Marta Anaísa Bezerra Ramos (UFPB)
Marta Anaísa Bezerra Ramos (UFPB)
Marta Anaísa Bezerra Ramos (UFPB)
Introduo
Ao situar as teorias de gnero no campo da lingstica, Brando (2000) afirma
inicialmente que a considerao do texto como objeto de estudo despertou a necessidade
de categorizao, como forma de esclarecer os princpios que norteiam a organizao
textual. Nessa perspectiva, conforme o critrio de classificao centre-se na funo
comunicativa, no contexto scio-cultural em que se situam os enunciadores, na esfera
discursiva em que circulam os textos, no nvel de linguagem e na composio
lingstica, podem-se distinguir variadas vertentes explicativas dos gneros.
Bronckart (1999/2003), apoiado numa perspectiva enunciativa, ao explicar como
se organiza um texto, utiliza-se de uma expresso metafrica folhado textual para se
referir aos trs nveis organizacionais envolvidos no planejamento do texto, quais
sejam: a infra-estrutura geral dos textos, os mecanismos de textualizao e os
mecanismos enunciativos. Restringindo-me ao aspecto composicional, objetivo, neste
artigo, destacar a relao entre o emprego das categorias gramaticais e a construo da
textualidade, pressupondo que, estando a gramtica a servio da organizao do texto oral ou escrito -, a anlise lingstica deve conjugar os nveis semntico, sinttico e
discursivo, de modo que se possa compreender o funcionamento da lngua. Por essa
razo, abordo, sob uma perspectiva funcionalista, os diferentes valores semnticos e
discursivos assumidos pela forma gramatical assim, em textos pertencentes s
modalidades oral e escrita da lngua, aqui representados pelos gneros entrevista e
artigo de opinio.
Ao focalizar os diferentes valores assumidos por uma forma gramatical,
busco chamar a ateno para o fato de que a possibilidade de uma s forma lingstica
acumular vrias funes ou, inversamente, diferentes formas representarem uma s
funo, fenmeno a que se atribui, na rea dos estudos funcionalistas, a denominao de
processo de gramaticalizao, reflete o dinamismo da lngua, sinalizando, ao mesmo
tempo, a inconsistncia de uma abordagem que conceba as classes gramaticais como
categorias fixas, discretas. Particularmente em relao ao assim, objeto de estudo deste
trabalho, reporto-me classe dos advrbios, uma das categorias gramaticais flutuantes.
Nesse caso, h advrbios que, embora preservem sua funo de adjunto na esfera
oracional, assumem uma nova funo no mbito do texto a de articuladores textuais,
eis o uso do assim, que migrou para a classe das conjunes, atuando como operador
discursivo. Ou ainda, de uma funo tipicamente gramatical transportou-se para o
discurso, vindo a desempenhar o papel de marcador discursivo. Logo, atravs dos usos
evidenciados, objetivo mostrar que o item gramatical em foco no se limita a preencher
vazios do discurso, mas, sobretudo, funciona como princpio de organizao textual,
revelando usos convergentes nas duas modalidades enquanto elemento coesivo, e usos
especficos: como marcador discursivo, na modalidade oral e como operador
argumentativo, na modalidade escrita, classificao proposta por Martellota (2004).
proximidade com estas; tais partculas so, sim, advrbios que, conforme Bechara (1999,
p.322) estabelecem relaes inter-oracionais ou intertextuais.
Duarte (apud Mira Mateus, 2003) compartilha dessa mesma viso quando estuda
a coeso interfrsica. Nesse sentido, ela faz uma diviso entre conexes paratcticas de
que resultam frases compostas; conexes paratcticas em que um dos membros frsicos
parenttico e conexes paratcticas de que resultam unidades textuais superiores ao
texto. O item assim contemplado no primeiro e terceiro tipos de conexo. Na
exposio da primeira modalidade de conexo, a autora lista oito tipos de conexo:
listagem enumerativa, listagem aditiva, confirmao, sequncia temporal, contraste
concessivo, contraste antittico, disjuno e inferncia. O termo em discusso assume,
ao lado de pois, portanto, por isso e consequentemente, o valor de inferncia. Mas,
frise-se, sua especificao de conector adverbial, no de conjuno, pois esta tem
como representao a partcula e. As conexes do terceiro tipo expressam os mesmos
valores semnticos, diferenciando-se pelo fato de que estas, nos termos de Duarte (idem,
p.99) articulam perodos simples, compostos ou complexos e pargrafos com outros
perodos ou pargrafos. Logo, o assim novamente aparece, junto a unidades como da,
ento, desse modo, entre outras, como conector adverbial que expressa os valores de
sntese e inferncia. Conforme a autora, as conexes citadas so mecanismos de
organizao textual, por ajudarem o leitor a recuperar a diviso do texto, e, no caso
especfico da sntese, sua relevncia se justifica porque, ao estabelecer a ligao entre as
unidades textuais, a ltima unidade engloba o significado das primeiras (p. 102).
Martelotta (2004), tal como Duarte (ibidem) tambm atribui um carter anafrico
a esse elemento, o que se evidencia em construes nas quais o termo estabelece relao
lgica de causa/conseqncia entre oraes, de modo que o enunciado anterior
apresentado como causa para o que se vai enunciar na sequncia organizacional do
discurso. Esse elo anafrico ocorre ainda em construes em que se estabelece relao
de tempo, confirmando o processo de gramaticalizao ocorrido nas locues assim
que e sendo assim, que expressam, respectivamente, idia de tempo e consequncia.
Ademais, este autor assinala a natureza ditica dessa partcula. Trata-se de um uso
marcado pela remisso a informaes inferveis, recuperveis no contexto, de acordo
com os conhecimentos compartilhados pelos participantes na interao comunicativa.
Nesse caso, o falante pressupe que possvel ao ouvinte construir um quadro/esquema
resultante de uma experincia comum. Segundo o autor, esse uso muito freqente em
descrio de ambiente, uma vez que o ouvinte conduzido pelo falante a visualizar
mentalmente a imagem/cenrio construdos por este.
Uma outra modalidade de uso corresponde ao que Martellota (idem, p. 130)
denomina ponto de negociao de possveis expectativas do ouvinte em relao ao que
est sendo dito, estratgia utilizada pelo falante para evitar erros de interpretao.
Tambm se associa a uma estrutura de comparao em que o assim, ao sinalizar para o
segundo elemento da comparao, assume uma natureza catafrica.
Por fim, tem-se um uso como marcador discursivo, cuja funo assinalar
reformulaes, resultantes do prprio dinamismo da fala, bem como omisso de
informaes inferveis, indcio de insegurana do falante quanto exatido do dizer ou
do no comprometimento com o dizer.
I- Sinceramente? No. Acho que se eu tenho condies de ter os meus, pra que
eu vou adotar outros, num ? E outra, eu acho assim, eu vejo tantos exemplos por a
que adota assim, e no final s tem decepes. A minha madrinha adotou uma
criana [...] Ela teve a maior decepo porque criou com muito carinho, deu amor a
ela, de tudo, do bom e do melhor e qual foi o pago dela? Decepes. Ento eu acho
que eu poderia assim, at adotar sabe, mas se fosse o caso assim de :: ser assim, de
uma pessoa at conhecida.
9. E- E qual foi o pior professor assim, que voc j pegou?
I- Pior? Ah, mais num foi de l no, foi do Osvaldo no. Foi do colgio
estadual ao de Cruz das Armas, [...]
10. E- Vnia, como voc acha que teria sido se voc tivesse continuado os estudos?
I- Acho que seria assim, mais vantajoso no termo, assim, de gravar mais, n?
porque quem tem um curso superior sempre ganhava mais um pouquinho, num num
muito no, mais mais ganhava mais um pouquinho, num num muito no, mais
mais ganhava mais um pouquinho l. Fora isso acho num tem outras vantagem no
(risos) [...]
I- Bem desagradvel, bem sofredor. Acho que seja assim, mas eu num posso
tambm dizer, me aprofundar, mesmo se eu nunca passei por ele, n?
16. E- Vnia, o que voc acha da mulher trabalhar fora e no se dedicar ao lar, ao
marido e aos filhos depois de casada?
I- [...] Acho que eu num faria nunca isso, deixar meus filho0 na mo dos outros
tudinho, e [...] num a mesma coisa de voc passar a manh com o filho. Dar a
lio, dar carinho, dar um banho, num a mesma coisa. O bichinho at se sente
rejeitado. No que tenha que ser assim tem que s vezes at por obrigao mesmo,
uma pessoa tem que ajudar o marido e o que?
9. [...] Fica assim, ento: Serra, Gabeira e Marina entre dezenas de nomes
semelhantes, esto na direita; Sarney, Tuma e Maluf, entre outros tantos, esto na
esquerda. nisso que veio dar, no Brasil atual, a distino entre ideologias. (artigo:
Baralho falso - J. R. Guzzo - 02/09/09)
10. Somos uma democracia jovem felizmente j vigora -, ainda no dispomos de
bons partidos, [...] Acontece que foi assim tambm nas democracias hoje maduras
[...]. (artigo: Oposio desorientada - Malson da Nbrega- 03/06/09)
11. [...] Mas a secretria se estanhou com o governo e com a ministra Dilma
Rousseff em particular; acabou posta fora, foi chamada de essa secretria pelo
presidente da Repblica e j est a caminho de entrar na lista negra dos que
colaboram objetivamente com a estratgia direitista de Serra, Gabeira, Marina etc.
assim que funciona. (artigo: Baralho falso - J. R. Guzzo - 02/09/09)
12. [...] Mas, interessante registrar, os avanos tecnolgicos tm sido muito
generosos par com os mais pobres. No que tenham sido pensados assim, mas o
que aconteceu. (Tecnologia para ricos ou pobres? - Cludio Moura e Castro 25/11/09)
13. [...] Meu problema com a bebida piorou muito quando fui diagnosticado com
Parkinson. Quando me deram a notcia, comecei a beber mais ainda. Par mim, o
alcoolismo e o Parkinson tm muito em comum impossvel ter controle sobre
ambos. Foi preciso me render e aceitar que eu no podia beber moderadamente. S
assim a recuperao se tornou possvel [...]. (entrevista: O Parkinson no me vence
- 02/12/09)
16. uma surpresa, no fundo, que algum consiga ser eleito com tanta proibio
assim e a sada para os polticos, inevitavelmente, trapacear. o que est
acontecendo no momento. [...] (artigo: tempo de trapaa - 28/10/09)
17. O Brasil atravessou silenciosamente, em 2007, uma fronteira que d o que
pensar: passou a marca dos 10 milhes de funcionrios pblicos. Tudo isso? um
nmero e tanto, assim primeira vista. Qualquer coisa que chega aos 10 milhes
parece grande e no caso, quando se pensa no servio que o pblico recebe em troca
do que paga para sustentar essa gente toda, parece maior ainda. [...] (artigo:
Empregos secretos - 24/06/09)
4. Consideraes finais
Destacou-se, neste trabalho, o papel da forma lingstica assim na organizao
dos textos, tanto da modalidade oral como da escrita, particularmente como recurso de
conexo (conjuno), um dos mecanismos de textualizao apontados por Bronckart
(2003). Depreenderam-se, pois, regularidades de uso nessas modalidades, demonstrando
a validade de se explorar as formas gramaticais nos diferentes gneros. Evidenciou-se
a pluralidade de funes semntico-discursivas do item em foco, bem como a influncia
do contexto com base no qual foi possvel a depreenso das inferncias. Logo, houve, de
um lado, funes convergentes nas duas modalidades da lngua, no sentido de que o
assim apresentou comportamento similar (uso como conector adverbial ou conector
anafrico/catafrico coeso nominal e tambm inferencial), com predomnio da funo
de operador discursivo; e, por outro lado, um comportamento peculiar, na modalidade
oral, funcionando como marcador discursivo. Face ao exposto, percebe-se a
incoerncia de um estudo pautado numa classificao fixa das formas, quando estas tm
uso diversificado, o que prprio da mobilidade da lngua, da a relevncia dos estudos
centrados na explicao das mudanas lingsticas, a partir de situaes reais de uso.
5. Referncias
BECHARA, Evanildo. Moderna gramtica portuguesa. 38. Ed. Rio de Janeiro:
Lucerna, 1999.
BRANDO, H. N. Gneros do discurso na escola: mito, conto, cordel, discurso
poltico, divulgao cientfica. Vol. 5. So Paulo: Cortez, 2000.
BRONCKART, Jean-Paul. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um
interacionismo scio-discursivo. So Paulo: EDUC, 2003
DUARTE, Ins. Nome do artigo. In: MATEUS, Maria H. M. et alii. 2003. Gramtica
da lngua portuguesa. Coimbra, Almedina.
MARTELOTTA, Mrio Eduardo; AREAS, Eduardo Kenedy. A viso funcionalista da
linguagem no sculo XX. In: FURTADO DA CUNHA, M. A.; OLIVEIRA, M. R.;
MARTELOTTA (Orgs.). Lingstica funcional: teoria e prtica. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.