Otakismo 1.0 - Textos Originais
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Otakismo 1.0 - Textos Originais
0 Textos Originais
Por Kau
21 de Janeiro, 2011
Felizmente a postura do Japo nesse processo foi ativa. tradio do japons ser receptivo ao
que vem de fora, mas sempre os reinventando aos modos da cultura local. Esse processo, que
guarda alguma semelhana com o Manifesto Antropofgico de Oswald de Andrade,
historicamente verificvel nos diversos ciclos de influncia continental asitica e da pennsula
coreana no territrio japons. Do idioma (importao dos kanjis chineses para posterior
elaborao do Hiragana e do Katakana) religio (amlgama de xintosmo local com budismo
chins e ritos coreanos), ou mesmo coisas mais frugais como a estampa dos kimonos, os
japoneses absorveram energicamente para depois regurgitar algo tpico.
Por maior que fosse a dominao americana e por
mais intenso que seja o processo de vmito
cultural, no h como se excluir milnios de
tradio, hbitos, folclore e cultura de um povo,
portanto, ao invs de cultuar os dolos dos outros
como se fossem seus, os japoneses criaram seus
prprios dolos, seu prprio Star System e
consolidou seu pop ocidentalizado na forma, mas
autenticamente
nipnico
no
contedo.
Futuramente veremos como o Japo mudou as
regras do jogo usando as estratgias do inimigo
para criar uma via de mo-dupla. Se voc notar
qualquer semelhana com o Brasil. significa que
louco, pois precisamos do aval estrangeiro para
reconhecer o que h de bom na nossa cultura.
A cultura pop, de forma geral, se diferencia da
cultura popular em vrios aspectos. Conceito do
sculo XX, o pop um fenmeno de massa ligado
Repetio, produo em srie, alienao,
industrializao e sociedade de consumo, num
descartvel, consumo...
mundo onde a mediocridade a regra. Com a
funo de gerar fluxo de caixa para seus produtores, inmeros enlatados so jogados no
22 de Janeiro, 2011
Hibari Misora
classe mdia mundial at ento (sinnimo de distribuio eqitativa de renda). Esse povo, com
acesso a renda e educao, sedento por informao, formava um ambiente propcio para as
manifestaes da mdia e da indstria cultural.
A prosperidade alcanada nos anos 60 foi tamanha, que o
perodo foi chamado de Showa Genroku. Showa remete ao
perodo do imperador Hirohito, enquanto Genroku foi um
perodo na histria japonesa onde, sem conflitos internos,
atravs de polticas econmicas, a classe comerciante
enriqueceu e se tornou influente na sociedade, criando uma
postura hedonista e decadente, que cultivava o luxo acima de
tudo. A Histria sbia e j indicava aos japoneses como a
farra iria terminar, mas aps tantas dcadas de privaes, no
havia como no ficar inebriado com a locomotiva do progresso,
e o povo no sabia mais o que era olhar para trs... Nesse
perodo se popularizam os filmes de samurais, as baladas
ocidentalizadas e o rock nipnico, influenciado pelos filmes de
Elvis Presley. A identidade nacional se refora e se afirma com o
sucesso de eventos globais, como as Olimpadas de Tquio em
64 e a Expo 70 em Osaka. O Japo passa a ser respeitado como
sociedade organizada, pacifista e progressista.
excessos esto cobrando um preo caro da juventude at os dias de hoje (alm de eu enxergar
um perigoso paralelo com o mal-estar de parte das classes altas brasileiras atualmente). No pop,
nada mais previsvel. O lixo quase que vira regra, a era de ouro do Star System japons com
suas idols fabricadas para agradar o pblico adolescente embriagado e alienado.
Sobre a histria japonesa eu paro por aqui, pois o estouro da bolha no incio dos anos 90 e o fim
do sonho sero tratados nos assuntos referentes gerao Otaku, mas vlido concluir o texto
com a internacionalizao da cultura pop japonesa nesse perodo.
Com a derrocada da URSS, os EUA consolidaram sua posio definitiva como exportadores
soberanos de valores e estticas no mundo. Francis Fukuyama bradava o fim da Histria. O 11/9
mostrou como isso era uma tremenda besteira, mas a obra se torna exemplar para entender
qual era a sensao que o mundo tinha no incio dos anos 90.
Paradoxalmente, foi nesse perodo que houve a internacionalizao, NO PLANEJADA, da
cultura pop japonesa. Enquanto os americanos mantinham um esforo monumental para
internacionalizar sua cultura por motivos ideolgicos e tambm econmicos, os japoneses no
tinham a menor inteno de exportar seu pop, visto internamente como uma subcultura de
qualidade questionvel.
Acontece que nichos de populao em todos os
pases estavam fartos da onipresena asfixiante do
American Way, dos valores americanos, da
esttica americana, dos heris americanos. Alguns
pases sentiram a demolio que a produo
nacional sofreu diante da concorrncia desleal do
capital americano. Caso do Brasil, onde a
produo cinematogrfica beira o ridculo e
muitas pessoas no agentam mais ter que
escolher entre a nova melao do Richard Gere
ou a nova verso de algum heri da Marvel.
Quem aguenta??
Tampouco querem passar a vida vendo filmes Cult
franceses em cinemas mofados, apenas gostariam
de alternativas. O que voc conhece do cinema argentino? Sul-coreano? Do novo cinema
europeu? Se voc acha que s os Estados Unidos so capazes de fazer bons filmes, sinto muito. A
Califrnia no...
O pop japons era desenvolvido o bastante para servir como alternativa, mas tinha uma
aparncia menos imposta que a altamente esquematizada e agressivamente comercializada
cultura pop americana. Fazer download de animaes japonesas legendadas por fs tem um
ponto de subverso e contestao que a internet conseguiu proporcionar a essa legio de
annimos.
A situao um pouco surreal, pois milhes de jovens urbanos em pases completamente
diferentes, como Brasil, Frana, Indonsia e Rssia se denominam Otaku e incorporam
abertamente a esttica nipnica em seu cotidiano. Como um adolescente espanhol consegue
se sensibilizar com fices japonesas que dizem respeito a costumes e comportamentos tpicos
daquele pas extico e nada tem a ver com o comportamento jovem europeu? H algo de
universal no pop japons, e algo que no foi imposto, vomitado, martelado na base do poder
econmico, foi procurado voluntaria e simultaneamente por pessoas em todos os continentes.
Deixo claro que me refiro situao internacional. Internamente o pop japons tambm est
to onipresente que o mal-estar j se reflete em movimentos artsticos como o Superflat, do qual
falarei um dia, que questiona a esttica Otaku em sua fonte, justamente quando o mundo a
abraa.
afirmavam sua liberdade afetiva, usando saias e cabelos curtos, exibindo seu sex appeal e
permitindo interaes sensuais sem a promessa do casamento, as chamadas Flappers (Jazz
Babies, quando danavam ao ritmo dos saxofones).
J os garotos vivenciaram um clima de otimismo
que no poderia ter fim. A economia americana
crescia
sob
a
liderana
das
indstrias
automobilstica e cultural. Jovens investidores,
recm-formados principalmente em universidades
do que hoje os americanos chamam de Ivy
League, construam verdadeiras fortunas do dia
para a noite, ao manipular abstraes numricas
na Bolsa de Valores. Criou-se um ambiente de
crena na prosperidade sem fim sob as rdeas
dos direitos inalienveis do American Way of Life.
"Mil festas e nada de trabalho."
O homem que eternizou o perodo foi o escritor
Francis Scott Fitzgerald (O Grande Gatsby, Suave a Noite - relembrado atualmente pela
adaptao de seu conto O Curioso Caso de Benjamin Button).
Fitzgerald foi quem melhor retratou o frenesi hedonista dessa poca de porres homricos,
ostentao, festas inacabveis e imprios pessoais construdos do nada, esse mesmo nada que
preenchia as pessoas. "Em Bernice Corta o Cabelo" Fitzgerald imortalizou o esprito dessa
juventude:
"Hoje em dia cada menina por si mesma (...). Ela tem sensibilidade suficiente para entender
que no est se dando bem, mas aposto que se consola com a ideia de que um poo de
virtudes e eu uma moa fcil e perdida que vai acabar mal. Todas as moas encalhadas
pensam assim. aquela histria das uvas verdes! Sarah Hopkins fala de Genevieve, de Roberta e
de mim como se a gente fosse umas vadias! Aposto que ela daria dez anos da vida dela e toda
aquela educao europia para ser uma vadia e ter trs ou quatro homens apaixonados por
ela, e para que sempre que um rapaz viesse convid-la para danar, logo aparecesse outro
querendo que ela trocasse de parceiro."
Fitzgerald no apenas registrou essa
poca com sua pena e talento literrio
no papel, mas registrou em sua prpria
existncia. Sua biografia um exemplo
dos excessos do perodo. Viveu como
muitos outros bomios romnticos que
apesar da prosperidade americana,
foram buscar a felicidade na Frana,
afogando ressacas que duravam
semanas com mais whisky e se
divertindo em festas que no tinham
prazo para acabar, mas que por fim
acabaram. O crack da bolsa de Nova
Iorque quebrou a economia mundial,
desmoronou fortunas que existiam
Talvez a foto mais irnica do sculo XX
apenas virtualmente e obrigou esses
garotos - j no to jovens - a voltar para a Amrica e reconstruir o sonho americano do zero. A
perda est sempre presente nos contos de Fitzgerald, como defende Ruy Castro:
"Todos esses contos so a histria de uma perda: da beleza, do dinheiro, da dignidade e, talvez a pior, da esperana.
Para Fitzgerald, no entanto, a nica que parece imperdovel - e inevitvel - a da juventude. Seus jovens vivem a
plenitude da pouca idade sem se dar conta e sem desconfiar que suas emoes nunca mais se repetiro."
De forma inesquecvel, a juventude americana
teve sua euforia e crena pisoteados. Falamos, no
entanto, de dcada de 20, e as sadas ainda
eram muitas. A Segunda Guerra viria a recuperar
a economia americana de forma arrebatadora. A
existncia do comunismo e do fascismo serviam
como antagnicos que justificavam o capitalismo
liberal apesar de tudo. As reivindicaes na esfera
privada e social ainda eram muitas e viriam a
estourar no fim dos anos 60 por todo o globo.
Havia pobreza e empobrecimento, logo,
esperana.
Existia
a
esperana
no
enriquecimento, na liberdade, no afeto, enfim, no
amanh. O caso japons menos grave em
propores mensurveis, mas at por isso, menos
aberto ao otimismo quanto ao futuro.
internet tornam as pessoas cticas. O fenmeno dos Cavaleiros mostrou que mesmo no mundo atual ainda h espao
para a fantasia pica, tanto quanto na Antigidade." Cristiane Sato.
Cavaleiros do Zodaco (Saint Seiya, no
original), obra do mangak Masami
Kurumada, comeou a ser publicada
semanalmente em 1985 na revista
Shonen Jump e animada pela Toei
Animation a partir do ano seguinte. Em
1987 j comearam os indcios de que
uma febre estava por vir no Japo e
ainda nos anos 80, Kurumada j
figurava entre as celebridades mais
ricas do Japo graas a sua criao, o
segundo anime mais assistido no
mundo, atrs apenas de Dragon Ball do
ainda mais rico Akira Toriyama.
Ikki, Shun, Seiya, Hyoga e Shiryu, embaixadores da fantasia
Cavaleiros do Zodaco chegou, no dia 1 de Setembro de 1994, com uma estrutura narrativa
diferente daquilo que o pblico brasileiro estava acostumado. Faziam sucesso na poca nomes
como Os Simpsons, Famlia Dinossauro, Chaves e Chapolin. O sentido de continuidade nos
episdios lembrou a estrutura das novelas, que sempre foram sucesso no Brasil. Desde o sculo
srie seguiu at o final, quando a Manchete exibiu o ltimo episdio no dia 17 de Outubro de
1995. Deu-se incio ao show de reprises para f algum colocar defeito. Repetiram-na at 12 de
Setembro de 1997 ininterruptamente.
O fator econmico pea chave para compreender a resposta
brasileira. Aps a 'dcada perdida' dos anos 80, quando a
inflao corroa a economia nacional, o Plano Real em Julho de
1994 foi bem sucedido, dois meses antes da estria de Cavaleiros
no pas. Estabilizou os preos, trouxe otimismo e colocou o Real
como moeda mais valorizada que o dlar. A classe mdia fez a
festa; em segurana, se deu ao luxo de gastar mais em itens no
essenciais. Com o Real supervalorizado, conseguia comprar
objetos importados sem a dificuldade de antes (no ignorar a
abertura econmica iniciada por Collor em 1992). Um mercado
vido para os produtos licenciados dos Cavaleiros, sobretudo os
bonecos articulveis da Bandai, mas no apenas isso. Quem no
se lembra dos quiosques da Bandai nos Shopping Centers? No
caminho do faturamento fcil aberto pelos brinquedos, todos
tiravam uma casquinha dos defensores de Atena. Mochilas,
revistas, psteres venderam como gua. Segundo Cristiane Sato,
a empresa espanhola Samtoy arrecadou 85 milhes de dlares
(no cmbio da poca) apenas com a distribuio dos bonecos
(oficiais, pense agora no mercado paralelo, aquele que vendia os bonecos com armadura de
plstico).
Primeira edio, eu tenho!! (R$
1,95; que beleza)
Inclusive Monte afirma que os gastos da populao na poca eram pouco calculados, afinal,
ningum sabia ainda o real valor do Real. Se convertssemos o que era pago nesses bonecos
para os valores atuais, tomaramos um susto com o preo.
A revista Heri um smbolo dessa poca. Quando ainda no havia internet, ela que mantinha
os fs atualizados sobre a srie. Pincelava sobre outros enlatados pop como Batman, Tartarugas
Ninja, Esquadro Marte e Thunderbirds, mas a preferncia era sempre dos Cavaleiros do
Zodaco, que dominavam quase todas as capas. Devia ser exaustivo para os fs de cultura pop
e videogame, que no eram viciados em Cavaleiros, essa onipresena.
No Brasil a srie voltou a ser exibida no
Cartoon Network e na Band, alm de
emissoras locais, sem grande destaque.
Nos Estados Unidos os Knights no
fizeram muito sucesso, sofrendo com a
censura na televiso. A Amrica Latina
como um todo recebeu bem a srie,
sobretudo Argentina e Mxico. Na
Europa, Espanha e Frana foram os
principais pblicos. Inclusive foi o
francs Jrome Alqui que em 2001,
muito antes da animao oficial da
Saga de Hades pela Toei, produziu dois Arte do italiano FaGian. Nem Pikachu superou a febre Saint Seiya
trailers (O encontro de Ikki e
Pandora/Cavaleiros na frente do muro das lamentaes). Chegou a alegar que se a Toei no
queria animar a Saga, ele mesmo compraria os direitos da srie e produziria.
possvel concluir que Cavaleiros foi o anime certo, na emissora certa e no momento certo.
Pessoalmente, acho que apenas Pokmon teria igual capacidade de estourar na mesma
situao. Uma srie longa, que explora um universo de fantasia, possui personagens carismticos,
um jogo eletrnico dos mais populares e centenas de pokmons para os mais diversos tipos de
produtos licenciados (no sentido Marketing, Pokmon melhor que qualquer outro).
Voc pensa. Oras, se a economia do pas est ainda melhor hoje em dia, se outras sries como
Pokmon e Dragon Ball possuem igual ou maior potencial econmico, se so compostos de
muito mais episdios, por que o fenmeno no se repetiu na mesma intensidade ou at com
mais fora? Pokmon chegou muito perto, outros nem arranharam... O que justifica? Em breve
falarei sobre a atual situao do anime no Brasil.
06 de Fevereiro, 2011
A questo est em se chamar essa cirurgia de "ocidentalizao dos olhos". isso que no est
certo. Primeiro vou explicar o objetivo da tal cirurgia. Os olhos dos orientais podem ser
classificados em dois tipos, dependendo da existncia ou no de uma dobra na parte superior
das plpebras. No Japo, os olhos que no apresentam tal dobra so chamados de "hitoe"
(simples) e os olhos com a dobra so chamados de "futae" (duplos). Os dois tipos existem
naturalmente tanto nos japoneses como em outras etnias asiticas, ao passo que os olhos
ocidentais so todos do tipo futae (duplos). Agora, o que faz um olho parecer asitico ou
ocidental no apenas a presena ou ausncia da dita dobra, mas o formato como um todo.
Em minha opinio, o que mais d o aspecto de "puxado" do olho oriental so os cantos externos
dos olhos e formato como um todo. No geral, os olhos hitoe tm uma tendncia ser menores
(mais fechados) e mais angulosos do que os olhos futae, mas isso no regra. Existem japonesas
de olhos enormes, bem arredondados, nada oblquos, porm inconfundivelmente hitoe (simples,
sem a dobra). Por outro lado, existem pessoas com olhos pequenos, de forma amendoada,
oblquos, porm futae. Mesmo com a dita dobra, esses olhos so inconfundivelmente orientais.
Eu tenho um conhecido japons cujos olhos tm quase o triplo do tamanho dos meus, tem a
dobra na plpebra bem marcada, mas os cantos dos olhos dele so tipicamente orientais,
puxados, rasgados. No pargrafo acima, eu quis dizer (posso provar mais tarde com fotos) que a
existncia ou no da dobra nas plpebras no determina o aspecto oriental ou ocidental dos
olhos. E, mesmo japoneses que tm olhos (naturalmente) ocidentais, nem por isso parecem
ocidentais.
O aspecto ocidental vem de um conjunto de olhos, nariz e boca, alm do formato do rosto mais
oval e anguloso. Apenas "trocar" os olhos, no faz uma japonesa parecer ocidental. Mas como
explicar a existncia de tal cirurgia, j que ela no confere o aspecto ocidental, que parecer ser
o seu objetivo principal? verdade que as japonesas (isso mesmo, somente as mulheres
japonesas) consideram olhos futae mais bonitos. Elas consideram essa dobrinha na plpebra
como um sinal de beleza. J ouvi e j vi discusses na internet sobre isso, onde algumas moas,
orgulhosas, afirmam: quando eu acordo de manh, os meus olhos so futae! Alis, esse tipo de
olho bem comum: dependendo da hora do dia, a dobrinha aparece ou some. Tem tambm
gente que tem um olho com dobrinha e o outro sem. Nos sites de namoro tambm, elas fazem
questo de dizer: os meus olhos so futae, como se fosse um grande sinal de beleza. Essa
preocupao, das mulheres, com a dobrinha nas plpebras chega ao extremo de algumas
colocarem cola nas plpebras para formar a tal dobrinha. Sim, existe cola prpria para isso
venda no Japo!
O que determina o padro de beleza feminina em determinada cultura? Alguns podem dizer
que a mdia, que no caso, traria a influncia ocidental para o Japo. Mas, em ltima anlise, o
padro de beleza determinado pelos homens da mesma cultura. A que se percebe que o
padro de beleza no Japo no ocidental. Eu nunca ouvi um homem japons dizendo o
quanto ele acha a Britney Spears sexy. Na verdade, os japoneses nem conhecem direito as
famosas ocidentais. Elas no so populares por aqui. Se fosse assim, ver-se-iam muitos casais de
homem japons + mulher ocidental tanto aqui como no exterior. O que ocorre o contrrio:
muito mais comum ver mulheres japonesas com homens ocidentais. Mas a, a questo vai muito
alm da beleza, pois a maioria das mulheres no buscam a beleza em primeiro lugar nos seus
parceiros. O padro de beleza uma coisa interessante de se conhecer em outras culturas. Por
isso, eu j perguntei para vrios amigos meus os que eles acham da mulher ocidental. Alm
disso, na conversa entre homens o assunto "mulher" freqente. Portanto, eu me considero
habilitado para falar das preferncias dos homens japoneses com relao s mulheres. Pelo
menos entre os meus conhecidos, a mulher ocidental considerada bonita. O termo que eles
usam kirei, que significa bonita e mais nada. como a beleza de uma flor. Uma flor apenas
bonita; no sexy, nem provocante. Ou seja, a boniteza da mulher ocidental no significa que
ela seja a preferida.
Ao japons, o que interessa mais outra caracterstica: a mulher tem que ser kawaii. E isso, as
japonesas sabem ser! Kawaii significa bonitinha, delicada, frgil. Por exemplo, um cachorrinho
fofinho kawaii; um nenezinho kawaii; uma florzinha pequenininha tambm kawaii. Acho
que a melhor traduo para kawaii amorzinho. Sabe quando uma mulher v uma roupa ou
uma jia que ela acha delicada e diz: Ah, que amor! ? isso que kawaii. Portanto, o homem
japons se interessa por mulheres delicadas, pequeninas, frgeis, e at, infantis. At nas revistas
de mulher pelada (embora aqui elas no apaream totalmente e peladas e, quando
aparecem, tem um mosaico escondendo), no aparecem mulheres fazendo poses e caras
sexies (na nossa concepo de sexy). O que aparece so moas fazendo beicinho, olhando
para cima, como se fossem criancinhas perdidas. Para um homem brasileiro, isso no sexy; pelo
contrrio, irritante. D vontade de dar um tapa da cara da mulher para ver se ela se ajeita.
americanos esto interessando mais. O Animax no resistiu premissa de exibir 24h de anime e j
mudou seu posicionamento para se converter num canal de cultura pop em geral. Enquanto
bom ttulos de anime foram jogados para a madrugada, os melhores horrios ficaram com
Beverly Hills 90210, That 70's Show, 10 Things I Hate About You e Clueless. Os animes no foram as
nicas vtimas. O Boomerang, que nasceu com a proposta de exibir desenhos antigos (dos
estdios americanos), seguiu o mesmo caminho e hoje apresenta Rebelde, Date my Mom, Um
Jovem Espio entre outros.
O terceiro grande fator, que se soma censura e
ao resqucio cultural de infantilizao da
animao, a internet. A banda larga permitiu
que os fs de anime tenham acesso irrestrito a
qualquer ttulo de qualquer gnero. Ningum mais
obrigado a ficar refm de ttulos populares da
televiso caso apreciem a esttica japonesa.
Abriu-se a era dos nichos, o perodo da Cauda
Longa, onde a soma dos nichos equivale aos
grandes sucessos comerciais. No h mais o
simples f de anime, h o f dos subgneros de
Princpio da Cauda Longa
animes: H quem goste de Mecha (Evangelion,
Patlabor, Gundam, Yamato Patrulha Estelar), outros
preferem Mindfuck animes (Boogiepop Phantom, Paranoia Agent, Tehxnolyze), outros apreciam
comdias (Azumanga Daioh, Mitsudomoe!) e assim de modo ad infinitum.
Esse pblico de anime, muito mais maduro do que nas dcadas anteriores, no se contenta com
o papel do anime na televiso. Tendo acesso todas as sries, em diversas qualidades (De alta
definio ao Rmvb para os de internet compartilhada), sem cortes, dublagem original e bem
traduzido por fs (que entendem melhor que ningum as expresses e costumes nipnicos), essa
nova gerao multimdia se recusa a acompanhar anime na televiso. Recusa-se a assistir sries
apenas do mesmo gnero, com dublagens beirando o ridculo, retalhados pela censura, em
horrios infantilescos (estudamos/trabalhamos, no verdade?) e sem a menor considerao
por parte das emissoras, que tiram a srie do ar no meio sem dar maiores satisfaes (caso
recente de Cavaleiros na Band). Com todos os problemas ambientais que o anime sofre para se
firmar na tv, ainda temos o fato do
prprio f do gnero se recusar a assistir
as sries nela (confesso, sou um deles).
possvel concluir que o anime, na
primeira dcada do sculo, consolidou
inmeros fs ao mesmo tempo em que
perdeu prestgio na televiso. Nunca
houve tantos Otaku (como se autodenominam), mas nunca eles estiveram
to afastados da televiso, vidrados
em seus computadores.
Para estabelecer a conexo com o
post sobre os Cavaleiros, creio que j
ficou claro a razo de nenhum anime
ter conseguido igualar ou superar o
sucesso dos defensores de Athena.
Competio com a internet que criou nichos falta de respeito por parte das emissoras, censura
pblica. Assim fica difcil mesmo... ttulos como Death Note, populares na net e em eventos
enquanto desconhecidos do pblico geral, tm grande potencial mas esbarram em barreiras
contextuais.
Voc enxerga outro quesito? Comente e acrescente contedo ao texto.
11 de Fevereiro, 2011
Matsumoto (Nishijima) pressionado pela famlia a abandonar a namorada, Sawako (Kanno), e a troc-la
por um casamento de convenincia, com grandes benefcios para a sua carreira. Sawako tenta o suicdio e
Nishijima sente-se culpado e tenta, desesperadamente, reparar as consequncias da sua deciso.
Hiro (Mihashi), um lder Yakuza, recorda-se da mulher que abandonou 30 anos atrs (Matsubara), quando
optou por uma vida de fama e de dinheiro. Na despedida, ela disse-lhe que continuaria a trazer-lhe o almoo
todos os sbados, ao mesmo banco de jardim.
Nukui (Tageshige), um controlador de trnsito, um admirador fantico pela cantora pop Haruna (Fukada),
a qual, na sequncia de um acidente, se isola do mundo exterior e dos fs.
A narrativa conta trs histrias modernas baseadas no teatro bunraku japons. Kitano se
distanciou da temtica dos seus filmes anteriores, mas no sem deixar presente sua autoria. O
filme uma tragdia, como tradio nas produes nipnicas. Tragdia que se assemelham s
tragdias gregas, onde o heri (esse ser de destino trgico que se difere completamente do que
chamamos de heri no mundo moderno) se submete aos caprichos do destino e, resignado,
sente o gosto da vida no vivida, a delcia da dor.
Em
Dolls,
os
personagens,
encarcerados em seus destinos trgicos
pessoais, contrastam com a beleza
exuberante da natureza japonesa,
completamente alheios a ela. Esto
concentrados demais em lamentar o
rumo da vida que levam por terem
tomado aes racionais no campo da
vida
que
exige
postura
completamente passional, o amor.
Seus atos, no entanto, no parecem
racionais, ao contrrio, aparentam
flertar com a loucura. Vagar atado ao
seu amor por uma corda na condio Matsumoto, como Ssifo, levando sua pedra montanha acima
de mendigos, preparar por 30 anos a
refeio para o homem que a abandonou e esper-lo todo sbado no banco prometido, ou
varar os prprios olhos para ficar perto de algum mesmo que por um instante nada tem de
racional. o que acontece quando o homem eleva a racionalidade ltima potncia. Excesso
de racionalidade descamba no irracional.
Kitano nos mostra esse universo sem o menor sentido de reprovao ou mesmo de fazer
julgamento. Como evidenciado pelo fluxo das estaes, ele apenas escancara a vida como ela
, sem se preocupar com a criao de finais felizes. Sua inteno falar sobre o ciclo da vida
que nunca termina na primavera, como Dolls no terminou. Falou tambm dos obstculos da
realizao afetiva, do peso da dita liberdade de escolhas dentro de um panorama onde no h
mais de uma opo (isto , o heri moderno vivendo a tragdia antiga) e certamente de muitos
outros fatores que me fugiram enquanto eu estava inebriado com a fotografia do filme ou que
me fugiram pela condio de ocidental incapaz de compreender as nuances do esprito
japons.
Esse
filme
necessariamente
interao pessoal com a obra, melhor. Tudo mastigado, nenhuma apreciao, nenhum canal
para dar voz ao medo ou fantasia. No perturbador ver um olho sendo cortado com uma
tesoura, nem atraente uma cmera interna em uma mulher, apenas mau gosto, exagero, falta
de categoria. Perturbador assistir ao chef, um menino que apenas queria ser um cozinheiro, ter
sua mente estraalhada pela guerra, situao que explode com a simples viso de um tigre; ou
os soldados americanos mergulhando no rio com suas malas implorando para voltar pra casa
quando avistam um barco aliado. Nenhum brao voando, e o terror da guerra mais presente
que em qualquer outro filme do gnero. Essa a diferena entre um Coppola e um Cameron.
"A fucking tiger, fucking tiger... I don't wanna take this
goddamn shit man... I didn't come here for this, I don't
fucking need this. All I wanted to do is fucking cook, I just
wanted to learn to fucking cook. Allright, It's allright, it's
gonna be all right... never get outta boat... Hi tiger, hi
tiger..." - Chef
Dolls, portanto, est
situado na lgica
contemplativa do cinema japons. Cenas longas,
pouco dilogo, pouca dinmica e pouca
exaltao sentimental, onde o cenrio, a trilha
sonora e as expresses contam a histria. Se voc
no est acostumado, provavelmente morrer
de sono e desistir no meio. Seria uma pena, pois a fotografia perfeita, timo roteiro, bom
figurino, boa trilha sonora e edio sensacional. Afinal, o que importa no muito a histria que
voc conta e sim como a conta. "Beat Takeshi" o fez de forma irretocvel.
28 de Fevereiro, 2011
A
relao
com
representaes
materiais
ou
imaginrias
est
substituindo a relao interpessoal. A
recesso da economia piorou ainda
mais a estratificao do romance e
alienou mais o jovem japons do
trabalho, dos estudos e da famlia,
situao que facilita o fato dos
japoneses no estarem mais dispostos a
pagar o preo de uma relao real,
em nome de uma relao unilateral e
imaginria,
supostamente
mais
verdadeira
e
pura,
e
convenientemente menos trabalhosa.
Esses caras simplesmente no querem
mais o terror de se responsabilizar por
qualquer coisa que seja. Se recusam a
trabalhar em grandes empresas para
evitar o stress e se contentam com
bicos que so bem remunerados no
Rei Ayanami - japoneses esto preferindo viver com bonecas
Japo (enquanto a economia do pas
vazias
que sempre lhes sorriem a viver com pessoas reais com
sofre com o ciclo vicioso no qual est
todas as suas idiossincrasias?
encalhado faz duas dcadas), se
recusam a ir atrs de mulher porque
trabalhoso demais e a situao demanda convenes sociais que ele no quer partilhar com
ningum. A situao chegou a um ponto onde mesmo o sexo pago com uma pessoa real
evitado. H japoneses que vo a bordis de bonecas e pagam por uma noite, pois o mero
contato carnal com uma pessoa real j seria intolervel, apesar de continuarem sexuados e
heterossexuais. Como assim sentir o acanhamento dos primeiros momentos? Ser julgado por
desempenho? Jamais.
Muito mais comuns so os eroges, jogos eletrnicos
de simulao de encontros. Voc mantm
relaes sociais com uma ou mais personagens a
partir de escolhas dentro de opes prdeterminadas pelo jogo (por exemplo: A) Abrala a fora B) Pedir para abra-la C) Ir embora
friamente). A variao de combinaes
Androginia ainda mais em alta no Japo
tamanha, que com o mesmo jogo possvel
chegar a mais de uma centena de finais
diferentes. A situao desconfortvel. O jogador o nico a tomar decises, ele escolhe o
destino de todos os atos do casal (as personagens reagem, mas um bom jogador sabe
exatamente, pela experincia, conseguir o que quer) o que evidencia uma relao de amor
unilateral. Ao mesmo tempo o jogador julga manter com sua personagem uma relao de amor
puro e verdadeiro (enquanto faz de tudo para levar a personagem para a cama virtualmente).
H altas doses de pureza e perverso nessa situao.
04 de Maro, 2011
09 de Maro, 2011
"Japan will disappear, it will become inorganic, empty, neutral-tinted; it will grow wealthy and astute." Mishima
Como afirma Jordi Mas, pesquisador de sia Oriental de Barcelona,
ele "temia que o progresso econmico se conseguisse em detrimento
da prpria cultura", enquanto o japons, recentemente humilhado na
guerra, era amparado pelos americanos e se embriagava com
trabalho e bem-estar material. Mishima reclama o direito de o povo
japons desfrutar de soberania e justia social, conservando as
tradies, sem alienar a adaptao do pas tcnica industrial.
A cultura tradicional japonesa foi fortemente suprimida pela
ocupao americana, que via nisso uma forma de jogar as ltimas
ps de terra nos valores nacionalistas e militar-expansionistas do
Japo, assim como abrir espao para valores pacifistas, liberais e
progressistas (e ao American Way of Life, naturalmente). A censura
americana, vinda da Seo de Informao e Educao Civil (ligada
ao Comando Supremo de Foras Aliadas do general McArthur), reprimiu manifestaes artsticas
que remetiam ao passado feudal japons, como o teatro Kabuki, alm da proibio do ensino
de artes marciais japonesas.
Enquanto muitos estavam ocupados demais assistindo aos filmes de
Hollywood e desenhos de Hanna Barbera, alguns japoneses
mostravam-se particularmente incomodados com a presena
americana e sua censura. Entre os anos 50 e 70, houve um
crescimento das manifestaes culturais que remetiam ao
nacionalismo de outrora. Nesse perodo se popularizaram os dramas
de samurais produzidos pela Toei. Alguns exemplos de produo da
poca so o livro Requiem for Battleship Yamato de Mitsuru Yoshida e
os filmes Os Sete Samurais de Akira Kurosawa e Japan's Longest Day
de Kihachi Okamoto.
No foram apenas os artistas e intelectuais, mas o prprio governo
japons fez o possvel para revitalizar a cultura tradicional do pas,
imprimindo a arquitetura nas obras pblicas, investindo em
preservao de pontos histricos, trazendo de novo luz os teatros No
e Kabuki, bem como a cultura samurai, at hoje presente nas escolas e universidades japonesas.
Em 1966, publicou o Program of forming desirable image of Japanese, onde fixou caractersticas
do "japons ideal", bastante influenciado pelo Bushido, cdigo de conduta dos samurais
("caminho do guerreiro"). Citarei o contedo do programa quando falar sobre o sistema
educacional japons.
Kihachi Okamoto
Mishima, no entanto, foi mentor da mais simblica tentativa de restituir aquele Japo que no
existia mais. Em 25 de Novembro de 1970, acompanhado de quatro membros do Tatenokai
(milcia de estudantes patriticos que estudavam artes marciais sob a tutela de Mishima), todos
vestidos com os uniformes do Exrcito Imperial, renderam o comandante Masuda do quartel
general das foras de Auto-defesa de Tquio (mataram oito soldados resistentes na invaso).
Mishima, ento, fez um discurso patritico para cerca de dois mil soldados, convocando-os a
lutar contra a constituio japonesa, escrita por americanos, e a favor da restituio do poder
imperial. Diante da indiferena dos militares, Mishima cometeu o Seppuku (suicdio ritual dos
samurais) aps gritar trs vezes: "Longa vida ao Imperador!".
Discurso de Mishima
Mishima dedicou sua vida ptria e nao. Lutou contra a materializao do esprito de um
povo que deixou de ser soberano. Protestou "contra a inoperncia, a apatia do amorfo Exrcito
Japons, que, como se sabe, no mais que uma polcia, mais destinada a reprimir o povo, do
que uma milcia capaz de salvaguardar a Nao.".
O ato radical do escritor invocou uma estranha apreenso em alguns japoneses. Apesar da
conscincia do extremismo no ato de Mishima, esses japoneses pararam para pensar sobre onde
estavam indo ao se preocuparem em produzir tanta riqueza enquanto se sentiam to vazios e
culturalmente desconectados das tradies do pas que construram a viso de si mesmos. A
maioria dos japoneses, no auge da apologia ao consumo, viram no ato apenas mais uma das
excentricidades de Mishima e um pssimo exemplo. A recepo no ocidente, carente de dolos
romnticos, foi muito mais forte, descobrindo a fora da obra completa de Mishima antes do
prprio Japo, que apenas o reconheceu devidamente aps revisitar seu legado nos anos 80,
tentando entender o que os gaijins viam de importante nele.
"A morte uma espcie de castigo eterno, infligido
materializada sociedade ocidental que vive afastada da
natureza. Para ns no o , de modo absoluto, uma vez que
nos consideramos parte integrada da natureza. Devido a isso,
a morte, aos olhos do meu povo, um prmio, algo assim como
a transformao, a liberdade da matria. Morrer partir, no
desaparecer. Outrora, o mundo cristo, creio, tinha igual ou
semelhante filosofia. E foi ento que logrou consolidar-se.
Pois bem: ns queremos recuperar plenamente esse estilo de
vida e aplic-lo a uma grande poltica nacional e popular. O
contrrio seria o mesmo que aceitar a hibernao
indefinidamente da alma japonesa." Yukio Mishima
FONTES:
Forming nationalistic mentality of Japanese youth by Japanese ruling circles with use of bushido
ideology (Andrei Vasilevich Golomsha)
Mishima: O hara-kiri do silncio - Poltica, n. 26, pg. 12, 31.01.1971
YUKIO MISHIMA: A 20th Century Samurai
Mishima, el ltimo samurai - Anna Zaera
No pas do sol nascente - Giovanna Bartucci
Os samurais - History Channel
http://www.culturajaponesa.com.br/htm/cinemajapones.html
25 de Maro, 2011
O fenmeno kawaii
"Nunca acredite em algum acima dos trinta."
No Japo, a atrao pelo kawaii uma fora
onipresente e poderosa. Os japoneses nascem e crescem
respirando uma atmosfera saturada de algodo doce.
Publicidade, mascotes, displays digitais... at a capa do
celular de um executivo em seu terno plmbeo. Tudo est
inundado pela cultura kawaii. Mas, que diabos kawaii?
Traduzir termos do japons sempre uma tarefa ingrata.
O ingls tem uma que se aproxima um pouco: Cute. J vi
brasileiro traduzindo at como "fil" na inteno de tornar
o termo mais familiar do pblico leigo. No poderia ter
errado mais, pois certamente algum que leu pensou que
a Clo Pires kawaii. Preciso de pargrafos pra explicar o
significado desse termo na cultura japonesa, com o certo
risco de no esgot-lo.
O kawaii algo que permeia o bonitinho, pequenininho,
simples, mesmo tolo. algo pueril, que remete infncia.
O kawaii celebra comportamentos sociais e aparncia
fsica
que
tendem
doura,
adorabilidade,
genuinidade,
inocncia,
pureza,
gentileza,
vulnerabilidade, fraqueza e inexperincia. Um estilo
infantil e delicado, ao mesmo tempo que atraente e bonito.
Kawaaaiii neee
A gria kawaii de longe a mais utilizada no Japo moderno. Segundo Sharon Kinsella,
pesquisadora da Universidade de Cambridge, o fenmeno kawaii como o conhecemos se
iniciou em meados dos anos 70, quando surgiu concomitantemente o crescimento da moda
fashion infantilizada com uma moda entre as adolescentes japonesas de escrever cartas e
bilhetes com letras arredondadas e pueris. O interessante que esse comportamento no partiu
da mdia, geralmente acusada de criar todos os modismos infanto-juvenis, mas sim de uma
escrita underground durante o processo de romanizao dos textos japoneses.
Harajuku Fashion
a venda de roupas
adolescentes por correio.
ntimas
usadas
de
FONTES:
Cute Inc. - Mary Roach
Cuties in Japan - Sharon Kinsella
In Japan, cute conquers all - Brian Bremmer
Otaku - tienne Barral
03 de Abril, 2011
"A celebrao do erotic (ero) em grandes propores constitui uma rejeio a opinio do Perodo Meiji de que
sexualidade inadequada para exibio ou representao pblica, a menos que esteja de acordo com os estreitos
critrios da 'moral civilizada'. A asceno do grotesque (Guro) anuncia um descontentamento semelhante pelos
padres estticos predominantes, com seu foco em padres tradicionais de beleza e encobrimento dos lados mais
obscuros da existncia. Finalmente, a valorizao do absurdo (nansensu) assinalou um descontentamento com a
represso causada pelo acolhimento da moral e das convices epistemolgicas." Traduo livre de G.
Pflugfelder
nesse movimento artstico que alguns japoneses do ciclo underground buscaram inspirao. A
explorao do Ero-guro nos mangs no tem apelo popular, pois seu contedo obsceno;
grotesco como o nome j adverte. Suas histrias com frequncia (mas no obrigatoriamente!)
abraam temas como o canibalismo, coprofilia, pedofilia, zoofilia, vouyerismo, incesto e todas
aquelas outras palavras terminadas em filia que ns nem imaginvamos existir. Seu contedo,
extremamente visual e de roteiro geralmente simples, apreciado apenas por aqueles aptos a
se enfiar no submundo da humanidade, sem tapar o nariz ou fechar os olhos. Ou para aqueles
que no querem cimentar o ralo, traduzindo para o underground tupiniquim.
Se engana quem pensa que o Ero-guro visa o choque
pelo choque ou a mera satisfao sexual de pessoas
com distrbios sexuais (pelo menos no nas mos de
seus principais representantes). A vida profissional do
grande mestre desse estilo, Suehiro Maruo, deixa isso
claro.
Maruo, o Marqus de Sade dos mangs, teve uma
infncia pobre e nunca foi adepto do estudo,
aproveitando seu tempo na escola para desenhar,
onde ficou maravilhado com a esttica japonesa e
alem dos anos 20 e 30. Passou um tempo na cadeia
nos anos 70 por roubar discos (Pink Floyd e Santana),
perodo este aproveitado para aprimorar sua tcnica e
consolidar sua viso de mundo. Foi recusado pela
Shonen Jump (de Dragon Ball, Yu Yu Hakusho e outros
tantos) por enviar para anlise uma histria ertica e
sanguinolenta. Foi tambm recusado no submundo da pornografia, pois realmente pouca gente
estava disposta a, digamos, se animar com seu festival de sadismo doentio. Sua genialidade
consiste em encontrar para si um lugar ao Sol, longe da mass-media e do universo porn: a
vanguarda artstica.
Cabe aqui uma breve explicao para sua fascinao pela esttica germnica. As autoridades
japonesas do Perodo Meiji tinham um apreo grande pela dinnica prussiana (e
consequentemente alem) de conduzir as instituies pblicas. Tomaram deles as bases para
produzir a Constituio, o exrcito, o sistema educacional (sobretudo o superior) e at a
arquitetura do Parlamento. Alm disso a Alemanha fervilhava culturalmente nessa poca, e
nomes como George Grosz (telas, influenciador dos nascentes quadrinhos japoneses) e Gerhart
Hauptmann (dramaturgia), alm dos bvios filsofos (Schopenhauer, Nietzsche) serviam de
inspirao e base de debates para as elites japonesas da poca. A cultura japonesa estava
muito alinhada com a alem nesse perodo pr-guerra. Gostar de uma indica, quase que
necessariamente, gostar da outra.
O Sade japons
estimulando os olhos alheios ou mesmo usando olhos de animais em seus atos doentios (em clara
referncia a Histria do Olho de Georges Bataille). Confesso no ter entendido essa referncia
quando primeiro tive contato com uma histria do Maruo, mas uma breve pesquisa logo
elucidou a situao:
"Antes de Histria do Olho de Bataille e Sopa de Merda de Maruo, outro
personagem tambm se desorbitou, perdeu os olhos: O dipo de Sfocles,
punido com a cegueira por haver feito sexo com a me. Freud, ao interpretar
esse mito, associou a perda da vista punio da criana que foi olhar seus
pais a fazerem sexo. Bataille e Maruo adotam esse mito e o desdobram:
simbolicamente, gozar com os olhos e penetrar pupilas desorbitadas romper o
tabu do incesto; portanto, voltar a origem, estaca zero. Isso, admitindo-se,
como postulam Freud e Lvi-Strauss, que o tabu do incesto, a interdio do sexo
entre parentes sanguneos, constituem a sociedade e a cultura." Claudio
Willer
Suehiro apenas o principal nome de um circo repleto de artistas
consagrados. Alguns deles so Shintaro Kago ("aquele que
transforma merda em ouro"), Jun Hayami (aquele que nos mostra
as perverses - estranhas e frequentes - daqueles que ns vemos
e convivemos diariamente), Waita Uziga (adepto do humor negro
e da explorao de temas como, distopias, corrupo e abuso
de autoridade), Toshio Maeda (autor de Urotsukidoji, famoso no Brasil) e Henmaru Machino (O
Magritte do Ero-guro, participante do movimento Superflat - certa fixao com animais).
Nomes como o de Horihone Saizou no repercutem fora do Japo pela ampla explorao de
gneros tolerados pelas leis japonesas, mas proibidos na maioria dos pases, como o lolicon e o
shotacon.
Junko Mizuno uma japonesa que ganhou notoriedade pelo estilo Gothic Kawaii, a mistura de
bases kawaii com elementos de horror, violncia e cunho sensual, tudo dentro de uma atmosfera
psicodlica cheia de cores. Devido internet, j virou fenmeno global e sua arte ilustra toda
uma gama de produtos:
Particularmente no sou
f do gnero, tendo
pesquisado mais pela
curiosidade de saber o
que
acontece
nos
esgotos
da
cultura
popular que me alimenta
desde
a
infncia.
Reconheo que a obra
de alguns nomes podem
sim serem chamadas de
arte, e que certos ttulos
extrapolam o junk para
virar cult. Tenho interesse
pela obra de Maruo e
Mizuno, mas ele morre
por a. J entendi o contexto que alimenta tanta bizarrice, e isso o suficiente. Alm do mais, o
interesse nos dois intelectual e artstico, pois a exposio da sexualidade na verdade me causa
negcios perderam seu prestgio, sendo inclusive culpados pelas novas geraes devido a
situao deprimente na qual o pas se encontra no aspecto social. Esses homens no fazem a
menor ideia de como reagir a isso, pois o estudo e o trabalho eram os nicos pilares que
sustentavam sua existncia, sem eles, no sobra nada. Nunca foram cobrados ou estimulados a
desenvolver outras competncias, no precisavam disso antes, bastava planejar a vida, estudar
numa boa universidade e obter um bom emprego para ter uma vida prspera e reconhecida
pelos seus prximos. Renegados pelo individualismo e materialismo que alimentaram (ou melhor,
foram instigados a alimentar), muitos deles passaram a se encontrar num estado de solido
insuportvel.
Empresas do mercado de luxo buscaram compensar a queda no padro de consumo japons
oferecendo status e poder s adolescentes, explorando as inseguranas da idade, fazendo com
que acreditem na necessidade de se posicionar socialmente com grandes marcas, o que no
Japo ganha a fora de um furaco devido influncia do grupo na existncia social maior
que em qualquer outro pas. Ao mesmo tempo em que parte das mulheres fazia questo de
manter a obteno de bem estar e riqueza dos tempos ureos, mesmo que precisassem
atropelar (ou ignorar) consideraes ticas. Estava plantada a semente para uma das mais
questionveis prticas tpicas do Japo: o Enjo Kosai.
Enjo Kosai (traduzido livremente como encontro
compensado) uma situao que ocorre menos do
que a mdia especula, mas mais do que se supe.
Significa a prtica de garotas, geralmente colegiais (a
idade mdia varia de 12 a 20 anos, com extremos para
cima e para baixo), que so muito bem pagas ou
presenteadas com artigos de luxo por homens mais
velhos para acompanh-los em sadas e, s vezes, lhes
prestar favores sexuais. Exato, homens ou grupos deles
que pagam pequenas fortunas apenas para que
meninas em seus uniformes de marinheira (detalhe
quase sempre imprescindvel) os acompanhem em
restaurantes, cafs ou karaoks. Alguns deles tambm
fazem questo que elas os acompanhem at os hotis
do amor, uma face mais nebulosa do fenmeno.
Nos anos 90, perodo inicial e auge da prtica, os
homens interessados pagavam uma taxa e se alojavam
em instalaes fsicas, comumente administrada por yakuzas, onde recebiam, por telefone
dentro de uma cabine, as propostas das meninas interessadas. Hoje eles pagam uma taxa para
receber diretamente listas com nmeros de celular das garotas voluntariamente cadastradas.
Nesse mtodo, os homens deixam pequenas mensagens de voz explicando o que eles querem e
quanto desejam pagar, bem como as meninas mencionam como elas so, at onde esto
dispostas a ir (nas entrelinhas, claro) e quanto almejam receber. Algo como "Sou um cara de 35
anos e estou procurando algum para jantar comigo por 20.000 ienes. Se estiver usando seu
uniforme colegial, 30.000." H claro outros modos de 'aliciamento', como a abordagem pessoal
nas ruas e a internet (os merekura, sistema similar ao telefone, mas por e-mail). As regras do
encontro so previamente estabelecidas e geralmente respeitadas.
Abordagem - Enjo Kosai
Um pouco de estatstica para dar dimenses ao fato. Pesquisas indicam que no final dos anos 90,
algo em torno de 5-10% das alunas colegiais j tinha feito Enjo Kosai. Dessas, segundo pesquisa
do psiclogo Mamoru Fukutomi, 23% admitem terem se prostitudo, outros 23% alegaram terem
mantido uma relao sexual legal (falarei da legislao mais adiante, adianto que algo que
no envolve o coito genital), enquanto 48% afirmaram apenas oferecer companhia. Por outro
lado, cerca de 75% das colegiais japonesas j receberam alguma oferta de um homem. Apesar
disso, a coisa acontece atrs das cortinas e 70% da populao japonesa desaprova o ato, no
algo aberto e generalizado.
As tentativas de racionalizar o problema partem
de socilogos, psiclogos e especialistas de
diversas reas, dentro e fora do Japo. Os
pensadores estrangeiros tendem a generalizar os
encontros como prostituio infantil, mesmo
quando eles no implicam em alguma relao
erotizada. Os japoneses j preferem, de modo
geral, no reduzir o enjo kosai a prostituio pura
e simples, preferindo chamar o ato de "compra da
companhia da garota", quando os clientes
apenas
querem
um
rosto
fresco
para
acompanh-los no karaok ou algum para
conversar (ou monologar) durante o jantar.
do conta do perigo, acham que podem largar o Enjo Kosai quando quiser e tudo voltar a
normalidade. No bem assim. Ok, de fato elas so "freelance" e no esto nas mos de
nenhum cafeto, mas ignoram o fato que dentre os adeptos, sempre h o manaco disposto a
abusar, torturar e matar a contratada (e os casos registrados beiram o abominvel). Esquecemse de que na era digital qualquer infeliz tem uma cmera e que no dia seguinte o rosto dela
pode estar na internet masturbando um deslocado social. Tambm parecem no tomar parte
que muitos dos homens que pagam por sexo com elas fazem o mesmo com as prostitutas da
yakuza (a maioria 'importadas' do leste asitico e da Rssia para prestar favores sexuais
ilegalmente no Japo), com suas altas taxas de DSTs, como AIDS e gonorria, um perigo no s
para elas como para seus namorados ou eventuais parceiros. Algumas delas, entretanto,
tambm so perigosas. Aceita ir para o motel, exige que ele tome banho antes e, durante a
chuveirada do pobre ingnuo, ela esvazia a carteira dele e foge. A vtima nada pode fazer, pois
se denunciar preso por levar uma menor para o templo de Eros mediante pagamento.
"Ela sabe que alguns no querem usar camisinha. Mas nenhuma
de suas amigas nunca ficou sabendo de algum que tinha
pegado AIDS, ento tudo bem."
A prostituio se tornou ilegal no Japo em 1958 devido a
presso da comunidade internacional (quando o Japo ainda
lutava para ser reconhecido como pas civilizado e progressista),
mas sua definio estritamente especfica. Prostituio
apenas aquilo que envolve o coito genital, e geralmente pune as
prostitutas e os cafetes, no os clientes. Sexo oral ou
masturbao, por exemplo, no se enquadram como
prostituio. Alm disso, a idade de consentimento no Japo na
maioria das jurisdies entre 13 e 14 anos, logo, um cinquento
pode manter relaes com uma menina de 13 caso ela deseje e
caso o sexo no seja pago.
Habu Hoteru (Hotel do amor) em As autoridades japonesas sabendo das dificuldades de executar
Osaka
prises, tanto pelo formato fludo e annimo das negociaes
(que dificultam o flagrante e a prova do envolvimento financeiro
no acordo) quanto pelo anonimato dos rabu hoteru (que por questes de privacidade, no tem
contato visual com seus clientes), esto buscando focar seus esforos na educao de pais e
crianas, - caso da Accepting Adult Responsability - Give Youth a Future. Aiko Fujita da cmara
de Tquio afirma que "adultos deveriam ensinar a juventude corretamente no sentido de julgar
por si s se eles concordam ou no com a comercializao do sexo antes de criar
regulamentaes". Em 1999 as autoridades sentiram a necessidade de rdeas para controlar as
investidas dos homens frustrados e aprovaram novas leis, certamente uma medida incua, pois
provar que houve pagamento quase impossvel e o sexo com menores acima da idade de
consentimento segue aceito judicial e socialmente. Aes que serviram mais para tranquilizar as
mes enquanto seus irmos esto na caa por uma pequena Lilith disposta a vender sua
companhia, e quem sabe, seu corpo liso, afinal, em sua casa a Eva no quer ver a "cor da coisa"
faz um bom tempo...
O simples detectar do Enjo Kosai j tarefa ingrata. Os casais no Japo no manifestam sinais
fsicos de afeto em pblico. Como saber se o quarento engravatado est comendo uma pizza
com sua filha colegial ou est pagando para comer com a (ou simplesmente a) filha de outrem?
Alm disso, mesmo quando as famlias descobrem, no costumam comunicar as autoridades.
Ser vtima de abuso sexual uma vergonha que se projeta na famlia, pior ainda se envolver uma
menor. As meninas acabam vtimas do abuso e do silncio.
Apesar de a opinio pblica ser contrria a esse comportamento, no raro
ver professores, homens de negcio, policiais, representantes religiosos,
funcionrios do governo e at juzes serem detido pela prtica. O que mais
intriga a mdia japonesa a ausncia de remorso da maioria das garotas
envolvidas. Vrias delas no sentem nojo, repulsa, sensao de estar
fazendo algo errado mesmo quando o encontro envolve prostituio. Ao
contrrio, enxergam a situao de modo positivo. Elas ganham dinheiro e
oferecem um sopro de vida aos pobres homens sozinhos, lgica de
mercado total. Talvez porque o sexo no um tabu na sociedade
japonesa como nas sociedades ocidentais crists (ou nas judaicas e islmicas). Mais que isso,
as possibilidades financeiras da sociedade japonesa desvalorizaram ainda mais o valor da
virgindade, antigo artefato de barganha para arranjar um bom casamento.
Certamente uma hipocrisia sem tamanho por parte dessa mesma mdia que perpetua o culto ao
kawaii, fazendo com que homens caiam de quatro por uma saia plissada de uma estudante
menor de idade. Estas, nascidas numa sociedade materialista que passou dcadas s falando
em progresso e enriquecimento, no enxergam problema em rentabilizar sobre sua valiosa e
voltil aparncia pueril. Decadncia a palavra da vez que os adultos e a mdia escolheram
para definir a juventude japonesa. Professores, polticos, homens de negcio e representantes da
mdia acabam esquecendo que foram eles os responsveis pela criao do monstro de colocar
o lucro acima das proposies ticas. Quando no so eles prprios que pagam para cantar
com uma bela kogal ou compram revistas de crianas de 10 anos posando de bikini em poses
sensuais ou jogando vlei.
O Enjo Kosai ultrapassou fronteiras e ganhou popularidade em algumas regies do leste asitico.
Em Taiwan, diferente do Japo, os encontros so marcados apenas pela internet e o governo
local acaba generalizando prostituio e pornografia infantil como Enjo Kosai. Na Coria do Sul,
pas que no aspecto sexual muito mais conservador que o Japo, a prtica foi introduzida por
um dorama; considerado crime pelo governo de Seul, e a menina envolvida est sujeita s
punies da lei. Em Hong Kong, onde o Enjo Kosai tambm crime, o assunto ganhou
notoriedade com a morte brutal de Wong Ka-mui aos 16 anos de idade.
O mais engraado que inclusive o Enjo Kosai est
sendo acossado pela atual deflao da
economia japonesa. Segundo o jornalista Yukio
Murakami:
"Talvez devido prolongada recesso, a prostituio est
sendo atingida pela deflao. At alguns anos, o preo de
mercado para uma garota do ensino mdio era cerca de
25.000 ienes. Mas depois do choque da Lehman em 2008,
caiu para 20.000 e agora cerca de 15.000. As estudantes
universitrias so ainda mais baratas do que estudantes do
ensino mdio - talvez em torno de 10.000 ienes. E para donas
de casa que passaram dos 35 anos, o preo gira em torno de
Karaok, muito apreciado no Japo, um dos locais 9.800 ienes, incluindo o custo do quarto do hotel, um negcio
favoritos para o Enjo Kosai
incrvel."
vlido tambm citar que, apesar de bem menos comum, tambm existe o Enjo Kosai
masculino, chamado Gyaku-Enjo Kosai, o encontro reverso, onde mulheres ou homossexuais
pagam para sair com garotos nos mesmos moldes.
Finalizo esse grande post falando um pouco sobre a
explorao do tema nas manifestaes da cultura pop no
pas. O tema quase sempre tratado sob uma luz negativa.
Animes como Great Teacher Onizuka, Bokurano, Initial D, Super
Gals! e Puni Puni Poemi trazem referncias diretas ou veladas
ao Enjo Kosai. No cinema temos All About Lily Chou-Chou, de
onde Tarantino inclusive tirou uma msica para o seu Kill Bill, e a
expresso mais significativa: Love & Pop.
Hideaki Anno um diretor japons consagrado pela criao
do que talvez seja o anime mais importante dos ltimos 25 ou
30 anos, e certamente um dos mais cultuados de toda a
histria da animao mundial: Neon Genesis Evangelion
(homenageado at pelos animadores no filme dos Simpsons.
Acho que poucos entenderam as rvores aplaudindo o Homer
aps sua "iluminao pessoal"). Love & Pop, de 1998, foi a
primeira experincia de Anno fora das animaes.
Assim como Anno cuspiu na cara dos otaku com seu Evangelion, agora ele cospe na cara de
quem entra voluntariamente nesse lamentvel mundo da prostituio. Algo como: Quer se
vender, sua puta? Ento vai l! Voc vai comprar sua cmera, seu anel rapidinho, com uma
Hideaki Anno
Those Naughty Teenage Girls: Japanese Kogals, Slang and Media Assessments - Laura Miller
Enjo Kosai: Teen Prostitution, a Reflection of Society's Ills - Jamie Smyth
20 de Abril, 2011
Bakuman
Room 666
24 de Abril, 2011
Comentrios relevantes:
Seta - Daqui 16 anos reclamaremos do presente, e estaremos comentando como tudo era bom
16 anos atrs. Somos nostlgicos por natureza.
Kau - Seta, voc no captou o esprito do post. No uma questo de nostalgia, de dizer que o
ontem mais legal. A questo que a indstria do anime e do mang decadente. Apontar
que ela diminui em faturamento, est criativamente cansada, est se concentrando, no
valoriza seus profissionais, terceiriza a atividade em pases diversos e outros fatores inseridos na
crise econmica japonesa no so frutos da nostalgia, mas sim da anlise objetiva de fatos. Vem
do prprio Japo a idia de que se nada for feito, o fim ser inevitvel. E qual o grosso do que
est sendo feito? Moe e outras fetichizaes pra Otaku. Como esperar alguma obra
paradigmtica nesse cenrio? A esperana que venha algum e se destque cristalizando todo
esse lixo de forma inovadora, algo bem prximo do que Anno fez com Evangelion nos anos 90.
Stramundo - S nos daremos conta do quo excelente ser a tal obra daqui a 16 anos. Talvez
Evangelion em sua poca fosse um lixo para a maioria. Como as boas obras literrias, s sero
valorizadas na gerao seguinte...
Kau - Perfeito, perfeito. Isso que vocs falaram verdade. Apenas dirigi o foco para o cenrio
com os olhos de algum que gosta, no de quem racionaliza.
Stramundo, seu exemplo, no entanto, no compatvel. Obras literrias so obras de arte, muitas
vezes dcadas ou mesmo um sculo a frente de seu tempo. Animao japonesa cultura pop
feita pra ganhar dinheiro no momento, com a vaga possibilidade de se tornar um clssico. O
normal que ela seja reconhecida em sua poca, no na prxima gerao. Certamente a
histria eternizou o Pink Floyd, mas na poca, mesmo sendo apenas mais uma banda dentre
tantas, vendia horrores.
Frank - Ol Kau, sei que j faz tempo que voc fez este post, mas s conheci o blog esses dias.
Queria perguntar o porqu de escolher essas trs obras como marcos, no estou dizendo que
no so, mas acho que tiveram outras. Por exemplo, Death Note foi um mang diferente de
tudo que estava sendo lanado em sua poca.
Kau - Ol Frank. Na verdade no fui eu que escolhi, apenas citei um tweet interessante que li.
certo que se eu fosse escolher trs obras, separadas por intervalos semelhantes de tempo, muito
provavelmente seriam estas.
Death Note um ttulo interessante, mas no paradigmtico. Astro Boy, Gundam e Evangelion
no apenas marcaram suas pocas como definiram o futuro do setor no qual esto contidos.
Tanto que o Hideaki Anno est enchendo o rabo de dinheiro com suas infinitas pasteurizaes de
EVA, simplesmente porque desde l no surgiu nada que abalasse as estruturas.
01 de Maio, 2011
02 de Maio, 2011
sem nexo. A segunda metade da srie foca mais na relao dos irmos e a a coisa fica mais
perigosa.
Kirino - como Asuka ou Narusegawa -
uma tpica tsundere, personalidade
inicialmente hostil com determinada
pessoa, mas que aos poucos passa a
intercalar hostilidade com doura e no
fim, como num toque de mgica, se
mostra inesperadamente amvel com
o at ento alvo de hostilidade - e
vocs no imaginam como parte dos
japoneses gostam disso.
Tsundere
durante todo o anime. Resumindo, mostraram o que o Otaku esperava sem falar nada, tudo
velado enquanto presente.
Nem os doujinshis, de tudo quanto nvel, infantilizando ainda mais as personagens (questiono,
as sries ainda precisam de fan-service explcito quando h esse tipo de mercado paralelo?):
Com base nisso, intensifico minha crtica ao setor
dos animes. Nitidamente mais uma srie de roteiro
sonso, que serviu para Kirino e Kuroneko
esbanjarem clichs Otaku para o pblico-alvo. A
graciosidade pela graciosidade. O que antes era
artifcio de popularizao, hoje justificativa de
enredo. Lucrativo, verdade, mas at quando?
Como nenhuma experincia em vo, Kawaii
Imouto me fez relembrar animes onde o incesto
tratado de forma mais sria, madura e aberta, de
um modo que ocidental nenhum poderia supor
que uma animao seria capaz (j que o tema
o grande tabu da humanidade). E no so
poucos... Um bom tema para um futuro post, a fascinao que o japons tem, ou ao menos
trata, com o assunto.
Uma capa soft - o contedo vocs j imaginam...
Essa uma crtica subjetiva e pessoal do anime, voc tem todo o direito de no concordar.
04 de Junho, 2011
quem seja Hideki Tojo, Bash ou mesmo Yasujiro Ozu. Dominam, no entanto, sua paixo
especfica. Assistiram incontveis animes de todos os gneros existentes, sendo capazes de
decorar uma lista telefnica de nomes asiticos. Sinto-me um legtimo amador lendo redes
sociais do gnero.
O termo no costuma gerar vergonha em seus adeptos (o que pode ser facilmente verificado
nas comunidades do Orkut como: "Sou Otaku, com orgulho!"), ao contrrio, se gera alguma
emoo em alguns orgulho. At porque o termo desconhecido das pessoas menos
antenadas e dos adultos como um todo, e, mesmo quando conhecido, no gera estigmas
sociais significativas. Se carrega algum pesar, o rtulo compensa quando usado para gerar
pertencimento no grupo social. Existem eventos de cultura pop japonesa, todos sob a estrela do
Anime Friends em So Paulo, que ano
a ano parece se converter em uma
conveno Otaku. Um lugar para o
Otaku encontrar gente como ele, que
compartilham gostos e percepes,
usam bandanas do Naruto ou
plaquinhas com avisos patticos sem
sofrerem
humilhaes
pblicas,
partilham o prazer de usar ou apreciar
Cosplays e sorver litros de Mupy, a
bebida oficial dos Otaku brasileiros. (os
eventos tambm servem para alguns
olharem em volta e pensar "cacete, eu
gosto das mesmas coisas que esses
caras?" kkkk).
Chovi no molhado e ainda estereotipei um grupo social apaixonado. Foi proposital. A caricatura
far sentido quando eu comentar sobre o que ser um Otaku NO JAPO, qual o peso desse
rtulo por l e como as pessoas mundo afora que se pretendem como Otaku ignoram
completamente o peso e a realidade sociolgica da cultura e do povo que tanto admiram.
Como j me expus o suficiente falando do brasileiro, agora hora de citar autores; a questo
complexa demais para que eu meta minha humilde colher sozinho, passo o pepino para quem
conhece e vive a realidade: tienne Barral (@ebarajp), um japanologista (como dizem nossos
irmos lusos) francs que vive h muitos anos no Japo e entende bastante das subculturas do
arquiplago milenar.
Sua obra "Otaku - os filhos do virtual" foi lanada no Brasil e procura
explicar o fenmeno luz dos "relatos de caso, suas interpretaes
como produto de uma sociedade fundada na informao e no
consumo e o aprofundamento da projeo imaginria que deriva
desse grupo". De tudo que eu li sobre o assunto, foi sem dvidas o
texto mais esclarecedor.
Ainda estou esperando chegar dos EUA minha verso de "Otaku Japan's Database Animals" do crtico cultural Hiroki Azuma (Ph.D
em Cultura e Representao pela Universidade de Tquio) que
buscou entender o fenmeno atravs dos pensamentos de Lacan
e Kojve (pensador francs de origem russa que descreveu como
os americanos do ps-guerra se tornaram animalizados com o
progresso material, buscando apenas satisfaes imediatas para
suas necessidades, sem buscar maiores significados ou objetivos). Caso algum discorde de algo
do que est por vir, questione Barral e engrandea a discusso com suas percepes. No
descreverei verdades, apenas pontos de vista bem embasados. Isso no matemtica. Minha
contribuio ser na forma de exemplos e analogias e bvia construo do texto.
O Homo Sapiens progrediu imensamente atravs do empirismo, da transformao do mundo
real, da modelao do tangvel. O mundo de Newton e Descartes, das experincias, das
paradigmticas cincias duras de Thomas Khun, do Positivismo de Auguste Comte. A psicanlise
de Freud, a relatividade de Einstein e o Surrealismo de Dali apontaram suas armas no incio do
sculo passado. Eis que surge, no incio do nosso sculo, o Homo Virtuens, sem nada o que fazer
na realidade angustiante e redundante que o cerca, reivindicando o direito de sonhar
acordado!
Os otaku seriam a primeira gerao de Homo Virtuens, seres gerados no fim dos anos 70 e incio
dos anos 80 no Japo, em pleno auge da prosperidade econmica, embalados pela asfixiante
atmosfera de consumo, educao e informao em demasia. Refugiaram-se na fantasia,
"superalimentados por imagens propostas pela mdia". Uma descrio precisa existe no prefcio
do livro: "Rebelde desertor, o Otaku utiliza nosso mundo sem dele fazer parte.". Vivendo em sua
bolha pessoal, o Otaku ignora as relaes interpessoais, retarda sua entrada na vida adulta e no
mercado de trabalho e se relaciona com fantasias do universo bidimensial, sejam as graciosas
meninas de nanquim, seja a inatingvel cantora pop pixelada na televiso.
Antes que meu caro leitor ocidental afie sua faca e destile seu veneno contra os japoneses,
quero trazer a tona um dos assuntos da moda no meio acadmico na rea de comunicao, a
Gameficao (gamification). Trata-se de um fenmeno GLOBAL e
atualssimo onde as pessoas esto gameficando suas vidas, isto ,
transformando as tarefas dirias, das mais simples s mais
complexas, em jogos. Jane McGonigal em seu Reality is Broken
defende que ns precisamos urgentemente compreender o fato
das pessoas estarem gastando seu tempo em universos
gameficados, defendendo a tese que a humanidade est saindo
da vida para entrar no jogo. A nica forma de impedir o
esvaziamento do real em favor dos universos virtuais seria
desenharmos a realidade pelas mesmas regras que articulam os
games. De escolher o filme de amanh pelo telefone ao Toylet da
Sega. Dos ARG's nas aes de marketing a eliminar o participante
do Big Brother, o futuro interativo. Se vemos isso em sociedades
como a brasileira, como recriminar algo semelhante no ultradesenvolvido Japo dos anos 80, uma das casas do Cyberpunk?
"A realidade, comparada com os games, est quebrada. Ns precisamos comear a fazer
games para consert-la. (...) Na sociedade atual, computadores e videogames esto suprindo
necessidades do ser humano que o mundo real atualmente incapaz de satisfazer." Jane
McGonigal
Otaku
Tsutomu Miyazaki
Apesar disso os Otaku no so prias humanos como certas castas hindus. Diferente do
individualismo ocidental, o que rege a sociedade japonesa o coletivo, o grupo. NO EXISTE
VIDA fora do grupo no Japo. Estar absolutamente apartado de um grupo estar apartado de
si mesmo. O Otaku segue ainda minimamente ligado sociedade. Ele frequenta escola,
faculdade (muitas vezes a escolhida pela me, no por ele), algum trabalho (se for Hikkikomori,
est ligado minimamente famlia). Portanto, como a sociedade japonesa pode rejeit-los to
firmemente, sendo ela que os gerou com seus excessos?
Etienne mostra como situao semelhante existe no ocidente, mas descamba na toxicomania,
no consumo de drogas. Aqui h um ponto interessante. Por que os japoneses fogem no mundo
dos jogos ou dos animes e no nas drogas ou algo semelhante? Segue uma explicao
japonesa, corroborada por um escritor americano, o grande velho safado. (a ordem cronolgica
deve ser inversa):
"As telas de televiso substituiram as drogas no Japo. A rigidez das autoridades sempre impediu o
desenvolvimento de uma drug culture no Japo; ento as pessoas voltam-se para a televiso para sonhar.
No h muita diferena entre o LSD e o vdeo. O importante evadir-se, esquecer a banalidade do
cotidiano - eis porque os otaku so to sensveis a isso. Em uma sociedade ocidental, eles se drogariam com
outros jovens que se sentam mal na prpria pele; no Japo, eles se perdem no oceano de imagens, no
espelho miditico." Akada Yuli (editor e especialista em subculturas)
"Voc j notou que o LSD e a televiso a cores chegaram pro nosso consumo praticamente juntos?"
Charles Bukowski
No Japo a representao imaginria
toma o lugar do real que no
conforme deveria ser, ela trai a pureza
ideal. A juventude japonesa nasce
imersa num osis de imagens que
mistificam os papis sociais e reafirmam
esteretipos. Jovens que so induzidos
a se excitar com moe ou se apaixonar
nos moldes do shojo simplesmente se
frustram quando encaram a realidade
do sexo oposto imperfeito. Abre mo
do afeto e da carne quente por um 2D
idealizado, puro, essencial. Pro inferno
com o inexplicvel gnero feminino e
suas
idiossincrasias,
posso
dormir
abraado com um travesseiro da Rei
Ayanami e meus sonhos, isto basta!
"No que eu no diferencio a fico e a realidade, que eu prefiro, de longe, a fico realidade. Da a
perda do sentido da realidade social e o desinteresse pelo vesturio, pela aparncia e, finalmente, por tudo
o que interessa aos jovens da minha idade. Qual a vantagem de respeitar as convenes de um mundo no
qual no se reconhecido? Estou melhor em minha bolha imaginria." Kiritoshi Risaku (autor do livro "O
menino e os domadores de monstros").
Atentem para essa sequncia do excelente anime NHK ni Youkoso!, Yamazaki (de azul), otaku
assumido (vejam a decorao do quarto e as colees no armrio) pragueja contra as
mulheres, e as renega imediatamente aps vestir uma mscara otaku, simbolizada pelo
personagem tokusatsu. Uma mensagem de que ele no precisa delas enquanto tiver moe e 2D
"Creio que no se deve confundir os sintomas com as causas. porque so abafados pelo meio social que
os jovens escapam para a dimenso virtual. Nossa gerao cresceu sem razo real para se orgulhar de si
mesma. De fato, no h nada que nos valorize, que nos diga que somos indispensveis. Para mim, os Otaku
especializam-se em domnios que lhes so prximos, como os mangs, os desenhos animados, os dolos ou
os computadores, para afirmar sua personalidade. Eles querem, assim, ser reconhecidos, ter o sentimento
de existir aos olhos de seus pares e reforar seu prprio ego. difcil viver sem ter alguma razo para se
orgulhar de si prprio. Akai Takami
Encerro esse post deixando claro novamente que ele teve como base o livro Otaku de Etienne
Barral, inclusive com passagens literais ou adaptadas. Recomendo demais o livro aos
interessados, que isso tenha servido como aperitivo.
Comentrios relevantes:
Nathan Petrin - "Vivendo em sua bolha pessoal, o otaku ignora as relaes interpessoais, retarda
sua entrada na vida adulta e no mercado de trabalho e se relaciona com fantasias (...).
Apenas uma dvida que surgiu durante a leitura: Essa condio de "isolamento da realidade"
algo consciente e voluntrio, ou inconsciente e involuntrio? Por exemplo, o Otaku japons,
assume essa forma de vida de modo pensado e racionalizado, sabendo das consequncias, ou
ele age mais por "auto-defesa" sem medir muito suas aes e razes?
Kau - Nathan, difcil responder isso de modo fechado, cada caso um caso.
Muitos dos Otaku foram crianas deslocadas socialmente, que sofriam ijime (o bullying japons, e
l o bicho pega, no s modismo pedaggico), que eram humilhadas pelo sistema
educacional japons. Outros so os caras com traos de carter mais introspectivo, que sempre
existiram em todos os locais.
De modo bem geral, so pessoas que no conseguem se integrar na sociedade como ela ,
no aceita seguir suas regras, no a entende. No comeo ele sofre com isso e foge para o
'espelho miditico' como defesa mesmo. Quando ele se depara com um mundo idealizado e
fantstico da competente cultura pop japonesa, e simplesmente no quer voltar para a
realidade que o segregava, com o professor que o humilhava, com os amigos que o zoavam,
com as mulheres mercenrias, com o trabalho entediante...
Isso viso pessoal: Creio que o grosso escaldado (principalmente pela educao), se
defende de modo inconsciente no universo pop e quando percebe a nica coisa que sustenta
suas vidas... ento, decidem voluntariamente continuar com o que lhes oferece satisfao, se
sentem mais felizes na bolha imaginria. O que no deixa de ser uma fuga, at uma vingana. E
um claro sinal de agresso sofrida, pois, prefiro acreditar que ningum, em lugar algum e em
nenhum momento da histria, prefira hentai mulher de verdade.
Barral cita o caso de um desenhista de mang erticos amadores (vendem sua produo em
alguns eventos locais) que era fisicamente bonito. Questionado sobre isso, ele respondeu
laconicamente que no isso no o interessava. Mas como disse, cada caso um caso.
Menciono aqui o estado mais grave do gnero, h um escalonamento no nvel de otakice e
nem todos, talvez a maioria, seja desse jeito. No sei nem se os japoneses tm respostas para isso.
Cristiano - Muito bom, nunca tinha tido uma viso to ampla do termo, apesar de j ter lido
artigos sobre o peso do termo Otaku... Hoje tenho 24 anos, gosto muito da cultura pop japonesa
e no me vejo daqui a dez anos deixar de gostar, mas hoje em dia algo muito saudvel, pois
no trocaria por sair beber com os amigos, sair com a namorada, ir num churrasco com a famlia
ou qualquer outra interao social para me isolar, mas j fui altamente fissurado que cheguei a
sair da realidade, qualquer outra realidade fora dessa bolha pessoal no me interessava, talvez
s no fiquei pior porque tive que trabalhar desde jovem e pela minha ambio por melhorar
em minha profisso, afinal no brasil difcil os pais terem condies de criar um hikikomori.
Parabns pelo blog, muito bom mesmo, espero novos tpicos, abraos.
Kau - Cristiano, voc tocou num ponto importante. A realidade scio-econmica do Brasil
ainda no permite excessos como os japoneses. Por isso ns nos descuidamos, achamos que isso
s acontece em "lugares exticos". Esses bolses de prosperidade, Tquio, Seul, Londres, esto
chupando pessoas para o virtual para no devolver mais! Aparentemente, ter que acontecer
aqui para as pessoas acordarem.
Aline - Se me permite uma sugesto, nos seguintes textos, use uma linguagem menos formal, pois
sabemos que inteligente e escreve muito bem. S que quem realmente precisa ler e entender
o seu texto desiste antes da metade. D pra ser mais conciso mesmo sem perder contedo.
Kau - Ol Aline, obrigado pelo feedback.
Na verdade fao isso propositalmente, eu apenas posiciono meu blog para um pblico mais
maduro. Abro mo de uma audincia mais numerosa para atingir um pblico mais fiel e com
uma bagagem maior, que traga consigo outras informaes e pontos de vista. Essa postura
parte de uma das intenes principais que motivaram a criao desse blog, praticar o hbito de
escrever e pesquisar fontes. Na blogosfera existem endereos at demais sobre o assunto, mas
realmente poucos com essa pegada. Apenas escolhi meu canto.
20 de Junho, 2011
personalidade que consolidou o molde do gnero shonen nos anos 70, refletindo o esprito
japons da poca: Nekketsu.
No, agora no vou vir com o antigo discurso que traduzir termos japoneses sempre
complicado. Nesse caso bem simples. Nekketsu pode ser entendido como "sangue quente".
Esse trao de personalidade jovem, passional, apaixonado e dramtico definiu a maior parte dos
protagonistas (bem como viles, adversrios, coadjuvantes e outros) dos mangs e animes no
final dos anos 60 at o fim dos anos 80.
Kyojin no Hoshi
"Joe finalmente foi transferido para o reformatrio e foi recebido com arrogncia... Diante de
tanta crueldade e brutalidade, o que ser do amanh?"
"Se pelo seu futuro... Joe! Livre-se desse isolamento, rumo a um amanh fascinante! E agora,
com essas frias barras de ferro a nos separar... O que ser do amanh?"
"Ento, Joe do amanh... O que ser de voc?"
fcil notar no apenas a insegurana do hoje como uma otimista viso do futuro como uma
promessa que deve ser atingida, ainda que cobre um preo elevado. Ashita no Joe mostra um
Japo que guarda semelhanas com nosso atual Brasil, onde se v as fbricas e a construo
civil como pano de fundo da trama, num pas recheado de favelas, esgoto a cu aberto e
miserveis convivendo com outros de imensa prosperidade. Uma viso que assusta quando o
olhar est por demais acostumado com os Oreimo da vida, onde o Japo to limpo e
perfumado que at ataca a alergia.
Como gnero, o nekketsu se modificou com o tempo. Joe Yabuki, por exemplo, no era flor que
se cheire. O cidado foi at parar na cadeia por causa de um golpe financeiro. Os
personagens, no entanto, foram se tornando cada vez mais politicamente corretos conforme a
bolha econmica inflava nos anos 70/80. Surge o nekketsu dicotmico. Goku a personificao
da ingenuidade, incapaz de fazer mal a um inseto, mas fervia o sangue na possibilidade de uma
luta prazerosa. Seiya, sem todos os seus sentidos, tirava fora sabe l de onde para interferir
possitivamente num conflito divino. Obviamente as excees sempre existem e Yusuke Urameshi
de Yu Yu Hakusho no perdia a chance de passar a perna em algum, colecionando atos de
indisciplina.
Hoje ainda temos o esteretipo do nekketsu nas sries
shonen atuais como Naruto, mas j vemos o padro da
bunda-molice invadindo. Personagens bundes como
Shinji Ikari (Evangelion), Keitaro Urashima (Love Hina) e
Makoto (School Days) j trazem o sentido herbvoro para o
anime/mang.
Vlido lembrar como o esprito nekketsu foi trabalhado no
episdio "O recorde mundial" de Animatrix. Dirigido por
Takeshi Koike, um corredor, obstinado em superar seu
prprio recorde mundial, distorce o simulacro criado pela
Matrix e sai da caverna platnica virtual por alguns
instantes.
23 de Junho, 2011
burocrticas e insensveis, onde o afeto se apresenta com a escassez dos diamantes. O niilismo
est presente na denncia de anomia da sociedade japonesa. Os protagonistas de Murakami,
ao contrrio de seus discursos, costumam ser passivos vouyeurs de suas prprias vidas vividas a
esmo (seu pensamento alinhado com Hideaki Anno).
O ponto que a obra de Murakami aponta falhas sem ofertar possibilidades ou alternativas. Nas
palavras de Wendy Nakanishi, a obra de Haruki " caracterizada pela passividade, com sua
atmosfera alternando entre uma diverso caprichosa e uma tristeza agridoce". Afinal, quem
consegue propor opes para esse Japo? O mrito de Murakami est mais em dar corpo a
uma atmosfera histrica (para quem sabe ser do Japo atual o que Mishima foi do Japo
imediatamente ps-guerra) que caminhos aos seus leitores.
Murakami acredita que a nao japonesa ainda um povo em busca de identidade. Fizeramnos acreditar que o progresso material os fariam felizes; eles chegaram l e perceberam que no
bem assim... A crise em 1995 foi um golpe muito forte nas esperanas japonesas, e justamente
nesse perodo as vendas de seus livros conquistaram sensvel aumento. Processo semelhante
aconteceu nos EUA quando o 11/9 provou de uma vez que o Fim da Histria proposto pelo infeliz
Francis Fukuyama era uma farsa; tambm l os livros de Murakami estouraram em decorrncia
da crise de segurana do povo americano. Haruki enxergou o mesmo fenmeno tambm na
Alemanha e Rssia.
Capa nacional de Minha Querida Sputnik
O legado de Murakami, ainda em construo, universal apesar
de japons, uma vez que o cotidiano do jovem nipnico, em
tempos de globalizao, j no mais to diferente do dia-a-dia
de jovens em outras sociedades ps-industriais como os EUA e o
Reino Unido, ou mesmo em certos pontos dentro do Brasil ou Coria
do Sul. A tnica de sua obra a perda de algo e seu vazio
decorrente. Seja na perda de uma pessoa fsica, de uma ideologia,
de uma poca, os livros de Murakami sempre retratam jovens
solitrios em busca de algo para preencher um vazio que as
convenincias da onipresente indstria so incapazes de suprir. Sua
produo no apenas japonesa, atual. Dialoga com uma
juventude global que, prspera, precisa de estmulos contnuos, pois
se parar por um minuto que seja, desmorona pela fraqueza dos
alicerces. Agora entendo (quando li, alguns anos atrs, no havia
compreendido) a abordagem crua da sexualidade em seus livros. Se no h significados ou
objetivos a vista, um encontro quente com algum pode ajudar a conquistar mais uma noite de
sono tranquilo. E amanh a gente v o que faz...
No Japo Murakami divide opinies. Quase unanimidade entre os jovens (alguns at decidem
estudar em Waseda para viver o clima universitrio narrado em Norwegian Wood), Haruki
muito criticado por um ala mais conservadora que o taxa de ocidentalizado demais, pop e at
trash, preferindo os caminhos literrios de Kawabata, Oe, Mishima e Tanizaki. Quando mencionei
que ele fugiu do Japo por alguns anos, ele fugiu mais especificamente da elite literria do pas.
Ele no fugiu das tradies japonesas, mas de um crculo literrio que defende a pureza restritiva
da cultura. Murakami odioso confesso dos livros de Yukio Mishima.
"Se est na plena escurido, tudo o que pode fazer sentar e esperar, at que seus olhos de acostumem com
o escuro" Murakami
"Procuro uma casa com comida deliciosa, publico a matria na revista e apresento-a a todos. V aqui.
Experimente tal coisa. Mas qual a necessidade de se fazer isso? No deveriam todos comer o que
quisessem? Por que precisam da indicao de algum at para achar um lugar para comer? Por que
necessitam que algum lhes ensine a escolher o menu? Sabe, as casas apresentadas nessas revistas vo
decaindo no servio e na qualidade medida que ficam famosas. Isso acontece com oito ou nove entre dez,
sabia? porque se perde o equilbrio entre oferta e procura. isso que fazem as pessoas como eu. Cada
vez que encontram algum lugar, vo destruindo-o com bastante esmero. Quando acham um branco puro,
deixam-no todo sujo. As pessoas chamam isso de informao. A informao sofisticada nada mais do que
passar uma rede por todo o espao do cotidiano sem deixar escapar nada. Estou cansado disso. Cansado de
estar fazendo isso. (Murakami)
Fontes:
Ten things you need to know about Haruki Murakami (Stephen Armstrong)
Nihilism or Nonsense? (Wendy Jones Nakanishi)
27 de Junho, 2011
Com o ritmo vertiginoso das evolues tecnolgicas, as grandes empresas responsveis pelas
plataformas de videogame enfrentam sempre o risco da inovao. Manter-se na zona de
conforto arriscado, pois deixa o caminho aberto para a inovao de algum concorrente e
consequente perda de marketshare (participao de mercado) e imagem com os
consumidores. Fugir do padro tambm muito perigoso pelo fato da inovao trazer sempre o
risco da rejeio do pblico, com consequente perda de imagem e milhes de dlares em P&D
investidos em um produto que no vende. A Nintendo se deu bem com o Wii, modificando a
forma de se jogar videogame a partir de alteraes no modo de uso do joystick, consagrado
desde a dcada de 80 pela Atari. A Sega fracassou quando lanou uma plataforma voltada
aos games online em 1999, o Dreamcast. (no que esse tenha sido o nico fator)
Wii, inovao de risco que deu certo
A onda do momento o 3D. A
Nintendo, surpreendendo a todos,
anunciou em 2010 o Nintendo 3DS,
herdeiro da srie DS de portteis com a
tecnologia 3D. Com um detalhe: Sem a
necessidade dos culos especiais para
a gerao do efeito. Para quem se
interessa pelo aspecto tecnolgico,
aqui (www.tecmundo.com - como
funciona o efeito tridimensional do 3ds)
tem um breve explicao.
Os riscos no so pequenos. Usurios
que j experimentaram o 3DS afirmam que o diferencial da tecnologia 3D, canalizador dos
esforos de comunicao da Big N, o que menos impressiona no porttil, dando maior
destaque para o hardware mais avanado em relao ao antecessor, realidade aumentada
e ao Street Pass. Se o 3D no impressiona por mais de duas horas e as reais vantagens so as
outras, a concorrncia do Next Generation Portable (NGP) da Sony e os aplicativos dos
Smartphones, sobretudo da Apple, podem reduzir a vida til do console. (Acredite, gamer, nem
todos encaram tecnologia como voc)
No d para subestimar a nova gerao de
smartphones
Aliados a esses fatos, deve-se somar os problemas
intrnsecos da tecnologia 3D. Muitas pessoas ficam
com enjo, fadiga ocular ou forte dor de cabea
aps ter contato com ela, o que certamente
afugenta consumidores potenciais que no tem a
inteno de investir em um novo porttil para deixar
desativado seu diferencial, podendo olhar com mais
carinho para os afagos de marketing e atributos
exclusivos oferecidos por Sony, Apple e outros.
Mdicos e a prpria Nintendo recomendam que
crianas menores de sete anos no deixem o 3D
ativado e que qualquer usurio faa pausas aps 30
minutos de uso. A situao perigosa. Crianas so fortes consumidores da srie DS - sobretudo
no Japo - e parte significante deles simplesmente no podem usufruir da tecnologia que d
nome novidade (h uma trava cifrada para os pais impedirem o uso do 3D pelas crianas).
Alm disso, jogadores mais maduros ou hard users no ficaro contentes com a necessidade de
parar o uso para no prejudicar sua sade, gerando a paradoxal situao da prpria empresa
se colocar contra a intensificao do uso do seu prprio produto - ou de seu atributo
diferenciado, para no citar o possvel risco de algum parar no hospital acusando o aparelho,
gerando um buzz extremamente negativo na mdia.
Nintendogs, um dos clssicos do DS
Curiosamente, a empresa que mais tenta empurrar
a tecnologia 3D garganta abaixo do mundo a
concorrente Sony, na inteno de compensar a
acomodao nas vendas do PS3 com a oferta de
televisores e blu-ray 3D. Como o conglomerado
dono de estdios de cinema, vive lanando filmes
em 3D tambm para alavancar suas vendas (E
tome Homem Aranha 3D). Muitos consultores e
especialistas em tecnologia afirmam que a
segunda onda do 3D, como nos anos 50, no ir
para frente, pois apesar da maior sofisticao,
esbarra nos mesmos problemas de antes: Sua
apreciao incmoda e cara. O futuro pode ser
sim tridimensional, mas o fracasso nas vendas de
televisores 3D no mercado japons indica que ele pode no estar to prximo quanto indstria
do entretenimento desesperadamente sugere.
A Nintendo comemora o sucesso da pr-venda com o p bem atrs, uma vez que conhece
melhor que ningum os riscos mercadolgicos do seu novo produto. Possivelmente nem eles
acreditam no seu diferencial e at por isso investiram tanto em outras especificidades (estas,
interessantes para um mercado tech de massa como o japons, mas nem tanto para os outros vide o StreetPass - uma quase nulidade diferencial para o inspido mercado brasileiro de
portteis). Mas o mundo hoje se pretende 3D, e o medo de ficar parado maior que o medo de
errar.
02 de Julho, 2011
final (Yu Yu Hakusho). No so histrias que abordam reinos medievais nem seres almejando a
conquista do universo, mas sim o cotidiano das famlias japonesas, seu dia a dia humano e
orgnico. No costumam possuir a acidez do humor americano, so mais conservadores e
mesmo educativos. Talvez seja o nico gnero que sobreviveu ao boom Otaku da cultura
japonesa, permanecendo acessvel para todas as geraes e tambm por isso gozam das
maiores audincias. Falarei brevemente sobre algumas sries histricas contidas ao menos
parcialmente no gnero.
episdios. Aps mais de quatro dcadas, continua sendo animado ao modo antigo (celulide,
sem computadores), mantendo as maiores mdias de audincia dentre os animes e
frequentemente figurando no top 10 de toda a programao televisiva. Acredite, Sazae-san
deixa One Piece, Dragon Ball Kai e Detetive Conan comendo poeira (geralmente flutua entre
18% e 25% enquanto One Piece fica na faixa dos 10%). A justificativa do sucesso est no pblico
alvo diversificado, no sentido nostlgico (a criana que cresceu lendo as tirinhas segue assistindo
aps adulto at como uma resistncia a invaso dos clichs Otaku) e pela temtica simples que
coincide com a opinio do japons sobre seu ncleo familiar.
No s Pokmon que possui loja exclusiva
Um espectador ocidental, acostumado com
Family Guy, provavelmente no vai gostar muito
de Sazae-san, no apenas pelo clima pouco
cido, mas tambm pela barreira cultural. Muitas
das piadas dialogam com os hbitos do povo
nipnico, s quem viveu l consegue decodificar.
No Japo, alm do exorbitante nmero de
episdios e tirinhas produzidas, j fizeram pea de
teatro, trs live action e at uma loja exclusiva
com produtos temticos da srie. Um clssico que no pode ser ignorado de modo algum pelos
fs do pop japons.
Meus vizinhos, os Yamada
Um ttulo interessante com perfil idntico Meus
vizinhos, os Yamada (Tonari no Yamada-kun),
inicialmente publicado no Asahi Shimbun entre
1991 e 1997, escrito por Hisaichi Ishii no mesmo
formato yon-koma. Diferente de Sazae-san, que
comeou num Japo conturbado, as tirinhas de
Ishii j fazem pardia com a atual classe mdia
japonesa, trazendo um casal mais velho e filho crescido. Teve uma verso animada feita pela
Toei Animation e exibida pela Tv Asahi no comeo do sculo (total de 61 episdios).
Foi premiado com uma animao do consagrado
estdio Ghibli em 1999 (no nas mos de Miyazaki,
mas sim de Isao Takahata, o mesmo de Tmulo dos
Vagalumes [Hotaru no Haka] e Pon Poko), a
primeira animao do estdio a trabalhar
inteiramente com computao grfica para criar
a impresso da aquarela. No filme, temos a
sensao de estar assistindo diversas tirinhas
animadas sobre o cotidiano da famlia, fugindo
completamente do perfil - tanto no que tange
roteiro quanto esttica - que consagrou o estdio
Ghibli, o que talvez justifique o retorno financeiro abaixo do esperado.
Novamente, o ttulo fica restrito ao mercado nacional por lidar com o cotidiano e o repertrio
cultural do povo japons. Poucas pessoas fora do arquiplago entenderiam a histria que brinca
com Gekkou Kamen, (e no com Kekko Kamen, como afirmei primeiramente - crditos ao
annimo pela correo). Uma srie de tiras brinca com a idia de gengibre no caf da manh
como causa de esquecimentos, um mito fora do meu repertrio, logo, nada engraado. Ainda
sim a animao de uma sensibilidade muito grande, principalmente o incio que fala da vida
familiar atravs da metfora de um barco em alto-mar (e alertando que perigo maior so as
guas calmas, que afastam as pessoas, mais do que os mares turbulentos, que as unem) ou
quando uma srie de tirinhas finalizada com Haicais de poetas clssicos como Matsuo Bash.
Crayon Shin-chan
Saindo um pouco do politicamente correto,
inevitvel citar o Stewie Griffin japons, o garoto
de 5 anos Shinnosuke Nohara, Shin-chan para seus
prximos. Evidente que ele no chega ao nvel de
Griffin, mas no Japo visto como um mau
exemplo para as crianas. Imitador, dono de um
precoce apetite pelo sexo oposto, Shin-chan vive
infernizando a vida de sua famlia com sua
imaginao sem limites. Publicado em mang
desde 1990, a criao de Yoshito Usui j est
contida nas revistas semanais de mangs, e no nos jornais, no entanto, suas peripcias no
costumam superar duas pginas. A caracterstica da srie que salta aos olhos a sacudida que
o personagem d na pacata e educada sociedade japonesa.
O anime, em exibio desde 1992, um dos mais duradouros da televiso japonesa, superando
os 800 episdios. O tom da srie amenizado na animao quando comparado ao mang.
Shin-chan, diferente dos dois exemplos citados acima, contou com ampla divulgao
internacional, sendo transmitido at em pases como Israel e ndia. No Brasil, a srie j foi
televisionada pelo Animax e Fox Kids, enquanto o mang foi porcamente publicado pela Panini,
que cancelou o ttulo sem anncio oficial, aps 10 edies (pelo menos a histria no
sequenciada, como Dr. Slump ou Sanctuary que foram cancelados no meio e dane-se).
Doraemon
Para finalizar, no poderia usar outro nome que
no fosse o do, segundo o governo japons,
embaixador do anime: Doraemon, a srie
definitiva do mang infantil. Desenhado pela
dupla Hiroshi Fujimoto e Abiko Motoo (que
assinavam a obra com o pseudnimo Fujiko Fujio os mesmo de Paaman, popularizado no Brasil
como Super Dnamo) de 1969 a 1996.
Doraemon um rob vindo do futuro (2112) para
salvar o garoto Nobita Nobi de sua prpria
mediocridade, que condenar seu futuro e far sua famlia herdar suas dvidas por geraes. Um
parente futuro de Nobita envia o rob para ensinar ao garoto o caminho do esforo e garantir o
destino da famlia, j que o menino adepto da lei do menor esforo, acomodado com sua
mediocridade. Doraemon ento precisa salvar Nobita das enrascadas do dia a dia, carregando
uma bolsa mgica em si da qual retira toda uma sorte de objetos. A srie que traz uma
variedade de lies morais no deixa de conter certa crtica social sobre as crianas japonesas,
ausentes de privaes na mesma proporo que mimadas pelos pais. Segundo Cristiane Sato,
em seu livro Japop, o nome Nobita Nobi remete expresso nobi-nobi, a forma 'saudvel' com a
qual os casais japoneses esto tratando seus filhos, sendo excessivamente permissivos na infncia
parcialmente, s que infelizmente minha desconfiana estava certa. Madoka Magica est
longe, bem longe do patamar de EVA.
O udio-visual do anime sensacional, sobretudo nas aparies das bruxas, como se Dali e
Picasso se unissem para animar tendo como matria-prima recortes de Murakami e Kago. Assistir
Madoka Magica me remeteu constantemente, numa comparao sinestsica estapafrdia que
provavelmente no far sentido a ningum, ao disco Pawn Hearts do Van der Graaf Generator.
Um som cristalino frequentemente recortado por aparies instrumentais violentas, ainda sim de
enorme beleza. Mahou Shojo trespassado por uma pretensa violao ao templo da moezice
Otaku.
No meu ver, essa pretensa desconstruo se
desmorona com a reafirmao dos valores otaku
no final da trama. O Subete Animes trouxe uma
interessante viso de Madoka Magica como um
teste da indstria japonesa para medir at que
ponto o pblico alvo tolera esse tipo de agresso,
num regime de morde-e-assopra, onde voc
"desconstri" para impactar e no final oferece mais
do mesmo, para acalanto do pobre e aliviado
Otaku, so e salvo nos braos do moe.
A fora de Madoka Magica? Conseguir se destacar em diversos pblicos ao mesmo tempo em
que garante bom retorno financeiro nesse lodaal moe que virou a animao japonesa (sem
afugentar o pblico Otaku). Conseguiram fazer um ttulo palatvel para o pblico no-hardcore
com todos os clichs para que a srie se torne lucrativa no mercado nacional deles. Sim, d
para fazer coisa boa apesar dos pesares. Alm disso, cutucou de leve o rumo do setor; mesmo
que o final Otaku seja determinado por questes econmicas, ao menos levantou a bola: "J
chega?.
A limitao de Madoka Magica? Limitou-se a levantar a bola para nenhum jogador cortar, j
que ela prpria no se atreveu. Com a crise atual, ningum vai se arriscar a propor caminhos
novos que coloquem em risco sua frgil rentabilidade. E mais do mesmo - o outro caminho
possvel - j lanado aos quilos toda temporada.
Portanto a comparao com Evangelion
apaixonada, descabida e irracional. Claro,
qualquer um livre pra gostar mais do primeiro (
livre para gostar mais at de Ore Imouto), mas
colocar o clssico de Hideaki Anno em
perspectiva por causa dessa obra um exagero
monumental. At por uma questo lgica.
Madoka apenas encontrou um lugar de destaque
(que ainda nem sabemos se ser solidificado com
o tempo ou sumir como fogo de palha) reafirmando valores de um paradigma j cansado e
doente - ainda que tenha brincado de desconstruo de modo muito competente e
provocativo em vrios episdios.
Evangelion, ao contrrio, asfixiou paulatinamente a atmosfera dos personagens e no final no
aliviou, no passou a mo na cabecinha de Otaku falando que o pesadelo tinha acabado e
agora ele finalmente poderia nanar com seu travesseiro da Asuka em seu elegante e curvilneo
plug suit. Fez o inverso com os ltimos dois episdios. Apresentou um caminho, com um tom da
terapia psicanaltica a meu ver, mas deixou claro que se o telespectador quiser continuar
vivendo como um Shinji da vida, que continue, a vida sua, jogue-a no lixo como bem entender
(de preferncia gastando bastante com produtos da Gainax). O mais cmico ver como
Evangelion segue mais idolatrado pelo prprio Otaku do que essas sries criadas sob medida
para agrad-lo sem agredi-lo.
Sim, sou f de carteirinha de EVA, mas acho lamentvel um anime de 1995 se manter como a
ltima grande prola e mais ainda essas pasteurizaes que o Anno est criando com a franquia
Evangelion - amparado pelas mltiplas possibilidades abertas com o processo de
instrumentabilidade humana - para encher os bolsos de dinheiro. Como no sai nada melhor, ou
ao menos mais relevante (para os que no so to fs), essa semana contribuirei com seu
enriquecimento comprando Evangelion 2.22...
Asuka ao saber que ainda no chegou o momento
da aposentadoria
Acabei fazendo um texto mais duro do que
pretendia, afinal, gostei muito de Madoka Magica,
mas acho necessrio manter o tom mais ctico e
sereno enquanto outros blogs tratam de modo
muito eficiente, ainda sob o encanto da srie, as
qualidades desse mahou shojo. Se voc curte
anime e est um pouco adaptado com os ttulos
recentes, no perca tempo, Madoka foi uma das
melhores coisas que surgiu recentemente e provavelmente ser o anime do ano.
Talvez Evangelion tenha conseguido o que conseguiu, pois o contexto se mostrava mais
favorvel. Para manter a pegada musical, farei uma analogia para simplificar a viso. Msica na
segunda metade do sculo XX sempre foi mercadoria, mas at o comeo dos anos 70 uma
banda mainstream conseguia gravar msicas com mais de 20 minutos e a gravadora
inacreditavelmente aceitava que ela ocupasse um lado inteiro do LP. Na segunda metade dos
70's e todo os 80's, o retorno crescente atraiu grande empresas para o ramo e o trem dos lucros
fceis no deixava muito espao para o que no soava tolo (e certamente lucrativo) como a
disco music e posteriormente o pop mela-cueca. A diferena que na msica isso foi motivado
pelo volume espantosamente crescente de faturamento que atraiu s administradores e no
mais msicos (ou adm que entendem da coisa) para o controle do ramo; no anime atual, a
intolerncia ao risco medo de quebrar mesmo.
Kyuubei - Madoka Magica
Meu destaque maior vai para o Kyuubei, essa
criatura racionalmente amoral. Passando um falso
simulacro de bondade devido aos seus atributos
kawaii, Kyuubei se mostra aos poucos um
verdadeiro manipulador dono de inteligncia
interpessoal diferenciada (um atributo bastante
humano, a despeito de sua ausncia de
emoes).
Ele desprezivelmente sdico ao jogar as garotas mgicas na desgraa de modo consciente e
aberto, mas seu objetivo maior - de deter a entropia universal que levaria todas as civilizaes do
cosmo ao caos - justifica plenamente suas aes. Alis, se justificaria mesmo se ele apresentasse
sentimentos humanos. A desgraa pessoal de meia dzia de meninas no uma pechincha
pela reverso da entropia de todo o universo? Racionalmente, claro que . No moral, mas
compreensvel. O ser humano faz isso a todo o momento. Batalhes inteiros de soldados so
descartados como peo no Xadrez por um dito objetivo maior, no sem antes sujar as calas ao
experimentar todo o horror da guerra. Churchill sacrificou uma cidade inteira para no
evidenciar ao nazistas que a Inglaterra tinha quebrado a criptografia alem, esperando um
momento mais oportuno para o bote. No preciso nem ir to longe, o exemplo do gado dado
na prpria srie cumpre seu papel.
No, eu pessoalmente no conseguiria fazer nada semelhante, mas por uma questo
emocional. Racionalmente, o que se pode fazer. Por isso Kyuubei o personagem mais
significativo da srie. Sua argumentao indelvel na mesma proporo que repugnante, pois
o anime foca na degradao das meninas, no nas sociedades inteiras salvas graas
corrupo de suas almas. Ele te faz simpatizar com algo que voc no sabe muito bem se
certo concordar, e toda fico que me deixa esse sabor agrdoce na boca tem meu respeito.
Laranja Mecnica
Vladimir Nabokov em seu clssico Lolita consegue,
com sua infinita erudio, gerar empatia entre o leitor
e Humbert Humbert, personagem sexualmente
doente que descreve sem d suas maquinaes e
sua fraqueza, situao que frequentemente gera
muito desconforto nos leitores, levando alguns at a
abandonar o livro tamanha a fora do clssico. No
cinema, o exemplo mais bvio o de Laranja
Mecnica, onde nos pegamos torcendo por Alex
DeLarge, personagem que espancou e estuprou sem
maiores arrependimentos, quando ele submetido a
represso estatal e represlia dos populares anteriormente violados por sua conduta. No que
Madoka Magica tenha a fora de Nabokov ou Kubrick, mas pensando no pblico alvo da srie,
o impacto certamente titnico. Finalizo o post como comecei, falando de msica, esta, com
um perfil bem kyuubeiano:
"Some of you are going to die,
Martyrs of course to the freedom that I shall provide" (The Knife - Genesis)
08 de Julho, 2011
Hachiko foi um puro co japons da raa Akita nascido em 1923 e levado para a capital pelo
professor da Universidade de Tquio Ueno Eizaburo. O professor morava no subrbio de Shibuya e
se locomovia de trem rumo ao trabalho. O que espantava os demais usurios do trem era a
companhia do co Hachiko, que seguia seu dono at a estao, onde se despediam, voltando
juntos para casa aps o laborioso dia do professor Ueno. A notvel rotina se repetiu por cerca de
um ano e meio, at o dia 21 de maio de 1925, quando o professor sofreu um AVC que o levou ao
bito na Universidade. A tragdia deu incio ao segundo e ainda mais impressionante captulo
na vida de Hachiko.
Esttua de Hachiko na estao Shibuya em Tquio, atual
ponto de encontro dos jovens
Estranhando a ausncia do seu dono, Hachiko
continuou esperando na frente da estao at a
madrugada daquele dia, quando provavelmente
a fome o venceu e ele voltou para casa sozinho.
No dia seguinte o cachorro voltou para a estao
e o esperou inutilmente por horas. Parentes e o
jardineiro do professor tentaram manter a guarda
do co, mas ele sempre fugia para sua antiga
casa que no mais lhes pertencia, mantendo o
hbito da peregrinao ao trem todos os dias na
esperana de tornar a ver o professor Ueno.
Inconsolavelmente, Hachiko fez o mesmo percurso religiosamente todos os dias por quase uma
dcada aps a morte de seu dono!
O co sensibilizou pessoas que, habituadas a v-lo sempre na companhia do dono, estranharam
seu abandono e passaram a aliment-lo na rua, a nova moradia de Hachiko. Maus tratos de se
viver na rua, a briga com outros animais, e as doenas foram degenerando o puro sangue de
modo progressivo (na poca, s existiam 30 Akita japoneses puros no mundo, e ele era um
deles), at sua morte aos 11 anos em maro de 1935.
Mas por que uma histria pessoal ganhou tamanha notoriedade no Japo? Um dos estudantes
de Ueno (que pertencia ao Departamento Agrcola da Universidade) pesquisava a raa Akita,
tomou conhecimento da histria e a enviou para o Asahi Shimbun, um dos jornais mais populares
do Japo. Com a publicao do caso, o pblico se emocionou com a histria de fidelidade
entre co e homem, mas a histria tambm chegou aos olhos dos militares do Imprio Japons
que acharam, com seus objetivos escusos, um garoto propaganda ideal para a doutrinao da
populao aos seus moldes.
Para entender o efeito dos atos de Hachiko no inconsciente
coletivo japons primordial saber o que eles pensam da raa
Akita, mas tambm o que pensavam de si mesmos naquela
poca. As crianas aprendiam nas escolas que o povo japons
era descendente direto da deusa do Sol, Amaterasu. Dessa
infomao se infere dois fatos: O povo japons se considerava
nico em todo o mundo, diferente de todos os outros povos e
etnias, mais que isso, pela sua origem divina, todos eram iguais
entre si e superiores aos demais (afinal, descendem diretamente
de uma linhagem divina). Em tempos de Imprio, nada melhor
para se divulgar que a soberania do Imperador (o 'parente' mais prximo da Deusa) bem como
a superioridade tnica japonesa, justificativa para qualquer atrocidade que eles cometessem
sia afora contra os inferiores e os brbaros. A Antropologia, Histria, Pr-Histria, Arqueologia,
Lingustica e Biologia esto desmoronando essa viso de homogeneidade tnica desde o final
da Segunda Guerra (estudos que evidenciavam a origem nada pura do povo japons j
existiam nos tempos do Imprio, mas eram sufocados).
A raa Akita seria o correspondente canino do povo japons, a raa pura dentre os animais.
Durante a Era Meiji (1868-1912), houve uma inundao da cultura ocidental no arquiplago,
importando uma infinidade de raas produzidas na Inglaterra principalmente, que se
reproduziram entre si, gerando muitas proles mistas. A moda no meio intelectual japons,
apologistas do Grande Imprio, era visitar zonas rurais japonesas em busca de cachorros 'puros',
japoneses e no miscigenados, o Akita. Mas muita gente utilizou o Akita para criar novas raas a
partir de cruzamentos, o que quase extinguiu o co de sua forma pura. (ele no puro, apenas
menos misturado que os outros ces que existiam no Japo, da a viso da poca). A raa foi
tombada pelo governo japons como patrimnio natural do pas em 1931 devido a sua
escassez, proibindo assim a exportao desses ces. A uniforme raa japonesa canina ao
uniforme povo japons!
ps-guerra por ser um cone de tempos que deveriam ser esquecidos e smbolo de questionveis
valores propostos para as geraes passadas.
Hoje j vemos um reprocessamento no entendimento da histria de Hachiko. Ao transportar a
histria para os EUA e fazer da raa uma quase casualidade, a verso americana subtrai muita
substncia da histria e vira apenas uma apologia ao mundo animal que vemos nos ltimos
tempos. A fora de Hachiko entre os japoneses que se emocionaram ao ler sua histria nos
jornais estava nos valores da poca, no modo como o japons enxerga o cl familiar e o
significado da raa Akita para o perodo, alm dos fatos em si. No d para culp-los pela resignificao da histria, apenas esto querendo ganhar dinheiro com outro pblico, em outros
pases e em outro momento histrico, mas no pude deixar de me incomodar ao ver a Star and
Stripes ao fundo do relacionamento entre o co e seu dono numa foto. Sim, parece que h
notas explicativas da raa, mas nada de muito profundo. E claro, entender diferente de sentir
e pertencer.
"esse filme realmente faz a gente chorar e cocientizar todos nos q os animais amam muito mais q os seres
humanos,seres humanos sao eles,nos q somos os bichos mais cruis q exintem,se tivessemos 10% q esse
hachi,estariamos com certeza num mundo muito melhor,as vezes tenho vergonha de ser chamado de
humano."
Ser que ele imagina repudiar sua espcie fazendo uso anacrnico de uma histria perpetuada
pela propaganda de guerra nos tempos onde ainda se falava em superioridade de raa? Uma
pena o pobre Hachiko, inalienavelmente triste em vida, usado para a mquina da guerra que
dizimou milhes de asiticos, hoje estar a servio da inocncia juvenil atravs de nova
remodelao de uma frma j distorcida pelos estadistas japoneses. Por favor, Deixem-no
descansar em paz!
14 de Julho, 2011
Guerra Fria
O videogame, como muitas outras tecnologias,
um substrato ldico de algo muito menos pueril do
que comumente imaginamos, a tecnologia militar.
A simulao virtual nasceu nos laboratrios do
exrcito americano ainda na Segunda Guerra
Mundial como um meio de calcular a balstica dos
msseis, mas ganhou importncia crucial na
Guerra Fria pela problemtica das armas
nucleares e da corrida espacial. Os caros
computadores
do
exrcito,
usados
para
desenvolvimento de tecnologia blica, passaram
a ser usados por seus engenheiros de modo ldico
nos momentos de folga, perodo utilizado para
programar e se divertir com pequenos jogos como uma partida de tnis rudimentar. Como no
caso do computador, definir o inventor do videogame uma tarefa ingrata que gera
controvrsias, mas alguns nomes merecem destaque como o do alemo Ralph Baer e dos
americanos William Higinbotham e Steve Russell. No h dvidas, no entanto, sobre quem
inventou a indstria do videogame, quem transformou essa brincadeira de engenheiros em algo
a ser popularizado e monetarizado: Nolan Bushnell, criador da Atari.
Space Invaders
Aps uma breve enunciao tecnolgica, no
posso deixar de introduzir o primeiro tsunami que o
Japo causou na indstria dos videogames, tratase do clssico de arcade Space Invaders
desenhando por Tomohiro Nishikado e lanado
em 1978. Influenciado por ttulos de fico da
poca como Star Wars e pelo contexto militarista
da poca, Tomohiro criou um game em que seu
nico objetivo deter as ondas de invases
aliengenas com tiros para acumular o maior
nmero possvel de pontos.
O jogo hoje interpretado como uma metfora
da Guerra Fria e cristalizao do temor do aniquilamento humano por um possvel holocausto
nuclear. Alm da evidente temtica espacial, um fator determinante nessa viso a
impossibilidade de vencer o game. Claro que tambm devido s limitaes tecnolgicas da
poca, inconscientemente ou no, Space Invaders um jogo onde no h vitria. Por mais
habilidoso que seja o jogador, cedo ou tarde o game acaba levando ao fim todos os seus
jogadores. Os aliens representam uma fora que no pode ser derrotada quando resolvem
atacar, uma viso um tanto quanto distpica e pertinente para a poca onde o apertar de um
boto, decidido pela deliberao de meia dzia de lderes, poderia colocar fim na existncia.
Guerra do Vietn
O impacto de Space Invaders no inconsciente
coletivo do mundo se deu por oferecer aos
jogadores a sensao de controle sobre o destino
do planeta, sobre questes complexas das quais o
cidado comum no tinha direito de opinar. O
medo do boto vermelho como um cavaleiro do
apocalipse foi substitudo atravs dos arcades pelo
efeito calmante do boto como um mecanismo
de controle. A televiso fazia o papel de uma
mdia passiva que apenas mostrava o horror da
Guerra no Vietn e as crises diplomticas entre EUA e URSS sem que o homem comum pudesse
Pac-man
Outra produo japonesa para arcades que
merece destaque Pac-man. Criado por Tohru
Iwatani para a Namco em 1980, o game tem
como referncia o universo pop japons no
perodo
de
bolha
econmica,
intensa
prosperidade e alto poder de compra da
juventude. Influenciado pelos animes e mangs
enquanto permeado pela atmosfera kawaii do
Japo, Iwatani produziu Pac-man por enxergar
um nicho do mercado japons ainda no explorado. Os arcades da poca tinham um foco
muito grande em destruio e violncia para um pblico majoritariamente masculino e jovem.
Pac-man foi uma tentativa bem sucedida de
atingir o pblico feminino e os casais de idade um
pouco mais avanada (situao que se perpetua
at hoje no Japo, a manuteno de uma base
de jogadoras maior que no Ocidente). Para tal,
Tohru criou Pac-man com esttica infantil baseada
numa pizza da qual foi retirada uma fatia. Segundo
o criador, a ideia surgiu em um almoo numa
poca onde ele ainda no tinha noo do que
criar, resolveu pedir uma pizza, pegou um pedao
e, voil. L estava uma das principais inovaes
que os japoneses trouxeram para a indstria do videogame: O protagonista, algum para
transmitir empatia ao pblico, sensibilizar crianas e mulheres via identificao naquele mercado
soterrado de coisas fofinhas. Estava dado o primeiro passo para a maturao desse segmento
do entretenimento. Pac-man foi a primeira experincia trans-miditica proporcionada por um
jogo; dele se derivou novos personagens, jogo de tabuleiro, camisetas e desenho animado.
Em escala global, Magnavox e Atari na dcada de 70 reduziram a diverso dos jogos aos
consoles permitindo aos gamers a possibilidade de jogar dentro de casa atravs da televiso.
Apesar dos preos elevados, os consoles caseiros se popularizam de modo surpreendente,
Famicom
A Nintendo trouxe inovaes que serviram de guia
para a indstria no sentido da gesto do negcio,
como, por exemplo, permitir que empresas
parceiras
desenvolvessem
jogos
para
a
plataforma,
uma
ferramenta
bvia
de
disseminao tecnolgica mundo afora, postura
bastante diferente da Magnavox que s permitiu a
compatibilidade do seu primeiro console com
televises da prpria empresa, numa tentativa
falha de alavancar as vendas dos tubos, o que
obviamente podou seu pblico potencial. No
mercado ocidental a Nintendo mudou o
posicionamento do produto e, ao invs de vender um brinquedo de coeso familiar, alterou seu
nome e design (respondendo agora por NES) e no o distribuiu como um artefato infantil, mas
sim como um sistema computacional de ltima gerao.
A contribuio da Nintendo para os videogames no se limita a fatores tecnolgicos ou
administrativos, alis, sua grande herana para o setor foi o desenvolvimento das narrativas de
histrias, situao que abriu as portas para a evoluo do videogame dentro do leque de
diverses possveis. Antes o processo de produo dos videogames era habilidade exclusiva dos
engenheiros, que faziam o possvel dentro das limitadas possibilidades tcnicas. Shigeru
Miyamoto, designer, trouxe o tato do artista para a criao dos jogos agora que a plataforma
8bits possibilitava um olhar mais esttico dentro do processo de construo.
Donkey Kong
de Shigeru Miyamoto a concepo do
personagem mais popular da histria dos games, o
encanador narigudo Mario, que fez sua primeira
apario ainda sob o nome Jumpman no jogo
Donkey Kong de 1982. Criado com bigodes pela
incapacidade de desenhar uma boca com a
tecnologia da poca, narigudo para se tornar
reconhecvel, e vermelho para se destacar, Mario
ganhou notrio destaque em suas franquias
prprias. Super Mario Bros de 1985 o grande
clssico e responsvel pelo sucesso do Famicom,
tendo vendido mais de 40 milhes de unidades (o
game vinha junto com a plataforma). Primeiro jogo
expressivo de rolagem vertical (no qual o
personagem sempre comea na esquerda avanando pela direita at algum final), Mario Bros
conquistou o pblico com sua narrativa, trilha sonora cativante e oferecimento de um objetivo
real, trazendo um sopro de vida para o videogame domstico como conceito.
A Sega lanou em 1986 sua plataforma da terceira gerao, o Master System de 8bits para
competir com o Famicom, que detinha a quase totalidade da participao de mercado.
Apesar de vender mais de 10 milhes de unidades mundo afora (sobretudo no Brasil), o Master
System um console eclipsado pelo sucesso da Nintendo.
Alex Kidd
Para no cometer uma injustia histrica, citarei o
primeiro cone da Sega (empresa americana com
brao japons), Alex Kidd in Miracle World. Criado
por Kotaro Hayashida para competir com Super
Mario Bros, no teve a chance de lutar por um
posto mais expressivo pela baixa penetrao da
plataforma Master System nos mercados mundiais.
No entanto, no mercado brasileiro a Sega tinha
uma boa participao pela parceria com a Tec
Toy (numa poca de tentativa de protecionismo
da indstria nacional de eletrnicos) e o personagem muito popular na terra do samba. Shinobi
outro ttulo significativo desse mesmo perodo.
Uma nova gerao ganhou seu espao nos anos 90, smelling like teen spirit, a gerao X, a
gerao desencantada, que no tinha ideais nem utopias, jovens incrdulos ao descobrir
pessoas que fumavam maconha e praticavam o amor livre nas universidades dos anos 60,
acumulando dinheiro e vazio nos 'aburguesados' anos 80. Uma gerao que transpirava rebeldia
ao som de Nirvana e Pearl Jam, mas que no Japo tomou um rumo um pouco diferente.
Abalados pelo estouro da bolha econmica (que sustentou o vertiginoso crescimento japons
nas dcadas de 70 e 80) no incio dos anos 90, esses jovens japoneses assistiram a runa completa
do projeto de vida dos seus antepassados, drenados por um pntano de estagnao
econmica e decadncia cultural. Filhos da dita modernidade lquida (conceito do socilogo
polons Zygmunt Bauman) que imps valores como o nomadismo e a acelerao como formas
de superar a besta do desemprego, o que rege a gerao X a velocidade (enquanto alguns
defendem que a depresso seria seu principal substrato oculto). Pesquisadores jovens do Japo,
sombra da hierarquia dos mais velhos, foram incentivados a buscar seu espao em terras
estrangeiras, como o mundo acadmico e cientfico dos EUA. Empregados estagnados foram
pela longa vida til quanto pela quantidade de bons jogos desenvolvidos para ambos. No caso
da Nintendo destacam-se os sucessos: Mario (Super Mario World, Super Mario Kart), Donkey Kong
Country, Final Fantasy (IV, V e VI), Zelda (A link to the past), Mega Man X, Kirby etc.
Driver
As pessoas que cresceram jogando Pong ou
Space Invaders, e ainda continuavam interessados
pelo videogame como conceito, no se divertiam
tanto com as propostas ainda infantilizadas de
Sega e Nintendo. claro, muitos jogavam Mortal
Kombat, Comix Zone ou ttulos do gnero
(principalmente se tivessem filhos em casa, pois
ambos usavam o mesmo console para jogos
diferentes), mas outros tantos no se sentiam
atrados pelo que a indstria dos videogames
estava produzindo. Costumavam se divertir com os jogos produzidos para computador,
geralmente produes adultas que contavam com anti-heris, erotismo e/ou violncia. Foi a
poca dos jogos da cartas (e as inmeras verses de Strip Poker), dos jogos da Sierra (Leisure Suit
Larry) e a gnese dos tiros em primeira pessoa (Wolfenstein 3D, Doom, Duke Nukem).
Quem trouxe essas pessoas de volta para o universo dos consoles foi a Sony com seu Playstation.
A entrada do conglomerado japons nesse setor se deu atravs de uma antiga parceria com a
Nintendo, que se uniram para aliar a tecnologia do CD-ROM com o Super Nintendo.
Divergncias contratuais quebraram o trato, mas a Sony continuou com o projeto em mos e
resolveu lanar sua prpria plataforma no mercado japons ainda no final de 1994. A quinta
gerao no foi iniciada pelo Playstation, mas ele seu nome mais expressivo. Atari Jaguar e
Sega Saturn foram outros de expresso.
Atravs da explorao da tridimensionalidade (no os pseudo-3D ou porco-3D de antes) esses
videogames, sob o norte da Sony, modificaram a forma de jogar. A parte grfica abandonou o
perfil mais infantilizado e cartoon para abraar a realidade virtual. A introduo do Memory
Card permitia o desenvolvimento de jogos mais longos e complexos, a mdia em CD permitia
trilha sonora profissional e imagens realmente deslumbrantes para a poca. Dando espao para
jogos de esportes, RPG's e alguns jogos moralmente questionveis, o Playstation conseguiu a
faanha de reunir muitos pblicos diferentes, garantindo sua fidelizao. Driver ou Resident Evil
agradavam aos adultos, enquanto um Tony Hawk's Pro Skater e Twisted Metal faziam as cabeas
dos adolescentes, Yu-gi-Oh! e Harry Potter era adequado para pblicos infantis. Com um
adendo: O jogo deixou de ser casual, um divertimento descompromissado que pode ser
finalizado em algumas horas de um sbado; agora eles duram dias, contam histrias slidas e
realmente mexem com o emocional dos jogadores. A principal contribuio do Playstation foi
introduzir a interao hardcore como um posicionamento do produto. Algumas outras franquias
de destaque para esse console foram: Final Fantasy, Silent Hill, Syphon Filter, Tomb Raider, Metal
Gear Solid, Winning Eleven, Chrono Cross e outros. Convenhamos, no so ttulos muito casuais.
Na concorrncia da quinta gerao, a Nintendo entrou com sua verso 64bits, mas com uma
diferena para os demais: Ainda usando cartuchos, e no as mdias ticas como os
concorrentes. A Big N alegava que o cartucho possua a vantagem do carregamento imediato
do jogo, ao contrrio do CD, alm de segurana contra pirataria, mas muitos os acusaram de
manter os cartuchos para sustentar uma margem maior de receita, uma vez que cartucho
mais caro que CD. Foi justamente o custo menor de produo do CD que permitiu a liderana
da Sony nessa gerao, pois era mais interessante para os parceiros desenvolver jogos em CD (A
Nintendo perdeu o apoio da Squaresoft para a Sony), ento o Playstation contava com uma
variedade maior de ttulos. Talvez a Nintendo tenha favorecido o cartucho para manter o lucro
tanto com console quanto com jogo (posio histrica deles), afinal, o grosso dos lucros vem via
licenciamento e royalties (no com venda de console), e temia-se a substituio do padro. A
aposta da Sony foi mais feliz, pois as mdias ticas se consolidaram e os lucros foram bilionrios.
Nintendo 64
Ainda assim o Nintendo 64 foi um videogame com
um hardware bem complexo e bem sucedido
tendo vendido mais de 30 milhes de unidades
(contra um Playstation que superou a casa dos 100
milhes). Com relao aos principais jogos, alm
das novas verses dos seus personagens de
sempre (Super Mario 64, Mario Kart 64, The Legend
of Zelda: Ocarina of Time, Donkey Kong 64), eles
contavam com Pokmon, a franquia febre do momento (Pokmon Stadium, Snap). Tambm
fizeram sucesso com alguns jogos desenvolvidos por parceiros como Gondeneye 007.
Enquanto a Sony posicionou o Playstation como uma tecnologia superior para um pblico
maduro e/ou hardcore, a Nintendo manteve um perfil mais prximo do conceito de diverso,
situao semelhante ao que vemos atualmente na luta entre si e contra a Microsoft.
A dcada de 90 no foi apenas problemas para a
Nintendo contra Sega e Sony, pois ela disputou em duas
frentes. O Game Boy um console porttil produzido
pela Nintendo desde 1989 - responsvel pelo sucesso
do sovitico Tetris no Japo - que foi reformulado em
1996 sob o nome de Game Boy Pocket. O grande trunfo
desse porttil foi o ttulo Pokmon, que ajudou as
demais verses de Game Boy (como a Color) a
alcanar vendas superiores a 115 milhes de unidades
mundo afora. Ao contrrio do que se pensa, Tetris o
jogo mais vendido do porttil, e no a criao de
Satoshi Tajiri (no vale somar todas as verses de
Pokmon, que a franquia mais bem sucedida). No
foi a Nintendo que inventou o conceito de videogame
porttil, mas sem dvidas foram eles que popularizaram
e definiram as diretrizes do modelo de negcios.
No Japo o porttil manifesta um papel central na vida dos gamers. O sistema educacional
japons (que mantm as crianas e adolescentes fora de casa na maior parte do tempo), a
grande concentrao demogrfica que obriga os japoneses a morar em casas minsculas
(porttil permite que as crianas se divirtam mesmo quando os pais esto assistindo TV na sala) e
o uso macio de transporte pblico so condies ambientais que tornam o porttil um amigo
do usurio japons. Tanto que as vendas do Game Boy no Japo no so muito menores
quando comparadas com todo o continente americano (32 x 44 milhes), principalmente
quando colocamos isso em perspectiva com outros consoles, onde apenas o mercado norteamericano corresponde ao mercado japons multiplicado algumas vezes.
Pincelando ainda a dcada de 90, possvel destacar o Sega Saturn, lanado algumas
semanas antes do Playstation, como um videogame srio, no as peneiras para esconder o Sol
que foram o Sega CD e 32X. Teve um resultado inicial positivo, principalmente no mercado
japons, mas sucumbiu diante dos sucessos de PS1 e N64, no conseguindo a consolidao nem
no mercado europeu, onde historicamente foi superior aos japoneses de Kyoto. Sua plataforma
era muito cara em comparao com a concorrncia, seus nicos ttulos de relevncia foram
Virtua Fighter 2, Grandia e Daytona USA. Com o fracasso do Saturn, a Sega ainda tentou bater
seus concorrentes nipnicos com um videogame da sexta gerao, o Dreamcast.
O Dreamcast fracassou comercialmente em dois
anos (apesar de manter uma base de
simpatizantes at hoje, principalmente por um
motivo): Playstation 2. O erro inicial foi pensar no
PS1 e no Nintendo 64 como concorrentes e
antecipar a nova gerao com um lanamento
na entre-safra dos videogames. Ok, venderam
horrores inicialmente pela superioridade do
hardware, mas muitos gamers preferiram esperar
pelas
novidades
dos
concorrentes
que
obviamente trouxeram inovaes tecnolgicas. Os
potenciais clientes estavam com o p atrs devido
ao fracasso das ltimas tentativas da Sega, e a Sony, vendendo horrores seu PS1, pediu aos seus
usurios que esperassem, pois sua novidade superaria o Dreamcast. Muitos esperaram...
Antecipar o hardware tambm fez com que eles usassem uma mdia desenvolvida em conjunto
com a Yamaha, o GD-ROM (1,2gb), quando j se ventilava no mercado japons o advento do
DVD. O desespero se justifica pelos erros administrativos passados, determinantes para a urgente
necessidade de gerar caixa num futuro breve.
Alm disso, a Sega j cambaleante teve certa miopia de negcios ao lanar um videogame
para jogos online quando o mercado e a infraestrutura ainda no estavam prontos para isso.
No adianta ser visionrio se isso extrapola a rentabilidade do negcio. Sim, o Dreamcast foi um
fracasso, mesmo que os motivos no estejam ligados ao aparelho! Ele pode ser
tecnologicamente interessante, frente de sua poca, mas se o objetivo de sua criao
proporcionar lucros ao fabricante, e no se exibir pelo videogame mais interessante, ele no
conseguiu isso, fracassou. Ficam com crditos histricos, pela tecnologia forte e pelo embrio
dos servidores de games online, mas quebraram. Para compensar as dvidas herdadas do Saturn,
precisaram fazer jogos para outros consoles, mas para tal foram forados a descontinuar a
produo do Dreamcast. Importante destacar a participao da Microsoft na tecnologia do
Dreamcast, um aprendizado essencial para sua entrada positiva nesse concorrido mundo com o
X Box.
O grande responsvel pela derrocada final do
Dreamcast foi o Playstation 2 da Sony lanado em
2000, o mais bem sucedido videogame da histria
at a chegada do DS, superando a casa dos 140
milhes de unidades vendidas, 1,5 bilhes de jogos
vendidos e mais de 10 mil games produzidos. O
PS2 deu sequncia ao sucesso do PS1 ao trabalhar
com franquias consagradas como os RPG's. Isso
somado novidade da tecnologia DVD quando
ela estava vivendo seu boom no mercado
japons. A Sony conseguiu manter as softhouses
na sua rbita e isso foi essencial para sua
perpetuao. Alguns games de sucesso lanados por eles foram GTA Vice City, God of War, Final
Fantasy XII, Metal Gear Solid 2 entre outros. At hoje a Sony solta as vendas dos PS2 em seus
dados financeiros publicados, cinco anos aps o lanamento do seu sucessor PS3! A
manuteno das vendas dessa vaca leiteira japonesa se justifica pelo preo reduzido no varejo
(99 dlares) e pelo desbravamento de novos mercados (foi lanado oficialmente no Brasil em
2009, por exemplo).
Nessa sexta gerao, a Nintendo tentou encerrar a hegemonia da Sony com o GameCube e
seus mini-DVD's. O console vendeu pouco mais de 20 milhes de unidades, muito atrs da Sony,
mas na frente da iniciante Microsoft em quase todos os mercados (exceto o americano). Nos
portteis, a Nintendo lanou o fenmeno DS em 2004 com suas duas telas, a inferior sensvel ao
toque. Com uma srie de tecnologias embutidas, o DS superou recentemente o nmero de
vendas do PS2, segundo o site VGChartz. (outras fontes dizem que o PS2 superou a casa dos 150
milhes de unidades e ainda se mantm na liderana)
Durante esse perodo os produtores de games
como um todo no Japo foram impactados pelas
restries impostas pela fora da lei em 2002. Se
nos EUA e Europa as pessoas se preocupam com
exposies cruas de violncia, no Japo o que
preocupa o erotismo. Recentemente os
japoneses censuraram Mafia II, God of War por
conter contedo erotizado. Nos ltimos meses uma
onda de conservadorismo tem rodeado os
polticos de Tquio e o Japo est censurando
jogos de teor violento, como Call of Duty Black
Ops, No More Heroes, Resistance Fall of Man.
Alguns jogos so censurados quando rodados em um PS3 japons. No esto apenas
restringindo o acesso desse tipo de material, esto proibindo mesmo os adultos de ter contato
com eles, o que moralmente questionvel. Se os pais abriram mo da educao de seus filhos,
agora so os governos que assumem sua incapacidade de proteg-los de contedo imprprio,
atingindo a todos com suas decises arbitrrias.
A atual gerao talvez seja abordada numa nova
postagem, mas no posso deixar de evidenciar
algumas situaes do videogame japons, que
encontra alguns problemas pela frente. A crise
econmica est maltratando a indstria japonesa
e o mercado interno deles perdeu a capacidade
de decidir positiva ou negativamente o destino de
empresas globais, ainda que duas das trs
maiores do ramo sejam nipnicas. Os mercados
americano e europeu esto drenando as atenes e os recursos dos principais participantes do
setor. Os videogames de mesa esto com venda mesmo inexpressivas quando comparamos
com a fora do mercado japons nas dcadas passadas.
A estagnao qualitativa das softhouses japonesas outro problema srio. Antigamente os
japoneses produziam boa parte, talvez a grande maioria dos bons jogos, mas hoje as produtoras
ocidentais ultrapassaram-nos. No que os japoneses ficaram parados, mas os ocidentais
correram muito mais (notvel evoluo dos europeus). Alguns apontam que o problema seria a
pouca variedade de gneros e muitos ttulos de nicho, como aqueles J-RPG's que s agradam
uma pequena parte apenas do pblico local. Enxergo que a vantagem ocidental se d no
apenas pela sua evoluo em game design, mas pela atual sofisticao dos videogames. Ao
trazer para o ramo as melhores cabeas e a tecnologia de informao, informtica e rede, o
mundo ocidental trouxe uma expertise para os games que o Japo no tinha. Os ocidentais
esto trabalhando a base online de modo muito mais interessante. Pessoalmente no acredito
que o perfil casual proposto pela Nintendo (Wii e DS) e abraado pelos japoneses seja
justificativa, uma vez que existe exportao e mercados gigantescos mundo afora.
possvel acusar a crise como mero problema de perspectiva.
Primeiro, covardia comparar o Japo com o resto do mundo
tecnologicamente desenvolvido. Eles j salvaram a indstria, mas
agora os demais aprenderam e natural que os asiticos
percam expresso mundial ao dividir o mesmo mercado com
outros pases competentes. Segundo, h vrios games japoneses
atuais que no ficam devendo nada a algum jogo ocidental, a
questo que eles no evoluram de suas ltimas verses,
enquanto os outros deram passos de gigante, igualando a
situao e gerando a sensao de decadncia japonesa.
Como eu disse, provavelmente cometi algumas injustias
histricas, mas como o texto no se pretende imparcial, vai ficar
assim. Se no gostou, faa o seu com todas as referncias que
ache necessrias :)
No entanto, apesar da busca pelo cruzamento das informaes,
acho bem provvel que o texto apresente algumas falhas factuais ou mesmo analticas. Se for o
caso, peo que corrijam, com a devida fonte, ou ofeream um novo ponto de vista via
comentrio.
Fontes:
Era dos Videogames
http://www.vgchartz.com/hardware_totals.php?type=Hardware&sort=Total
17 de Julho, 2011
Kon foi muito crtico com a sociedade japonesa e com a subcultura otaku. Ben Hamamoto do
Nichi Bei Times publicou um artigo em 2006 em duas partes chamado Entertainment Re-oriented:
Atomic Pop. A primeira parte se chama It created a Monster, mas eu no achei na internet (se
algum souber onde tem, ou tiver, por favor me avise). J a segunda atende pelo nome Hello
Kitty and the Rape of Nanking. Pesado, no? Hamamoto joga no time dos que defendem as
bombas atmicas como os pais da cultura kawaii japonesa, parida com o intuito de mascarar as
atrocidades cometidas pelo Imprio Japons na Segunda Guerra Mundial.
Chiaki Asami
"O que estou tentando promover no o bem-estar e a prosperidade de agora. o
Japo... O futuro do povo japons!! No existe futuro para um povo, ou melhor,
para uma nao mimada como a nossa..." (Chiaki Asami - Sanctuary vol. 3)
Uma dvida constante entre quem assiste Paranoia Agent : P, mas o
caso de Sagi Tsukiko sozinho foi o suficiente para envolver tanta gente e
destruir a cidade? No. Novamente recorro ao clssico Evangelion para
elucidar esse ponto. Em Eva, nos dois episdios finais ns focamos no
processo de instrumentabilidade humana de apenas uma das pessoas que
se submeteram a ele, Shinji Ikari. Apenas no caso de Shinji vemos o processo
do comeo ao fim, mas isso no significa que ele foi o nico, apenas nos foi
mostrado um caso com exatido para que pudssemos conhecer o projeto
e imaginar o que foi feito com todos os demais.
O mesmo para Paranoia Agent, aqui de forma bem mais clara. Focamos no caso de Tsukiko mas
ela no nica. No nono episdio, onde vemos aquele monte de casos (do vestibulando
suicida, do pugilista que se rende aos alimentos, do mdico que errou a inseminao e outros),
Satoshi Kon finaliza o episdio subindo a cmera e no formatos dos prdios se l "ETC". Um claro
recado, o Shonen Bat est solto por ai, desde tempos longnquos, afetando de prostitutas a
estudantes. Como se disesse: Te apresentei alguns casos, mas voc sabe que os exemplos so
infinitos. Etc, etc, etc...
quais parecem grego para o jovens, mostrando que temperana e sobriedade so resultados de
tempo e experincia. Enfrentar seus demnios internos sozinho e sem preparo pode ser suicdio
(situao simbolizada pelo primeiro confronto entre Maniwa e Shonen Bat, onde ele saiu muito
ferido). O que ele fez? Foi atrs do velho, pois a ajuda de algum mais experiente sempre bem
vinda. Shonen Bat s sumiu para Tsukiko quando ela assumiu e aceitou o doloroso passado e a
culpa por ser responsvel pelo atropelamento do cachorrinho Maromi quando ainda era uma
criana.
Problema que sumiu para ela, no para o mundo...o ciclo se repete infinitamente para os
prximos humanos que se sucedem. Mas como ns vamos ajudar nossos pares nesse processo se
a comunicao interpessoal est cada vez mais escassa e virtualizada? Como apostar na
humanidade nessa nao envenenada pela cultura de massa e pelo discurso publicitrio de
ausncia de dor e oferta de felicidade? So questes que Satoshi Kon levanta, ou ao menos eu
levanto ao ter contato com a obra dele.
Paranoia Agent
Fecharei o texto falando do experimentalismo que
Satoshi Kon trouxe para os episdios. Ele encontrou
diversos modos criativos para contar a histria de
cada personagem. Alguns falam que foram muitas
ideias boas subaproveitadas. Talvez se algumas
delas fossem mais bem tratadas em algum filme
seria melhor, mas j que a natureza nos separou
do mestre cedo demais, Paranoia fica como uma amostra menos engessada da criatividade e
bom senso esttico do criador. Ele usou a animao para contar uma histria legal, inteligente,
sem perder o esprito do anime, sem fazer da animao o mero canal para fazer um filme
comum mais barato, mas sim aproveitando todas as suas vantagens sem negar suas
caractersticas.
Ele usa a metalinguagem de um mang seinen para ilustrar a solido e o desencantamento do
policial pedfilo (e/ou talvez para mostrar como a cultura de massa influencia as pessoas, j que
o cara fica usando frases de efeito dos mangs para roubar as pessoas, claro que com a
adaptao "Me chame de papai!!"). Quando a polcia prende o Shonen Bat falso, as pistas so
indicadas pela linguagem dos RPG's virtuais num episdio muito divertido (novamente a cultura
industrial usada para perverter as fronteiras entre real e virtual). Em um dos episdios ele mostra o
stress dos membros da equipe de produo do anime feito em cima do personagem Maromi,
explicando a funo e as dificuldades de cada cargo do time, numa deliciosa viagem pelo
processo de criao de animao (como Bakuman mostra, de modo muito mais ldico, o
processo do mang). criativo, divertido, embasado e cido ao mesmo tempo!
A problemtica do suicdio
Destaco outro episdio genial. O de trs pessoas
(um velho, um homossexual adulto e uma menina)
que combinam pela internet um suicdio coletivo,
discutindo mtodos e motivos. O episdio no
dirigido de forma trgica, pelo contrrio, ele
muito cmico, pois todas as tentativas de suicdio
aparentemente no do certo. Eles lamentam o
fato do Shonen Bat no busc-los j que esto loucos para morrer, uma vez que ele est
atacando geral os japoneses. Hamamoto diz no artigo j citado que "voc no pode morrer se
j est morto", no sentido morto apesar de vivo, algum que no aproveita a vida, da os
fracassos nas tentativas de suicdio. Eu enxergo uma viso mais txica do Satoshi. Os trs no
esto desesperados coisa alguma, so s pessoas entediadas pagando de niilistas e gritando
aos sete mares as 'dores de viver', so s pessoas mimadas. Desesperados esto os outros que
foram perseguidos pelo Shonen Bat, alguns lutando, alguns fugindo. Esses trs esto apenas
cansados de no fazer nada, de ficar na internet debatendo mtodos indolores de morrer. E o
Japo est cheio dessas pessoas... O mais cmico que eles comeam a pegar gosto pela vida
quando finalmente morrem (e no percebem). Vo viajar, pegam o trem, se divertem na
hospedaria... gozam da vida buscando a morte.
Shounen Bat
Uma verdadeira prola da animao japonesa,
obrigatria para todos que acham o anime a
expresso maior da apologia do vazio. Assista no
mnimo 2x. Finalizo com a concluso da coluna do
Hamamoto:
23 de Julho, 2011
trocado uma palavra e ele... aceita. Calma, leitor, no se trata da verso asitica de Malhao.
A situao comea a ficar interessante no final do segundo episdio, quando Haruka
atropelada, hospitalizada, permanecendo inconsciente por trs anos. (vlido lembrar que todos
estavam para completar o ciclo escolar e j iniciavam os preparativos para os exames de
admisso).
O anime deixa claro tambm como a vida dos dois se manteve pendente com a situao de
Haruka. Takayuki que tinha boas notas e almejava uma boa faculdade acaba com uma
porcaria de emprego de meio perodo num restaurante. Como Hayase notou, o pster na
parede de um jogo de videogame dos tempos do colgio mostrava como ele ainda estava
muito preso quilo. Com ela a situao no foi diferente, com atuaes na natao que a
qualificavam para um futuro profissional, ela abandona tudo por Takayuki e termina com um
emprego tedioso num escritrio.
Apesar de tudo, ambos do sequncia na vida do jeito que podem... at Haruka acordar, sem
ter noo do tempo passado. Agora, para Takayuki, quem sua namorada? A atual ou a
pendente que ainda acredita viver os tempos de colgio? A dvida se instala e ele deixa claro
que ainda considerava Haruka, o que fica simbolizado pelo derrubar da caneca de golfinho que
representava a ex-nadadora. Takayuki comea a visitar Haruka no hospital fingindo ser ainda um
estudante colegial, fingindo ainda namor-la.
Se Takayuki tinha a problemtica da namorada,
Hayase no estava menor perdida, abrira mo de
sua vida na natao por ele e agora era
colocada em xeque pela nica coisa que
alicerava sua existncia. Hayase, diferente de
Haruka, forte e novamente toma a iniciativa. Se
primeiro usou o corpo para quebrar o gelo, agora
ela fora a mudana para o apartamento de
Takayuki para ver se consegue uma estabilizao no relacionamento. O problema a reao
lacnica do cidado, que passa a evitar o olhar, a conversa, o toque e mesmo a presena,
vagando por bares e comendo porcaria pela rua enquanto a comida preparada por Hayase
ficava esfriando na mesa.
Takayuki vai ao hospital e trai Hayase com Haruka. Novamente Hayase tenta segurar a barra do
relacionamento com o corpo, relacionamento que dia a dia perde a liga, situao claramente
mostrada pelos dias chuvosos e pelo curry preparado perdendo a temperatura. A ex-nadadora
questiona porque tudo deu errado aps o acidente e afogada pela nostalgia deseja voltar para
os tempos do colgio, para a era da irresponsabilidade, da idealizao. A traio retribuda
por Hayase que faz com Shinji, tambm melhor amigo de Takayuki at ento, mas poderia ser
com qualquer um....
O fato que durante a forte febre que pegou, Takayuki percebeu que
Hayase quem estava prestativa ao seu lado o tempo todo. Haruka era
uma pendncia passada, sua vida havia avanado e Hayase Mituski era
o presente, no mais Haruka. Ele apenas se manteve prestativo com uma
Haruka em busca de um namorado que no existia mais, o Takayuki do
colgio morrera h trs anos, esse outro que ela no conhecia mais.
Takayuki ento finaliza o anime com Hayase, sua atual, abrindo mo da
namorada pendente ainda que a situao dela fosse excepcional e
delicada.
O anime foi baseado num eroge (jogo ertico de relacionamentos com
mltiplos finais) e escolheu apenas uma das possibilidades. Em minha opinio, indubitavelmente
a mais interessante, real e sensata. Acho esse ttulo muito expressivo por mostrar um lado nunca
explorado pela fico romntica sem apelar para enredos cultos ou entrpicos.
Kimi Ga fala de relacionamentos reais, que contam com altos e baixos, traio, sexo como
artifcio de barganha, mas tambm companheirismo e projeto de vida. Enquanto todos os
animes para adolescentes retratam relacionamentos platnicos e idealizados (platnico no
sentido literal mesmo, pois em muitos no h sequer a insinuao sexual, modelo ideal puro e
simples, vide Bakuman onde o casal sequer troca palavras at alcanarem seus objetivos, ainda
que estudando na mesma sala), Kimi Ga nos mostra o que de fato a realizao afetiva na vida
adulta sem perder suas razes como anime.
Mais do que isso, mostra que as coisas acontecem para quem toma a iniciativa. Hayase nunca
deixou de tentar e merece o resultado final pelo esforo dedicado ao seu objetivo. Notem que
da abertura ao final da trama, sempre Hayase e no Haruka quem se move primeiro. Tambm
nos d uma aula do que a expresso amorosa quando se sai da adolescncia. Enquanto a
paixo se d por uma projeo dos seus prprios desejos e valores numa pessoa qualquer (caso
da Haruka que sequer tinha trocado uma palavra com Takayuki), o amor que se desenvolveu
com Hayase real. Ambos conhecendo o outro como ser humano, desejante e falho em
diversos pontos, mas ainda sim digno de se montar um projeto de vida juntos.
A recepo foi to negativa que criaram um final
alternativo na forma de OVA para agradar os
propugnadores do amor como a flechada de Eros,
algo inexplicvel que pode ocorrer entre qualquer
um em qualquer momento. Puro e ideal. Hayase
odiada por boa parte do fandom. Mas a abertura
j deixa claro que chega um momento onde
deve-se deixar as idealizao infantis no passado.
Entendo que a funo da fico justamente
fazer as pessoas sonharem, pois da realidade
todos j estamos cheios por demais. Acontece
que excesso de fico, principalmente no Japo,
est fazendo muitas pessoas desejarem algo que no existe, um modelo de relacionamento que
deve permanecer apenas nos mangs, na literatura e nas novelas, jamais extrapolado para o
mundo real.
Haruka no tem culpa do acidente, mas tampouco os outros dois tm. Ela uma vtima do
acaso e ter que aprender a viver com os percalos da vida. Takayuki j no estava mais no
clima de ficar fazendo encantamentos e o Diabo, apesar da considerao por ela e
principalmente pela situao dela.
Encantamento o cacete!
A dose dramtica em alguns momentos at
over, enquanto alguns personagens mudam de
opinio e postura como o clima vietnamita
(Akane e Takayuki). Tambm tem aquelas duas
chatinhas do restaurante inseridas para quebrar o
clima. O anime no perfeito, mas pessoalmente
acredito que seu diferencial compensa eventuais
falhas.
Kimi Ga um chamado de volta. Ele diz, viva seu
conto de fadas no tempo certo que a adolescncia, saudvel viver isso dessa forma
enquanto se jovem (da os 2 primeiros episdios melados e iguais aos demais dramas comuns),
mas mantenha um dos ps na realidade. Claro que sem um pouco de fantasia, idealizao e
projeo a vida ficaria insuportvel e todo mundo pularia da janela, s que no h vantagens
em viver para sempre nem nos contos da carochinha, nem no mundo virtual. O legal dos dois
primeiros episdios clichs uma forma de captar inicialmente os adeptos dos dramas
platnicos da animao japonesa para depois mostrar, ok, tudo isso legal, mas a vida maior.
Enxergo qualidade em Kimi Ga Nozomu Eien apesar de toda a simplicidade e clichs adotados.
Ele pega um assunto onde todos do pitaco e joga uma pitada de real, to necessria nesse
mundo de jovens que se perdem na fico. Sem ser cult, sem 'desconstruo', sem fandom
fanatista metido a intelectual e sem focar na droga dos nichos otakistas, sendo uma criao
mais universal. Uma obra honesta que merece ser lembrada quando o assunto drama.
Blogs/blogueiros participantes:
Netoin!, Gyabbo!, Mithril, Subete Animes, Chuva de Nanquim, Elfen Lied Brasil, MBB Anime
Kenkyuukai, Anime Portfolio, Buteco Shonen, Visual Novel Brasil, Mais de oito mil, Philosophy
Otaku, Yasumi no Cast, Moon Stitch, Video Quest, Mundo Mazaki, Yon Koma, Special Days, Neo
Armstrong Cyclone Jet Armstrong Blog, Otameb e Subete Animes 2 (texto do Nisishima).
25 de Julho, 2011
desde o incio dos anos 90, que reagem crise com um comportamento diametralmente oposto
em relao ao esteretipo do macho japons.
Homem Herbvoro
Falo dos Soushoku Danshi (literalmente "garotos come-grama"),
termo adaptado como homens herbvoros, cunhando em 2006
pela colunista Maki Fukasawa e popularizado pelo livro "Os homens
herbvoros e afeminados que esto mudando o Japo" de Megumi
Ushikubo, presidente da consultoria de marketing Infinity. Esses
homens so assim chamados pela sua falta de interesse por sexo
(no come carne, da o herbvoro) e pela negao da vida
estonteantemente competitiva e acelerada de tempos passados.
Algumas de suas caractersticas principais seriam:
No tm uma postura to competitiva em relao ao trabalho
como os homens de geraes anteriores; Tm conscincia de
moda e comem de modo balanceado para ficar magros e caber em roupas mais apertadas;
Tem amigas mulheres, so ligados s mes e vo s compras junto com elas (se aproveitando do
poderio econmico dos pais); No se interessam em namoros, garotas ou mesmo fazer sexo
(optando por um prazer solitrio com brinquedos erticos); So muito econmicos e adoram
cupons de promoo, declarando que os que no poupam os centavos so estpidos. Seus
principais interesses passam a flutuar temas como fotografia, gastronomia, jardinagem, moda,
desenho e coisas do gnero. Abrem mo de tudo o que possa custar um desgaste fsico e/ou
psicolgico por essas pequenas particularidades inofensivas.
Os homens japoneses na faixa dos vinte aos trinta e poucos anos parecem desinteressados em fazer
carreira e apticos com os rituais do encontro amoroso, sexo e casamento. Eles gastam a maior parte em
roupas e cosmticos como as mulheres, vivem com suas mes e sentam na privada para urinar. Alguns
esto at mesmo usando suti. O que est acontecendo com a masculinidade do pas? (Takuro Korinaga,
economista).
Curiosamente a agitao crtica em cima da
percepo inicial de uma anormalidade no
comportamento masculino no surgiu das cincias
sociais, mas sim do mercado. Nas palavras da
marketeira Megumi Ushikubo:
empresa de aplices de seguro chamada Lifenet fez uma pesquisa online com uma
amostragem de mil homens solteiros na faixa dos 20 e 30 anos, e aqui tambm, 75% da amostra
se definiu como um homem herbvoro.
A reportagem feita pelo Jornal da Globo afirma: "Entre os jovens de 16 a 19 anos, 36% dos
rapazes se descreveram indiferentes ou com averso a sexo. Mas eles tambm podem reclamar
delas. Entre as japonesas da mesma faixa etria, o desinteresse ou averso ao sexo chega a 59%.
O percentual cresceu em relao a mesma pesquisa feita em 2008: aumentou 19% entre os
homens e 12% entre as mulheres."
Homens Herbvoros
Em tempos de metrossexuais e David Beckham,
por que tanto alarde com os comedores de
grama? A resposta simples. Esse comportamento
no apenas uma afronta s tradies do
homem japons, mas tambm um fato
determinante que est ajudando a manter o
Japo na crise, sem oferecer a mnima
perspectiva de mudana, uma vez que ele sangra
dois problemas cruciais para o futuro do Japo: A
baixa natalidade e o esfriamento da demanda
interna no mercado de consumo japons. Os herbvoros seriam o resultado, o protesto (sempre
silencioso dos jovens japoneses) contra os valores que alimentaram o crescimento japons no
ps-guerra, como a exacerbao do materialismo e a competitividade desumana. Como gatos
escaldados, eles negam aquilo que os alaram ao topo do mundo.
Essa apatia demonstrada por parte dos homens japoneses j est incomodando a ala feminina
do pas. Diante de homens que no tomam a iniciativa (por medo de sofrer a ferida narcsica da
rejeio), no demonstram interesse por sexo e racham a conta do restaurante, parte das
mulheres esto fazendo elas prprias esse papel. Tomam elas mesmas a iniciativa e, apelidadas
de mulheres carnvoras, passam a praticar a arte do konkatsu, a busca por um parceiro (20%
delas se consideram carnvoras, mas ainda sim essa voracidade no pode ser comparada com
os tempos da bolha econmica). Apesar disso, as carnvoras costumam renegar os herbvoros,
pois gostam do perfil do macho.
John Greenaway, professor canadense com muito contato com alunos asiticos, estudante de
ingls no pas, afirma que as japonesas so muito mais sociveis, prticas e ativas que os homens
do pas. Os homens japoneses, mesmo quando herbvoros, se aproveitam das condies no
Japo que ainda favorecem o homem, e se mantm passivos, enquanto as mulheres que vo
busca de algo, o fazem de modo mais proativo. A diferena que no exterior essa proatividade
facilmente igualada, quando no superada, por pessoas de diversas etnias e elas passam uma
imagem at conservadora.
Shigeru Sakai do Media Shakers opina que esses homens no tomam a iniciativa por uma
dificuldade de auto-expresso. Cercados de eletrnicos, geralmente sem nenhum irmo em
casa, e falando com os amigos mais por mensagens de texto e redes sociais, suas habilidades
sociais tendem a definhar. Mimados desde o bero, no toleram a frustrao e no do a cara
ao tapa na arte da conquista.
Eu no tomo a iniciativa com mulheres, eu no falo com elas. Eu adoraria se uma garota falasse comigo,
mas eu nunca tomo o primeiro passo. (Yukihiro Yoshida, estudante de Economia).
Homens Herbvoros
Uma ala sempre presente no pensamento japons
a defensora dos fenmenos sociais do pas
como consequncia de suas prprias razes,
diminuindo a importncia da ocidentalizao em
sua gnese, encontrando paralelos culturais no
Japo pr-Restaurao Meiji. o caso do
professor de Filosofia da Universidade de Osaka,
Masahiro Morioka, ao afirmar que esse padro
andrgino tambm era comum durante os
pacficos anos da Era de domnio do cl
Tokugawa (1603-1868), onde o Japo conheceu inditos 260 anos de absoluta paz interna. Nesse
perodo foi comum meninos serem criados como meninas, usando vestimentas femininas
(acreditava-se que era um meio saudvel de desenvolvimento); haviam os onnagata no teatro
Kabuki (homens interpretando papis femininos) e o shunga (pornografia do perodo Edo onde
homens e mulheres s se distinguiam pelos genitais, pois os homens tambm vestiam roupas
femininas, penteando os cabelos como elas). A eroso dos papis sociais no seria, ento, um
fenmeno novo no Japo.
Morioka continua argumentando que esse novo ciclo herbvoro seria uma maior aceitao das
fraquezas e limitaes masculinas, uma vez que ser homem no Japo uma rdua tarefa
inimaginvel no Brasil, essa terra do improviso, do jeitinho e do imediatismo. As presses sociais
em cima do homem japons so demasiadamente pesadas. Ele prossegue com uma afirmao
muito interessante: No so os herbvoros que esto pervertendo o "esprito japons", ao
contrrio, eles seriam os responsveis pela regresso a um estado humano mais nipnico.
Distorcidos foram os seus pais e avs que aceleraram as coisas no Ps-guerra - atravs de
mtodos absolutamente ocidentais - como um modo de afirmao perante os estrangeiros
enquanto buscavam o mesmo padro de vida dos americanos. Passado o limite do crescimento
econmico do pas, o retorno s razes seria inevitvel.
Antigamente, os homens japoneses tinham que ser passionais e agressivos, mas agora essas caracterstica
so desagradveis. Nossos membros tem uma personalidade muito branda. Eles simplesmente aproveitam
do que gostam sem preconceitos, eles no so limitados por expectativas. Yasuhito Sekine
Propaganda da Nivea com foco nos homens, em
transporte japons
Outro ponto que destaco o excesso de paz.
Com a submisso das foras armadas japonesas
ao Exrcito Americano que limita as aes
militares do pas, e com as polticas de segurana
interna, a afirmao da masculinidade se torna
suprflua quando o assunto segurana fsica.
No h mais a necessidade do macho agir como
um soldado no campo de batalha, ainda nas
palavras de Morioka. A quantidade de assassinatos per capita cometida por jovens adultos no
Japo a mais baixa do mundo! Alm disso, os valores da sociedade que fazia homens
cometerem atos violentos esto desaparecendo. Os homens no precisam mais ser violentos,
por isso que podem ser herbvoros. Se os EUA vive achando alguma guerrinha por a e tem seu
pas recheado com veteranos de guerra de todas as idades; se na Coria do Sul o alistamento
militar assunto estratgico pelo conflito com os norte coreanos; no Japo a afirmao da
masculinidade - no que tange a sobrevivncia literal - se torna cada dia mais intil.
O ltimo assunto levantado pelo filsofo que eu sinto necessidade de citar a distino entre ser
herbvoro e ser gay. Claro que h gays entre os herbvoros e eles se expressam desse modo.
verdade que a Wishroom j vendeu milhares de sutis masculinos, mas certamente uma ampla
parcela dos compradores so homossexuais que tambm se definem como herbvoros, e
tambm no quer dizer que eles saem por a todos os dias usando suti, talvez em um ou outro
caso. A mdia d foco em peculiaridades sem importncia, no mostra as origens da situao e
ainda cria uma imagem fantasiosa e ridcula de uma nao (o mesmo para a mdia japonesa,
que adora um sensacionalismo para dizer o quanto o pas est perdido). Herbvoro no gay, o
buraco mais embaixo, como Morioka diz, os herbvoros procuram o amor hetero enquanto
tornam-se unisex.
Algumas explicaes, de origens feministas, afirmam que a situao seria o desabrochar de uma
nova masculinidade, que no precisa mais reprimir seu lado feminino para agradar s
convenes sociais.
No que os homens esto se tornando mais femininos, o conceito de masculinidade que est mudando.
Katuhiko Kokobun
Homem herbvoro
Por outro lado, muitos defendem que esse
florescimento do lado feminino dos homens ou
retorno s origens pura balela feminista ou
ufanista, o problema seria de origem econmica
mesmo, pois a gerao mais bem instruda da
histria do Japo no est encontrando
perspectivas de futuro nem segurana de
emprego. Com muitos homens ganhando menos de dois mil dlares mensais na cidade com o
mais alto custo de vida do planeta, tendo acesso tecnologia e tendo que conviver com a ala
feminina que no Japo abertamente materialista e gananciosa, muitos homens passaram a
dar a mnima para o que a sociedade espera deles, pois se resignaram em sua condio
miservel.
A questo que eles no so assexuados, apenas no esto mais dispostos a pagar o preo
para ter acesso a uma mulher que valha a pena. Eles simplesmente no querem mais morrer de
trabalhar para comer algum. O interesse por sexo indubitavelmente continua, basta ver a
sade do mercado pornogrfico japons. A queda na venda de preservativos que persiste
desde 1999, ano onde se deu o boom da internet no arquiplago, sinal correlato de
virtualizao da sexualidade, no de sua extino.
Candidatos Japoneses
O problema falta de segurana financeira. No
perodo do crescimento, as empresas japonesas
ofereciam polpudos salrios e um plano de carreira
para toda a vida, com reais chances de
crescimento dentro da hierarquia corporativa. Era
muito mais seguro alimentar o mpeto consumista
das mulheres sabendo que o pagamento
seguramente cair na conta todos os meses. E no
venham me chamar de machista, porque o enjo kosai dos anos 90 est ai para provar que
muitas japonesas estavam dispostas at a se prostituir por seus desejos materialistas quando a
fonte secou. Nos tempos ureos da economia, o emprego funcionava na base do seishain
(emprego permanente), mas agora com a crise, mesmo a mo de obra qualificada do pas est
sendo contratada na base do haken (contrato). A segurana financeira foi parar na mesma
lama na qual a economia do pas se atolou. Essa situao incomoda muitos os jovens
trabalhadores japoneses, os quais, segundo pesquisa da Mitsubishi, 64% deles gostariam de
permanecer no mesmo emprego de modo estvel.
No est sendo vivel, para a maioria deles, sustentar a utopia da vida feliz, aquele modelo do
American Way, do pai de famlia casado e empregado numa instituio de renome. Est cada
vez mais difcil sustentar a condio de macho alfa, rico, bonito, com status e bom de cama,
num pas em crise onde todos os outros homens tm a mesma educao bsica e origem tnica
semelhante (dificuldade de achar um diferencial para se destacar). So pessoas que assumem
sua incapacidade de competir. Os riscos de tantos esforos so grandes demais, sem oferecer
garantias de retorno no futuro.
As mulheres, com as mesmas oportunidades trabalhistas garantidas pela legislao, no se vem
mais na obrigao de casar para garantir seu sustento e saciar seus desejos de consumo, logo,
ficam mais exigentes quando o assunto casamento. Ao mesmo tempo em que os homens
esto achando cada vez mais dificuldades para encontrar um bom salrio num emprego
estvel. A pobreza no Japo est crescendo e o pas j dono do segundo pior ndice de
pobreza relativa, superado apenas pelos americanos (segundo relatrio da Organisation for
Economic Co-operation and Development). Sentiu o drama?
Tudo o que queremos sentir que nosso trabalho tenha um propsito. (...) Fazer um grande esforo
para ser algo que eu no sou apenas no para mim. Eu quero ser natural, apenas ser eu mesmo.
Takeuchi
Quero deixar claro que as reivindicaes dos herbvoros no so apenas fruto de mimos em
demasia, algumas so bem legtimas. Um exemplo tolo: Gostar de comer sobremesa. Sobremesa
era coisa de mulher no Japo. Se um homem comprar um pedao de bolo, o atendente
fornece dois garfos, pois infere que ele s est comprando para comer junto com a namorada,
pois homem no compra bolo. O homem japons tinha que gostar de bebidas e comidas
apimentadas. Hoje eles comem bolo. So fracos por isso? Por assumir que gostam de doces?
Esto afirmando-se assertivamente do jeito que a sociedade rgida permite. uma revoluo
interna e silenciosa que estava sendo esperada no Japo h tempos. O conservadorismo est
sendo minado pouco a pouco em suas estruturas. O Partido Liberal Democrata em 2009 teve sua
soberania poltica abalada aps mais de cinco dcadas de poder ininterrupto, cedendo
espao para um partido de centro-esquerda.
Homens japoneses
Igualmente o interesse pela moda no
tem tanto a ver com frescura, mas
como resultado da desiluso com o
mundo, com a poltica, com a
economia e com os rumos do pas. Na
desesperana com o macro, os
herbvoros se refugiam no micro,
naquilo que conseguem alterar com pequenas aes, sua prpria existncia. A postura, ao
contrrio do que aparenta, no simplesmente hedonista, ela revestida por uma casca
traumatizada.
Enxergo um paralelo entre a realidade japonesa e aquilo que o
antroplogo americano Cristopher Lasch enxergou na sociedade
ocidental (da qual o Japo faz parte, no caso) ao definir o conceito
de Cultura do Narcisismo. Quando as iluses levantadas pela
contracultura nos anos 60 morreram (de transformar o mundo com
aes e engajamento poltico), e o mundo percebeu que os valores
modernos no deram conta de resolver os problemas globais, as
pessoas experimentaram um enorme sabor de impotncia e
desencanaram, cuidando de suas prprias vidas, afinal, era a nica
coisa que lhes restavam (da os anos 70 e 80 como expresso do
suprfluo). Acompanhe o raciocnio e veja se no encaixa
perfeitamente:
Aps a ebulio poltica dos anos sessenta, os americanos recuaram para preocupaes puramente pessoais.
Desesperanados de incrementar suas vidas com o que interessa, as pessoas convenceram-se de que o importante o
auto-crescimento psquico: entrar em contato com seus sentimentos, comer alimentos saudveis (...) aprender a se
relacionar, superar o medo do prazer.
"A inflao corri os investimentos e as poupanas. medida que o futuro se torna ameaador e incerto, s os tolos
deixam para o dia seguinte o prazer que podem ter hoje (...) A auto-preservao substituiu o auto-crescimento como o
objetivo da existncia (...) Esperam no tanto prosperar, mas simplesmente sobreviver, embora a prpria
sobrevivncia necessitada vez mais de ganhos maiores.
Outros pensadores da modernidade podem contribuir ainda na mesma linha de pensamento,
como Jurandir Freire Costa (vlido ressaltar que eles no so pensadores do Japo, o pas
apresenta suas particularidades):
Os homens japoneses eram machos e sexistas. E negligenciavam suas esposas, ento bom que eles
estejam descobrindo seu lado feminino e aprendendo a colaborar. (Yuko Kawanishi, socilogo)
Apenas para situar os navegantes, o come-planta
nada tem a ver com os Otaku, apesar de serem
ambos faces do mesmo dado (nem falo moeda
porque h outros aspectos problemticos). Ao
contrrio do Otaku que foge da sociedade, mas
permanece fazendo parte dela com sua
voracidade consumista, o herbvoro permanece
ligado sociedade, mas privilegia o espiritual em
relao ao material, uma postura budista, que faz
parte da amlgama cultural japonesa (argumento
que joga ao lado do filsofo Morioka).
O medo dos pases vizinhos que o Japo exporte esse comportamento atravs do gigantismo
de sua cultura pop. Obras sobre o assunto j foram traduzidas no leste e sudoeste asitico,
inclusive em regies com o mesmo problema de natalidade, como Taiwan, onde a taxa fica
abaixo de 1 (Japo tem 1,3 e j muito baixo), um dos menores ndices da histria da
humanidade. O mang Otomen (trocadilho entre otome - menina sonhadora - e men, para
simbolizar o personagem herbvoro) j foi licenciado at no Brasil pela Panini.
Apenas quero deixar claro que o tom do post pode ter soado machista em alguns pontos. Seria
natural, pois eu estou falando sobre a viso de mundo desses homens, correspondendo ela com
a verdade ou no. Finalizo o post com a citao que eu li hoje por acaso na Folha, numa coluna
sobre os pontos positivos do cio, que cabe muito bem aqui, pois no me espantaria se sasse da
boca de um herbvoro. Com a palavra, Karl Kraus:
"Se o lugar aonde quero chegar s puder ser alcanado subindo uma escada, eu me recusarei a faz-lo.
Porque l aonde eu quero realmente ir, na realidade j devo estar nele. Aquilo que devo alcanar servindome de uma escada no me interessa"
Fontes:
The Herbivore's Dilemma (Alexandra Harney)
Low-income bachelors victims of widening 'sex gap' (Kuchikomi - Japan Today)
In Japan, 'Herbivore' Boys Subvert Ideas Of Manhood (Louisa Lim)
The rise of Japans 'girlie man' generation (Philip Delves Broughton)
Blurring the boundaries (Tomoko Otake)
Japan's Generation XX (David McNeill)
No Japo, os herbvoros enterram a moda dos maches viris e dominadores (Philippe Mesmer)
Cultura do Narcisismo (Cristopher Lasch)
poca Negcios
Reuters
07 de Agosto, 2011
para o comrcio exterior em 1853. Era at mesmo no Japo. A Historiografia, porm, est
revolucionando alguns pontos nas ltimas dcadas e o Japo no est excludo dessa onda.
Estudos, ainda em execuo, esto contrariando as verdades de ontem e evidenciando que o
processo de ocidentalizao no foi iniciado pelos americanos, foi por eles apenas corroborado
e escancarado. A primeira semente de cunho ocidental (cientfica) teria sido plantada no
arquiplago milenar pelos portugueses, mais especificamente pelos padres jesutas, nos sculos
XVI e XVII.
fato conhecido que Portugal, at ento dono do monoplio comercial martimo, foi o primeiro
pas europeu a entrar em contato com o Japo ainda no sculo XVI com dois objetivos
declarados, comerciais e religiosos, na nsia de reverter o estrangulamento comercial do
Mediterrneo e cristianizar os novos mundos. Fluram para o solo nipnico uma infinidade de
mercadores lusitanos e missionrios da Companhia de Jesus. Historiadores de prestgio, incluindo
George Sansom, sempre afirmaram que apesar de Portugal, e posteriormente, Espanha, Holanda
e Inglaterra, terem introduzido algumas inovaes na sociedade japonesa, como a arma de
fogo, a influncia ocidental desse perodo seria um captulo menor na multimilenria histria
japonesa, servindo como uma breve nota de rodap sem expresso, principalmente pela
represso movida contra o Cristianismo no perodo Tokugawa (1603 - 1868). Essa viso est
mudando.
Pretendo, com esse post, mostrar como se procedeu presena lusitana no Japo, explicar a
razo da expulso dos ocidentais para, enfim, detalhar como os portugueses (e posteriormente
os holandeses) deram o primeiro passo na ocidentalizao do pas. Aviso de antemo, o foco do
texto Histria, ele pode ficar truncado em alguns momentos e exigir um repertrio mnimo do
assunto para melhor compreenso. Farei o possvel para tornar o texto mais fluido, mas no
abrirei mo da carga informativa.
Nossos irmos da Europa tiveram uma sorte grande
quando aportaram no Japo. Esse pequeno pas
insular e extico, que conhecia e mantinha
relaes comerciais apenas com China, Coria,
ndia e algumas regies do sudoeste asitico,
estava numa crise interna muito significativa.
Costurado por guerras feudais, em crise
diplomtica com China e Coria, o caminho para
novos parceiros de negcios estava aberto para
os portugueses. Se o comrcio de Lisboa foi muito
bem vindo, o Cristianismo cunhado no outro lado
da moeda portuguesa tambm foi inicialmente
bem recebido. Calcula-se que no chamado
Sculo Cristo, entre 800 mil a um milho de
japoneses se converteram ao catolicismo, quando
a populao do pas era estimada em 20 milhes. Esto nessa gama inclusive muitos daimios,
alguns apenas para agradar os portugueses, outros abraando a f crist para valer.
Existem vrias explicaes para a adeso macia de uma religio importada em um pas
asitico e milenar. Citarei as apresentadas pelo livro Choque Luso no Japo dos sculos XVI e
XVII de Jos Yamashiro. Os lderes militares do pas estavam com problemas de relacionamento
com os mosteiros budistas e usaram o Cristianismo como uma ferramenta de represlia interna;
os jesutas eram intelectuais e defendiam bem o Evangelho em japons, mantendo uma postura
moral irrepreensvel, fato que contrastou com a corrupo e acomodao moral dos bonzos
livros queimados, crianas batizadas eram passadas no fio da espada. Missionrios que
continuavam entrando clandestinamente no Japo para pregar a f crist, j sabendo do seu
trgico destino, eram barbarizados, torturados e mortos. A represso ao Cristianismo foi
implacvel, situao explorada pela saga filler do Rurouni Kenshin, a saga dos Cristos de Shogo
Amakusa.
Essa represso bem sucedida ao Cristianismo criou a impresso de aniquilao da influncia
ocidental no Japo da poca, principalmente porque a documentao do perodo foi
destruda por ordem dos Tokugawa. Isso est mudando, pois muitos documentos jesutas
guardados no Vaticano, Lisboa e Madri esto vindo tona nos ltimos anos. Os portugueses no
deixaram no Japo apenas vinho ou igrejas, mas a semente do pensamento ocidental.
"No h paralelo, passado ou presente, em qualquer pas, para o conhecimento que a Europa tem de
astronomia" (Yamagata Banko).
"Os portugueses e holandeses so mestres na arte da navegao. A sua tcnica superior da China.
Embora ns no naveguemos nos oceanos ou at muito longe, temos que admitir que a geografia um ramo
da astronomia, e que por meio da geografia podemos medir e provar muitas coisas em astronomia, por
exemplo, o meridiano, o equador, a eclptica, as estaes, as duraes da noite e do dia, e que todas esto
apoiadas em medidas geogrficas."
Os jesutas presentes no Japo criaram escolas, construram Santas Casas, onde tratavam os
pacientes (incluindo leprosos) ao modo ocidental, inseriram a cirurgia, ensinando as prticas aos
que mostravam interesse. Frequentemente organizavam debates de argumentao lgica com
os bonzos e intelectuais japoneses, justamente ao modo de So Toms de Aquino (profundo
conhecedor da Filosofia Grega), um dos maiores intelectuais que esse mundo conheceu. E
ensinam nas escolas que a Igreja pregava a ignorncia... O primeiro a defender a importncia
dos estudos jesutas na cincia japonesa foi Mikami Yoshio, o mais prolfero historiador japons
da... cincia.
Se voc leu at esse ponto, acredito que tenha real interesse por Histria e/ou cincia. Gostaria
de convid-lo a refletir sobre as verses da Histria que esto sendo transmitidas a ns atravs da
educao compulsria. Nos ltimos 50 anos os historiadores esto revolucionando muito do que
acreditvamos saber sobre a Idade Mdia, mas nas escolas ainda estamos aprendendo que a
Igreja Catlica inimiga da razo e da humanidade, que o perodo medieval a "idade das
Trevas" por causa da Igreja. Especialistas, inclusive muitos ateus e agnsticos, esto dando
crditos cada vez maiores para a Igreja como, na verdade, a sustentadora da civilizao
ocidental.
A Idade Mdia foi ruim APESAR da Igreja. evidente que ela teve momentos menos brilhantes, e
algumas pessoas usaram a instituio para cometer atos de gosto questionvel, mas a realidade
est muito longe de corresponder com a viso histrica CONSTRUDA concomitantemente por
iluministas e marxistas. No caso do primeiro, para suplantar a Ordem Vigente do passado (ainda
Vaticano
Acho que aps esse texto voc consegue
entender porque Okina de Samurai X, ao se
deparar com uma carta em escrita ocidental,
afirma ser ou portugus ou holands. Suas
participaes na Histria do Japo talvez
meream mais do que uma nota de rodap,
quem sabe um captulo inteiro, conforme os
estudos prosseguem com suas descobertas.
Fontes:
Choque Luso no Japo dos sculos XVI e XVII - Jos Yamashiro
O Kenkon Bensetsu e a Recepo da Cosmologia Ocidental no Japo do sc. XVII - Henrique
Leito e Jos Miguel Pinto dos Santos
The Introduction of Western Cosmology in Seventeenth-Century Japan: The Case of Christovao
Ferreira - Shuntaro Ito
14 de Agosto, 2011
"Quando a explorao do espao crescer, vo ser as corporaes que vo nomear tudo, a Esfera Estelar
IBM, a Galxia Microsoft, Planeta Starbucks." (Clube da Luta - obra no tem nada de cyberpunk,
mas compartilha o medo do fortalecimento corporativo com o movimento oitentista).
"Em Neuromancer, a Matrix, o ciberespao, mais importante que o espao euclidiano no qual vivemos e
de onde percebemos o mundo. O trabalho do anti-heri Case, como o dos phreakers e hackers, consiste em
penetrar redes de computadores de grandes companhias multinacionais. O ambiente cyberpunk, assim,
reflete o presente, a globalizao do mundo e a internacionalizao da economia. Aqui, a aldeia global
perde suas fronteiras: a geografia vale menos que o poder do tempo real. De certa maneira, Neuromancer
traz para a fico cientfica o que j estava nas ruas...(caos urvano, hacking, globalizao, falncia dos
projetos modernos...)" Andr Lemos em Cibercultura - tecnologia e vida social na cultura
contempornea
Gunnm
No d para falar em cyberpunk japons sem
iniciar a conversa com Akira, mang publicado
entre 82 e 90 pela Young Magazine, mas
consagrado pela verso animada, o filme de
1988, dirigido por Katsuhiro Otomo. A histria
ocorre em Neo-Tokyo, a cidade construda em
cima dos vestgios da antiga Tquio, devastada
pela terceira guerra mundial e pelo resultado de
um programa secreto do governo japons, Akira.
Akira o lado mais punk do cyberpunk, com seus
jovens delinquente juvenis, anarquistas ou simplesmente alienados.
A grande resposta de Akira mostrar que o progresso tcnico e cientfico jamais deve deixar de
ser acompanhado por questionamentos ticos. A fuga do controle do projeto Akira por parte
dos tcnicos do governo japons evidencia o perigo de se brincar com o que no se conhece
bem, afinal, a falta de controle sobre o projeto Akira se deu pela arrogncia dos cientistas que
subestimaram a fora daquilo que manipulavam. Podemos arquitetar nossa prpria destruio a
partir do uso descuidado do cientificismo cego.
Agora, se no caso da fico americana, o medo
era um projeto futuro a partir da distoro do real,
no caso japons, o alimento que serve de
combustvel para esses temores foi a lembrana
do passado recentemente doloroso. Seu povo foi
cobaia
de
experimentos
nucleares.
A
caracterstica mutante do cyberpunk japons
uma evidente consequncia das chagas herdadas da rosa radiativa, estpida, invlida. Tetsuo
(personagem de Akira, no do filme Tetsuo) passa a sofrer estgios de mutao at perder
efetivamente o controle sobre suas propriedades mutantes. A interveno governamental para
criar um super-homem via manipulao psico-cintica fugiu do controle de pesquisadores e
cobaia. O povo nipnico, diariamente informado sobre as aberraes e os sofrimentos causados
pela cortina nuclear, (era) decerto mais inclinado a olhar o lado negro da interveno da
cincia no corpo humano.
No s de animao vive o cyberpunk japons, pelo contrrio, talvez no cinema encontremos
seus ttulos mais viscerais. Diferente dos americanos, os filmes japoneses do gnero foram feitos
com baixssimas verbas e atores desconhecidos no cinema B, ganhando status de cult apenas
aps a consolidao do gnero. Entre seus principais ttulos temos: Tetsuo - o homem de ferro,
Pinochio 964, Rubber's Lover, Tetsuo II - Body Hummer, RoboGueisha e I.K.U. Vou introduzir os
principais:
Em Tetsuo, ao mostrar o gradual processamento de transformao de homem em mquina, o
diretor nos traz a viso de tecnologia convertendo homens normais em bestas metalizadas que,
conformadas com sua condio, passam a us-la com objetivos escusos de poder pessoal.
Tetsuo
J Rubber's Love nos brinda com a proposta de
torturar o ser humano, expondo-o a situaes extremas para que ele desenvolva capacidades
psquicas mais fortes. "O poder de dominao vem quando a angstia mental excede a
tolerncia fsica. A pelcula explode em violncia fsica e sexual. Enquanto isso, Pinocchio 964
abusa do escatolgico, com um show de vmito, ferimentos e fluidos humanos para todos os
lados, justamente para evidenciar o conflito cyberpunk no corpo. O anime Ghost in the Shell,
influncia declarada dos diretores de Matrix, j se alinha mais com as narrativas americanas.
Rubber's Lover
Ah, mas no maravilhoso que paraplgicos
possam voltar a andar? Claro. igualmente
maravilhoso que partculas nucleares ajudem a
curar uma boa taxa de pessoas com cncer, mas
no podemos perder de vista que tecnologia
possibilidade, e Hiroshima/Nagasaki, espero,
nunca sair de nossa memria como uma dentre
elas. Como Akira nos ensina, tomemos cuidado. A
tecnologia inebria, seduz... quando funciona.
Quando no, a odiamos mortalmente na mesma medida que dependemos dela. Que a tica
guie nossos passos. Nesse sentido, no teremos nada a perder.
Fontes:
Cibercultura - tecnologia e vida social na cultura contempornea (Andr Lemos)
High Tech, High Touch (John Naisbitt)
O homem uma mquina um homem, parte 1 (Joo Luis Amorim)
Akira: porque o pesadelo j comeou (Vitor Claret Batalhone Jr.)
cyberpunkreview.com
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI64860-15224,00MIGUEL+NICOLELIS+O+BRASILEIRO+CANDIDATO+AO+NOBEL.html
http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/em-2014-tetraplegico-vai-dar-o-pontape-inicial-dacopa-do-mundo-usando-um-exoesqueleto-promete-neurocientista
(teve outro site que li, sobre os filmes, mas perdi a referncia >_<)
22 de Agosto, 2011
Primeiro quero falar do que ruim no filme, pois esse ponto ajuda a determinar a falta de
abertura das pessoas para enxergar qualidades na obra. Ele mal produzido. As atuaes so
fracas, as cenas de violncia so fakes, enfim, ele tosco. O pblico em geral quando se
depara com um filme japons com cenas muito over - e mal feitas pela verba pequena - j
acha que trash e se concentra apenas no mistrio policial da trama. Nesse caso especfico,
focam sua ateno nos agentes da polcia tentando desvendar se os casos de suicdio no
metr, bem como os que o sucedem, foram incidentes criminosos, uma histeria coletiva ou uma
coincidncia. Se do mal, pois o roteiro confuso e se preocupa menos em deixar claro as
partes factuais da trama do que a idia que elas frutificam. Terminado o filme, classificam-no
como mero nonsense japons de segunda categoria, pois o centro da histria fugiu-lhes a
percepo.
O outro ponto que no me agradou foi o perfil esquizofrnico da histria. Nos primeiros minutos,
no hospital, o filme pinta como um suspense/terror com tons sobrenaturais e, sem mais nem
menos, deixa isso tudo de lado rumo a um nonsense cult. Percebemos apenas na sequncia da
trama que as vises do guarda noturno so resultados do seu stress, por dormir pouco e estudar
muito. O problema misturar gneros, a impresso de um diretor que quis, na oportunidade
que teve, mostrar sua destreza em trabalhar nas diversas frentes daquilo que chamam de
cinema pop japons.
A ideia central do filme orbitada por vrios pontos relevantes na existncia japonesa, mas que
passam longe de formar o grosso da pelcula. E justamente esses elementos secundrios que so
- quando so - levantados como pontos positivos pela tal 'crtica especializada'. A virtualizao
da vida no Japo explicitada na letra da msica do grupo infanto-juvenil Dessart que est
envolvido na trama de suicdios:
"Mande-me um e-mail. Rpido! Clique na tecla enviar. No v que eu espero ansiosamente? Mande-me um
e-mail. Para o meu celular ou PC, estou pronta para te dizer que estou esperando por isso. Mande-me um
e-mail. Eu quero que saiba que os amigos partem, e o seu o melhor ol. Mande-me um e-mail. Eu sei que
nunca soube, o que eu sinto por voc, isto real, eu
preciso ouvir voc agora ou morrerei.
A cultura de massa anulando a comunicao
interpessoal outra situao destacada no filme
quando a filha do detetive Kuroda impede o incio
de uma reunio familiar porque as Dessart
estavam na televiso. A alienao, apresentada
na forma de exemplos, o caminho para a
compreenso maior do filme. A menina, inebriada
pela propaganda do chocolate da sua banda favorita, pouco liga para a me que decepava
os dedos na cozinha. Seu irmo, entretido por um Game Boy, nem para a propaganda ligou. No
entanto, a alienao realmente condenada pelo filme no essa do "o sistema est podre" ainda que tambm esteja presente - e isso poucos captaram.
O filme no uma tentativa de retratar a problemtica do suicdio, sobretudo o juvenil, do
Japo. Muito menos um incentivo ao ato, como defendem alguns cidados que assistiram
com quilos de ateno (haha). O filme na verdade um chamado vida. Sua premissa muito
interessante: se voc morrer, voc continuar ligado s pessoas que ficaram na Terra, j que
voc em algum momento se conectou a elas, voc as mudou e por elas foi modificado (isso
simbolizado pelos macabros rolos de pele). Agora, se voc vive apenas em funo dos outros, se
voc acha que felicidade s possvel quando compartilhada, se acredita que a condio
para a vida bem vivida acha a outra metade da laranja, por que diabos voc vive? Se sua
vida s tem valor em funo de terceiros, ela no tem valor em si. Ento se mate, sua conexo
com o mundo continua...
"Voc ainda possui a conexo com voc mesmo?"
Por trs da letra infantilide, tpica de uma banda composta por menininhas de 12 anos do star
system japons, falando de amor e otimismo, est a tnica simplificada do filme. Ainda que voc
pouco entendesse da esttica floreada do Sono, ele te deu a bula no final. O filme no apenas
expe o perigo da auto-alienao ("pouco sabamos" ou "apertando teclas que executam
milhes de comandos", essa letra sobre adultos), mas tambm da alienao com os prximos.
No telefonema para o detetive Kuroda, a criana pigarrenta tambm menciona:
"Por que no conseguiu sentir a dor dos outros da maneira que sente a sua? Por que no conseguiu
suportar a dor dos outros da maneira que suporta a sua? Voc o criminoso. S consegue pensar em si
mesmo. um merda."
Ter o controle da prpria vida no exclui a importncia da relao com nossos pares. Da os
versos mais coxinhas da msica. Conecte-se a si mesmo, e mesmo com a sensao de
impotncia, tome-a do feiticeiro malvado, mas juntos poderemos ficar melhor ainda. No Japo
esse senso coletivista faz mais sentido.
31 de Agosto, 2011
"Inveja, dio prprio, luxria; eu perdi a noo de tudo. Desde aquele dia eu s estive flutuando. Apenas
olhando para a paisagem.
O co raivoso aciona sua metralhadora giratria - literal e metafrica - e passa a atingir mais
conhecidas, tendo como auge a trollada da flauta (aula de msica, a garota foi tocar sua
flauta, percebeu algo estranho e... enterrou sua vergonha com sete palmos de silncio). "Uma
vez que a pessoa comea a descarregar sua raiva, se torna muito difcil de parar", afirma o personagem.
Me pergunto, como ele esperava ser gostado se simplesmente no se mostrava? Takigawa no
s ento almejar colher um ou outro fruto, costurar novas teias de palavras, saliva e afetos. No
todos os objetivos desejados, pois, novamente, isso ignora a livre atuao das demais pessoas,
mas alguns certamente. Kurosawa no desistiu depois de apanhar, ser jurado de morte, ser
ignorado, ter sua mesa pichada, enfrentou tudo sabendo do preo a ser pago. Foi por isso
recompensado... no desistiu no segundo dia para voltar a ejacular no mundo apodrecido que
no tem olhos para si. Assim como Nagaoka foi recompensado com uma bela namorada,
apesar de ser um otaku, por no fugir da vida! J Kitahara virava p enquanto se convertia em
combustvel de clera.
O mais legal que o mang inclusive traz a perspectiva de castrao simblica. Quando
Kurosawa, em sua nova vida, flerta com Sugawa, ele inicialmente compreende o fato (ao menos
na viso dele) de que para ela, ele no passava de um conhecido e nada mais. Querer no
poder, por mais que incomode, senhor narcisista. Amadurecer abrir mo da nossa sensao
infantil de onipotncia. Portanto, abraar o real no quer dizer possuir o mundo em suas mos,
ele nunca sai da frente, nos frustra e nos deteriora instante a instante, mas melhor lutar por
algumas quimeras que jogar tudo para o alto, no? timo no converter o protagonista num
super-heri.
"A capacidade nipnica para o trabalho rduo e de equipe vem sendo cultivada no pas, por necessidade de
sobrevivncia, h mais de dois mil anos. No incio, seus habitantes ocuparam-se do cultivo de arroz
irrigado, o qual obrigava a trabalhos conjuntos nas plantaes e colheitas, bem como diviso e
distribuio da gua." (Yoshimoto, 1992).
Os japoneses so criados no sentido de adequao ao grupo. Devem mimetiz-lo e jamais
buscar distino, originalidade, notoriedade. Voc jamais ver um japons discordando
diretamente de uma opinio sua numa reunio de negcios, por exemplo. Ele no afirmar
"No!" ou "Est errado!". Ele tentar contornar a situao, se dobrar para tentar mostrar sua
opinio sem negar a exposta pelo interlocutor. O sistema educacional japons (estou devendo o
post sobre ele, n?) uma ferramenta compulsria de adequao. Ensino robotizado e
pasteurizado. Justo agora, quando o Japo est precisando de um choque de
empreendedorismo, a educao que os alaram ao topo do mundo graas uniformidade da
qualidade, se tornou um obstculo. O lder empresarial japons no o gnio egocntrico,
como o cultuado Steve Jobs, mas sim aquele que d coeso e liga ao grupo, fazendo-o
trabalhar como um corpo social que se incentiva.
fico japonesa preza bastante pelo retorno ao real e porque os japoneses esto com uma
cultura adoecida. Isolam-se na mesma medida em que precisam de calor humano para existir
como indivduos (afinal, sem o outro comigo, de onde tirar referncias para afirmar o "eu" em
japons? A vida e a individualidade se diluem).
Os fracassados - e no so poucos, s vezes nem culpados - procuram os outros para afirmar sua
presena da forma como podem. Evidente, todos eles mergulham nesses simulacros como
Narciso. No consagrado mito grego, Narciso mergulha com tudo para alcanar sua prpria
representao espelhada nas margens de um rio e morre afogado, pois tudo no passava de
uma fachada. Assim vivem parte dos japoneses hoje. Procurando suas projees para se
sentirem vivos ao seu modo... uns no Ragnarok, at morrerem sentados na cadeira de uma lanhouse. Outros casando com travesseiros moe ou eroges, at morrerem e passarem 10 anos em
decomposio na cama, pois ningum se deu conta do falecimento (s o governo, 10 anos
depois, tentando descobrir porque fulano no paga suas contas); muitos outros, tentando se
conectar aos demais indivduos em suas fantasias libidinosas, como Kurosawa. Tudo fachada,
casca vazia. Tentar agarrar essas ideias vagas sinnimo de passar varado pelo reflexo falso e
afogar-se no desespero da desconexo com a teia social, esta, frgil demais para ser sustentada
apenas com smen e fantasia, como bem nos ensina Onani Master Kurosawa.
NOTAS:
As frases de tericos que ilustram o coletivismo japons eu tirei de um artigo chamado Brasil e
Japo, sem autor identificado, do site da UFSC.
11 de Setembro, 2011
No agento meu cotidiano comum. No quero terminar como funcionria de um escritrio qualquer: sair
da escola, ser admitida em uma empresa, casar com um dos funcionrios uma vida sem nenhuma
excitao, no?" (depoimento de annima)
Um pouco de histria. O termo yaoi nasceu nos
anos 80 a partir da aglutinao dos termos yama
nashi (sem apogeu ou clmax), ochi nashi (sem
queda ou final) e imi nashi (sem significado) como
a definio de um mang que abre mo das
regras narrativas dos quadrinhos. O gnero no
nasceu com essa temtica homoertica, ele se
dirigia s criaes das jovens japonesas que
produziam dounjinshis diversos e, na nsia de dar
corpo s fantasias e imaginaes, acabavam se
esquecendo de dar um rumo lgico histria. O
termo inicialmente era usado para brincar com artistas amadores de mang e produtores de
pardias de sries famosas (pardia, em japons, no tem o sentido sarcstico que pode possuir
em portugus ou ingls, no caso, apenas para citar o amadorismo da criao).
Conforme as garotas foram brincando de rascunhar mangs, as histrias frequentemente
desaguavam nos amores proibidos enquanto elas se esqueciam de amarrar a histria, e dessa
falta de reflexo somada a crescente escolha pela homossexualidade masculina para contar
seu relato, o termo yaoi acabou sendo re-significado para isso que conhecemos hoje.
O yaoi se consolidou trazendo intensas relaes amorosas entre jovens e gentis garotos,
alienados do cotidiano, com trao do desenho estilizados e amplo foco na dimenso
psicolgica dos atores. Muitos doujinshis trazem a tortura e o assassinato como uma
representao de um amor obsessivo e destrutivo. Quando se apropria de sries famosas,
geralmente escolhem ttulos com uma ampla gama de personagens com essas caractersticas a
serem trabalhados. Os principais alvos, tambm pela poca de crescimento do yaoi, foram
Captain Tsubasa, Saint Seiya (principalmente depois da estilizao do trao dos personagens
pelos character designers de Rosa de Versalhes), Yu Yu Hakusho e Slam Dunk.
Yaoi uma realidade virtual, um desejo fantasioso
e projetivo, uma forma de demonstrao de amor
puro e definitivo, frequentemente exposto por
frases como "eu no nasci para ser gay, eu te
amaria se fosse menino ou menina". E ento voc
me pergunta: por que raios um gnero de mulher,
para mulher, sobre mulher, tratado pelo olhar
feminino, feito com um casal masculino gay?!?
Muito se questiona sobre isso nos estudos de mdia
asiticos e principalmente nos boards da internet.
Valores como castidade e perpetuao da
inocncia propostos para a mulher ideal so to
fortes, a sociedade japonesa to arraigadamente patriarcal, que uma cena ertica com
mulher inconveniente e vergonhosa aos olhos das mulheres, que cresceram ouvindo os
repdios pela manifestao sexual feminina. A subverso estaria no choque contra as
convenes masculinas da sociedade, acusadas de reificar corpo e alma femininos pelo olhar
masculino, tornando-os meros objetos do desejo macho. um protesto silencioso contra valores
milenares encrespados. Humilhar o homem, coisific-lo para o prazer visual feminino um ato
subversivo. A mulher vira papel ativo nas narrativas e joga o patriarcal para o papel passivo. a
reverso da tica social, destri essa frmula absorvida pela mdia de usar a mulher como mero
alvo da luxria masculina. As mulheres conseguem dar abertura para seu prprio prazer erticovisual quando o que est na frente no algum do seu sexo sendo violada, consensualmente
estuprada. (se voc j viu algo da pornografia japonesa, sabe do que estou falando)
"O yaoi quebra muitos dos esteretipos culturais sobre como os relacionamentos deveriam ser. Esperam
das mulheres que elas joguem ou apresentem um certo papel. Uma leitora de yaoi no tem que se associar
com uma personagem feminina. Voc escolhe aquele com o qual se identifica." Lillian Diaz-Przybyl editora
da Tokyopop
"Para as meninas, sexualidade uma coisa vergonhosa a ser temida, no algo que pode ser explorado de
forma franca e assertiva. Artistas usam as vozes de personagens masculinos para expressar desprezo pela
timidez e passividade sexual das mulheres e, no entanto, ironicamente, ao faz-lo, elas foram os leitores a
olhar para os padres injustos que a sociedade japonesa impe s mulheres."
As mdias falam da libertao da mulher h pelo menos 25 anos, mas s muito recentemente que essa
liberao constatada em fatos. A principal conseqncia dessa liberao da mulher a perda de suas
referncias sociais. As jovens no Japo so como um cavalo que voltou a ser selvagem. No mais se
parecem com as mes, mas tambm no sabem o que fazer de sua liberdade em uma sociedade ainda
dominada por homens. A sociedade no espera mais que elas sejam apenas boas esposas e boas mes,
porm isso no significa que elas tenham conquistado seu lugar no mundo do trabalho. Elas so livres,
verdade, mas no com igualdade. Grande parte de sua energia, reprimida por muito tempo e novamente
liberada, passou para o fenmeno dos fanzines. Este tornou-se para essas adolescentes um meio de exprimir
sua personalidade profunda. O gnero yaoi , penso eu, uma reao opresso sexual dos homens. uma
revolta contra a imagem estereotipada da mulher na mdia. Com esse gnero, elas reivindicam outras
representaes sexuadas alm das que lhes so propostas. (Furukawa Masuzo, fundador da
Mandrake)
Esse
florescer
para
certos
aspectos
da
individualidade est sendo uma caractersticas
das ltimas geraes de japoneses. Essas
japonesas no vem nada de errado em flertar
com
a
homossexualidade
masculina,
experimentar o fascnio do inexperimentvel. A
escolha, como nos mostra Barral, passa longe de
ser inocente. A idealizao do desconhecido traz
em seu bojo a recusa da banalidade da relao
homem-mulher tradicional.
Imagens de homossexualidade masculina so as nicas onde ns podemos ver os homens amando algum
em condio de igualdade. Esse o tipo de amor que ns queremos ter."
Tomando por tema as relaes homossexuais masculinas, elas podem desenhar, ao mesmo tempo, tudo o
que quiserem de seu centro de interesses nmero 1 os homens -, sem voltar realidade contando as
clssicas relaes homem-mulher, que para elas fazem parte de um cotidiano muitas vezes montono (ainda
que imaginrio), que termina invariavelmente com eles se casaram e tivera muitos filhos. Apesar de tudo,
um homem permanece um ser misterioso, incompreensvel, para uma mulher jovem. Os mangs yaoi so a
expresso dessa busca. (Yonezaka, fundador Comiket)
No podemos ficar tapados e olhar para a questo apenas pelo vrtice acadmico de
confrontao aos valores e bl bl bl, ao custo de ignorar o que fundamenta o estilo, a
sexualidade em si. O aspecto voyeur indissocivel do assunto. O desejo pelo prazer sexual um
dos pilares da existncia humana. Na sociedade japonesa, forjada com forte influncia
confucionista, as mulheres tem medo de expressar sua sexualidade e do rtulo de promscua. Isto
K-ON!
Enfim, o yaoi um grande resultado do contexto
global, onde a produo da informao/mdia
saiu da posse totalitria dos produtores de
contedo; eles compartilham esse posto com as
pessoas ordinrias, os fs (fandom), que muitas
vezes passam a ditar os prximos passos do
stardom (quando no o escraviza; malditos sejam,
otaku moezeiros). Com o advento das novas mdias, sobretudo a internet, o resultado foi a
proliferao da comunidade yaoi entre pessoas geograficamente muito distantes, situao que
explodiu em subculturas e despertou maior interesse de estudo sistemtico da situao, alm
claro, do interesse de muitas pessoas em ganhar dinheiro com isso.
Como dito, o fenmeno surgiu entre garotas amadoras, mas logo foi absorvido pelo mainstream.
A primeira revista yaoi profissional foi a bimestral June (referncia Jean Genet, pois a pronncia
de June se assemelha a Genet em japons), lanada em 1978. O mercado editorial trouxe
artistas amadoras de sucesso para os primeiros passos, como Ozaki Minami (famosa por mexer
com Captain Tsubasa) e Kohga Yun (Saint Seiya). Ao contrrio do que ns, ocidentais, possamos
pensar, o yaoi no um fenmeno escondido no armrio, ele bem aberto. Kinokuniya, a maior
livraria de Tquio, tem uma seo s disso. Suas leitoras, que vo de estudantes ginasiais a
funcionrias pblicas, frequentam fruns virtuais, escrevem artigos, trocam links, discutem ttulos,
marcam encontros e inclusive vo a eventos exclusivos do tema, como o Tokyo Harumi.
Algumas se declaram viciadas, a maioria apenas alega ser um passatempo. Mas o fato que a
postura de quase todas muito ativa, seja na produo, distribuio ou mesmo transformao
do yaoi. No apenas lem, mas criam seus prprios textos ou mangs yaoi, na condio de
audincia ativa. O valor do yaoi, ento, estaria menos na qualidade da obra em si, mas sim na
Sailor Starlights
Seria irresponsvel de minha parte tocar nesse
assunto sem falar no universo gay. Se o yaoi um
movimento quase que estritamente feminino,
como os gays reagem a isso? Por um lado, os
movimentos gay e feminista esto de mos dadas
na
crtica
ao
domnio
do
pensamento
heterossexual e suas imposies sociais que
limitam a livre expresso sexual das minorias (se
que posso chamar as mulheres de minoria). Por
outro lado, crticas foram feitas contra o yaoi pela
popularizao dessa representao falsa dos homossexuais, que seriam sempre lindos,
carinhosos, delicados e profundos; o yaoi, para alguns gays, seria apenas outra forma de
agresso ao homem homossexual. Mesmo os que nada tinham contra o yaoi, tambm no
consumiam. A pornografia gay que os agradava era muito mais prxima da viso hetero
masculina - visual e explcita - que feminina.
O yaoi ajudou a consolidar entre as japonesas uma idia fantasiosa sobre os gays, junto de
revistas femininas como CREA e SPA, defensoras do homem gay como um companheiro, dono
de qualidades mpares no presentes nos heteros. O gay, segundo essas publicaes, consegue
separar intimidade de sexualidade melhor que o hetero. Filmes como Okoge e Twinkle
transmitem a mensagem de que gays oferecem o tipo de amor, respeito mtuo e considerao
incapazes de serem fornecidos pelos heterossexuais. Em Twinkle, um casal (mulher hetero e
homem gay) simulam um casamento fachada para fugir das presses familiares e sociais por um
casamento. O gay encontra um homem, mas o casal de fachada est apaixonado e no se
liberta dessa condio (eu no vi o filme, apenas transmito a descrio).
As leitoras/produtoras de yaoi fazem questo de deixar claro: Elas distinguem muito bem
homossexual de homossexualidade. O primeiro seria o praticante, o gay real, enquanto o
segundo seria, na perspectiva delas, a fantasia.
Slash Fiction
Voc pensa 'coisa de japons'. Est enganado,
meu colega. inevitvel traar paralelos entre o
yaoi e o Slash Fiction, movimento setentista
americano, predominante entre o fandom
feminino e heterossexual, que imaginava relaes
sexuais envolvendo personagens homens do
universo ficcional, como seriados e filmes. Iniciado
pelo fandom de Star Trek, mas depois absorvido
pelos fs de X-Men, Babylon 5, Blake's 7 e outros, o fenmeno ganhou destaque no meio
acadmico, onde tambm foi justificado como uma forma de independncia contras os limites
impostos pela cultura patriarcalista e pela reconfigurao da identidade masculina, colocando
os desejos femininos como centro (at o Jenkins escreveu sobre isso). Um episdio da stima
temporada de Supernatural se chamar Slash Fiction, com uma suposta insinuao homoertica
entre os irmos Sam e Dean.
O pblico de slash muito crtico quando analisa o maistream, as noes patriarcais de gnero
e sexualidade, e a si mesmo. Slash recebeu mais ateno dos acadmicos que do mundo gay,
que considerou os fanzines a expresso da frustrao feminina, mas acharam legal o ataque
heterossexualidade compulsria. Diferente do yaoi, o slash se manifesta em textos cursivos ou
ilustraes, no em quadrinhos.
Apesar disso, tambm pela homofobia ocidental, slash fiction desprezado pelos apreciadores
de fico cientfica; at hoje as fs do gnero esto presas no armrio, precisando justificar seu
hobby. Frequentemente so perseguidas pelo Copyright, pois os donos dos direitos autorais se
recusam a ver seus personagens envolvidos nesse tipo de ilustrao (enquanto no Japo fazem
vista grossa, pois doujinshi uma forte sustentao da vida til dos ttulos). Essa tenso
definitivamente no existe no pblico yaoi. Este mainstream, aquele, nicho. Uma diferena do
yaoi para o slash que o japons foca em garotos ou jovens e o ocidental em homens adultos e
maduros, geralmente. A juventude celebrada por ambos os sexos no Japo.
Slash fiction e yaoi so eventos coincidentes, no nasceram de mos dadas ou por influencias
diretas; claro que esto inseridos no mesmo contexto mundial e em semelhantes contextos
culturais, mas foram movimentos espontneos e autctones.
Korean Dorama
Falei de cultura pop, no posso ficar preso ao Japo, pois
tudo que eles fazem vira contedo de exportao. Na Coria
do Sul, pas de moral tradicional arraigada que considera a
homossexualidade um desvio, uma anormalidade, o yaoi se
popularizou a partir de 1995. Nos EUA o yaoi foi introduzido
pelos ttulos Fake e Gravitation, conquistando amplo sucesso
entre o pblico gay. L, j existem duas convenes
especializadas na temtica yaoi, como o YAOI-con na
Califrnia, que reune cerca de 1.500 pessoas. No Brasil,
convido-os a visitar a sepultada rede social Orkut (uma tima fonte de dados secundrios para
pesquisas do nvel) e dar uma olhada nas comunidades de yaoi. Milhares de pessoas com
postura ativa semelhante s japonesas (no em produo, mas em debate - tambm no em
nvel). Recomendando ttulos, escolhendo casais favoritos e at ensinando como esconder os
arquivos no computador compartilhado para que ningum descubra seu hobby. Claro que h
muitas ciladas do Bino entre os tantos fakes de personagens kawaii femininos - deve ter macho
pra caramba - mas certamente uma parte considervel (quem sabe a maior parte?)
realmente de meninas, essas pequenas Cinderelas que no podem assumir publicamente que
gostam de Gravitation, ento criam fakes e pastas chamadas "PROVAS" para arquivar a bomba
atmica. Dois depoimentos coletados no pblico Orkut:
"Alm de esconder os arquivos em pastas e talz... vc tb pode mudar o nome dos arquivos. Colokar alguma
coisa, tipo, inves de "Gravitation" coloka trabalho escolar!ashshuashuahuhau!Eu fazia isso. Ai ninguem
mexia pq o nome ja dizia o q "era"! ^^"
"Tenho dois irmos mais velhos que mexam no pc e tem minha me, s d pra mim ler de manhzinha
quando todos ainda to dormindo e minha me fica la embaxo. (tem dois andares a casa). Ou quanto no t
ningum em casa, coisa que muito dificil."
Alguns dados sobre a penetrao do yaoi no ocidente. Em 2005, foram achadas 785 mil pginas
em ingls sobre yaoi, 49 mil em espanhol, 22.400 em coreano, 11.900 em italiano e 6.900 em
chins, pas que limita severamente a pornografia. O Yahoo! possui uma categoria de busca
exclusiva de contedo yaoi.
H adaptaes na produo ocidental, o yaoi
feito nos EUA costuma ocorrer nas faculdades
para evitar problemas legais, apesar da aparncia
dos personagens no convencer (o japons
ocorre na escola, mas tambm, s vezes, parece
ocorrer no jardim da infncia). Mas o pblico o
mesmo, 85% mulheres, a maioria heterossexual.
Nesse ponto reside um dos problemas, parte do
yaoi consumido pelas estudantes japonesas
crime em outros pases, por envolver insinuao ou
consumao sexual entre menores, o que
legalizado no Japo no formato mang, mas em quase nenhum outro pas do mundo. , baixar
um doujinshi japons pode ser crime, senhorita! Entender o sucesso do yaoi no ocidente
problemtico, tanto pelo carter ilegal de muitos sites quanto pelo fandom menor de idade, que
tornariam pesquisas eticamente questionveis no politicamente correto meio cientfico.
Diferente desse lado do mundo, no Japo a pornografia tambm consumida pelo pblico
feminino e a homossexualidade no tratada como tabu, como em pases de moral judaicocrist. No que o Japo seja um paraso para os gays, mas pelo menos nesse sentido de
exposio, eles so bem mais liberais. L, o tema homossexualidade transita livremente pela
cultura de massa e pelos quadrinhos femininos, inclusive os infanto-juvenis. Cristiane Sato, autora
do livro Japop, menciona o estranhamento de Naoko Takeuchi, a me das Sailors, por ser
constantemente questionada por jornalistas e crticos culturais ocidentais sobre suas personagens
de sexualidade duvidosa numa animao voltada para as crianas (caso das Sailor Starlights, de
aparncia masculina que se transformam em divas usando cano alto ou da relao
estranhssima entre as sailors Urano e Netuno), o mesmo estranhamento que o americano sentia
ao ver os japoneses direcionando esse contedo para crianas, sentido pela asitica que no
entende o que h de mais nisso. O Japo tem um histrico de explorar a homossexualidade - e a
androginia - nas artes e literatura h sculos.
Como reflexo final, onde convido-os a comentar, quero colocar em xeque esse princpio da
igualdade pretensamente ventilado pelo yaoi. Takemiya Keiko, autora de Kaze To Ki No Uta (The
Song of the Wind and the Trees) argumentou que o gnero foi o primeiro passo no sentido de um
verdadeiro feminismo. Ser? Sakakibara Shihomi, produtora de yaoi, se considera um homem
gay num corpo de mulher. Mencionam a apologia ao mundo masculino idealizado, desejo de
nascer homem, desejo de amar um homem COMO um homem (ou melhor, como um igual, sem
qualidades pr-definidas de gnero, pois a mulher sempre seria a submissa, ento, sendo
homem, poderiam gozar de outro papel sexual mais justo - ou seria gozar do poder que o
homem ainda tem hoje?). A sociloga feminista Ueno Chizuko diz que:
espadas (usualmente duas), no podiam casar com pessoas de classes distintas (os samurais de
classe mais alta tambm no podiam casar com samurais menos favorecidos) e gozavam de
benefcios bem feudais, como o Kiri Sute Gomen, o
direito de passar a fio de espada qualquer indivduo
de uma classe inferior que no o respeitasse como
tal. Percebam que falo de uma minoria privilegiada.
"(O Hagakure) Tem descries incrveis de como um samurai deve agir. Ele deve ser absolutamente limpo,
ele deve cortar as unhas de certa maneira, deve carregar ruge na bolsa, pois pode morrer. E ao morrer no
pode parecer plido ou assustado, deve ter o rosto de algum que escolheu a morte" - John Nathan
No sei se j ficou claro, mas percebam como o comportamento samurai que reconhecemos
hoje foi um adorno artificialmente forjado em tempos de paz! Quando o Hagakure foi publicado,
ela j reinava por mais de oito dcadas no arquiplago. Conlan exemplifica como os samurais
dos tempos da guerra tinham uma postura muito mais pragmtica em relao ao sacrifcio:
"O exrcito imperial japons tomou os samurais como o principal smbolo para forjar um cdigo ou uma
cultura para seus soldados. O Exrcito distorceu isso. So valores japoneses, e somos todos samurais.
Cmico que o exrcito imperial era composto majoritariamente por camponeses, enquanto o
Cdigo do Guerreiro samurai, usado pelo Estado para lavar cabeas frescas, era uma
ferramenta de distino social daqueles 10% de guerreiros do perodo feudal. Tanto que a
diferenciao social fica clara em trechos do Hagakure como: "Um samurai deve usar um palito de
dentes mesmo que no tenha comido. Nunca demonstre as privaes pelas quais voc obrigado a passar."
No espanta a truculncia das tropas japonesas em combate quando, mesmo claramente
derrotadas, avanavam contra metralhadoras, preferindo a morte rendio, como os ensinou
a cartilha estilizada dos tempos de paz.
Kamikaze
"Um guerreiro deve ser cuidadoso e ter averso derrota. Se no tomar cuidado principalmente com as
palavras, pode dizer coisas como: "Sou um covarde", "Quando a hora chegar provavelmente vou correr",
"Que medo", ou ainda "Que dor". Essas palavras no devem ser ditas nem mesmo de brincadeira,
tampouco num impulso ou quando se fala durante o sono." (Hagakure)
casa. Tomando o Hagakure como meio de vida, Seita seguiu suas lies: "O Caminho do Samurai
encontrado na morte. Entre ela ou qualquer outra coisa, no h dvida: a escolha deve ser a
morte."
Fontes e Saiba mais:
Os Japoneses - Clia Sakurai
Os Samurais - History Channel (foi a base histrica do post)
Hagakure - Yamamoto Tsunetomo
O livro dos cinco anis - Miyamoto Musashi
15 de Outubro, 2011
que ele estava fazendo um trabalho "voluntrio" e no-remunerado (!). Trago esse exemplo
simblico para introduzir o karoshi, a arte de morrer literalmente por excesso de trabalho.
de
controle
de
fazem mais de 80 horas extras por ms. Uma entrevista com 500 trabalhadores do colarinho
branco de Tquio indica que 46% deles temem que possam eles prprios se tornar vtima de
karoshi, mas a ansiedade ainda maior entre seus parentes. Check Ups, uma das medidas
adotadas pelas empresas para tentar prevenir os casos, so insuficientes para detectar
problemas de sade decorrentes dos excessos ocupacionais, situao que deixa esposas e filhos
aflitos com a possibilidade do provedor da casa ser a prxima vtima.
Existem estatsticas comparativas entre a jornada de trabalho do Japo em relao a outros
pases industrializados. Oficialmente, o japons trabalha substancialmente mais do que um
alemo, mas um nmero de horas semelhante ao americano, o que deixa claro que o problema
nipnico est nas horas extras, na informalidade.
O estado do cidado...
O japons colocou o seu pas no topo do mundo,
mas no por acaso. Mais de 12 horas dirias de
labuta, seis ou sete dias por semana, sem frias
por ano a fio... Como consequncia, o Ministrio
da Sade publicou em 2007 alguns nmeros
relevantes. Naquele ano, 189 trabalhadores
morreram pela rotina de trabalho e outros 208 ficaram gravemente doentes pela mesma razo
(estamos falando de nmeros oficiais, a realidade extrapola isso em muito!). Outros 921
afirmaram terem se tornado doentes mentais pelo excesso de trabalho, enquanto 201 tentaram
ou consumaram o suicdio alegando perturbao mental pela saturao de labor.
O governo japons, apenas agora reconhecendo de fato a extenso do problema, passou a
transmitir s empresas a responsabilidade pelos esforos demasiados dos seus funcionrios. "Em
29 de abril de 2008, uma empresa foi condenada a pagar 200 milhes para um homem com
excesso de trabalho em um coma". A lei tambm busca impor limites para as horas de trabalho
extraordinrias e maior assistncia mdica preventiva e rotineira.
As famlias das vtimas passaram a processar as
empresas na esperana de obter ao menos
alguma indenizao, mas, para receb-las,
precisam provar que a morte foi diretamente
decorrente do trabalho, o que custa muito tempo,
dinheiro e vrias sees judiciais. Muitos acabam
desistindo do sou potencial direito pela dificuldade
ou mesmo impossibilidade de provar de modo
indesmentvel. Nesse ponto difcil condenar
Justia e corporaes japonesas, pois as
indenizaes contemplam tambm os suicdios
supostamente motivados pela sobrecarga profissional. Convenhamos, depresso no algo
muito tangvel e uni-fatorial para que possamos, em todos os casos, bater o martelo contra o
lado mais forte sem um diagnstico clnico. Em outros casos, no h exames prvios que
garantam o prvio estado sadio da vtima.
Algumas medidas foram oficialmente tomadas por parte das principais empresas do Japo. A
Toyota, por exemplo, limita o nmero de horas extras mensais para 30; A Nissan possibilita
trabalhar em casa, a Mitsubishi criou o dia sem hora-extra. Nada adianta se no existir o real
comprometimento de todos os lados, ao contrrio, leis e canetadas que limitam horas-extras
podem trabalhar justamente no sentido oposto. Antes ao menos eles recebiam um pouco pelo
excedente, agora nem isso quando ultrapassam o limite auto-imposto. No adianta inventar
regras contra o excesso de trabalho se a demanda sobre o trabalhador segue inalterada, se a
carga de atividades a qual ele deve dar conta no humanamente possvel de ser realizada no
tempo til. O resultado degradante: o cara leva servio para casa, ou pior, fica trabalhando
no escuro dentro da prpria empresa, uma prtica que se tornou comum nos ltimos anos. Sem
receber pelo excedente que ultrapasse o limite, bvio.
Devo deixar claro que excesso de trabalho um mal contemporneo, jamais japons. No incio
dos anos 70, o psicanalista americano Herbert Freudenberger
definiu a Sndrome de Burnout (burnout de consumir por
completo, no um nome francs), uma sndrome de
esgotamento fsico e mental relacionado vida profissional.
Segundo o nova-iorquino, a sndrome composta por 12 etapas
que podem se suceder, alternar ou ocorrer ao mesmo tempo:
Necessidade de se afirmar, dedicao intensificada, descaso
com as prprias necessidades, recalque de conflitos,
reinterpretao
de
valores,
negao
de
problemas,
recolhimento, mudanas evidentes de comportamento,
despersonalizao, vazio interior, depresso, sndrome de
esgotamento profissional.
A diferena reside no fato de que os ocidentais chegam ao limite, mas murcham antes de
estourar. O problema explode j num estado grave, mas no terminal, h possibilidade de
reparao. O japons vai em frente at de fato morrer...
O que os levam ao limite extremo? H sim fatores culturais, mas no exclusivamente. Seria
confortvel demais apenas atribuir o problema a distines de cultura e tocar a bola.
Especialistas colocam a culpa, sobretudo, na racionalizao produtiva do Japo ps-guerra. A
partir da crtica ao Japanese Production Management (JPM), especialistas atentam para o fato
de que as diretrizes empresariais japonesas no caminham apenas no sentido da qualidade total
no desenvolvimento e produo do produto; o real diferencial competitivo do Japo est na
reduo do custo de trabalho via corte de 'resduos', isto , tudo o que no absolutamente
imprescindvel na produo.
So resduos de produo: pausa para o xixi, coffee break, tempo de almoo, frias, feriado,
deslocamento do funcionrio pelas instalaes etc. Parar a produo noturna, ento, o pior dos
prejuzos. Portanto, muito do esforo japons de corte de custos na produo se dirige ao
processo de trabalho, numa intensificao dos preceitos Tayloristas, o cientificismo exacerbado
no processo produtivo. super eficiente projetar a planta da fbrica de modo a facilitar a
circulao dos gestores. Mas tambm eficiente que o funcionrio tenha medo de tirar frias ou
mesmo de usufru-las integralmente. Entendeu como o Japo - sob a estrela da Toyota - puxou o
tapete de americanos e europeus? De graa que no foi... Evidente que um funcionrio
francs, com 30 dias teis de frias anuais no vai produzir como um cavalo nipnico.
As empresas japonesas usaram o silncio de seus leais trabalhadores como uma arma na competio
internacional. Os funcionrios esto cansados de serem usados dessa forma Kiyotsugu Shitara - diretor
do sindicato dos gerentes de Tquio
T foda...
Outro ponto extremamente prejudicial para o funcionrio japons o deslocamento para casa.
Numa cidade superlotada como Tquio, pouqussimas pessoas tem bala na agulha para morar
perto dos centros de importncia, logo, a maioria precisa se deslocar para os afastados
subrbios da cidade, uma viagem demorada, que geralmente leva mais de uma hora, no
trnsito catico ou dentro de um metr igualmente abarrotado. A cereja no bolo para o
delicioso dia til do japons. (isso quando o cidado no precisa dormir num hotel-cpsula ou
numa lan-house).
Voc diz: t, entendi que o japons tem motivos
para ficar muito estressado, mas ainda no captei
o porqu dele, diferente do americano, chegar ao
nvel do bito ao invs de apenas adoecer e pular
fora antes de morrer. Com toda a razo, pois
segue agora o motivo.
Falei
acima
sobre
jarges
administrativos
consagrados pelos japoneses, como o Just in Time,
Kanban, Kaizen, Defeito Zero, Qualidade Total... o
segredo por trs do karoshi, que aliado aos fatores
culturais japoneses, est no Kaizen. Ao propor a
melhoria contnua com programas de sugestes ou criao de pequenos grupos para a
resoluo de problemas corporativos, as empresas japonesas inculcaram no seu pblico interno
que seus objetivos so os mesmos da companhia. No a toa que uma bebida energtica teve
como slogan no Japo: "Voc pode lutar 24 horas por sua corporao?" (ok, eu sei que o Kaizen
prega tambm a melhoria contnua na vida dos colaboradores, mas prtica e teoria, quando
confrontadas pela dinmica dos negcios e pela lgica do capital, muitas vezes no
coincidem). Desse modo, vida profissional e pessoal tm suas fronteiras diludas, tornam-se uma
coisa s. O japons tem mais dificuldade de passar a rgua e falar "chega!".
Um eficaz modo de conseguir isso enfraquecer os sindicatos. Muitos dizem que um dos fatores
de sucesso da Toyota o prvio acordo com sindicatos para evitar de todo o modo a
possibilidade de paralisao da produo. Socilogos japoneses afirmam que na realidade no
ocorre um acordo to honesto como nos vendem. Diferente das automobilsticas americanas,
que negociam com as poderosssimas Unions de Detroit, as empresas japonesas subjugam os
sindicatos por vias formais e informais. A incidncia de greves diminuiu menos por precauo
empresarial do que por "fascismo corporativo" (termo da sociologia japonesa), que transforma o
sindicato em fantoches, meras fachadas que tendem a acatar os interesses empresariais em
detrimento do bem estar social dos trabalhadores (que fique claro, estou falando de Japo, no
fao ideia de como as empresas japonesas se comportam em outros pases).
"No final do Sculo XX, o Japo valorizava e buscava um estilo de vida "rpido, barato, conveniente e
eficiente", que proporcionasse prosperidade econmica. Porm, esse estilo tambm causou problemas tais
como a desumanizao, doenas sociais e poluio ambiental" Declarao Slow Life" adotada pela
cidade de Kakegawa em 2002.
Carl Honore tem um livro com valores semelhantes, chamado Devagar, onde mostra, por
estudos de caso, como possvel ter uma vida rentvel sustentada sobre os valores da
desacelerao, e como muitas pessoas esto optando por isso mundo afora. Segue a sinopse:
Carl Honor mostra que a cultura da velocidade teve incio durante a Revoluo Industrial, foi
impulsionada pela urbanizao e cresceu desenfreadamente com os avanos da tecnologia no sculo XX.
Com o mundo em plena atividade, o culto velocidade nos impeliu ao colapso. Vivendo no limite da
exausto, estamos sendo constantemente lembrados por nossos corpos e mentes que o ritmo da vida est
girando fora de controle. Este livro traa a histria de nossa intensa relao de pressa com o tempo, e
atrela as conseqncias e charadas de viver nesta cultura acelerada, criao nossa. Por que estamos
sempre com pressa? Qual a cura para a falta de tempo? possvel, ou at mesmo desejvel, desacelerar?
Percebendo o preo que pagamos pela velocidade implacvel, as pessoas em todo o mundo esto
reivindicando o tempo delas e desacelerando o passo - vivendo mais felizes e, conseqentemente, de forma
mais produtiva e saudvel. Uma revoluo 'Devagar' est acontecendo.
Finalizo o post mencionando um joguinho sinistro,
uma espcie de Prince of Persia s avessas,
chamado Karoshi - Suicide Salaryman. Seu objetivo
... morrer! um Puzzle ao contrrio, onde voc
precisa quebrar a cabea para resolver os
enigmas de cada fase e conseguir, enfim, o to
esperado suicdio. Eu heim!
http://click-jogos-online.com/2011/03/karoshisuicide-salaryman/
Hikikomori era um termo japons usado para descrever pessoas que se retiravam para o campo
aps a aposentadoria, mas foi re-significado pelo psiquiatra Tamaki Saito como um estado
agudo de isolamento social e domstico. Descreve hoje pessoas de 15 a 40 anos que evitam a
todo custo o contato social - mesmo visual - trancando-se em seus quartos por meses ou anos a
fio, literalmente. Grupo majoritariamente masculino (80%), muitos acima dos 30 anos, os
hikikomori esto se tornando a nova doena social do Japo contemporneo.
O nmero de pessoas afetadas pelo
problema
demasiadamente
impreciso, tanto pela desonestidade de
alguns pesquisadores, que fraudam
nmeros para fazer alarde, quanto
pelas famlias vitimadas que escondem
a situao do governo, da escola e da
sociedade como um todo. Saito
chamou ateno para o caso usando
nmeros superiores a um milho de
cabeas.
Posteriormente,
anlises
estatsticas cruzadas mostraram que o
nmero apresentado era fraudulento,
sem base cientfica. Estimativas mais sbrias indicam uma variao de 50 mil a 350 mil de pessoas
realmente afetadas. O Ministrio da Sade do Japo estima 70 mil pessoas atingidas pelo
fenmeno.
Um aspecto notvel no caso dos hikikomori o quo pouco se faz necessrio para empurrar a
pessoa ladeira abaixo. Quase todos os casos de recluso so ativados por alguma espcie de
fracasso pessoal, como uma demisso, no ser aprovado no vestibular, no conseguir uma
namorada ou quimeras do gnero. A primeira gerao j est na faixa dos 40 anos, ainda
vivendo na casa dos pais e sem experincia profissional.
Na ltima dcada, o fenmeno se tornou uma epidemia social. Como a anorexia, que fica
restrita ao lado ocidental do globo, a sndrome do isolamento domstico talvez outro exemplo
dentre as quais prosperam em determinada regio num dado perodo histrico. fato que
alguns dos hikikomori sofrem desordens mentais como esquizofrenia e depresso, mas a maior
parte dos vitimados no diagnosticada com alguma doena psquica ou neurolgica.
necessrio tomar o cuidado de distinguir causa de efeito colateral. Uma coisa um problema
mental que levaria o cidado a se isolar em seu quarto, outra so as consequncias, os sintomas
de se passar tanto tempo isolado num
cubculo sem contato pessoal, num
verdadeiro
processo
de
atrofia
cerebral.
Um fator cultural ajuda a agravar a
situao: vergonha. Tanto os hikikomori
quanto suas famlias no costumam
procurar ajuda. O enclausuramento do
filho considerado uma vergonha
para a famlia que, na impossibilidade
de
encontrar meios
efetivos e
tolerveis de auxlio, acabam deixando
o filho em casa na v esperana de
que ele melhore por si s de forma espontnea. Admitir publicamente o fracasso social do filho
seria assumir a incapacidade de educ-lo como um japons, um ataque visceral honra
familiar.
Como consequncia, o estilo de vida caracterstico dessas pessoas se limita a dormir durante o
dia, varar madrugadas na frente do computador ou televiso. Geralmente obcecados por
games e MMORPGs, os nicos laos sociais que recebem manuteno so os da internet,
sempre protegidos pela mscara do avatar. Conforme o tempo e a idade avanam, diminuem
as chances de uma reincluso social, tendo em vista que as habilidades sociais, se um dia
existiram, se atrofiam dia aps dia. Hikikomori que ficaram mais de um ano reclusos em seus
quartos geralmente emergem sequelados para o resto da vida. Mesmo que consigam sair da
toca (e muitos no saem!), no conseguiro mais manter relaes sociais que no sejam
imediatas nem um emprego em perodo integral, na dura concorrncia por uma boa vaga no
Japo.
Quarto de um hikikomori
Algumas pessoas enxergam no hikikomori uma variao extrema e restrita do fenmeno otaku,
que j ganhou propores de massa:
O sistema educacional japons ensina mais a memorizar do que a pensar, resultando numa
sociedade que se baseia menos no raciocnio crtico que na adequao ao grupo e s regras.
Muitos casos so antecedidos pelo ijime (bullying), a humilhao diria destinada queles que se
destacam da coletividade, como ser gordo demais, inteligente demais, com dificuldades de
aprendizado ou mesmo que se destaque em modalidades esportivas. Nenhum japons tem o
direito de se destacar no grupo - positiva ou negativamente - destoar dos demais sem virar um
potencial alvo de gozaes e humilhaes. Alm disso, o ritmo desse sistema exasperante
desde cedo. A presso comea ainda no ensino ginasial, que determina, por rendimento, em
qual escola o aluno cursar o colegial, que consequentemente determinar quais universidades
ele conseguir disputar, e por fim, isso determina em qual empresa ele conseguir um emprego.
O aluno japons j sofre com cargas desumanas de estudo desde o incio da adolescncia. O
governo, percebendo os excessos no seu sistema, at puxou o freio, limitando as aulas aos
sbados, por exemplo. Que diferena fez? Explodiu no arquiplago cursinhos preparatrios para
o ensino mdio, que os alunos frequentam aps o curso integral em seus colgios pblicos. A
competio ferozmente estimulada desde o princpio, ningum pode comer poeira dos
concorrentes de 13 anos...
O fator familiar, sobretudo a relao me-filho, outro grande responsvel pela condio
degradante desses seres humanos. Ao proteger e sustentar eternamente seus rebentos, as
famlias japonesas alimentam a situao. A relao me e filho, especialmente os homens, no
Japo muito distinta e falarei disso em outro post.
"A sociedade japonesa no tem espao para as diferenas como um trem de um nico vago. Quem no
consegue embarcar nele fica na plataforma para o resto da vida" - Yutaka Shiokura (jornalista).
Em outras naes, jovens que no se sentem bem na prpria pele adentram em subculturas
urbanas, na toxicomania. No Japo, onde ainda se preza muito a uniformidade, a aparncia e a
reputao, casos como o Hikikomori so inevitveis. Jovens, envergonhados de si mesmos, se
escondem da sociedade, camuflando assim seu fracasso, real ou percebido.
Em 2007 o governo japons implantou um sistema pblico de assistncia ao hikikomori.
Assistentes sociais - em geral estudantes de psicologia - estabelecem contato com o hikikomori
de diversas formas, como cartas, telefonemas e tentativas de dilogo pela porta, no intuito de
retir-los da toca e reintegr-los na sociedade. Essas assistentes geralmente so mulheres
(estatisticamente mais efetivo) que tentam primeiro ouvir uma resposta (geralmente o hikikomori
ignora o contato ou apenas manda-a ir embora), para, talvez, em alguns meses, conseguir levlo ao cinema ou a um parque, visando sua futura insero no mercado de trabalho (governo
oferece vagas de estgio para as vtimas em recuperao). Grupos privados que prestam o
servio cobram at oito mil dlares por ano pelo servio de algumas visitas. Infelizmente, a taxa
de recuperao inferior a 30%.
A dcada de 30 desse sculo reservar uma situao indita para a primeira gerao de
Hikikomori. Homens de 65 anos, sem experincia profissional e com habilidade sociais negativas,
passaro a testemunhar a morte dos seus pais provedores. Como sobrevivero?
"H famlias que mantm filhos nessa situao por quinze ou mesmo vinte anos. No fim, eles acabam se
transformando em bichos de estimao que voc alimenta trs vezes por dia. Mand-los embora, muitas
vezes, a nica forma de for-los a voltar vida." Masayuki Okuyama, publicitrio, criador da
Associao de Pais de Vtimas de Hikikomori (atualmente conta com 10 mil membros).
Para dar dimenso do nvel do problema, e das tentativas desesperadas de soluo, cito o
exemplo da Avex. A empresa criou uma srie de vdeos chamados "Just Looking", no intuito de
ajudar homens no acostumados a conviver com mulheres a estabelecer contato visual com
elas. Os 50 vdeos foram vistos centenas de milhares de vezes no site da empresa e hoje esto no
Youtube.
"Os pais de hoje so mais exigentes porque a queda na taxa de natalidade japonesa signfica que eles tm
menos filhos a quem empurrar suas esperanas. Depois da Segunda Guerra Mundial, s conheciam um tipo
de futuro como um profissional assalariado, e agora falta-lhes a imaginao e a criatividade para pensar
sobre o mundo de uma maneira nova." Mariko Fujiwara (diretor de pesquisa no Instituto Hakuhodo da
Vida e Viver em Tquio)
O assunto conhecido no Brasil por ser abordado
de modo recorrente pela cultura pop. NHK ni
Youkoso! (Welcome to the NHK!) uma light novel,
adaptada para anime e mang (est sendo
publicado pela Panini) que tem como premissa a
vida de um hikikomori, e aborda outros assuntos
espinhosos da realidade japonesa como o lolicon,
os suicdios combinados pela internet, vcio em
games online etc. Aps cheirar uma carreira, o hikikomori Sato postula uma teoria conspiratria
onde a NHK (Nihon Housou Kyoukai - Sociedade de radiofuso do Japo) na verdade uma
fachada para os verdadeiro planos do grupo, que na realidade se chama Nihon Hikikomori
Kyoukai (Sociedade dos Hikikomori do Japo) e embute o esprito otaku nas pessoas transmitindo
bons animes, at convert-los no verdadeiro significado do H. Em cima disso vemos uma histria
de redeno dos personagens, de um modo bem descompromissado. No acredite que o
mang retrata mesmo um hikikomori... nenhum se relacionaria com a Misaki de modo to
assertivo. Blogs parceiros dedicaram posts especficos ao ttulo, onde o descrevem melhor e mais
detalhadamente. No Elfen Lied Brasil temos uma anlise do volume um do mang, enquanto o
Netoin! fez um apanhado geral da srie.
As atuais geraes multimdia so diariamente
condenadas por sua passividade e alienao
diante das mazelas do mundo. Seriam apenas
frgidos herdeiros dos verdadeiros contestadores.
Me pergunto at que ponto esse frvolo cruzar de
braos descompromissado. Realmente, ningum
mais se envolve em decapitar dspotas, tomar os
meios de produo ou se engajar na democracia
e cobrar seriedade. Mas o Japo pode servir
como uma grande vitrine futurista para o mundo, ao escancarar o que acontece quando o no
agir e a falta de envolvimento tpicos das novas geraes podem provocar s estruturas da
economia e sociedade como um todo. Como cupins a devorar madeira, invisivelmente
apodrecendo os alicerces dia a dia, at nos darmos conta de que a casa precisa de uma
reforma ou mesmo que est condenada. Como um cncer, essa postura alienada poder
trazer, num futuro quem sabe breve, profundas mudanas sociais nessas naes que, maduras
at demais, j apresentam pontos de bolor.
FONTES:
Shutting Themselves In Maggie Jones
Hikikomori - Investigations into the phenomenon of acute social withdrawal in contemporary
Japan. - Michael J. Dziesinsk
Nonprofits in Japan help 'shut-ins' get out into the open Michael Hoffman
Gerao mang - Christoph Uhlhaas e Carola Bimbi
Multido de solitrios Ariel Kostman
De costas para a vida Thas Oyama
Hikikomori de restaurante Leonardo Coelho
An original remedy for the socially excluded
17 de Dezembro, 2011
Aclamado como o Walt Disney japons, Tezuka o responsvel pela consolidao esttica e
estrutural do mang moderno. Pincelando brevemente, ele o responsvel por aspectos que
hoje definem e distinguem a produo japonesa das demais: personagens com olhos grandes e
aguados, corpos esbeltos, cabelos armados, envolvidos em histrias com altas cargas de
dramaticidade, tudo isso contido em pginas decupadas cinematograficamente. Na animao,
da qual tambm no pioneiro, mas deu os rumos mercadolgicos para a indstria, dele o
uso de cores contrastantes (por razes de economia e adaptao aos aparelhos televisores
japoneses P&B da poca), ainda presentes nas carssimas animaes atuais do Japo como
estilo prprio de uma indstria. Resumindo, Tezuka foi o artista que revolucionou o pop japons
em termos criativos, mas tambm o empresrio workaholic que viabilizou a brincadeira ao criar
um modelo de negcios sustentvel (economicamente, na poca ainda no existia ecochatice) que tornou esse segmento da economia japonesa em algo lucrativo e capaz de
trabalhar como um embaixador do Japo moderno e sua cultura mundo afora.
Tezuka no era nenhum mangak virtuoso, se voc entende
isso como algum que desenha como Takehiko Inoue, era
apenas suficientemente capaz de contar histrias com
desenhos. No incio ele emulou os traos americanos com
seus personagens arredondados, e aos poucos desenvolveu
seu estilo nico. Apesar da sua paixo pelo mang, Tezuka os
produzia em escala industrial na inteno de levantar fundos
para criar uma animao do mesmo nvel da Disney.
O intuito desse post demonstrar como a cultura de massa
dos EUA influenciou diretamente a produo do Tezuka, de
seus antecessores e, consequentemente, de tudo o que veio
depois dele. Pessoalmente, enxergo trs nveis de influncia
dos EUA na obra dele: a direta, absorvida de modo franco
das produes americanas com as quais ele teve contato
pessoal; a indireta, introjetada de modo derivado, a partir da
influncia de artistas japoneses que o antecederam e beberam na fonte americana quando ele
ainda era uma criana; e por fim a abstrata, resqucios de pensamento ocidental adquiridos em
todos os pontos de contato dele com o Ocidente, da guerra literatura, que resultaram at em
denncias de racismo. Mais do que isso, demonstrar como a influncia de Osamu hbrida. Ele
no fez nome apenas emulando a cultura
americana, j que a cultura japonesa base das
suas inovaes, como exemplificarei mais afrente.
Pop Art
A cultura pop americana foi a tsunami que
preencheu os buracos deixados pelo vazio do psguerra e da urbanizao. Hollywood, Broadway,
Disney e Coca Cola - entre outros - se tornaram
embaixadores do estilo de vida americano, e isso
foi particularmente forte nos pases derrotados na
guerra que se voltaram para o lado capitalista do
globo. Com a palavra, o fotgrafo vienense
Gottfried Helnwein narrando uma realidade
austraca muito estreita com o ps-guerra japons:
Todos estavam tentando se livrar do passado rapidamente enterrar tudo suas histrias, suas
identidades e suas memrias. A gerao dos nossos pais era, espiritualmente, um tipo de morto. E dentro
desse vcuo de nossa infncia, a Amrica jorrou Coca Cola, jeans, carros que pareciam naves espaciais,
filmes, histrias em quadrinhos e rocknroll. A Amrica apresentou um mundo mtico de maravilhas
modernas e milagres. Havia belos anjos rebeldes como Elvis, Jimmy Dean, Brando e garotas de beleza
desigual coisas que ns nunca havamos visto antes no nosso chamado mundo real. E, para mim e para
muitos de meus amigos, isso foi tambm um encontro com um homem que provavelmente nossa maior
inspirao: Pato Donald. O impacto desse choque cultural foi enorme.
Reze ao Deus Pato Donald
Antes do Pacfico ficar pequeno demais para dois imprios e
da censura japonesa proibir qualquer produo cultural do
inimigo, no entanto, o jovem Tezuka cresceu num lar
excepcionalmente liberal e moderno para os padres
japoneses da primeira metade do sculo XX. Sua me era atriz
de teatro Takarazuka e seu pai o presenteava com quadrinhos
japoneses e estrangeiros e sesses de cinema regadas com
Hollywood. Personagens como Gato Felix, Betty Boop, o
Marinheiro Popeye, Oswald Rabbit e Mickey Mouse fizeram
parte de sua infncia. o momento de introduzir a influncia
direta dos EUA na formao cultural do jovem Tezuka.
Tezuka era um cinfilo incorrigvel que cresceu assistindo s
comdias de Charlie Chaplin. Hollywood invadiu sua vida aps
o trmino da Guerra quando os filmes americanos tomaram os
cinemas japoneses e as produes dos anos 40, at ento inditas devido censura,
encantaram o pai do mang. Entre seus ttulos favoritos esto: O eterno pretendente, Que
espere o cu (seu preferido), Um anjo caiu do cu, Meu amigo Harvey, As belas da noite, O
homem de sete vidas, Neste mundo e no outro etc. Os anos 40 da cinematografia yankee so
conhecidos pelo cinema noir, mas tambm nessa poca produziram muitas comdias e filmes
de fantasia que seduziram o japons. Durante alguns anos, ainda na condio de mangak,
frequentou o cinema com tamanha assiduidade que dizia assistir mais de 365 filmes por ano. Em
alguns momentos, chegou a assistir at 10 filmes por dia. Isso sem dvida ajudou a alimentar seu
desejo de produzir sua prpria animao. Nas suas palavras (traduo livre):
Por que os filmes americanos so to diferentes dos japoneses? Como eu posso desenhar quadrinhos que
fazem as pessoas rirem, chorarem ou se excitarem como naquele filme?
Bambi (1942)
Tezuka apreciava cinema, mas amava os
desenhos animados, principalmente as produes
Disney. Ele diz que assistiu Bambi mais de 80 vezes.
A Branca de Neve "apenas" umas 50 vezes. Em
algumas ocasies ele passou o dia inteiro na sala
de cinema assistindo repetidamente a mesma
animao. Bambi foi lanado em 1942 nos EUA,
mas s chegou ao Japo em 1951. O apelo
buclico e animal o sensibilizou. Aps assisti-lo
muitas vezes, ele passou a desenhar os
personagens dentro do cinema. Mais para frente,
Mickey Mouse
No apenas o movimento de desenhos ou
fotografias influenciou o Deus do mang, antes de
tudo, evidente, os quadrinhos exerceram esse
papel de forma decisiva. Walter Disney e Max
Fleischer (Betty Boop, Popeye) foram as principais
bases americanas que ajudaram a criar seu estilo
inicial: olhos e traos faciais em geral bastante
exagerados
para
transmitir
emoes
(expressividade) e corpos arredondados. George
McManus, produtor de tirinhas de jornal Bringing Up
Fathers (Pafncio e Marocas no Brasil) tambm teve participao direta na formao cultural do
jovem Osamu. Essas tirinhas, ainda que americanas, tinham apelo global por tratar de um
contexto de modernizao compartilhados pelos dois pases.
O segundo nvel de orbitao ao redor dos quadrinhos americanos ocorre quando Tezuka se
inspira diretamente em artistas japoneses que beberam na fonte dos Estados Unidos, seja apenas
devorando suas produes importadas, seja aprendendo diretamente no pas, em tempos de
amizade ou tolerncia diplomtica entre Washington e Tquio.
Rakuten Kitagawa nos anos 20 foi o primeiro a usar o
termo mang em seu sentido moderno. A originalidade
do seu trabalho pode ser parcialmente creditado s
publicaes americanas como a Puck (publicao com
stiras polticas, caricaturas e cartoons, o primeiro
sucesso americano nas revistas de humor), The
Katzenjammer Kids, The Yellow Kid e nos trabalhos de
Frederick Burr Opper (famoso por Happy Hooligan e
cartoons politizados). A obra de Kitagawa ilustrada
acima se chama Tagasuku e Mokub passeiam em
Tquio, e narra a saga de dois camponeses que migram
para um centro urbano. Influncia direta dos quadrinhos
estrangeiros, uma pardia sobre o choque cultural
enfrentado pelo Japo da poca.
Tagosaku to Mokube no Tokyo Kenbutsu - Rakuten Kitazawa
Ippei Okamoto outro exemplo de artista japons (autor
de Shin Mizu Ya Sora e Ipei Zensh) extremamente lido
no Japo, inclusive por Tezuka, que trouxe vrias
influncias do mundo todo, inclusive dos EUA, para o mang. Ele que introduziu Bringing Up
Father e Mutt and Jeff ao pblico nipnico. Shishido Sako, autor de Speed Taro, por exemplo,
estudou os cartoons nos EUA e reconhecido por Tezuka como um dos primeiros a trazer as
tcnicas cinematogrficas aos quadrinhos, ainda nos anos 30. Shimada Keizo, um dos mais
conhecidos produtores de mang do pr-guerra foi abertamente influenciado pelos quadrinhos
do Gato Felix.
O Mang nasceu com o choque cultural do oriente com ocidente, do velho e do novo, foi um caso de
esprito japons e aprendizado ocidental Paul Gravett
Donsha (Rakuten Kitazawa) - influncia direta do
cartoon americano, colorida e de pgina inteira
A terceira esfera de ao dos EUA menos
tangvel, mas no menos presente nos ttulos do
sensei. Comeo citando a prpria guerra direta
com a Amrica que alterou profundamente a
viso de mundo do menino Tezuka, que nasceu e
cresceu no Japo militarista. Osamu perdeu
muitos amigos na guerra e viveu o horror dos
bombardeios areos. Isso alterou para sempre sua
viso de misso na Terra. Seu objetivo passou a ser
sempre ajudar as pessoas. Formou-se em
Medicina, mas nunca chegou a colocar em
prtica o ofcio, e, na condio de Mangak,
enxergou a necessidade de transmitir otimismo e
bom astral nas suas histrias, as quais (boa parte)
soavam at uma positividade cega, mas
profundamente necessria no depressivo Japo
devastado - fsica e moralmente. O tom das suas
histrias foi amplamente determinado por fatores polticos do seu pas em relao aos EUA.
Os prximos dois exemplos so mais verificveis, j que ntidos em seus quadrinhos. Trata-se da
viso de mundo Ocidental, absorvida pelo Tezuka via EUA. A euforia da modernidade, presente
de modo aberto em Metrpolis na forma de grandes construes e multides humanas, por
exemplo, vem mais dos quadrinhos americanos de George McManus e menos do filme alemo
homnimo de Fritz Lang, que Osamu alega no ter assistido.
O racismo em relao aos negros era uma realidade pestilenta, mas comum do perodo. Os
americanos tinham um Apartheid informal nos EUA; Inglaterra, Frana e Alemanha - os outros
pases ocidentais que mais jorravam cultura no Japo dos sculos XIX e XX - detinham colossos
coloniais no continente africano. Claro que a imagem que esses pases tinham da frica era
bem pejorativa, inclusive sustentada por pseudo-cincias que servia de legitimao moral dos
seus abusos. O prprio Japo tinha suas teorias de superioridade da raa japonesa. Ocorre que
a representao do negro nos quadrinhos de Tezuka segue o padro das HQ's americanas, com
traos e atitudes excessivamente estereotipados e depreciativos, segundo algumas opinies.
Tezuka era um humanista nato e escrachar o trao caracterstica intrnseca desse tipo de
quadrinhos. Como nunca li nada dele que retrate africanos ou pessoas do sudeste/sudoeste
asitico, no posso dizer se discrepante ou no, apenas transmito a percepo de alguns. O
fato que o negro em seus quadrinhos muito semelhante aos negros desenhados nos EUA, e
na Amrica o distanciamento racial era aberto e assumido. Talvez Tezuka tenha absorvido
sedimentos raciais, ainda que de modo inconsciente, da produo ocidental. Gostaria da
"Eu nunca vi uma histria em quadrinhos como essa. Tudo o que voc v um carro correndo por duas
pginas. Ento, por que isso me deixou to excitado? E senti como se estivesse dirigindo esse carro (...).
Esse um quadrinho esttico impresso em papel, mas esse carro EST correndo a toda velocidade! como
se eu estivesse assistindo a um filme." (Fujiko A Fujio, criador de Doraemon).
Sakura Kinomoto
Tezuka, como nosso querido Roberto Gomez
Bolans, o Chespirito, nunca subestimou sua
audincia. O mexicano trouxe a 'alta cultura' para
as crianas ao repaginar clssicos da literatura,
cinema, folclore, mitologia e personalidades
histricas na forma de entretenimento descompromissado para as crianas. Ainda enquantro
pr-pberes, ns, latino-americanos, tivemos a oportunidade de conhecer Shakespeare, Goethe,
Cervantes, Classic Hollywood, Da Vinci, Chopin, Sanso e Dalila, entre outros, pela viso do
pequeno Shakespeare latino. O pblico japons - no apenas as crianas, no caso - igualmente
teve essa oportunidade ao receber em seus mangs de Adolf Hitler e Buda Fausto de Goethe
pelas lentes de Osamu Tezuka (O chirrin cherrion do Diabo Fausto tambm hahaha). Como se
ele j no tivesse criado poucos personagens, ele demonstra que entreter no tratar o pblico
como boais, d pra entreter com um leo albino, um rob humanide ou com Buda.
Como define Cristiane Sato no artigo "A cultura
popular japonesa: anim" do livro Cultura pop
japonesa organizado pela Sonia Luyten: "Ainda hoje
Manga Updates
Japanese culture and popular consciousness: Disneys The Lion King Vs. Tezukas Jungle Emperor
(Yasue Kuwahara)
God of comics: Osamu Tezuka and the creation of post-World War II manga (Natsu Onoda
Power)
Osamu Tezuka - Histria em mang (Toshio Ban & Tezuka Productions)
07 de Janeiro, 2012
anime. Posteriormente fiquei sabendo que no era bem isso e resolvi arriscar pelo meu interesse
histrico. Cada episdio tem cinco minutos, nada que comprometesse minha vida.
Os amantes de Hetalia apreciam a
comdia do ttulo, as leves insinuaes
yaoi e alegam aprender Histria com
seus 52 episdios. Os responsveis pela
cruzada contra o anime afirmam
categoricamente que no s
impossvel
aprender Histria com
Hetalia como prejudicial tom-lo
como referncia de aprendizado, alm
de classificar o humor de mediano para
fraco e condenar a presena do yaoi.
A minha opinio a reafirmao da
sabedoria chinesa e do Yin-Yang, algo
mais prximo da verdade est no equilbrio dos fatores, no nos extremos. Quero demonstrar
que, sim, Hetalia est calcado em forte pesquisa histrica e quais as implicaes disso para os
dois extremos do pblico.
A qualidade do humor pode ser discutida em
partes. Piadas mais bsicas vo do gosto de cada
um, h quem goste, h quem odeie.
Pessoalmente, acho que h algumas piadas
boas, mas muita coisa sem graa, bem A Praa
Nossa. As melhores piadas de Hetalia so aquelas
que voc aprecia pela sagacidade, no pelo
tom escrachado. Guardando as devidas
propores, as melhores piadas esto mais para o
humor intelectualizado de alguns filmes do Woody Allen que para o popularesco American Pie.
No o humor que te faz chorar de rir, aquele que te faz pensar "bem bolado!" (no que eu
chore de rir com American Pie, quem nem gosto). Mas ao mesmo tempo um humor que exige
um amplo repertrio histrico e cultural para que voc o compreenda em sua mxima
amplitude. E aqui entramos em um impasse. Se a srie tem uma boa base histrica, ela no to
vazia como afirmam os haters, ao passo que, se preciso entender um pouco de Histria dos
ltimos cinco sculos para compreend-lo de modo integral, como Hetalia pode ser to
apreciado por pessoas que assumem 'aprender' Histria com os personagens, logo, no
entendem 1/5 das referncias l embutidas? As
explicaes escritas passam longe de contempllas, em geral as ignoram totalmente.
Fiz algumas anotaes enquanto assistia primeira
metade do anime e creio ter recolhido amostra
boa o bastante para demonstrar, de uma vez por
todas, que os subsdios histricos so fortes e minar
um dos argumentos dos haters. Senta que l vem
Histria! Tentarei dar uma progresso lgica, no
cronolgica, aos exemplos. (no desista, ao
trmino haver uma anlise do consumo dessa
narrativa).
Chibitlia une um clich dos animes (chibi, personagens baixinhos e cabeudos - a mais famosa
no Brasil a Chibi Moon de Sailor Moon) com as cidades-estados da Itlia pr-unificao,
pequenas, frgeis, mas amplamente admiradas pela sua excelncia cultural: da a perseguio
apaixonada do pequeno Sacro Imprio Romano Germnico, base de formao do futuro
Estado alemo (Chibitlia criativo, mas chato pra cacete). Hitler e os nazistas tinham
verdadeira obsesso pelo passado clssico compartilhado por Roma e pelas maravilhas da
Renascena. Os italianos sabiam fazer arte, no os modernistas judaico-bolcheviques que
infestaram as belas artes alems e apresentavam a degenerao cultural que justificava o Reich
de mil anos (perspectiva nazi). Ah, mas isso parcialmente evidenciado no anime? verdade.
Vamos a outro exemplo.
No sei se fica claro a razo da ustria ter um destaque to grande no anime, com uma posio
dominante sobre o Sacro Imprio que formaria a Alemanha, se foi um pas anexado pela
Alemanha nazista e hoje mera coadjuvante no tabuleiro da poltica internacional. Viena foi,
em certos momentos, o centro cultural da Europa e uma potncia militar. Para citar dois nomes
universais, so austracos Mozart e Freud. Nomes um pouco mais obscuros para no iniciados,
mas de excelncia, so Haydn, Schubert e Mahler na msica; Musil, Rilke, Schnitzler e Kafka na
literatura; Schumpeter, von Mises e von Hayek na economia; Klimt nas artes etc. Resumindo, o
Imprio Austraco, que englobava regies maiores que a atual ustria, fora em sculos passados
o que a Alemanha passou a ser recentemente - um centro de cultura, cincia e influncia
regional. A abordagem no anime precisa.
Seria uma observao pertinente se voc afirmasse que, mesmo desconhecendo a real
dimenso do poder austraco, isso no compromete a experincia com o anime, apenas a
intensificaria para os conhecedores - e no pr-requisito para entender o humor ao redor do
personagem ustria. um ponto. Mas agora eu trago uns exemplos onde imprescindvel saber
do fato histrico para entender do que esto
falando.
Num dado momento o Itlia, diante da
possibilidade de tortura, abre o jogo sobre os
segredos do Alemanha a partir da denncia de
sua perverso sexual, afirmando que ele tem em
sua posse DVD's erticos de bondage e
envolvendo ces, numa ntida referncia aos
boatos sexuais sobre a vida pessoal de Adolf Hitler.
H quem afirme que ele foi homossexual,
bissexual, outros dizem que a filha de sua meia
irm, Geli Raubal, optou pelo suicdio tambm
pela natureza sombria da sexualidade do seu tio
Hitler (com quem teve relaes) adepto do
sadomasoquismo e de prticas envolvendo urina
e fezes. No sei at que ponto isso tem
fundamentao histrica, tampouco tenho
interesse em biografia de lderes militares, mas os
boatos existem (carreiras acadmicas foram
construdas
em
cima
desse
assunto)
e
fundamentam essa piada. Sem conhecer o fato,
os haters pensam que o Alemanha tinha DVD
porn porque o anime japons e os nipnicos
so adeptos de inserir putaria em tudo, diminuindo a obra por culpa prpria.
Outro ponto - fora do humor - que no faz muito sentido sem a perspectiva histrica quando o
Alemanha amassa as batatas preparadas pelo submisso Frana. A ideia no mostrar apenas a
diferena cultural na culinria (gauleses gourmet e alemes saxes destruindo o alimento), mas
trazer o fato da Frana como celeiro alimentcio do eixo europeu. A Alemanha conseguiu
sustentar internamente a guerra por tanto tempo pois sua nao ficou anos sem passar fome
com o continente em guerra, justamente porque a produo francesa alimentava o povo
germnico (enquanto os prprios franceses morriam de fome). Mesmo o hetare Itlia come
scargot preparado pelo Frana.
H outras tantas referncias, como a China na condio de origem cultural do Japo
(aprendendo o kanji), a represso russa aos trs pases blticos (Letnia, Litunia e Estnia) que
tremem os joelhos na simples presena dele, o Japo negligenciando sua cultura com a
ocidentalizao (representado pelo sumio das entidades religiosas japonesas do ofur) etc.
Diante dos exemplos apresentados acima, acho difcil algum dizer que Hetalia no tem um
forte estudo por trs, mas, ao mesmo tempo, considero IMPOSSVEL algum aprender Histria
assistindo isso. No d para deduzir que a Frana alimentou os alemes com a piadinha da
batata. A no ser que a pessoa considere saber Histria como memorizar quais pases lutaram de
qual lado, uma perspectiva bastante rasteira do que a Histria. (inclusive isso que fiz acima
pura apresentao de dados, por acaso memorizados no real estudo da disciplina, que
extrapola qualquer decoreba de datas e nomes, mas dela depende).
O anime, alm disso, no se pretende
um guia de estudo, mas sim uma
caricatura bastante distorcida para
quem j tem discernimento de separar
piada bufona de fatos. O esteretipo
de incompetncia dos italianos se
baseia no desempenho militar pfio do
pas nas guerras mundiais e no
colonialismo
do
sculo
XIX
(conseguiram a faanha de serem
colocados para correr pela Etipia!).
Em tempos de Berlusconi, a pessoa ter
Hetalia como base para estudar a Itlia
danoso, pois pode criar uma
percepo imensamente distorcida do
povo ao ignorar as determinaes histricas que influram no pssimo desempenho da bota. O
pas era aoitado por outras foras europias como a ustria e a Frana, entrou nas guerras sem
um real esprito de nacionalismo e seus soldados no tinham a menor disposio de lutar por um
pas recm forjado que no os representava. Nesse sentido, Hetalia seria um desservio
intelectual para fs de yaoi que julgam aprender algo com uma fico que apenas toca a
superfcie dos temas.
Para amarrar o que penso de Hetalia de modo resumido: H sim boas cenas de humor (em meio
a muitas piadas ordinrias), como os chineses construindo uma China Town em absolutamente
todos os locais por ondem passam (at na cpula da reunio) e a fila do supermercado com
todos os pases atuando com seus respectivos esteretipos (o italiano fura fila, o espanhol lento,
o japons silenciosamente desagradado, o alemo claramente atormentado pela quebra da
ordem etc), mas a maioria dessas boas cenas exige um bom repertrio histrico para a
completa apreciao (Canal de Suez). Para compensar isso e atingir o pblico alvo, a srie
apela para os clichs do yaoi (aquela cena lamentvel do Itlia com a lngua do gato e o
homossexualizado Frana fazendo pedido de casamento gay, para citar os casos mais
gritantes).
Concluo que uma srie esquizofrnica. Sua premissa parcialmente inacessvel para o target
escolhido, isso compensado com um lugar-comum que passa a ser a justificativa de
apreciao da srie, a temtica histrica se torna um detalhe, de se jogar fora. Talvez depois de
K-ON, Hetalia um timo exemplo para uma boa anlise sobre o atual pblico dos animes, no
sentido de que no apenas a indstria do anime que est adoecida. Certamente retomarei
Hetalia quando falar de Hiroki Azuma. Hetalia no um yaoi declarado, ele foi "yaoizado" pelo
pblico que v no ttulo um mero canal de apreciao de seus chaves, situao que fica clara
quando analisamos as comunidades de orkut do fandom, no tpico "Voc percebe que est
viciado em Hetalia quando":
04 - Voc comea a rir sozinho enquanto seu professor de Histria usa aqueles exemplos do
tipo... "A, o Estados Unidos meteu bomba no Japo..."
05 - Voc comea a achar o comunismo algo
extremamente fofo! @u@
16 - Quando voc l "a Frana penetrou a Prssia"
no wikipedia e comea a chorar de rir (vide
"Guerra dos Sete Anos" no Wikipedia);
81 - L notcias como "Rssia ataca o Reino Unido
e os EUA por causa das reaes destes pases ao
veto russo e chins" e ao invs de levar a srio fica
achando tudo muito moe!
WTF?
Fatos histricos e ideologias so resumidos e condensados em piadas yaoi, assim que estamos
lidando com as narrativas e com o mundo a nossa volta! No Brasil! A Histria da Segunda Guerra
e suas implicaes morais so reduzidas a discusses de qual o personagem mais moe~moe.
Quem se importa com Primo Levi se temos a Grande Nao Japonesa (roubei da Mara) para
nos ensinar Histria com sua indstria cultural? Hetalia no virou receptculo de yaoi por acaso,
por um infortnio do destino. H l elementos estrategicamente posicionados para isso. No ao
ponto de ser yaoi como gnero definido, mas eles conhecem melhor que ningum seu pblico e
o que ele faria com esses elementos. Tentaram jogar nas duas frentes, com um yaoi suave ao
ponto de no espantar quem por acaso se interessou pela premissa, mas presente o bastante
para a imaginao das fujoshis viajar em fanfics e fanarts relacionados.
verdade, sei que ningum comea a se interessar por Histria j esmerilhando um Hobsbawm,
se Hetalia ao menos plantar uma sementinha, j algo bacana (e no tenho dvida que h
algumas pessoas realmente se interessando seriamente pela Histria, introduzidas por Hetalia),
mas fatalmente no falamos da maioria. Em suma, Hetalia no to ruim pelos motivos
apresentados pelos haters, tampouco bom pelos motivos apresentados pela maioria dos fs.
T tudo errado, produo! Com outra abordagem, ou em outra poca, Hetalia poderia ser
notvel. Hoje, apenas mais um.
O Video Quest analisou apenas 10 episdios de Hetalia e concluiu algo muito prximo (assisti
esse VQ apenas aps fazer o esqueleto desse texto em julho, e a semelhana entre as
percepes foi tamanha que decidi engavetar o post, pois pensei que nada tinha a
acrescentar). Acredito que vo me xingar muito nos comentrios, mas no estou sozinho nessa
percepo. Sei que um monte de gente vir dizendo "eu no sou assim, no assisto por conta
disso bl bl". No perca seu tempo, voc no precisa se justificar, se voc no se enquadra,
sinta-se feliz, minha inteno no foi enquadrar a totalidade e sim traar um cenrio que
contemple boa parte do pblico.
12 de Fevereiro, 2012
Existem cidades eternas no globo terrestre. Todas as cidades possuem suas caractersticas,
distines ou mesmo uma personalidade, mas h algumas poucas que extravasam essa
situao para se tornar um cone mundialmente reconhecido; objeto de venerao dos seus
conterrneos, alvo de idealizao dos forasteiros. Nova Iorque est eternizada na cano de
Frank Sinatra. A 'cidade que nunca dorme' tambm reconhecida no cinema de Martin
Scorsese ou Woody Allen, mestres da cultura americana, que, por suas lentes, apresentam ao
mundo as delcias e os percalos da principal metrpole dos Estados Unidos. No hemisfrio sul, o
Rio de Janeiro continua lindo, e o abrao do Cristo Redentor abenoa a todos,
homenageadores e homenageados, de Tom Jobim ao Maracan.
Algo semelhante poderia ser feito, por qualquer pessoa, com outros poucos exemplos como a
Cidade Luz ou a Cidade Eterna, que sequer precisam ser identificadas pelo nome para transmitir
sua opulncia histrica e fazer suspirar mesmo os mais lunticos. Um desses poucos exemplos a
cidade de Tquio no Japo. Tquio, que sequer uma cidade no sentido fronterstico do termo,
especial como poucas. Diferente das demais, que cristalizaram uma imagem bastante slida o romantismo de Veneza, o glamour parisiense, a eternidade do Cairo -, Tquio uma cidade
mutante. Isso fica evidente pelo prprio nome recm adquirido (apenas em 1868 o Imperador
Meiji alterou o nome de Edo para Tquio). Esse constante processo de alterao ocorre ao
abraar o que h de mais mltiplo na padronizada sociedade japonesa e no mundo. Tquio
uma cidade que no pode ser capturada em descries, Tquio flui, escorrega, nos foge.
Paramos para contempl-la, perplexos, e ela j mudou, zombeteira. No a reconhecemos mais
enquanto ela nos desafia: Decifra-me ou devoro-te.
Com esse post no pretendo descrever os diferentes bairros da capital japonesa e suas
particularidades, mas traar um panorama histrico dessa cidade que fascinou e assustou
nativos e estrangeiros no sculo XX, com sua voraz e no necessariamente equilibrada
capacidade de adaptao. Pretendo demonstrar que o maior centro metropolitano do mundo
tambm teve seus respectivos Sinatras ou Jobims. O onipresente - e ativo - vulco conhecido
como Monte Fuji, cravado nas proximidades da cidade (de onde possvel v-lo em dias
limpos), era figura constante na representao da cidade enquanto Edo, mas no ltimo sculo
passou a dividir atenes com locomotivas, anncios publicitrios e constelaes de non, sem
esquecer dos grandes parques, Ministrios, templos, bolsa de valores e domnios imperiais num
verdadeiro caleidoscpio de tradio e modernidade. Visitar Tquio sem dvidas uma
experincia esttica muito alicerada no visual.
Resolvi criar meu prprio recorte fenomenolgico da maior cidade nipnica e dividir sua histria
recente em quatro medidas cronolgicas, atribuindo a um autor de cada um desses perodos a
misso de lhes contar um pouco sobre sua experincia com Tquio. Tenham em mente que essa
diviso cartesiana e didtica abre brechas para possveis incoerncias ou mesmo contradies
devido prpria natureza complexa e estilhaada do objeto abordado. Falo de padres gerais.
Com tal misso, convoco quatro artistas - nem todos japoneses - para lhes contar, via progresso
histrica, um pouco do legado recente de Tquio: O ilustrador Katsushika Hokusai nos introduzir
o exotismo cotidiano da Edo no sculo XIX; o cineasta Yasujiro Ozu nos mostrar um Japo em
pleno processo de ocidentalizao na primeira metade do sculo XX; o tambm cineasta Wim
Wenders encontrou uma Tquio eufrica e irreconhecvel nos anos 80; por fim, o escritor (diretor
de cinema, ex-apresentador de tv, etc) Ryu Murakami escancara de modo desgostoso uma
cidade despersonalizada, afogada em excessos e responsvel por drenar as pessoas para um
pntano de sexo, consumo e solido, e nada mais, nas ltimas duas dcadas. Tquio
personalizou todos os conflitos vividos pela nao japonesa nos ltimos tempos, e, conhecer sua
histria, tambm pela viso das pessoas que nela vivem ou com ela sonharam, um modo
simplificado de materializar e tentar compreender de modo indireto o inacessvel esprito do
homem japons.
Em Hokusai reconhecemos o Japo do perodo Edo (ou perodo Tokugawa - 1603/1868). Um pas
voluntariamente apartado do mundo, quase sem relaes diplomticas e sem intercmbio
cultural com outras naes. Fase onde toda a bagagem cultural historicamente adquirida das
civilizaes chinesa, coreana, asiticas e europeias, em conjunto com a prpria cultura local,
pde fermentar e se manifestar como um dos perodos mais frteis da cultura japonesa. Esse
contexto que est talhado nas principais obras de Hokusai. Vidas notoriamente japonesas, em
relao direta com o ambiente circundante, natural por excelncia. O povo japons
desenvolveu sua existncia, seus hbitos e temores da relao que criou com o mundo natural,
ao mesmo tempo belo e hostil, do territrio nipnico. O grande carto postal do pas no um
monumento humano, como a Cidade Proibida ou o Kremlin, mas um vulco. Sua casa Imperial
no simbolizada por armas ou escudos, e sim pelo delicado crisntemo. Quase todos os seus
sobrenomes, adquiridos obrigatoriamente com a abertura poltica, remetem natureza. (voc
pode conferir nesse link os 100 sobrenomes japoneses mais comuns e seus significados).
possvel afirmar que a Edo dos tempos de Hokusai marca um dos ltimos tempos em que a
cidade era reconhecvel por seus moradores. Em 1868 veio a Restaurao Meiji, responsvel por
devolver o poder do pas s mos do Imperador e pela abertura poltica e econmica. Edo
rebatizada e Tquio, seu novo nome, cravada como capital do novo Japo. O pequeno pas
insular do leste asitico passa por um paulatino e acentuado processo de modernizao e
ocidentalizao ao seguir de modo didtico os passos dos EUA e da Europa ocidental. O
responsvel por eternizar esse processo ao longo de dcadas no campo das artes foi o 'mais
japons dos diretores', um dos trs grandes pilares do cinema japons, o mestre Yasujiro Ozu. Nas
palavras do prestigiado cineasta alemo Wim Wenders, no seu filme-homenagem chamado
Tokyo-Ga:
"Se, no nosso sculo, ainda houvessem coisas sagradas, se houvesse algo como um tesouro sagrado do
cinema, ento, para mim, este seria o trabalho do diretor japons Yasujiro Ozu. Ele fez 54 filmes. Filmes
mudos na dcada de 20, filmes em preto-e-branco nas dcadas de 30 e 40, e, por fim, filmes coloridos at a
sua morte em 12 de dezembro de 1963, no seu 60 aniversrio. Com recursos extremamente parcos e
reduzidos ao mais essencial, os filmes de Ozu repetidamente contam a mesma simples histria, sobre as
"Ento por que os adultos falam coisas desnecessrias? 'Boa tarde', 'Bom dia', 'Boa noite', 'O tempo est
bom!' 'Ah, mesmo' Para qu? S por hbito. No verdade? S conversa fiada. 'Sei, sei'. Tudo falso!"
(fala de uma das crianas rebeldes de Ozu em Ohayo, que no entende mais o tradicionalismo
japons).
Tal situao fica evidente com um caso indispensvel, seu grande clssico, Era uma vez em
Tquio. No filme, gravado oito anos aps o trmino da guerra, um casal residente no interior
resolve visitar Tquio para encontrar os filhos bem sucedidos que no viam h anos, bem como
testemunhar, quem sabe pela ltima vez, o crescimento dos netos. Ao chegar na assustadora
capital, o casal se v jogado para escanteio pelos filhos, ocupados e desinteressados demais
para dar-lhes a devida ateno. Na condio de estorvo, os idosos entendem a natureza da
sucesso geracional. So pais atnitos que no entendem mais o Japo em choque com filhos
que nunca compreenderam certas razes do mesmo pas (um sculo atrs, crianas conviviam
sob o mesmo teto com pais, avs e bisavs). Esto todos patinando na gelatina que era o Japo
em rpido processo de modernizao, clamando por respeito e admirao do ocidente
enquanto abria mo de milnios de gesso cultural.
No incio do filme, como bem observado por Kiju Yoshida, Ozu nos mostra um dilogo trivial do
casal que no encontra o travesseiro inflvel enquanto se preparam para a viagem. Uma cena
aparentemente tola, que mostra no apenas a simplicidade do cotidiano, mas tambm a
cumplicidade e a intimidade do casal. Ela far bastante sentido no decorrer do filme, quando
Tquio se apresentar para eles de modo inexplicvel, incapturvel.
Ozu proibia seus atores de atuar de forma dramtica, fazia muito mais sentido aos seus olhos os
gestos comuns e os dilogos do dia-a-dia (quando o teatro brasileiro vai aprender que atuar
bem no gritar e virar um Super Saiyajin no palco?). Seus filmes fugiam dos eventos
excepcionais; sem grandes paixes, crimes ou amores a pipocar na tela do cinema. Como
legtimo japons, sua palavra est muitas vezes subentendida no silncio. A exploso de
emoes se d no solitrio cmodo, com lgrimas escorrendo pela face do japons imvel,
calado e resignado, olhando para o horizonte, ou deitada no futon, aps o apagar das luzes,
como em Tokyo monogatari.
Se as pessoas gostam da fico justamente pela evaso e pelo extraordinrio, Ozu no deveria
ganhar nome nem mesmo entre os japoneses, alguns podem pensar. Mas seu cinema demonstra
um dia-a-dia sempre igual enquanto diferente, em plena metamorfose. Uma espcie de espiral
decrescente que tende a zero. Os dias aparentam igualdade com o ontem e projetam um
amanh semelhante, mas no assim que o tempo nos arranha. Pouco a pouco algo vai ser
perdendo. Seja a fulgaz infncia, como em Tokyo no yado, os filhos que pouco a pouco so
drenados pelas prprias vidas, como em Tokyo monogatari, ou o Japo como um todo, talvez o
mundo, que deixou de ser como deveria, que os deixou para trs, abandonados na estao
(signo recorrente) como em quase toda a filmografia de Ozu.
Contrariando o senso comum, Ozu fez tudo isso no se tornando cada dia mais prolixo em sua
linguagem cinematogrfica. Enquanto muitos diretores se tornam 'verborrgicos' conforme
ganham experincia e verbas cada vez maiores, Ozu trilhou o sentido contrrio. Evidente que
adaptou-se aos filmes falados e coloridos, mas com o passar do tempo, Ozu simplificou cada vez
mais seus meios visuais de expresso. Suas tomadas em movimento, rotineiras nos primeiros filmes,
foram tolhidas gradualmente at ele chegar ao ponto de fixar uma cmera no cho - sempre
com a mesma lente de 50mm - e trabalhar o close up no ator, ao nvel dos olhos de algum que
est sentando no cho, na postura tradicional com a qual sentam os japoneses dentro do lar. No
entanto, algo que remete diretamente ao diretor a presena dos trens. Em todos os seus filmes
as locomotivas, smbolos do progresso material, recortam as paisagens japonesas, denotando a
transformao sem volta de um pas.
Centralizador e detalhista, Ozu dava pouca liberdade de atuao para seus dirigidos, guiandolhes passo a passo, pois todos os detalhes do roteiro estavam construdos e estruturados em sua
mente. O camera man que mais trabalhou com Ozu explica para Wenders o zelo do japons
com cada detalhe do cenrio, figurino e atuao, posicionando-os pessoalmente. Isso fica
evidente quando assistimos a seus filmes e prestamos ateno na linguagem deles. Cada cena
uma fotografia. Na contramo da evoluo cinematogrfica ocidental, Ozu se afastou do
encadeamento das cenas de ao criado por Griffith nos Estados Unidos e consagrado pelos
alemes do expressionismo nos anos 20.
O Japo seguiu seu rumo aps Ozu. Modernizou-se, enriqueceu, conquistou o status de potncia
econmica, a frente de qualquer nao europia, e atingiu nveis de qualidade de vida
inimaginveis em qualquer outro perodo de sua longa Histria. Dois smbolos cumprem o papel
de destacar a ascenso japonesa. O Shinkansen (trem-bala) e a Torre de Tquio (Tokyo Tower).
Como destacou o engenheiro resposvel pelo projeto da torre, Hisayoshi Maeda, "J que vamos
constru-la, que seja a mais alta do mundo!". Essa declarao deixa claro o status quo japons
do ps-guerra. Crescimento, opulncia, ao custo que for, rumo ao topo.
"Quanto mais realidade de Tquio me parecia uma corrente de imagens impessoais, cruis, ameaadoras
e, sim, quase desumanas, maiores e mais poderosas tornavam-se, na minha mente, as imagens do mundo
amoroso e ordenado da cidade mtica de Tquio que eu conhecia dos filmes de Yasujiro Ozu. Talvez isso
fosse o que no existia mais: uma viso que alcanava a ordem num mundo sem ordem. Uma viso que
ainda mostrava um mundo transparente. Talvez tal viso no seja mais possvel hoje, nem mesmo se Ozu
estivesse vivo. Talvez a frentica e crescente inflao de imagens j tenha destrudo demais. Talvez imagens
em harmonia com o mundo j estejam perdidas para sempre."
Encarando um Japo sufocado por letreiros de non, anncios publicitrios, Disneylndia e
comida plstica (literalmente), Wenders auferiu algo que s poderia concluir sentido
pessoalmente o pas. No apenas a Tquio de Ozu no existia, mas aquela nova cidade
tambm deixava evidente como os prprios nativos dela (ainda que paradoxalmente nela) se
evadiam. Tanto em executivos jogando pachinko bovinamente aps o expediente, quanto em
jovens danando Beach Boys e Rockabilly nas ruas como se tivessem sido retirados do filme
Grease por uma garra daquele brinquedo nipnico onde se tenta, em vo, pegar uma pelcia
na porta da padaria. Todos devidamente embriagados, mas no necessariamente envolvidos.
Tquio se tornara uma cidade global, efervescente, inebriante, sedutora e abrangente, mas no
sem abrir mo de algo. O tambm cineasta Werner Herzog, presente no observatrio da Torre de
Tquio durante as filmagens de Tokyo Ga, d seu depoimento:
"Isso to simplesmente poluio visual. Olhando daqui de cima, um amontoado de construes. Quase
no existem mais imagens possveis, teramos de fazer uma escavao arqueolgica. preciso rebuscar
nessa paisagem violada para encontrar alguma coisa."
Em minha opinio, essa imagem consolida o propsito do filme. Ela, talvez diga tudo o que tento
dizer com o Otakismo em extensos textos.
"Foi s ao ver um rapaz no metr, um menino que simplesmente no queria andar mais, que percebi porque
as minhas imagens de Tquio pareciam-me as de um sonmbulo: Nenhuma outra cidade, junto com seu
povo, parecia-me to familiar e ntima muito antes de eu a conseguir visitar, graas aos filmes de Ozu. Eu
queria redescobrir essa familiaridade (viajando para Tquio), e era essa imagem que minhas imagens de
Tquio procuravam. Nesse rapazinho do metr, eu reconheci muito das crianas rebeldes dos filmes de
Ozu, ou talvez eu apenas as quisesse reconhecer. Talvez eu estivesse procura de algo que no existia
mais."
Infelizmente no tem o vdeo no Youtube, mas a sequncia dessa cena um garoto que se
recusa a andar, jogando-se no cho de modo insistente. Se esquivando do caminho
determinado pela sua me, o garoto foge do seu destino, exime-se da responsabilidade.
Evidente que o garoto se prostrava por alguma outra razo, mas esteticamente, ele personaliza
o que seria a juventude japonesa dali para frente. Cansao, enfado, tdio e recusa de fazer o
que, lhes dizem, deve ser feito. Wenders, por uma questo cronolgica, no pde analisar essa
criana por outras vias, mas eu vejo nela uma travessa de otaku, um pouco de hikikomori e,
infelizmente, uma pitada de Aum, Verdade Suprema, responsvel por um atentado com gs
venenoso no metr de Tquio. Assim como o alemo queria ver nela um herdeiro de Ozu, algo
que restasse, que tivesse sobrevivido enxurrada de non.
Quando o ndice Nikkei oblitera o Imperador, o Monte Fuji, a famlia, ou qualquer outra referncia
ou instituio possvel, o pas compra um problema. O adoecimento cultural do Japo era
previsvel, ainda que quase impossvel de se enxergar enquanto a locomotiva do progresso
econmico estava correndo a todo vapor. Bastou uma leve cutucada na bolha imobiliria
japonesa para que o trem descarrilhasse e tudo que havia de mais podre por trs do
crescimento japons pudesse emergir, com sua torrente de gua suja a emporcalhar a cidade,
escancarando o preo pago pela riqueza.
Esse o Japo do escritor e cineasta Ryu Murakami (no confundir com o escritor Haruki
Murakami, nem com o artista plstico Takashi Murakami, outro). O Japo da degenerao, da
deteriorao, do trmino do sonho, do mal-estar, do enjo-kosai. Haruki tambm um escritor
famoso por usar esse perodo como pano de fundo para seus livros, mas enquanto ele trata esse
enjoo existencial dos japoneses de modo mais agridoce, Ryu mergulha no submundo e revolve
todo o excremento deixado nos esgotos de Tquio.
No seu filme Tquio em decadncia (Topazu, 1992), Murakami resolve usar o submundo da
prostituio, mais precisamente do lado mais negro dentro dela, do sadomasoquismo
necrofilia, para escarnecer aquilo que Tquio, e consequentemente todo o Japo, tinha se
tornado. Uma cidade mastodntica e impessoal, culturalmente degradada, onde o sexo, o
consumo e a pseudo-espiritualidade eram os nicos caminhos para aguentar a vida dentro
desse centro de desagregao social. A citada referncia do Monte Fuji, dos tempos de
Hokusai, em Murakami vira uma projeo para um manaco e seu desejo de emular um
estuprador que violentou uma moa nos ps da 'Morada dos Deuses' nos anos 50. Que paulada.
"No tenha medo. A confiana a chave para o sadomasoquismo. Confie em mim. Eu no vou te machucar.
Qual seu nome mesmo? Algum to pura e corajosa como voc, Ai, a nica esperana para esse Japo
podre. Eu adoro voc." (Ai a prostituta, que nesse momento estava amarrada e vendada, com
as pernas abertas. Captou o cmico da pureza?).
Murakami, ao focar na vida sexual noturna de Tquio, pretende afirmar que esses desvios de
comportamentos no seriam outra coisa seno consequncia dos excessos da modernidade
japonesa. Quando uma prostituta questiona outra, mais experiente, sobre sua riqueza pessoal,
ouve como resposta:
"Realmente no. o Japo que rico, mas riqueza sem orgulho. Isso cria ansiedade, que leva os homens
ao sadomasoquismo.
Diante desse vazio interno, o misticismo de botequim acaba sendo uma soluo. Atendimento
espiritual fast food nas ruas. Compre um anel rosa, frequente tal ambiente, e Deus lhe trar bons
fluidos. O Japo ainda nos anos 80 estava to cronicamente apartado de suas razes, morais,
espirituais, habituais, que a juventude apelou para essa espcie de religiosidade, responsvel
pela promessa de acalmar a alma sem maiores envolvimentos, apenas seguindo uma bula de
quatro ou cinco passos. E uma assistente social de dia, prostituta de sadomasoquistas noite,
buscou paz de esprito assim... comprando um anel (topaz rosa, da o nome oficial do filme),
enquanto o outro anel, para usar de modo pattico a metfora, era fornecida para qualquer
espcime de sdico. Se voc tem mais de 20 anos deve lembrar daquele brinquedo usualmente
encontrado em shopping centers e parques de diverso nos anos 90, um mago eletrnico que
lhe adivinhava o futuro, ou algo semelhante. Essa tralha foi concebida no Japo, mas l, isso foi
levado a srio. Ali, milhares de adolescentes buscaram estancar os buracos no preenchidos
pelo materialismo moderno, comicamente, alimentando-o ainda mais com moedas.
Murakami tambm tem um livro, traduzido para o portugus, com o mesmo mote. Em Miso Soup,
Kenji guia do turismo sexual de Tquio. Um dos seus clientes um serial killer ocidental
responsvel pelo assassinato brutal de prostitutas e estudantes adeptas do enjo kosai, os
encontros remunerados. Frank, o serial killer, questiona Kenji:
"Quem mais danoso sociedade, eu ou esse mendigo? Um ser como eu sem sombra de dvidas nocivo,
muito semelhante a um vrus. Embora os que causam doena sejam raros, existem incontveis outros tipos
de vrus cuja funo criar diversidade de vida, auxiliando mutaes, por exemplo. Creio que no fosse
pela existncia dos vrus os seres humanos no teriam surgido no mundo. Alguns vrus se infiltram em
nosso DNA e modificam as informaes genticas, e ningum pode afirmar de forma categrica que o HIV,
causador da AIDS, no as estaria alterando para informaes necessrias sobrevivncia futura da
espcie humana. Ao cometer crimes eu choco as pessoas deliberadamente, para lev-las a refletir, e por
isso me acho importante neste mundo, ao contrrio dele."
Eu mencionei quatro vises da cidade de Tquio, no? Mas eu menti pra voc. A quarta se
desmembra em duas, 4A e 4B, e vou apresent-la a voc agora, como presente por ter
chegado at aqui. Como ltima referncia artstica, quero citar um poema escrito por um
menino de 15 anos. Yoshihiro Inoue:
dentro, dos seus obedientes filhos. Ironicamente, em linhas de metr. O trem, que de modo
persistente costuravas as narrativas de Ozu. Que simbolizou o novo Japo com o trem bala, e
depois serviu de metfora para Hideaki Anno, em seu Love & Pop, condenar a vida
predestinada do japons, que nasce e necessariamente se adqua, vivendo sua vida como
trens andam em trilhos; o caminho no desconhecido nem permite surpresas. O trem presente
no poema do menino. O mesmo trem que ele preferiu usar no mais para denunciar um
problema, mas para purg-lo. Varr-lo com gs. Violentar a cidade e o pas para for-lo
auto-reflexo, justamente como o serial killer de Miso Soup. Esse um recorte de Tquio que
comeo hoje e termino dia 20 de Maro, 9h da manh, 17 aniversrio desse evento macabro.
Espero que tenham gostado. Ajudem com a divulgao. Comprem um anel de topaz.
Fontes:
Tokyo Tower: O smbolo da ascenso japonesa - (por Cesar Hirasaki e Mariana Spagnuolo)
O anticinema de Yasujiro Ozu - Kiju Yoshida
Ozu - O Extraordinrio Cineasta do Cotidiano, por Andr Parente e Lcia Nagib
20 de Maro, 2012
smbolos de poder do pas. Um assalto emblemtico e desastrado que mirou potentes holofotes
na direo do que havia sido ignorado por dcadas. O mal-estar existencial e a deriva moral da
nao japonesa que eclodiu nos anos 80 e 90.
As imagens de corpos estrebuchando no cho e do Exrcito com mscaras futuristas
desbravando as estaes de metr como astronautas explorando Marte foram tatuadas nos
veculos miditicos japoneses no ano de 1995, e a saturao do improvvel assustou os nipnicos
de modo irreversvel. O gs levou consigo o que restava da auto-estima nacional e descosturou
o matizado tapete persa que cobria todas as doenas sociais do pas com a aparncia da
felicidade e da segurana. O gs, mais do que afetar diretamente milhares de inocentes,
somou-se aos demais sintomas da anomia japonesa (otaku, hikikomori, ijime, enjo kosai, karoshi
etc) e mostrou ao mundo que o Imperador estava nu, como tienne Barral demonstrou de modo
brilhante em seu livro Otaku - Os filhos do virtual.
Mais do que denunciar a agonia japonesa, o ataque ao metr de Tquio pode ser colocado,
em escala global, ao lado de outras crises humanitrias como o Massacre na Praa da Paz
Celestial na China, a questo iugoslava, o genocdio em Ruanda, o 11 de Setembro, entre outros
exemplos. Tquio, Sarajevo, Nova Iorque, Pequim, Caxemira, Kigali e outras cidades
confirmaram, da pior forma possvel, as palavras do historiador britnico Eric Hobsbawm no seu
clssico A era dos extremos, "o velho sculo no acabou bem", a despeito do indiscutvel
progresso tcnico e material verificados em vrios pontos do planeta.
Nesse post eu pretendo trazer uma abordagem multifatorial do caso, com informaes factuais
e anlises de especialistas, tudo costurado por inmeros depoimentos, que s vezes se
contradizem, de vtimas e membros da seita, a maioria retirada do livro de jornalismo
investigativo Underground do consagrado romancista Haruki Murakami; alm claro, dos meus
pitacos pessoais, como mero observador que tinha apenas quatro anos de idade quando o
Japo sofreu essa fratura exposta. Minha inteno criar, no aniversrio do evento, um material
virtual rpido e no-acadmico que seja referncia no assunto em lngua portuguesa. Espero ser
feliz nessa misso (toda a traduo minha, e no sou nenhum especialista em ingls ou
espanhol, perdoe qualquer erro).
Quando eu estava na Amrica do Sul, eu fui convidado para o karaok por algum da embaixada japonesa
na Colmbia. Ento, quase voltamos no dia seguinte para o mesmo lugar, mas eu disse No, vamos tentar
algum lugar novo. E naquele mesmo dia, o lugar foi bombardeado. Eu me lembro de pensar quando eu
voltei pra casa Pelo menos, o Japo um lugar seguro. E no dia seguinte eu vou ao trabalho e o ataque
com gs acontece. Que ironia. Mitzuteru Izutsu (vtima)
20 de maro de 1995, uma ensolarada segunda-feira que procedeu e antecedeu feriados
nacionais japoneses. Um dia rotineiro atrapalhando um fim de semana prolongado de
primavera.
Certamente
ningum
gostaria de deixar suas camas e famlias
para algo que no fosse assistir ao
florescer das cerejeiras nesse dia
preguioso,
mas
o
senso
de
responsabilidade sempre fala mais alto
no Japo, e alguns pagaram essa
obedincia com a vida.
Cinco membros da seita esquizofrnicobudista Aum Shinrikyo embarcaram em
diferentes trens no horrio de pico do
perodo matutino. Munidos com pacotes recheados de sarin na forma lquida - e envelopados
em jornal - os terroristas perfuraram seus respectivos invlucros com a ponta do guarda-chuva e
deixaram o trem para pegar uma carona com os motoristas que os esperavam na sada de
cada uma das estaes violadas. Alguns vestiam mscaras para se proteger do vapor
venenoso, situao que no causa estranhamento no Japo como causaria no Brasil. Conheo
duas justificativas para o japons usar mscaras no espao pblico com tanta naturalidade. A
Guerra Mundial devastou muitas florestas japonesas, e nos espaos desvirginados o governo
local reflorestou com duas espcies de pinheiro (sugi e hinoki), dos quais o plen causa alergia
em 1/5 dos descendentes de Amaterasu, portanto, a mscara uma proteo usual na
primavera e no levanta suspeitas. Alm disso, dizem que quando resfriados, os japoneses usam
as mscaras para tentar diminuir possibilidade de transmitir a doena para outras pessoas, um
ato sintonizado com a cultura coletivista japonesa de colocar o grupo acima do indivduo (no
sei se a mscara capaz de deter o vrus influenza, nem se realmente acontece, s tenho
certeza da primeira).
Quando voc trabalha pelo tempo que trabalhei, voc comea a ver todos os tipos de cenas. Eu estive at
no terremoto de Kobe. Mas o ataque com gs em Tquio foi diferente. Aquilo foi verdadeira e realmente o
inferno. Minoru Miyata (motorista da van da TV Tokyo, que serviu de ambulncia paras algumas
vtimas).
Antes de prosseguir, vlido uma nota de rodap
para explicar o que sarin e trazer ao plano dos
pobres mortais que no estudam qumica a
dimenso do ataque. O sarin, quando puro, um
composto extremamente voltil desenvolvido por
qumicos alemes no perodo nazista. Ao contrrio
do que se pode imaginar - e isso foi recorrente nas
minhas pesquisas -, o sarin no foi desenvolvido como arma de guerra ou extermnio, pelo
contrrio, foi um dos subprodutos de pesquisas com fertilizantes que visavam aumentar a
produo agrcola e resolver a problemtica da fome mundial (omitir essa informao, dentre
outras, e pintar o governo alemo apenas como artfices do apocalipse germanista uma
sinuosa tentativa de reescrever a histria e nazificar padres de comportamento da poca
compartilhados por comunistas, fascistas e capitalistas democrticos, mas isso assunto para
outro local - e que fique claro, no estou tentando limpar nazistas, e sim sujar os outros que
aproveitaram a temporria demncia alem para passar um perfuminho na prpria Histria e
empurrar toda a sujeira do mundo para baixo do tapete ariano).
Deu errado como fertilizante, mas o resultado foi uma substncia que evapora de modo inodoro
e at 26 vezes mais letal que o cianeto, bastando 10 milionsimos do peso de um homem para
mat-lo. Os sinais mais claros de intoxicao so a cegueira (temporria ou permanente, o que
varia com a quantidade inalada ou tocada), coriza, vomito, nusea, convulses, diminuio da
frequncia cardaca, dificuldade de respirar, dores de cabea e contraes musculares. Como
arma, antes da Aum, esse gs letal para o sistema nervoso s havia sido usado por Saddam
Hussein contra os curdos - e no em trens subterrneos. Mesmo os nazistas tendo essa arma em
mos, ela no foi usada na guerra. A experincia com o gs mostarda na primeira grande
guerra foi to desgraadamente cruel que mesmo os exrcitos de facnoras como Hitler, Stalin e
Hideki Tojo no fizeram uso de guerra qumica nos campos de batalha, com exceo dos
italianos na frica em episdios menores ( verdade, eles exterminaram judeus com Zyklon B,
mas isso j no era guerra, era estratgia de dizimao). com esse brinquedinho que os filhos
diletos da modernidade japonesa atacaram seu prprio seio.
E eu continuei tendo esses sonhos. A imagens daqueles atendentes da estao, com colheres em sua bocas,
est presa na minha cabea (...). Eu no sei quantas vezes eu acordo no meio da noite. Assustada. Kiyoka
Izumi (vtima que trabalhara antes para a Japan Railways e percebeu que toda sua experincia
no era til em situaes crticas)
Ikuo Hayashi (condenado priso perptua por
colaborao com a polcia na priso do alto escalo
da Aum, inclusive do lder Shoko Asahara), cardiologista
graduado em Medicina pela Universidade de Keio (uma
das melhores de Tquio) perfurou apenas um dos seus
dois invlucros no trem da linha Chiyoda, mas o
contedo evaporou completamente, resultando em
duas mortes e 231 pessoas seriamente feridas.
Yasuo Hayashi (condenado morte), graduado em
Inteligncia Artificial pela Universidade de Kogakuin,
apelidado de 'murder machine'. Sob suspeitas de ser um
espio infiltrado, Hayashi foi o nico que levou consigo
trs embalagens de sarin, como prova de lealdade, e
perfurou todos, sendo o mais letal dos terroristas. Seu
saldo no trem da linha Hibiya foi de 8 mortes e 275
pessoas gravemente lesadas.
Toru Toyoda (condenado morte em 2009), graduado
com honras em Fsica aplicada pela Universidade de
Tquio - uma das dez melhores do mundo -, era mestre e
estava cursando o doutorado quando resolveu abandonar a vida civil para adentrar na seita.
Ajudou na fabricao do sarin e sua resposta sociedade que lhe considerava um filho bem
sucedido, um pupilo da elite, foi uma morte e 532 com danos considerveis na linha Marunouchi.
Masato Yokoyama (condenado morte em 1999) foi o menos efetivo dos terroristas. Apesar das
mltiplas tentativas, apenas um dos dois sacos de sarin foi perfurado, e com um nico golpe
eficaz. Para a sorte das pessoas do outro trem atacado na linha Hibiya, a formao em Fsica
aplicada pela Universidade de Tokai no ensinou ao Yokoyama a arte da esgrima e sua
agresso foi a nica que no resultou em morte, ainda que cerca de 200 pessoas tenham sido
afetadas.
Kenichi Hirose (condenao morte confirmada em 2009), ps-graduado em Fsica pela
excelente Universidade de Waseda na condio de melhor aluno da turma, derramou 900ml de
sarin em outro carro da linha Marunouchi, retribuindo assim tudo o que o Japo tinha de melhor
a oferecer com uma morte e 358 cidados gravemente injuriados.
"Logo aps o ataque eu estava louco de raiva. Eu andava pelos corredores do hospital batendo nos pilares
e nas paredes. No momento, eu ainda no sabia que tinha sido a Aum, mas quem quer que fosse, eu estava
pronto para espanc-los. Eu nem percebi, mas alguns dias depois meu punho estava ferido. Eu perguntei
minha esposa 'Estranho, por que minha mo di tanto?' E ela disse 'Voc esteve socando as coisas,
querido'." (Tatsuo Akashi, 37)
Por alguma razo, o sarin usado pela Aum no estava suficientemente purificado, sendo assim
menos efetivo em sua letalidade, e fedido - um aroma entre o doce e o apodrecido - o que fez
com que algumas pessoas desconfiadas com o contedo ftido que vazava das bolsas
perfuradas se afastassem do perigo. Um gs puro e inodoro certamente faria com que o nmero
de mortes, e no de feridos, se
contabilizasse aos milhares. Por outro
lado, se o gs fosse imediatamente
mortfero, todos perceberiam de cara
a situao trgica e fugiriam, mas
muitos continuaram respirando o sarin
impuro por um longo tempo. No
achei
informaes
se
isso
foi
decorrncia de incompetncia dos
tcnicos da Aum ou proposital, para
fazer do ataque um ato mais
'simblico' que um extermnio massivo,
ou mesmo para que seus homens
conseguissem fugir a tempo sem sentir
graves efeitos.
Ainda assim, foi o suficiente para transformar as trs estaes de metr em pandemnios
contidos. Algo definitivamente no estava bem, isso estava claro para os transeuntes e
funcionrios, mas no era uma situao de guerra, de pavor, histeria coletiva... Pelo menos no
incio. Algumas pessoas caindo, espumando pela boca, todos tossindo, mas nada realmente
catastrfico para tirar o japons do seu peculiar estado de conteno. O que se mostrou
problemtico, pois enquanto as pessoas eram evacuadas sem pressa alguma das estaes,
estavam todas inalando doses de gs.
Todos mencionam a estranheza do principal efeito do sarin nos olhos. Nas entrevistas unnime
o enegrecimento da viso, como se algum tivesse apagado as luzes. Por felicidade, o dia
estava muito ensolarado naquela manh, e essa disparidade entre a luminescncia do Sol vista
at ento e o clima de cinema no metr fez com que muitos percebessem, enfim, que algo
estranho de fato tinha acontecido.
"Focar tambm difcil. Se eu estou olhando para um lado, algum me chama e eu viro de repente, isso me
machuca como uma marreta. Isso acontece o tempo todo, uma dor aguda na parte de trs dos olhos. (...) Eu
sei que eu no aparento estar sentindo dor constantemente, mas imagine usar um capacete de pedra, dia
sim, dia no. Eu duvido que isso faa sentido para algum. Eu me sinto muito isolado. Se eu tivesse perdido
um brao, ou fosse reduzido a um estado vegetativo, as pessoas provavelmente poderiam compreender
melhor. Se eu apenas tivesse morrido, quo mais fcil teria sido. Nada desse nonsense. Mas quando eu
penso em minha famlia, eu tenho que continuar..." (Kenji Ohashi, 41, uma das vtimas permanentes do
sarin)
O caos se instalou nos hospitais de
Tquio. Milhares de pessoas chegando
com os mesmos sintomas de um
problema desconhecido. Ausncia de
ambulncias, morosidade da Polcia e
das autoridades governamentais de
Kasumigaseki. Pessoas babando no
cho, reprteres circunscrevendo esse
cenrio dantesco e um diagnstico
tardio das causas do problema. De
modo paradoxal, a prpria Aum serviu
como vacina para seu ataque, j que
usou sarin em outro evento menor em 1994 e um hospital do Japo sabia exatamente quais
eram os sintomas, e qual o tratamento adequado para cada nvel de intoxicao. O mdico
que cuidou do incidente anterior mandou fax para todos os hospitais da cidade e impediu vrias
mortes, j que um parecer oficial saiu apenas no final da tarde.
Nos sobreviventes, sejam mais ou menos afetados, incluindo todos os seus parentes e amigos,
ficaram sequelas. No apenas na viso ou na capacidade de se concentrar (e h casos de
pessoas que perderam a memria, a capacidade de falar e se locomover). A sequela que ficou
est alm disso. Por que uma seita budista faria isso com inocentes a caminho do trabalho? O
Japo estava perplexo, mas foi necessrio uma catstrofe social desse quilate para que o pas
parasse para pensar: Por que? Por que no Japo? Por que no Japo pelas mos de japoneses
aparentemente bem sucedidos? Onde foi que erramos? O que seguir agora o histrico da
Aum Shinrikyo, a explicao do contexto que permitiu uma seita com fundamentos difusos ter
tantos adeptos, para que no final eu possa apresentar interpretaes holsticas do atentado e da
crise nacional que encobre o Japo h pelo menos 30 anos, mas precisou de gs para sair das
sombras. Vem comigo?
"Ningum disse uma coisa, todos estavam to quietos. Nenhuma reao, nenhuma comunicao. Eu vivi nos
EUA por um ano, e acredite em mim, se a mesma coisa tivesse acontecido nos EUA teria havido uma "real
scene" (?). Com todo mundo gritando 'o que est acontecendo aqui?' e se unindo para encontrar a causa.
Mais tarde, a polcia me perguntou 'As pessoas no comearam a entrar em pnico?': 'Ningum disse uma
palavra'" (Ikuko Nakayama - 30's - vlido lembrar que isso aconteceu em um nico trem, nos
demais houve sim uma movimentao generalizada para abrir janelas e se comunicar com
funcionrios)
A seita Aum Shinrikyo foi fundada em 1984
pelo guru Shoko Asahara (preso em 82 por
exerccio ilegal da farmcia), ainda sob o
nome de Assemblia da Montanha Divina
Aum. Os fundamentos religiosos da Aum so
mesclas de vertentes distintas de budismo
(Theravada, Mahayana e Vajrayana), com
traos de cristianismo (conceito de
Armagedon),
pseudo-cincia,
taosmo,
yoga
hindu
e
at
profecias
de
Nostradamus, com pitadas estticas da
cultura otaku! No precisa ser um grande
telogo para notar que a religiosidade da
Aum era esquizofrnica e superficial, um
caldeiro de recortes que no dialogam
entre si, interpretados pela cabea
megalomanaca do fundador Asahara.
Com essa promessa estilhaada e absurda,
no entanto, a seita comeou a ganhar fora no Japo, sobretudo aps o encontro do guru com
o Dalai Lama em 1987, que lhe pediu apoio para ajudar a difundir o budismo no pas. De 36
membros para mais de 600 em um ano, e enfim, no seu auge, alcanar 10 mil fiis nipnicos e
quase 40 mil mundo afora, principalmente na Rssia, Alemanha e EUA. Mais de 1200 japoneses
doaram absolutamente todas as suas posses materiais e fora de trabalho Aum, se retiraram
da sociedade civil, em troca de abrigo nos domnios da seita. Um crescimento expressivo, mas
pequeno perto de algumas das 180 mil seitas registradas no governo no incio dos anos 90.
Um grande passo para o crescimento da Aum foi o Shukyo Hojin Ho, a lei japonesa que permite
s entidades religiosas uma srie de direitos, como iseno fiscal, direito propriedade privada e
proteo do Estado. A Aum comeou a diversificar sua fonte de renda e no faturar apenas
com o dinheiro de doaes e cursos ministrados (que por si s j configuram um volume bem
expressivo de dinheiro), e comeou a aplicar esse montante em lojas, restaurantes, montagem
de eletrnicos etc. Alm disso, uma indenizao concedida pelo governo, paga por t-los
forado a mudar de uma cidade onde estavam instalados, possibilitou que o grupo de Asahara
movimentasse dezenas de milhes de dlares.
Se for verdade que a Aum instalou um formidvel sistema de lavagem cerebral, melhor, isso excelente.
Que todos os novos adeptos sejam submetidos a uma lavagem cerebral e a um controle do pensamento.
Hitler era um ditador poltico, Mao Ts-Tung era um ditador do pensamento, ento, eu sou o ditador da f
que os conduzir, a todos, ao desprendimento ltimo (Shoko Asahara).
Dalai Lama e Shoko Asahara
Shoko escreveu vrios livros interpretando textos
budistas antigos como o Pali Canon, mesclando
isso com suas experincia pessoais. Dizia poder
levitar e ler a mente (apesar de no fazer uso
desse poder para descobrir os espies infiltrados,
optando pelo pragmtico detector de mentiras)
e se auto-intitulava a encarnao de figuras
como Shiva e Jesus Cristo. A Aum, cujos principais
lderes haviam sido derrotados nas eleies
legislativas de 1990 aps campanha cara e
macarrnica, se torna cada dia mais personalista
e no possvel entender o grupo sem partir do
princpio chamado culto personalidade, onde
membros vo at pagar caro para beber a
gua do banho de Asahara. O grupo se torna
progressivamente mais agressivo com seus
membros e com o mundo. Os rituais de iniciao
passam a envolver LSD e choques eltricos na
cabea. Membros que tentavam abandonar a seita eram sequestrados e mantidos em crcere
privado. Estima-se que 46 membros morreram acidentalmente nos castigos impostos aos impuros
questionadores, refns do tangvel e dos prazeres da carne.
Uma espcie de Estado criado num vilarejo rural de Kamikuishiki, nos ps do Monte Fuji, para
isolar de fato parte dos seus membros da sociedade civil. Os japoneses que fugiram do rico
Japo para seguir os passos do guru ficaram encarregados de todas as funes internas do
grupo, da construo de casas ao tratamento mdico dos internos.
"Atualmente, ns alcanamos uma grande riqueza material, mas perceba que isso no traz satisfao, por
isso algumas pessoas empreendem uma busca pelo mundo interior. Entre as pessoas que passaram a poca
da fome se formou o seguinte esquema: viver significa trabalhar, e trabalhar significa uma vida rica. Sem
dificuldades, a juventude leva uma vida rica desde a infncia, e desde ento toma conscincia do sofrimento
e da vaidade que se encontram nas sombras da riqueza, por isso natural que a juventude comece a aspirar
algo alm desse mundo material, que esta sociedade materialista." (Shoko Asahara, que apesar do
discurso anti-materialista e contrrio os prazeres mundanos, andava de Rolls Royce, comia
meles de 500 francos, no hesitava em fazer filhos e raramente comia a mesma comida
asctica dos fiis).
A viso de mundo da seita tambm se modifica no decorrer do tempo, e o grupo, que
inicialmente pretendia purificar o mundo para impedir a iminente catstrofe degenerativa da
humanidade, passa a abraar um crescente pessimismo na virada dos anos 80 para os 90. A
derrota vergonhosa nas eleies, outra ferida narcsica marcando a pele de Asahara (que
quase cego no pde frequentar escolas normais e tambm foi rejeitado na Universidade de
Tquio), foi o fator pontual para essa mudana, a evidncia definitiva de que o Japo no
apenas no poderia, como no queria ser salvo da destruio. Shoko teve contato com as
escrituras bblicas e dela retirou o conceito de Armageddon, que mesclado com o conceito
budista de Vajrayana porcamente interpretado e com as noes do deus Shiva do hindusmo
(aquele que traz a destruio para renovar o mundo), surgiu-lhe a convico de que o mundo
humano tinha chegado a tal ponto que restaur-lo era uma impossibilidade. A partir das
palavras de Nostradamus e sua previso de fim do mundo no ano de 1999, Asahara se colocou
na
condio
de
arteso
do
apocalipse que varreria o homem vil
da Terra e faria emergir uma nova
humanidade sem vaidades do seio
daqueles que tm f, primeiramente
todo o mundo budista, depois
estritamente os membros da Aum. Na
concretizao desse objetivo, no
bastava a violncia interna contra as
vozes dissidentes, era preciso combater
tambm o mundo que supostamente
conspirava contra o culto. Mesmo que
as mos puras dos seguidores se
sujassem em sangue civil.
O primeiro caso de truculncia que envolveu a Aum foi a morte do advogado Tsutumi Sakamoto
e sua famlia em 1989. Ele encabeava uma ao anti-Aum, contestando aos mtodos usados
pela seita para trazer seus membros para o isolamento. O envolvimento da seita nos assassinatos
era provvel, uma medalha do grupo foi achada na residncia da famlia, e, se no provava a
autoria do crime, demonstrava em qual direo as autoridades deveriam mirar seus esforos de
investigao. O envolvimento de membros nessas mortes s foi provado em 1995, aps as prises
em massa decorrentes do atentado no metr, em outras palavras, a impunidade prevaleceu.
Por muito tempo pensei que meu destino fosse salvar a sociedade. Mas h algum tempo comeo a crer que
talvez seja impossvel salvar essa sociedade humana que transformou a si mesma em inferno (Shoko
Asahara).
Um acontecimento muito maior que envolveu sarin antes do ataque no metr foi o incidente na
cidade de Matsumoto. Caminhes pulverizaram o gs em um complexo habitacional, matando
sete pessoas e ferindo outras 600, com 144 hospitalizados em estado grave. O alvo? Juzes prestes
a tomar decises no tribunal que desfavoreceriam os interesses da Aum. Deu certo, os juzes no
puderam dar seu parecer no tribunal e o governo japons imaginou inicialmente que se tratava
de uma ao do Estado norte-coreano. Apesar das desconfianas crescentes em torno da seita,
nada foi provado, ou melhor, devidamente investigado. Sobre essa omisso policial, Mitsuro
Suganuma, ento chefe dos servios de inteligncia do Japo, afirmou que por causa dos
experimentos abusivos na Segunda Guerra, a religiosidade se tornou intocvel no pas, a policia
"Na noite antes do ataque com gs, a famlia estava dizendo durante o jantar 'Meu Deus, como temos sorte.
Todos juntos se divertindo...' Um modesto fragmento de felicidade. Destrudo no dia seguinte por aqueles
idiotas. Aqueles criminosos roubaram o pouco de alegria que tivemos" (Tatsuo Akashi, 37)
Mais de 2500 policiais desbarataram o
grupo nos dias seguintes ao atentado
no metr. Nos meses decorrentes, a
polcia foi a campo mais de 500 vezes e
executou 400 prises s em 1995.
Cinquenta crianas criadas longe da
sociedade civil foram pegas em
custdia pelo Estado, mas mesmo assim,
a Aum no estava morta. Uma
autoridade polcia sofreu quatro tiros no
dia 30 de Maro e sobreviveu por um
milagre. Asahara foi preso em 16 de maio, no mesmo dia em que uma carta-bomba
endereada ao Governador de Tquio explodiu no rosto de uma secretria. Nos quatro meses
seguintes ainda houve quatro tentativas de ataques ao metr, duas delas com Zyklon B (o gs
usado pela Alemanha nos campos de extermnio), todos fracassados.
Se a compreenso da razo do ataque deve ser interpretada em termos simblicos e morais, o
mesmo no pode ser dito a respeito das motivaes acerca da data escolhida para o ataque,
muito mais objetivas e estratgicas para a manuteno da Aum enquanto grupo. Asahara
previu o fim do mundo para 1999, seguindo Nostradamus, apenas acrescentando que o fim
chegaria numa guerra nuclear decorrente do embate entre o imperialismo americano e a fora
das corporaes japonesas (ele inclui at armas de plasma nos discursos, numa bvia
apropriao da cultura otaku que ele to bem usou para atrair fiis da primeira gerao desse
fenmeno).
"'Por qu?' era tudo o que eu conseguia pensar. Mesmo no caso do IRA, eu poderia pelo menos ver as
coisas pela sua tica e talvez comear a entender o que eles esperavam alcanar. Mas este ataque com gs
foi simplesmente alm de toda a compreenso." (Kozo Ishino, 39)
O lder antecipou suas previses
primeiro para 1997 e depois para 1995.
Membros da Aum ligados s Foras
Armadas e Polcia avisaram Asahara
que os aparelhos do Estado estavam
olhando a Aum de perto, prestes a
avanar contra seus QG's, onde
encontrariam provas irrefutveis de
aes criminosas. O ataque foi, ento,
antecipado para anteceder uma
potencial ao policial, bem como
tentar desviar a ateno deles com um ataque ainda mais devastador que o bem sucedido
atentado em Matsumoto. Somado a isso, Asahara, maltratado pela diabetes e quase cego, teria
antecipado seu Armageddon pessoal para poder testemunhar ainda em vida sua vingana
contra o adoecido Japo, que sempre lhe negou seus desejos.
O objetivo do atentado seria menos o de matar pessoas de modo aleatrio e mais um modo de
demonstrar (e no desmentir empiricamente) as profecias apocalpticas do guru. Asahara
iniciaria a Terceira Guerra, e caberia aos iluminados da seita a misso de repovoar o planeta
com valores mais elevados quando toda a sujeira do mundo fosse enterrada pelos destroos do
hipottico conflito. A estao de Kasumigaseki o nico local realmente capaz de proteger as
massas japonesas da radiao de um ataque atmico, e a Aum, ao simbolicamente desnudar o
rei com um ataque caseiro, mostrou como a estao, o governo japons (um Estado ttere do
governo americano) e o povo do Japo so frgeis e incapazes de defender a si mesmos do
mundo moderno e das ameaas externas. Apesar de toda a crueldade e megalomania do
plano, no d para negar a genialidade criativa na escolha do alvo e das armas. Com a mesma
cajadada, a Aum erodiu de vez a auto-estima nacional (j em baixa pelo abalo da Economia
em 1990) e apontou suas armas para os centros de poder do pas, usando os prprios filhos
preparados por dcadas por esse Estado para 'brilhar' como o Sol Nascente.
"Meu filho era um funcionrio do banco brilhante e diligente, com um bom futuro pela frente. Mas eu nunca
soube que tudo isso no era suficiente para ele e que ele estava procurando algo mais." (me de um
jovem que preferiu abrir mo da desenvolvida vida civil japonesa para entrar na Aum).
Eu no sou uma vtima do sarin, sou um sobrevivente (Toshiaki Toyoda funcionario da linha
Chiyoda).
Ficou claro que o Japo subestimou a Aum como os americanos subestimaram a Al Qaeda no
mesmo perodo. Grupos com grandes recursos - financeiros, militares e humanos - e um alvo em
comum. Mas diferente do grupo islmico, cujas aes so fundamentadas teologicamente e
instrumentalizadas por interesses internacionais, inclusive de governos soberanos que os
financiaram e lhes deram cobertura, a seita japonesa no estava envolvida com o capital
internacional, nem com os desejos de Estados inimigos do Japo. At porque h uma diferena
absoluta de intencionalidade. Enquanto a Al Qaeda luta contra o Ocidente em nome dos
ditames islmicos que representa, os japoneses da Aum Shinrikyo tentaram purgar a
"Sarin tem esse efeito: quando voc cai no sono, de repente voc acorda mais uma vez. Eu estava com medo
do escuro. Eu tive que deixar as luzes acesas. Em algumas noites eu no dormi nada...." (Michael
Kennedy, 63)
"Um monte de garotas da mesma idade que eu (15~16) tornaram-se retirantes e tivemos bons momentos
juntas no dojo Segaya. Tnhamos muitas coisas em comum, afinal, elas tambm se juntaram a Aum porque o
mundo l fora parecia sem valor" Miyuki Kanda (jovem que j aos 15 anos no suportava o Japo
que lhe fora oferecido e fugiu da sociedade civil, encontrando-se dentro da Aum)
Shoko Asahara no foi seguido apenas
pelo seu carisma ou por uma mquina
de lavagem cerebral, ainda que sem
esses elementos a coisa no ganharia
tamanha proporo. Ele
estava
inserido na onda de renascimento da
espiritualidade japonesa caracterstica
dos anos 80 no arquiplago. Nessa
poca, mais de 650 mil japoneses, a
maioria jovens, entraram em alguma
atividade religiosa dessas mais de 180
mil seitas, e perto desses nmeros, os 10 mil membros japoneses da Aum Shinrikyo so uma
pequena fatia daquele bolo de aniversrio da cidade de So Paulo, onde as pessoas
mergulham com suas sacolas plsticas e tentam pegar para si a maior quantidade do po-de-l
pblico. A sacola de Asahara nem era das maiores, e seu brao era curto comparado ao dos
demais gurus que pipocavam no riqussimo Japo...
Essas seitas eram procuradas por jovens conscientes do fato de que o mundo estava acelerado
demais, irado e obcecado em demasia. E que algumas poucas pessoas estavam lucrando com
o desconforto de milhes de japoneses! A juventude oitentista do Japo no queria apenas se
livrar dos males terrenos, mas a elevao da alma. Crescidos num mar de materialismo e excesso
nos estudos e no trabalho e estavam absolutamente apartados de uma vida interna, espiritual.
Cansados de trabalhar por horas a fio em atividades sem sentido, eles passaram a questionar o
imbricamento que levou o Japo ao topo do mundo ao mesmo tempo em que jogou sua
populao no marasmo existencial. Prova inquestionvel disso o fato deles terem aberto mo
de todas as suas (muitas) posses materiais e financeiras para se isolar do mundo, no fazer sexo,
comer protena de soja frita e tentar manter a cabea fora da areia movedia. Nintendo e
Matsushita j no eram mais capazes de servir como referncia para essa parcela da
populao...
Desde o trmino da guerra, a economia japonesa cresceu rapidamente at o ponto onde ns perdemos o
senso de qualquer crise e as coisas materiais passaram a ser tudo o que importa. A ideia de que errado
prejudicar os outros desapareceu. Isso j foi dito antes, eu sei, mas isso [o atentado] realmente trouxe o
assunto tona para mim. O que acontece se voc criar uma criana com essa mentalidade? Existe alguma
desculpa para esse tipo de coisa? (Mitsuo Arima, 41).
Isso o bastante para sustentar a
humanidade?
"A coisa mais importante para o Japo
neste momento buscar uma nova
completude espiritual. Eu no vejo qualquer
futuro para o Japo se ns cegamente
persistirmos com as buscas materialistas de
hoje". (Kozo Ishino, 39)
Metraux identifica
quatro grupos
bsicos dentro da Aum. As pessoas
comuns, jovens ordinrios que no se
destacaram nos estudos ou no trabalho
(o que no Japo no necessariamente
indica falta de comprometimento),
tinham empregos medocres ou estavam desempregados. Os estudante alienados, jovens recm
formados ou que abandonaram a faculdade e se recusavam a trabalhar em corporaes. Os
velhos membros, formado principalmente por mulheres adultas, donas de casa ou vivas, na
busca pelo sentido da vida. E os acadmicos, pessoas com tima formao tcnica, formados
nas melhores universidades do pas, e responsveis pelo desenvolvimento das armas, animaes
e tudo de relevante que a seita produziu.
Eu trabalhei em Tquio durante 12 anos, eu sei tudo sobre suas formas peculiarmente assentadas. Em
ltima anlise, a partir de agora eu acho que o indivduo na sociedade japonesa precisa se tornar muito
mais forte. Mesmo a Aum, depois de reunir tantas mentes brilhantes, o que eles fizeram seno mergulhar
direto no terrorismo de massa? Isso justamente o quo fraco o indivduo . (Mitsuo Arima, 41)
A Aum apelou principalmente para a juventude insatisfeita do pas, uma nova gerao
denominada shinjinrui. Eles so os japoneses que apareceram nos anos 70 e 80, tiveram pouco
ou nenhum contato com os traumas e dificuldades do ps-guerra, ao contrrio, nasceram e
cresceram num Japo rico, prspero e seguro. So mais individualistas e menos conformistas
que seus pais e, para eles, dedicao absoluta ao pas e ao trabalho so conceitos datados. Os
shinjinrui viajaram para o exterior e tiveram contato com outras culturas, principalmente a
americana, e desse contato concluram que preferem levar uma vida mais humana. Foram
diretamente influenciados pelo discurso apocalptico e pessimista do pop japons setentista e
pelo new age dos anos 80, que alimentou a busca por uma nova espiritualidade, uma
movimentao desordenada e desorganizada, porm influente, pela pratica espiritual e busca
pela conscientizao. Dessa gerao saiu o novo homem japons que guiar o pas no sculo
XXI e alterar a competitividade da indstria japonesa no cenrio internacional. Isso te faz
lembrar dos homens herbvoros?
A seita Aum mantinha uma poltica ativa de recrutamento de adeptos no meio universitrio. (...)
interessante observar em relao a isso que, nos anos 70 esses estudantes a quem se prometeu o mais belo
futuro, a elite da nao, que aderiram em massa s idias da extrema esquerda e lutaram para mudar a
sociedade. Vinte e cinco anos mais tarde, quando a grande maioria da populao e particularmente a
juventude anestesiada pelas mdias, so as mesmas elites que, ao constatar a deriva moral e a ausncia de
ideal na sociedade contempornea, voltam-se para as seitas na tentativa de encontram solues para sua
angstia diante do futuro. Nesse caso, o episdio Aum apenas um movimento prenunciador de problemas
ainda maiores (Etinne Barral)
Barral - comprem o livro dele, imprescindvel para quem
quer entender a cultura otaku!
O primeiro que no nada fcil ser adolescente numa
sociedade igualitariamente prspera e to bem
orquestrada como a japonesa. Crescidos como bons
meninos imersos no estudo, os japoneses seguram suas
insatisfaes e questionamentos at a idade adulta,
tornando-se alvos fceis para as promessas de seitas como
a Aum, ao contrrio da rebeldia ocidental, onde o
indivduo quando chega idade adulta, se adequa ao
que a sociedade espera dele. O prprio Hideo Murai, o
homem imediatamente abaixo de Asahara, superior que
transmitiu as ordens do ataque aos cincos terroristas,
assassinado aps o atentado, provavelmente por
membros da prpria Aum por saber demais, estava
inserido na mesma lgica:
Estou muito absorvido pelo trabalho, questiono-me sobre o sentido de tudo isso. Eu era encarregado da
produo de peas para foguetes espaciais. No me via passando toda a vida ali. (Murai Hideo)
Esses jovens, paparicados como referncia em suas Universidades, saiam de l para o cho na
fbrica do mundo corporativo, com algum trabalho montono e dcadas pela frente at
conseguir subir no hierrquico sistema empresarial ou cientfico japons. Asahara soube acariciar
a auto-estima e o ego desses jovens tecnicamente brilhantes e deu-lhes cargos altos nos
"Ministrios" da seita, equipamentos de primeira e liberdade criativa. Uma promessa muito mais
sedutora, que a proposta pela sociedade civil, no?
"A maioria de ns riu com o cenrio excntrico e absurdo que Asahara forneceu e ns ridicularizamos os
crentes que poderiam se atrair por algo to luntico. Mas 'Ns' fomos capazes de oferecer a 'Eles' uma
narrativa mais vivel? Ento, e quanto a voc? No temos confiado uma parte de nossa personalidade a
algo maior como um Sistema ou Ordem? Se assim for, esse Sistema, em certo momento, no exigiu de ns
algum tipo de insanidade? As narrativas que vocs possuem agora so de fato suas prprias narrativas?
Seus sonhos so REALMENTE seus prprios sonhos? Eles no poderiam ser apenas a viso de algum que
poderia, cedo ou tarde, se tornar um pesadelo?" (Haruki Murakami).
Barral, como bom francs que , d uma acentuada importncia ao sistema educacional
japons pelos problemas que o pas enfrentou nas ltimas dcadas. Focado essencialmente na
memorizao e especializao absoluta, o Japo est formando pessoas extremamente
tcnicas, excelentes em alguma funo, produtivos para o industrializado Japo, mas sem
capital intelectual o bastante para julgar a natureza de suas aes fora do seu restrito plano
tcnico. Acontece que no livro ele mirou a justificativa apenas para a meia dzia de membros
que partiram para a luta armada sem questionar a validade dos argumentos proferidos por
Asahara. A Aum era formada por outros milhares de membros que no mataram, nem matariam,
sequer uma barata. (isso um fato, as sedes da Aum eram infestadas por baratas, j que os
membros no matavam animais).
Ns recuperamos os sentidos. Agora ns finalmente voltamos ao normal. (Hideki Sono, sobre o estouro
da bolha - ser?)
Se um dos objetivos da Aum com o ataque foi violentar o pas para for-lo a auto-reflexo, isso
de fato aconteceu. No apenas com os intelectuais que estudaram o caso, mas as prprias
vtimas, ao invs de apenas demonizar o culto, o
fizeram no sem mirar seu dedo indicador para o
espelho. Alguns depoimentos a seguir mostram uma
mistura
de
insensibilidade
com
solidariedade,
misturados no mesmo cenrio confuso. E que voc
absorva essas opinies com moderao, pois so
memrias de vtimas que viveram uma faceta do caso.
Memria no registro, mito. Uma das vtimas, por
exemplo, alega que as pessoas o ignoravam enquanto
ele passava mal, mas como poderiam adivinhar que o
metr havia sido envenenado? No seria mais bvio e
natural deduzir que ele era apenas um bbado que
passara da conta, cambaleante pelas ruas? Tambm
h casos de pessoas que nem estavam no metr,
perceberam a situao e entraram nas estaes para
ajudar os demais, intoxicando-se pela solidariedade.
Outros passaram horas parando carros pedindo carona
para o hospital, j que as ambulncias no chegavam,
e todos os motoristas desviaram seu destino para ajudar
as vtimas.
Aquela metade da rua estava absolutamente infernal. Mas no outro lado, pessoas estavam caminhando
para o trabalho como sempre. Eu estava atendendo algum e olhei para ver o olhar dos transeuntes em
minha direo com uma expresso de O que aconteceu aqui?, mas ningum veio. como se ns fossemos
um mundo parte. Ningum parou. (Kiyoka Izumi - RP que trabalhou para a Japan Railways)
Alguns guardas estavam de p diante dos nossos olhos no porto do Ministrio [do Comrcio e da
Indstria]. Aqui ns tnhamos trs pessoas deitadas no cho, esperando desesperadamente por um
ambulncia que no chegou por um longo, longo tempo. Ainda assim, ningum no Ministrio pediu ajuda.
Eles nem sequer chamaram um txi. (Kiyoka Izumi)
Essa enfermeira saiu correndo para fora. E mesmo quando ns lhe dissemos Eles foram vtimas de gs
na estao Kasumigaseki, ela apenas disse algo sobre a falta de mdicos disponveis. Abandonou-nos l
na calada. Como ela pde fazer isso, eu nunca saberei. (Minoru Miyata)
Foi s muito mais tarde que eu comecei a me perguntar como eu poderia ter sido to insensvel. Eu
deveria ter ficado furioso, pronto para explodir (ao saber do atentado do qual foi vtima). Por exemplo, se
algum tivesse cado bem a minha frente, eu gosto de pensar que teria ajudado. Mas, e se eles cassem a 50
metros? Ser que eu sairia do meu caminho para ajudar? Eu me pergunto. Eu poderia t-lo visto como
problema de outro e seguir em frente. Se eu me envolvesse, eu me atrasaria para o trabalho... (Mitsuo
Arima, 41)
"As pessoas foram muito legais. Recebi cartas de pessoas que mal sabiam articular uma frase em ingls,
mas eu entendi o que eles estavam dizendo e isso foi muito adorvel por parte deles. (...) O ataque com gs
no mudou minha opinio sobre o Japo, no h pas no mundo to seguro quanto o Japo." (Michael
Kennedy, 63)
importante trazer ao assunto o papel da mdia no caso Aum, j que ela fez o papel de principal
formador de opinio do povo japons sobre o assunto. No caso Matsumoto, por exemplo, a
mdia nipnica pegou uma suspeita da polcia e taxou Yoshiyuki Kouno como criminoso, que
passou a receber ameaas de morte graas sua sina miditica. O mais triste que a mulher
dele estava internada no hospital em estado vegetativo, enquanto ele era acusado de algo que
no tinha feito. Apenas com as investigaes ps-metr ficou provado que Kouno era inocente,
e as desculpas posteriores no eram o bastante para limpar a sujeirada feita.
"Eu li o que disseram sobre mim nos jornais, mas eles nunca escreveram o que realmente importa. Por
alguma razo eu apareci na TV. Eu no quero mais estar na TV, nunca mais. Eles no dizem a verdade. Eu
esperava por uma pequena verdade, mas as emissoras tm suas prprias agendas sobre o que transmitir.
Eles nunca mostrar o que eu realmente quis dizer. Por exemplo, quando o advogado Sakamoto
desapareceu, se a polcia de Kanagawa tivesse sido autorizada a investigar a fundo como deveriam, o
ataque com gs nunca teria acontecido. Eles cortaram tudo isso. Quando eu perguntei a razo, eles
disseram que estariam sob presso dos anunciantes se
eles transmitissem isso. E o mesmo vale para os jornais
e revistas." Yoshiko Wada (esposa de Eiji Wada,
vtima fatal)
A mdia inclusive condenada por algumas
pessoas que foram vtimas do ataque, mas a
condenam mais pelo sensacionalismo do que tem
raiva dos terroristas que poderiam t-los matado.
Tudo o que foi dito pela mdia, sobre choques
eltricos ou lavagem cerebral, verdade,
realmente aconteceu, mas no significa que era
"Se voc acreditar nas reportagens da mdia, todos estavam sob estrito controle, como se eles estivessem
vivendo na Coria do Norte, mas na realidade as pessoas eram livres para fazer o que quizessem. E, claro,
ns eramos livres para ir e vir. Ns no tinhamos os prprios carros, mas poderamos alugar um sempre
que quizssemos". (Hiroyuki Kano)
"Para eles [Mdia], o princpio moral, como participao no ataque com gs, era muito claro: 'bom' versus
'mal', 'sanidade' versus 'loucura', 'sade' versus 'doena'. Foi um bvio exerccio de opostos. (...) A
esmagadora maioria de japoneses foi classificada como 'direita', 's' e 'saudvel'. Algo me diz que as coisas
s vo piorar se no lavarmos isso de nosso metabolismo. muito fcil dizer 'Aum o mal'. No estaria a
verdadeira chave (ou parte dela) para o
mistrio a respeito do golpe sobre o Japo
cometido por 'Eles' mais provavelmente
escondida sobre o 'Nosso' territrio? 'Eles'
[Aum] so o espelho de 'Ns' [japoneses].
No chegaremos a lugar algum enquanto os
japoneses continuarem a olhar o fenmeno
Aum como algo completamente distante,
uma presena aliengena vista por binculos
na costa distante." (Haruki Murakami)
O frenesi miditico foi tamanho, e a
juventude
japonesa
estava
to
inconsolavelmente confusa, que Etienne Barral cita o inacreditvel fenmeno Aumer, jovens que
se tornaram fanticos pela Aum aps o atentado. Eles passaram a colecionar artigos da seita
(Aum goods) como camisetas e panfletos, ou mesmo as mscaras de carnaval usadas nas
eleies legislativas de 1990, algo realmente raro e 'valioso'. No Comiket daquele ano rolou at
fanzine yaoi tendo como temtica os principais membros da Aum!!!
Joyu Fumihiro, porta-voz do grupo, preso dias depois por cumplicidade, foi defendido por uma
legio de meninas que o achavam "kawaii desu neee" e lhe direcionavam mensagens como
"no se deixe intimidar!". Repito, FIZERAM YAOI DO CARA! Barral, em cima desse comportamento,
brilhantemente conclui:
Qual , pois, essa poca onde o Belo ganha do Justo? Afinal, no o reflexo dos valores exacerbados pela
sociedade de consumo e pelas mdias? Quando a sociedade civil se insurge contra [essas garotas Aumers],
no tem afinal aquilo que merece?
Shoko Asahara teve sua apelao contra a pena de morte rejeitada pela Suprema Corte do
Japo em 2006, aps receber sua condenao em 2004. Nos ltimos 15 anos (at o incio de
2012), os tribunais japoneses condenaram 189 membros da Aum, emitiram cinco penas de priso
perptua e confirmaram 13 penas de morte. Segundo o G1 "por enquanto, nenhuma das
execues foi realizada porque a lei japonesa estabelece que todas as sentenas dos cmplices
do delito devem ser confirmadas antes de poder se aplicar a pena capital."... Asahara, hoje de
cabelos curtos, passa o tempo que lhe resta de vida cozinhando na cadeia.
Para o Japo, o atentando no metr de Tquio foi uma advertncia e o fato pontual da virada
histrica do pas, o incio de uma nova era, menos brilhante e pomposa. 1995 foi tambm o ano
do terremoto de Kobe e do lanamento de Neon Genesis Evangelion, que no teve o apelo
popular que conquistou com seu teor pessimista apenas por acaso.
O j citado livro do Etienne Barral trata do assunto no captulo chamado Otakaumismo, onde ele
traa relaes entre o atentado e a cultura otaku. Sabia que a Aum produziu animes e mangs
de Asahara para conquistar esse pblico? No vou esmiuar esse assunto aqui, apesar de mais
pertinente do que qualquer outro para esse blog, como incentivo para que voc compre ou
alugue o livro. Mas vou oferecer um aperitivo:
A seita Aum o reflexo da sociedade japonesa, na forma como sistematicamente preenche as faltas desses
jovens, os quais, de maneira mais ou menos consciente, constatam as contradies do Japo dos anos 90.
Nesse sentido, no surpreendente que os otaku, eles tambm testemunhas e crticos da mediocridade
existente, tenham se sentido vontade junto com Asahara. Ainda mais que, expressamente ou no, o guru
instilava fortes doses de cultura otaku em seus discursos.
Como esperar diante de tal comportamento [negao dos crimes de guerra] que os jovens tenham f em
valores que os mais velhos transmitem? Como eles podem imaginar substituir e aprimorar a direo desse
colosso com ps de barro? Em vez de seguir as massas embrutecidas pelas mdias e cegas pelas miragens
da sociedade de consumo, os otaku mostram com desdm que o rei est nu, enquanto os adeptos da seita
Aum tentam, desastrosamente, desestabilizar o sistema.
Ele ainda conclui: Se essa uma boa anlise, aprisionar todos os adeptos da Aum e prender Asahara
no resolver o mal-estar que corri a sociedade japonesa. Por enquanto, a sociedade civil tenta
convencer-se de que a seita uma verruga a ser cauterizada, que o mal desaparecer por si, posto que
obra de um megalomanaco paranoico, porm pode acontecer que a verruga se revele um cncer de pele
estimulado pela grossa camada de maquiagem que cobriu a sociedade civil para mascarar 50 anos de
sujeira.
A minha concluso caminhar no sentido de mostrar que isso est acontecendo em propores
globais, no se restringindo 'uniqueness' japonesa. A escritora alem Juli Zeh em seu excelente
A menina sem qualidades (em clara referncia ao Homem sem qualidades de Musil) - que ainda
estou lendo - fala da deriva moral presente tambm na Europa ocidental, onde os jovens que
'pensam saber tudo e professam no crer em nada' se proclamam filhos do niilismo,
pertencentes a uma gerao sem identidade e qualidades. No livro que tambm envolve crime
e questionamentos morais, o juiz responsvel pelo caso conclui a introduo dizendo algo que se
encaixa perfeitamente no caso da Aum Shinrikyo:
"Se isso tudo for apenas um jogo, ns estamos perdidos. Se no - mais do que nunca."
FONTES:
Underground - The Tokyo Gas Attack and the Japanese Psyche (Haruki Murakami)
The Place That Was Promised (Haruki Murakami)
Otaku - Os filhos do virtual (tienne Barral)
Armageddon in a Tokyo Subway - captulo do "Terror in the mind of God: the global rise of
religious violence" (Mark Juergensmeyer)
Aum Shinrikyo - Japan's Unholy Sect (Rei Kimura)
Hora Zero - Terror em Tquio (Discovery Civilization)
A (Tatsuya Mori)
The "De-nationalization" of AUM Followers: Its Hidden Political Purpose (Masaaki Fukuda)
http://www.jref.com/japan/society/aum_shinrikyo.shtml
http://cns.miis.edu/reports/pdfs/aum_chrn.pdf
http://www.cesnur.org/testi/aum_019.htm
Asahara Shoko e Kitano Takeshi em algum programa da Tv japonesa que no sei o nome