes ficariam estomagados com o meu artigo.
Esto julga o senhor que estamos satisfeitos? perguntou o cavallo. O
nosso trabalho fez-se para o circo e no para o theatro; aqui o espao, a luz,
o ambiente, a estrutura da sala no convm ao nosso talento. Perdemos
cincoenta por cento! Ns no somos artistas dramaticos!
Comprehendo que a Ristori e a Sarah Bernhardt podessem brilhar neste
recinto; mas ns..., obtemporou tristemente o poney.
Estamos sacrificados! exclamou o macaco, radicalmente sacrificados!
Eu ca por mim declaro que fao as minhas macacadas sem gosto.
Nisto chegou-se a ns um sugeito de casaca, trazendo um chicote na mo, o
qual com um grito fez fugir a bicharia.
Quem o senhor? perguntou-me o recem-chegado numa lingua estranha
que eu no saberia reproduzir, e na qual predominava o italiano. No aqui o
seu logar! V l para fra! Quem o mandou aqui entrar?
Aqui para ns, pareceu-me que elle me supposesse um collega, que fosse
corromper e aliciar os seus bichos; mas eu tranquilizei-o dizendo que era
jornalista.
A essa palavra jornalista o homem da casaca mudou completamente:
Pardon... pardon, monsieur... no lo sapeva... Um jornalista! Gia!...
E desfez-se em mesuras e rapaps.
Mas que diabo conversava usted com os meus bichos?
Falavamos deste theatro; diziamos que isto um monumento historico,
e de aos coraes dos cariocas intelligentes vel-o tranformado em circo
equestre.
La culpa no n mia.
Bem sei; o senhor chegou com os seus artistas e os seus animaes; pedio
naturalmente um circo: deram-lhe um theatro, o unico que possuimos. O
senhor no tem culpa. Mas quando me lembro que a Ristori pisou este palco...
La Ristori! che Ristori?
E que o seu genio fez estremecer esta sala...
Che Ristori? La tragica sublime?
126

Sim!
Quella che morta poco fa?
Sim!
Essa a recitato qui?
Sim!
Corpo di Baco! Che profanazione!
E o homem desesperado arrancou alguns cabellos.
Veja o senhor como no Rio de Janeiro se commemora o fallecimento da
maior artista dramatica no seculo XIX: transformando em circo de cavalinhos o
theatro onde seu genio refulgio!...
Vou transferir o espectaculo! bradou o homem. No quero ser cumplice
deste sacrilegio! Amanh tratarei de levantar um circo!...
Nisto acordei, pois que estava sonhando, e lembrei-me que era quinta feira,
dia de folhetim. Como, por doente, no tinha ido a nenhum espectaculo, nem
sabia com que encher umas tantas tiras de papel, lembrei-me de contar o meu
sonho tal qual se passou. Eu poderia tornal-o interessante, alterando-o, dandolhe mais episodios, mais fantasia; no o fiz porque respeito muito os sonhos;
acho que a verdade est nelles, e so elles que nos consolam das mentiras com
que nos embalam emquanto rolamos por este mundo caa de um ideal.
A. A.

127

O Theatro, 25/10/1906
Os livreiros editores Mendesky e Filho, de Buenos Aires, obsequiaramme com um exemplar muito bem impresso do drama historico, em 4 actos,
Chacabuco original de Alberto del Solar, reputado escritor chileno, que reside
na capital argentina.
Del Solar no um dramaturgo estreante; em 1903 fez representar alli
uma comedia em 1 prologo e 5 actos, El doctor Morris, um drama em 3 actos,
El faro e ainda, este anno, achando-se em Buenos Aires, o actor Dias de
Mendoza, marido de Maria Guerrero, pz em scena, por occasio da sua festa,
a comedia em 1 acto La musa del taller, de Alberto del Solar.
A julgar pelos titulos daquellas peas, que no conheo, Chacabuco sae
inteiramente do genero em que tem at hoje trabalhado o dramaturgo chileno,
e este mesmo titulo est indicando o que o drama. O auctor pz em scena a
independencia da sua Patria, a victoria de San Matin; fez a narrao dialogada
daquelle grande feito americano, sem lhe pr outro incidente mais que o de
uma mulher amada por um homem chileno e desejada por um mu hespanhol
o famoso patife que offerece a liberdade a troco de um beijo, e figura, na
mesmissima situao, no sei em quantos melodramas, tomando aqui um
nome, alli outro. Na Marion Delorme chama-se Laffenias.
Alberto del Solar no pz em seu trabalho grandes intuitos litterarios:
por demais realista e sincero para no ter escripto precisamente um epopa
dramatica. O merito principal do seu trabalho, pondo de parte o encerrar uma
lio vibrante de patriotismo, est na reconstituio, magistralmente feita, de
uma poca historica. Por esse lado, a pea no poderia ser mais pittoresca nem
mais theatral to theatral que s deve ser lida por quem tenha, como eu, a
facilidade de acompanhar mentalleitura com todas as circunstancias da mente
a enscenao.
No sei se Chacabuco foi exhibido como devia ser; si foram observadas
todas as exigencias do auctor e Alberto del Solar to exigente como Rostand
o effeito deveria ser extraordinario.
Infelizmente assim no devia ter sido, a julgar por esta recommendao
de uma rubrica do quarto acto: comparsas lo ms numerosas possible, e
pelo seguinte reparo do Diario Espanol: Este acto (o quarto) podria animarse
mucho escenicamente, poniendo ms gente al final en la invasion de los
vencedores.
***

128

Li esse reparo, porque os editores antepuzeram no drama alguns juizos da


imprensa, entre os quaes um artigo de Luiz Varella, que d, as seguintes linhas,
uma ida das condies em que se acha o theatro nacional argentino:
No ha, por bem dizer, quem assista primeira representao de uma
obra dramatica, escripta no seu paiz, sem levar para o theatro um preconceito
que vale por uma deciso antecipada.
Os amigos cinceros da litteratura nacional vo applaudir, sem reticencias,
o nobre esforo do dramaturgo; os que conhecem outras obras do mesmo autor
e j tm sobre ele opinio feita, julgam o novo trabalho pelos anteriores; os
amigos pessoaes reunem-se para festejal-o incondicionalmente; os que formam
falange e pertencem ao grupo dos que, reciproca e successivamente, se apoiam,
concorrem, sempre em grupo, a fim de estimular o companheiro; e, finalmente,
o publico sem compromissos, que no pede ao Theatro outra coisa seno que
o distraia, vae primeira representao de qualquer pea nacional convencido
de que ella m, sem outro motivo seno a de ser prata de casa.
Na litteratura, como na industria, os nossos productos precisam de rotulo
estrangeiro para serem bem acceitos pelo consumidor argentino.
Do critico theatral diz Luiz Varella que um juiz que se improvisa e fala
por sua propria autoridade, sem outro elemento de competencia mais que a
deciso de um director de jornal que o arvora em chronista ou acceita os seus
artigos: isto quando a critica no obedece a necessidade de satisfazer algumas
vinganas ou de tributar um applauso ao camarada.
o caso de dizer: C e l ms falas ha.
***
Sabe-se por telegramma ter fallecido em Lisboa o actor portuguez Belard
da Fonseca, que veio ao Rio de Janeiro trazido em 1808 por Lucinda Simes, e
ainda este anno c voltou, fazendo parte da companhia Angela Pinto.
Belard principiou a sua carreira pela imprensa e era muito dado s lettras.
Ultimamente publicara um livro de versos.
Como artista no era para grandes vos. Souza Bastos, com aquella
franqueza que to curiosa torna a sua Carteira de artista, diz sobre elle o
seguinte: um actor inventado pela Lucinda para uso no theatro.
Entretanto, Belard sobresahio num papel pelo menos: poucas vezes tenho
visto um actor metter-se to bem na pelle de um personagem como elle se
meteu na do Dr. Rank, da Casa de Boneca, aquelle Dr. Rank que, sentindose morrer, tem o mau gosto de mandar aos amigos o seu carto de visita com
uma cruz desenhada. Parece at que a morte prematura do pobre artista uma
consequencia da interpretao desse personagem sinistro.
129

Belard da Fonseca era um rapaz inteligente, de uma conversao


agradavel. Tinha grande admirao por Gomes Leal, e entre os amigos muitas
vezes se comprazia em recitar versos desse poeta satanico.
***
No me perguntem o que vae pelos theatros, porque no tenho sahido de
casa noite e nem ao menos para ver o cavallo que dana o maxixe no Theatro
S. Pedro de Alcantara.
A. A.

130

O Theatro, 01/11/1906
um logar commum, dizer que o nosso Theatro, ou antes, a nossa
industria theatral atravessa uma crise; mas as crises tm sido tantas e to
continuas que por bem dizer uma s; apenas de vez em quando sopra aqui ou
alli uma aragem da fortuna; os grandes aguaceiros tm as suas estiadas.
No ha duvida que neste momento a crise implacavel, e as emprezas
no sabem o que pensar. O publico retrae-se, e como sempre acontece
todas as vezes que o publico se retrae, procuram todos saber a causa desse
retrahimento. Os proprios pelotiqueiros do misero S. Pedro de Alcantara,
transformado mais uma vez em circo de cavallinhos, no conseguem encher
o theatro, e todos sabem que o carioca d o cavaquinho por aquelle genero de
espectaculos.
Ora, desde que os deslocadores, os funambulos, os malabaristas, as
mulheres que atravessam rcos de papel, os cavallos que dansam o maxixe,
os palhaos, etc., no realizam optimas receitas, claro est que os artistas
dramaticos no podero ter melhor sorte.
Ha quem diga que o crime da rua da Carioca influio para a m sorte dos
theatros durante o mez que terminou hontem. Por mais singular que parea,
acceitavel essa opinio, pois tenho observado que as receitas de todos os
espectaculos diminuem consideravelmente todas as vezes que um grande
crime impressiona e abala a populao.
Foram tantas, e to variadas, to interessantes, to dolorosas as peripecias
do assassinato dos irmos Fuoco, que durante longos dias no quiz o publico
ter olhos nem ouvidos para outra pea que no fosse aquella tragedia, cuja
aco se pssou em terra e no mar, e cujos episodios tiveram por scenario a
cidade inteira.
Parece que a priso do facinora Carletto foi o ultimo acto dessa tragedia,
e que s resta agora o epilogo, que o jury. Vejamos si o publico volta aos
espectaculos...
***
No Recreio as primeiras representaes succedem-se ultimamente com
tanta frequencia que no pude assistir a todas. Fui ver ha dias, a D. Juanita, que
apanhou, por milagre, uma casa cheia, e hontem a opereta de Varney Les petits
mousqutaires, representada com o titulo de DArtagnan.
Em ambos esses espectaculos as honras do desempenho couberam,
inquestionavelmente, a Yole Baroni que, apezar de ter a voz um pouco
estridente, uma bella actriz de opereta: viva, desembaraada, graciosa e
131

bonita. O seu unico defeito despejar os papeis sem fazer valer o dialogo.
verdade que tanto na Juanita como no DArtagnan o dialogo no tem pilherias
nem sutilezas.
Nesta ultima opereta appareceu-nos a Sra. Capelli, que foi applaudida ha
doze annos, no Polytheama, pouco tempo antes do incendio; ainda uma boa
actriz e melhor cantora.
Furlai continua a conquistar as sympatihas da plata como um bom comico
que , e Marangoni sempre o actor exagerado e por isso mesmo applaudido;
de justia, entretanto, trazer para o primeiro plano outro actor comico da
companhia Tomba, chamado Della Guardia, um nome symphatico para o nosso
publico, que de certo no se esqueceu da talentosa Clara. Sero parentes?
O emprezario acaba de tomar uma resoluo que espero lhe ser benefica:
dispensou os seus artistas da opera e passa com os de opereta para o theatro
do Parque Fluminense, onde dar depois damanh, sabbado, o seu primeiro
espectaculo. Conto que lhe esteja reservada a satisfao de consagrar
definitivamente o theatro da praa Duque de Caxias, que um bom theatro.
***
No Apollo, a Capital Federal, cujas reprises sempre attrahiam concorrencia,
deu apenas oito representaes.
No foi mais feliz a Guanabarina, mas isso no se admira. Um autor infeliz
declarou que a revista era delle, e depois dessa declarao est visto que no se
podia mais contar com o publico.
Para ver si este se enche, a empreza annuncia, para hoje, mais uma
representao da Guanabarina em homenagem ao meu amigo Caetano Junior,
ter por catrefilado o Rocca e o Carletto. Haver uma apotheose e versos de um
dos autores da pea (o annuncio diz que so meus; falso: quem os escreveu
foi o Gasto Bonsquet), recitados pelo Brando com aquella voix dor que o
desespero da Sarah Bernhardt.
O Mesquita conta com uma enchente.
***
A ida desse emprezario j tinha sido posta em pratica pela companhia
Dias Braga, que tambem deu uma rcita em homenagem ao popular delegado
da 4 circumscripo.
Constou o espectaculo da comedia O marido de minha mulher, da qual no
fallei ainda, nem vale a pena fallar porque j desappareceu do cartaz.
pena, porque Autour du cde ( este o seu ttulo original) uma comedia
espirituosa e bem feita, no est mal traduzida e no foi mal representada. O
seu defeito ser mais decente que A casa de Suzanna.
132

***
A companhia Dias Braga passa do Lucinda para o Recreio. Ou revient
toujours...
O primeiro espectaculo ser depois damanh, creio, com a reprise
do drama Os estranguladores de Paris, representado com o titulo Os
estranguladores, afim de que certos espectadores ingenuos se persuadam de
que no so os de Paris, mas os do Rio de Janeiro. No faltar quem v ao
theatro na esperana de ver o Dias Braga fazendo o Rocca e o Alfredo Silva o
Carletto.
Mas, nesse caso, por que no arranjar um drama com o proprio crime
da rua da Carioca? Que bello scenario o do mar, e que scena empolgante se
passaria no bote F em Deus! O auctor poderia at aproveitar um dos titulos
usados pela nossa imprensa quando se occupa desse crime: Noite tragica, A
quadrilha da morte, etc. A quadrilha da morte estaria ao pintar.
***
No Palace Thatre exhibe-se uma nova revista, Roupa Velha, que , como o
seu titulo indica, uma recapitulao das outras, representadas naquelle alegre
music-hall.
A. A.

133

O Theatro, 08/11/1906
No assisti hontem a primeira representao da nova opereta do Apollo.
Voltando do enterro de Francisco Fajardo, o grande medico brasileiro a quem
me prendiam laos da mais pura amizade e da mais profunda gratido, no me
senti com alma para ir ao theatro.
Bem sei que l no iria por divertimento, seno por dever profissional;
seria, porm, bastante a alegria dos outros para entristecer-me ainda mais.
O som da gargalhada de um terrvel effeito para quem acaba de ver cobrir
de terra o corpo inanimado de uma creatuara a quem amava, e a musica de
Strauss, graciosa e saltitante, no se fez para ouvidos onde perduram ainda
aquelles rumores sinistramente caracteristicos dos enterramentos: o ranger
das correntes, o baque do caixo no fundo da sepultura, a primeira p de cal, a
primeira poro de terra... No! eu no podia ir ao theatro!
No proximo folhetim direi aos leitores sobre a pea, que se intitula Patifa
da primavera, e um arranjo allemo de Coquia de printemps, a engraada
comedia de Georges Duval e Jaime, traduzida por Eduardo Garrido com o
titulo as Andorinhas, e muitas vezes representada nesta capital.
***
A companhia Dias Braga, que se conserva no Lucinda porque o Recreio tem
estado em obras, mas ficar prompto em poucos dias, conseguio encher duas
vezes o theatro com os Estranguladores, drama, dizia o annuncio, baseado em
factos ocorridos entre a sociedade de bandidos que se tornam celebres pelos
roubos, assassinatos e estrangulamentos.
O povinho correu ao Lucinda sabbado e domingo como si estivessem alli
em exposio o Rocca e o Carletto.
Uma pessoa que l esteve, e em cujo criterio confio, disse-me que, no duplo
papel de condessa de Vernires e Maria Seinar, Lucilia Peres confirma os seus
creditos de primeira actriz dramatica brasileira.
Estreou-se nos Estranguladores um artista que entrou agora para a
companhia Dias Braga, o Cardoso da Motta, recemchegado do Norte, onde,
se me no engano fez vida de jornalista. mais um elemento com que conta a
sympathica aggremiao do Lucinda.
***
A companhia Tomba, que trocou a rua do Espirito Santo pela praa Duque
de Caxias, isto , o Recreio pelo theatro do Parque Fluminense, parece que
no se tem dado mal com a troca. A Madame Angol, a Nitouche, o Vendedor de

134

passaros, os Pescadores de Napoles, etc., attrahiram grande concorrencia. Si o


publico no dos mais expansivos, , em compensao, muito escolhido.
***
No Palace-Thatre tivemos uma revista, mais uma, Roupa velha,
manipulada pelo comico Fortun, que se mostrou eximio dans lart
daccommoder les restes.
O elegante music-hall da rua do Passeio foi transformado em theatro,
theatro, theatro a valer, theatro para drama e comedia, o qual ser inaugurado
proximamente pela companhia Lucinda Simes, de volta da sua excurso ao
Sul. A pea de estra ser o Amigo das mulheres, de Dumas Filho.
Essa transio brusca do genero caf-concerto para a comedia fina,
seria perigosa num centro mais definitivamente civilisado do que o nosso
em materia de arte, mas o theatro no Rio de Janeiro habituou-se a essas
anomalias, e a mim s me resta louvar e agradecer ao emprezario Cateysson
a resoluo, que tomou, de favorecer a arte dramatica num momento em que
todos parecem apostados para abandonal-a.
Espero que a fortuna lhe sorria; que o publico, um momento surpreso por
ouvir um dialogo de Dumas Filho em vez do flonflon da canoneta, e Lucinda
Simes a primeira actriz da lingua portugueza, no palco outraora occupado
por tantas chateuses e diseuses, applauda e recompense o seu esforo, e a
tenacidade heroica de Christiano e Lucinda.
Parece-me que numa coisa apenas andou pouco acertado o nosso
Cateysson: foi em arranjar o seu theatro de modo que num momento dado
poder transformal-o em circo de cavallinhos. Em que pese bonhomia com
que o nosso publico acceita essas incongruencias, e da indifferena estupida
com que deixa a bosta dos animaes sujar e aviltar o theatro de Joo Caetano,
no me parece que deva ser ameaado com to humilhante destino um theatro
que se inaugura com o Amigo das mulheres.
Ou bem artistas dramaticos, ou bem cavallos!...
***
Agora que se deu o seu ultimo concerto Miecio Horszowski, o menino
sublime, poderemos dividir os nossos applausos com outros artistas; por isso,
recommendo aos meus leitores a famosa cantora italiana, Maria Mandolesi,
que hoje se far ouvir no salo do Instituto Nacional de Musica.
No concerto, dividido em duas partes, figuram Bizet, Puccini, Boito,
Mascagni e o nosso Francisco Braga.
Maria Mandolesi foi enthusiasticamente applaudida numa audio
particular offerecida imprensa.
135

***
Victimado por um aneurisma, falleceu na casa de saude do Dr. Eiras o actor
Ernesto Silva, que pertencia ao elenco da companhia Lucinda-Christiano.
Era um rapaz intelligente, educado e honesto, que no possuia, como
actor, outras grandes qualidades que no fossem uma boa figura e o desejo de
acertar, que em theatro muito.
Parece que o clima do Sul provocou o mal que no Rio de Janeiro apenas o
ameaava. O caso que a noticia do seu fallecimento foi uma surpreza para o
publico.
A. A.

136

O Theatro, 15/11/1906
Tenho hoje duas boas noticias que registrar, coisa rara entre artigos, que
por via de regra so uma seria de queixumes e lamurias.
A primeira dessas noticias a volta de Lucinda Simes e Christiano de
Souza, cuja companhia reapparece, hoje, no Palace-Thtre, que o sympathico
emprezario Cateysson teve a bella ida de transformar em theatro a valer,
tirando-lhe toda a physionomia de cafe-cantante.
Foram importantes e dispendiosas as modificaes feitas no elegante
music-hall da rua do Passeio, principalmente na caixa que offerece todas as
commodidades necessarias ao movimento da scena.
Se a resoluo do emprezario Cateysson digna de encomios e tem
certa affinidade artistica, pois mostra que elle no descr da arte dramatica
justamente numa quadra em que o theatro parece ter sido completamente
olvidado pelo publico, por outro lado tm direito aos mais alevantados
louvores Lucinda e Christiano que depois de soffrerem as maiores ingratides
do publico, insistem heroicamente no seu esforo de arte.
Uma companhia, tendo como principaes elementos Lucinda, que at
segunda ordem contina a ser a primeira actriz da lingua portugueza, e
Christiano e Ferreira, ambos de Souza, e ambos muito distincos, cada qual no
seu genero, uma companhia digna da atteno e dos applausos de um publico
intelligente e generoso.
Infelizmente, si se pde contar com a intelligencia, no licito esperar pela
generosidade do nosso, que , como diz o outro, para onde lhe d. No o sei
e quem, conhecendo a versatilidade dos cariocas, o saber? no sei como
receber elle a transformao do genero explorado no Palace-Thtre.
A inteno da empreza bem visivel: o ter escolhido, para inaugurao dos
trabalhos da companhia, uma comedia finamente litteraria, sem quiproqus
nem ambiguidades, sem homens em ceroulas nem mulheres em saias, a
prova mais evidente do desejo, em que est, de cultivar o theatro digno das
sociedades cultas. O Amigo das mulheres , effetivamente, umas das peas mais
espirituosas e mais profundas que escreveu Dumas Filho; o typo De Ryons no
pde ser comprehendido por toda a gente.
Entretanto, receio que haja, pelo menos a principio, certa difficuldade
em estabelecer nova corrente de espectadores para um theatro que deixou,
ha poucos dias, de ser caf-cantante, e era interdicto s familias, embora
alli no se exhibisse, que eu soubesse, nada de indecoroso. Pelo contrario,
alguns espectaculos do Palace-Thtre, a que assisti, pareciam organisados
especialmente para creanas.
137

Si tal acontecer, si os espectadores que apreciavam canonetas e peloticas


no forem de prompto substituidos por aquelles a quem delicia o maravilhoso
espirito de Dumas Filho, no arrefaa por isso o enthusiasmo da empreza, e
espere que o theatro se acredite. Tenho f que o Palace-Thtre se tornar um
ponto de reunio da sociedade elegante.
***
A outra boa noticia que tenho que communicar aos leitores que vae ser
construido na Avenida Central um theatro exclusivamente destinado ao drama
e comedia.
Ha tempos, num dos meus folhetins, me referi a um importante capitalista
brasileiro que desejava edificar um theatro nessas condies, mas esbarrara
deante de certas difficuldades apresentadas pela commisso da Avenida.
Essas dificuldades desapareceram, segundo hontem me communicou o
illustre Dr. Frontin, est assignado o contracto e o theatro um bello theatro
vae ser erguido no memso local occupado outrora pela Phenix Dramatica.
No conversei ainda com o capitalista, cujo nome no occultarei por
mais tempo, elle se chama Guinle, duas sylabas synonymas de intelligencia,
trabalho, iniciativa e fortun.
Se esse brasileiro quizer, poder ligar o seu nome historia da civilisao
intellectual na nossa Patria, promovendo o advento da arte e da litteratura
dramatica, e impedindo o aniquillamento de tantas e to aproveitaveis aptides
theatraes.
Uma particularidade: o novo theatro ficar fronteiro ao Lyrico Municipal;
no ser to sumptuoso, mas espero que seja um pouco mais util ao progresso
moral do nosso bello paiz.
***
No Apollo, a Patifa de primavera, apezar da graa do libretto e das bellezas
da partitura de Strauss, que um mimo, poucas noites se demora em scena;
para hoje est annunciada a reprise da Geisha, com a encantadora Juanita
Many no seu interessante papel de Mimosa.
***
A companhia Dias Braga voltou para o Recreio, theatro das suas glorias.
Representou o Martyr do Calvario, e contina a ter em ensaios os Ladres do
mar.
***

138

Cabe neste artigo a transcripo das seguintes linhas, que recebi pelo
correio:
Como V. sabe, a Escola Nacional de Bellas-Artes vae mudar-se para a
Avenida, e em breve, um sumptuoso palacio guardar, com o necessario
conforto, as preciosidades artisticas hoje amontoadas no acanhado edificio ao
flanco do Thesouro.
E que ser da estatua de Joo Caetano? Quando a collocaram onde se acha,
no foi, penso eu, pela belleza do local, que no pde ser mais deserto nem
menos convidativo, mas to smente por estar alli a Escola. Ora, desejando
esta tomar novos ares, claro que pobre Talma brasileiro no pde continuar
onde est, montando guarda ao mictorio fronteiro
No acha V. que, no sendo possivel transportal-o para defronte da nova
Escola, a avenida Beira-Mar no se envergonharia da presena do principe do
nosso palco? A estatua tem seus defeitos, mas, que diabo! nem por isso deixa
de ser uma obra de arte, e outro pedestal, um pouco mais alto, dar, sem
duvida, novo realce figura do grande tragico.
Mos obra! mudemos a estatua! No precisamos para isso de grandes
sommas: faa V. um appello aos club e sociedades dramaticas particulares
promovendo uma reunio para esse fim, e a mudana se far para honra nossa.
No ficar mal prefeitura fornecer-nos um pedao de granito ou marmore
para o pedestal da estatua de um fluminense illustre; mas talvez seja melhor
no pensar no governo, e contar smente com os amigos do theatro. G.V.
Joo Caetano ficar muito mal, certo, encostado ao Thesouro, mas
no creio que fique melhor na Avenida Beira-Mar. O logar mais apropriado
que lhe poderiamos dar era o recanto formado, na rua do Sacramento, pelo
Theatro S. Pedro e a casa contigua. O terreno seria ajardinado, e at disfararia
a irregularidade que se nota naquelle trecho da rua.
Joo Caetano ficar ao p do theatro que tanto amou e reconstruio duas
vezes, mas no mesmo pedestal em que se acha, que outro mais alto no deve
ter uma estatua do tamanho natural.
Esta era minha ida quando o S. Pedro esteve quasi comprado para Theatro
Municipal. Hoje apenas receio que ponhamos alli a figura do artista, e de
repente o theatro se transoforme em hotel, armazem de modas ou qualquer
outra coisa, Circo de cavallinhos j elle .
A. A.

139

O Theatro, 22/11/1906
A inaugurao dos trabalhos da companhia Lucinda-Christiano deixou de
attrahir ao Palace-Theatre a concorrencia que era de esperar, porque naquella
noite, a 15 de novembro, havia festas por toda a parte, e as houvera durante o
dia inteiro, de sorte que parte do publico divertia-se de graa e a outra parte
descanava. Ainda assim, o theatro estava bem guarnecido, e si a assistencia
no primava pela quantidade, ao menos distinguia-se pela qualidade.
O theatro, que perdeu, principalmente para os espectadores que o viam
pela primeira vez, e alguns havia nessas condies, a sua antiga physionomia
de caf-concerto, commodo e elegante embora sem nenhum luxo.
Entretanto, a transformao da sala consistio apenas na construo de
duas ordens de frisas, uma de cada lado, e na modificao da bocca de scena e
do proscenio; na caixa que a transformao foi completa; dahi, a despeza de
setenta contos a que foi obrigado o Sr. Cateysson.
Infelizmente, o theatro tem um defeito, que, no tempo das canonetas e
peloticas, passava despercebido: um pouco surdo; os espectadores collocados
nos logares mais afastados do palco ouvem mal ou no ouvem o que dizem os
artistas; o mal, porm, no irremediavel, e o Sr. Cateysson est estudando
meios e modos de remedial-o. Todos sabem que a boa acustica de uma sala de
espectaculos depende muitas vezes de uma circumstancia minima.
A pea da estra foi o Amigo das Mulheres, uma das mais bellas comedias
do fino artista que se chamou Dumas Filho; seguiram-se-lhe Fedora, a Tia
Leontina, e o Commissario bom rapaz. Para hoje annuncia-se a Blanchette, e
a companhia est ensaiando La rafale, de Henry Bernstein, traduzida com o
titulo A rajada.
O Amigo das Mulheres teve alguns papeis sacrificados, nem podia deixar de
ser assim, porque o elenco da companhia voltou do sul um tanto desfalcado, e
tem necessariamente que se refazer para a nova excurso annunciada.
Lucinda e Christiano guardaram os papeis de madame Laverdet e de De
Ryons, com que outrora nos deliciaram. Lucinda continua a representar o seu
personagem como si Dumas Filho o houvesse escripto expressamente para
ella, mas Christiano, ou porque estranhasse o theatro, ou porque estivesse
com a atteno um pouco dividida entre o seu trabalho e o dos outros, no me
pareceu ter agora o seu papel na conta em que j teve, nem dar-lhe a mesma
importancia que j lhe deu.
de crer que o talentoso artista me causasse impresso diversa no De
Ryons das noites subsequentes, mas eu s o vi e ouvi naquella noite. preciso

140

notar que o papel difficillimo, e exige da parte do artista que o interprete um


sangue frio a toda prova e uma absoluta tranquillidade de espirito.
Ferreira de Souza, cujo magnifico orgam triumphava da surdez do theatro
foi um bom Laverdet, e os amigos tornaram a ver com satisfao Maria de
Oliveira, Elisa Campos, Cesar de Lima e Pedro Nunes.
No papel de madame de Somerose appareceu, pela primeira vez ao publico
do Rio de Janeiro a actriz Italia Fausta que ha alguns mezes era ainda em
So Paulo uma simples amadora, que Lucinda e Christiano attrahiram para o
theatro a valer.
Italia italiana, mas tem j perdido quasi todo o sotaque, e esfora-se neste
momento por eliminar o resto, o que a obriga de vez em quando a articular
certas palavras syllaba por syllaba, dando dico um caracter artificial de
mo effeito.
Tambem me pareceu que ella declamava com um pouco dessa detestavel
melopa commum s actrizes e aos actores brasileiros e portuguezes do
segundo plano. Admira que ao lado de Lucinda, que diz as coisas em scena
como si as dissesse na vida real, e sabe dar ao espectador a impresso de que
est reduzindo o pensamento a palavras e no recitando phrases de cr, Italia
Fausta, com a habilidade que tem, no apprehendesse taes processos.
Ella tem mesmo alguma coisa mais que habilidade: tem talento, talento
que ser, espero, aproveitado, porque o mais aproveitavel que nos ultimos
tempos appareceu nos nosso theatros.
Tem impeto, voz, vida, nervos, olhos, tudo, emfim, quanto no se aprende.
bonita e tem uma estatura elevada, o que a muita gente parece um defeito
porque ella no ainda uma actriz completa: quando conhecer todos os
segredos da arte, aquella mesma estatua ser, em certos papeis, uma grande
vantagem.
Tardava que da colonia italiana, to numerosa em S. Paulo, sahsse um
artista dramatico. Outros sahiro. Podemos contar com ella para o futuro
do nosso theatro, que s tem a ganhar com algumas inoculaes do sangue
daquella raa. Eu sempre disse que o italiano exercer uma influencia artistica
em So Paulo e depois no Brasil inteiro.
preciso que o publico anime e proteja a sympathica Italia Fausta. A
companhia Lucinda-Christiano demora-se apenas um mez no Rio de Janeiro;
convm que a nova artista leve daqui uma impresso que lhe no faa arripiar
carreira depois de to esperanosas primicias.
***

141

A companhia Tomba continua a dar espectaculos no theatro do Parque


Fluminense, variando-os todas as noites, com as operetas que j exhibira no
Recreio. No lhe tm faltado concorrencia nem applausos.
Hoje o beneficio de Marangoni, e para breve, est annunciado o da
graciosissima Yole Baroni, uma artista que teria feito furor no Rio de Janeiro,
vindo noutra poca, em que o publico no se mostrasse, como agora, to
indifferente ao theatro.
No quero sahir do Parque sem dizer aos leitores que a companhia Tomba
est ensaiando a opereta em um acto, Primizie, lettra de Heitor Malagutti,
musica de Abdon Millanez. Brevemente assistiremos primeira representao
desse trabalho de um dos nossos compositores de mais talento.
***
No Recreio, o Martyr do Calvario afastou-se uma noite para dar logar
Casa de Suzanna (vejam os senhores que sacrilegio!), e a companhia Dias Braga
continua a manter na tabella dos ensaios os Ladres do mar.
***
No Apollo, a empreza Mesquita, que procura attrahir o publico, variando
quanto possivel os seus espectaculos, recorre amanh a uma reprise do
Esfolado, a festejada revista de Raul Pederneiras e Vicente Reis, que far,
espero, o mesmo successo da primitiva.
Para segunda-feira est annunciado o beneficio do Brando Sobrinho, um
dos raros artistas novos que o publico distingue e applaude.
O espectaculo convidativo. Imaginem que figura no programma uma
conferencia litteraria feita pelo Brando (o Brando tio, o popularissimo),
tendo por assumpto o estado em que se acham os nossos theatros.
A. A.

142

O Theatro, 29/11/1906
Depois do meu ultimo folhetim nenhuma novidade theatral tivemos, a no
ser o Grim da rua da Carioca, fara imitada de Labiche por Azeredo Continho,
a qual appareceu e desappareceu numa representao em beneficio.
No Palace-Thtre a companhia Lucinda e Christiano vae passando revista
ao repertorio. Depois de Branchette, a Lagartixa; hontem o Prefeito de Chateau
Bazard, hoje o Romance de um moo pobre, etc. O publico no quer que
nenhuma pea ou drama ou comedia, seja mais de uma vez annunciada.
J todos meus leitores sabem que o repertorio da companhia sempre
bem representado pelo menos pelas principais figuras, de entre as quaes se
destacam, naturalmente, Lucinda, Christiano e Ferreira de Souza; as attenes
tm convergido sobre Italia Fausta, que contina a impr-se como artista de
muito futuro.
No theatro do Parque Fluminense a companhia Tomba faz os maiores
esforos para attrahir o publico, e no o tem conseguido, apezar da boa escolha
das operetas e da excellencia dos artistas.
No Apollo a reprise do Esfolado, revista outrora to applaudida, teve
o mesmo resultado, pouco mais ou menos, das outras reprises tentadas
ultimamente pela empreza Mesquita, e no Recreio a companhia Dias Braga no
se anima a pr nem uma novidade em scena.
O publico est completamente arredado dos theatros, e, como j tive
occasio de dizer, o motivo no me parece outro seno os melhoramentos
da cidade. Elle passou at agora a existencia sem ter ruas onde passeasse;
de repente, como por encanto, offereceram-lhe largas avenidas muito bem
caladas, e o pobresinho tira o ventre da miseria, como se costuma dizer; s ha
de voltar aos theatros quando se fartar das longas caminhadas noite, ou dos
prazeres ao ar livre. Por emquanto no contem com elle. Isto mesmo escrevi
no Paiz, respondendo a uma carta que o emprezario da companhia Tomba
me dirigio a respeito do injusto abandono em que o publico tem deixado os
magnificos espectadores da praa Duque de Caxias.
Entretanto, o conde Patrizio de Castiglione c est de novo, desta vez, no
S. Jos, tentando attrahil-o com as suas experiencias de hypnitismo, catalepsia
e suggesto; entretanto, a empreza Mesquita promette, amanh, no Apollo,
a primeira representao de uma nova magica, o Pacto infernal, de Eduardo
Garrido, musica de Costa Junior. Trata-se de um genero pelo qual os cariocas
deram sempre o cavaquinho; pde ser, quem sabe? que o diabo consiga no
Apollo o que o proprio Christo no conseguio no Recreio.

143

***
Deante desse afastamento do publico, parece que ninguem deveria
animar-se a escrever para o theatro, e, todavia, o contrario se d, e isto
um argumento de que lano mo, com todo o prazer, contra os pessimistas
receiosos de que a um theatro, feito para proteger a litteratura dramatica
nacional, faltasse materia prima, isto , faltasse o repertorio.
O theatro est no temperamento litterario dos nossos escriptores.
Construam-no, e vero que a tentativa no morrer por falta de novos artistas e
auctores novos. A coisa procural-os.
Oscar Guanabarino, que at agora no se tinha deixado seduzir pelas
glorias de dramaturgo, acaba de escrever um drama a que deu um titulo que
no lhe sorri, porque cheira a autodrama, a Prece fatal. Eu intitulal-o-ia,
talvez, Ave-Maria, ou simplesmente Laura.
O illustre jornalista leu esse trabalho a um grupo de amigos, na redaco
do Paiz, e foi applaudido por quantos alli se achavam. Effectivamente, si o
assumpto da pea pde ser disentido, si o dramaturgo pde ser increpado
de ter trazido para o palco um caso excepcional que no parece humano, a
verdade que o drama no s tem condies theatraes de primeira ordem,
e duas ou tres situaes de muito effeito, como est escripto em linguagem
de theatro, e offerece campo a uma actriz de talento para patentear todos os
recursos da sua arte.
Ahi tem os pessimistas! Como Oscar Guanabarino, outros dramaturgos
haver entre os nossos escriptores, esperando o momento opportuno para
revelar a sua vocao dramatica.
No! No ser por falta de materia prima que no se far o theatro ha
tanto tempo reclamado pela nossa cultura. Venha elle, que os dramaturgos e os
artistas apparecero por encanto, como apareceram as avenidas e os palacios.
***
Estive hontem com a Exma. Sra. D. Julieta Penna, a filha de Martins Penna,
que me mostrou o requerimento em que vae pedir ao Congresso Nacional uma
pequena penso.
D. Julieta era casada, mas ha alguns annos enviuvou, e desde ento tem
passado uma existencia de privaes e miseria. O marido no lhe deixou nada,
absolutamente nada.
Durante algum tempo a pobre senhora alimentou a esperana de que a
publicao do theatro inedito de seu ilustre pae, cujos manuscriptos se acham
em seu poder, e sero restituidos Bibliotheca Nacional, poderia melhorar a

144

situao, mais que precaria, em que ella se acha. Mandou extrahir copias de
todos aquelles trabalhos, mas no encontrou editor que os quizesse.
Estou certo de que os nossos deputados e senadores no negaro filha
do creador da comedia nacional, do aucto do Novio, a modesta mesada
que solicita para esperar a morte. O sacrificio do Thesouro no ser grande,
porque D. Julieta Penna j no moa (seu pae falleceu em 1848) e est muito
alquebrada pelos annos e pelas enfermidades.
A filha do comediographo brasileito foi ao Cattete pedir a proteo do Sr.
Presidente da Republica. O Dr. Affonso Penna recebeu-a com affabilidade,
falou com enthusiasmo do pae della, seu illustre char, e foi o proprio a
aconselhal-a que se dirigisse ao Congresso Nacional, solicitando uma penso.
Ha, pois, certeza de que o favor, se fr decretado, ter a sanco do chefe do
Poder Executivo.
***
Realisa-se hoje no Recreio, com a ultima representao dos Ladres do mar,
o beneficio annual do Jos Luiz, o decano dos gazistas dos nossos theatros, que
veio, como tem vindo todos os annos, pedir-me que o lembrasse ao publico.
Pois c fica o lembrete.
A. A.

145

O Theatro, 06/12/1906
A companhia Lucinda-Christiano continua a fazer as delicias do numero
reduzido, mas seleto, dos espectadores do Palace-Thtre. As ultumas peas
representadas foram o Romance de um moo pobre, a Lagartixa, o Prefeito
de Chateau-Busard, Regabofe, Temperana & C., Monsieur Alphonse e Amor
engarrafado. Como se v, o repertorio no pde ser mais variado.
Para hoje annuncia-se o Hotel do Livre Cambio, e para depois de amanh
o Quasi, figurando em ambas as comedias Cinira Polonio, que Luncida e
Christiano acabam de contratar, preenchendo assim um dos vacuos que mais
se faziam sentir no seu elenco. Cinira uma das raras actrizes intelligentes e
graciosas que ainda nos restam.
Qualquer das duas peas agora annunciadas chamaram, em pocas menos
anormaes, a atteno do publico; a empreza, porm, tem uma confiana
mediocre em tres espectaculos, et pour cause: por isso, pretende sacudir o
respeitavel publico e attrahil-o com uma revista escripta por dois jornalistas de
muito espirito, Joo do Rio e Joo Matheus.
O ultimo desses Joos j teve, sem pseudonymo, o seu baptismo de
comediographo, e bem baptisado foi. O outro a primeira vez que se atira ao
theatro; no ha, porm, que no tenha toda a confiana no talento delle.
A revista, que se acha em ensaios, intitula-se Chic, chic! e foi posta em
musica por Luiz Moreira, considerado mestre no genero.
A empreza do Palace-Thtre vae, pois, experimentar a solidez do
estabelecimento. No sem tempo.
***
Para commemorar o anniversario da restaurao portugueza, a companhia
Dias Braga poz em scena os Dois Proscriptos, pea que se tornou de obrigao
naquella data.
Esse drama, batido e rabatido, incapaz de attrahir qualquer grande
concorrrencia noutra qualquer noite; mas na de 1 de dezembro, quer chova,
quer no, garante sempre uma enchente colossal, graas ao patriotismo da
colonia portugueza.
para estranhar que os nossos emprezarios, sabendo disso, no se
lembrem todos de pr em scena os Dois Proscriptos em 1 de dezembro... Olhem
que haveria publico para todos elles!
Nenhuma outra pea logrou ainda semelhante honra em nosso theatros,
nem mesmo, que me conste, nos do estrangeiro. Sabe-se apenas que em certos

146

dias do anno o Don Juan Tenorio, de Zorilla, , ou era, representado em todos


os theatros dramaticos de Hespanha.
A companhia Dias Braga prepara uma reprise do drama de Echegaray,
No seio da Morte, traduzido em verso, a pedido do imperador D. Pedro II,
por Valentim Magalhes e Felinto de Almeida, e ensaia uma revista de Raul
Pederneiras, intitulada Berliques e Berloques. A companhia Dias Braga no
perde, pois, os seus velhos habitos ecclecticos.
***
No Apollo, annuncia-se para hoje a primeira representao do Pacto
Infernal, pea fantastica em 3 actos e 13 quadros, traduco de Eduardo
Garrido, musica de Costa Junior.
Se no me engano, a pea Les amours du diable, opera-comica de Grisar,
cantada pela primeira vez em Paris no anno da graa de 1853, a mesma aqui
representada, com menos musica, ha j um bom par de annos, pela companhia
Esther de Carvalho, na Phenix, por signal que com extraordinario successo, e
depois remontada, no proprio Apollo, pela empreza Sampaio & Faria, ainda
com muito agrado.
Se effectivamente se trata da Filha do inferno, porque lhe mudariam o
titulo? verdade que no houve tambem razo para ser desprezado o titulo
original, os Amores do Diabo, que era, sem duvida, magnifico para o cartaz.
Emfim, elles, si o fazem, porque conhecem, ou julgam conhecer, as manias do
publico...
C fico a fazer votos para que a nova pea, ou Pacto infernal, ou Filha
do inferno, ou Amores do Diabo, desencaipore de vez o Apollo que, com a
companhia e o emprezario que tem, merece todos os favores.
***
Cansada de lutar com a indifferena dos dilettantis, a excellente companhia
Tomba deixou o theatro do Parque Fluminense, e l foi procurar melhor
fortuna em outras paragens.
Para aquelle theatro vem brevemente uma companhia lyrica italiana que
se acha em Buenos-Aires, e da qual faz parte Miguel Tornesi, um tenor que tem
merecido da imprensa argentina as mais lisongeiras referencias.
Acha-se aberta uma assignatura para dez recitas com dez operas em
primeira audio.
***

147

O infeliz theatro S. Pedro de Alcantara, sacrario de tantas e to respeitaveis


tradies artisticas, esteve ultimamente, como sabido, transformado em circo
de cavalinhos.
Parece-lhes que o insulto no podia ser mais pungente, no assim? Pois
enganam-se: acharam meio de aviltar ainda mais o theatro de Joo Caetano,
converteram-no em praa de touros. No s sacrilegio: tambem estupido,
porque a alma da tourada o sol.
Como poderam praticar essa transformao? No sei, nem quero sabel-o.
No vou l, e espero que o publico faa como eu...
Apenas sei que, promettendo dois bravissimos touros, o ultimo annuncio
tranquillisava os patos com o seguinte aviso: Para segurana do publico, a
arena estar cercada de resistente grade de ferro.
Tourada no S. Pedro! Era s o que me faltava ver!...
***
Chega-nos de Lisboa a triste noticia do fallecimento de Francisco Costa, um
dos bons actores portuguezes que o Brasil conhecia, pois aqui esteve diversas
vezes, a ultima das quaes trazido por Amelia Vieira, ou antes, pela companhia
do Principe Real. Nessa occasio mostrou-nos lembram-se? concordam?...
o melhor Scarpia que ainda vimos e ouvimos quer em portuguez, quer em
italiano, quer mesmo em francez.
Seria, entretanto, longa a nomenclatura das peas em que elle se
distinguio; citarei apenas o papel de Justo, no Voluntario de Cuba, e o
protagonista do Beb, que elle creou ao lado de Antonio Pedro, um Ptillon
inolvidavel.
Costa no era desses actores que se encatoam num genero: topava a tudo;
velho ou moo, bom ou mu, fidalgo ou villo, fazendo rir ou fazendo chorar,
era sempre um artista consciencioso, que empregava todos os esforos por
acertar e poucas vezes errava.
Nasceu em 1852, e aos 19 annos entrou para o theatro dos condes,
estreando-se na pea o Naufragio do brigue Mondego.
Em 1875 passou para o theatro do Principe Real.
Contractado no anno seguinte na sua companhia de Emilia Adelaide,
foi ao Porto, aos Aores e em seguida veio ao Brasil, onde o seu talento se
desenvolveu bastante.
Em 1878 regressou a Lisboa, entrando de novo para o Principe Real, mas j
numa situao muito superior que tivera dantes nesse theatro.
Ahi se demorou at 1885,sendo ento contractado por D. Maria, onde
apenas se demorou um anno, voltando para o Principe Real. Ficou l dez
148

annos. Foi durante esse tempo que fez diversas viagens ao nosso paiz,
sendo aqui recebido sempre com muitos e merecidos applausos, e deixando
numerosos amigos.
Em 1897 trabalhou no theatro da rua dos Condes, e ultimamente figurava
na Companhia Taveira, no Trindade, onde substituio Cols no papel de
Eusebio, da Capital Federal.
A Carteira do Artista, de Souza Bastos, que me forneceu os apontamentos
para esta ligeira noticia, remata o seu artigo dizendo: Francisco Costa
tambem estimadissimo entre os collegas pelo seu exemplar procedimento.
A. A.

149

O Theatro, 13/12/1906
Ainda desta vez no tenho que registrar nenhuma novidade; depois do
ultimo folhetim os theatros no deram pea nova.
No Palace-Thtre, Cinira Polonio estreou-se com o Hotel de Livre Cambio
e representou depois o interessante papel do Quasi, sendo muito bem ajudada
pelos demais artistas, especialmente por Ferreira de Souza, que teve talento
para agradar muitissimo num personagem creado com extraordinaria
felicidade por Peixoto. Entre os dois vaudevilles, Italia Fausta, fez-se applaudir
numa representao da Tosca, de Sardou.
Entretanto, a companhia Lucinda-Chrsitiano ensaia activamente a revista
Chic-chic, prosa de Joo do Rio, versos de J. Brito, musica de Luiz Moreira.
Joo Matheus desistio de collaborar na pea.
O nosso publico espera sempre com anciedade todas as revistas; mas
desta feita a anciedade mais justificada que das outras, no s pelo auctor,
jornalista de extraordinario talento, como tambem por Lucinda Simes e
Christiano de Souza, que vo pela primeira vez figurar numa pea daquelle
genero, resoluo desesperada que numa poca menos anormal causaria
estranheza e indignaria os puritanos de plata.
A primeira artista que teve o desgosto de ver o theatro vasio quando se
representou o Monsieur Alphonse, e outras peas em que o seu trabalho
verdadeiramente notavel, albarda o burro vontade do dono. A expresso no
delicada, mas vem ao pintar...
Muito faz ella encommendando a rvista a rapazes de espirito; outra fosse, e
bateria a peor porta...
***
No Apollo, o Pacto Infernal, ex-filha do inferno, foi muto bem recebido pelo
publico. Pepita Anglada desempenha correctamente o papel da protagonista.
Peixoto e Brando fazem rir, como sempre. Marques, Brando Sobrinho,
Balbina Maia, Ismenia Matheos, Pepa Delgado esforam-se para que o publico
saia satisfeito, concorrendo tambm para isso a bonita musica de Costa Junior,
os scenarios vistosos, as engenhosas tramoias, etc. A empreza Mesquita
accrescentou um magnifico espectaculo aos do seu repertorio.
No sahirei do Apollo sem dizer que est alli em ensaios uma opereta
Ado e Eva, de Alvaro Peres e Pedro Augusto, musica de Paulino Sacramonto, e
que est marcada para 18 do corrente a festa artistica de Ismenia Matheos com
a opereta anglo-japoneza, A geisha.

150

Ismenia Matheos, a quem no agradeci ainda o relevo que deu ao papel de


Lola, da Capital Federal, quando ultimamente o representou, hoje uma das
nossas mais apreciadas artistas de opereta. Dantes ninguem a entendia quando
fallava portuguez; hoje uma das que menos maltratam nosso idioma, e fez
admiraveis progressos na arte de representar, concorrendo para isso, creio, as
lies de Jos Ricardo. Pelo menos, foi em Portugal que ela se aperfeioou.
Ismenia Matheos moa, no tem ainda trinta annmos: pde contar com o
futuro.
Espero que sua festa no faltem quantos a estimam como artista e como
senhora; tanto vale esperar que o theatro fique literalmente cheio.
***
A companhia Dias Braga fez hoje, no Recreio, reprise de Quo vadis? um dos
seus grandes successos.
Afim de substituir Cinira Polonio, que fugio para o Palace-Thtre,
entrou no elenco Guilhermina Rocha: quer isto dizer que Petronio vae ter de
agora em deante, na rua do Espirito Santo, uma escrava lindissima. Tambem
reapareceria no Quo vadis? o applaudido actor Claudino de Oliveira.
***
Voltou do Rio Grande do Sul e reappareceu no S. Jos a companhia Secreto
& Souza, ou antes, a companhia Souza, pois si outro socio existe, secreto, mas
com s minusculo.
Na terra dos pampas essa companhia, em que alis figuram bons artistas,
fartou-se de perder dinheiro, por ter comettido a imprudencia de fazer essa
viagem sem estar sufficientemente apercebida de repertorio. Na provincia
preciso renovar constantemente o cartaz.
Xisto Bahia contava que, em certa cidadesinha, um dos figures da
localidade no lhe acceitou um bilhete de beneficio porque a pea escolhida j
tinha sido representada.
No gosto de repeties! dizia o homem.
Mas vossa senhora ainda no vio a pea...
No vi, mas repetio: no vou l!
No digo que nas cidades de Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande, que so
mais civilisadas acontea o mesmo; em todo caso, nem alli, nem na capital de
So Paulo ha pea que d um numero consideravel de rcitas.
A companhia reappareceu, como era natural, com o Maxixe, o seu grande
successo deste anno. A distribuio dos papeis soffreu algumas ligeiras
modificaes, a que o publico no torceu o nariz. O papel do Maxixe contina
a cargo do Machado e Maria Lino, com o seu bello sorriso e os seus requebros,
151

ainda a alegria da pea. Isso o essencial. Pinto, Rocha, Joo de Deus (um
comico do futuro) l esto a postos. Entre os artistas contractados agora
notam-se o Serra e o Castro, que est fazendo falta no Quasi! Boas acquisies,
Sr. Souza!
O publico fez muita fetsa pea e aos artistas; mas o Maxixe est gasto,
como eu: venha uma ba novidade e o Rio de Janeiro compensar largamente
os prejuizos do Rio Grande.
***
No theatro do Parque-Fluminense estreou-se hontem uma companhia
lyrica italiana, de que fallarei mais tarde.
***
Ha muito tempo no digo nada aos meus leitores da Caixa Beneficente
Theatral, a piedosa associao de que sou indigno presidente.
Comquanto ella no seja amparada, como devia ser, pela propria classe em
beneficio da qual foi instituida, o anno de 1906 no lhe correu mal.
O capital foi augmentado, graas converso das apolices geraes em
apolices mineiras, que offerecem mais vantagens que as outras e as mesmas
garantias.
Depois dessa operao, compraram-se mais quatro apolices, e talvez no
termine o anno sem se comprar mais uma, si no forem duas. O nosso desejo
entregar nova directoria um capital de trinta apolices.
Todos os membros da directoria e do conselho, excepo feita do
presidente, que o mais decorativo dos presidentes, tm-se esforado pela
prosperidade da Caixa; nenhum, porm, lhe prestou este anno tantos e to
bons servios como o 1 secretario, Ignacio de Abreu.
Entretanto, este senhor no artista dramatico, nem autor, nem musico,
nem corista, nem ponto, nem contra-regra, nem machinista, nem bilheteiro,
nem nada que tenha relao com o theatro, onde se limita a exercer as funes
de simples espectador. C fra negociante.
Pois bem, a Caixa no tem amigo mais devotado nem mais zeloso, e eu
folgo de aproveitar este ensejo para dizel-o.
O meu collega de imprensa Noel Baptista, que muito amigo de tudo
quanto diz respeito ao theatro, suggerio ao meu amigo, o ex-intendente
municipal Eduardo Raboeira, a ida de propr, em sesso do Conselho,
um pequeno imposto a todos os theatros o preo de uma cadeira, por
espectaculo, em beneficio da Caixa.
Essa ida chegou um pouco tarde. O Conselho dissolveu-se, e nada se fez.

152

No sei se o imposto era legal; mas como ha oito annos todos os


estabelecimentos onde se vendem bebidas alcoolicas tm pago Prefeitura
o imposto annual de 5$, destinado Liga contra a Tuberculose, no seria
nenhum escandalo que dos theatros sahisse aquelle auxilio, com o qual a Caixa
poderia, em pouco tempo, fundar um asylo pra os artistas invalidados pela
edade ou pela doena.
Noel Baptista est com a sua ida engatilhada para mettel-a
opportunamente no ouvido e no corao de outro intendente que fr, como
Eduardo Raboeira, amigo dos artistas.
A. A.

153

O Theatro, 20/12/1906
Ainda desta vez sou obrigado a comear o folhetim dizendo que nenhuma
novidade tem havido em nosso theatros: contina a mesma pasmaceira.
O Hotel do Livre Cambio, que de todas as peas do repertorio da
companhia Lucinda Christiano, a que o publico prefere, ou, pelo
menos, parece preferir, o que no lisongeiro para o publico, tem levado,
relativamente, alguma concorrencia ao Place-Thatre.
Continua em ensaios a resvista Chic-chic, de Joo do Rio de J. Brito.
Lucinda ao envez do que affirmra (porque assim mo tinham dito), no
tomar parte na representao dessa revista. No creio que nenhum dezar lhe
trouxesse o contrario, principalmente por se tratar de trabalho assignado por
um jornalista de talento; mas melhor assim: Lucinda nasceu para representar
a comedia, e par lastimar que cestas contingencias de emprezaria a faam
figurar mesmo nuns tantos vaudevilles, onde, alis, ella encontra sempre meio
de fazer valer o seu extraordinario merecimento artistico.
A proposito de Lucinda, direi que no Paiz de ante-hontem protestei contra
o affirmar-se de que eu a indiquei para directora do Theatro Municipal. O que
muitas vezes fiz, e ainda fao, porque ella ahi est, foi lembrar Prefeitura que
a encarregasse de organisar e disciplinar uma companhia dramatica, destinada
a inaugurar o monumento do largo da Me do Bispo.
No meu artigo do Paiz acrescentei, e o repito agora com satisfao, que
Lucinda, alm de ter muito talento, e de possuir uma educao litteraria
pouco vulgar nas actrizes portuguezas e brasileiras, conhece os primeiros
artistas e tem percorrido os principaes theatros do mundo; poderia, por
conseguinte, prestar os mais brilhantes servios naquelle periodo de iniciao,
concorrendo grandemente para a perfeio relativa do elenco formado sob as
suas vistas.
No Apollo voltam hoje scena os Granadeiros e reapparece o Cols.
Continua em ensaios a opereta brasileira Ado e Eva, original de Pedro
Augusto e Alvaro Peres, musica de Paulino do Sacramento.
No Recreio, a companhia Dias Braga fez rprise do Quo vadis? e continua
a ensaiar a revista Berliques e berloques, de Raul Pederneiras.
A pedido de Lucilia Peres acabo de escrever, para ser representada
naquelle theatro, em seu beneficio, uma comediasinha em 3 actos, o Dote,
que me foi suggerida pela leitura de uma chronica publicada no Paiz por Julia
Lopes de Almeida, conforme opportunamente explicarei.
A pea est feita sem nenhuma preoccupao do publico, nem outro desejo
que no seja o de proporcionar a Lucilia occasio de brilhar, na noite da sua
154

festa, interpretando um papel de mulher brasileira, expressamente escripto


para ella, em vez de fatigar a intelligencia no estudo de um personagem
exotico.
No S. Jos, reappareceu a magica as Mas de ouro, bem posta, com
alguns papeis bem representados, e Maria Lino muito graciosa num travesti de
principe enamorado.
A companhia Souza annuncia que tem em ensaios uma pea intitulada a
Lua de mel.
E ahi est, leitores, a resenha do que tem havido, ou por outra, do que
tem havido nos theatros do Rio de Janeiro.
Emprezas propriamente ditas j no as ha, excepo feita da de Lucinda
Simes e Christiano de Souza, cuja responsabilidade continua. As companhias
do Recreio, do Apollo e do S. Jos funccionam sob o regimen de associao,
distribuindo-se s segundas feiras, pelos artistas, um rateio proporcional aos
vencimentos de cada um. Escusado dizer que algumas vezes no ha rateio...
Deante de to anomala situao, a critica perde necessariamente os seus
direitos, e um rabiscador de papel que, como eu, tomou a si a tarefa de ajuisar
o que se passa nos theatros do Rio de Janeiro, parece antes um juiz de defuntos
e ausentes.
***
Acham os leitores que nesta boa terra abusamos dos concertos? Pode ser
que sim, mas o abuso, si existe, generalisou-se em todos os paizes do mundo.
Em todo o caso, leiam as seguintes linhas, que acabo de encontrar na minha
correspondencia.
Desculpe o anonymo, talvez desnecessario nossa amizade; receio,
porm, que, por cima de tudo quanto ja me acontece, V., revelando o meu
nome, faa com que desabe sobre mim uma tempestade de fusas e semifusas!
O caso o seguinte: estou farto de concertos at ponta dos cabellos!
um... so dois... tres... mil, em f, em r, em sol, de violo, de flauta, de
sanfona, do diabo!
Todas as semanas do concertos o amigo X, a excellentissima XXX, a
Associao Beneficente dos Caramujos Dourados, o phenomeno musical
Fulano dos Anzes. Todos elles interessantissimos, habilissimos, dignissimos
de proteco, de applauso; mas esses musicistas e os seus derivados so
diversos uns dos outros, ao passo que os Medicis cariocas, muito menos ricos
que os famosos fiorentinos, so sempre os mesmos. entre poucas das nossas
familias, sempre as mesmas, que se despeja toda esta onda musical, to terrivel
como a onda polar que ameaa o nosso planeta!
155

Queira, meu caro A. A., nas columnas onde brilha a sua penna, fazer sentir
a todos esses artistas, a todas essas instituies, a todos esses fornecedores de
diletantismo a jacto continuo, que tudo tem limite: o nocturno A, a cavatina B,
a rapsodia para os anjos do paraiso em todos os tons, repetidos semanalmente
e pagos com o producto do que furtamos s nossas necessidades, podem ser o
ideal da proteco artistica sonhada pelos virtuoses de todas as especialidades
musicaes, mas tornam-se, no fim de contas, incompativeis com os nossos
depauperados oramentos.
Por Deus e por Santa Ceclia, defenda-nos a ns, os contribuintes, dessas
repetidas festas abusivas! s uma vez!
A. A.

156

O Theatro, 27/12/1906
Sendo este o meu ultimo folhetim do anno, vem a pello uma ligeira revista
retrospectiva do nosso movimento theatral de 1906.
Tivemos nada menos de dez companhias estrangeiras, entrando nesse
numero a companhia equestre que mais uma vez transformou o pobre thetaro
S. Pedro em circo de cavallinhos.
No tocante a thatro lyrico, fomos visitados pela companhia Rotoli &
Milone e pela companhia Tornesi, que ainda est dando espectaculos no
theatro do Parque Fluminense.
Desta ultima no fallarei, por no ter assitido a nenhum dos seus
espectaculos. A outra contava alguns bons artistas e era despretenciosa e
modesta, captando desde o comeo as sympathias do publico pela modicidade
dos preos dos bilhetes.
Essa companhia deu-nos apenas uma opera nova, a Bohemia, de
Leoncavallo, que, sem ter sido, alis, exhibida em condies de ser
devidamente apreciada, deixou a melhor impresso.
De passagem, direi que tivemos tambem uma opera brasileira, Carmela,
de Gomes de Araujo, cantada por amadores no espectaculo de estra da
Associao do Theatro Lyrico Nacional, associao que, plos modos, de em
droga.
A companhia Tomba tambem cantou algumas operas; melhor seria,
entretanto, que no as cantasse, limitando-se opereta, que era o seu
elemento.
Tanto no Recreio como no Parque foram mediocremente concorridos os
espectaculos dessa companhia, que, no entanto, trouxe um bom repertorio,
boa encenao e bons artistas, entre os quaes predominava uma estrella de
primeira grandeza, Yole Baroni, que teria feito fama noutra epoca em que o
publico no andasse to arredio dos theatros.
A companhia Tomba no representou nenhuma pea nova para o nosso
publico.
Tivemos nada menos de cinco companhias dramaticas, sendo tres
portuguezas, uma franceza e uma italiana.
Comecemos pela italiana, da qual era principal figura Tina di Lorenzo,
que nos visitava pela primeira vez, e vinha bem acompanhada por alguns
artistas de merecimento, como Falconi, seu marido, Carini, Bonafini e outros,
formando um conjuncto harmonico e agradavel.

157

Tina di Lorenzo uma actriz desegual, mas brilhante. O seu forte a


comedia. A sua belleza impressionou mais que a sua arte, mas no ha duvida
que tem talento, e no usurpa o logar que occupa na scena italiana.
Essa companhia representou tres peas francezas e tres peas italianas que
no conheciamos: Ladversaire, de Capus e Arene, La rafale, de Bernstein, Vers
lamour, de Gaudillot, La trilogia de Dorina, Infedele, e Maternit, de Roberto
Braco.
A companhia franceza,em que figuravam Suzanne Desprs e Cora
Laparcerie, e artistas estimaveis como Bourget, Dorival, Marie Rose, Madeleine
Taillade e outros, deu-nos as seguintes peas novas: Le dtour, de Bernstein,
Petite amie, de Brieux, Le retour de Jerusalem, de Donnay, La massire, de Jules
Lemaitre, La chevalire, de Jacques Richepin.
Suzanne Desprs, que uma individualidade do theatro francez, foi
applaudida sem reserva. O mesmo no se pde dizer de Cora Laparcerie, que,
tendo, alias, excellentes qualidades, no ainda uma actriz completa.
Amas as estrellas vieram acompanhadas de seus maridos, Lugn Poe e
Jacques Richepin.
A companhia Eduardo Victorino trouxe-nos Brazo, que foi to
applaudido como ha quinze annos, Barbara Wolkart, Chaby, Henrique Alvez e
outros artistas dignos de atteno.
Deu-nos duas interessantes novidades, uma pea brasileira, Thalita, em
tres actos, em verso, de Pinto da Rocha, e uma pea portugueza, a Duvida, de
Augusto de Lacerda.
A companhia Angela Pinto pouco se demorou; apenas o tempo de
fazerem beneficio os principaes artistas. Parece at que a companhia no veio
ao Rio de Janeiro para outra coisa. Peas novas: o Amor de perdio, de Camillo
e Joo da Camara, a Dolores, de Dicenta, e Escola antiga, de Busenthal, que foi
a pea de estra.
A companhia Alves da Silva, tambm chamada do Aguia de Ouro, do
Porto, foi a primeira a chegar, mas ainda uma vez se realizou o proverbio: nem
por muito madrugar se amanhece mais cedo.
Entretanto, foi a companhia que deu mais peas novas: o Rei Maldito, de
Marcellino de Mesquita; o Desfalque, de Jos Piza e Arthur Guimares; a Mala
de Cupido, de Tristan Bernard; e mais um dramalho e um vaudeville dos
chamados de genero livre: No cerco de Paris e o Premio da virtude.
A companhia Miranda no era desprovida de bons artistas, mas trouxe mo
repertorio; salvou-se com a opereta a Filha do feiticeiro e com a revista No
lhe bulas. Trazia mais tres novidades, ou antes, mais duas novidades e meia: o

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Sonho da pastora, Proezas do Tareco e o Homem das botas, imitao do Homem


das mangas.
Das novidades que nos deram as companhias da terra pde-se dizer que
apenas duas attrahiram o publico: o Maxixe, revista de Baptista Coelho e Bastos
Tigre, que foi o maior successo do anno, e a Casa de Suzanna, successo de
escandalo.
Tivemos nada menos de cinco revistas locaes: Allons au Palais!, de Chicot,
Guanabarina, de Gasto Bousquet e Arthur Azevedo, N e cr, de Antonio
Quintiliano, Vem c mulata! de Patrocinio Filho e Chicot, Roupa Velha, de
Fournier, e no acaba o anno sem mais uma, pois est annunciada para
amanh o Chic-chic, de Joo do Rio e J. Brito.
No proximo folhetim publicarei a estatistica dos nossos theatros em 1907.
***
Depois do meu ultimo artigo nenhuma novidade houve em os nossos
theatros (chapa).
No S. Jos voltou scena o eterno Tim tim por tim tim, e no Palace Thtre
a Mongadinha de Val-Flor.
No Recreio o Quo vadis? tem feito alguma coisa. Uma rectificao:
Guilhermina Rocha no fez o papel de Eunice, mas o de Acta. Eunice ainda
Maria da Piedade, uma das nossas mais lindas actrizes.
Outra rectificao: parece que, sem querer, desgostei o sympathico actor
Jorge Alberto, com uma referencia feita ao papel de Cincinato, da comedia
Quasi.
No assisti representao, mas toda a gente me diz que Jorge Alberto teve
as honras do desempenho, e foi, no fim do espectaculo, abraado por Lucinda
Simes.
Nunca tarde para reparar uma injustia. o que fao.
A. A.

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