Anselmo Eckart - Memórias de Um Jesuíta

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MEMORIAS DE UM JESUTA
PRISIONEIRO DE POMBAL

Capa de Varsoo Pirruto de Mogalhes


com desenho do Arquitecto J. P. Mrartlns Banata
tirado de .GUia Turstiqo da L,ri,sboa desoonheclda'
cam a devtda autorizao de Trisign @

Coleco HISTORIA DA COMPANHIA DE JESUS

1.

Hlstria da Compenhta 'de Jesus na Assistncla de Portugal (7 vols.), Francisco Rodrigues.

2.

Proscrltos (2 vols.),

3.

Histrta da Companhta de Jesus, 'W. Bangert.

4.

Roteiro Histrico dos tresutas em Lisboa, Antnio Lopes.

5.

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal, Anselmo Eckart.

L.

Gonzaga de Azevedo.

ANSELMO ECKART,

S..

J.

Memrias de um Jesuta
prisioneiro de Pombal

LIVRARIA A.

I. -

BRAGA

EDrES LOYOLA

SO PAULO

Com as devdas licengas


Trd;uo ,porttug,u,elsla drirfeaa,
Sobite,ati,s

S. J., ,oorn

Jesu irn Lusittana",

do

priig,;rnal;

tNu,rn,berg,

llartino

.,H,irsttoira Fers,ecuionris

lrrg-1280, ipor

Joaq,uiirm Abranch.e,s,

a colabo'r.ao d,e fiprg Martita Uargo dra S,irlva.

@
SECRETARIADO NACIONAL DO APOSTOLADO DA ORAO
47Lg BRAGA Codex (portugal)

Largo das Teresinhas, E

Rua 1822, N.o 347


04216 S. PAULO

EDIES LOYOT-A
B,a'irro

do lpinanga C.

PosNa'l 42.ggs

(BRAS|L)

ADVERTNCIAS

No texto encontram-se dois trpos de notas:


N.A.* So parte integrante do texto original, que o tradutor entendeu pr
em nota, por se tratar de digresses que interrompem o fio da nanrao.
Notas numeradas: so notas includas pelo tradutor paa completar ou faci.
litar a compreenso do texto; e ainda as notas apresentadas co,mo tais

pelo prprio autor (N. A.).

Os subttulos so introduzidos pelo tradutor para facilitar a


leitura, pois o autor no dividiu o texto em captulos ou pargtrafos.
Apresenta apenas

diviso cronolgica dos anos.

Estes subttulos tm por fim orientar o leitor ra, srucesso dos


factos que o autor vai ,narrando, sem significar que todo o texto apr
sentado sob
cionadog.

msmo subttulo contenha apenas factos com ele rela-

PREFCIO
No hd dvida que este liyro que agora a.parece, pela
primeira vez em traduo portuguesa integral do original
latino, s' deve considerar como contributo de ineghtel valor
histrico, para maior conhecimento da poca pombalina.
O anttor, no s foi testemunha ocular do essenial
daquilo que nos relata, mas esteve existencialmente implicado
no drama, vivendo-o no corpo, flo corao e na, Alma. E, ao
contrdrio de grande parte das publicaes da poca sobre o
mesmo temA, nunca procura esconder a sua personalidade,
os seus ideais e a sua filiao religiosa, por detrtk do anonimato.
, impressionante o equilbrio do gnero literdrio que
conseguiu criar: por um lado, revela a vibrao sempre contida (embora umas vezes menos que outras) prpria de quem
rtiveu os vrios passos deste calvdrio; por outro, revela o
homem culto e o narrad.or obiectivo que sabe que tem de
observAr, estudar e investigar, antes de lanar ao papel o
seu relato.
No menos impressionante a coincidncia mAtemdtica dos dados humanos, geogrdficos e histricos descritos
pelo autor h mais de 200 anos para enqua"drar o seu testemunho pessoal, com aquilo que ainda hoie podemos verificar
in loco e com aquilo eil:, os mais qualificados historiadores
seus contemporneos, embora de outros quadrantes e afinL
dades, nos deixaram.
Trata-se do P. Anselmo Eckart, nascido a 4 de Agosto
de 1721 , no Eleitorado de Mogncia (Mainz), muito provavelmente em Bingen. Filho de Francisco Pedro Eckart, que foi

Memrias de um Je'suta prisionei'ro de Pomba,l

conselheiro do Eleitor de MognciA, e de Maria Adelaide,


entrou na Companhia de lesus a 12 de lulho de 1740. Destinado ao Brasil, chega a Lisboa em 1752, embarcando para
a.s misses do Pard e Maranho, em 1753, onde aportou a 16
de |ulho. Fez a sua profisso solene de lesuta na Aldeia de
Abacaxis, na regio do actual Estado do Amazonas, a. 10 de
Outubro de 1755, recebendo-o o P. Antnio Meisterburg, igualmente al,emo, mas de Bernkastel, e que acompanhard o
P. Eckart nos seus sucessivos cdrceres.
Missionou na Aldeia de Trocano, no interior do Amazonas, at que Francisco Xattier de Mendona Furtado, irmo
de Sebastio de Carvalho e Melo, decidiu interrtir como Governador que era do Maranho - Pard, mudando o nome das
aldeias fundadas pelos lesutas e dispensando os missiondrios
dos seus servios. A Aldeia do P. Anselmo Eckart, TrocaTto,
fundada em 1724 pelo P. Joo Sampaio e cujos trabalhos de
pol)oamento foram leva"dos a cabo pelo zelo do P. Antnio
Ios, passou a chamar-se Nova B,orba. transf erido durante
brerte tempo para Caet, junto de Belm do Pard e, finalmente, deportado para Portugal em Novembro de 1757 e, o,
confinado nA Residnsia de S. Fins, no Alto-Minho. Em 1759
lettado preso para os cdrceres do Forte de Almeida e em
1762 passa para o de S. Iulio da Barua, entrada do Teio.
Daqui, ainda saird. com vida em 1777, de;,pois da morte de
D. Jos e da queda de Pombal.
Em lulho deste mesmo Ano, embarca. para a sua pdtria,
via Gnova. Depois, ainda conseguird juntar-se aos lesutas
exilados, acolhidos por Catarina da Rssia. Em Dunaburgo
serd pouco depois Mestre de Novios e Superior. Em 1804,
entre os seus novios, estard um jovem holands, Ioo
Roothdn, futuro Geral da Companhia de Jesus. fd nowgendrio, veio a falecer em Polosk a 29 de |ulho de 1809, sendo
tahtez o ltimo sobrevivente dos cdrceres pombalinos.
A partir de determinada altura (no sabemos exacta-

Pref

cio

mente quando) comeou a redigir AS memrias do seu cativeiro, que depois ird aornpletando com mais da"dos, rigorosamente investigados n,o estudo e no contacto com outras
testemunhas oculares. E assim que estas Memrias nos aparecem publicadas pela primeira rzt entre 1775 e 1789, em
latim, na obra, monumental em 17 tomos de Christoph Gottlieb
von Murr Journal nJr Kunstgeschichte unrd zur allgemeinen
Litteratur, nps Tomos VII, 293-320; VIII, 81-288; IX, 113-254;
344-352, sob o ttulo R.P.A.E. (R. P. Anselmi Eckart) Historia
Persecutionis Societatis Jesu in Lusitania.
Von Murr (1733-1511) foi um erudito alemo, nascido
em Nuremberga, de vastssima cultura, que viaiou muito e
investigou ainda mais. Pertenceu a um grande nmero de
academias cientficas e literdrias. As suas obras, todas em
vdrios volumes, abarcam rwnos do saber como a. histria,
a. religio, a msica, a filosofia, etc.... Apesar d,e protestante,
no escondeu a sua simpatia pela aco da Companhia de
Jesus. Por altura da suq. supresso pelo Papa Clemente XIV
escreve as clebres Cartas de um Proestante sobrle a
extino dos Jesutas. De 1787 a 1789 publicard. A Histria
dos Jesutas em Portugal na poca do Marqus de Pombal,

em que nA bibliografia por ele consultada e que ele enumera ('), pudemos contar cerca de 100 obras e documentos,

sendo a maior parte em po,rtugus.

tuw

('1) Geschchte d,er lesutan i,n Portug,al, unter der Staa,tsverwaldes Marquis v,on Pombar. Nrnberg, Felsechrischen Buchhandlung,

L787, 2 vol., Erster Theil, Verzeichnis der Schriften zrtr Geschichte der
Jesten in PortrUal" XUI-XL; B.N.L. R. 34875-6 P.
Von Mur abre a introduo desta sua obra da seguinte maneir: "Q triste destino dos Jesutas em Portugal como todos aqueles
que procurarn a verdade no podem deixar de o admitir
exige uma
descrio isenta dos motivos secretos que estiver&m na- sua origem
e que, pouco a pouco, se tm vindo a revelar. Quando se pensa na
cnreldade com que foram tratados, por um Ministro desptico, tantos

Memrias de um Jesuta prislonelro de Pombal

l0

Mas

o seu trabalho,

verdadeiramente monumental
nps
referimos,
em 17 Tomos (ou mais exactaid
mente em 19, porque depois acrescentou mais dois com o
ttulo Neues Journal zur Kunstgeschichte und zur allgemeinen
Litteratur) , em e, entre muitas outras obras, publica pela
primeira vez diversos documentos inditos jesuticos: os do
P. Eckart, por exemplo. Desses documentos, pudemos verifioar que pelo menos o original de um deles se e?trcontra na
nossa B. N. L.: as celebruimas plantas dos crceres de .S. lulio da Barra (von Motrr, Jounlal, IX, 236) (').
O relato do P. Eckart, publicado por von Murc sob o
ttulo de P.P.A.E. Historia Persectrtionis Societatis Jesu in
Lusitania, foi traduzido jd em ydrias lnguas.
aquele a que

Para francs, por A. Carayofl, na sua obra Documents indits concernant I'a Compagnie de Jsus, IX, LXXXII;
1-312, Ed. de Poitiers, 1865 (t), com o ttulo Les Prisons du
Marquis de Pombal ministre de S. M. le Roi du Portugal
(1759-1777).

Esta traduo tem duas particularidades: no segue o


texto original de von Murr na ntegra, suprimindo aquilo que
o tradutor considerou distractions littraires du prisonnier
e sobrecarrega o texto com notas de outros relatos com a
finalidade de @mpletar, a noruao.

homens inocentes e cheios de merecimento, no modo como tantos


nobres, presos sem culpa, foram por ele roubados de todos os melos
de defesa, acabando por ser executados, mesmo o esprito do observador mais indiferente no pode deixar de se lndign.r....
(2) B.N.L., Mss. Tggz (do P. Loureno Kaulen).
(3) Da imensa obra de A. Carayon em 23 vol. Docurne,nts i,ndits
concerna,nt la Compagne d,e lsus, existe tambm uma edio de
Paris, 1865.

Pref co

2
Novamente para francs por Dom H. Leclerce,
nA sua obra Les Martyrs, Recueil des pices authentiques sur
les martyrs depuis les origines iusqu'au XX' sicle. PAris,
1903-1924. N,o conseguimos apurar se segue o texto de t)on
Murr ou de A. Carayon.

Para portugus, por Mgr. Manuel Marinho, no


seu livro Galeria de Tyrannos, Porto, 1917, com o ttulo
O Dirio do P. Eckart ou as suas prises em Portugal desde
1755

a 1777.

Segue, de modo geral, a traduo de A. Carayono <<mediz o P. MArinos em alguma passagem em que preferimos
recorrer ao originAlrr.
nho

Para espanhol, pelo P. Ios Gallardo, com o ttulo


Historia de Ia Persecucin de la Compaflia de Jesus. Segue
o original de von Murr, mas ficou em manuscrito. (Cfr. Serafim Leite, Histria da Companhia de Jesus ,no Brasil , VIII,

p.

206).

Nesta traduo portuguesa, o P. Ioaquim Abranches,


alm do grande esforo em seguir, pela primeira vez e integralmente, o originpl latino, conseguiu imprimir ao seu texto
uma grande fluncia e leveza.
Muito criteriosamente, ttai remetendo para nota, com
a indicao ( N .A.'* ) , o.s digresses explicativas do P. Eckart
de caroter topogrdfico e histrico e, no sendo evidentes
para leitores estrangeiros, o so mais para leitores portugueses.
Quanto opo que fez, relatirtamente s notas complementares Acrescentadas por A. Carayofl, e quanto ao apndice final, igualmente acrescentado, desta vez pelo tradutor, o
leitor julgard melhor do que ns.

Memrias de um Jesuta prisio'neiro de Pombal

t2

Na perspectiva de Carayofl, recorue o tradutor s seguintes obras:

I
Aneddoti del Ministero di Sebastiano Giuseppe
Carvalho, Conte de Oeyras, Marchese di Pombal, sotto il Regno
di Giuseppe I Re di Portugallo; Venezia, 1787, em 2 Tomos.
Esta obra, ao contrdrio do que julga Carayofr, no
totalmen,te annima. Sabemos que uma parte do tomo II
do P. Loureno Kaulen: Litterrae de miseriis ctaptivorum Societatis Jesu in Lusitania. In Carcere S. Iuliani ad Fluvium Taguffi, die 12 Dec. 1766. (Cfr. Serafim Leite, Historia da Companhia de Jesus no Brasil, VIII, p. 308) O.
Alm disso, segundo von Morr, que conhecia perfeitamente esta obra porque a cita na sua bibliografia da Geschichte ('), e tambm segundo Sommervogel, Bibliothque de
la Compagnie de Jsus (III, col. 1963), id existiria umo edio
francesa, anterior italiana, publicada em Varsvia, chez
Janos Rovicki, em 1783.
2

Mmoires de Sbastien-Joseph De Carualho et Mlo,

Marquis de Pombal, Secrtaire d'tat et


Comte ,d'Oeyras,
Premier Ministre du Roi de Portugal, Ioseph I, 1784, em
4 Tomos.
(4) Deste annimo existe tambm uma traduo portuguesa
com o ttulo Anedotas do Minsterio do Marquez de Pombal, e Conde
d'Oeras Sebasti,o los de Carttallw. Sobre o reinmdo d,e D. Jos I
Rei de Portugal,.
Editor: Domingos Pereira da Silva, Porto, 1852.
(5) Von Mum, Geschichte der Jesuiten in Portugal unter der
Staatsverwaltung des Marquis t)on Pombal,. Nrnborg, L787, Erster
Theil, Verzeichnis der Schriften zur Geschichte der Jesuiten in Portugal, p. XL.

13

Segundo Sommervogel (|il, col. 1963), o tradutor francs seria Claude Marie Gattel e a edio francesa impre.ssa
em Lyon. O manuscrito de Gattel ainda existiria em Grenoble.

Relation abrgw, de ce qui est arriv aux Jsuites

- Macao, em Chine, lorsqu'on s, saisit d'eux en


qui taient
1762, qui comprrend l,eur voyage de mer et leur dtention en
1764 au

Fort St. Julien.

Sommergel dd-a unicamente em Carayon (1, p. 123-141),


atribuindo-a Ao P. Louis du Gad (ou Duga"d).

Muitos teriam pon)entura esperado nesta apresentao


uma descrio, ainda que sumdria, do contexto poltico e social em que se ttai desenrolar o drama do P. Eckart. Continua
a ser nossa opinio que nesse terreno h ainda muito que
desbrayar e que clarificar, para se poder falar de forma isenta,
sobretudo no que toca s relaes entre Sebastio de Carvalho e Melo e os |esutas.
Por isso, em concluso, aconselharamos a.penas o leitor 8, nesta traduo to leve e atraente do texto latinp,
permitisse que o original publicado pelo protestante von Murr
se impusesse por se mesmo. Pode ser uma pequena achega a
essa clarificao.

Antnio Lopes, s. i.

rrrsrnH Da PERSEcUTo
DA COMPANHIA DE .IESUS
EM
PORTUGAT

Tendo-me pedido alguns amigos, insignes benfeitores da


Companhia de Jesus, que descrevesse a trgpca histria dos Jeativos, atrevo-me
E, confrado na
divagaes paa
melhor inteligncia dos factos recentes ou mais antigos, sobretudo daqueles que dizem respeito a toda a Companhia, quer em
Portugal, quer noutras partes do mundo.

AI\O DE
Comea

1754

a 14 de Agosto deste ano, a longa cadeia de cala-

cadssima Soberana>>.
A perseguio futura

da nossa Ordem, previu-a ela pouco


antes de morrer. Meu filho (D. Jos), escrevia, v a Companhia com olhos menos benevolentes>. Destrudo este firmssimo

de Diana,

o fruto do

dio mortal contra a


desmascarar-so.

e inolvidntimo um
Companhia, comeou pouco a pouco a

ANO DE

1755

Os trs prlmelros persegutdos


Em virtude deste decreto, chegado ao Pa, em 1755, foram
padres
e um alemo
- doisdeportugueses
Cwz, filho
um pintor italiano, que
e Caet, situada entre o Pa, e o Maranho; o Padre Antnio Jos, missionrio em Trocano, junto ao
rio Madeira, nome que lhe foi dado devido s muitas rvores
da floresta, que se estendiam ao longo das suas margens e cujos
rLmos flutuavam superfcie das guas; e o Padre Roch Hundertpfund (,), natural de Bregelz, provncia da Baviera, eue traba-

de
ad

(t) O Padre Louis du Gad, Jesuta francs da misso de Macau, sepultado


vivo com seus companheiros nas masmorras de S. Julio, donde depois de poucos
anos teve a sorte de sair pela interveno diplomtica da rainha de Frana, Maria
Leczinska, esposa de Lus XV, deixou uma relago manuscrita, em que descreve a
causa destas detenes. O Padre Teodoro da Cnrz foi acusado de ter morto um sacerdote s@ular. Passando este por aquela misso da Companhia, adoeceu, e, no podendo prosseguir viagem, refugiou-se na residncia do Padre Teodoro, vindo a falecer
dois dias depois, apesar da desvelada assistncia daquele missionrio.
Quanto ao Padre Hundertpfund, da provncia do Alto Reno, foi acusado de
ter tramado com os franceses da ilha de Cayenne a entrega da cidade do Par. O
motivo desta denuncia foi ter ele chegado ao Maranho a bordo dum navio francs
da ilha de Cayerule. Foi quanto bastou para ser despachado preso para Lisboa, onde
chegou pouco depois do terramoto. Numa carta escrita seis anos mais tarde, gueixa-se de ignorar ainda quais as causas do seu exlio. Relation abrge, do P. Louis
du Gad, citao de Carayon, p. 3-4, nota.
Quanto ao Padre Antnio Jos, o motivo da expulso ainda mais ridculo.
Estava ele em Trocano, misso das margens do rio Madeira, quando recebeu uma
carta do director das minas para a fazet chegar o mais depressa possvel s mos
de Mendonga, antes da partida da frota para Portugal. Ora o barco da misso encon-

20

It/lemrias

de um Jesuita prisioneiro de

Pombal

lhou com zelo indefesso como operrio na vinha do Senhor, nas


aldeias e fazendas vizinhas. Era homem muito estimado pela
rainha de Portu5al, austraca, viva de D. Joo V.
Estes trs primeiros exilados apofiaram a Lisboa, a 19 de
Novembro de 1755. Ao descerem do navio, viram uma cidade

benignamente. Mandaram-nos ficar perto da cidade pata guo,


ao palcio real, pudessem comparecer
prontamente. Mas, nunca o foram.
apenas fossem chamados

trava-se ento no Par, e ele teve de equipar uma outra lancha, entregando a carta
a um homem de confiana para ele a dar pessoalmentea Mendona o mais depressa
possvel. Deu-se este por ofendido de a cafia ser confiada a um estranho, o no a
um homem da sua casa. Queixou-se ao Provincial, e exigiu que expulsasse para Portugal um sbdito que no sabia servir a Deus nem ao rei. (Aneddoti del Ministero
di Sebastiano Guseppe Carvalho, Conte de Oeyras, Marchese di Pombal, Sotto il
Regno di Guseppe I Re di Portugallo, MDCCLXXXYII, 1787,Ip.27).

ANO DE

1756

Vendo o Padre Hundertpfund que se apagaa toda a esperana de voltar Amrica, obteve do rei permisso paa regressar sua provncia natal.
essou a
rofessor
Espanha, a, 3 de Maio de
classes.
em Trento, onde outrora ti
Yeio a morrer na sua pfiia, ro ms de Janeiro de 1776.

Conheci pessoalmente o Padre Malagrida

Entretanto, o Padre Malagrida, homem verdadeiramente


apostlico, que bem merece ser chamado o Francisco Xavier das
Indias Ocidentais, com os seus ardentes sermes incitava penitncia o povo de Lisboa, terrivelmente angustiado com os repetidos tremores de terra. Conheci pessoalmente este grande homoffi,
a L6 de Julho de 1753, quando pisei pela primeira vez a terra
americana do Maranho (cidade tambm chamada S. Lus do
Maranho), onde cheguei com cinco padres estrangeiros da Complqhia e . onze novios portugue.ses. O mesmo navio mercante,
Divina Providncia, guo aqui nos trouxe, levou-me, juntamente com o Padre Gabriel Malagrida e o Padre Martinho Schwattz, em Setembro do mesmo ano, ao Par. A permanecemos

por oito dias.


O Padre Malagrida foi
Rainha, redigida em latim;

chamado a Lisboa, por carta da


desej aya ela, veementemente, que

Memrias de um Jesuita prisioneiro de Pombal

tro Carvalho e Melo, que obrigava

os dois Jesutas portugueses,


Teodoro da Cruz e Antnio Jos, a deixar a terra americana.
Ambos eles eram pregadores populares, que ateavam nas almas
a chama da f e do
E assim, a esplndida semente que
pela ciznia do inimigo. Por esse
eles lanavam foi s
oa ao Padre Malagrida explicandotempo, escrevi eu pa
-lhe, em poucas palavras, que a sada do Padre Antnio Jos da
misso de Trocano seria catastrfica paru ela.
No dia 1 de Janeiro de L756, na presena do governador do
Pat,, ergueu-se um pelourinho, sinal da justia que ia ser exercida pelos ministros do Rei. Um s dia des ruu o trabalho apostlico realizado por longos anos. Tantos suores desperdiados!
Era foroso ceder e partir. Abandonar as pobres ovelhas aos
dentes dos lobos.

AI\O DE

1757

Carta do Padre Malagrtda ao Padre Eckart

No ano seguinte (1157), recebi em resposta uma cafia do


Padre Malagrida em que me dina: Feliz de vs a quem Deus
concedeu foras pata suportar to grandes tribulaes! Falei
sobre a angustiosa situao dessa misso a El-Rei, que me assegurou no permitiria que as misses fossem entregues soldadesca. Mas, como o irmo do ( overnador Supremo da Capitania Prefeitura do Mararo e do Par governa no s o pas,
mas tambm o prprio rei, no h, esperana nenhuma de que
algum nos acuda. Que mais quereis ? Eu prprio fui expulso do
palcio real. E se souberdes a causa desta ingrata sit-ryo, ainda
mais vos admirareis. Tendo-se espalhado vrios folhetos pela
cidade de Lisboa, eue, pondo de parte qualquer interveno da
Providncia, atribuam o terramoto apenas a causas naturais,
e no havendo ningum que se atrevesse a contradizq to temerrias e mpias afirmaes, ou, o menor de todos, desci atena,
tomei a pend a, apoiado no testemunho de muitos Santos Padres,
demonstrei que este terrvel tremor de terra era sinal claro da
ira de Deus. Isto desagradou de tal modo ao Primeiro Ministro
Carvalho e Melo, O que me expulsou da cidade para o colgio
de Setbal. (N. A.*)

(') Ao ruir dos edifcios, seguiu-se um feroz incndio que se prolongou sete
dias, e ameaou reduzir a cinzas toda a capital. Em meio da horrvel confuso, o
Irmo Braz com incrveis esforos, afrontando por quatro dias o perigo de ser devorado pelas chamas que o rodeavarn, conseguiu domin-las, salvando a Casa Professa,
e com ela parte da cidade. Os Jestas armaram pressa imensas barracas na cerca
da sua casa, e abrigaram nelas mais de trezentos infelizes sem amparo, alimentando-os, e cuidando-lhes os ferimentos. Os Padres percorriam a cidade paa confessar

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

Este ano, o mais funesto paa as Misses da Provncia do


Maranho, trouxe sobre ela a mais terrvel das calamidades, guo
no
dificilmente poder ser epaada. Feridos os pastores
- aos
disto sem que as lgrimas me venham
s a abandonar o rebanho euo, por tantos anos,
, logo se dispersaram as ovelhas; muitas delas
embrenharam-se na densa floresta paa serem dilaceradas pelos
dentes dos lobos ferozes.
Realizada esta triste faanha, o Governardor Geral do Estado do Maranh,o-Pat, paa que o tempo no apagasse a lembrana do seu nome, exps no palcio a sua prpria efgie: Dom
Francisco Xavier de Mendona Furtado, do Conselho de Sua Majestade Fidelissima, Ministo Plenipotencidrio das demarcaes do
Rio Negro, Comendador de Santa Marinha, Governador Capito
General e Restaurador do Estado do Gro-Pard e Maranho, etc...
or da nao, esmaEste
Portugal. Enquanto
gand
melhor the aprazia
ste
se poderia transferir
at
-a cidade do Pat para outro lugar seu irmo em Lisboa, actuaYa incansaveJmente.
Afastados da Corte os Confessores Reais

Os Padres da Companhia no palcio real eram como um


espinho que se lhe enterrava na carne. Esquecera j o clebre
dito do seu antecessor Pedro da Mota. Quando este tinha nas
mos o leme do goverro, no faltou quem sua volta, oculta
ou abertamente, murmurasse contra a presena dos Padres da
Companhia no palcio real, e este prudente homem de Estado
os feridos e moribundos. Toda a gente admirou o seu zelo e dedicao. O prprio
Rei lhes apresentou um testemunho de louvor, e lhes ofereceu um subsdio pata ostaurarem a Casa Professa, n boa parte destruda. S Ponrbal achou reprovvel o
procedimento dos Padres, porque a inveja nunca pode rec onhecer o bem feito por
outros. (Anedd. del Ministero di Carvalho... t. I, p.20).

(N.A. *) Cidade fortificada da Estremadura Lusitana, outrora conhecida


por Xetbre e Cetbriga, cujo porto frequentado por ingleses e holandeses pela
sua abundnia de sal e peixe.

Ano de t757

25

respondera: ((Tomata eu ter em todos os cantos da corte um


padre da Companhia, pois estes s dizem a verdade! Mas, com
que frequncia a verdade foge dos palcios dos prncipes! Como
so poucas as pessoas que se mostram tais quais so, nas palavras e nas obras! Quo atamente transparece numas e noutras
o que est oculto no corao! O ministro enchia continuamente
os ouvidos do Rei, com queixas contra os Padres; repetia as calnias; multiplicava as intrigas; e acabou, finalmente, por dominar
o nimo do rei.
Em Setembro de 1757, os Padres da Companhia, confessores do Rei e da famlia real, foram todos afastados da corte, declarando-se que j no se precisava da sua cooperao: Padre Jos
Moreira, onfessor do Rei e da Rainha; Patire Timteo de Oliveira, meu amigo, confessor da Princesa do Brasil e Duquesa
de Bragana (hoje Gloriosssima Rainha Reinante); e Padre
Jacinto da Costa, director espiritual do Prncipe D. Pedro (agora
Gloriosssimo Rei) (t). Ao saber disto, a Rainha tet dito a D.
Jos, referindo-se a sua filha, Princesa do Brasil e Duquesa de
Bragana: <A Princesa Maria h'de sentir isto vivamente. Ao
que o Rei teria retorqdo: <Agora j no h remdio. A Princesa do Brasil lastimaya a ausncia do seu confessor e instrutor,
Padre Timteo de Oliveita, a quem sempre uito estimou. Quando
lhe escolheram outro mestre de latim, ela recusou, dizendo que
no precisava) pois j dominava suficientemente esta lngua.

(t)

Eis como se executou esta despedida: Eram dez horas da noite, quando

j se haviam retirado aos seus aposentos, foram intimados a sair pelo


capito da Guarda Real. O Padre Costa estava de cama, doente. Obrigaram-no a
levantar-se, e conduziram-no ao colgio de Santo Anto. Os Padres Oliveira e Moreira
obedeceram prontamente. Este ltimo pediu mesmo ao Capito da guarda apresentasse os seus agradecimentos a El-Rei por finalmente lhe permitir uma coisa que
j muitas vezes lhe tinha pedido em vo que lhe consentisse retirar-se a uma casa
da Companhia, a fim de nela se prepara paa a morte.
A sada foi imposta com tanta precipitao, que nem tempo houve para cada
um juntar as suas coisas e lev-las consigo. No dia seguint, o P. Henrique, Provincial,
apresentou-se no palcio a pedir explicaes. Mas apenas chegado, logo se lhe deu
conhecimento, da parte de Pombal, duma ordem rgia que lhe proibia a ele e a qualquer Jesuta a entrada no palcio real (nedd., t. f, p. 40).
os Padres, que

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

O Padre Timteo de Oliveira ea irmo


go (N. A. *).

do Bispo de Lame-

Jesutas. Ento ele, es veneno! Mas, pouco

no foi aquilo apenas


de graa: <Pois bem,

comamos deste veneno

Mals clnco Jesutas exllados do Maranho

Mas da Europa, voltemos Amrica. Amanheceu o dia 28


de Novembro, e os cinco Jesutas exilados do Maranho so
obrigados a embarcar. Eram o Padre Francisco de Toledo, da
cidade de S. Paulo (a sua Capitania dotada com privilgios de
cidadania por D. Joo V a Capitania de S. Vicente, no Brasil),
Visitador da nossa Provncia no Maranho; o Padre Jos da
Rocha, nascido na Provncia do Maranho, Reitor do Colgio
da mesma cidade; o Padre Lus de Oliveira, Procurador das Misses do Par,; o Padre Antnio Moreira, professor de teologia
no dito colgio (u); o Padre David Fay, hngaro, da Provncia
da ustria,- miionrio de zelo veradeirimente apostlico.

(N.4. *) esta uma cidade da provncia chamada Beira, clebre pelas cortes
ali reunidas, em 1243, vulgarmente conhecidas por Cortes de Lamego. (n) Nelas se
confirmaram as principais leis do Reino e, sobretudo, a lei que proibia a uma
herdeira do Reino casar com um prncipe estrangeiro.
(n) Refere-se s lendrias Cortes de Lamego, consideradas, hoje em dia,-sem
qualquer fundamento histrico. CN.T.)
(u) A causa que provocou o exlio do Padre Francisco de Toledo foi uma carta
escrita a D. Jos l, a seu prprio pedido. Ouvindo todos os dias do seu Ministro
as acusaes mais revoltantes e inverosmeis contra os Jesutas, quis informar-se da

Ano de

27

1757

O Padre Davtd Fay e a Trtbo dos AmanaJs

Este ltimo, para dilatar

o Reino de Cristo e o do Rei de

Portu Eal, props-se procuar os indgenas, atra-los vida civilizada, fundar uma nova misso. No longe da aldeia de Carara
(a mais bela das misses do lVaranho, nas margens do rio Pina) esforava-se ele, com todo o vigor, por atrafu luz da f as
vrias tribos, euo jaziam ainda na noite obscura do pagatismo:
entre estas sobressaa a tribo dos Amanajs, tribo menos selvagem e mais parecidana cor com os europe-us, superando, a regio
do Maranho e do Par, todos os outros Indios, guo viviam ainda
na barbrie.

Movido pela ardncia do seu zelo, procurou abrir dilogo


com eles e aprouve a Deus rcalizat os seus desejos. A pedido do
Padre David, comparecerIm os Amanajs a um encontro para
se deixarem conqistar liberdade de fllhos de Deus. Acddem
facilmente; nem sequer se recusam a reconhecer a autoridade
do Rei, pedindo simplesmente os isentem do servio que os nefiverdade, e deu ordem ao P. Francisco de Toledo, Visitador da provncia do Maranho, paa que lhe fizesse uma exposio fiel sobre a actividade mission ria dos
Padres, e o estado da Religio naquelas terras. Comunicava-lhe ao mesmo tempo os
boatos desfavorveis que corriam na Europa a respeito dos Jesutas na Amrica.
O Padre obedecu, redigindo um relatrio sincero, em que refutava calmamente as
calnias assacadas contra os seus irmos. Expunha ao mesmo tempo desapaixonadamente as violncias de Mendona, irmo de Pombal, e a desolago geral a que tinha
reduzido o Maranho. No dizia, porm, uma s palavra sobre a impiedade e as
desordens do Governador, de que todos os mercadores, ao voltar Metrpole, se
queixavam. (nedd,, t. I, p.36).
Pombal, que no suportava qualquer reprovao que casse sobre si ou sobre
algum dos seus sequazes, chamou imediatamente o Padre Toledo a Lisboa, onde
o esperavam as masmorras de S. Julio.
Quanto ao Padre Jos da Rocha, que assistira - como diz a rclao do Padre
Du Gad com outros Superiores de diferentes Ordens a um Conselho convocado
pelo Governador, teve o atrevimento de propor que, antes de se executar a deciso
do Conselho, convinha se apresentasse Corte uma relao dos inconvenientes que
dela poderiam resultar paa a Religio e paa o bem dos ndios e dos escravos. O
Governador tomou esta franquez;. como um crime, e exilou-o imediatamente.
Quanto aos Padres Moreira e Oliveira, ignoramos a causa do seu exlio, mas
no seriam mais culpados que o P. Toledo e o P. Rocha.

2B

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

tos das outras misses, dos 15 aos 50 anos, costumam p-restar


aos portugueses, desejando fruir a mesma imunidade dos Indios
Guajajaras, na misso dos Carars. Prometem deixar a setva,

se lhes forem concedidas outras condies. Todas elas se centraisen


vam no ponto principal
do pelos portugueses. O-Padre
tas pelos Amanajs, sem contu
legal, como, mais tarde, os seu
Entretanto, no se poupa ne
paru affanca ao cativeiro do demnio estas almas remidas pelo
preo divino do sangue de Cristo. Escolhe-se um lugar apto para
construir uma nova aldeia; prepara-se para isso um vasto terreno ;
cultiva-se a mandioca, com qe os drasileiros fazem a farinha,
em quantidade suficiente para sustentar os nefitos durante um
ano; constri-se uma nova casa. Abrira-se uma grande porta
ao Evangelho, mas depressa se fechou com a triste expulso
dos padres Jesutas.
respeito desta projectada reduo dos ndios, vi um documento do Governador do Pat,, em que se levantava esta questo :
Com que autoridade aceitou o Padre David Fay a tribo dos Amanajs, em condies to inquas e perniciosas Coroa de Portugal ?
Escrevera o Padre Fay uma carta para Lisboa, dirigida ao Padre
Bento da Fonseca, Procurador Geral da nossa Provncia do Maranho, contando-lhe em pormenor e com fldelidade todos os esforaa
na funda
os j empreendidos
-selvagem.
dre
Pretendia
esta- tribo
bo,
Bento expusesse ao Rei as con
naem conformidade com os decret
do de D. Pedro II, que continham o Regimento das Misses:
neste se encerra, com perfeila clarcza, o mandato que permite
aos missionrios receber os Indios, por meio de quaisquer acordos e condies, para que possam abandonar a selva e abraar
a santa lei de Jesus Cristo.

o suco das flores donde as abelhas extraem o mel, converter em


vituprio o louvor do mrito, compensar com malefcios os benefcios.

Ano de 1757

Eckart expulso do Par, com mals


nove Jesutas vlaja at Llsboa

Por fins do mesmo ms de Novembro de 1757, igual desgraa cau sobre mais dez Jesutas do Par. Eram estes, paru
alm do Reitor do Colgio do Par, nove missionrios, dos quais
seis portugueses e trs alemes; o Padre Loureno Kaulen, de
Colnia, o Padre Antnio Meisterburg, de Berncastell, ambos
da Provncia do Baixo Reno, e o Padre Anselmo Eckart, de Mogncia, adscrito Provncia do Alto Reno.
Foram todos atirados para um navio de guerra carregado
com material blico. O oflcial militar obrigava os seus subordinados a fazer exerccio todos os dias. Os Nossos ocuparam a maior
cabine do navio, partilhando-a com dez padres da Ordem Serfica dos Capuchos, que viajavam juntamente.
Acompanhavam este barco trs navios mercantes. Um deles,
depois de vrios dias de viagffi, comeou a meter gua em tanta
abundncia gue, mesmo com as bombas constantamente em
aco, so entrou a duvidar se conseguiria chegar salvo ao porto
de Lisboa. Por isso, os capites dos outros navios dirigiram-se
ao barco de guerra pata delibetat) no sobre a melhor forma de
fugir a algum recife perigoso, mas de evitar ser submergido pela
violncia das guas. Resolveram dirigir a nau, no meio de to
grande perigo, para a Ilha de Barbados, que era a mais prxima
(na Amrica Setentrional) e pertencera Inglatera) uma das
chamadas Ilhas de Barlavento. Uma vez rcpaada, entrou no
porto de Lisboa com mais sorte do que o navio de guerra.

ar{o DE 1758
No dia 1 de Janeiro, avistmos ao longe um navio. No nos
dando sinal algum da sua nacionalidade, mandou o comandante
disparar contra ele uma bala de cantro. Imediatamente retorquiu com outro tiro. Pouco faltou para que uma bala de chumbo,
zunindo aos ouvidos do comandante, o matasse. O nosso navio
estava j preparado paru o combate. Os marinheiros armados
tinham tomado o seu posto.
Mas, depois de dois ou trs dias, no se atrevendo a travat
combate com o nosso, o navio desapareceu. Pouco depois, surgiram no horizonte mais outros dois. Eram duas naus francesas,
comandadas por ingleses gu, como eles prprios confessaram,
as tinha
comandante
de

Mar e
ingleses,

a bandeira
convencer

al,

os
sso

do comandante, munidas com o selo do Rei de Portu9al,julgando


primeiro, que o oflcial alemo era francs e o verdadeiro arrais
do navio. Este, vestindo um uniforme ornado de fmbrias de ouro,
aflrmava ter sido oficial austraco. Por fim, os hspedes britnicos
desaparecerI, depois de se abastecerem de tabaco e papagaios.
Antes de chegarnos s Ilhas dos Aores, vimos ao longe
outras duas naus. Novas perturbaes, novos preparativos blicos, novos perigos. Seriam piratas ? De repente uma das velas
mais altas desfraldada e) logo de seguida, arueada. Ressoam
gritos de alegtia. Tratava-se de um sinal convencional. Eram
navios portugueses pertencentes Companhia Geral do Gro-

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

-Par e Maranho. Foram recebidos com


pelos
rarinheiros do nosso navio, dispostos em fi
armas
ao som de clarins e trombetas. Uma des
cinco
padres da Companhia exilados do Maranho e o juiz da mesma
cidade (o ouvidor), tambm ele desterrado. A culpa que lhe imputavam era grande: a amtzade que mostrara pelos Jesutas, decidindo a favor deles num processo judicial. O homem que decide
com justia a favor da Companhia deve ser tido como malfeitor.
Passmos ao largo da Ilha de S. Miguel, uma das ilhas dos
Aores, to perto que podamos ver os campos e as vinhas. O
Capito Schwebel aproveitou esta ptima ocasio que se lhe ofereceu paru traar um rigoroso mapa de toda a ilha.

Chegada a Llsboa

Depois de dois meses e meio de viagem martifr, chegmos


de 1758. Mas, pouco faltou para
porto. Segundo o costume, todos
vem receber um piloto local, que
os conduza at vila fortiflcada de Cascais: este guia o barco
por uma rota extremamente perigosa por causa de dois rochedos
muito prximos, j tristemente famosos pelos naufrgios causados. Os portugueses chamam-lhes cachopos ou cachorros, porque
o fragor do marulhar das guas se assemelha ao ladrar de uma
matilha de ces. Mal davam as 8 horas da manh, de repente,
levantou-se uma furiosa ventania, e o navio, sem poder affeat
imediatamente a vela, desviou-se da rota, sendo levado paa o
lado numa carreira rapidssima, e arrastado para os perigosos
rochedos, onde ainda podia ver-se outra nau recentemente naufragada. Que terror! Que gritaria! Lanam a ncora, mas esta
no conseguiu p:render o navio; lanam outra, sem obterem melhor resultado. S resta a ncora de salvao, a maior e mais
resistente. O trabalho ingente dos marinheiros prolongou-se at
s 11 horas e, assim, neste triste dia, o nosso jantar juntou-se com

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Frontespcio de um dos 17 volumes da obra de von Murr Journai zur Kunstem que ele publica, pela primeira vez, As

geschichte und zur allgemeinen Litteratur,


Memorias do P. Eckart. (T. VIl, 293-320;
berg,, 1775-1789.

MII, 81-288; IX

113-254;344-352), Nrn-

i
1
tli

Uma pgina do original das Memorias do P. Eckart, correspondente ao ano

de

(no subttulo desta traduo: Comea o cativeiro nos carceres de S. Juliao da


Barra) publicadas por von Murr sob o ttulo: R. P. A. E. (Rev. P. Anselmi Eckart)
1162

Historia Persecutionis Societatis Jesu in Lusitania.

Ano de

1758

guo, a 3 de Junho de 1753, largaram, ta presena do Rei e da


Rainha, paa a Amrica, com ceca de quarenta navios, dirigindo-se uns paa as ilhas do Atlntico, sujeitos ao domnio lusitano,
outros para Angola, Maranho e Pat,, e tendo muitos chegado
ao Brasil. Este engenheiro alemo devia demarcar os limites do
Rio Negro, sobre os quais existia dura controversia entre Espanha
e Portugal. O prncipe D. Manuel, tio do rei, que tinha grande
estima pelo ofi.cial, a quem concedera o regresso Europa antes
de expirado o ptazo, enviou-lhe um bergantim paru o desembdcat. Mas, ns exilados, tivemo de pemanecer a bordo ainda
por quatro dias.
Entretanto, vimos passar ao lado do nosso navio o Rei, que
voltava de uma caada em Salvaterra. Costuma l, ir caa todos
os anos, no dia 18 de Janeiro, depois de terminadas as preces
solenes, que se fazem na Igreja de S. Vicente, por ocasio do trduo de Santa Engrcia, virgem mrth de Saragoa. Esta Santa
era filha de um prncipe, ento senhor da Lusitnia. Ao lado do
Rei ia o prncipe D. Pedro, seu irmo, guo com a bengala lhe
mostrou a bandefua da nossa nau: de um lado ostentava o escudo
do reino de Portu9al, e) do outro, as insgnias da Companhia de
Navegao do Maranho e Par, representando a Virgem Concebida sem Pecado, com uma ncora aos ps. Os que costumam
conduzir o Rei so sempre remeiros do reino do Algarve, a que
comurtmente chamam algarvios. Atr{s deles vinha o Rei e a
Rainha com as Princesas, suas filhas. popa, de p, o estribeiro-mor.
Desembarque e comeo da vlagem

para o exIio em Sanfins

Na tarde de 15 de Fevereiro, saindo do navio, fomos levados paru tena, onde nos esperava j, gtande multido. Encontrei-le, ento, com o Conde de Paraso, brigadeiro, antigo e valoroso oficial sob a bandeira austraca, que sau de Lisboa em 1753,
um dos principais comandantes militares. No mesmo ano, dera
ele um lauto banquete aos Jesutas alemes, antes da nossa partida paa o Maranho.
Estavam j, preparadas algumas pequenas caleches, e,ada
uma com lugar para duas pessoas. Eram oito para os quinze exila3

tlemrias de um Jesuita prisioneiro de Pombal

34

dcis, que foram distribudos aos pares por sete carros, e um ocu-

pou o oitavo. Por ordem de Carvalho e Melo, logo na mesma


tarde, partimos para o exlio e fomos at Sacavm, a duas lguas
da cidde. Pernitmos nessa vila da Estremadur lusitana.
No dia seguinte, veio ter connosco um oficial de justia-Meirinho da Corte, (antigo of,cial de justia, guo tinha direito de
prender e executar outros mandatos judiciais) com o seu ajudante.
Estes dois cavaleiros armados vigiavam e guardavam cuidadosamente os exilados. Surgiu ento no cu uma grande tempestade.
O ar estava gelado. Caminhvamos por estradas muito difceis.
Tive por companheiro o Padre Fay. E, galopando por caminhos
muito maus, o carro virou-se p or duas ou trs vezes.

Ltbelo de acusao contra os Jestas

Nos primeiros dias da viagem, entregaram-nos um libelo


insultuoso, impresso em Lisboa, effi 1757, com este ttulo : Relao Abreviada da Repblica dos .Iesutas do Paraguai (u). Era um
conpndio, descrevendo um acervo de factos imputados aos missionrios do Paraguai e do Brasil, effi que a verdade se misturava
com a mentira. Neste infame opsculo o Padre Fay era proclamado ru, no de um crime qualquer, mas de um crime airoz de
lesa majestade, por causa da catta atrs mencionada, escrita por
ele ao Padre Fonseca, cerca da tentativa da Reduo dos Amanajs. Arrc desta carta, qye fora intercgptada, mandou-a imprimir o Governador do Par. E melhor fora que a publicasse na
ntegra, pois, truncada tira ela um sentido totalmente diverso.
(')

Poucos libelos deram tanto brado, e fizeram tanto mal Companhia como
a Relao Abreviada. Foi o livro favorito de Pombal. S na cidade de Lisboa mandou
imprimir 20.000 exemplares, que distribuu por Prncipes, Bispos e Superiores de
Ordens Religiosas. Enviou-os aos embaixadores de Portugal nas diversas cortes da
Europa, com ordem de os fazerem traduzir para as lnguas dos diferentes pases em
que se encontravam, e de os espalhar por todos os meios ao seu alcance. Mais ainda.

Para maior divulgao f-los imprimir com diferentes ttulos. Assim em Outubro
de 1757, sau em Roma com o ttulo de Carta do Ministro de Portugal ao lulinistro
de Espanha sobre o imprio dos fesutas,' pouco depois com o de Repblica do Maranho e Hstria do Rei Nicolau I, sucessivamente. (Anedd. t. f, p. 130)

Ano de

1758

Mas prprio dos falsos polticos usar de palavras prfidas corrtra aqueles que querem caluniar e contra o leitor ignorante, que
pretendem induzir em erro, ou, pelo menos, deixar perplexo e
menos benvolo para com aqueles contra os quais e escreve.
Este libelo (que fora tambm fiadtzido para espanhol, italiano e alemo) menciona igualmente dois alemes, os Padres
Antnio Meisterburg e Anselmo Eckart: <<Jesutas que com a
violncia do dio so conhecedores experientes de todos os meandros, desvios, enganos, manhas, astcias, maquinaes e estrotagemas>>. Este ridculo autor no sabe o que diz; a si mesmo se
afiaio, quando mede a todos com a sua prpria medida. Toda
esta to grande astcia dos Padres da Companhia permaneceu
oculta dos Reis de Portu9al, to perspicazes como os antecessores de D. Jos I: Filipe IV, Filipe III, Filipe II, Cardeal D. Henrique e D. Sebastio ? Todos estes prncipes coroados confirmaam
com diplomas rgios as misses confiadas aos cuidados paternais
dos Jesutas, cumularam-nos de privilgios e favores, honraram-nos prodigamente com elogios: mas, enganaram-se, iludiram-se,
foram induzidos em erro. O fogo, por tantos anos oculto debaixo
das cinzas, finalmente, sob o glorioso regime de Sebastio de
Carvalho e Melo e de seu irmo Mendona Furtado, explodiu
em chamas, quando os Jesutas conspiradores ocultos deram o
mximo do seu esforo, fiabalharam arduamente com todas as
veras da sua alma e se esgotaram de fadiga para conquistar estas
terras meridionais para Cristo e Portu gal. Eu no discuto aqui
como descorts meter a foice em seara alheia; como feio e
estulto impor leis a homens que nunca se meteram comigo, nem
nunca me fu;eram mal; como insensato pr-se a investigar o
que fizeram de bom ou mau nas nossas prprias casas.
Entretanto, o desvergontrado redactor deste tristemente
famoso libelo escreve muitas pginas narrando histrias retintamente falsas. tIma delas, cau por acaso nas mos dum
certo desembargador da provncia da Beira de Portugal. O caluniador contava que um missionrio jesuta do Paraguai dizia aos
seus indgenas go, se num combate matassem algum portugus,
deviam depois cortar-lhe a cab
depois de mortos, se os no
aquele desembargador ao ler t
estas pginas cheio de nusea e indigna,o.

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

Acusaes contra o Padre Eckart

Mas, examinemos este irredutvel argumento aduzido pelo


acusador dos nossos irmos: com que fora confirma a sua assero de que eles queriam vindica paa si o domnio destas regies:
No ms de Janeiro de 1756 construram a vila de Borba-a-Nova,
no mesmo lugar da de Trocano. O Padre Anselmo Eckart e o Padre
Antnio Meisterburg fi,xaram-se ali para estabelecer nestas pro-

vncias o seu domnio, etc... D-me pena tanta ignorncia que


este autor manifesta abertamente. Construram uma cidade no
ms de Janeiro de 1756. Mas, quem construu? Quem forarn os
Rmulos e Remos desta nova Roma>? Neste ano, na misso
de Trocano via apenas o Padre Eckart. Mas, concedamos (o
que falsssimo) que isto foi assim mesmo, que de facto foi constiuda pelos Jests do Par, uma cidade no ncavo da lua. Com
que fim ocuparia o
tal lugar? No pertencia ele
mesma Companhia? Quem
mesma ordem,
cia de tal facto ? quem h que
que no v a inse
no veja imediatamente que isto no passa de uma mentira crassa? Este o infeliznarrador, que quer ajustar o quadrado ao crculo.
Quanto a isto, tenho a dizer que estive presente, que vi tudo
com os meus prprios olhos, que nesta comdia, ou antes, tragdia, eu desempenhei um papel principal. Na manh de 20 de
Dezembro de 1755, estando eu a celebrar missa com os meninos
e meninas da catequese, chegou de sbito Mendona Furtado,
irmo de Carvalho e Melo, e uma centena de soldados, com a
inteno de proclamar que a aldeia de Trocano ia ser condecorada com o ttulo de vila. Mandou ento ao oflcial conhecedor da
lngua brasileira, que fizesse esta promulgao: Coyr am rec
rup, isto , de hoje em diante tudo vai mudar: novos oostumes,
nova disciplina, novo modo de viver. De seguida, Mendona
voltou-se para mim e disse-me: Vamos _hoje declarar guerra o este
mato. Porico depois so convocados os ndios ao repicr dos sinos;
avanam por turmas em grupos os soldados valentes e os lenhadores armados de machados que abrem enorne devastao nos
bosques, em torno da aldeia; ressoa nos ares o fragor do tombar
das rvores, por todo o lado abatidas; uma das maiores, quase
em fonna de pirmide, erguida a 1 de Janeiro de 1756 no meio
da vila, que ainda ontem era aldeia. Rompem, da parte de alguns,
gritos festivos, ao som do troar das bombardas: Viva El-Rei.

Ano de

1758

E a aldeia que antes se cha"mava Trocano, passou a chamar-se Borba-a-Nova. Nome que foi tomado da vila de Borba, frL
provncia portuguesa do Alentejo. Foi esta a clebre vila que o
Padre Anselmo Eckart edificou, conquistou e honrou com nome
novo. Sustende o riso meus amigos !
Que ele, poucos meses antes da chegada de Mendotrg, nos
princpios de Julho de 1755, fora enviado como missionrio para
este lugar, concedo; mas, que tivesse por companheiro o Padre
Antnio Meisterburg, absolutamente falso. Este ltimo estava
frente de uma outra misso, chamada Abacaxis, nas margens
do rio Madeira, mas distncia de dois dias de viagem. Depois
de uma ou duas semanas, chegaram uns pobres soldados, os primeiros fundamentos desta ilustre vila futura. A maior parte deles
tinham sido obrigados a casar contra vontade com mulheres
indgenas na misso de Mariv, junto ao rio Negro, misso que
tinha sido administrada pelos padres cannelitas e guo, depois
tinha sido tambm ela reduzida condio de vila; ai iam ser
convocados os delegados de Espanha e Portugal pata determilarem os limites das provncias.
Jesutas acusados de possurem dols canhes

Entramos agoa a ttatat a grassima acusao sobre a suspeita atroz de que os Jesutas tinham consigo dois canhes de
guerra. Mais um crime inaudito at ao dia de hoje.
A respeito destes pequenos canhes, eis a histria muito
verdadeira, que tanto exasperou os nossos adversrios. No ano
de 1725, fundou o clebre missionrio portugus, Padre Joo
de Sampaio, residente em Abacaxis, uma nova aldeia de Santo
Antnio de Pdua, nas margens do rio Jamari, que no mapa
aparece como Cayenro, mas os ndios chamam Irury. Este lugar
era frequentemente infestado e os seus campos devastados por
uma tribo brbaru bastante numerosa chamada Muras, no
muito diferente daquela de quem Tlio Ccero diz: houve um
tempo em que os homens vagueavnm como feras pelos campos. Este

povo nmada gente de tanta crueldade, que mata impiedosamente qualquer indivduo que encontre, quer seja europou, quer
seja de qualquer outra tribo. O Padre Sampaio, paa livrar os seus
nefitos de to perigosas incurses, pensou em transferir a misso

38

Memorias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

para outro lugar. Expe este plano, primeiro ao governador do


Par., que ea ao tempo Joo da Maya e Gama; este no aprovando a deslocao de aldeias, que sempre difcil, persuadiu o
Padre a comprar um pequeno canho de bronze que caffegasse,
no com balas de chumbo, mas de plvora seca, cujo fragor bastaa para pr em fuga estes brbaros. Por conselho, pois, da
suprema autoridade da provncia, comprararn-se dois pequenos
canhes e colocaram-nos na aldeia. Rebentam os tiros e os btbaros deitam a fugir; mas, vendo que nada lhes acontece, perdem
o medo, e continuam a infestar ferozmente a aldeia. Em vista
disto, o Padre Manuel Fernandes, que precedera o meu antecessor,
Padre Antnio Jos, paa acabar de vez com as hostis incurses,
transferiu a misso paa um lugar chamado Trocaoo, levando
consigo tudo o que pertencia aldeia, incluindo estes dois canhes.
realmente ridculo, que quando tantos governadores antes
de Mendona
de Sousa, Jos da Serra, ambos inimi- Alexandre
Joo Abreu, Pedro Gorjo, que se no eram
gqs da Companhia,

inimigos, tambm no eram amigos, o prprio rei D. Joo V,


que no podia ignorar estes factos
nada de repreensvel tenham
visto neles, s Mendona Furtado-que parecia julgar-se o Oitavo
Sbio da Grcia, visse nisso um crime digno do mais severo castigo. Assim, acusou missionrios que viviam em absoluta p2,
de fomentar uma guerra que s existia na sua imaginao e na
de seu irmo, exasperada pelo dio fercz que ambos nutriam
contra a Companhia e escondiam dentro de si. E esta ridcula
inveno espalhou-a ele por meio da imprensa, pela Europa culta,
mas ignorante dos problemas da Amrica.
Este capcioso promotor de justia, em meio de tanta confuso, tanta perturbao, to horrveis intrigas contra dois Jesutas, parece sentir-se confuso, perplexo, embaraado ao ver-se
subitamente diante de crimes to atrozes sem poder provar um
s de todos eles.
Finalmente, depois de muito cismar, chegou a esta brilhante
concluso : Estes dois Jesutas eram afinal dois estrategos militares.

Mas que maneira to estranha de ajuizar! com que violncia,


com que impetuosa injustia! Ns, porm, no resistimos com
violncia violncia. Mas, onde esto as fortalezas? onde tnhamos ns as armas de guerra, os meios de defesa e de ataque ?
Onde tnhamos ns peas de artilharia ou armas de fogo ? Tudo
isto exigido pela aco militar e estrat gica. Aqueles que nada

Ano de

1758

sabiam de cincia blica foram acusados de planear uma guerra.


Ter-se- feito tal acusao por brincadeira ou a srio ?
Consideremos agora, o lindo ttulo deste libelo: A Repblica

dos Jesutas. No estariam todos os missionrios dependentes


do seu Provincial, do Bispo e do Governador ? Porque lhes chamam ento conspiradores autonomistas, adversrios do poder
real ? Iriam eles fazer uma nova revoluo do Paraguai ? ('). Pretendiam os seus adversrios que este libelo encerraya toda a verdade; e antes assim fosse! Nele tudo se baralha: um caos. Aos
olhos do leitor todo ele sugere apenas devastaes, runas,-rapinas e carnificinas. Quem o l, v diante de si milhares de Indios
paraguaios, uns arrastados ao cativeiro, outros imolados ao furor
dos espanhis e dos portugueses, e ainda outros dispersando-se
em fuga pela floresta. Perdeu o monatca catlico milhares e milhares de ndigenas bem exercitados nas armas gue, a um sinal seu,
estavam prontos a combater e pagavam o tributo anual, contribuindo deste modo .no pouco, pata sustentar o errio rgio.
Extinguiu-se assim, de todo, uma viva reproduo dos primeiros
flis cristos nas misses do Paraguai, e com que prejuzo paru
as almas! Isto nem com lgrimas de sangue poder ser suficientemente deplorado.
Quem te, sido autor das incoerentes e malvolas aleivosias
deste op
mordaz,
tigar. Ma
existiu

e Melo,

ir

estas

Lisboa, e as propagou por todos os quatro cantos do mundo (t).


s fbufactos.
teve-o
dos

ial
(')

Refere-se talvez o autor Revoluo dos Comuneros, ocorrida de l7l7


que foi um desafio aberto autoridade real espanhola. (N. T.)
(t) No seria certamente jzo temerrio. Toda a gente em Portugal atribua
ao Ministro este livro, bem como uma multido de outros que corriam por todo o
Reino. Conta-nos a este respeito o conde de Alvo: As obras aparecidas em portugus a difamar as vtimas de Pombal eram na maior parte devidas sua prpria
pena. Ao menos o pblico assim lhas atribua. O estilo de todas elas ressumava sIn-

a 1735,

pre o seu dio viperino. (Anedd.,

i. I, p.

131)

Memorlas de um Jesuta prisioneiro de Pombal

::fs:

: El

*:,*ttyT;
ixar impune

quem se atreva a fazer uma defesa to injuriosa da sua real pessoa.

No obstante tal proibio, o Padre Fonseca atreveu-se resolutamente a ilibar a honra e o bom nome da Companhia, que qualquer homem e, muito mais um religioso, tem obrigao de defender, segundo o aviso do Esprito Santo: Tem cuidado de defender

o bom nome (Ecl

41,15).

Para apagar, sobretudo entre os nativos, a infmia espalhada pelos caltrniadores, o Padre Fonseca escreveu uma obra-n otvel pela autenticidade dos testemunhos que colheu, digna de ser
publicada, a fim de desfazer tantas mentiras; esta mesma obra,
escrita em portugus, foi traduzida paa latim pelo Padre Fay.
Contlnuao da vlagem para Sanflns

dura lusitana, sede episcopal, sujeita ao Patriarca de Lisboa. Era


o segundo domingo da Quaresma, 19 de Fevereiro, dia em que
grande multido vinda das aldeias vizinhas aflura s celebraes
pligiosas, a que os portugueses chamam Procisso dos Passos.
d. frente desta piedosa procisso ia um etope tocando trombeta.
um ofcio mto bem remunerado, 4.000 ris ou 10 florins, pois
entre os portugueses no h, quem o queira exercer, por o povo
estar falsamente convencido, de que, se o condutor desta procisso
morrer no mesmo ano, no se poder salvar por ter anunciado
com uma trombeta fnebre a morte do nosso Salvador. O Bispo
daguela cidade, ao ver chegar inesperadamente tantas calechs,
mandou perguntar-nos por um fmulo o que que nos levara
ali e paa onde se dirigiam tantos Padres.
No dia segnte, estvamos distncia de uma hora da nossa
residncia chamada Canal. Temiam os cocheiros que o excesso
de lama lhes travasse as rodas dos carros e impedisse o prosseguimento da viagem, pelo que fomos obrigados a descer, e a pros-

Ano de

4t

1758

rio Mondego, que vai desaguar no Atlntico.

Chegmos

a uma

vila da provncia da Beira, chamada Montemor-o-Velho, (N. 4.*)


pata ai passarmos a noite. Os seus habitantes, que foram paa
ns de muita bondade, convidaram-nos a trocar o nosso albergue

No es la jaula conforme a la fiera que estd en ella.


Passagem polo Porto

No longe da cidade do Porto, veio ter connosco uma patru-

palcio, havia dois anos. Pertencia ele ao clero secular

era

homem de f, ntegro, t,o aceite e estimado pela Raintra reinante,


D. Mariana) a ponto de nunca esta lhe recusar os acepipes que
ele lhe enviava. Cawalho e Melo, apercebendo-se disto ficou rodo
de inveja. Pouco disse aquele que afirmou: Os invejosos desejam
(N.A. *) Esta vila, construda pelos mouros, chama-se Montemo-o-Vlho,
paa se distinguir de uma outra, na provncia do Alentejo, que se chama Montemor-o-Novo, ptria de S. Joo de Deus, fundador da Ordem dos irmos hospitaleiros,
que se dedicam aos enfermos.

Memorias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

ser s eles os estimados, s eles tidos por grandes e famosos. Mendona ficou marcado junto do rei com este negro ferrete e por
isso, foi mandado sair de Lisboa no espao de 24 horas. Acolheu-se a uma propriedade sua, vizinha de um lugar chamado Salrego.
Assomand janela da sua casa, levantou ao alto um leno branco
e agitou-o quando passvamos: era um exilado a saudar outros
exilados.
No Porto, tivemos tambm de presenciar espectculos ter-

rveis. Esta cidade est situada entre dois rios, na provncia de


Entre-Douro-e-Minho, antigamente tambm chamada Portus
Gallorum; daqui, diz-se, veio o nome de Portugal. Espetadas
em altos postes podia:rr ver-se as cabeas de dezoito infelizes cidados. O povo olhando espantado de terror paa estas
estacas dizia: Agora, vamos ter forcas para os nossos filhos e netos.
i
A causa de to sang
que se levantou nesta
dao da Companhia
lho: Companhia Geral de Pernambuco e Paraba, duas prefeituras
do Brasil. LJma pequena centelha levantou uma grande labareda.
Primeiro, agrediram os homens de uma certa taberna onde se
vendia vinho. tlm deles, mais imprudente, disparou uma bombarda de sua casa. Logo, muitos outros acudiram e excitados de
raiva gtitaram: Viva el Rei, morro a Companhia. Acorrendo os
soldados para dominar o tumulto, com a sua violncia, ainda
mais acfufaram os nimos.
Logo que o primeiro ministro soube disto, ferveu de raiva.
Mandou imediatamente por tena e por mar ordens severssimas.
As cadeias que existiam no bastavam para tanta gente: manda
construir novos crceres. Ferve nas ofiCinas o estrpito dos ferreiros; preparam-se muitas algemas paa as mos, grilhes para
os ps, e gargalheiras para os pescoos. As enxovias paa maior
horror so munidas com portes de ferro. Chegam cidade dois
navios de guerra para refrear os nimos e castigar os culpados
com sumo rigor. Muitos foram executados; outros condenados
a ser publicamente aoitados com vergastadas; outros foram
obrigados a viver perpetuamente dentro de certos limites territoriais. Foraram os dois filhos de um cidado condenado forca
a presenciar o triste espectculo da sua execuo. Caio Calgula
proce{., do mesmo modo,_ mas em sentido inverso, gbr^rgando
os pais a assistir morte dos filhos. Um certo soldado francs
de nascimento, testemunha desta lgubre execuo, contou-me

Ano de

1758

que os r.us mais culpados co?segryraq fugil e gs inocentes, ou


menos criminosos, foram condenados morte. Poucos anos depois, o principal destes juzes, chamado Mascarenhas, foi mandado ao Brasil a prepatat um crcere paa pessoa altamente constituda em dignidade: escolheu o crcere e depois foi ele prprio
encerrado l" dentro. Tal foi a paga que Cawalho e Melo deu ao
seu colaborador (').
Chegada a Sanftns

Ao aproximar-nos de Braga, capital da provncia de Entre-Douro-e-Minho, fomos recebid os com muita delicadeza nas
casas de campo de Ferreiros e Montariol, pertencentes ao nosso
colgio de Braga. Dali cavalgmos em mulas, a 8 de Maro de
1758, e chegmos, o meu companheiro e ou, mortos de cansao,
nossa residncia de Sanfins, exilados para o mais longnquo
lugar do mundo portugus. Esta casa antiqussima, euo fora dos
beneditinos, conta j cerca de 1.000 anos. Fora dedicada ao mrtir S. Flix, de quem se l, a 1 de Agosto, no Martirolgio Romano: Em Gerona, na Espanha, o natalcio de S. Flix Mrtir;
depois de muitos tormentos, foi mandado aoitar at dar a vida
por Cristo. O seu crneo guarda-se nq Igreja contgua a esta
casa, muito frequentada pelos galegos. E pia tradio entre eles
que se tocarem com po nas sagradas relquias deste mrtir ) e

depois o atirarem aos ces, neles remdio infalvel contra a raiva.


Com o andar do tempo, este nome de S. Flix veio por corruptela
a transformar-se em Sanfins. IJ, 2A0 anos ou mais, este prdio
foi oferecido ao nosso colgio de Coimbra, donde veio a assero

dos Beneditinos: Para ns foi Sanfins; para os Jesutas foi San


Feliz referindo-se ao fim dos seus direitos e feliz tomada de
posse pelos Jesutas.

(')

Pombal recomendou instantemente aos comissrios que enviara ao Porto

envidassem todos os esforos para envolver os Jesutas no processo da sedio. fsto


revelou mais tarde o desembargador Mascarenhas, cujo pai recebera as instrues
Journal publi par
secretas do Marqus. (Les Prisons du Marquis de Pombal
A. Carayon, Paris 1865, p.29). Cf. Brotria, Outubro 1973, p.349-3il, D. Maurcio,
Como foram implicados os fesutas no motim do Porto de 1757.

Memorias de um Jesuta prisionelro de Pombal

44

Esta casa foi imortalizada por alguns dos seus ilustres habitantes da nossa companhia: Simo Rodrigues, um dos primeiros
dez companheiros de Santo Incio; o venervel Incio de Azevedo
que foi martirizado com 39 companheiros pelos piratas em dio
da f e submergido no mar i a, ainda por S. Francisco de Borja,
que se diz ter habitado o quarto onde eu mesmo dormi, agora
transformado em biblioteca. Estvamos como reclusos, quinze
Jesutas da Amrica, espalhados por diversas residncias, pois,
por ordem de Sebastio de Carvalho, so impupera a9s nossos Superiores a obrigao de vigiar, paa que nenhum de ns pudesse
afastar-se pata longe da regio a que fora confinado. Foi-nos
proibido ainda com mais severidade pr p em qualquer terra
fora de Portugal.
Novas cahimias
Entretanto, continuam os adversrios da Companhia a espalhar pelo povo novos panfletos, uns manuscritos, outros impressos. Alegavam,-se as falsas razes pelas quais o Rei fidelssimo
proibira os Jesutas, confessores do palcio real, de nele entrarem.
Acusavam frngidamente os Nossos de terem introduzido no palcio real o Prncipe de Espanha, D. Lus, vestido com o hbito
serfico de S. Francisco, no intuito de o levar ao casamento com
D. Maria, Princesa do Brasil. Falava-se ento do Duque de Cumberland, como pretendente sua mo. Incriminavan os Nossos
no Porto; g,
de serem os instigadores dos tumultos
-populaes
nem sequer servia
ainda, de afimarem que o vinho do Porto
para as missas: ramos ns rus de tanto sangue derramado ('o).

(t')

Todas as mentiras, mesmo as mais desaforadas e inverosmeis, eran aproveitadas e usadas, desde que com elas se pudessem enganar os simples e desacreditar
os Jesutas. Pombal e os seus sequazes no tinham o mais pequeno escrpulo. Mas
infelizmente para eles, nem tudo eram almas simples e crdulas. Lfm dia um dos mais
ardorosos adeptos do partido anti-jesutico, depois de despejar na presena duma
dama muito culta o seu mais longo e belo captulo a respeito dos Padres, recebeu
dela esta rplica : <Mas tudo isso no nada; eu sei a respeito deles uma coisa muito
mais horrvel; foram eles esses medonhos monstros que provocaran o tremor de
terra destruidor de Lisboa!... E o falacioso interlocutor ficou mudo, de boca aberta,
e sau rodando sobre os calcanhares. (nedd. t. f, 137, not.)

Ano de 758

45

Que dizer de todas estas acusaes ? Tudo meras ca!nias.


rams acusados de tennos abusado da liberdade dos ndios.

lT il'Jtill?:,t:

por palavra e por


escrito, estes infelizes indgenas! ns que pusemos freio aos mercadores de escravos! ns que sacudimos da cewiz dos nativos
o jugo opressor da escravido paa fazer deles homens livres!
O testemunho mais eloquente disto o celebrrimo Padre Antnio
Vieira, o restaurador das misses da nossa provncia do Maranho, contra o qual se levantou toda a cidade do Par, por defender acerrimaente a liberdade dos ndios. Arraniram-ro
fora do colgio e encerraram-no numa casa apertada onde
teria perecido se uma piedosa mulher no se tivesse compadecido
dele, e s ocultas olhasse pelo seu sustento. Por fin, atirado com
seus companheiros paa um navio, obrigararn a navegar este
homem, euo no seu tempo, era incontestavelmente o prncipe
dos oradores sagrados (N. A. *).
Bula de reforma de Bento XIV

No dia 2 de Maio de 1758, chega nossa Casa Prode S. Roque a bula (que na realidade era um
breve) da Refonna de Bento XIV, datada de I de Abril (,').

fessa

Este decreto pontifcio parece fundamentar-se no

clebre

(N.A. *) Dos seus muitos volumes, cinco foram traduzidos paa a lngua
latina; encontrarn-se em Colnia com este ttulo: Sermones Selectissimi foecmditate materiarum, sublimitate et acumne conceptuum admirabiles.
(") A autenticidade deste decreto foi muito contestada. Eis o que a este respeito afirma o autor de Mmoires de Pombal: O estado de abatimento em que na
altura se encontrava Bento XIV, com a sade to abalada que j pouca esperana
havia de recuperao, o dio desmascarado contra os Jesutas, do Cardeal Passionei, secretrio dos brevos, as intrigas do Comendador Almada, o o prprio teor do
mesmo Breve, provo@ran as suspeitas bem plausveis do seu carcter subreptcio.
Por tal o tiveram os que se julgam com jt:zo crtico para julgar objectivamente os
factos atravs das obscuridades do Direito Cannico. ( Mmoires de Sbastien
foseph de Carvalho et Mlo, Comte d'Oeyras, Marquis de Pombal -- Secrtaire
et Premier Ministre du Roi de Portugal loseph I, 4 tomos M DCCLXXXIV, pp.
146 e 147.)

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

dor amplos poderes, estes, contudo, no se estendiam Reforma

da Companhia, mas

antes

esta se tivesse infiltrado e e


sempre o recurso S Apost
certo, pelo menos, que o Breve s pde obter-se depois de dois memoriais
enviados a Roma por Pombal, ambos eles eivados de dio e m f. Neles apresentam-s os Jesutas como homens que sacrificam os seus deveres cristos, religiosos,
sociais e polticos a uma ambio cega, insolente, ilimitada, insacivel de adquirir

e amontoar riquezas, e de usurpar os estados soberanos)).


Pombal, t. f, p. 169 e 184)

Cf, Mmores

de

Ano

de 758

A 3 de Maio, morre

47

Bento XIV, confortado com os santos

Sacramentos dos rnoribundos, mas antes ainda publicou

o de-

creto declarando as virtudes hericas do Vener iel Padre Francisco de Jernino, S. J., morto a 11 de Maio de 1716, ilustrado
por m_uitos milagres na vida e depois da morte. Expirou o Sumo
Pontflce nos braos do Padre Pepi (',), clebre missionrio da
nossa provncia napolitana. A respeito deste abrao escrevia um
arguto escritor romano: <<Amou-os at ao fim> (Jo 13rl).
Nesse mesmo ms, o Cardeal Saldanha, envergando as vestes pontifcias debaixo do plio, comparece com um squito
aparatoso na Igreja de S. Roque, eue hoje a Igreja da Miiericrdia, e exi ge a homenagem de todos os Jesutas, como seu Visitador Apostlico ('). Este templo menos danificado pelo terramoto comeou a ser parquia em 1756, e, a Casa Professa destinou-se s orianas rfs.

(")

O Padre Pepi veio a morrer poucos meses depois de Bento XIV, a 29 de


1759, com grande reputao de santidade. Apesar disso, alguns jornais
publicavam pouco depois um lindo inventrio de bens deixados por este humilde

Maio de

religioso. Eis uma amostra da gazeta de Lisboa, de 20 de Agosto de 1759: <O Cardeal
Arcebispo de Npoles fez-se transportar juntamente com o Ministro de Sua Majestade casa dos Jesutas, pouco depois da morte do Padre Pepi, falecido em odor de
santidade. Nos aposentos do defunto encontraram-se 600 onas de oiro em p, no
valor de 50.000 ducados em notas; 1.600 libras de cera; 3 relgios de oiro; 10 vasos
de cobre cheios de tabaco da Holanda i 2W lenos de seda, e uma soma de 300.000
ducados. AIm de tudo isto, tinha este Padre mandado fazer uma esttua da Virgem
em prata macia, de tamanho quase natural; numa palavra , eta to rico que ornamentou a igreja dos Jesutas, em toda a sua extenso de veludo carmesim com gales
e franjas de oiro. Estas e outras, as fantsticas invenes do jornal lisboeta. A verdade, porm, que nem o Cardeal, nem o Ministro se deslocaram qasa dos Jesutas;
e que tais mentiras bem poderiam ao menos inventar-se com menos inverosimilhana.

(nedd.

(")

t. II, p. 5)
Afectou mesmo um certo ar de humildade, chegando a dizpr que estava

ele mais necessitado de reforma do que a Companhia, o que bem podia ser verdade,

diz o autor de Aneddoti. <Coragem!, diz ele ao Padre Henriques, hei-de tratar-vos
com bondade. Mas logo no dia seguinte, se desvaneceram todas estas bondosas
disposies. Queixou-se mesmo de que os Padres no tivessem iluminado as casas
em sinal de regozijo pela sua tomada de posse. Estranha queixa, esta! Querer obrigar
as pessoas a regozijarem-se com os golpes que preparava paa as fustigar! (Anedd.
t. f, p. 168)

48

Mamrias de um Jesuta prisionei,ro de Pombal

Jesutas protbidos de exercer


Ministrios Apostllcos

No dia 6 de Junho, dia natalicio de El-Rei, Cawalho e Melo


dirige-se ao Cardeal Patriarca D. Manuel, que pertencia famlia
dos-Condes de Atalaya, a, duranle vrias horas, pede e urge insistentemente que proba os Jesutas de, desde esse momento, pregar e ouvir Confi3ses. Assevera que isto exigido pelos interesses
do Rei, de todos os seus sbditos e de toda a Igreja. Os polticos
sob o
disfar.arn s.eryp
especioso ttulo
ejas, o
No dia seg
13 do
decreto de proibio. Este decreto
mesmo m, ao colgio de Setbal, onde se encontrava exilado

o Padre Malagrida. Li uma carla cheia de zelo apostlico, que


ele tinha escrito a respeito deste assunto. Nela descrevia a tristeza que se
dolorosas e
espera do
era a festa
natal), eE todo o Patriarcado e em muitas outras dioceses. Roga
ele ansiosa^mente, por Deus, ao Padre Diogo da Cmara, a quem
por esta catta se dirigiu, que y, quanto antes, ter com o Patriatca,
seu parente, e use de todos os meios pata o levar a revogar
este edicto. Foi, de facto, mas encontrou-o j , to perto da moto,
que expiraria, depois de poucas horas, pata dar contas a Deus,
diante do qual no contam dignidades humanas ('n).
(") Para honra do Patriarca, deve dizer-se que ele no morreu sem antes ter
retratado o seu prprio proceder, e chorado a sua culpa. De resto, antes de assinar
a sentena de interdito, mantivera com Pombal uma luta de cinco horas, vindo por
fim a ceder, mais por temor do que por convico. O Ministro aneagou-o de o despojar da sua prpria Sede, e de envolver na desgraa dele todos os membros da prpria famlia, se se r@usasse a ceder aos seus desejos. O Patriarca bem sabia que as
ameaas de Carvalho nunca ficavam s em palavras. Passou toda a noite a chorar
a sua fraqueza. No dia seguinte, retirou-se para o campo, o a amargura e o remorso
foram tais que o fizeraur sucumbir dentro de poucos dias. Antes de morrer, er(arou
um protesto contra a violncia de que tinha sido vtima; mas o Ministro nunca permitiu a sua publicago. (nedd., t. I, p. 177)

Frontespcio de outra obra importante de von Murr Geschichte


in Portugal unter der Staatsyerwaltung des Marquis von
Pombal, Nrnberg, 1787, em 2 volumes. Esta obra pode ser consultada na B. N. L., R 34875-6 P.
der Jesuiten

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Frontespcio da primeira publicao em francs das Memorias do P. Eclnrt:


Les Prisons du Marquis de Pombal, Ministre de ,S. M. Le Roi de Portugal (17 59-1777), no volume IX da imensa obra de A. Crayon Documents indits cencernant
la Compagnie de Jesus, em 23 volumes, Paris, Poitiers, 1865. Esta publicao em francs das Memorias do P. Ectnrt e uma traduo bastante livre ciu., por vezes, chega a ser
adaptao.

Ano de

1758

Dois bispos seguiram este exemplo apenas para agradar a


Carvalho e Melo
o de Miranda e o de Leiria. O primeiro que
era da famlia dos-condes de Miranda, da Ordem dos Pregadores,
redigiu o seu interdito comeando por estas palavras: E bem sabido
de todos e cada uffi, e pereitamente claro, qunntos danos os Jesutas trouxeram lgreja Catlica nAS quatro plagas do Mundo, etc...
E basta. Pelas garras se conhece o leo, pelo gorjeio se conhece
o pssaro. O segundo, D. Joo Cosme da Cunha, Cnego Begular de Santo Agostinho, que depois veio a ser Arcebispo de Evoa,
usou ainda um estilo mais custico, segundo a afirmao de um
jurisconsulto annimo e historiador invulgar. Diz este que de
pasmar como que um bispo de uma das mais pequenas dioceses
do pas, publica um decreto to incisivo e generalizado contra
um ordem religiosa. Muitas outras coisas recordo ainda que
propositadamente omito.
O novo Patriatca,-Francisco de Saldanha, sucessor de Manuel
Jos da Cmara Atalaya, desmascarou-se a si mesmo com a
carta pastoral em que acusa os Jesutas de comrcio proibido
aos clrigos. Na vida de Constantino Magno, l-se que este piedoso
imperador-o primeiro a defender a Igreja e a trabalhar pela
sua dilatao, tornando-se assim um exemplo pata todos os ouafirmava eue, se algum sacerdote pecasse publitros prncipes
- a sua prpura,
havia de encobri-lo para evitar
camente, ele, com
todo o escndalo no meio dos fiis. Mas, aqueles que hoje em dia
se orgulham, no s de ser fiis, mas que se dizem fidelssimos,
a flor da Cristandade , fazem de um regatozinho um rio; de um
gro de areia uma montanha; olham sempre os defeitos alheios
com culos de aumento; e tornam pblicos os defeitos que eles
desmedidamente exageraam. Isto levou os nobres da Corte a
fazercm este irnico comentfuio: Saldanha no o Reformador,
mas sim o InamAdor. Mas aquele documento tecido de monstruosas mentiias atraioa o dedo de Carvalho e Melo ('u), que
(ru) Este documento foi geralmente atribudo pela opinio pblica ao prprio
Pombal. Com efeito, era datado de 15 de Maio, e o Cardeal s em 2 do mesmo ms
recebera de Roma a nomeao de reformador. Toda a gente se perguntava com
espanto como que o redactor deste decreto pde em apenas treze dias investigar
com segurana um assunto que exigia longas pesquisas e numerosas informa@s
de pases e continentes to longnquos. Como pde ele em to pouco tempo veri4

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

50

deu a comer ao Patriarca Saldanha aquilo que este no preparaa.


O Padre Antnio Moreira, meu companheiro nesta residncia
de S. Flix, testemunha ocular desta trama insidiosa, ps eloquentemente em claro, durante muitos anos, a sua falsidade. Esta
refutao, que passou pelas minhas mos, foi transmitida a Cle-

mente XIII.

Defesa apresentada pelo Padre Malagrtda ao Papa

Tambm o Padre Malagda, vendo um tal desaforo nestas


infamantes publicaes, tomou sobre si a defesa dos seus colegas
do Llltramar. Comps uma apolo Eia, num estilo muito digno,
que pudesse cheg a todas as mos, e enviou-a ao Papa Clemente
XIII. Comeaya ela assim: Beatssimo Padre. Que triste espectdficar a veracidade duma acusao to grave, imputada aos Jesutas das quatro partes
do mundo? Responde ironicamente o autor de Mmoires de Pombal: O Cardeal,
para elaborar um juzo definitivo sobre to grave e delicada questo, no precisou
de citar nem interrogar nenhum Jesuta, nem de examinar documentos, ou contactar
testemunhas, nem sentiu necessidade de ulteriores investigaes, porque, como afirmava no prprio documento publicado a 4 de Junho, a verdade de todos os factos
nele enunciados ea evidente e notria. Quatro dias de ponderao politico-filosfica bastaram-lhe para fazer este irrefragvel raciocnio: Os fesutas so iguais
em toda a parte; os mesmos hbitos, o mesmo nome, o mesmo regime, o mesmo sistema;
ora os de Lisboa fazem comrcio ilcito e escandaloso, logo todos os fesutas o fazem
igualmente.

E que comrcio era o que Saldanha atribua aos Jesutas de Lisboa? Os Padres
tinham, de facto, nesta cidade um depsito de mercadorias, que faziam as vezes de
moeda. Vendiam-r&s, como qualquer particular pode vender o produto das suas
terras, e o preo delas era empregado no sustento dos missionrios da Amrica, que
no possuam outros recursos. No era comrcio propriamente dito. (Anedd. t. I,

p.

170

Para avaliar justamente a boa f que presidiu redaco deste decreto, recorde-se que o Cardeal Reformador s foi a S. Roque uma vez, em 31 de Maio, para receber as homenagens da comunidade da primeira residncia da provncia, e informar
a todos que ia entrar no exerccio do seu cargo. Ora nesse dia o decreto que condenava os Jesutas como culpados de comrcio jl tinha sido redigido e assinado havia
duas semanas. (Mmoires de Pombal, t, f, p. 213)

Ano de

5l

1758

culo tudo isto ! Que repentina metamorfose ! Neste porto, donde


outrora tgntos pregadores evanglicos costumtvam partir para a
firtca, sia e- Amrica, vm agora ancorar os naus carregadas
de missiondrios que voltam das misses. No que eles, exaustos
com a sua actividade apostlica, anseiem regressar sua pdtria,
na Europa, mas, como que fulminados por um raio, com estupefaco do povo cristo, eles so obrigados pelas autoridades rgias
a abandonar o seu campo apostlico, so expulsos das misses pelo
prprio governador por ordem do Rei, so lanados para fora
- a ignomnia, atraioados pelos ltomens, esm*delas, marcados com
gados de calnias como sedutores, traidores e proclamados inimigos do Estado. Eles, gu nunca deixaram de ser os propugnadores
da paz e da concrdia! Ai de mim! No sei para onde me voltar!
Onde estard a causa de tamanha calamidade ? A quem atribuir a
culpa desta to horrvel tragdia ? A Sua Majestade Fidelssima ?
Mas, este augustg rtlho dos piedosssimos Reis, D. Joo I/ e
D. Mariana de ustria, oi educado com todo o esmero nos sos
princpios de um prncipe religioso, cuidadosamente formado pelos
padres da Companhia e dcil
os,
ores
que erom da sua conscincia
tant
em
ua
Prioutros a causa de to nefasta
meiro-Ministro, Carvalho e Melo, no andarei longe da verdade.
Este autor de tanta runo, obcecado pelo esplendor do nome da
nossa Companhia, que lhe ofuscava os olhos injectados de inveja,
satricos, espalha-

todaaterraeas

5). Estas publicao eivadas de dio

to cruel, virulento, implacdvel, 8u, se estivesse na mo do

seu

ia de Deus, vingador severo dos


Doutores da
pecados dos
ardentemente a honra de Deus.
o Tribunal da Sagrada Inquisio,
,Se o ministro
acuse o Cria Patriarcal, acuse o Desembargo do Pao, acuse os

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

trs magistrados, QU aprovaram o meu sermo e concedernm outorizao para o publicar, etc...
Todas estas asseres do Padre Malagrida posso eu confir-

m-las tambm. No Par, vi impressas muitas pginas deste


gnero cujos autores filosofavam descaradamente sobre o tremor, agita,o e inclinao da terra como se caminhassem nas
profundezas dos abismos, e vissem escondidas as portas tenebrosas da terra. Contavam eles j os anos que levaria a cidade
de Lisboa, recentemente construda, a desabar de novo; segundo
o vaticnio destes insgnes adivinhos tal o tempo que se requer
pata, nas cavernas subterrneas daquela cidade martiffi, se
acumular, arrastada pelas guas, a camada de betume e enxofre
capaz de prodtrzir um novo terramoto. Eu prprio li este sermo
do Padre Malagrida que me foi transmitido em Setbal. Estava
ele munido das trs aprovaes requeridas paa a sua publicao:
Licena do Santo Ofcio, do Ordin fuio e do Desembargador do
Pao. LJma destas licenas citava as prprias palavras que o
Padre Malagrida pronunciou, quando no dia I de Novembro
de 1755, estando a ouvir confisses na nossa igreja de Santo
Anto, viu tremer convulsamente as enormes pedras do templo:
O meu corao estd firme, Deus, o meu corao estd firme
(.s/ 56,8).

Reaces BuIa Pontifcia

Volto, agora, Bula Pontif cia de Reforma da qual o Padre


Lorenzo Ricci nenhum conhecimento teve antes de ser publicada.
Pois os nossos adversrios fizeram sobre isto absoluto segredo,
conhecedores como eram de que o Geral, se o tivesse sabido antecipadamente, nunca o consentiria i a, se fosse obrigado por um
poder mais alto a dar esse consentimento, nunca admitiria um
Visitador que no fosse da Companhia. Quando o Sumo Pontifce concedeu que se flzesse a Visita, o Rei declarou logo, com
palavras bem firmes, guo s aceitaria por Visitador um Cardeal
nomeado pela Santa S. Apenas o Geral o soube, recorreu logo
a Clemente XIII e ofereceu-lhe um opsculo, em que lhe demonstrava que os prejuzos que adviriam desta visita seriam muito
maiores do que as vantagens.
No faltou quem comeasse logo a roer com dentes veneno-

Ano de

1758

sos este relatrio oferecido ao Papa. Sau a lume um novo artigo


anniillo, escrito maneira de carta familiar a um amigo, num
estilo t,o mordaz que excedia tudo quanto de sarcstico se publicaa at ento. Nele se amontoavam acusaes sobre acusaes,
tudo quanto por quase dois sculos os.inimigos da Companhia
tinhani vomitdo ontra ela, quer na ndia, quer em toas as

m, nem sequer o Geral , a qqep- com


veis apresenta como homem trivial. Ao
oriador oficial da Companhia, descreve-o o mesmo autor annilo, como um ridculo forjador de fbulas mentirosas. E assim a todos os mais. At os Santos jesutas
divide em duas classes: os Santos da Companhia, que so pouqussimos, e os Santos no Companhia que so muitssimos, porque
tdos os Jesutas se f,ngem Santos e querem ser tidos por tais.
Por essa mesma altura, sau a lume um opsculo com este
not vel ttulo : Resposta da Sagrada Congregao dos Cardeais
oo ofcio de 31 de Julho de 1758 opresentado a Sua Santidade pelo
M.R. Geral da Companhia de Jesus. Mas, provando-se, pouco
e a maneira insidiosa como nele
depois, a sua absol
se apresentam os fa
em praa pblica,
baixador de Portu
dos mais ntimos amigos de Ca
e moveu cus e terra para obter a liberdade do prisioneiro. Mas,
no o conseguiu, apesar das luvas verdadeiramente rgias que

prometia

('u).

(") Parece certo que este, como muitos outros libelos aparecidos por aquele
tempo contra os Jesutas, se imprimiram em Roma no prprio palcio do embaixador de Portugal. De facto, Almada, vendo as vantagens que uma tipografia ao seu
dispor lhe ofereceria para a realizao dos seus desgnios, contratou, fora de promessas e de dinheiro, um Italiano, chamado Pagliarini, que tinha sido um simples
livreiro, a dirigir no seu prprio palcio uma imprensa clandestina. Comeou ento
a sair a lume uma multido de livros sob a falsa origem de Lugano, qve irradiavam
da embaixada. Almada ps disposio do impressor uma varanda do seu palcio,
para mais depressa secar as folhas dos livros que ali eram vistas pelas religiosas do
mosteiro de So Loureno. Estas comunicaram to estranha exposio s pessoas
que as visitavam, e assim se despertou o alarme. Tornou-se deste modo pblica a
verdadeira fonte donde jorrava a enxurrada de libelos que infestavam a cidade de

54

Memorias de um ,lesuita prisioneiro de Pombal

Mas venhamos agora ao nosso reformador, o Cardeal Saldanha. J, o Cardeal de Solis y Cordoy, Arcebispo de Sevilha,
o aconselhara a que moderasse um pouco o rigor da sua autoridade para com a Companhia que tinha obrigao de defender,
e se no deixasse influenciar tanto pelos inimigos dela. Pois a
sua sentena condenatria seria uma ndoa contra a Santa S.
Vlslta ApostItca de Saldanha Companhla
Eis como decorreu a visita apostlica de Saldanha Comu por exigir aos
do Ultramar, os
despesas e receit
ram e rebuscaratrn, effi vo, sem conseguirem descobrir os imensos
tesouros que Sebastio de Carvalho vislnmbrava e cobiava. No
havia uma casa gue, sobretudo depois do terramoto, no estivesse atolada em dvidas. Os colgios de Coimbra e do Par, que
eram os maiores
o primeiro com cerca de 2N religiosos, e o
segundo com 100- deviam ajudar os que estavam em maiores
- desembaraar-se das suas dvidas. Imps
diflculdades a tentar
proibio
ao Provincial a
absoluta de fazer qualquer trasferncia
dos sbditos de uma casa para outra. No fez visita cannica a
comunidade alguma, como a bula pontifcia lhe permitia.
No dia 31 de Julho, ainda pude celebrar pela ltima yez,
embora com liberdade limitada, a festa de Santo Incio. No dia
seguinte, celebrava-se a de S. Flix, padroeiro da nossa Igreja.
As primeiras Vsperas so acompanhadas de msica, maneira
do Minho. IJm gaiteiro munido da gaita de foles e um moo ru-

Roma, tais como: Reflexes sobre o Memorial dos lesutas; Os Lobos desmascarados
pelo P. Dinelli, Dominicano, etc.. Mons. Caprara, Governador de Roma, mandou
fazer uma sindicncia para descobrir o impressor, e Pagliarini, confessando o crime,
foi condenado s gals, donde sau passado algum tempo, e se retirou a Npoles.
Pombal , o sab-lo, passou-lhe carta de nobreza, com um alvar de secretrio da
Iegao, uma penso anual de I .200 escudos, e um prmio de 6.000 escudos. Mais
tarde, chamou-o a Lisboa, confiando-lhe a direco da imprensa real, e, depois de
lhe ter obtido de Clemente XIV um breve de reabilitao, nomeou-o cavaleiro da
Espora de Oiro. (Mmores de Pombal, t. II/, p. 27 e f82)

Ano de

1758

fando o tambor. Cada vez que termin ava um salmo entoado por
sete clrigos, rompia a gaita com uma rufadela, em suavssima
sinfonia. Na regio do Minho no se concebe uma festa sem este
melodioso concerto. Bstas gaitas de foles so to apreciadas pelo
povo, que quando algum quer troar de outrem, Ihe atira cara
este insulto: <<Nem tens um gaiteiro de foles na tua famlia>>.
No dia 27 de Agosto, faleceu a Rainha Catlica, D. Maria
Brbara, esposa de Fernando VI, e filha de D. Joo V. Troaram
a anunciar a sua morte os canhes da fortaleza de Tuy. Esta cidade da Galiza ergue-se nnma colina, frente nossa residncia de
Sanfins, cerca de um quarto de hora de distncia. O comandante
daquela paa militar espanhola foi delicado paa connosco, despachando a nossa correspondncia com o Padre
vedra (cidade situada entre Tuy e Santiago de
l, paru Madrid e Roma. Em Portu3al, o correi
confiana. Como testemunho da grande estima desta Rainha
pela Companhia, basta recordar que em seu testamento legou
212.N0 cruzados ao Padre Borrotr, da CompaUhia de Jesus,
paa serem aplicados s misses da China e d ndia Oriental.

Atentado contra D. Jos

Vamos agoa quela noite fatal e nefasta que frcar para

sempre memorvel nos anais da Histria de Portugal. Recordo


a lembrarta tristssima da sacrlega agresso que se diz ter sido
cometi
I por homens ilustres e insignes p
squecidos do respeito e fidelidade
sei que o que vou dizer anda
na boca de toda a gente, mas sendo tantas e to variadas as opinies sobre esta matria, e tendo sido divulgadas nas lnguas de
quase todas as naes, vou descrever em poucas palavras inteira-

mente verdadeiras, eunto a memria me permite, aquilo que


H e ouvi.
Tinham passado apenas um ou dois dias sobre o atentado
e j o rumor de to nefando crime chegara provncia do Minho,
onde eu me encontrava. EntravLm j, na suspeita famlias ilustrssimas e de alta nobreza. At mesmo s fronteiras da Galiza chegara o nome da formosa Isabel, filha do marqus de Tvora,

Memorias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

paa defender a honra da qual, muitos afirmam, se forjou esta


cruel histria.
Dizia-se que o rei fora gravemente atingido por uma arma
o que lhe provocata uma ferida no brao. Em nome dele promulga-se um decreto conferindo rainha plenos poderes paa
assumir as rdeas do governo. Por todo o reino se espalha uma
contnua murmurao, receando-se com taz"o, que isto acabe
em sanguinolenta tragdia.
Passados trs meses, nos princpios de Dezembro, por todas
as fortalezas de Portu Eal, soam ( s canhes como sinal cie alegria
pela sade restituda ao rei. O mesmo festivo fragor deste troar
de canho chegou
io Minho,
frente Galiza.
Filipe de
Nri tm escolas
de Capuchinhos, h um outro de freiras franscicanas. Che garam ordns
para que em todas as Igrejas se cantasse um Te Deum em aco
de graas por esta inteno. Mas, Sebastio Jos, propositadar._qente, nada comunicou s igrejas da nossa Companhia. Apesar
disso, na igreja da nossa Resid ncia de Sanfins, qrr. ao mesmo
tempo parquia, associmo-nos a este hino de ac,o de graas,
com velas acesas na mo.
Poucos dias depois, cinco infelizes nobres sentiram na sua
pele que os deuses terrestres tm ps de l e mos de ferro. O duque
de Aveiro, o marqus de Tvora, seus dois filhos e seu genro,
conde de Atouguia, com vrios outros, so agrilhoados e atfuados paa um crcere perto de Belm. (N. A. *) Diz-se que o duque ao ser algemado exclamou: E assim que se trata um duque
em Portu gal desta maneira t,o indigna ?.

(N.4.*) Tomou este nome de Belm por causa do mosteiro dos Eremitas de
S. Jernimo, dedicado Virgem Maria com o ttulo de Nossa Senhora do Bom
Parto. O rei D. Manuel f, que o erigiu, jaz sepultado nele. A 13 de Junho de 1,777,
eu mesmo, celebrando missa neste sumptuoso templo, ainda pude ver um pano negro
estendido sobre o lugar da sua sepultura. Tambm sua esposa, D." Maria, tem ali
o seu mausolu; tal como D. Joo III com sua esposa D. Catarin, o Cardeal-Rei
D. Henrique e D. Afonso VI.
Segundo Plato, esta Ordem dos Jernimos teve como fundador Pedro Fernando,
que abandonando a corte de D. Pedro, rei de Castela, e levando consigo para a vida
solitria alguns companheiros fundou, pelo ano de 1383, esta ordem, que foi con-

firmada por Gregrio XI.

Ano de

1758

A marquesa de Tvora, que acompanhata seu marido para


Goa como Vice-Rei da india, entregue sob priso s monjas
que seguiam a regra de Santo Agostinho (N. A.*).

o cocheiro. Felizrrente errou o alvo. Os cmplices do duque,


como dois demnios encarnados, mesmo a correr apanharam

(N.4. *) Neste panteo, perto de Lisboa, que se chama, vulgarmente, Convento das Agostinhas Descalas do Grilo, repousam os restos de D. Lusa de Gusmo,
mulher de D. Joo IV.

58

Memorias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

praa pblica a carruagem usada pelo Rei naquela infausta noite,


perfurada pelas balas, que no eram de chumbo mas de ferro (,r).
Para que nunhum dos rus pudesse escapar, espalharam-se
guardas por todas as fronteiras do reino, que revistavam minuciosamente todo aquele que tentasse sair do pas. Apesar da constante vigilncia de dia e de noite, ainda conseguiu evadir-se Jos
Polica{po de Azevedo, um dos implicados no atentado ao rei.

(tt) , certo que o atentado no era contra o Ministro, com o Deutscher


Merkur (Setembro de 1777) parece insinuar. A afirmao de que o Rei usara a crruagem do Conde de Oeiras no tem fundamento. Ele costumava deitar-se s 3 ou
4 da manh; meia-noite, o Secretrio de Estado ia ter com ele, e dirigiam-se os dois
paa uma sala do palcio, sob pretexto de conferenciarem sobre assuntos de estado.
Na realidade, porm, o objectivo do Rei era furtar-se ateno ciumenta da Rainha
que nunca o perdia de vista, nem sequer nas caadas. Quando esta o julgava todo
ocupado no governo do pas, escapava-se ele s escondidas para o ptio, onde o
esperava uma carruagem para o levar ao palacete da jovem Condessa de Tvora.
Entretanto, o Marqus ia fazendo tempo at o Rei voltar. Naquela noite o Rei voltou
ferido do seu passeio nocturno. O Marqus de Tvora foi um dos primeiros a apresentar ao Soberano o seu pesar pelo acidente sofrido.
Encontrou ento o Secretrio de Estado sossegadamente sentado ao p da cama;
levou-o janela para lhe exprimir o espanto que sentia pela indiferena que o Ministro
manifestava perante to funesto acontecimento. Ao que o Ministro retorquiu: <O
Marqus sabe bem como a Rainha ciumenta; no prudente se deixe constar que
o Rei foi ferido numa aventura nocturna. Melhor dizermos que se feriu num brao
por efeito duma queda>. Mas isto foi apenas um astucioso disfarce de Pombal para
que o Marqus de Tvora no desconfiasse da terrvel espada de Dmocles, que tinha
suspensa sobre a cabea. E assim, os rus desta suposta conjura ficaram-se tranquilos
em suas casas, sem se perturbarem com a movimentao de tropas da provncia
paa Lisboa, sob pretexto de irem ser utilizadas para a reconstruo da cidade. Sabia-se, sim, que alguns criminosos, verdadeiros ou supostos, iam ser presos. E de facto,
as famlias acusadas deixaram-se prender com uma indiferena que causou geral
espanto.

Todas estas e outras circunstncias originaram grandes dvidas em todos os


que no consideram como palavra santa e infalvel todas as sentenas dos tribunais
pblicos. Ter sido takez o equvoco de algum que numa emboscada aguardava
o coche do seu inimigo, e por engano disparou contra o coche do Rei.
O Dirio Florentino de 15 de Setembro de 1778 d assim por terminada a reviso
desta causa: <<Corre aqui em Lisboa o boato de que j est concluda a reviso do

Ano de

1758

Prometiam-se 10.000 cruzados a todo aquele que indicasse o


paradeiro do fugitivo: aos portugueses-ou-a qqalquer estrangeiro.
Esquadrinham-se todos os esconderijos de Portu gal e procura-se minuciosamente em todos os lugares por onde pudesse
ter escapado. Enviam-se a todas as partes do mundo sujeitas ao
rei fldelssimo, homens muito sagazes euo, como ces de caa,
tentam espantar a fera do seu covil. At no Brasil caftam sobre
um homem euo, antes tinha sido religioso da Companhia, e a
se chamar Policarpo.
ompanhia em Lisboa
professa de S. Roque,
) de Borja, 3.o Geral
fundada durante o g(
da Companhia; o colgio de Santo Anto; o colgio de S. Francisco Xvier; a casa do Noviciado da Cotovia, assim chamada
devido ao nome da colina em que se encontrava situada, que
foi depois colgio dos Nobres; o seminrio irlands de S. Patrcio;
a resincia de S. Francisco de Borja, Procuradoria das provncias ultramarinas; e o Noviciado de vocaes paa as misses
de Goa, Japo e China, vulgarmente chamado de Arroios. Esta
casa foi depois cedida a umas lgligiosas. Proibig-se estritamente
a todos os Jesutas qualquer sada de casa; a miI, porm, ainda
me foi entregue um cafia escrita do colgio de Santo Anto
pelas festas do Natal (").

processo do to falado regicdio, o que S. Majestade j nomeou quatro ministros


para promulgar a sentena. Diz-se que o tiro que feriu a sagrada pessoa do Rei no
foi disparado contra ele, mas sim contra o ajudante de cmara de S. M., que costumava passar de coche por aquele lugar a certas horas da noite. Acrescenta-se que os
Marqueses de Tvora e Atouguia no tomaram parte alguma no suposto crime.
Afirma-se ainda que o jovem filho do Duque de Aveiro vai receber de S. M. os vnculos e o ttulo de Marqus de Gouveio. .4.)
(,t) O Cardeal Saldanha fez-nos intimar a proibio expressa de sairmos, sob
pena de pecado mortal. To rigorosa medida causou geral espanto. O Nncio Acciajuolo, quando pediu explicaes, recebeu a ingnua resposta de que tal atitude para
com os Jesutas foi tomada com o fim de os defender da indignao do povo, que
de certo assalt ara as suas casas paa os massacrar impiedosamente, o saber que
estavam implicados na conspirao da nobeza contra a vida do Rei. (Anedd. t. f,
p. 206)

ANO DE

1759

Encarcerados os prlmeiros Jesutas

Venho agora ao ms de Janeiro, cujo primeiro dia foi outrora sempre to alegre. Mas, neste ano de 1759, Janeiro ficar
peqpetuarnente de tritssima memria para as casas de Portugal.
O dia 12 deste ms, frcar, funestamente assinalado na lembrarLa
de todos, pela fercz sentena lavrada contra seis rus de sangue
nobilssimo e cinco outros, ro Palcio de Nossa Senhora- da

Ajuda de Belm. Este mesmo dia jamais se apagar na lem-

brana de todos os membros da Assistncia Portuguesa que viram


dez dos seus mais insignes membros, insignes pela sua autoridade,
doutrina e piedade, atirados para uma enxovia como criminosos.
Foram eles o Padre Joo Henriques, Provincial da Companhia
de Jesus em Portu gal; o Padre Gabriel Malagrida, missionrio
apostlico; o Padre Jos Moreira. confessor do Rei e da Rainha; o Padre Timteo de Oliveira, confessor do Prncipe do Brasil
e da Duquesa de Bragana; o Padre Jacinto da Costa, director
espiritual do prncipe D. Pedro; o Padre Francisco Duarte, historiador da Provncia Portuguesa; o Padre Incio Soares, professor de teologia no Colgio das Artes de Coimbra; o Padre
Joo Alexandre, Procurador Geral da Provncia do Malabar;
o Padre Joo de Matos, Procurador da Casa Professa; o Padre
Jos Perdigo, Procurador da Provncia Portuguesa.
O dia seguinte, 13 de Janeiro, foi assinalado por um espectculo macabro, nunca visto em Portugal desde o conde D. Henrique.
Na Praa do Cais, junto margem do Tejo, levantou-se o cadafalso olhando o Palcio Real de Belm; alm das tropas de cavalaria e infantaria apinhava-se uma multido imensa de gente.
O primeiro dos condenados a chegar foi a marquesa Leonor
de T xora. Ao aproximar-se do cadafalso levantou os olhos ao
cu, soltando um gemido. Diz-se que ofereceu ao algoz os seus
brincos, acrescentando que bem sabia que ele nenhuma culpa

Memorias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

tinha da sua desgraa; depois exortou-o a fazer ((com limpeza>>


o seu trabalho. Com admir vel fofialezq ofereceu espda a
cabea, que foi decep ada de um golpe. marquesa seguem-se
seus fllhos, Jos Maria e Lus Bernardo; seu genro, conde de, Atouguia; Brs Jos Romeiro, cabo de esqu riira; Manuel lvares
Ferreira e Joo Miguel, ambos criados do duque de Aveiro. Jos
Maria de Tvora, ainda na flor dos seus 24 aros, ajudante de campo
de seu pai, guando Governador da Pro ia da Beira, protestu
solenemente diante de Deus, Supremo Universal diante de
Quem vai comparecer para Lhe dar con que ele no tem conscincia nem da mais leve culpa cometida contra o rei. Estes seis
desgraados foram barbaramente estrangulados e rodados.
seguida, o marqus Francisco de Txora
e o o*pareceram,em
duque de Aveiro, tidos como os principais conspiradores.
Com horrorosa crueldade quebraram-lhes as mos, os braos,
os ps e as pernas. Diz-se que o duque exclamou: oh! que morte
horrenda! Esta carniflcina prolongou-se pelo espao de oito
horas, desde as 7 horas da manh, at s 3 horas da tarde. As duas
ltimas vtimas desta macabra tragdia foram os criados do duque
de Aveiro, A:rtnio lvares Ferieira e Jos Policarpo Azeveo,
que tinham alvejado o rei. 9 primeiro foi amarrado a uma coluna
e queimado vivo; o segundo, que conseguiu fugir a tempo, foi
queimado em efgie. Finalmente, pegaram fogo ao cadafalso
com os cadveres das desgraadas vtimas desta terrvel justica>>)
e as chamas tudo devoratam. As cinzas foram lanadas ao Tejo.
Tal foi o desenlace desta horrorosa fiagdia, nunca at ento
vista neste reino. Houve um mouro, testemunha deste trgico
acontecimento que gritou: <<Viva el-Rei, morram os velhacos.
No dia seguinte, apareceu morto no meio da paa. Dizem que
Carvalho e Melo (embora custe, foroso tiz-lo) do seu palcio
em Belm, contguo ao palcio real, presenciou pela janela esta
carnificina, enquanto tomava o almoo. Nem receou que a
execuo de cidados to nobres viesse a afiaft o dio sobre si
e a sua posteridade: pois, foi sempre prprio do invejoso vangloriar-se dos seus actos mais ignbeis como se de uma gande faanha se tratasse.
Passados poucos dias, sau a pblico a sentena que continha mais pginas do que razes slidas. Da marquesa (a quem
se nomeia s por Dona Leonor) afirma-se que era uma mulher
inchada de orgulho. Diz-se que ela teria um dia afirmado: <<Em
Portu gal, pouco caso se faz dos carvalhos. Os carvalhos, rvores

A,no

de

1759

63

de madeira muito dura e de casca spera, encontram-se nesta


terra mesmo em terrenos ridos, entre seixos e solo rochoso. Este
motejo sarcstico aludia ao Primeiro-Ministro, Carvalho e Melo.
A marquesa teve contra si mais este crime: atreveu-se diante de
muitas pessoas a qurmurar contra a poltica da corte. Prova-se
mais, prova-se mais assim comeavam todos os pargrafos
- causa judicial. Conhecida no estrangeiro
de que se compunha esta
esta sentena e examinada em pormenor, pargrafo por pargrafo, foi considerada pelos mais eruditos jurisconsultos como
carecida de qualquer fundamento jurdico. Neste arbitrrio e
intricado julgamento esto envolvidas tantas contradies que
dificilment podem destrin (N. A. *).
Acumulam-se tormentos sobre tormentos; carrascos cruis
Lmontoam crueldade sobre crueldade, usando maas de ferro
e toda a espcie de torturas. Sebastio de Carvalho procurou
convencer-se de que com este sangue nobilssimo, t,o prdiga
e cruelmente derramado, no s no se contaminaria, mas at
ficaria honrado. Quem poderia persuadir-se de tal coisa ? S ele!
(N.4.*) Um certo londrino comea deste modo a apologia das liberdades
no seu pas. <<Havia um francs to ufano da sua prpria pttia, que apenas se levantava, caa de joelhos e de mos postas dava infinitas graas a Deus por ser francs.
Muito mais razo tenho eu para me alegrar por ser ingls, pois gur por ter nascido
na Inglaterra, gozo entre os homens de plena liberdade e posso viver como quero.
E se comparo a minha feliz sorte com a triste condio dos que vivem oprimidos
pela prepotncia dos Estados de outras naes, no tenho palavras para agradecer
ao Deus clementssimo de quem procede todo o bem. Sobretudo, se lano os olhos
sobre o desafortunado reino de Portugal, onde s se vem cenas terrveis, cruis e
tirnicas e por toda a parte a tristssima imagem da morte; onde as mulheres so
obrigadas a sofrer as consequncias dos erros dos maridos, se que estes os cometeram; onde os filhos tm de pagar pelas culpas dos pais; onde os argumentos alegados numa sentena so to fortes, que no nosso reino da Gr-Bretanha nem suficientes seriam para a condenao morte de um homem da mais baixa ral. Mas,
no assim em Portugal, onde tais argumentos bastam para condenar aos mais atrozes
suplcios as famlias principais, mais ilustres e antigas; onde se podem presenciar
condes, marqueses, duques, os mais altos cortesos do pao real, vice-reis da ndia,
expostos ao infame tormento da roda, nas mos violentas dos carrascos, que os atormentam com barras de ferro, sujeitos s mais cruis torturas e a morrer num mar de
sangue, Estremece-me a pena de horror e congela-se-me o corao.

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

Conta-se gue, quando um dia apresentaram a Lus XII, rei


das Glias, uma longa lista de inimigos seus paa o levarem a
vingar-se de todos eles, em yez de os condeflai, aps sobre eles
uma cuz, indicando por este acto que a todos perdoava de corao as injrias recebidas. Carualho, porm, gue deveria recordar
ao rei ofendido a lembrana da piedade de Lus XII, da clemncia
de Augusto, da benignidade de Csar, no teve vergonha de suplicar de joelhos, insistente e veementemente ao rei, gue desse exemplo d.e extrema severidade para com os rus e lhes aumentasse
o mais possvel as penas. Livra-te de perdoar, que esta voz no
de um homem, nem para um homem assim dissera Tlio
- no um pag,o, mas
Ccero. Que o rei no perdoe, assim clamou,
um cristo; queime-se a fogo lento, derrame-se leo, ateie-se
a fogueira.
Nem os vizinhos espanhis puderam abster-se de condenar
nao Lusitana um acto t,o brbaro. Li vrios poemas satricos
em que se aludia oitava da Epifania do Senhor, o dia desta t,o
cruel execuo. O processo de condenao foi precipitado afirmavam: quando aun el caso estava nudo y crudo>. O processo
era um atabalhoado de contradies que estavam por esclarecer.
Os rus proclamavam-se inocentes.
Muitas coisas se poderiam ainda acrescentar a esta monstruosa sentena, mas so t,o incrveis que o mais difcil acreditar nelas. Por exemplo, que os conjurados, nobres e com grandes
fortunas, tenham remunerado por suas prprias mos os agressores do rei; a saber: um deu seis moedas de oiro, o segundo deu
oito e o terceiro deu vrias.
Quem pode persuadir-se que homens t,o prudentes cassem
numa tal loucura que fossem manifestar a cinco criados uma
coisa que eta to secreta ?
O mais incompreensvel, porm, gue de tantos que estavam
conhecedores deste crime, ro espao de trs meses e mais, s um
fugiu. Grande a fora da conscincia, duplamente grande, que
leva os que nenhum mal fizeram a nada temer, e os que pecaram
a temer sempre o castigo que tm diante dos olhos. O marqus
de Tvora, ao ouvir que o seu filho tinha sido preso por esta
inqua agresso, comeou logo a agir.
O duque no seu palcio beira Tejo, arrancado da cama
ainda de noite: diz-se que ainda desembainhou a espada paru
se defender.
A sentena afirmava que os rus se confessaram culpados:

Ano de

1759

com az,o se pode perguntar se faeram tal declara,o espontneamente ou fora de torturas. Conta-se que puseram na cabea

do duque uma coroa de ferro com espinhos agudos e que lha

caffegara:m, com suma violncia. E isto feito pelo prprio Carvalho


e Melo ou, pelo menos, t sua presena. Nem esta sentena, nem
o conjunto dos factos conhecidos, que mesma causa dizem respeito so coerentes. Na sentena afirnta-se que os rus confessaram a sua culpa; dos factos deduz-se o contrrio. E que dizet
dos juzes escolhidos pelo Presidente do Conselho, Cawalho e
Melo, que foram todos obrigados, quisessem ou no, a subscrever
esta severssima sentena? Houve um eue, tendendo paa um
parecer mais benigno, teve a coragem de aflrmar que tal confisso,
arrancada por meio da tortura e depois negada, no tinha qualquer valor jurdico. Pois este juiz foi obrigado a retirar-se para
uma quinta que possua La Beira, e, com muita honra paa ele,
demitido da magistratura. Note-se que do Conselho dos Condes
ou Marqueses, nenhum foi convidado a participar neste julgamento, como ea uso durante o reinado de D. Joo V.
Nem bastou a Carvalho descarregar a fria vingativa sobre
homens nobres e notveis, pela sua toga ou pelos seus feitos militares, atormentando-os com o ferro, a roda e o f,ogo. Era preciso,
como ele dizia, arratcat de raiz to grande este. Alm de confiscar-lhes os bens e de manohar com a ignomnia todos os seus
descendentes, para apag a memria destas famlias, mandou
destruir todos os seus escudos onde quer que se encontrassem.
Nem os palcios foram poupados: os monumentos erigidos por
benfeitors de sangue ilstrssimo, os escudos de famlia e os
epitflos foram queimados e destrudos.
Ouvi da booa de um irmo leigo da ordem de S. Domingos
contar-me com nusea a maneira desumana como, na sua Igreja
dos dominicanos de Viana, so atiraram contra os sarcfagos de
mrmore e oomo usaram instrumentos de ferro em brasa pata
destruir os ossos de cadveres da famlia dos Tvoras (N. A. *).
Os palcios dos nobres to cruelmente assassinados foram
arrasados at ao cho e o terreno foi salgado. A respeito de um

*)

Viana do Castelo uma cidade na foz do rio Lima, distante cerca


de 4 lguas da nossa residncia de Sanfins, outrora sede do governador da provncia

(N.4.

do
5

Minho.

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

destes palcios completamente destrudo e arrasado, pertencente

famlia Tvora, perto da Lapa, tive conhecimento directo por


catta do Padre Kaulen. (N. A. *)
Mas, Carvalho e Melo ainda no podia descansar. Todos
os crceres de Lisboa, Belm e fortalezas vizinhas estavam repletos com enorme multido de reclusos. Entre eles o filho do duque
de Aveiro, marqus de Gouveia; dois irmos do marqus de
Tvora, o marqus de Alorna e muitos outros. Entre estes, ttamava o sanguinrio ministro escolher vtimas paa mais outra
trgtrca cena. Tentou induzir o nimo do rei a um novo acto de
justia, ou melhor, a uma nova crueldade. H certos homens,
semelhantes aos lees, que comeando uma vez a lamber sangue,
se tornarn ainda mais sanguinrios. Mas, o rei resistiu-lhe, <no
quero mais sangue, disse. Este sanguinolento impulsionador de
novas crueldades parecia s desejar conquistar o poder transpondo uma montanha de cadv( res.
Parece certo gue o duque de Aveiro tramou esta insdia no
contra o monaca, mas contra o seu camareiro, Antnio Teixeira,
e numa das visitas nocturnas ao conde de quem o dugue recebera
grave ofensa. Este, tendo instado com o rei para que lhe vingasse
o ultraje recebido, e no obtendo dele qualquer satisfao, ter-lhe-ia dito:^r:! qu9_V. Majestade no me quer vingar a injria
que me foi feita, ento eu mesmo me vingarei. A sege que o rei
usou naquela noite no era dele, mas de Teixeira. Muitas outras
coisas relatam homens muito dignos de f sobre este intrincadssimo caso, no serei eu rbitro neste to difcit conflito.
Jesutas incrtminados como lnstlgadores do atentado

Carvalho e Melo, aproveitando uma ocasio to oportuna


paa mais acirrar o dio dos portugueses e dos estrangeiros contta os Jesutas, incluu na sentena, que procurou tornar conhecida por toda a parte, os nomes de quatro padres de diferentes provncias, como se estes tivessem sido os instigadores ou cmplices
(N.4.

*) A

Lapa, onde houve uma residncia da nossa Companhia com o


santurio da imagem milagrosa de Nossa Senhora da Lapa, fica situada no longe
de Coimbra, cidade da Provncia da Beira.

Ano de

1759

do atentado do rei. Interceptou uma cafia do Padre Joo Henri-

ques,
de R
deste

aos Jesutas
dos Jesutas
, nos nossos
tempos to tormentosos, embora sejam ainda estimados por
muitos nobres da corte; e pede as fervorosas oraes dos seus
irmos.
O instigador dos nossos adversrios nada poderia descobrir
de condenvel nesta carta escrita por um homent to bondoso:
nela, procura afiancat trevas
rando
e, a mesma piedade, a mesma
sol e
eturpa e transforna em vcio e
ora
dncial e contra
ou-se
, declarando que eles esto to cheios de arrogncia
m num
palavra
sbito abismo de baixeza, como se se fizesse
de Ben-Sirac: <H quem se humilhe malici
com o
corao cheio de dolo (Ecli 19,23).
O Padre Malagrida, a quem Carvalho odiava com dio viperino, no pde fi.car esquecido. D." Leonor de Tvora tinha-o
por homem santo e penitente. Ela, com seu marido Francisco
de Assis, frzeru com este padre os exerccios espirituais, j depois
de ele ter sido proscrito para Setbal. Tal crime no poderia ser
imputado a um homem imprudente, nem a um criminoso, a no
ser que fosse doido varrido; isto porm, atribuu-o Cawalho a
este homem honestssimo e perfeitamente so. Seria impossvel
acreditar ou sequer suspeitar qualquer demncia no Padre Malagrida. Ouvi um religioso de um mosteiro vizinho da nossa residncia afirmar-me que tinha por um Jesuta so, sbio e santo
ao Padre Malagrida, a quem conhecera muito bem no tempo
em que vivera no Maranho (N. A. *).
Os outros dois atingidos por esta sentena eram os Padres
Joo Alexandre e Joo de Matos. E qual foi o crime que lhes
imputaram? O de visitarem o duque de Aveiro, de quem eram
amigos. O
no procedimento do homem
incluu quatro Jesutas, mas
recto. Esta
e facto, acrescenta que o duque
tinha muitos
(N.A.

*)

antonomsia

Este convento de Capuchos, situado no monte que se chama por


construdo j no tempo do serfico S. Francisco.

o Mosteiro, fora

Memrias de um Jesuta prisionero de Pombal

Mas, vejamos agoa os factos: O Padre Joo de Pina, procurador da provncia lusitana, que ao tempo residia em Santo
nha ido apenas uma
as para assistir a um
se me no engano,
um certo parente dos marqueses de Marialva, pelo qual fora consabido que o duque no simpatizava
rvalho, porm, esforou-se por demonso duque ao colgio os desentendimentos
tinham acabado. Argumento que prova demais, no prova nada.
Dia vfu, em que resplandece luz do sol a inocncia dos Jesutas e a maldade dos Cawalhos.
Invadtda a residncia de Sanflns

Finalmente, altas horas, ro dia 15 de Maro, cercaram a


residncia de Sanfins aproximando-se por diferentes atalhos.
Apenas nascido o sol, tocam porta: abre-se a portaria. O oficial
do rei com certo receio entra com os militares: que ouviru dizet
que vivia ali um clebre estratego militar
na Amrica. Temiam aqueles heris, mais t
que houvesse fossos ocultos, subterrneos,
rastilhos de plvora prestes a rebentar. Do rs-do-cho sobem
(N.4. *) Caminha

um forte

hora de caminho da nossa

casa.

junto aos rios Minho e Coura, gue fica a 314 de

Ano de

1759

69

ao andar superior: perscrutam diligentemente todos os recantos


da casa em busca de armas, bacamartes, espingardas, e qualquer
outra espcie de armas.pontas pata descarregar. Julgavam que
iam enconttar uma multiclo de armamentos. Correra o boato
de que todos os lugares estavam repletos com tais instrumentos
blios e acreditavalse nisto. Mas o pnico desvaneceu-se. Exigem
ento ao Superior que entregue todo o dinheiro. Este era o principal fim de-to tuibulenta isita: todos os bens foram conftsca,dos ('r).
Novas prlses

Cinco semanas e quatro dias aps a priso dos primeiros


dez companheiros Jesutsr. logo os procuradores das misses
ultramarinas com os seus irmos coadjutores da residncia de
S. Francisco de Borja, em Lisboa, foram encarcerados. Os leigos

(t') As outras casas da Companhia em Portugal, em nmero de 44, foram


sujeitas s mesmas rigorosas medidas. Os seus bens foram todos confiscados.
Eis alguns pormenores narrados em Aneddoti.
Os Padres foram todos confinados nas suas prprias residncias, fixando-se
uma penso equivalente a doze soldos franceses para a subsistncia de cada um;
todas as provises alimentares que havia em casa foram vendidas em leilo. A guarda
rendia-se todos os dias. Cada soldado estava munido de 12 cafiuxos. Numa das
casas de Lisboa, o jantar que tinha sido preparado para a comunidade distribuu-se
pelos soldados. Noutra yez, em vez de servirem a wia venderam-na gente de fora.
Em todas elas espiolharam os cantos e recantos da casa, abrindo at os tmulos
procura dos tesoiros. Em Elvas nem se permitiu aos Padres celebrar Missa seno
com dois soldados de cada lado do altar, de baioneta calada. Um dia um dos Padres
dirigia-se para uma capela da igrej a ji revestido dos paramentos litrgicos, quando
um soldado o detm apontando-lhe a baioneta ao peito para lhe dizer que no podia
celebrar naquele altar. No Porto, um oficial obrigou o sacristo a abrir o sacrrio,
e a esvaziat o cibrio para se apoderar dele, e o pesar na balana dum ourives sobre
o prprio altar. Em Coimbra foi proibida a distribuio que costumava fazpr-se
pelos pobres daquilo que sobrava das refeies. Julgando estes que isto fosse devido
misria que passariam os Padres, fizetamuma colecta pata os socorrer, como gratido por tanto tempo que eles os tinham sustentado. Mas em vo, pois o oficial de
guarda nunca permitiu que lhes chegasse s mos. (Anedd,

t. f, p.263 e

sgs.)

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

70

foram encerrados no castelo da cidade de Lisboa, outrora construdo pelos s


em 1147. No

da residncia

Provncias do
bm um segundo procurador enviado de Goa paa ir a Roma,
mas no foi, porque no obteve licena de Carvalho e Melo. E
ainda um novo procurador do Brasil, porque a nossa Provncia
do Brasil, como eta demasiado numerosa, se dividiu em duas:
a do norte e a do sul.
Comea o catlvelro do Padre Eckart

um trabalho que ele devia fazq: uma lista com o ttulo de todos
os livros e seus autores. No erarn muitos
cerca de 500.
- apenas
Como ele me fazia freguentes visitas, numa
delas perguntou-me:
<Que tem el Rei contra os padres estrangeiros ?
Eckart levado com outros Jesutas

de Maro, chegaram seis dos nossos, quatro padres

('o) O texto

de Isaas este: <Multiplicastes a alegria, aumentastes o seu j-

No dia

e dois irmos, vindos da residncia vizinha, chaada S. Joo

bilo (Is

9,3).

Ano de

7l

1759

Seguiam adiante, entre duas filas de soldados,

os meus dez

Lima, j nos aguardava imensa gente vinda de todos aqueles


arredores. (N. A. *).
Ao chegarmos hospedaria onde deveramos passar a noite,
a multido apinhada ao redor de ns era tanta, que se os soldados
com berros e pancada a no afastassem, nem conseguiramos
apear-nos das mulas. Eu ceei e dormi num quarto separado dos
meus irmos. Como estvamos debaixo de telhas, para que ningum pudesse voar por algum buraco que nelas pudesse haver,
dormimos naquela noite entre dois soldados.
Chegam a Braga

No dia

seguinte, ao entardecer, fomos apresentados em


grande cidade de Braga. Houve .quem ao ver-nos
assim presos exclamasse: <Parecem mesmo Cristo no meio dos
espectculo
algozes

**).
OI. A.

(N.A. *) O rio Lima, sobre o qual foi lanada esta ponte, nasce na Galiza e
no Atlntico. H historiadores espanhis que tentam provar que o Letes

desagua

no o sabiam loc,alizar,
outrora os
-Limia
- este rio,
ou Lima. Daqui yem que, quando os mestre-escolas

que em espanhol se chama


perguntam aos alunos as
suas lies e eles no as sabem de cor, costumam dizer-lhes: tu j bebeste do rio
poetas

Irtes

* *) Bracara Augusta, Braga, capital da provncia de Entre-Douro-e-Minho, uma cidade antiqussima, da qual alguns povos da Galecia (Galiza) toma-

(N.4.

rarn o nome de Brcaros @racarenses). Era um dos sete tribunais romanos da pennsula Hispnica. <Fu Chancellera de Romanos (que llamavan ellos Convento) a
donde conveniam los comarcanos a recibir justicia (Lexicon Ecclesiasticum Latino-Hispanicum, auct. Didacus Ximenez Arias O.P. Alcantarensis, Pampelonae, 1722).

Memorias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

Por ordem de Pombal, todos os Jesutas clas residncias prximas do Colgio foram presos como ns e fiazidos paa a cidade
escolta

muros
algum

faltou
para que eu no ficasse esmagado pela multid,o. Foi um sargento
que
numa sp,la qEe servia de farmcia,
armados. Estava tambm o
Des
do Porto, revestido de negra
toga de seda roagante at aos tornozelos, sustentando na mo
a longa vara da justia. Mediu-rro dos ps cabea, e segredou
ao Reitor do Coleio: Eu no posso iulgar o interior das pessoas,
mas a caa deste Padre diz-me que ele est inocente).
Permaneci nesta farmcia at 12 de Maro. A falta de sade

3'H:
dos

iona-

vam as aulas da 2.^ classe de gtamttica, que passou a ser a minha


priso. LIm outro sacerdote portugus, meu companheiro no

Pat, tendo ficado preso na aula de literatura, sofreu to intensa


comoo, que cau doente e foi preciso sangr-lo por mais de

uma vez.

No mesmo dia 12 de Maro, foram presos trs Jesutas do


colgio do Porto, uffi dos quais o Padre- Francisco de Toledo,
atrs mencionado, euo tinha sido expulso dois anos antes do
Maranho por ordem de Sebastio Js de Carvalho. Cantara
ele, nessa madru gada, a Missa solene de S. Francisco Xavier,
p9r ser o ltimo dia da Novena da Gr, para na tarde do mesmo
dia ir dar com os ossos na cadeia.
alva do dia
edreiros
p
Levantam a
de aula
o
trs janelas
the dar
o
um crcere,
las uma

os utenslios da sala flcaram submersos sob densa camada de p

cascalho.

Ano de

1759

No dia 26 de Abril, um vivssimo claro de nuvens em chama


penetrou de repente atravs do pequeno orifcio da janelq sacu-

dindo as trevas da minha priso. IJm fragor terrvel, semelhante ao estoirar dum canho potente, veio ensurdecer-me os
ouvidos. O fulgor de um raio gue incendiou de luz a torre da
igreja, perto da minha cadeia de prisioneiro, irradiava em todas
as direces. Na torre, - antjOussima. relqrria du_ _?rquitectura
mourisca, h uma capelinha da Santssima Yirgem Me de Deus,
que vista da praa por todos os transeuntes, e que pelo lugar
que ocupa tem o ttulo de Nossa Senhora da Torre. Algumas
alfaias sagradas ficaram marcadas pelos efeitos deste extraordinrio raio e as velas do altar cobertas de fuligem. O chumbo que
ligava entre si os polgonos de vidro do vitral da capelinha derreteu-se. Dois dos nossos, un situado perto da janela e o outro
junto da mesa, ficaram a tremer de susto com o cheiro sufocante
a enxofre que se sentia no ar. Celebrava a cidade a festa de S.
Pedro de Rates, o primeiro Bispo de Braga.
O rei, ou melhor, Cawalho e Melo, continuou a descarregar
a blis principalmente sobre os Padres estrangeiros. Isto tanto
mais de admirar, se nos lembrarnos que nas veias de D. Jos
circulaya sangue germnico, pois sua me era austraca; e sua
av paterna, Maria Sofia, era filha de Filipe Guilherme, eleitor
palatino do Reno. Quanto a Sebastio Jos casara com a condessa de Daun, effi ateno quat a Rainha viva o promovera.
A perseguio continua. No dia 30 de Abril, chegam de
Lisboa, expulsos do Brasil, o Padre Joo Brener, de Colnia,
da Provncia do Baixo Reno, com mais 9 Padres { italianos,

ingleses

alemo.

Os soldados de sentinela neste colgio transformado em


cadeia renovam em mim a tristssima lembrana da ffagdia de
13 de Janeiro, mostrando-me a horrvel cena em gravura de cobre
com cores vivas. O duque de Aveiro jazia, vestido de capa vermelha, sem cabeleira, com os braos e ps estirados e amarrados
roda da ignomnia; via-se a marquesa de Tvora com a cabea
decep ada do tronco a escorrer sangue, que parecia fresco, o a longa
cabeleira, frisada maneira das damas portuguesas, a flutuar.
Que triste espectculo para a humana vaidade! Que cruel a
roda inconstante da fortuna! Mostrava-se a cadeirinha que transportou os condenados um aps outro. Viam-se os sacerdotes
presentando a imagem de eristo crucificado, a confortar os
sentenciados que lutavam com a morte. Eram presbteros secu-

Memorias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

lares da misso de S. Vicente de Paulo. Ardiam os corpos dagueles


infelizes com os algozes sempre a alimentar o fogo.

Morte do Padre Jos Morelra


Mas, voltemos a uma cena menos tttica, 6 de Junho, aniversrio do rei, em que Carvalho e Melo foi honrado com trs sucuIentos benefcios: a comenda dos Cavaleiros da Ordem de Cristo,
o ttulo de Conde de Oeiras e o ttulo de Benemrito de todo o
reino de Portu gaL Por este tempo, mais ou menos , cau mortalmente doente o Padre Jos Moreira, que tinha sido confessor de
el-Rei. Estava preso no crcere de Belm conhecido por Pteo
dos Bichos, gue ficara vago depois do suplcio dos nobres (N.A. *).
Antes de receber o sagrado vitico diante da Hstia Consa grada,
que nobres e vrios oficiais acompanharam com velas acesas, o
moribundo protestou solenemente que nem ele, nem nenhum
dos padres da Companhia era ru deste crime sacrlego, que confia todo o direito lhes estava a ser imputado.
Convm recordar que o Padre Jos Moreira foi o Padre a
quem Sebastio Jos pediu que intercedesse por ele junto do rei:
isto fez ele, obtendo-lhe deste modo o favor do rei que antes lhe
fora negado. E, assim, este homem ainda pouoo conhecido, sem
nenhuma outra recomendao, conseguiu obter o governo supremo de Primeiro Ministro. Quanta ingratido naquele corao
felino! Que depressa se esqueceu dos benefcios recebidos! Isto
j o pressentira um governador da Baa de Todos os Santos ou
de So Salvador. Ao saber que o Padre Moreira recomendara
Sebastio de Cawalho a el-Rei, logo comentou: H-de lhe pagar
com coices. E foi realmente com coices que ele feriu o seu benfeitor, expulsando-o do palcio real, e atirando com ele para
uma masmorra, deixando morrer nas trevas aquele que o elevara

luz da glria (.).


(N.4.
tigres.

*)

que no longe dali estavam

as jaulas dos lees, das panteras e dos

(") O Padre Moreira deixou-se enganar pelas aparncias, porque nessa altura
Carvalho fazia tudo por esconder os seus verdadeiros sentimentos. Quem o visse
ou ouvisse, pensaria que os Jesutas no tinham melhor amigo. Chegou at a vestir
o seu segundo filho com a batina da Companhia; e, depois de assim o ter apresentado

Ano de

1759

75

Extgnclas de Canralho e MeIo


Junto da Santa S

Mas o ministro no ficaria ainda satisfeito com ver morrer


placidamente as suas vtimas na triste escurido duma enxovia.
Queria v-las a contorcer-se em angstias de agonia no cadafalso,
sob os golpes da justia. Em n
cartas ao Papa
reclamando arrogantemente co
sobre todo o
para julgar eI
riminais, e corclero
que fossem considerados culpados de
denar
crime
E para dar mais fora sua solicitao
igual poder
invoca o exemplo de dois Papas
a dois antecessores de Sua Maje
. Sebastio.
Roma, conhecedora dos males' q
vir Igreja
de Deus, no
cia, no nega em
outrora, algumas
absoluto que.
e, nesses casos, a
vezes, aos rels
Santa S nomeou dois juzes eclesisticos, embora pennitisse que
com estes colaborassem assessores do rei. Isto, porm, s por
crimes excepcionais como os de sedio manifesta, fiaio ou
maquinao contra a pessoa do rei.
Tal resposta irritou o Primeiro-Ministro. Amontoa cartas
sobre cartas, insiste teimosamente junto do Papa. Ameaa. Com
grande escndalo do mundo cristo, proclama publicamente a
ao monaca, levou-o ao P. Moreira, dizendo que entregava aos seus cuidados um
<<Apostolozinho. Aludia ao costume portugus do seu tempo de designar por <apstolos os Jesutas, costume que vinha

j do tempo em que S. Francisco Xavier

passara

por Lisboa, de caminho paa a ndia. O prprio futuro Marqus quando vinha visitar
os Padres, anunciava-se s vezes com o cognome de <Iesutico. Mas a fina perspiccia da Companhia no foi capaz deadivinhar todo o verdadeiro significado daquele gesto.
A D. Joo V, porm, Carvalho com toda a habilidade e prodigiosa flexibilidade do seu carcter, nunca conseguiu iludi-lo. IJm dia em que o indigitavam o rlonarca para Ministro, ele retorquiu: <<nem me faleis em tal homem. No o conheceis.
No quero colocar o meu Reino sobre brasas, deixando-o on tais mos). S os
Jesutas, tidos por finos e astutos, se deixaram enganar por este hipcrita.
Do Padre Moreira dizia o mesmo monarca: < um santo e sbio religioso
(Mm. de Pombal, t, I, pp. 17 e 21)

Memorias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

Clemente XIII e muitos dos seus Cardeais, como cmplices e


protectores dos Jesutas rebeldes, e conspiradores contra a vida
do rei. E, mais grave ainda, o embaixador de Portugal, Francisco
de Almada e Mendona ("), num encontro com ministros de
outros pases, queixa-se abefiamente de que o Santssimo Padre
<<declara guerra cruenta contra a Majestade Fidelssima do meu
Clementssimo Amo, sem motivo algum, o no ser o de apoi,ar os
Jesutos>. Nova catta para Roma, effi que se solicita que todos os
assuntos de Portu Eal, em vez de se remeterem ao Cardeal Torrigiani, Secret fuio de Estado, sejam enviados ao Cardeal Cavalchini,
que homem de insuspeita integridade, ainda no corrompido
pelos princpios dos Jesutas.
Impe ainda a Almada que pea uma audincia privada
cria rmana, exigindo que este ssunto do rei seja s tratado
directamente com o Papa: significava isto extorquir do Pontflce
a licena paa sujeitar os Jesutas mais culpados pena capital,
os menos culpados extradio paa oq crceres de Mazag,o
(fortaleza poriuguesa em Marrocos, na frica), e os ainda nao
contaminados pelas doutrinas maquiavlicas, isto , ignorantes
dos segredos da Comp anhia, ao exlio em Roma.
Almada usou como patronos desta inqua causa, os Cardeais
Cavalchini e Corsini, este protector da Coroa Portuguesa.
Aconteceu que o embaixador de Portugal foi, certo dia,

(") A respeito

deste Ministro Plenipotencirio, primo de Pombal, Mmoires


pormenores curiosos. O seu Conselho era constitudo por um s homem Padre Antnio Rodrigues, Frade Menor da Observncia, que tinha sido expulso de Lisboa como falsrio. Era este homem que redigia
todos os despachos e ofcios ministeriais, recebia as instrues, ditava as respostas,
numa palavra, exercia todas as funes de Ministro Plenipotencirio em nome de
Almada. Este ocupava-se quase exclusivamente com o seu museu. Adquirira ele
com enormes gastos uma grande coleco de coisas raras, que mostrava com complacente orgulho aos curiosos: peixes raros, tteres que pareciam vivos e outras figuras
semelhantes, com movimentos e gestos cmicos que despertavam a hilaridade de
todos os que os viam. Estas e outras coisas semelhantes ocupavam grande parte dos
seus passatempos. Mas no meio de tudo isto, alimentava contra os Jesutas o mesmo
dio fantico de seu primo Pombal. Como este, tambm ele bajulara os Jesutas
noutros tempos, ern que paa subsistir se viu obrigado a vender o seu coche com os
de Pombal

cavalo s.

(t.IV, p. 177) narra-nos

Ano de

1759

chamado pelo Papa: chega apressado, a exultar de alegria, orador eloquente para advogat a causa do seu rei. Mas que desiluso!
Apenas entra fla antecrn??, v diante de si vrios carcl,eais, entre
os quais Rezzonico, sobrinho do Pontfice, com o Cardeal-Secretrio; Corsini e Cavalchini estavam ausentes. E ainda Almada
no recupeaa da sua desagradvel surpresa, quando se abre subitamente a cortina dos aposentos pontifcios e, convidado a falar,
emudece, vendo-se iludido na sua esperana. O Papa pede-lhe
que exponha o que tem a dizer em nome de Sua Majestade Fidelssima. Ento ele cheio de indignao responde: <<Pedi umt audincia privada corn o Papa; ort vendo tantos cardeais perto de mim,
sem poder dizer coisa alguma que eles no oiam, nada tenho a
propor>>. O Pontflce faz-lhe sinal com a sua habitual cortesia, e
Almada, voltando-se paa o Secretrio, diz-lhe: <<Afinal vejo que
Sua Majestade Fidelssima nada consegue de Sua Santidade>>.
O que entretanto se passava em Lisboa, pode facilmente perceber-se pelo teor desta importante carta,escrita em espanhol por
pessoa de grande autoridade: O trgico e deplorvel espectculo
que este infeliz Reino nos apresenta no pe diante dos nossos
olhos seno desordens, confuses, crueldades e to triste cena
que dificilmente poder encontrar-se semelhante em todos os
sculos passados. Prosseguem as prises e as execues, quer
pblicas, quer secretas. No h ningum que no pense: Deus
abandonou este reino. Na ltima e,arta que escrevi a V. Ex.u informei-o guo, todos os que estvamos contra a Companhia de Jesus,
nos convencemos j da nossa sem-raz.o, pois aps as mais minuciosas investigaes, no encontrmos uma s casa que no fosse
de ediflcao e em que todos os bens no fossem destinados a
um nm santo e apostlico. Esmolas e dotaes estavam todas
escrupulosamente assentes nos livros de contas, com o acerto
e sentido de economia que deveria servir de modelo a todo o flel
cristo. Durante 52 dias tive em meu poder este precioso tesouro
entre muitos outros documentos, todos eles provas evidentes da
perseguio de que eram alvo estes religiosgs. Tornou-se esta
perseguio patente pelo luminoso resplendor do cu no momento
em que alguns dos seus santos religiosos morreram, coroados
com o martrio. Julgou-sg sejia suflciente que Deus, por este meio,
declarasse a inocncia da Companhia, para o monatca cair em
si. E, de facto, ele deu mostras disso. Mas, voltando o Ministro
sua presena, publicou depois deste encontro um decreto, proibindo sob pena de morte, que ningum falasse em tal viso. Assim,

78

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

a perseguio continuou com todo o seu fercz rigor. Parece incrvel que para informar este processo fossem procurados ingleses
e os que eram tidos como judeus. V-se claramente o dique que
esta Companhia opusera libe dade de costumes com a sua dutrina e pregao; pois logo que foi impedida de exercer o seu
ministrio, jorraram as maldades em torrentes caudalosas. So
inexcedveis a pacincia e resignao com que se oferecem a Deus
por este reino e seus inimigos. Os prprios guardas se comovem
e ediflcam ao observar a suavidade dos seus modos e atitudes.
No me considere, V. Ex.u., demasiado volvel, por mudar de
opinio e contradizet o que antes insinuaa a respeito da Compnhia de Jesus, pois foram a justi a e a conscinci que, abrindo-firrlo os olhos, me ajudaram a reconhecer o meu erro. O mesmo
aconteceu aos cultos e sensatos religiosos de outras ordens, que
admiram a constncia dos Jesutas, e alguns houve que afirmaram
desde o plpito que a Companhia oferecia a Deus tantos mrtires neste reino, quanto o nmero de religiosos que nele contava.
Foi doloroso; mas, conseguiram o prmio do mrtrio. Na triste
situao em que se encontra o pas, s a Companhia permanece
perfeitamente unida, pois as outras ordens encontram-e internamente divididas. Envio este breve resumo a V. Ex.u., que Deus
guarde por muitos anos. Lisbo, Julho de 1759>.
Est cafia escrita para a Europa atravessou tambm a sia,
em 1761. Os Jesutas de Manila remeteram-na paa os Jesutas
de Macau (N. A. *).
Tal ea
em Portu Eal, quando, a fim de
dar alguma
real, chegu s mos do Nncio
Aposlolico
lo, uma bafia pontif cia para o
rei. Nela se
o, ressalvado sempre os sagrados cnones e os privilgios forenses, para agir contra os re[igiosos acusados de cumplicidade no atentado ao rei. O Nncio,
no cumprimento do seu ofico, informa disto Carvalho e Melo
e pede uma audincia com o rei. Trs dias volvidos, recebe a resposta de que o rei lhe concede a desejada audincia, contanto
ut o Nncio rompa o selo das cartas o infonne com antece-

(N.4.*) Manila uma cidade espanhola da ilha de Luo, que a principal


das Filipinas. Macau uma cidade na China, que fez parte do Imprio Colonial
Portugus.

Ano de

1759

dncia sobre o seu contedo. Responde Acciajuolo que um Nncio

no tem autoridade paru violar uma carta do seu soberaro, ao


que Carvalho e Melo retorquiu: pois guarde essa carta que ns
no precisamos dela, pois j sabemos que no obteremos o que
pedimos (").
E assim ficaram frustadas as ptimas intenges do Supremo
Pastor. O causador deste lamentvel acontecimento foi o Cardeal
Cavalchini, que subornando o correio pontifcio o levou a demorar no cminho, fingindo-se doent, enquanto entrementes
enviava um outro da sua confiana a infounar-se porrnenorizadamente de tudo o que a Santa S concedia e recusava. Eis o texto
da carta do Papa:
Carta de Clemente XIII a I). Jos

Filho Carssimo em Cristo, Sade e Bno Apostlica

O Embaixador de Y. Majestade, Almada, informou esta S


Apostlca sobre o pedido coicernente aos ,Ieiuts que vivem no
vosso reino. Ns, considerando maduramente este assunto, em virtude do nosso ofcio e dever pastoral, no nos fiando no nosso prprio juzo, no cessdmos dia e noite de implorar o divino auxlio
junto ao altar do Prncipe dos Apstolos. A Ele temos suplicado
8u, derramando do Alto aquela luz de que tanto precisamos nestes
tempos to conturbados) nos dirija e nos indique o rue devemos
fazer para a maior honra de Deus e da Santa lgreja, para o bem
(") Alguns pormenores recolhidos em Mmoires de Pombal ajudar-nos-o a
melhor compreender todo este assunto. Segundo o autor deste livro, o prprio Pombal
teria subrepticiamente recebido o documento pontifcio antes do Nncio, e t-lo-ia
guardado por trs dias, abrindo-o, o inteirando-se do seu contedo; depois, habilidosamente, teria falsificado o selo do Santo Padre, remetendo-o ao Nncio juntamente com duas cartas dirigidas ao Rei. O Nncio no podia abrir o invlucro,
porque nele vinham as duas cartas dirigidas ao Rei, juntamente com a Bula, sob o
mesmo selo pontifcio. Neste embarao pediu ao prprio Rei que rompesse o sobrescrito e retirasse as suas cartas, remetendo-lhe a ele o Breve, visto que o Rei o no
queria receber. Mas D. Jos, seguindo as instrues do seu Ministro, no quis fazet
nada disto, e o Nuncio viu-se obrigado a regf,essar ao seu palcio com o invlucro
pcr abrir. (Mm. de Pombal, t. II, pp. 109 e 111)

Memorias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

do nosso rebanho, nada desejando com mais ardor do que paz


tranquilidade para o povo de Deus.

Nem se convena V. Majestade que no tenhamos dado ouvido


s queixas que nos foram expostas. Temos em tanta estima e apreo
a segurana. e bem-estar de V. Majestade como se de ns se trrtosse. Pelo Qu, insistindo nos passos do nosso antecessor Bento XIV,
de saudosa memria, rogamos e exortamos a Y. Majestade permita
o continuao da visita apostlica confiada ao nosso Cardeal Saldanha. Assim se manterd a jwtia: distinguindo os inocentes dos
culpados, e se alguma relaxao se introduziu na Companhia de
Jesus, ela serd chamada ao primitivo estado de perfeio. Como
impossvel que num corpo to dilatado como a Companhia de
Jesus se no encontrem alguns membros contaminados de imperfeies que devem ser purificados ou amputados, assm nos parece
incrvel que no haja entre eles muitssimos inocentes, homens rectos,
pereitos e santos, como nos consta a ns e a toda a igreja de Deus;
homens 8u, por todas as quatro partes do mundo, propagaram a
verdadeira f e que, com seus trabalhos, suores e at cont o prprio
sangue, .fecundaram as terras incultas dos bdrbaros I homens que
trouxeram ao r edil de Cristo inmeros cristos e gentios, que ilustraram a lgreja com a doutrina e erudio dos seus escritos e a defenderam contra os seus inimigos; homens entre os quais hc santos
que veneramos nos altares, por quem sabemos V. Majestade
tem particular devoo, embora mtdtssimos outros sejam tambm
dignos de tal honra. Por isso pedimos a V. Majestade, com todo
o afecto do nosso corao paternal, qtte, como filho obediente e
rteL ratifique o que por ns or determinado, permita que a causa
da Companhio seja examinada por juzes especialmente delegados
por ns e que os rus com culpa provctda possam ser punidos por
estes, no se tomando os inocentes por culpados. E, assim, a Companhia, to grande benemrita da lgreja, principalmente, naquelas
longnquas terras de misso, purtficada de seus e; ros, seja conservoda nos reinos de Y. Majestade. Tudo isto, no temos dvida, V.
Majestade fard, semelhana do que sempre fez em tempos pass*dos, como tambm farci tudo aquilo que to santo e louvdvel Instituto exigir, procurando sempre a maior glria de Deus e a salvao
e segurana dos sbditos de V. Majestade.
Suplicamos ainda a V. Majestade, confiados na sua herica
piedade, 8u, se rigorosamente examinada a causa, vier a provar-se
jurdica e plenamente (do que Deus nos livre e de forma alguma
nos podenns persuadir) a cumplicidade deles naquele horrvel AtentA-

Ano de

1759

8t

do, no queira Y. Majestade manchar as mos no sangue daqueles


que so consagrados
cert V. Majestade a
todo o nosso afecto e
documento da sua piedade. Conseguindo isto de Y. Maiestade, como
um pai espera de um filho obediente, a V. Mqiestade e a toda a
famlia real concedemos afectuosamente a bno apostlica.

Voltemos agora ao colgio de Braga e minha cela de prisioneiro. Os soldados que cercavam a nossa casa no s impediam a entrada de qualquer homem da cidade, mas examinavam
cuidadosamente at o alimento oferecido pela liberalidade dos
benfeitores, a fruta, como as melancias, que cortavfiI, no se
desse o caso de a natureza fazq brotar uma melancia cotr uma
carta escrita dentro dela! O nome de Carvalho e Melo chega aos
ouvidos dos Jesutas presos por todo o reino at Almeida, perto
da fronteira com a Espanha. Nesta fofialeza vivia o Visconde
dito de Mesquitela, parente de Cawalho, que quis celebrar com
uma festa pblica a elevao deste ltimo dignidade de Conde
de Oeiras; mesmo no meio da festa, no dia 10 de Agosto, deu-se
a morte do rei catlico, Fernando VI, provocada pela dor da
saudade em que a morte de sua esposa o deixara, no chegando
a sobreviver-lhe um ano.
Foram testemunhas desta festa abruptamente interrompida
sete Jesutas do Maranho, que estavam presos naguela fortaleza e tinham vindo do Colgio de Gouveia e de duas residncias, da Lapa e de Crquere (N. A. *).

*)

(N.4.
Gouveia, na diocese de Coimbra, era o marquesado do infeliz duque
de Aveiro. costume entre os portugueses que nenhum duque pode atingir tal ttulo
sem ter sido primeiro marqus, nem nenhum marqus sem primeiro ter sido conde.
E assim, o duque de Cadaval, o mais antigo dos duques, mais prximo da casa real
de Bragata, marqus de Ferreira e conde de Tentgal.
Depois da morte do duque de Aveiro, Aveiro passou a chamar-se Nova Bragana; mas, no pequeno calendrio de Lisboa, vulgarmente chamado 'folhinha de
algibeira', que se publica todos os anos, ainda se encontra o nome de Aveiro. Aveiro
uma cidade da provncia da Beira com um belo porto, que dista 11 lguas de Coimbra.
Os aveirenses tm um dialecto especial, cantando e acrescentando uma letra no fim
de vrias palawas.
6

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

Decreto de expulso dos Jesutas

O dia 3 de Setembro ficou tristemente memorvel por

ser

a data de uma grande tragdia. Foi nesse dia que Carvalho e


Melo assinou o decreto de expulso dos Jesutas de Portu gal.

Come ava ele com estas palavras que bem patenteiam o ridculo
estilo do ministro : <<O Rei Fidelssimo depois de ter feito tudo aquilo
que deve fazer um rtlho rtd da Santa S>>. E que que ele fez afinal ?
O Papa enviou ao rei cartas cheias de zelo apostlico e de afecto
paternal, e nem sequer foram abertas; a Cria Vaticana nomeou
1uzes eclesisticos, mas todos eles foram rejeitados. Pediu o Papa
que a causa dos Jesuitas fosse legitimamente provada com testemunhos autnticos, e respondeu-se-lhe que no eram precisas
mais provas, pois o rei no queria que elas se divulgassem no
estrangeiro. As coisas falam por si, mesmo
quanta simulao! desta forma se pretendia
perversa do ministro: se uma pele de leo n
uma pele de raposa! O rcifez tudo, afinal no fez nada. Que mais?
Aprouve a Sua Majestade Fidelssima, por conselho de homens
probos e eruditos, para salvado do rei e para bem do reino, expulsar os Jesutas de todos os territrios sujeitos Coroa Portuguesa.
Neste decreto recoze-se de novo o caldo, e caldo recozido gera
fastio e ndusea. (Plnio, liv. 20. cap.Ix).
Volta bla a to decantada guerra dos Jesutas do Brasil
contra o rei. Uma guerra viva no Brasil. E para conflrmar a causa
do crime utilizarn-se especiosos exageros: acrescenta-se um novo
assim
apndice fbula prpria paa tolos e barbeiros
- poislanara
continua o autor do decreto : Esta horrvel e extensa guerra
jd razes to profundas QU, se se prologasse por ntais dez anos,
nenhum prncipe, nem nenhum rei da Europa, por mais poderoso
que fosse, poderia resistir-lhe, etc...
Mas, toda esta severidade veio a ser temperuda com alguma
clemncia do rei. Concede ele licena de permanecer em Portu gal
a todos, mas principalmente aos rnais novos, ainda ignorantes
dos malflcos segredos da Companhia, se se prontiflcarem a despir o hbito religioso. ('n) Se assim fu;erem, sero tidos como sb-

('n)

Eis alguns pormenores a este respeito narrados em Mmoires de Pombal,

II, p. 123: <Embarcaram no Porto em dois navios suecos

mais de 300 Jesutas, quase


todos estudantes do colgio de Coimbra. Passados 20 anos, ai nda se no apagou na

Ano de

83

1759

ditos fiis do monarca fidelssimo. Portanto, aquele crime de lesa-majestade de que se acusavam os Jestas, no era imputado s
pessoas, mas t,o s ao hbito religioso que eles vestiam.
Executou-se este decreto a 15 de Setembro. Alfa noite, mais de
100 Je_stas das nossas casas de Lisboa e dos colgios de Coimbra
e de vora (N.4. *) (todos eles eram dos que na eompanhia chamamos professos) foram atirados para um navio. O Reitor do
nosso colgio de Evora dirigia tambm a universidade fundada
pelo Cardeal D. Henriee, que depois foi rei.
A respeito deste exlio dos padres escreveu para Braga uma
irm de earualho e Melo (vulgarmente conheida por -Madre
Madalena, professa do Instituto de S. Domingos) a um certo
pintor seu conhecido, dizendo-lhe: ((Esta noite embarcaram os
Apstolos em Lisboa no se sabe para onde (N. A. **).
Carvalho encerrou no mosteiro a sua prpria irm, fixando-lhe uma parca penso anual para seu sustento. Morreu, h pouco,
na bonita idade de quase 90 anos.
Um navio estrangeiro transportou os primeiros
Companhia acompanhando-o um navio de guerr
at fronteira do reino. As provises destinadas
eram to escassas que o navio se viu forado a fazet escala no

memria dos habitantes desta cidade a lembrana da herica firmez.a qtrc mostraram
estes jovens religiosos perante os violentos assaltos com que os seus parentes e amigos
e at professores universitrios, tentaram convenc-los a largar a sotaina da Companhia. Poucos foram entre eles os que cederam violncia destes ataques, A maior
parte respondeu com tal grandeza de alma e nobreza de sentimentos, que, com grande
raiva do conde de Oeiras, muita gente admirou e aplaudiu. No contara com tanta
resistncia. Nunca ele imaginara que numa juventude frgil ia encontrar to obstinado apego a uma instituio que ele infamara e jurara destruir. As suas esperanas
saram-lhe inteiramente frustradas>.
(N.A. *) vora a capital da Provncia Transtagana, a que chamam Alentejo,
conhecida como o celeiro de Portugal, pois fornece trigo a Lisboa por seis meses:

no resto do ano, o trigo vem do

**)

estrangeiro.

O rei de Portugal, D. Joo III, que estimou a Companhia com um


afecto no s real, mas verdadeiramente paternal, teve em tanto apreo os trabalhos
de S. Francisco Xavier e Simo Rodrigues, primeiros companheiros de Santo fncio,
que os chamou Apstolos, contra a vontade e apesar do protesto deles. Daqui veio
que em Portugal os Jesutas se tornassem conhecidos e honrados como os pstolos,

(N.A.

Memrias de um Jesuita prisioneiro de Pombal

84

porto de Alicante (N. A. *). IJm dos nossos padres foi a terra e
recolheu de esmolas de mercadores uma soma avultada de dinheiro, alm de outros mantimentos e roupas necessrias.
Para vergonha de Carvalho e Melo e do prprio rei, publicou-se mais tarde uma lista das provises que esta nau recebera
ao partir de Lisboa. Nem sequer havia colheres de pau suficientes.
Aochegarem estes padres eiilados a Roma, no pucos prncipes
da alta nobeza e at insignes pela prpura, enviaram'ao encontro
deles as suas prprias carruagens. Mas, afastando de si to grande
honra, entraram a p na cidade e foram apresentados ao pai universal dos aflitos e dos pobres, llemente XIII. Em nome de todos
falou ao Sumo Pontflce, arranc.ando lgrimas abundant_es de
todos os ouvintes, o ltimo cancel fuio da niversidade de vora.

Reforma dos Jesutas no Brasll


Enquanto em Portu gal comeavam a ser expulsos os Jesutas,

no Brasil os bispos continuavam a usar a faculdade de os reformar, que lhes fora concedida pelo Patriatca de Lisboa ('u), se
que lcito usar esta palavra reformar. Esta reforma foi o mais
(N.A.

*)

Alicante uma cidade espanhola, no reino de Valencia, clebre pelo

seu vinho generoso tambm chamado Ximenez, da corrupo do termo Simonis Petri,

que, por ordem de Carlos V, trouxe videiras da provncia do Reno, na Alemanha,


e as trasladou para este lugar. As uvas-passas de Alicante so as mais preferidas

em Lisboa.
('u) Houve alguns Bispos, entre os quais o da Baa, que se atreveram a no
obedecer cegamente s imposies do Cardeal e do Ministro. O Arcebispo da Baia
D. Jos Botelho de Matos fora nomeado para substituir no Brasil o Cardeal reformador. Prontificou-se a publicar o decreto relativo ao comrcio e a fazer as investigaes; mas recusou-se a caluniar os Jesutas e a desacredit-los junto do povo. Fiz.eram-se as indagaes com regularidade e franqrteza, e todas lhes foram favorveis. Juntou

80 testemunhos devidamente assinados a atestar que os Jesutas nunca se tinham


dado ao comrcio ilcito de que eram acusados. O prprio irmo de Saldanha, um
dos primeiros cidados da Baia, prestou um testemunho brilhante inocncia deles.
O Arcebispo fez o relatrio de tudo o que se passou, o enviou-o a Lisboa com todas
as assinaturas. Pombal ficou furioso. Expediu logo um navio com ordem de o Arcebispo deixar imediatamente a sua S. (Anedd. t. If, p. 145 e sgs)

Ano de

1759

inquo vituprio infligido nossa ordem religiosa. Um ministro


do rei no teve vergonha de, no colgio dos Jesutas do Par,,
chamar uma Companhia de ladres quela Companhia aprovada
e conf,rmada pelos Sumos Pontfices. Tinha ele sido enviado de
Portugal paa conflscar os bens das nossas casas. Chamado a
Lisboa l, veio a morrer na companhia de ladres, num crcere
destinado a criminosos e ladres, o maior crcere de todos,
chamado Limoeiro.
Uma outra espcie de reforma consistiu na oferta da benevolncia rcal concedida a todos os que desertassem da Companhia.
Foram muitos os que responderam com a palavra de David:
Este paa sempre o lugar do Meu repouso, aqui habitarei,
porque o escolhi (Sl 131,t4). Houve um que resistiu ao convite
com esta palavra da Escritura: <Queffi, depois de deitar a mo
ao arado, olha paratrs no apto parao Reino de Deus (Lc 9,62).
Ento, o bispo do Par, olhou espantado para o governador, pois
os Jesutas tinham de comparecer diante dos dois, e disse: ol!
mas isto um texto novo!. Este texto novo j conta mais de 1748
anos. Este bispo do Brasil, chamado Miguel de Bulhes com o correr
do tempo foi elevado por Carvalho e Melo S episcopal de Leiria,
em Portugal. Faz agora 74 anos. Cruel misericrdia esta! Os
membros da Companhia para poderem permanecer em Portu Eal,
tinham de trocar a casa religiosa, a casa de Deus, pelo sculo
perverso, expostos a tantos perigos; tinham de cortar o flo da
vocao e desviar-se dos caminhos que a Providncia Divina lhes
assinalata.
D. Gaspar de Bragana (Palhav)
Arceblspo de Braga

No princpio de Outubro, ressoam de repente os sinos por


toda a cidade de Braga. Anunciavam a chegada do novo Arcebispo
que era j, esperada. Era um dos trs irmos do rei, vulgarmente
chamados os trs Meninos ou os trs Senhores de Palhayi, que
habitavam num palcio fora de Lisboa (N. A. *).
(N.A.

*)

Estes trs prncipes foram educados no Mosteiro de Santa Cruz dos


Cnegos Regrantes de Santo Agostinho), num subrbio de Coimbra, sob a orienta-

Memrias de um Jesuta prsioneiro de Pombal

Depois de se isolar por cerca de duas semanas numa quinta


dos arrdores de Braga, D. Gaspar fez a entrada solene na cidade
a 28 de Outubro. Toda ela foi iluminada festiva:rrente com fogos
de artifcio durante trs dias. Os nossos, embora j preparados

paa partirem para o exlio, tiveram ainda de render ao novo


prelado esta ltima homenagem, associando-se em sua profunda
tristeza s alegrias do povo. Tratava-se de um espectculo equestre, organizavam-se as corridas chamadas Trojanas; e no faltaram os foguetes durante dias continuadus: cartuchos cheios de
plvora, que subiam deixando aps si um rasto de fogo o qual,
a pouco e pouco, se abria e desdobrava en arcos coloridos, estoirando com grande estampido. E tambm mquinas de madeira
dispostas de tal maneira que, de repente irrompem em fogo, espathando clares de chama ardente, por todas as direces numa
tempestade de luz e cor. Fogueteiros especializados costumam
vir todos os anos de Santiago de Compostela contratados por
somas avultadas, no dia 24 de Julho, que pr cede a festa do Apstolo Santiago, paa dar uma exibio da sua arte.
O Arcebispo tinha o ttulo de Senhor de Braga. Reivindicava tambm para si o primado dos Bispos de Espanha, com protesto do Bispo de Toledo. No ordinrio do Ofcio Divino paa
as lgrejas de Portugal lem-se sempre em primeiro lugar estas
palavras escritas em tipo maior: Bracharensis Primas Hispaniarum. O antecessor imediato era D. Jos, tambm da Casa de
Bragatg?, que morrera de morte repentina em Junho de 1756,
em Ponte de Lima. Po_r ordem de D. Joo Y, tinha sido educado
no nosso colgio de vora.
O actual Arcebispo da Igreja bracarense trouxe consigo de
Lisboa uma lpide sepulcral de mrmore para se no esquecer
de que era mortal. Na catedral de Braga jazem sepultados o Conde
D. Henrieuo, que foi o primeiro a governar Portu E?l com o ttulo
de Conde, e sua espos D. Teres de Espanha. - frente desta
o do Capucho Frei Gaspar (da Encarnao), que era tio do duque d'Aveiro, o que

fora implicado no atentado ao rei.


Este tinha sido antes Reitor da Universidade de Coimbra e abraara depois a regfa de S. Francisco. Da sua cela foi chamado ao palcio real, para tomar
o leme do governo no reinado de D. Joo V, e passados anos foi designado por
Bento XIV, como reformador dos Cnegos Regulares da dita Ordem.

Ano de

1759

S Arquiepis
Mrtires, da
colgio, que
Tendo sido grande no governo da sua diocese, tornou-se ainda
maior ao depor o bculo pastoral, para vir a morrer no seu convento de Yiana, a 16 de Julho de 1590.
Jesutas levados de Braga para o Porto

vivera.
a flcar
que so
a no

Btaga, trs
prio Reitor.
se lembrava

eus sbditos,

dote, a perseverar na vocao religiosa. O ru de to hediondo


crime foi acusado ao Ministro, por espies clandestinos e por
isso, condenado a um duro e cruel cativeiro.

Eckart chega ao Porto

evitar que o povo aflusse em massa a ver os recm-chegados.

Os
o
Eu
do

cativos
colgio.
guarda-

oficiais;

porta estavam as sentinelas; frente janela vigiavam outros


guardas. No porto desta cidade estava preparado um navio de

Memorias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

8B

guerra espera de vento propcio, havia j, oito dias, com o fim


de transportar paru Itlia os Jesutas reunidos de vrios colglos.

No decreto de expulso proibia-se severissimamente que


qualquer dos exilados voltasse ocult4mente para a sua ptria,
sob pena de priso, depo rta,o para frica o mesmo de 'rrrorte.
Em todas as cidades, vilas e fortal ezas das provncias, principalmente daquelas que defendem as fronteiras de Portu Eal, os juzes
deviam, cada seis meses, indagar se algum Jesuta teria entrado
furtivamente. E paa que no futuro constasse que isto fora feito
sob mandado da autoridade rgia, o decreto foi guardado no
arquivo real, conhecido por Torre do Tombo.
Por aquele mesmo tempo, publica-se uma carta de el-Rei
paru o Patriarca Saldanha, a quem trata por Irmo e honra com
o ilustre ttulo de Reformador e Visitador Apostlico da Companhia em Portu Eal, depois de a ter exterminado no seu reino.
Manifestava a este prncipe purpurado que era sua vontade exortasse todo o rebanho dos seus fiis sbditos a acautelar-se da falsa
doutrina relaxada dos padres da Companhia, <<que se vos apresentam disfarados de ovelhas, mas por dentro so lobos vorazes>>
(Mr

7,15).

Foi este um novo

estratagema do Ministro Carvalho, pois


o Patriaca tinha de responder oflcialmente ao rei. O que ele fez
em ofcio que comeaya por estas palavras: Dignou-se V. Majestade Fidelssima escrever-me de seu prprio punho. E esta cafia
um testemunho vivo da paternal solicitude do rei para com o seu
povo; coroa com divinos louvores a insigne piedade de um t,o
religioso prncipe; e exalta at aos astros, ou melhor at ao cu,
o zelo apostlico do monarca. Onde quer que encontre textos
na Sagrada Escritura, em que ocorram palavras como Regis,
Regius, Regalis, ele exagerava at ao ridculo. Um ou outro
exemplo: <Agora, reis, compreendei isto, instru-vos, juzes
da terra (Sl 2,10). <Via muito bem eue, sem uma interveno do
rei, seria impossvel estabelecer a paz e pr termo s loucuras
(2.o Mac 4,6).

Ao flm da carta acrescentava que se rezasse a Deus paa que


abrisse enflm os olhos a esses pobres infelizes (os Jesutas expulsos de Portugal). Mas, oxal que aqueles que vem o argueiro no
olho de seu irmo, atirassem fora o trave dos seus prprios olhos

(cf. Mt

7,3).

Ano de

1759

De novo a camlnho do exIlo

. N{o permanecemos pgr muito tempo no colgio do Porto,


pois trs dias aps a chegada tivemos de pr-nos de novo a caminho. Os sete padres que estavam presos nesta casa, juntaram-se
aos cinco vindos de Braga. Na manh de 11 de Novembro,
chovendo, com o cu a chorar lgrimas pelo nosso cativeiro e
soldados a guardar a liteira em que ramos transportados, che-

mente chamados

drages.

um gemido, irromper em expresses como esta: <<Quanto temos


de sofrer pela Igreja de Deus!>. Um outro dos meus companheiros cau doente, mas apesar disso, foi obrigado a prosseguir
a nossa to incmoda viagem, vindo a expirar poucos meses
depois.

Divagando por caminhos tortuosos,lademos as altas pontes

(N.4. *) Rio que nasce nas vizinhanas da provncia de Arago, rt Espanha,


e desagua no Atlntico, perto do forte de S. Joo da Foz, depois de ter percorrido
cerca de 90 lguas.

Memorias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

de pedra sobre o Vouga (N.

A.

pere-

juntos a lti
lnhel.
con uma cidade da provncia de
fluem os dois rios Ca e Pinhel. Ainda hoje se podem ver os restos de uma fortal eza que noutros tempos ali existiu.
g-rinao, tommos

Eckart e seus companhelros


chegam ao Forte de Nmetda

se p
as n

Porque que este estrangeiro veio aqui comer


? (E fruto que abunda muito naquela regio).
longa demora, introduzham-me na minha nova
masmorra. Ainda no tinha passado uma hora, quando se abrem
subitamente as portas cerradas. Entram trs oficiais e prescrutam
com extremo rigor tudo o que eu tinha comigo. Tiram tudo: dinheiro, utenslios de fgrro, paqel, sobretqdg 9 que tinha alguma
coisa escrita, penas e tinteiro. Como eu j , tinha estado preso por
alguns mese nada me tinham tirado, n julgava que eni Almeida
me haviam de fazer esta honra. Seno, teria escondido algumas
coisas. Tudo o que podiam cobiar estava vista. Estes homens
famintos nem deixaram de espiolhar toda a minha bagagem; at
a faixa da batina foi preciso tirar. Remexeram-me todos os bolsos,
roubaram-me um relicrio com cintilaes de prata, que fiazia
suspenso ao pescoo, e o relgio de bolso. Houve at um oficial
euo, desvergonhadamente, apalpou com as mos o meu co{po nu
paa indagar se haveria alguma coisa de oiro ou prata escondida
debaixo da pele. Obrigaram-me a descalar os sapatos e as meias.
Por fim, quatro soldados que estavam postados porta da cela,
(N.4.

as

*)

Plnio escreve a respeito deste rio (L. 4, C. 2l): um rio da Lusitnia,


na Hispnia, que tem o nome de uma povoao e corre entre o Douro ao Norte e o
Mondego ao Sul, indo desaguar ao oceano ocidental, quase ao meio entre Lagos e
Porto. Lagos uma cidade da Lusitnia, sede do governador do reino do Algarve.

Ano de

1759

9t

entraram e viraram a cama de um lado para o outro (o colcho


era de palha coberto apenas com um lenol) e deixaram tudo
num monto desordenado.
<<Mas esta a vossa hora, disse um dia Cristo queles que
tinham vindo para O prender, a hora do poder das trevas (Lc 22,53).
Esta rigorosssima investigao e este despudorado acto de passar
a mo pelos corpos dos meus 11 companheiros, prolongou-se
por toda a tarde at noite. Os que j se tinham deifado, tiveram
de

levanta

os poderem examinar

e apalpar.
uma moeda de cobre
(a que os
capaa s mos vorazes daqueles piratas e guardei-a comigo paa perpetuar a memria desta abjecta faanha.
Ainda nesse ms de Novembro, cresceu o nmero dos nossos
irmos detidos na fortal eza de S. Juli o, pois do Brasil vieram
quatro sacerdotes, trs dos quais eram portugueses e um alemo,
e dois coadjutores, um italiano e o outro ingls.
Volto agoa ao nosso crcere de Almei da, assim o exige a
ordem cronolgica dos acontecimentos. O edifcio que era caserna
militar foi acabado por D. Joo V. Mas, sob o rtinado de seu
filho, o rs-do-cho foi destinado a priso dos Jesutas. Eram
2l celas dispostas por ordem, tantas quantos os padres, dos quais
trs pertenciam Provncia Portuguesa e 18 do Maranho.
primeira era a do antigo compartierior tinha um postigo com uma
ou fechar, munida de duas barras
largura. A esta antiga porta acrescentou-se outra nova com grades de madeira. E, pata nos roubarem a possibilidade de estende r os olhos pelo ptio, construram um muro a todo o comprimento das c
seram grades de madeira que, porventura ser
mas ainda cerravam mais a luz. Com efeit
grades em arco que chegava at ns a escassa claridade do dia.
Neste muro de pedra abriram 2l portas , cada uma frente s duas
portas de cada cela. Mas, paru que os presos no pudessem falar
uns com os outros, prolongaram as paredes com cimento que
separavam as celas at ao muro de pedra. E, assim, cada uffi,
fora da sua masmorra tinha apenas um pequenino trio que podia
ver, mas no podia usar.
Bem podamos com Jeremias soltar os gemidos das suas
lamentaes : <<Cercou-me com ur, muro para que no possa sair

92

Memrias de um Jesuita prisioneiro de Pombal

(Lam 3,7), <<fechou-me o caminho com pedras silhares, isto , com


fortes e subverteu as minhas veredas>> (Lam 3,9), arrebatando-nos
gualquer esperana de evaso. Sempre que uma porta se abtia,
l' estavam trs soldados; cada um -dele possua -um cofre com
2l chaves; eram qois necessrias 63 chaves, uma vez euo, para
entrar em cada cela era preciso transpr trs portas. Pr vrias
vezes, antes da nossa chegada, mes

de guarda, se trabalhou para levar

Os carros carregados de pedra e


rodas pesadas, sobretudo nos dias
o trabalho servil,enchiam de afli

ANO DE

1760

Clemente XIII com a lgreJa


defende a Companhla

Enquanto em Almeida, onde estvamos, ramos atormentados; em Roma, onde no estvamos, ramos louvados. Pois, em
1760, Clemente XIII, defensor dos inocentes, dos oprimidos e
da justia, convocou uma Congregao, gue estiveram presentes
sete cardeais, para defender veementemente a causa da Companhia.
Apresentou o Santo Padre no poucos testemunhos escritos
(foram 70) recebidos dos seus Nncios espalhados pela Europa,
de Arcebispos e Bispos, e de Superiores de vrias ordens religiosas,
todos eles tecendo grandes louvores ao Instituto e virtude dos
seus membros. Esta Congregao prolongou-se por seis horas,
desde as 4 horas da tarde at alta noite. No possvel apagar
juzos to numerosos e honrosos de homens to ilustres, consignados em cartas e outros documentos pblicos. Pergunto-me: como
que o esquecimento pde destruir tudo isto ?
Mandou o Sumo Pontfice ao seu Nncio residente em Espanha
vigiasse para que naquele reino se no divulgassem os insidiosos
libelos contra a Companhia, que ele louva grandemente como
benfeitora da Igreja, e muito necess ria e til mesma Igreja;
e se alguns desses escritos lhe viessem mo os mandasse quei-

mar ('u).
Assim se fez, graas sobretudo ao zelo do notabilssimo
Arcebispo de Farsala, D. Manuel Quintano y Bonifaz, Inquisidor

(") O texto de uma cafia escrita ao Cardeal Torrigiani: <Sua Santidade tem
conhecimento, por vrias cartas que lhe foram directamente dirigidas por diferentes
Bispos de Espanha, que em Madrid e outras partes do reino, etc.... (N.4.)

Memorias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

do Supremo Tribuna
Muitos destes libelos

ino d
consu

na praa pblica, em
ro do
de: Nuda veritas. At
Xry
Companhia foi sujeita s chamas, porque na sua traduo espanhola lhe fizeram insidiosos aditamentos. Em Portugal, Caryalho
ficou furioso com esta carta do Papa paa Espanha e apresentou
as suas queixas na Cria Vaticaa, principalmente, contra os
grandes ehcmios que nela se teciam- Companhia.
A namao volta aos Crceres de Almeida

No dia 30 de Maro, sentimos um forte terramoto, pouco


depois do meio-dia. Este foi mais prolongado do que o trrvel
terramoto euo, em I de Novembro de 1755, desvastou a maior
parte de Lisboa. As nossas portas estremeceram com violncia,
aterrando todos, especialmente, aqueles que no podiam fugir.
No ms de Maio, um dos nossos 2l sacerdotes foi liberto
dos grilhes do coqpo e do crcere, passando a melhor vida. No
teve consolador algum, e at a sua morte nos ocultaram. Foi
sepultado na igreja, que chamam da Misericrdia. Alm da igreja
Paroquial existe aqui um Convento de Franciscanas. Os habitantes desta cidade-fortaleza so, na maior parte, soldados. H.,
duas foras militares, uma de cavalaria, outra de infantaria. O
comandante da fortalez.a, gu tem o ttulo de governador da provncia militar da Beira, pertencia abastada famlia dos Freires.
Ao tempo da nossa violenta recluso festejou o governador com
uma salva de ganho a chegada de seu irmo, Freire de Andrade,
de Yiena de ustria, onde-iinha sido enviado pelo governo portugus como embaixador junto do Imperador. No nosso tempo,
sobressau tambm Gomes Freire, gue, por muitos anos, tinha
sido Governador da Provncia do Rio de Janeiro, no Brasil (N.A.**).
(N.4.

*)

Farsala uma cidade da Tess lia, outrora muito conhecida, mas que

hoje uma aldeia que chamam Parsa.


(N.4. *) O Rio de Janeiro, por outro nome Guanabara, foi descoberto por
um frans, em 1515, e ocupado pelos portugueses, em 1558. A sua principal cidade

S. Sebastio.

Ano de

1760

Este governador de Almeida vigiou-nos com extrema solicitude. Cada dia, renovava o corpo militar que nos guardava. Jantar
e ceia revestiam-se sempre de grande so-lenidade. Alm de dois
ou trs oficiais, vrios soldados transportavam tudo o que era
necessrio. A maior parte do tempo, o abrir-se a porta, 4 sentinelas armadas com baionetas apontavam as suas armas paa os
sacerdotes inermes. Eu at me admirava de que no entrasse tambm no nosso crcere o porta-bandeira ao rufar dos tambores!
Alm da guarda ordinria, outros oficiais circulavam em redor
dos nossos crceres para vigiar as nossas sentinelas.
O constante rudo de cad a dia tornava-se insuportvel. Sobre
a minha cel a jogava-se, e as marteladas de um sapateiro atormentavam-me os ouvidos. No Inverno, o frio era de enregelar. Ainda
em Abril, vi a torre coberta com grossa camada de neve. O pavimento da cela era de pedra. Havia uma chamin, mas tinham-na
obstrudo e, frequentemente, uivavam os ventos rodopiando pelas
suas frestas. Quanto mais frio, num prolongado fnverno, tanto
mais calor, no Vero. Os portugueses costumam dizer: Em Almei da,
9 meses de Inverno e 3 meses de Inferno. A parede da cela, recentemente construda, era to hmida que at os musgos cresciam

nela.

Certo dia, um dos criados que nos ftaziam o alimento, que


era.galego, ao entrar na cela, rompeu. nesta exclama,o: Qge
vez, comovido com o bom exemplo
terrvel lu
dos Padre
bo ?.pacincia que tendes!. No meio
prisioneiros davam admir vel testede tantas
munho, diante de Deus e dos homens, de silenciosa pacincia e
de genuna virtude, que crescia no silncio, alimentada na esperana. O capelo militar, para consolar um dos nossos, props-lhe o herico exernplo de Santo Incio de Loyola, que outrora
esteve preso com grilhes nos crceres de Alcal de Henares e
Salamanca.
Os presos estavam todos isolados, o que pesado tormento
para o homem que se diz animal social. Se que se podia dizer
isolado aquele que tinha tantos companheiros, quantos os ratos
da sua cel! masntes os no tivesse! Durante aisnos, dois meses
e dez dias, lutmos contra este exrcito de vorazes salteadores;
mas em vo. Nada havia que eles no roessem: sugavam o leo
da candeia e devoravam a prpria mecha com o flo da candeia.
Se se tapava um buraco, logo eles abriam um outro. Vinham-me
memria os versos do poeta Marcial:

96

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal


<<Scapulas mordente molesto
Pulice, vel si quid pulice sordidius>>.

(Nada mais repelente do que


morder-nos as costas).

a pulga

E que dizet dos mosquitos que os porugueses chamam trombeteiros, a impedir-nos constantemente o sono ? E do fedor dos
percevejos a rastejar pelas paredes da cela ?
Casamento de D. Pedro com D. Maria
6 de Junho foi o dia em que D. Pedro, irmo do rei, celebrou
solenemente o casamento com sua sobrinha, a princesa do Brasil,
em meio de grande aparato e esplendor. At a esta fortaleza se
estenderam as celebraes solenes por alguns dias. Repetiam-se

as paradas com estrondosas salvas de canhes e espingardas.


Vieram actores teatrais da cidade de Salamanca, comediantes
com borueguins, que clamavam em altos brados: Salamanca,
Salamanca, Salamanca antigua y bella ciudad
Esso he verdad.
Mas, acudiam os portugueses: Salamanca a- uns sara a outros
manca.

Os danarinos e danarinas ao compasso da flauta, saltavam


alternadamente, erguendo ora il, ora outro p. Nem podiam
faltar as famosas touradas com cavaleiros, tanto portugueses
como espanhis. Perigoso divertimento que de comdia se coIIverte, por vezes, em tragdia, com um desenlace sinistro: em yez
de o toiro ser abatido pelo cavaleiro, o cavaleiro morto pelo
toiro.
Nncio ApostIico expulso de Portugal
Por ocasio destas npcias solenes, imps-se a todos os habitantes da capital, que iluminassem festivamente as casas durante
3 dias. Participou-se, antecipadamente, a todos os diplomatas
estrangeiros a notcia do casamento dos prncipes; a todos, excepto
ao Nncio Pontifcio. Isto foi feito muito propositadamente por
Cawalho e Melo. Em retaliao de to descarada ofensa, Accia-

Gravura de Moguncia em 1730 (portanto contempornea do P. Eckart). Reproduo de um exemplar amavelmente oferecido pela actual Cmara Municipal desta
cidade alem, por ocasio da publicao deste livro.

Moguncia hoje. De uma fotografia que nos foi enviada pela mesma Cmara
Municipal, tirada da margem direita do Reno. Em primeiro plano: o edificio da
Cmara e a Catedral de S. Martinho.

Entrada da Capela do Noviciado de Mogncia, com o monograma JHS por


cima da porta. Aqui estiveram os Jesutas de 1561 a ll13 e aqui ter o P. Eckart
feito o seu Noviciado. Ainda hoje 1 se podem ler duas inscries em latim: uma,
recordando a passagem do ento Ven. e hoje Beato Pedro Fabro; outra, recordando
que S. Pedro Cansio foi o primeiro novio de Moguncia. (Arch. Prov. S. J. Germ.
Sup.; Abt. 51; Nr. 2).

Ano de

97

1760

juoli

absteve-se de ilu*ir-uT as janelas do^ seu palci!, despertando


assim o espanto e murmrios do povo. A manha astuta do ministro surtiu o desejado efeito. Persuadiu logo o rei a expulsar imediatamente o Nncio da cidade, no fosse ele cair nas mos da plebe
indignada, que lhe faria pagff violenta"mente a afronta feita aos
serenssimos esposos.
Com to especioso argumento, para proteger a dignidade
do Nncio, ps logo em aco um co{po de cavalaria que o acompanhou at fronteira. Chegando ao nosso colgio de Badajoz
(N.A. *), foi recebido com as honras devidas a um Legado Pontifcio. Eis-me no meio dos meus Padres, desafogou ele, aqui tendes
convosco o ltimo Jesuta expulso de Portugal.
O mundo cristo flcou pasmado com esta insolente medida

do ministro portugus, e o Papa exigiu uma satisfao.


Jesutas do Maranho aportam a Llsboa

No dia 3 de Dezembro, ancorou no porto de Lisboa um navio


militar transportando do Par, toda a nossa provncia do Maranho ("). O conde de S. Vicente entrou a bordo p?ra oferecer
(N.A. *) Badajoz uma grande cidade fortificada da Estremadura espanhola.
ponte que ali atravessa o rio Guadiana ainda um monumento romano. Foi l
que, em 1661, D. Joo de ustria ps em fuga os portugueses.
(") As duas provncias do Maranho e do Brasil foram totalmente evacuadas
em 176/0-; em Abril, obrigaram a sair 124 Jesutas em 2 naus, e 53 numa pequena
embarcao que era propriedade da Companhia, usada pelo Provincial nas sitas
s misses dessas imensas regies. Os Portugueses, alegando um pretexto paa a
confiscar, declararam-na navio de guerra com mais de 60 canhes. A verdade, porm,
que a bordo havia apenas 6 pequenas peas de artilharia, destinadas a saudar com
salvas de tiros as cidades e fortalezas, ao passar diante delas. Tinha ela ao todo 6 compartimentos estreitos. Mesmo assim, amontoaram dentro deles nada menos de 53
religiosos para neles serem transportados a Lisboa. Em Pernambuco e Rio de Janeiro
embarcararn 119 Jesutas; e pouco depois, embarcaram em dois navios nesta mesma
cidade mais 198 membros da Companhia. Todos eles foram tratados como criminosos. Mal entraram nas naus, pobremente vestidos, falhos at das coisas essenciais,
foram atirados para o fundo dos pores, onde se amontoaram uns sobre os outros,
mal se podendo mexer. Sob permanente e atenta gilncia, os de Pernambuco e da

98

Memrlas de um Jesuta prisioneiro de Pombal

disaos recm-chegados a benevolncia do rei,


postos a abandonar a Companhia de Jesus.
esispor
tiram, mantendo-se fiis vocao. A maior
isso de velejar imediatamente no mesmo barco paa ltlia. Mas
quinta de Azeito,
alguns foram leva
palcio de Yero,
onde o infeliz du
de lhe obstrurem
agora convertido
as janelas a pedra e cal. Ali se amontoaram 120 Jesutas chegados de vrias provncias, a maior pafie deles j avanados em
idade, e doentes. Um deles que ali permaneceu por dez anos,
escreveu: <<estamos aqui entalados como sardinhas em canostrn>>

Baa no conseguirarr, ape.ar dos seus instantes pedidos, mesmo nos dias abrasadores e fatigantes de Vero, lhes permitissem subir ao convs para respirar um pouco
de ar puro. Nos dois meses de navegago o seu alimento consistiu apenas num prato
de favas em peque,lra quantidade; e a Sw era to escassamente distribuda, que
alguns, devorados pela sede ardente, chegaram a beber a prpria urina. Quatro morrea^m na travessia, privados at do auxlio dos sacramentos, pois o Comandante
os olhava como excomungados. A sede foi o pior tormento que tiveram de supota.
A 11 de Maio de l7@,permitiu-se aos 53 Jesutas embarcados no antigo navio da
Companhia de Jesus, que subissem ao convs para ouvirem Missa. Acabada ela, o
P. Vicente Rodrigues, venerando ancio de 70 anos, cau aos ps do Capito a implorar de mos postas que em nome de Jesus Cristo a arder em sede na cruz, lhe concedesse uma gota de gua. Como resposta a esta splica, os prisioneiros foram proibidos de sair do poro, o de vir ao convs provocar a piedade dos marinheiros e dos
passageiros. Nesse mesmo dia dois Paes morreran de sede, e um outro expirou
no dia segnte. Trs dias depois faleceu pelo mesmo, motivo, llm ancio de 90 anos.
O cirurgio desceu ao fundo do poro a ver os doentes. Mas apenas entrou nesse lugar
pestilento sau logo precipitadamente quase sufocado, e dirigiu-se ao Capito, dizendo-lhe: Se no aliviar os seus prisioneiros, nem um s chegar vivo a Lisboa.
(Mm. de Pombal, t. II, p. 130; nedd. t. II, pp. 154 e 164)
E o P. Louis du Gad completa assim esta triste narraSo: <Dos que embar@ram em Pernambuco, 3 morreram na viagem; e dos que partiram do Par,,l no
chegaram a Portugal. Entre estes ltimos encontrava-se um velho de 70 anos, homem
de temperalnento ainda vigoroso, mas que j no tinha dentes. A bordo viu-se assim
reduzido a comer biscoitos, e veio a morrer de fome no caminho. Residia no Par
um outro ancio de compleio igualmente robusta. Os Padres da residncia felicitavIIt-Do em tom jocoso pela boa forma com que se apresentava, e pela vigorosa disposio com que se preparava para embarcar com eles para o exlio. Ele, porm,

Ano de

1760

(N.A. *). Quatro companheiros mortos durante a travessia foram


sepqltados no mar paa sustento dos peixes. Os padres estrangei-

ros j destinados a

ir vegetar nas enxovias, foram levados de nite


para o forte de S. Julio. Entre eles, o P. Francisco Wolff, da
provncia da Bomia, os Padres Incio Szentmartonyi, Jos Keyling, da provncia Austraca, e o P. Martinho Schwattz, da Almanha Superior. Chegados sua principesca habitao, numa
lgida noite de Dezembro, os novos hspedes foram lautamente
confortados somente com um copo de gua fria.
A 17 de Dezembro vieram iuntar-se-lhes mais cinco Jesutas
portugueses, vindos da cadeia de Belm.

respondia-lhes: <Morrerei no Par, e vs mesmos me enterrareis na nossa igrejar.


E aconteceu de facto, conforme ele previra; na vspera do dia marcado paa o embarque, depois de se ter confessado de manhlzinha, pediu que lhe administrassem
os ltimos sacramentos. No se tomou a srio aquele pedido. Mas nesse mesmo dia
cau de cama com febre, e na noite seguinte, recebendo os sacramentos, passou a
melhor vida.
No outro dia, os oficiais encarregados de fazpr cumprir as ordens de Lisboa,
ao chegarem residncia dos Padres, encontrrn-Do estendido no caixo. Antes
de partirem, ainda consentiram que lhe rczassem o ofcio e o enterrassem com as
devidas cerimnias na nossa igreja. Terminadas estas, foi o embarque dos outros
80 Jesutas. Sobre a forma como os trataram a bordo, citarei apenas dois factos:
No dia do embarque no lhes deram absolutamente nada de comer. Meteram-nos
todos num mesmo recinto que s recebia htz atravs duma pequena vigia, a nica
que no fora tapada. O aperto era to grande, que os infelizes prisioneiros paa poderem respirar eran forados a aproximar-se da pequena fresta, apertando-se uur
contra os outros. (Cfr. Carayon, pp. 92-93, nota)
(N.A. *) As sardinhas so uma espcie de pequenos clupeidas abundantes
nas guas da costa ocidental do Atlntico, que em Portugal so o po quase quoti-

diano dos pobres.

ANO DE

176I

Os Jesutas da sia so capturados

e enviados para Lisboa


Tambm os Jesutas da sia experimentaram na sua carne
como eram compridos os braos de Pombal paa chegarem aos
mais longnquos rinces do domnio portugus no Oriente. Farejados em qualquer posto missionrio
todos presos e levados para Goa, e l
dos num navio com as vigias fechadas
corrupto e o calor tropical mais abrasador. Seria impossvel descrever aqui tudo o que tiveram de sofrer numa lopga viagem de
muitos meses. Todas as naus de caminho paa a india costumavam fazer escala por um ms em Moambique; e volta, nalgum
outro porto paa descansar e se abastecerem dos necessrios
mantimentos. Mas o comandante da nau recebera ordens estritas
de Carvalho e Melo para levar os prisioneiros directamente paru
Lisboa, com proibio de qualquer escala. A consequncia inevitvel foi a corrupo de grande parte dos alimentos necessrios
para a vida. O po apodreceu de tal modo que se descobriam
nele quatro espcies diferentes de vermes. No havendo escudelas
comer em qualquer espcie
a outros usos exigidos pela
p. Nas angstias de tanta
nhia morreram de pura misria
mar (ot).

(") A relao do P. Louis du Gad permite-nos acrescentar mais alguns


pormenores narrao do P. Eckart sobre os Jesutas de Goa:
A princpio foram encerrados em diferentes conventos de religiosos, onde
ficaram to estreitamente vigiados e guardados, como se estivessem em regime de
priso. Esta primeira durou 15 meses, ao fim dos quais os embarcaram para Portugal.

102

Memrias de um Jesuita prisioneiro de Pombal

Um destes foi o P. Simo Gumb, do Tirol, que na sua adolesccncia exercera o ofcio de ajudante de pedreiro. Trabalharu na
reconstruo das escolas de Aschaffenburgo, que tinham sido
devoradas por um incndio. Acabado o edifcio, frequentou o
liceu, e entrando na Companhia, na provncia do Reno Superior,
pediu a Misso da China. Em 1757 encontrava-se em Tonquim.
A todas estas torturas acresceu outra, provo cada pela fama
que se espalhou de possurem e trazetem consigo uma fortuna
de oiro. A cobia desenfreada dos guardas levou-os a mais de
9 morreram antes da partida. Entre os Padres de Goa, havia outros 6 missionrios Jesutas, presos em Moambique, um dos quais impedira os cafres, seus nefitos, de
usarem de violncia contra os executores das ordens da Corte. De facto, eles estavam
dispostos a agredi-los, se o Padre os no dissuadisse de o fazr.
Quando embarcmos, haa entre ns um doente duma enfermidade mortal,
que j h muito estava de cama. Pedem ao Vice-Rei que o enfermo fique em terra.
<No, respondeu, guo v com os outros. Prefiro vir a arrepender-me de ter sido
demasiado rigoroso do que faltar numa vrgula s ordens do Rei. 22 morreram na
travessi?, a passaram, como esperanos, ao prmio dos Bem-aventurados, antes de
experimentarem at ao fim todos os infortnios e fadigas duma das mais deplorveis
navegaes.

Para dar uma ideia de tudo o que tiveram de sofrer os que embarcaram, basta
dizrr que o Capito levou a sua desumanidade ao ponto de pr a ferros, primeiro
no prprio barco, depois em Lisboa mal l chegmos, um cirurgio e um outro oficial
subalterno, por terem dado sem sua licena algum alvio aos Padres doentes, e por
terem minorado a sede de alguns prisioneiros, dando-lhes mais gua do que a medida
prescrita. (Crf. Carayon, pp. 97-98, nota)
Para completar esta relao do Padre du Gad, eis o que o Autor de neddoti
nos conta (Tomo II, p. 186):
<<Pelos finais de Setembro de 1760, chegaram a Goa os navios ndos de Portugal,

aguardados com expectativa, com novas ordens para o Vice-Rei. Executando essas
ordens, tiraram os Jesutas dos conventos onde estavam em custdia, e reuniram-Dos no colgio de S. Paulo. Eram 121 que amontoaram no corredor mais baixo,
onde muito tiveram que sofrer. A morreram um Padre e um Irmo, que foram pouco
depois substitudos por 7 prisioneiros vindos de Moambique, mais 3 Padres da
provncia do Japo. Ali permansceran at 19 de Dezembro, dia em que foram levados para o porto com uma qscolta de foras armadas. No momento em que abandonavarn a ndia, pediram lhes fosse concedi da a graa de ir venerar o tmulo de S. Francisco Xavier, erezarjunto s suas relquias. Mas at essa consolao se lhes negou.
No entanto, os soldados, no momento em que passavam pela rua que ladeia a igreja

Ano de 76t

t03

uma vez sujeitar os prisioneiros a inspeces humilhantes, plpando-lhes violentamente todo o corpo na sofreguido de encontrar oiro escondido. Ao fim da viagem j no havia um s que
no estivesse atacado pelo escorbuto. Exaustos de fome e de sofri-

mento, mal se tendo em p, entrarlm no Tejo a 24 de Maio de


lT6L LIm dia mais que fosse, teriam perecido todos de misria.
E contudo
1i11gum poderia cr-lo se no nos tivesse sido relatado pelos -prprios que viram e o sofreram na sua came
ds

Santo, permitiram-lhes que parassem por uns momentos para se ajoelharem a


tez:r uma breve orao. Aps uns rpidos segundos em que suplicaram ao Apstolo
das ndias coragem e pacincia nas tribulaes que os esperavarn, dirigiram-se ao
local do embarque. O Comandante, surpreendido ao ver to grande nmero de religiosos, fez saber ao Vice-Rei que as ordens recebidas em Lisboa erun para acomodar a bordo 40, o mximo 50 pessoas que j ultrapassavam a capacidade do navio.
O Vice-Rei, porm, no deu ouvidos a nada, e persistiu na deciso de os encafuar
todos nesse navio; o capito que os arrumasse como pudasse. O oficial que os conduzira at l, vendo-os tio deploravelmente amontoados, exclamou, levantando
os braos ao cu: <Meu Deus, que miservellugar paa os vossos servidores! Como
podero sobreviver fechados naquele buraco ?!
A 2l de Dezembro, festa de S. Tom apstolo, um tiro de canho deu sinal de
partida, e, conforme as ordens recebidas de Lisboa, o Capito mandou afixar no
mastro grande a proibio absoluta aos Jesutas de falar com os passageiros, e a estes
de tratar com eles por qualquer motivo que fosse.
Alojamento insalubre e apertadssimo, pssima alimentago, gua impotvel,
e outros inmodos estiveram na origem de muitas doenas. Qtrando os prisioneiros
passaram o Cabo da Boa Esperana, a 23 de Fevereiro 1761, quase todos tinham
sido atacados pelo escorbuto. Estes venerandos missionrios, atormentados pela
mais esqulida misria, deitavam-se uns sobre os outros, sem qualquer assistncia,
misturados os menos doentes com os moribundos. Assim, orr poucos dias, morrerarn
11. futre estes, 19 eram Portugueses, 3 Alemles e 2ltalianos, quase todos Padres

do

Professos.

Os outros, aps 5 meses de tormentosa travessia, chegaratn a Lisboa no a ?A


de Maio, quase todos mais mortos que vivos. Tendo o Comandante informado a
Corte do msero estado destes religiosos, foi-lhes enviado um cirurgo, que mal
entrou no compartimento preparado na coberta do navio, e vendo os doentes estendidos no cho, plidos, desfigurados, respirando a muito custo, ficou de tal forma
impressionado que se retirou sem zrlr palawa. Convidado a descer a outro cornpartimento, deparou-s-lhe um espectculo ainda mais lamentvel, e, sem conseguir
reter as lgrirrs, afirmou que deixar esses doentes sm assistncia e em tais condies,

Memrias de um Jesuta prisionei,ro de Pombal

1M

todos os exilados da provncia Jesutica de Goa escolhem-se 26,


que so levados em braos pelos soldados por j se no poderem
ter em p, no paa o hospital, a fim de serem dignamente tratados, mas para os tristemente famosos sepulcros ou celas do forte
de S. Julio da Barra. Era realmente o lugar mais prprio para
sepultar aqueles farrapos humanos, que iam j mais mortos do
que vtvos.
19 deles erarn estrangeiros, rus de crime de lesa majestade,
na linguagem empolada de hrvalho. Mas que crime ? Certaera o mesmo que mat-los. Houve ento um pouco de compaixo, e levaram-lhes
Iaranjas e outros refrescos para combater o escorbuto.
Enquanto tratavam da vida corporal destes prisioneiros, constitua-se ao mesmo
tempo unr tribunal para lhes dar, se fosse possvel, a morte da alma, isto , para os
levar a violar as promessas feitas a Deus e Companhia. O Conde de S. Vicente
tomou nota dos nomes, apelidos, ptria e diocese de cada um. O cirurgio indicou
os doentes que no estavam em condies para suportar a agem. 26 seculares foram
enca@rados por terem mostrado compaixo para com os doentes durante a travessia. Neste nmero esteve o capelo do navio. E, se a caridade crime, este bom
Padre merecia bem o castigo, pois fora incansvel no zelo e solicitude para aliviar

os cativos.
Quatro dias depois, o Conde de S. Vicente veio de manhzinha cedo apressar a
partida paraltlia. Esperararn, porm, pelo meio-dia para transferir os doentes dum
barco paa outro. Muitos deles estavam to fracos, que tiveram de ser transportados sobre tbuas. Os Portugueses, em nmero de 60, foram conduzidos para uma
especie de lazareto, ou priso na margem do Tejo, frente a Lisboa. Os estrangeiros,
em nmero de 18 (11 Italianos, 3 Alemes, I Francs,2 Espanhis, e I de Tonquim)
foram conduzidos com 7 Portugueses para a Torre de S. Julio, onde os sepultaram
vivos nos subterrneos que Pombal mandara cavar.
Quando a nau que transportava os cativos de Goa entrou em Lisboa, a piedosa
Princesa do Brasil atirou-se aos ps do Rei a suplicar-lhe tivesse compaixo dos
pobres missionrios das ndias; mas nada conseguiu. A alma do Rei estava nas mos

do seu implacvel Ministro.


O Conde de S. Vicente dirigiu-se ao lazareto, e chamou sua presena, um por

llrn, todos os Jestas portugueses para os seduzir e tentar a deixar a Companhia

A 15 religiosos no-professos falhou-lhes a coragem,


desmoralizados por tantos sofrimentos, e cederam tentao no momento em que
iam assegura a vitria. Todos os outros resistiram, e foram conduzidos aos crceres
de Azeito: erarn todos professos, excepo de um Irmo que cegara. A 30 do
mesmo ms juntaram-se-lhes mais 14 Padres de Portugal ou do Brasil.

e a aproveitar a bondade do Rei.

Ano de

t05

176

mente no de atentado contra a vida do rei. Pois que parte podiam


eles ter tido nos acontecimentos da noite de 3 de Dezembro ?
Foram eles que armaam os conjurados ou os incitaram a atentar
contra a vida do rei ? Que fuerum estes infelizes prisioneiros reduzidos extrema misria contra os direitos e a dignidade real ?
Um destes estrangeiros era o Irmo Paulo Machado, coadjutor da ComFanhia, natural de Tonquim. Fora guia dos nossos
missionrios nos reinos de Tonquim, Cochim, Cambodja e Malaca.
E tinha sofrido os rigores do crcere por vrios meses, tendo sido
companheiro dos quatro mrtires euo, a 12 de Janeiro de 1737,

em Tonquim, selaram com o sangue a verdadeira f, oferecendo a cabea ao algoz. Foram eles o Padrg Johann Gaspard-Cratz e 3 prtuguess, Padres Bartolomeu lvares, Manul de
Abreu e Vicente da Cunha, de Lisboa, euo ainda no tinha 30
anos. O rei de Portu Eal, D. Joo V, ao ter conhecimento deste
martrio felicitou pessoalmente os pais deste ltimo.
Outro, o espanhol Padre Manuel Guevara, da provncia de
Toledo, foi levado em braos j moribundo paa uma das celas
subterrneas de S. Julio. Tinha ele ido a Goa para venerar o
tmulo de S. Francisco Xavier. Com ele foram tambm o Padre
Gabriel Martorelli, oriundo da ilha de Maiorca e 11 italianos,
2franceses e 3 alemes; o Padre Carlos Przikril, natural de PraE,
Padre Maurcio Thoman (Langenargensis) formado em medicina,
que recebia uma penso anual de 300 florins, concedida em 1777
pela Imperatriz, a rainha apostlica clementssima, e o Irmo
Jacob Muller, fannacutico, actualmente em Colnia, sua terra
natal, no colgio chamado das Trs Coroas (design ao tomada
das insgnias da cidade) e que a exerce o ofcio de prefeito da
sade.

A Provncla do Malabar consegue escapar


frfa de Pombal

Os membros da provncia do Malabar, feliznente, puderam


livrar-se desta tempestade. Cawalho no se poupou a trabalhos
paa apanhar nas malhas do seu dio, fora, ou usando de astcia, todos os missionrios da Companhia, que missionavam nas
plagas do Oriente. Atreveu-se at com desmedida desfaatez a
enviar um navio de guerta, no paa pedir, mas para exigir impe-

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

106

lhe fossem entr

ida pelos prnc


rei de Calecut,
de Travancor
Todos os subsdios anuais concedidos pelo governo de Portu gal
paa conservao das misses, so abolidos; mas os comerciantes
holandeses tendo d dos padres, muitos dos quais eram estrangeiros, ofereceram-lt g largqs somas de dinheiro. Esta nago
possui no }alabar 3 cidades chamadas Cananor, Cochim e Coulo.

Entretanto, na cidade de Goa, lanam-se inquos ataques


contra 2 Bispos, missionrios da Companhia: o Arcebispo de
Angamala e o Blspo de Cochim. Angamala ou da Serra e Cochim
so cidades das Indias Orientais, na costa do Malabar, habitadas
pelos cristos
O Arcebispo reside em
Cranganor,

ci
de

Bispo em Cochim, onde


em siraco. Estes no se
sujeitando ao domnio do rei de Portugal so tidos por rebeldes
entre os goeses.
No dia 2l de Agosto, nasceu o primeiro filho de D. Pedro
e D. Maria, princesa do Brasil, tambm chamada princesa da
Beira (N.A. *). Por este motivo todas as festas celebrdas no ano
precedente se renovaram na fortal eza de Almeida. E, no meio
deste jbilo festivo, oE gue tudo se inunda de alegriq nos diferentes crceres permanecem os cativos Jesutas abandonados
sua esqulida misria. Assim como nas festas do casamento dos
prncipos, assim tambm agoa a nenhum deles concedida a
liberdade. Pelo contrrio, um ms depois, pronunciada e executada a sentena de morte contra o Padre Malagrida.
os cristos

Condenao e execuo do Padre Malagrtda

(N.4. *) A Beira uma provncia

de Portugal cuja cidade principal Coimbra.

Ano de

761

t07

tugal, todo aquele que cai sob a alada dos inquisidores da f


fica marcado com a maior das infmias. O ru foi acusado de ter
participado no insidioso atentado contra o rei, mas tal espcie
de crime no da competncia do tribunal do Santo Ofcio.
Disseram que a princpio, Malagrida escrevera uma carta
camareira-mor, pedindo-lhe que asasse o rei para, na noite
do dia 3 de Setembro, no sair do seu palcio, pois correria eminente perigo de vida. Mas, esta carta fora entregue ao rei demasiado tarde. Ou isto foi falso or a catta nada continha em desfavor do Padre. Alis, assim como Carvalho, na sentena pblica
de morte dos nobres, apresentou uma cafia do Provincial P.
Henriques mandada a Roma, guo era de somenos importncia,
tea agoa certamente apresentado esta de Malagrida, que seria
de muito maior transcendncia. Consta que Malagrida abraara
um dia ternamente o seu carcereiro dizendo-lhe: alegrar-me-ei
imensamente se um dia te vir confirmado em estado de graa.
Outra vez, aflrmou que, tro dia anterior, lavata a conscincia com
a conflsso de toda a sua vida. Este fulgor de santidade, este amor,
os aplausos que recebia, a venerao popular, toda esta fama
fazia arder de fria os sequazes le Carvalho; por isso, como morcegos que no suportam os raios de sol, eles desejaram affanca
Malagrida ao ntimero dos vivos.
Oiamos ainda a multiplicao destas mentiras. Afirmaram
que Malagrida era um impostor, joguete do demnio, blasfemo
e here ge; mas que provas aduzem de to infames ttulos de acusao? Apresentaram um livro como tendo sido escrito por ele no
crcere sobre a vida de Santa Ana, contendo afirmaes teolgicas
de no poucos fenmenos msticos e opinies contrrias ao sentir
da Igreja: que o Esprito Santo formara o coqpo de Cristo com
trs gotas que manaram do corao de Maria; que os anjos tinham
assumido a figura de um carpinteiro paa poderem ajudar a" S.
Jos, na sua oflcina; que os gnios celestes, no tempo de Santa
Ana, construram em Jerusalm uma casa para virgens consa gadas a Deus, a que os portugueses chamam <Recolhimento, etc...
Interrogado pelos juzes do Santo Tribunal sobre o que pensava das suas prprias revelaes, o P. Malagrida respondeu:
<<Confesso que sou pecador. Mas manifestar o que penso das revelaes que me foram feitas, no acho conveniente>. Ao que eles arguiram: Mas no sabeis que Deus no ouve os pecadores ? Ele
retorquiu: <Sei, e sei tambm o que Deus dizpelo salmista: Quando
chegar o tempo, julgarei segundo a justia (Sl 74,3). Tendo eles
,l

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

t08

acrescentado estas palavras de S. Joo: (no deis f a qualquer


esprito (1 Jo 4,1) respondeu o P. Malagrida com este txto
de Cristo: <Na ctedra de Moiss, sentaram-se os escribas e os
fariseus (ryt 2?'2).-No s confundiu em poucas palavras a.ve.rgonhosa cobardia dos telogos que o examinavam, mas reprimiu
fortemente a audcia daqueles que se sentavam para o julgar (,,).

(")

Os homens que difamaram o P. Malagrida, eram homens mpios entre os


quais esteve em primeiro lugar o P. Joo Mansilha, Provincial dos Dominicanos, que

logo depois da morte de D. Jos, de gloriosssima memria, foi destitudo do seu


lugar por ter ajudado o ex-ministro na injusta tortura de tantos inocentes, e por ter
estendido as mos usurrias para manter a tristemente famosa Companhia dos Vinhos
do Alto Douro na cidade do Porto. Foi deportado de Lisboa pelo seu nimo depravado, no ano de 1178. Como se l no Dirio Florentino, Gau.etta Universale, 1778,
p9. 657, Lisboa, 15 de Setembo: o P. Mansilla, que fora Provincal dos Dominicanos,
por mandado rgio, tto dia I0 de Setembro, foi chamado pelo Provincial aos seus aposentos, onde l se encontravam reunidos os religiosos de maior autoridade, e na pre-

falou:'Mandou-me Sua Majestade cham-lo aqui para lhe dizer,


como de facto digo, da parte da mesma Soberana e Senhora, que estando ela perfeitamente informada do seu escandaloso comportamento, e no querendo castig-lo com
o rigor que merece, seguindo o impulso da sua clemncia, lhe ordena parta medatamente desta cidade e se dirija j ao convento da sua ordem na montanha de Pedrgo,
onde ser obrigado a pernoitar sempre, e de caminho no poder deter-se em lugvr
algum. L concede-lhe uma renda de 200 mil ris'. Este religioso fora um dos principais
sena deles assim lhe

consultores do tribunal do Santo Ofcio, pois recebia ento uma renda anual de
4.000 cruzados. M. (N.A.).

Mmoires e Aneddoti acres@ntam ainda a este respeito alguns pormenores interessantes: Os Juzes do Padre Malagrida celebrararn exultantes
a sua tria. O primeiro Inquisidor, Nuno lvares Pereira de Mello, deu nesse
mesmo dia, no convento dos Dominicanos, em sinal de jbilo pelo triunfo do
Santo Ofcio sobre os inimigos da f, um magnfico banquete a que assistiram os
diversos membros do tribunal da Inquisio com muitos nobres ( Mmoires de
Pombal, t. III, p. 39).
A vingana de Deus cau de forma visvel sobre os que mais contriburam paa
a morte do seu fiel servo. Os dois homens que depois de Pombal mais contriburam
paa a morte do Padre Malagrida, foram sem dvida o Padre Norberto, ex-Capuchinho, mais conhecido pelo nome de Abade Platel, e o Padre Joo Mansilha, dominicano, criatura de Pombal, por ele nomeado vitaliciamente Provincial da sua Ordem,
e, o que era ainda mais lucrativo, Director da Companhia dos Vinhos do Porto.
Todos eles tiveram um fim trgico.

Ano de 761

109

Ocorre aqui observar de passagem que o Inquisidor Geral


ou o Presidente deste Supremo Tribunal era D. Jos, irmo natural do rei. Este, ao ver a maneira inslita de julgamento por juzes
corruptos, conselheiros incompetentes e testemunhas vacilantes,
no quis lavar as mos em sangue inocente, e demitiu-se. O que
Carvalho levou com to furiosa indignao que o encerrou, com
seu irmo, ro mosteiro do Carmo, do Buaco (na Diocese de
Coimbra). Paru o substituir, nomeou o seu irmo mais novo,
Paulo de Carvalho e Mendona, que ea Comissrio Geral Apostlico da Bula da Santa Cruzada.
Os juzes eclesisticos, agora sob nova presidncia, voltam
a esforar-se, a instar ) a urgir com Malagrida paa que se arrependa e reconhea como iluses diablicas os seus milagres, profecias, vises, revelaes, e para que abjure e se retracte, reconhecendo os seus prprios erros.
Recusando-se ele a faz-lo e afirmando que se submetia a
si e a todas as suas afirmaes ao juuo da Santa Igreja Romar,
protesta publicamente que aprova tudo o que Ela aprovar e condena tudo o que Ela condenar. Ao ouvir isto atiram-se contra
ele vociferando hediondos insultos.
De novo convocado a tribunal, responde a maior parte das
vezes com silncio, e noutras, que tudo fez na presena de Nosso

Ntrno lvares foi ignobilmente eliminado alguns dias aps o banquete que
oferecera aos Inquisidores.
O P. Mansilha, por morte de D. Jos I, foi despojado das suas funes, cargos
e rendimentos, e acusado de diversos crimes. E s no foi condenado morte pelo
respeito da Rainha pa com a sua Ordem.
O P. Norberto teve um fim ainda mais infeliz. Depois de por longo tempo ter
errado de provncia em provncia, levando no seu rasto mulheres de m vida, que
ele apresentava como filhas de seu irmo, morreu miseravelmente em 1770.
Os Jesutas sepultados vos nas mLsmorras de S. Julio, privados de todas as
notcias do exterior, tiveram conhecimento da morte do P. Malagrida por um menino
de que o carcereiro s vezes se servia paa levar aos presos as magras refeies. Voltando ele s depois de trs semanas, perguntaram-lhe os prisioneiros se acontecera
alguma coisa. <<Nada, respondeu a criana, a no ser que morreu o Santo; h quinze
dias que foi condenado a ser estrangulado e queimado. fnterrogado sobre de que
Santo se tratava, respondeu: <<No lhe sei o nome; era Jesuta, e s lhe chamavam
'o Santo'>> (Anedd., t. If. p, 194).

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

Senhor Jesus Cristo, como seu ju2. Mas Ele no respondeu coisa
alguma, de modo que o governador estava muito admirado
(Mt 2l ,14). Pelo gue, num frmito de indigna,o, todos os juzes
do tribunal o difamaam, condenando-o como rebelde a Deus e
ao rei, sedutor do povo e pertinaz defensor dos seus prprios
erros; e o Arcebispo de Lacedemnia, que sempre o auxiliar do
Patriaca de Lisboa, privou-o dos privilgios prprios dos clrigos
e entregou-o ao brao secular.
Escolheu-se pata a execuo o dia de S. Mateus, sendo esta
precedida de solene auto-de-f, que se celebrou na igreja dos
Dominicanos. Levanta-se um enorme cadafalso e rodeiam-no
os juzes com a cabea coberta por um barrete obloogo, maneira
dos turcos. Compaecem todos os rus condenados pelo tribunal
usando insgnias de penitncia sobretudo rLa cabea, conforme
a gravidade das suas culpas. Com velas acesas devem professar
a verdadeira f e abjurar os seus erros. O ministro de Deus prega
longamente imens multido sobre as verdades da f. Assistem
todos os religiosos das sagradas ordens, que eram muito numerosas em Lisboa. Da tribuna proclamam-se as culpas e as penas
dos rus. O acto comeou de manh cedo e prolongou-se ate ser
noite escura.
Obrigarn Malagrida a subir ao cadafalso com 40 outros rus
de vrios crimes. Vi uma efgie deste padre gravada em bronze.
Na cabea tinha enflada uma espcie de mitra, que se impunha
aos hereges; trajava uma toga talar com flguras de horripilantes
serpentes e monstruosos diabos em chamas. Na boca mordia
um freio de madeira, como se fosse blasferlo, ou melhor, paru
o impedir de manifestar a toda a assembleia a sua prpfia inocncia. A mesma efgie mostrava dois sacerdotes, que o ladeavam,
um franciscano e outro dominicano. Mas, foram dois beneditinos
que o acompanharam realmente ao cadafalso.
Na paa chamada do Rossio, nas proximidades daquele
o para Deus, para os
templo, Malagri
momento da execuo
Anjo.s e para os
estas palavras: <Deus
os circunstantes
misericordioso acode-me nesta hora e tem piedade da minha alma.
Senhor, nas Tuas mos encomendo o meu esprito. Digna morte
de uma vida to santa. Depois de estrangulado lanaran-no
e as cinzas foram atiradas ao mar.
fogueira
- Assim
descreveu esta morte um homem ilustre como testemunha directa e que muito bem conhecea o Padre, pois sob a

Ano de

176

111

sua direco fazia cada ano os exerccios de Santo Incio: ele


viu o Padre Malagrida, que acabado o auto-de-f passou
perto dele a saminho do cadafalso e o saudou com um ligeiro
gesto de cabea, mostrando-lhe quo amarga era aquela gota do
clix de Cristo que lhe coubera em sorte.
Um dominicano espanhol que voltara Europa, e estava
ento em Lisboa, foi testemunha deste espectculo e escreveu
do mesmo modo paa o seu procurador em Macau. Dizem que
o corao do Padre Malagrida flcou intacto, sem ser consumido
pelo fogo, e) que uma piedosa mulher o recolheu e o conserya
em sua casa.
Eu mesmo, em 1753, vi entrada da j, referida igreja dos
Dominicanos, uma grande pintura representando muitas cabeas
envolvidas em chamas. Convenci-me, a princpio, que seriam as
almas do purgatrio; mais tarde, porm, percebi que eram aqueles
desgraados que tinham sido julgados pelo Santo Ofcio e entregues ao brao secular. Um dia, o rei D. Joo V convidou a rainha
sua esposa a presenciar o lgubre espectculo de um auto-de-f.
Ela respondeu que no podia de modo nenhum assistir a um acto,
em que lhe ea impossvel dar alvio aos infelizes supliciados.
A inqua sentena que depois de algum tempo foi publicada,
suscitou a bem merecida indigna,o de todo o mundo, mesmo
daqueles qug eram . menos afectos Companhia, pois. coltinha
afirmaes t,o vis, t,o estpidas, que nem uma criana de 10 anos
as aceitaria. E tais aleivosias eram imputadas a um homem bem
conhecido pela sua santidade e prudncia. Assim, mesmo que o
P. Malagrida tiv
tais coisas, isso s podia ter sido
atribudo a uma
esprito, provo cada pela veemncia
dos sofrimentos
s calamidades que sobre ele tinham
cado: era um ancio esgotado pelos anos e trabalhos, que j
passara dos 73 anos.
O mesmo pensou o cristianssimo rei Lus XV. Tendo-lhe
chegado mo esta sentena (como me contou um amigo franmesmo

cs) e tendoperguntou-lh
o padre que

em

Lisboa>>,

fogueira em Paris o 'padre eterno' (referia-se a um louco famoso,


encerrado num manicmio, que se tinha a si mesmo como o Padre
Eterno).
Est acima de tudo o que a inteligncia humana possa captar,

Il2

Memorias de um Jesuta prisioneiro de Pomba'l

como foi possvel procla"mar herege um homem gu, como a ppria sentena o atesta, por duas ou trs vezes declaraa em termos solenes que todas as suas afirmaes e escritos submetia

docilmente ao juzo da S Romana. E como se pode compreender


eue, aquele que primeiro foi acusado como conhecedor do atentado regicida, agora seja condenado fogueira como homem corrompido por ideias venenosas contra a f 1ao) ?
Uma morte to infame perante o mundo, em yez de diminuir
a fama de santidade deste homem, pelo contrrio, aumentou-a.
Nas nossas casas da Companhia em Espanhg, este martrio foi
aos olhos
anunciado com o repicar alegre dos sinos: E preciosa
-Em
Roma, capital
do Senhor a morte dos Seus antos (Sl 115,6).
do orbe catlico, por con@sso de Clemente XIII, Sumo Pontfice,
foi gravada em bronze uma imagem do P. Malagrida com esta

(to) Eis o que J. Lcio de Azevedo escreve a este propsito em <<O Marqus
de Pombal e a sua WCat, 2.t edio p. 204: Carvalho ngava-se fnalmente. Para
ele era o velho missionrio um inimigo pessoal, que desde o terramoto o afrontava.
Um ano tinha lutado a exigir da Santa S a concesso que lhe permitiria entregar
ao verdugo a encanecida caloega donde o siso desertara. At que ao cabo de tanto
esforo, o tinha mero. Dentro do tribunal l estava seu irmo Paulo de Canalho,
inquisidor.... Ento sucedeu esta coisa incrvel : Sebastio Jos de Carvalho quis
ser em pessoa o delator de Malagrida no Santo Ofcio, por crimes contta a f. E,
tomada a denncia, com o seu punho, como num decreto rgio, assinou: Condc de
Oeiras.

O que o ministro deps revela os abismos de rarcor que na alma lhe cabiam.
Acusa o Jesta de ganncia, de hipocrisia, de actos e pensamentos sacrlegos, de
impostlrra. No Brasil, a pregar, incitava as mulheres a despojarem-se das suas jias
com evidentes fins de avarezae cobia. Interrogado pelo Governador do Par, sobre
a aplicao dos donativos, recusara sempre dar explicaes. Participara no crime
dos Tvoras, sendo a conspiraio tramada em Setbal, nos Exerccios Espirituais.
A narrativa da entrevista de Malagrida com o Ministro faz parte do depoimento
com as ameaas proferidas sobre o Rei. Por ltimo vem a denncia dos escritos
apreendidos, que eram, no dizer de Carvalho, um sacrilgio horroroso, e constitam
a parte substancial da acusao. Pedro Cordeiro, juiz da Incordncia, Oliveira
Machado, secretrio do mesmo tribunal, ao mesmo tempo carcereiro no forte da
Junqueira, depuseram a seguir. Nunca um ru tivera contra si denncia to bem
amparada.

,g

Regio do Amazonas onde trabalhou o P. Eckart. 1 : Trocano (depois chamada


Illova Borba): a aldeia onde missionou em 1755; 2 : Abacaxis, aldeia onde a 10
de outubro de 17 55 fez a profisso solene; 3 : Caete, aldeia onde missionou em
1756, antes de ser deportado para Portugal. (Pormenor de um mapa sobre a Expansao dos Jesutas no norte do Brasil, organizado por Serafim Leite, em Historia da
Companhia de Jesus no Brasil, IIl, p. 452).

Residncia de S. Fins, no Alto Minho, onde foi confinado o P. Eckart, quando


chegou preso a Lisboa.

Frontespcio do livro de Sebastio de carvalho e Mello Relao Abbreviada da


Republica..., Lisboa, 17 57 , acusando gravemente os Jesutas do Brasil e das ReduFes do Paraguai.

Ano de 176

fi3

: sofreu morte gloriosa pela Jwtia e pela Verdade (t').


O dio de Cawalho, exacerbou-se ao tomar conhecimento

inscrio

disto. Exaltou ento publicamente o decantado libelo Relao


Abreviada, repleto, desde o princpio at ao firrt, das mais impudentes e descaradas mentiras. Contra este indefesso zeladot de
almas, euo s procurava a glria de Deus e a salvao do prximo,
enfrentando sempre com fortaleza as mais terrveis maquinaes
(porque possua uma alma nobre e intrpida), tramou Carvalho
de todos os modos tirar-lhe a vida estando ele inocente. <<Controria os nossos planos, condenemo-lo o uma morte infama>> (Sab 2,12

20).

Oxal pudesse ter comigo a biografia deste homem venervel,


escrita h poucos anos em portugus e ilustruda com vrios prodgios, gue depois de seriamente examinados foram conflnrrados
pelos Bispos. Eu mesmo vi esta publica,o em que se relatam
vrios prg$gios que excedem as foras da natureza. Apegar disso,
os inquisidores no deixaram pedra sobre pedra a fim de proclamar que tais prodgios eram operados pelo demnio. Coisa que
o demnio nunca fez, nem pode fazer.
Atrevo-me aqui a reproduzit as ltimas palavras da biografia desta vida admirvel: <<Suspendeu o Cardeal Patriarcho o todos

(t')

Homem apostlico dn Companhia de fesus, nascido em ltlia, ilustre pela


santidade de vida e pelos seus feitos e milagres, imortal benemrito dos reinos de Portugal e de suas gentes, homem outrora muito estimado pelo rei fidelssmo D. loo V
e confessor da rainha Mariana da ustria, sempre grato e venerrvel nas coisas grandes
como ruzs pequenas, s detestado pelo demnio e pelos seus minstros fautores. Que
tendo percorrido o Maranho e o Brasil em ministrios apostlicos, tendo propagado
entre os bdrbaros o imprio de Cristo e do Re, tendo desenvolvido a entre os cristos
e construdo semindrios menores e conventos para religiosos, tudo isto em meio de infrnitas canseiras e inmeras dfficuldades, chamado, finalmente, das ndias a Portugal,
procura corrigir os costumes corrompidos dos homens, incutindo um arrependmento
salutar cdnde de Lisboa destruda pelo teruamoto. Foi primeiro expulso da cdade
como perturbador da tranquilidade pblica, depois acusado de cumplicidade numa conjurao contra o rei, finalmente condenado como violador da religio. Entre as lgrinws
e os louvores de todos os bons, e absolvdo pelo juzo pblico de toda a gente, acetou
a morte que injustamente lhe nfligiram com piedade e fortaleza, nt Lsboa, no dia 20
de Setembro do Ano do Senhor de 1761. Aos73 anos de idade, depois de 40 anos vvidos
em Portugal s a espalhar o bem (N.A.).
8

fi4

Memras de um Jesuta prisioneiro de Pombal

os Jesutas do Patriarchado do exerccio de confessar, e pregar


em Junho do mesmo anno de 1758, com o que emudeceu este pregador Evangelico, e emudece tambm a minha penna; porque daqui
por diante no tive todas as informaes necessarios, e vivi mais

apartado do P. Malagrida: Por isso ponho aqui ponto final a estes


apontamentos, que fiz do pottco que sey da sua vida. Declaro, que
tudo o que acima tenho escrito, huma grande ou a maior parte presenciey outra ouvi da bocca do mesmo Padre. E o que digo de informaoens de outros, so todos pessoas de credito e fi,dedignas.
Declaro mais, que no digo, nem sey o muito que o Padre e, e
obrou em toda a suo santa e heroica vida: Resolvime a fazer estes
poucos apontamentos do que sabia, para que oo menos no .fios seus passos, e ministrios apostlicos em
cassem sepultados
'

geral>.
Por este tempo em que os trabalhos evanglicos do P. Malagrida foram coroados com um fim semelhante morte dos mtires, ouvi, muitas vezes, em Almei da, o seu nome mencionado
pelos soldados, quando falavam entre si; pois ele era clebre em
todo o reino de Portugal e em todos os domnios ultramarinos,
sobretudo no Par, no Maranho e em todo o Brasil, onde fundou mais de 30 igrejas, levantou seminrios e mosteiros. No ano
de 1753, estando eu no Maranho, assisti a um solene acto religioso em que as virgens consagradas a Deus, que iam professar
no Instituto das Ursulinas, foram introduzidas numa casa provisria at o novo mosteiro, j em construo, ser concludo.
Sobre a porta maior deste mosteiro foram gravadas em pedra
estas palavras: <<Foi a Senhora que fez isto, um prodgio admirdvel
aos nossos olhos>> (Sl 117,23). Por Senhora, entendia o P. Malagrida a Me de Deus, cuja esttua famosa por muitos milagres
ele sempre levava consigo nas suas misses, como o P. Antnio
Baldinucci, clebre missicnrio italiano. Neste domingo festivo,
dia da inaugurao do mosteiro das virgens consagradas, falou,
por trs vezes, multido que ali se apinhara. O tema do ltimo
sermo foi este : <<Jd vos no chamarei servos) mas amigos (Jo 15,15)
I)e novo em Almetda

No dia 1 de Dezembro de 1761, em Almeida, irrompem de


sbito e inopinadamente trs soldados pela minha cela, fora das
horas em que habitualmente se abriam as portas; sacodem toda

Ano de

fi5

1761

a terra
s desigu
os desta

papel q
em um s dia o trabalho de dois anos, tal como, os Exerccios
de Santo Incio, guo eu estaya a escrever em estilo rtmico maneira do hino Planctus B.M.V., vulgarmente conhecido por,
Stobat Mater dolorosa. Todas as medalhas de bronze que tinha,
compradas em Augsburgo, me foram arrancadas. Tiraram-me
que possua, o
sta triste soliaam o livro da
depois de lhe
s em branco.
as estampas e

ANO DE

1762

Blspos de Frana defendem os Jesutas

J nos anos precedentes estava periclitante a situao da


Companhia em Frana. Agitado o Parlamento pelas mesmas
ideias fteis que j antes levaram a afastar os nossos de vrias
cidades, o Arcebispo de Paris, Christophe de Beaumont, inflamado no zelo de defender, conseryar e propa g a religio catlica, respondeu ao rei, no dia I de Janeiro de 1762, cerca de 4
pontos: utilidade, doutrin, moral e governo dos Jesutas, defendendo no s a utilidade, como a necessidade absoluta de os conseryar em Frana. Subscreveram este mesmo parecer trs cardeais
Paul Albert de Luynes, e os de Gesvres e de Rohan
-bispos e 32 Bispos.
- 9 ArceEste ilustre Arcebispo de Paris extraordinariamente louvado no prefcio de um livro escrito em defesa dos Jesutas, impresso
em Barcelona, Espanha, que diz o seguinte: A Cafia Pastoral
do Arcebispo de Paris uma das obras mais aplaudidas no mundo
catlico. O zelo verdadeiramente eclesistico com que este grande
Prelado defende os sagrados direitos da Igreja; a tioutrina e erudio com que explica e defende ao mesmo tempo o Instituto e
governo dos Jesutas, mereceram elogios de S. Santidade e os
aplausos e a aprova,o dos nossos Bispos. Para que em Espanha
se tome conhecimento dos slidos fundamentos desta Pastoral
e dos motivos que provocaram a sua publica"o, apresenta-se
aqui uma cpia dos textos, eue manifestam a uniformidade do
sentir dos nossos Prelados e da Santa S, que so ao mesmo tempo,
o mais autori z,ado e esclarecido testemunho em favor do Instituto, da sua doutrina e modo de proceder da Companhia de Jesus,
to combatida e caluni ada pela heresia, o atesmo, a libertinagem

ea

impiedade.

Memrias de um Jesulta prisonelro de Pombal

118

Do Forte de Almelda
para o de S. Jullo da Barra

foi
da
de h muito
1762

o clarim

de novo por todo o Portugal


a anunc-la queles que-j
tumulto dos soldados, sobre-

tudo, durante ? noite. Multiplicavam-se os postos militares fora


dos quartis. s 7 horas d madrugada d dia 28 de Janeiro,
inopinadamente, entram na minha cela dois soldados e avisam-

mente armados, montmos em mulas, guo tristemente nos ofereciam


m os ps dependurados
molesto o cavalgat.
soldados de provnEntr
cia,
do curiosa que ali
acorrera.
Para onde amos, ignorvamos. Sigamos ao sabor do destino, como diz o poeta. Mal deixmos o nosso crcere viemos
a saber da violenta morte do P. Malagrida, que andava na boca
de todos. Um certo clrigo disse-me: rAcusaram-no de muitos
crimes, mas no convenceram ningum. Pelo contrrio,- o. pr9prio que mandou promulgar esta sentena de morte, cheio de

que seriam paru ns um transporte mais cmodo, pois de outro


modo no poderamos j continuar, debilitados como estvamos
pelo trotear destas mulas lazarcntas.
Encontrmo-nos com vrios estudantes de Coimbra. Est
nesta cidade a famosa Universidade de Portugal, fundada em
1290, pelo rei D. Diniz. A de vora no tem a'Faculdade de
Direito, por isso, todos os que pretendem formar-se nesta matria

Ano

de 1762

fi9

tm de matricular-se em Coimbra. Esta cidade situada na margem


do Mondego no est preparuda para acolher tantos estudantes.
O Magnfico Reitor, trs ou quatro vezes por ano, determina
um dia paa as matrculas, dia em que todos os alunos de Filosofia, Direito, e Teolo gia se devem inscrever. Oferece um lindo
panorama esta cidade, emoldurada por olivais e vinhedos, que
foi ptria de 6 reis: Sancho f, Afonso II, III e IV, Pedro II e Fernando. Nas casas onde se hospedavam os estudantes falava-se
muito de soldados que por toda a parte eram recrutados a todo
o pano, como dizem os portugueses.
Santarm excede CimUr em grand eza. , uma formosa e
antiga vila da Estremadura, a mais nobre de todo o Portugal. Conforme o costume ancestral entre portugueses, espanhis e italianos, nenhum lugar, por mais populoso que seja, se chama vila
se no for sede de diocese. A vila ergue-se num monte sobranceiro ao Tejo, chama-se Santarm, outrora Irenopolis, da Virgem
Santa Irene (em portugus Iria), que foi mrtir e morreu a 13 de
Novembro do ano 653. O rei D. Afonso Henriques expulsou dela
os mouros em 1147. Ali morreu no ano de 1325 o rei D. Diniz,
marido da rainha Santa Isabel, cujo sagrado corpo foi trasla-

dado sob o reinado de D. Pedro II, a 29 de Outubro de


1677, paa o mosteiro de monjas de Santa Claru, construdo
perlo de Coimbra por D. Joo IV. Esta vila de Santarm tem
muitas freguesias e enorme nmero de religiosos. Ao passarmos
perto do convento dos franciscanos, muitos vieram porta para
verem os prisioneiros Jesutas, que havia mais de dois anos tinham
desaparecido. No templo deste convento esto sepultados o rei

D. Fernando e D. Constana, primeira mulher de D. Pedro I.


Que dize'r do magnfico espectculo dos olivais e prados verdejantes ? No ns de Fevereiro ainda se fazia nos gampos a apanha
d azeitona . vulgar entre os portugueses este rovrbio: orreu
Seca e Meca e olivais de Santarm.
Toda esta regio de Santarm se assemelha s mais belas e
fecundas da Alemanha, mas j viajei por outras provncias de
Portu gal com zonas to speras ,que com ru2,o se lhes pode aplica a descrio que Andricmio fana do monte Faron: Terra...
tida, estril e escalvada... sem gente, nem povoaes, n,em casas,
nem cabanas, onde nem h hom ns, nem animais, mas s penedos
e montes pedregosos, altssimos, asprrimos, alcantilados e abruptas ravinas.

No dia 9 de Fevereiro, entrmos em Lisboa com um luar

120

Me'morias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

dos seus criados, cozinheiro do conde, e sua mulher, que flcaram


separados um do outro, carpindo a sua saudade. Este conde,

Comea o cativelro nos Crceres


de S. Julto da Barra

Do ptio descemos por longa escadaria a um corredor comprido sob um tecto abobadado que sustentava as casernas dos
soldados. Porque estavam obstrudas todas as clarabias, embora
fosse meio-dia, seguia nossa frente um oficial com uma candeia

na mo, no pata procutat


que a luz era to escassa,
onde nos levavam. Abre-se
atrs de mim. Em que dis

s apalpadelas explorar. o lugar


mas tbuas que paa mim servisentado, por cerca de uma hora
, at que me trouxeram uma vela
de sebo, que depressa se consumiu e de novo me envolveu a noite.

Ano de

1762

121

Ordenou Cawalho que todos os estrangeiros permanecessem


isolados paa seu maior tormento. Diz Ccero: <Natura solitarium nil amat, semperque ad aliquid tamquam adminiculum
adnititur). Mas, no havendo celas que bastassem, no dia seguinte
deram-me um companheiro portugus, dos 7 que tinham chegado
de Almei da. Trs dias depois, aos 6 restantes juntaram-se mais
20, divididos em 3 grupos, que tinham sido transferidos de um
extremo ao outro do reitro, paa mais vastamente espalhat a ignomnia e o terror.
Permaneci nesta caverna de 10 de Fevereiro a 4 de Maro,
pois na noite desse ltimo dia, estalou uma terrvel tempestade,
com chuva to violenta que pela abbada do crcere a princpio
comeaam a escorrer gotas de gua, que foram crescendo, crescendo, at afogarem todos os meus poucos utenslios. Os exguos
recantos, ainda poupados pela chuva, mal davam para duas pessoas apertadas entre si. Tudo nadava em gua. Os dois companheiros, meus vizinhos, despertaram em meio de um dilvio.
Batemos s portas at que fuialmente, chegam os guardas em
auxlio. A inunda,o eta t,o grande que, fora do crcere, as guas
tudo inundavam. As tbuas que me serviam de cama estavam
alagadas. Todos 4 fomos levados para uma nova cela, que tinham
acabado poucos dias antes, cujas paredes estavam ainda to hmiut que onde queT qye as tocssemos com as mos, deixvamos
impressos os sinais dos dedos.
Veio tambm o comandante da fortal eza observar os efeitos
do cataclismo. Resolveu que ficssemos aqui at as nossas celas
secarem. Mas o homem pe e Deus dispe. Nunca deixei de habitar este palcio subterrneo com uffi, dois, trs e at quatro companheiros, sempre encerrados neste angustiante sepulcro, ao qual
se descia por uma escada de 23 degraus.
Quem poderia descrever tanto horror, tanta misria e tanta
espcie de calamidades ? No havia parte alguma do nosso ser
que no tivesse sido atormentada e humilhada. Durante o dia,
s podamos fazer alguma coisa luz trmula de uma lanterna
fumegante. Condenados assim a trevas perptuas, bem pode considerar-se milagre no termos perdido de todo a vista. Durante
o silncio da noite o estrpito dos soldados e muitos outros rudos
atormentavam-nos os ouvidos. O forte possua dois regimentos.
-Eram
os
O uniforme de um era de cor azul e o ilo outro verde.
dois Regimentos da Corte. O primeiro era de artilharia, tinha

22

Memrias de um Jesuta prislonelro de Pombal

por comandante um alemo Friedericus Jacobus Weinholtz, que


ea ao mesmo tempo chefe de toda a fora militar, isto , Brigadeiro.

O rufar quase contnuo dos tambores constitua paru ns


uma desafinada sinfonia. De noite, o constante e irritante ladrar
dos.ces, mesmo s nossas portas, roubava o sono aos infelizes
prisioneiros. Havia uffi, sobretudo, que no
mente e eue, por flm, foi morto por um
um oficiai levu isto muito a malf no se
luto com o tormento que nos padres provocava o estridente ladrar
do co. Tinha ela uma.peguena cora qye lhe oferecera Francisco
Xavier de Mendona, irmo do nosso tirano. Eram um belo par
de irmos. Aconteceu que a corga, um dia, assustada com o ladrar
ecipitou l do alto e veio a morrer
de uma
ma sentena de expulso de todos
com a
sentena que pouco depois se mitios ces
gou, poupando os ces mencionados no catlogo das coisas domsticas mais necessrias na fottaleza.
Neste primeiro ano do nosso cativeiro em S. Julio da Barra,
aos tormentos que j tnhamos veio acrescentar-se uma nova
pena dos sentidos que parecia infernal. Por 6 meses ininterruptos,
todos os canhes e armas de combate foram martelados na bigorna. Nesta tarefa se empregavam continuamente 6 ferreiros inundados de suor, com o nico intervalo de 4 horas entre o dia e a
noite. Quantos golpes de malho e pancadas de martelo se davam
na oficina vizinha das celas, tantas as pancadas que ficavam a
zunir nos nossos tmpanos. O prprio irmo de Carvalho, Paulo
Carvalho de Mendona, hornem eclesistico, exortava com a
sua presena e autoridade os operrios a prosseguir aquela ensurdecedora tarcfa. O cheiro insuportvel que exalavam os carves
em brasa ainda corrompia mais o ar que ns respirvamos. J
no falo do ftido cheiro do crcere onde tantos viviam juntos,
nem digo nada do calor intolervel com que tnhamos de lutar
no Vero, nem da mordedura enervante das pulgas que inundavam a nossa cela, nem da humidade das pranchas do nosso leito,
que mais afugentavam o sono do que ajudavam a concili-lo.
Por causa disto, todos os objectos de l, e de coiro apodreceram.
No Inverno e no tempo da chuva, com a gua que escorria pelas
escadas, o pavimento ficava cheio de tanto lodo, que nem se podia
ter p firme no cho com o lodo pegado ao calado. Mas, basta
de I amentaes.

Ano de

/-762

!23

O Irmo Ernesto King, natural de Londres, pertencente


Provncia de Portu9al, na tarde de 24 de Maro, durante a ceia,
sofreu um ataque de apoplexia e veio a morrer poucas horas depois,
nos braos do seu companheiro que era francs. Foi o primeiro
Jesuta sepultado no templo de S. Julio, e ficou mais alto depois
de morto do que em vida.
Cartas de Clemente XIII
em defesa da Companhla
Clemente XIII, a 9 de Junho, escreveu duas importantes
cartas em defesa da Companhia, uma aos Bispos e ao clero de
Frana, a outra ao Rei Cristianssimo. A primeira comeava
assim: <<Como grande a dor que nos oprime pelo estado em que
a lgreja Catlica se encontro nos nossos dias ! O que acima de tudo,
porm, mais grave para o mundo catlico, contrdrio aos interesses
do povo cristo e injurioso para esta Santa S e para vs mesmos,
que a Companhia de Jesus, donde em todos os tempos surgiram
os acrrimos defensores da f catlica, que sempre foi alvo de contradio, agoro oprimida e atingida pela cabala e o poder dos
seus inimigos, etc...

A segunda

catta comeaYa assim:

XIil,

ao nosso Carssimo Filho em Cristo,


sade e beno apostlica:
De novo vimos implorar a proteco de Y. Majestade, no s
para os religiosos da Companhia de Jesus, mos para a prpria Religio, cuja cousa estd to intimamente ligada com eles...
Dado em Roma, Santa Maria Maior, 9 de Junho de 1762.
Ano II/ do nosso pontificado.>
<<Clemente, Papa

Lus

XV, Rei Cristianssimo,

Espanhts atacam o Forte de Almelda

No dia 10 de Agosto, festa do glorioso mrtir S. Louretro,


os espanhis vieram cercar Almeida onde j no ano 1663, tinham
travado duro combate com os portugueses. Rebentou violentamente o troar do canho. Foi muito justamente destrudo o balu-

124

Memorias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

arte exterior da fortal eza, que tinha sido o noss o cLrcere : Quantos
dias santos foram violados com a desnecessria construo daquela estrutura! Consumidas todas as provises, no dia 5 de
Setembro, festa de S. Loureno Justiniano, primeiro Patriaca
de Yenez,a, os sitiados reduzidos ltima rnisria foram obrigados a render-se ao inimigo.
O oficial que comandava esta slida, mas no inexpugnvel
fortaleza ao tempo da nossa violentssima priso, chamado Freire,
ainda antes da invaso dos espanhis, chegou ao Forte de S.
Julio (perto do lugar chamado Carcavelos) j gasto pelos anos,
e apesar dos banhos termais, morreu poucos meses depois. Foi
substitudo por um novo comandante saudado como Cipio.
No sei como se chamay, nem se merecia ttulos de heri. O
facto que, tomada a fortaleza) foi levado prisioneiro paa Coimbta, como quem no tivesse cumprido os seus deveres militares.
O oficial L.us Delga$o, que no ms de Janeiro me conduziu com
os meus seis companheiros a Lisboa cau em poder dos espanhis,
ele com seu fllho, o porta-bandeira, em Penamacor (povo a,o
que est perto de Almei da, defendida por um castelo). Alguns
dos soldados que nos guard'o;ramnas nossas masmorras de Almida,
foram depois ((guardados no Forte de S. Julio.
O exrcito portugus, frente do qual estava o comandante
Supreffio, conde de Lippe-Bckeburg, no conseguiu impedir a
rendio da fortaleza de Almeida, que nunca at ento fora ocupada pelos espanhis. A mesma triste sorte da guerra teve a cidade
de Miranda-do-Douro, assim chamada paru se distinguir de outra
em Castel a-a-Yelha, design ada por Miranda Ibrica, que est
situada numa colina onde confluem dois rios: o Douro e o Fresno,
a treza lguas de Leo.
poderamos vir
Cawalho, esperto como
os em Almeida.
a ser libertados pelos espanh
Por isso, mais de seis eses
cerco, mandou
que fssemos transferidos; e pior ainda, como um oficial me corrtou ao chegarmos ao forte de S. Julio, af,rmou publicamente:
<Enquanto eu viver, estes no ho-de ver a luz do sol! Realment ele mostrou para connosco um nimo muito benvolo!
Que Deus lhe perdoe tanta benevolncia. Foram, pois, Almeida
e Miranda, os lugares onde mais violentamente deflagrou o fragor
desta guerra. A provncia do Alentejo, onde por ocasio de outros
conflits costumavam concentrar-se as foras militares, foi desta
yez palco de ligeiros recontros entre portugueses e espanhis.

Ano de

1762

125

No dia 2l de Outubro, faleceu mais um dos prisioneiros

o Padre Antnio Torres, de Coimbra. Fora


durante 16 anos penitencirio do Vaticano em Roma. Para esta
Penitenciaria impusera Pio V, em 1570, Companhia, no obstante a relutncia desta em aceitar, o pesado encargo de indigitar
12 dos seus membros, peritos em vrias lnguas, paa que pudessem atender homens de diversas naes, tal como j, faera para a
Penitenciaria Apostlica da Baslica de Latro, confiada aos Franciscanos, e Santa Maria Maior aos Dominicanos. Voltando de
Roma, foi Provincial da provncia de Portugal; depois Prepsito da Casa Professa de S. Roque, effi Lisboa. Carvalho
prendeu-o e enviou-o para Bragana (N. A. *).
O Padre Torres era grande amigo e confessor do Nncio do
Papa em Lisboa: foi este o seu grande crime! esta a causa da sua

Jesutas de S. Julio:

priso

Elegia de um dos catlvos Vlrgem Maria

Todos os sofrimentos dos crceres de Almeida e S. Julio


at aqui narrados, descreveu-os o Padre Meisterburg, oriundo
de Beincastell, numa elegia dedicada Virgem Me de Deus.
De 178 dsticos escolho apenas alguns:

SUSPIRIA CAPTIVORUM PATRUM SOCIETATIS JESU


ARCE S. JULIANI AD OSTIA TAGI, IN NATALI
BEATAE MARIAE VIRGINIS, 1762.

IN

Parens, quae Te produxit in orbem.


Deliciumque poli, deliciumque soli !
Huc mites, huc flecte oculos, mitissima Mater !
Virgineam poscunt haec mala nostra manum.
Heu ! patimur: nunc quarta modo praetervolat aestas,
Quartaque Natalis lux venit almo tui:

Lux redit, alma

(N.A.

*)

Esta cidade que capital da provncia de Trs-os-Montes, junto ao

rio Sabor, perto da fronteira com a Galiza, deu o nome ao ducado de Bragana. O
duque D. Joo II foi aclamado rei de Portugal, em lffi,com o nome de D. Joo IV.

126

Memorias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

Ex quo cnpto, gemit servorutn turba

tuorum,

Nigraque conclusos carceris antra tegunt.


Quot mala perpessi, quantisque laboribus acti,
Opprobriis pleni, ludibriisque graves !
Cuncta quis enumeret ? nwnerando quis ante fatiscet:
Dicere quin prohibet plura vel ipse pudor.
Non referam ficto metuendos ore Ministros,
Et praedatrices, quae rnpuere, manus:
Milite non Septum latus, exertisque minacem
Custodem gladiis, hic pedes, rb sed eques:
Non vice jam duplici mutatas carceris umbras,
Clausa nec a trinis ostia trina seris:
Non ego discussas vestes, saccosque virorutn,
Et (pudet effari) tacta verenda manu.
Non referam toties discussum carceris Antrurn,
Siquidquom est ferui, chartaque parva viris:
Non carnes foetore graves, piscesque malignos,
Et quos jejunos parca dat esco dies.
Ablata est penitus librorum curta supellex,
Et quidquid studii Relligiosus habet.
Biblia sacra peto, maestae solatia vitae:
Quis putet ? a surdis auribus ista peto.
Non sua sunt oculis, sua nec commercio linguis:
Almeida obstructo parjete quae vetuit.
Tu luliane Tagum, eui misces aequoris undis,
Hujw et illius qui dominaris aquis !
Carcere quo clausit frendens Almida trienni,
Torquendis miseris non erat ille fatis ?
Aut quos illa tibi scopulis transmisit ab altis,
His tua num sors est mitior unda viris ?
Heu ! Mamertinis damnamur) Virgo, tenebris:
Atque sub egesta conturnulamur humo.
Hic respirandi tenui est vix copia vitae:
,Sc anima ongustis cogitur ire viis.
Corpora consumit decurrens parjete lympha;
Consumunt morbi, quos mola lympha trahit.
Indumenta, furor nobis quae pauca reliquit,
Hic fere nudatis c*eco putredo vorat.
Caetera s desint, duru,m est, alimenta: Negatur
Hic panis vitae: caelica mensa deest.

Ano de 1762

Furibis

127

illa

dies sacra est, latronibus illa,

Quos bene captivos vincula justa ligant.


Turba sacerdotum, nullius conscia culpae,
Hic non audita sed perit, ecce!-fame.
Catholico quis monstra putet tam tetra latere ?
Lusiaco veniunt tam fera monstra sinu etc.

Comunlcao dos prlslonelros entre sl

Foi rigidssima a proibio de Carvalho de que nenhum dos


nossos pudesse trocar uma palavra com qualquer sbdito do rei,
ou transmitir a outrem qualquer escrito; pois receava em vo que
fornecssemos lenha paa alimeutar a fogueira da sedio. Os
g.uardas do crcere observavam esta ordem ainda com maior
rigor, impedindo mesmo qualquer comunicao entre ns. Entretanto, embora fossem inumerveis os obstculos que se nos ofere-

ciam, como a distncia do lugar, a incria dos correios, a rgida


vigilncia dos prefeitos que guardavam as chaves, contudo a
espertez.a dos meninos qu.e nos traziam o alimento e as outras
coisas necessrias, permitiu-nos receber no s cartas enviadas
pelos outros prisioneiros, mas at alguns livros (t'). Os primeiros

(t') Um dos prisioneiros imaginou r'm outro meio, mais fcil e menos perigoso,
de comunicar com os outros companheiros: era bater na parede um certo nrnero
de pancadas, consoante a letra que queramos exprimir. Para dar a conhecer a descoberta aos colegas de crcere, resolveu serr-se do livro <Exerccios de Perfeio
de Afonso Rodriguez que trm dos caroereiros levava de cela em cela para os presos
fazerem a leitura espiritual. Com uma palha defumada pela chama duma vela, descreve na primeira folha do livro em branco o seu sistema, cola essa folha a outra
com saliva, e devolve o volume ao carcereiro, que o leva, sem nada suspeitar. Algum
tempo depois, bate na parede, mas ningum lhe responde. No tinham descoberto
a pgina manuscrita. S trs meses depois um dos cativos deu com ela, e compreenderam ento o sentido das pancadas que havia tanto tempo estavam a ouvir. A
partir de ento, foi-se generalizando pouco a pouco o costume desta invulgar conversao. Os Padres comeararn ento a usar este estranho modo de conversao
paa se encorajarem mutuamente nos seus sofrimentos, ou para pedir oraes pelos
doentes ou os mortos, ou paa quebrar a silenciosa pasmaceira em que viviam na
escurido da cela.

'128

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

que recebi a 4 de Novembro, foram-me enviados pelo Padre


Schwartz com estes versos que ele ajuntou:
Ide, livros, visitar sem mim
as masmorras onde esto aferrolhados os meus

amtgos.

Tenho-vos inveja,

porque u, SCHWARTZ (t'), estou preso e no posso ir


convosco.

Ide por mim saudar os Padres.


Quem vos envia no tem liberdade de

a quisera ter.

ir

convosco. Bem

eu respondi:
Os mocinhos trouxeram ao nosso cdrcere os dois livros;
quem os mandou estd preso, mas as mos esto livres.
Tens inveja destes livros virem sem ti.
Esta inveja santA, ou antes, amor:
Pois desejas servir os prisioneiros, embora tambm tu
sejas prisioneiro.

cdrcere no pode encarceror o Amor.


No hd portas que o Amor no transponlto.
Aquele que vos enviou Negro no de focto,
mas s de nome.
A suo alma cndida:
disso so testemunhas os dois livros.
Yeio-nos a alegria por livros que no falam;
mas sei o que estes presentes significam) embora sejam
mudos.

Os dons so mais eloquentes do que qualquer lngua ou


palavros empoladas.

(") Para melhor compreenso do sentido destes versos, convm saber que a
palavra <Schwart> em alemo, significa a cor negra (N.T.).

Ano de

1762

Dizes que no s livre.


O corpo estd cativo neste cdrcere,
mas o tua grande alma sempre livre.
Enfim, no sendo livre desejarias s-lo:
Desejarias tu vir, mesmo preso como estes livros ?
Chegarom estes atados com fortes amarras.
Ouo o que me dizes:
O AMOR T,T,O CONHECE AMARRAS.

129

ANO DE

1763

Tratado de Paz (Guema dos Sete Anos)

A Guerra no se prolongou por muito tempo. A paz sancionada a 26 de Maro, entre os reis de Espanha, Frana, Inglaterra
e Portugal, foi anunciada triunfalmente ao povo, ao som de clarins.
Celebrava-se tambm o centenrio da vitria nas lutas da Restaurao. Os espanhis tinham atacado os portugueses com um
exrcito duas vezes mais numeroso que o destes. Parecia que a
derrota dos portugueses era cetta, mas o general de Schomb"lg
com a sua prtdncia e fortal ez.a, alcanou uma nobilssima vitria
sobre os espanhis, ro ano de 1663. O dia da promulga{o solene
deste centen rio cau no sbado, que precedia Domingo de Ramos.
A palma prmio da dextra vencedora convinha muito bem aos
vencedores dos espanhis.
Apresento aqi um resumo deste tratado de paz traduzido
para portugus, que o Padre Kaulen me mostroll.'
Senhor

.lfN.

Amigo

Saude!

Ontem mandou N.nf. aqui o tratado de paz, QU contm onze folhas e meya de papel; mas az tanto volume,

r,7:"':,
prelim
ra
os

a Poz.

":?';i;
assinaro os Ministros de Frafto, Castella e InglateruA, aos

Aos 10 de Fevereiro 1763, se assinouo tratado de pazr Su


quaes accedeo Martinho de Mello e Castro)_ com o caracter
de Embaixador de Portugal a EhRey de Frana) com
poderes
de Plenipotenciario para assinar qualq_uer Tracta-do
da Paz. Tudo se fez em Frana. Aos 10 de Maro se

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

132

concluio tudo, authenticandose a troca das Ratificoonst


os Preliminares se assinaro em Fontaineblau. O TrActAdo se assinou em Paris, como tambem a troca das Ratifi'
caoens. Consta o Tractado de 17 artigos, e s hum pertence a Portugal. As tropas, Francezes e Hespanhoens
evacuor,o todos oS territorios, campos, cidades, praas,
e castellos de Sua Magestade Fidellissima, sitos na Europn,
que houvero sido conquistados pelos exercitos de Casiella e Frana, sem reserva alguma, e os restituiro no
mesmo estado em que estavo, quando a conquista oy

feita. E com a mesma ar


que nella se achavo; e a

na America, Africa, e

nas

acontecido qualquer mudafro, todas as cousas se tornaro


a pr no mesmo p em que estavo) e na conformidade
dos Tractados precedentes, que subsistio entre os Cortes
guerrn.
dp Castella, Frana e Portugal antes da presente
Frana restituem os Ingezes tudo o -que lhes- tinho
conquistado, menos Cabo Bretn) e o Canadd, QU fica

para Inglaterua, com a condio de no perturbar aos


habitantes o uzo da F Catholico-Romana. Frana restitue tudo o que tinha conquistado aos Inglezes, e s lhe
cede Inglateria duas llhas junto da Terua NovA. Castella
cede as Inglezes a Nova Florida, e estes largo tudo o
que conquistaro na llha de Cuba. Nf. (N. A. *).

(N.A.

*)

Rei Catlico vulgarmente conhecido em Portugal

por

Rei de Castela.

paz vem mencionado com todos estes ttulos: Carlos, pela graa de Deus
Rei de Castela, de I*o, de rago, das Dws Ceclias, de Jerusalm, de Navarra, de
Granada, de Toledo, de Valencia, daGaliza, de Maiorca, de Sevilha, de Sardenha, de
Crdova, de Crsega, de Mrca, de faen, dos Algarves, de AlgecirAs, de Gbraltar,
das llhas Canrias, das ndias Orientas e Ocidentais, das llhas e Terra Firme do Oceano,
Arquiduque de ustria, Duque de Borgonha, de Brabante e de Milo, Conde de Absburgo,
Flandres, Tirol, Barcelona, Senhor de Biscaia e de Molina, etc.
Valencia cognominada pelos Espanhis: Valencia la bella-El jardin de Espdta. De Sevilha, dizem eles: Quen no ha visto Sevilla, no a visto moravilla.
Assim como os Portugiueses costumam dizer de Lisboa i quem no tem visto Lisboa,
no tem visto cousa boa.

No tratado

de

Ano de

1763

Ttulos do Rei Fidelssimo

133

pela graa de Deus


: D. Jos
*) f,
A.
d'Aqum e d'Alm
da conquiita e navegoo

do
da

tc.

O Rei de Frana mais sbrio nos seus ttulos:

Louis, par la grace de Dieu, Roy de France et de NAvArue.

Aos ingleses f,cou a pertencer a Terra Nova, grande ilha da


Amrica Setentrional, distante de Cape Breton 15 ou 16 lguas
(N.4. **). Ficaram tambm com a Florida que possuam os espanhis. Toda esta grande provncia foi descoberta por Joo Ponce,
no dia de Pscoa em 1512, no tempo em que comeam a desabrochar as flores, e por isso o descobridor deu-lhe o nome de
Florida. A Inglaterra devolveu Espanha a clebre ilha de Cuba,
abrigada no Golfo do Mxico, que Cristvo Colombo descobriu

em

1494.

a florescer de novo a paz por todo o


reino de Portugal. Mas, paa os infelizes cativos companheiros
de Incio no houve alvio no s u atroz sofrimento. Uma alegria
inslita penetrou todos os coraes, mas os tristes desgraados
de S. Julio continuavam mergulhados na escurido das suas
masmorras. Toda a gente se cingia de louros, hasteaya palmas e
Comeaya, portanto,

(N.A. *) O Algarve, pequeno reino de Portugal, conforme a etimologia


lrabr-, campina frtil, uma extensa plancie de campos fertis em figos, amendoeiras,
tmatas, azeitonas, vinho, e as suas guas abundantes em peixe. Sobretudo no tempo
da Quaresma, pesca-se nelas uma espcie, chamada pescada, que mesa se tempera
com vinagre, sal e vrios condimentos. Tambm ali se fabricam engenhosamente
vassouras, cestos de vime e esteiras de junco. A principal cidade do reino Faro
donde o rei D. Afonso III, ajudado por Selir, estratego do exrcito espanhol, expulsou
os mouros em 1294, que tinham sido senhores desta provncia por 180 anos. Por
este motivo, o fmperador de Marrocos acrescentara ao seu nome o ttulo de rei dos
Algarves.
(N.A. **) Cape Breton uma ilha da Amrica Setentrional que foi toda entregue
aos ingleses, e que no domnio francs se chamava Isle Royale. A cidade principal
da ilha chamava-se Ludwigsburg, que a chave do Canad. O Canad foi descoberto
pelos espanhis. Como ao desembaca nada encontraram gue se comesse chamaram-lhe o Cabo de Nada, dai veio o nome de Canad.

134

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

ramos de oliveira, mas ns continuvamos sempre sepultados


vivos sob a tenebrosa sombra dos ciprestes.
Depois de Deus s tnhamos por ns o Supremo Pastor da
Igreja universd, que no cessava de recomendar os religiosos da
Companhia de Jesus. Ao rei Estanislau I da Polnia, da casa rcal
de Leschinsky, enviou uma carta que comeava assim:
Clemente PP XilI ao Nosso llustrssimo Filho em Cristo,
Estanislau, Rei da Polnia, saude e bno apostlica.

Em meio das perturbaes da lgreja de Frana, as maiores de


que hd memria desde tempos antigos, no ignora V. Real Majestade, quanto bem veio para a lgreja Universal dos clrigos regulalares da Companhia de Jesus!...
Dada em Roma, Santa Maria Moior, sob o anel do Pescador,
24 de Agosto 1763. Ano I/I do nosso pontfficado.

Nasclmento e morte do Hnclpe D. Joo

No dia 26 de Setembro, nasceu o segundo filho do Prncipe


D. Pedro, chamado Joo, com o nome de seu av D. Joo V.
I ao pr do sol, este acontecimento foi saudado com o ribombar
de trs canhes desta fortaleza, disparando salvas de tiros que
quase atingiram a centena. O primeiro sinal de uma salva era
dado sempre pela torre de Belm, gu ficava a duas horas de S.
Julio. Construda maneira antiga e fortemente armada, est
a meio do Tejo: no Invemo uma ilha, no Vero uma Pennsula.
Passados 8 dias, ao receber o sacramento do Baptismo, repetiram-se as salvas dos canhes. Neste reino nunca se administrou o
Baptismo antes de passados 8 dias aps o nascimento e s vezes,
at 10 ou mais dias. Por este motivo, poucos so os portugueses,
exceptuando os Prncipos, que sabem quando nasceram. Pois
costumam determinar a sua idade a partir do dia do Baptisffio,
como se nos dias que o antecederam no tivessem vivido no Mundo.
Mas a alegria pode terminar em aflio (Prov 14,13). Este prncipe
morreu logo no dia 10 de Outubro, 15 dias depois de nascer. Esta
triste notcia foi levada ao rei, que tinha partido para Mafra

Ano de 763

35

(N.4. *) com o irmo do rei de Inglatera, se me no engano,


Eduardo, prncipe de York.
O funeral do prncipe foi acompanhado por um esquadro
de cavalaria, e deposto na Igreja de S. Vicent de Fora, nde se
enconfia o mausolu dos ltimos reis e prncipes de Portu gal
(segue a enumerao deles).
Foi este templo o terceiro para onde foi transferida a S Patriarcal, que primeiro esteve instalada na capela grande do Palcio
Real, desde 1716 at 1755. Destruda esta pelo terramoto, passou

(N.

A. t)

Mafra que para os portugueses o que o Escorial paa os espanhis,


forte de S. Julio. um lugar clebre onde D. Joo V
recebeu pela primeira yez seu irmo, o prncipe Manuel ao regf,essar da Alemanha
e onde constru um sumptuosssimo mosteiro. De todo o reino vieram numerosos
operrios. Todo o edifcio um quadrado, no meio do qual se ostenta a magnfica
igreja. Sobe-se por uma grande escadaria ao trio do templo. Numerosas colunas
sustentam as abbadas; nos ngulos formados pela juno dos arcos erigiram-se
enormes esttuas, artisticamente esculpidas em pedra: a de S. Incio de Loyola,
S. Filipe Nri, S. Caetano, S. Camilo de Lellis. Entre os vrios santos e santas
encontroill-s todos os fundadores das ordens religiosas. Muitas destas esttuas
eram da Itlia com enorme despesa. Todos os altares slo de mrmore; o coro
est mnnido de ricos gradeamentos dourados, e muito semelhante ao coro dos
cnegos, cujo canto deviam imitar aqueles religiosos que eram da ordem dos
Capuchinhos Menores de S. Fransisco. Em Portugal, chamam-lhes vulgarmente
os Capuchos, e usam um hbito igual aos da Alemanha, exceptuando a barba
que faz o homem. Os franciscanos italianos, de Gnova, porm, que tm domiclio em Lisboa, slo chamados Barbadinhos.
As duas alas laterais do edifcio constituam uma a escola de filosofia e outra
o sonyento que tem lugar para 300 religiosos ou mais. No bastando a Baslica para
tantos sacerdotes, tem ainda urna capela domstica stcientemente ampla, onde se
erigiram, pelo menos, 20 altares. Num desses, pude eu certo dia celebrar. Para to

dista

cca de trs lguas do

numerosa famlia religiosa fixou-se uma renda anual, pois el-rei no quis que esmolassem os professos desta ordem mendicante.
A escola pblica era dirigda pelos Capuchos. Entrando eu numa aula de gfamtica, todos os alunos a um tempo se levantaram dos seus bancos com enorme
fragor. este um sinal de acolhimento e de satisfao pela nossa vinda, assim como
o rumor do patear dos ps prova de que a nossa vinda lhes desa$advel.
Passando eu pela aula de metafsica, ouvi um dos alunos dos Frades Capuchos

a argumentar com tanto ardor que a cada silogismo que propunha dava um forte

t36

Memorias de um Jesuta prisionelro de' Pombal

a S paru perto do nosso noviciado na Colina da Cotovia, que


fora comprado e comeado pelo Conde da Rocha, onde se construu uma nova Igreja. Estava esta terminada quando surgiu um
incndio que consumiu nas chamas toda aquela sumptuosa construo.

At aos morlbundos se ilryam os Sacramentos

Em S. Julio, num crcere vizinho ao nosso, uffi sacerdote


da Provncia Portuguesa, que sofreu por longo tempo de um ctlculo, terminou o seu martrio no dia 30 de Novembro. Devia
receber o vitico no dia seguinte, mas na noite anterior antecimrrro sobre a mesa. O Rey. Padre Prefeito Geral dos estudos,

sentando-se mesa

numa outra sala, mantinha a sua autoridade e gravidade. No s no salo de actos,


mas em qualquer aula, havia um lugar reservado, maneira de um coro suspenso,
com uma entrada oculta, onde o rei podia assistir sem ser visto de ningum. Conta-se
que o rei dissera que para a construo de Mafra gastara 6 milhes de cruzados;
mas desta quantia, 2 milhes pegaram-se s mos de pez dos capatazes, e o rei para
calar as murmuraes de tantos operrios, que por longos anos trabalharam, ps
frente do errio pblico o Padre Joo Carbona, fim de lhes ser pago em cada
semana o justo salrio.
Este sacerdote era da Companhia de Jesus. Viera de Itlia destinado s misses
do Maranho. Mas, por ser perito em matemtica, foi detido pelo rei no seu palcio;
teve tanta influncia junto do rei que quase todos os requerimentos eram por ele
apresentados ao rei, com grande satisfago de todas as camadas sociais. Morreu
em Maro de 1750, sendo reitor do colgio de Santo Anto em Lisboa. O rei reuniu
uma junta mdica paa lhe restituir a sade: assistiu-lhe na doena o cirurgio-mor
do rei, e na morte o Padre Malagrida. Toda a cidade de Lisboa o acompanhou entre
Igrimas sepultura, como a um pai. Coisa que raanente acontece, que um homem
estrangeiro seja to universalmente aceite pelos portugueses. O rei ao ouvir a notcia
da morte do Padre Carbone exclamoa: gora a minha vez. E poucos meses depois,
morria a 3l de Julho. No mesmo colgio de Lisboa esps-se a sua efgie com esta
inscio i P. Ioannes Boptista Carbone, Societafis fesu, natione ltalus, adfectu Lusitanus, Regibus ac Principibus apprime charus. .. olter Collegii hujus Fundator. D. Joo V
chamou a este mosteiro de Mafra, casa da despedida, como testemunho de gratido
do rei ordem Serfica. Pode pareoer estranho que este lugar to hmido tivesse
sido e scolhido para uma obra to monumental. Vi nos altares daquele templo pinturas

Ano de

1763

137

pou-se a morte, seguindo caminho paru a Eternidade sem ele.


Todos os seus companheiros sentiram isto amargamente. De colsolar-nos com a Comunho Pascal, nem se pensava, embora esta
gtaa nunca se negue, nem aos reclusos mais criminosos. Apenas se
concedia aos doentes de enfermidade mortal; e s depois de uma
declarao escrita do cirurgio do forte.
Mais ainda. Pouco antes da nossa nda para aqui, uffi homem
ilustre por seu nascimento, chamado Calhatiz, morreu sem receber o sacramento dos moribundos, apesar de os ter insistentemente pedido. Seu irmo era embaixador junto do rei de Frana.
No sei porque motivo, no quis voltar Ptria; Carvalho declarando-o prfido traidor, vingou-se no irmo que residia em Portugal. Este casara com uma dama nobilssima, princesa de Holstein,

em tbuas, elegantssimas, j desfiguradas pela humidade que por elas escorria.


Montes muito altos impedem a vista deste monumento (Serra de Sintra). O palcio
de Sintra famosssimo pelo cativeiro do rei D. Afonso VI, que ali morreu em 12
de Setembro 1683. Tinha 40 anos. Mesmo preso, cuidava sempre

da barba comprida,
dizendo: Meu lrmo j me fez a barba. No pavimento da sala que ele mais habitava
notam-se os vestgios deixados pelo deambular constante deste infeliz prncipe. O
prprio D. Joo V reprovou este modo de proceder contra seu tio, a quem os portugueses j tinham re,ndido vassalagem. Por isso, nunca quis ir a Sintra. Foi certamente demasiado cruel um irmo que no s roubou o reino a seu irmo, mas at
a prpria rainha. Diz-se que D. Pedro II observou com exactido a penitncia que
lhe foi imposta pela Santa S de jejuar todas as sextas-feiras e dormir sobre uma
enxerga de palha. Nunca usou o ttulo de rei, mas apenas de regente, enquanto D.
Afonso viveu. Assinava-se Pedro ff , regente de Portugal, etc...
Este soberbo edifcio de Mafra ostenta muitas torres que se elevam a grande
altura. Alm da imensidade de sinos, possui um enorme carrilho.
Estive em Mafrah alguns anos e vi l, apenas umas poucas casas, com um ou
outro solar. Num deles vivia D. Toms de Almeid, o primeiro Patriarca de Lisboa.
Hoje, porm, a povoao desenvolveu-se muito. No palcio de Mafra residia, frequentemente, D. Joo V. E para satisfazer seu filho Jos, apaixonado pela caa,
mandou murar uma tapada com reserva de veados e coras e outros animais de caa.
Carvalho no regime desptico com que amordaou todo o reino, expulsou os
para
quero, posso e mando
Capuchos daquele celebre convento
- e trasladou-os
outros mosteiros da mesma ordem, chamando para Mafra os cnegos regrantes de
Santo Agostinho, que tinham a sua casa principal, fundada por S. Teotnio no iempo
de S. Bernardo, nos subrbios de Coimbra.

t38

Memorias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

de quem teve dois filhos. Foi pois encarcerado na alta torre da


fortaleza de S. Julio, com grilh
de um dos nossos guardas que
prestes a morrer deseja um sace
gam: e um pedido to justo
ao menos lhe tragam porta da
-lhe as suas culpas. S recebeu uma cruel recusa.
Que terrvel crueldade esta, em terras catlicas! Que desumana barbrie querer descarregar a sua ira e a sua raiva no s
no corpo, mas tambm na alma do inimigo! Os seus dois fiIhos
que tambm tinham sido presos, foram postos em liberdade um
ano depois da morte do rei. A Cazeta de Colnia de 14 Abril de
1778, escreve cerca de um deles: 10 Maro de 1778: De Lisboa,
Portu5al, dom Frederico de Sousa Calhaz acaba de ser nomeado Governador de Goa.

ANO DE

1764

Entramos no Ano Novo, mas ns, infelizes prisioneiros,


sempre aferrolhados nesta velha masmoffa! S por cartas, trocacadas clandestinamente, nos dvamos mutuamente algum corr-

forto. Amvamo-nos todos como irmos cor unum et anima


- prisioneiros cantou
una. Foi esta fraternal caridade que um dos
neste dsticos latinos.
Lusus, Hispanus) Germanus, et ltalus uno
Clauduntur quatuor carcere) corde pares:
Distinctum genus est illis, disjunctaque tellus;
Unus sed quatuor quam bene junxit amor! (tn)
A Companhla persegutda em Frana

Tambm por essa poca estalou a tempestade sobre a Companhia, em Frana. Os Jesutas exilados da sua Pfiia encontraram honroso e favorvel acolhimento junto do Imperador, dos
reis e prncipos, sendo convidados a estabelecer-se na Austria,
Bomia, Hungria, Siclia, Baviera, Prssia, Polnia, Rssia, e
at na Inglaterta. Mesmo em Frana saram muitos Bispos com
publicaes eruditas, em defesa da Companhia atacada pelos
Jansenistas. Distinguiu-se entre eles Jean de Caulet, nascido em
1693, e eleito Bispo e Prncipe de Grenoble em 20 de Maro de
1726. Publicou ele ento uma apolo Eia da Companhia, em trs
tomos, dedicando-a ao Sumo Pontfice, que agtadeceu com uma
carta de que extramos algumas passagens:
(tn)

Portugueses, Espanhis, Alem es e ltaliarn


Todos juntos no mesmo crcere
So um s corao !
Distintos pelo sangue e pela origem ,
Todos fundidos no amor !

140

Mamrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

Clemente, Papa XIII ao venerdvel lrmo Joo, Bispo de


Grenoble saude e bno apostlica.
Se todas as pessoas de bem lamentam que a Companhia de
Jesus tenha sido extinta no Reino de Frana, isto se deve seita
dos Jansenistas, que em suas ardilosas astcias conseguiu destru-la no meio de vs ... A ela pertence a vergonha de ter usado os meios
mais torpes e iffimes pora abater com o golpe mais profundo de
todos os tempos a cidadela da F Catlica, que era a Companhia

de Jesus ...

Dada em Roma, ffi Santa Maria lV[aior, sob o sinal do Pescador, aos 4 de Abril de 1764, Ano sexto do Nosso Pontificado.

Pombal e D. Joo V face Companhla:


atltudes opostas

E enquanto tantos Bispos defendem com a palawa e com


a pena os Jesutas perseguidos, e tantos Prncipes e cabeas coroadas convidam e recebem Padres estrangeiros nos seus pases, no
abranda o dio de Pombal mesmo contra os Jesutas seus compaficios, injustamente exilados. Chegara-lhe aos ouvidos (ele
tinha espiel pol toda a part:) q,r. dois Jesutas portugueses conseguiram estabelecer-se em Gnova; logo ele, em nome do Rei,
manda avisar o Senado daquela oidade que Sua Majestade Fidelssima, com grande desgosto seu, tivera conhecimento de que
os Jesutas portugueses, que como traidores incorreram na sua
indignao, se haviam refugiado em Gnova. Avisaya, por isso,
aquela Repblica euo, se quisesse defender os interesses do seu
comrcio com Portugal, devia sem demora expulsar da cidade
e do seu territrio aqueles traidores.
Quem no exclamat com o prncipe dos oradores romanos:
Feliz a terra que tais homens receber ! Miserdvel aquela que os
perder ! (Cicero, Pro Tito Ann. Mil, orat.) Mas terra de exlio
s aquela em que no h lugar para a virtude. Bem diferente era
a ideia que D. Joo V fazia dos Jesutas. Passando ele um dia com
o Duque de Cadaval (que depois o comunicou aos Nossos) pela
Casa Professa de S. Roque, rompeu nestas palavras: <<Estes homens so um tesoiro para a Repblica; se tivessem coro tudo o que
tenho lhes daria>>.
So bem conhecidos nas quatro partes do mundo os admi-

Ano de

4t

1764

rveis frutos que a Companhia colheu dos seus labores apostlicos pela salvao das almas. Isto nunca ningum se atreveu a
negar seno os inimigos da verdade. Todos os ministrios em
favor do prximo que as Ordens Religiosas exercem, umas de
uma forma, outras de outra, todos toma paru si a Companhia,
excepo do coro que as outras Famlias Religiosas louvavelmente mantm.
D. Joo V tinha verdadeira paixo pelo canto coral. Nem
se envergongava de cantat em alta yoz nos servios litrgicos.
J desde menino se deleitava com as cerimnias da .ISreja, ponto
de sua me lhe chamar <<o sacristozinho>>. Ouvi mesmo dizer
que se ele sobrevivesse sua esposa, abdicafia paa abtacrar o
estado religioso, ou pelo menos o estado eclesistico.
Foi sempre duma real munificncia na fundao de Bispados,
e na construo e ornamentao de templos e mosteiros, como
se pode ver em O Elogio Fnebre de El-Rei D. Joo V, publicado logo depois da sua morte. Este mesmo merecido panegrico
lhe teceu em Roma, nas exquias solenes celebradas na Igreja
de Santo Antnio dos Portugueses, o Padre Pedro Serra, ltimo
Reitor do nosso colgio de Coimbra. Na orao fiinebre que
ento pronunciou, tomou por tema este texto: In omni domo
mea fidelissimus est (Num. 12,7), aluso ao ttulo de Rei Fidelssimo, com que Bento XIV o honrara.
Trs Jesutas de Azelto para Itlta

No dia 6 de Outubro de L764, foram expulsos para a ltlia


vrios reclusos do crcere de Azeito, situado na margem esquerda
do Tejo. Porque motivo ? Quem poderia penetrar os pensamentos
tortuosos de Pombal? O facto eue, por um feliz engano, entre
eles iam trs Jesutas: o P. Joo Nepomuceno Szluba , da provncia austraca) meu antigo companheiro no Maranho, e dois
Ingleses Coadjutores. O Ministro, ao ter conhecimento disso,
murmurou: Os estrangeiros no _deviam sair; mas j que meteram esses na lista, deix-los ir. que em Portu gal; qundo um
Religioso conhecido pelo nome do Baptismo, tem-se por suprfluo o sobrenome, que nem sequer se nomeia. Chama-se-lhe simplesmente Padre Joo Nepomuceno ou Padre Francisco Xavier.
Aconteceu assim que estes trs Jesutas foram libertados por
passar despercebido o nome estrangeiro que os atraioaria.

142

Memorias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

Mais Jesutas de Macau em S. Jullo


Diz-se que percorrendo uma vez o Marqus a lista dos seus
prisioneiros (lista que no tinha fi-), deu com o nome dum seu
conhecido, e mandou-o soltar. Mas escolheu imediatamente
algum que fosse ocupar o crcere em lugar dele. Assim aconteceu
com estes trs Jesutas. Em 6 de Outubro de 1764 trocaram pelo
exlio a triste cela do seu crcere. Mas logo a 19 do mesmo ms,
em yez deles, foram sepultados mais dez.anove dos seus irmos
nas catacumbas de S. Julio da Barra. Tinham estes chegado de
Macau, e pertenciam s provncias do Japo ou da China. Todos
eram rus de um crime de lesa majestade. A nau em que viajavarn
foi atacada por piratas moiros, eue, ao reconhecerem os prisioneiros vindos de to longnquas terras, por uma ordem de priso
emanada de Lisboa, exclamaram: <Que grande deve ter sido o
punhal com q.ue o Rei de Portugal atingiu os Padres que viviam
em to remotas plagas!
Chegaram estes novos hspedes ao forte de S. Julio, pelas
trs horas da madrugada. Eram de cinco naes: 12 Portugueses,
2 Alemes, 2 Italianos, 2 Chineses, e I Francs. Este perdera na
viagem dois compatrcios, guo no resistiram aos rigores da tavessia: o P. Joo Silvano de Neu' ille, de Bordus, antigo Superior
da Misso francesa na China; e o P. Gabriel Bousset, de Paris,
Procurador da mesma Misso. Estes Franceses no eram sbditos
do domnio de Portugal; mas eram Jestas que habitavam sob
o mesmo tecto com os seus irmos portugueses missionrios da
China. E isto bastava para serem rus da mesma culpa e vtimas
da mesma pena.
Em Macau, que era uma pennsula chinesa da provncia de
Canto, estabeleceram-se os Portugueses desde os meados do
sculo XVI, Iimitando-se o seu domnio apenas aos confins da
cidade. Se as autoridades da China circunvizinha quisessem, poderiam ter impedido a captura dos Jesutas franceses; mas talvez
se tenham deixado seduzir pelo brilho do oiro ou da prata com
que lhes acenou o Ministro portugus.
Foi verdadeiramente crel a invaso dos nossos colgios
pelos soldados, os edifcios postos em hasta pblica, os_ seus bens
ujeitos ignomnia do p.rego com uns preos to exguos, que
mais pareci um desperdcio ignbil do que uma justa venda.
Os Chineses gentios roubaram os barretes altos dos Jesutas, um

Ano de 1764

143

tanto parecidos com o fez turco, e andaram com eles na cabea


a danar pelas praas pblicas. Diz-se que S. Francisco Xavier
usara um barrete semelhante, e ue por isso toda a nossa Assistncia de Portugal o usou tambm (N. A. *).
Entre estes macaenses, havia dois Portugueses que j tinham
lutado valentemente pela F. Tendo partido paa Nanquim no
dia 8 de Dezembro de 1753, foram reconhecidos e presos, com
trs oompanheiros. A 16 de Maio de 1754, algemados e com uma
coleira de ferro ao pescoo, depois de feridos com bofetadas e
cruis torturas nas plantas dos ps, e outros tormentos, foram
oondenados morte. Esta sentena foi mais tarde comutada em
dez anos de priso.
Dos Alemes, um ea o P. Jacob Graff, nascido em Nidemberg, diocese de Trveris. Navegando ele em 1743 para Sio, naufra-

gou, e foi atirado paa as praias da Cochinchina. Passando trs


dias na ptaia, exausto de fome e de sede, com a bagagem que
escapara ao furor do mar, foi levado a um telnio rgio. S lhe
foi permitido trabalhar na misso da Cochinchina at 1750, ano
em que surgiu uma grande perseguio. Foram vrias as causas
dela. A principal foi gue, tendo morrido aqueles que antes defendiam junto do Rei a F Crist, veio em yez deles um certo
fmulo dos Bonzos, que ea ao tempo Mandarim, e se tornou
favorito do Rei. Detestava ele tanto os Europeus como os Cristos,
e comeou pouco a pouco a virar o nimo do Rei, que at ento
lhes era favorvel, levando-o a aborrecer a doutrina dos missionrios, e semeando a discrdia para causar a runa de todos os
fiis a Cristo.
No dia 2 de Maio do mesmo ano, por ordem real, foram
enviados soldados com ordens s Provncias e seus governadores
para demolir todos os templos cristos. Todos os missionrios
seriam levados prisioneiros, e os seus bens confiscados, pois proi-

(N.A.

*)

Mas D. Joo V, em 1720, ordenou que todo o clero, quer secular

quer regular, usasse o barrete tricrnio dos Italianos e dos Franceses. Os Espanhis
usan barretes que terminam em quatro bicos, mas muito maiores que os dos Alemes.
Houve um Jesuta mandado por Filipe V a Portugal, que ningum consegu conven@r a usar este barrete italiano , to leve que mal se sente na cabea. Segurava-o
com a mo, dizendo: <oasci espanhol, vivi portugus, mas Deus me livre de morrer
italiano.

Me'mrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

144

biam o culto dos mortos, e espalhavam pelo povo fbulas do


inferno e de penas que deviam sofrer-se depois desta vida.

que se viu forado a voltar a Macau. As cartas to fervorosas


deste homeffi, Rainha de Portugal
de ustria
- Mariana
foram certamente j, inseridas na coleco
das Cartas lJltramarinas, come
.) e continuada pelos
PP. Probst e
com os
os 92, encerrados em
ou em grupos de 3, 4re at Lrnestas criptas,
lnverno, destilavam tanta gua, que nela se
os.

ANO DE

1765

Entretanto, os adversrios da nossa Companhia no dor-

seu
as
dest
mes

a fogueira
sacrlegas;

dos costutinha sido


or Imperadores, Reis e Prncipes, e
ingulares benefcios e prilgios; um
Pbntfices, e o prprio Coclio de
Trento louvaram como piedoso, santo, o dedo de Deus, celebrrimo pela reforma dos costumes cristos, e pelo seu trabalho
na propagao da F, benemrito de toda a Igreja, como lhe
chamou Bento XIV.
Pareceu, portanto, ao Santo Padre dever confirmar de novo,
este Instituto j anteriormente exaltado por tantos
seus Antecessores, com a Constituio Apostlica
pascendi de 19 de Janeiro de 1765, a fim de calar a b
caluniadores.
(Segue-se

transcrio do prembulo desta Bula).

Morrem mais sete Jesutas em So Jullo


Se em 1764 a morte poupou os cativos do nosso crcere,
logo no ano seguinte veio libertar das trevas desta masmorra a
sete deles: um Italiano, cinco Portugueses, e um Chins natural
10

146

Mamrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

tribulaes porque passaram. Cito o comeo e o final de um breve


elogio fnebre, escrito pelo P. Koffler, que lhe assistiu morte:
<<Hoje, 27 de Fevereiro, pelas 3.30 lt. passou desta para melhor
vida, como piamente cremos, o nosso carssimo irmo em Cristo
Francisco da Cunha
escoldstico, provado durante dez meses
com vdrias doenas na- escola da pacincia. Finalmente em meados
de Janeiro, oi atacado de caquexia, doena para ele tanto mais
fatal, quanto mais desprovido estava de todo o remdio humano,
e quonto mais rude o inclemncia do cdrcere. Comeou a dispor de
tudo, como genuno filho da nossa Companhia, prestes a desprender-s deste vale de ldgrimas, abandonando-se plenamente vontade
d'Aquele em cujas mos estd a sorte de todos ns. Houve uma circunstncia que ez realar ainda mais este pereito desapego: Resolvera o mdico fazer-lhe uma sangria) mas eu protestei muitas vezes,
por me parecer que ela o levaria fatalmente morte. Apesar disso
erminao do cirurgio, s para
obedecer ao mdico, preerindo
do que viver mais anos seguindo
a sua prpria vontade. Teve uma agonia to suave e to breve, que
um quarto de hora depois, apenas com um ligeiro estertor, expirou
placidamente no Senhor, pouco depois de eu pronunciar as palavras
do ofcio da agonia: Livra, Senhor, a alma do teu servo, assim como
libertaste Pedro e Paulo do seu cdrcere>>. Tudo isto me leva a crer
que ele jd passou deste ergdstulo tenebroso para a liberdade inaces-

Ano de

147

1765

Como se tratavam os doentes

Esta falta de todo o remdio humano que o P. Koffler menciona foi a causa de tantos adoecerem, e de nos serem roubados
po-r-.uma.morte precoce. Noto em primeiro.lugalgpe lo havia
mdico algum; era o cirurgio-mor que exercia o ofcio de mdico.
Mas nem habitava no forte; morava em Oeiras que flca a meia
hora de distncia. S ele podia visitar os reclusos doentes. Passavam, porm, trs, quatro e mais dias, sem o doente receber visita
alguma. E assim, no se lhe acudindo logo ao princpio da doena,
a medicina, se che gaya, eta j6 tarde para efectuar a cura.
E que remdios se davam ? Os mais baratos e trivais, como
pedilvios e semicpios. Ofereciam gua em yez de remdios:
gua e mais gua. O prprio cirurgio costumaya dizer: a gua
tambm cura. Raras vezes se davam purgantes, porgue estes
tinham de ser procurados na fatmcia de Oeiras, no se davam
gratuitamente, e nem sempre os havia. Era preciso ir procur-los
a Lisboa, enquanto o enfermo ficava a braos com a morte. Se
algum caia gravemente doente, no havia esperana de salvao;
s por milagre poderia escapar.
Que se poderia esperar dum homem guo, depois de ser curandeiro, estudou qualquer coisa de cirurgia, sem nunca ter frequentado uma esoola mdica ? O P. Koffler, que era filho de um mdico
de Praga, e por muitos anos tratou na Cochinchina da sade do
prprio Rei, louvou-lhe ahabilidade parafazq sangrias nas veias.
Trouxea este Padre consigo vrios medicamentos que oculta
g, fte_quentemente dava aos doentes. Mas como eram antiquq{os,
j no produziam o efeito esperado. Na Cochinchina, os mdicos
no se contentam com receitar remdios aos enfermos, mas so
eles que os preparam e aplicam, fazendo tambm de farmacuticos.
Expulso dos Jesutas de Macau

No ms de Abril de L765, entregaram-me uma carta do P.


Graff, em que me dava uma brevssima notcia da sua expulso
de Macau. Escreve ele:
<<Por fim, a 5 de Julho de 1762, tambm Macau foi atingida
pela tempesta'de. Cerca das 3 horas da madrugada, chbgaramlrs
Juzes mandatados, acompanhados por guardas s sutts ordens,

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

t48

que nos obrigaram a abandonar o colgio, e nos transportaram ao


convento de ,S. Domingos, tendo levado tambm ao mesmo tempo
outros tantos Chineses para o convento de S. Francisco. Ao quinto
dia fomos transportados para a Procuradoria do nosso colgio, onde

permanecemos por quatro meses, at que no dia 5 de Novembro


nos amontoaram no poro de um navio, obrigando-nos a partir para
Goa. Muito tivemos ns que sofrer nesta viagem: o calor, o aperto
sufocante, e a invaso dos percevejos; e embora os macaenses nos
tivessem fornecido com todo o necessdrio para viagem to longa
habitualmente dura cerct de dois meses
no chegou, pois esta
jejum
se prolongou por quase cinco meses. E assim o
da Quaresma
oi rigorosssimo. Entrdmos no porto de Goa a 22 de Maro de 1763.
Dois dias depois, fomos levados a Mormugo, onde permanecemos
ocultos por mais de dez meses. )ali zarpdmos numa nau da India,
a 4 de Fevereiro do ano seguinte, rumo Baa (N. A. *); e embora

o capito da nau fosse um homem bom, no faltou matria para


exerccio da nossa pacincia, no tanto pela escassez de mantimntos, como pela sua defi,ciente qualidade. No Cabo da Boa Esperana (N. A. **) a todos os outros sofrimentos veio juntar-se uma
tempestade de trs dias, e o escorbuto que atacou vdrios dos
nossos. Quase todos fomos atormentados por um fortssimo aatarro
que nos sufocava, e que roubou a vida a quatro dos meus companheiros. A 15 de Moio entrdmos no porto da Baa, e fomos levAdos pouco depois a umo cosa de orao
umo residncia onde se
davam os Exerccios de Santo Indcio- com grande aparato de
tropa, como nunca tnhamos visto. Este rigor dos governAntes,
porm, oi suavizado pela benevolncia de quase toda a gente.
De ld para Lisboa, fora das costumadas molstias duma viagem
martima, nada houve de especial, digno de memriA>>.

(N.A.

*)

A Baa recebeu o nome de Todos os Santos


Baa de Todos os Santos,
cidade principal desta capitania; era ath pouco a capital do Brasil, sede do Vice-Rei,
vulgarmente conhecida por S. Salvador. No <<reinado de Carvalho, o governo supremo passou para o Rio de Janeiro, e os ttulos de Vice-Reis do Brasil e de Goa foram

extintos, sendo substitudos pelo de <Governadores.


(N.A.**) O Cabo da Boa Esperana uma colnia clebre da frica, muito
conhecida por todos os que navegam para as ndias Orientais, descoberta em 1498
pelos Portugueses, que lhe deram este nome. Em 1650 apoderaram-se dela os Holandeses.

Ano

de 176

149

populosa, uma cidade to rica


- Goa, outrora to nobre, to
da India Oriental, se a compararmos com o seu antigo esplendor,
como nos disse uin dos Padi:es da sia, parece agor{um ad ye.
excepo dos mosteiros, a maior prte del est reduzida
a um palmar. A insalubridade do clima afugentou dela tanto os
nobres como o prprio Vice-Rei, que foi habitar para um lugar
vizinho. Mormugo uma fortalez.a prxima de Goa guo, com
vrias outras, impede os rgulos da ndia, vizinhos de Goa, de
a invadirem.
Os habitantes da cidade de S. Salvador da Baa ficaram
cheios de alegria, quando viram de novo os Jesutas; tocaram
e cantaram pata recrear aqueles presos; forneceram-lhes todo o
alimento e roupa que puderam i a, apesar da guarda dos soldados, houve um que se aproxi rou dos Padres, suplicando-lhes
de joelhos recebessem aquela batina j gasta dos Jesutas, que
ele conseryara consigo como relquia.

ANO DE

T766

Momem mats dois Jesutas em S. Jullo

Abril deste ano foi um ms fatal para dois dos nossos sacerdotes que, j sob o peso dos anos, sucumbiram aos sofrimentos
da sua srdida masmorra. Foram homens sempre integrrimos
por. Manu
perdo P.
lustrou
o r-

chama

ianas

(nome derivado do missionrio italiano Segneri) produziam extraordinrio fruto nas almas. Foi um operrio indefesso na vinha
do Senhor. Comeou o seu trabalho apostlico na diocese do

de t,o intenso e fecundo trabalho, a 20 de Maro de 1760, foi

Reitor do colgio de Choro e da Casa da Terceira Provao,

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

152

perto de Goa, quando o prenderam. Este, nas trevas do forte de


S. Julio, escreveu em verso uma vida de Nosso Santo Padre,
bem digna de se publicar.
Quase ao mesmo tempo, espalhava-se o boato de que Jos
Policarpo de Azevedo morrera num mosteiro de Espanha. Tinha
sido queimado em efgie em Lisboa, a 13 de Janeiro de 1759, o
trgico dia do atroz suplcio de tantos nobres. Paru fugir triste
sorte que o esperava, errou vagabundo por campos e vales, atavessou montes, penetrou bosques e desfiIadeiros, at finalmente
se separar dos vivos, abraando o estado religioso laical.

More o Hncfpe

D. Manuel,

tio do Rei

Estas notcias s depois de vrios anos de crcere chegaram


at ns. Tivemos, porm, mais depressa a notcia da morte do
prncipe D. Manuel, tio do Rei, ocorrida a" 3 de Agosto de 1766,
no mesmo dia em que nascera 69 anos antes. Era bondoso para
com todos, e sobretdo para com os estrangeiros. Por duas vezes,
tive a honra de falar com ele, no jardim da nossa propriedade de
Xabregs, perto de Lisboa. Sabendo ele que eu era natural de
Mogncia, disse-ffie, misturando palavras alems com portuguesas: <<O eleitor de Mogtincia tem em Asciburgo ein schones
Smmer-Palas.

outro Padre, meu companheiro, por ser Hngato, f-lo


junto de si, declarando-lhe que ea muito amigo da sua
nao D. Manuel vivera na Austria por alguns anos, como
sabido. A legio de cavalaria que ele comandava ainda agora se
sentar-se

chama o Regimento de Portu gal. Dignou-se comer connosco no


refeitrio. Teve grande estima pelo nosso Padre Jos de Arajo,
seu confessor, a quem D. Joo V pedira o convencesse a no
voltar a sair de Portugal. Em 1759, estando o P. Arajo gravissimamente doente no colgio de Santo Anto, ffi Lisboa, doena
de que morreria pouco depois, mandou o Marqus de Pombal
colocar-lhe porta um guarda militar, talvez paru impedir que
a sua alma se desprendesse do corpo, ou antes, paru gue, no caso
de escapar da doena, no pudesse escapar ao crcere que lhe
destinaYa.

E que admira que Carvalho usasse de tanta violncia para


com um pobre moribundo, se ele prprio se atrevera a colocar
guardas a fim de impedir conversas ocultas do prncipe D. Pedro,

Ano de

1766

153

que continuava ainda a corresponder-se por cartas com o seu


grande amigo P. Jacinto da Costa, mesmo depois de este se encontrar prisioneiro ! Ousou at (a que ousadia no seria ele capaz de

?), por causa duma suspeita a respeito deste prncipe e


sua serenssima consotte, fazer investigaes sobre os seus actos
e palavras.

chegar

Trs Jesutas franceses so postos


em liberdade

No dia 8 de
dos Jesutas pris
Gad, natural de
que desta passou

provncia de Portugal, como j tinha declarado em protesto, tanto


no Brasil como na ndia. No dia 11 do mesmo ms, o P. Francisco
da Costa, natural de Braga, passou da vida morte, ou antes,
.trocou a morte pela vida. J em Macau tinha cegado, e mesmo
cego, l foi preso. Em meio de tantas voltas por t,o longa viagem,
teve de ser sempre amparado por outro, quer nas lanchas, quer
nas naus, at entrar no Tejo, para beira dele, ser sepultado,
ainda vivo, no crcere de S. Juli,o. Tinha sido missionrio por
dois anos na China, por 24 na Cochinchina, e era Provincial- da
Provncia do Japo , j, com 76 anos de idade.
No dia 2l de Outubro, foi tambm libertado o meu vizinho
f1. Jacques Delsart, da Provncia Galo-Belga. Nascera em
-Quesnoy (Hainaut). Conheci-o em 1752, estando eu em Gnova,
na nossa Casa Professa de Sto. Ambrsio. Com estes dois Franceses, libertaram tambm um terceiro a 23 de Dezembro: foi o
P. Jean Baptiste du Ranceu, francs de origem, embora a sua
terra natal seja San Remo, perto de Gnova (tu).
(tu) Eis como se deu a sua libertao: A famlia do P. Louis du Gad, no tendo
recebido por longo tempo notcias dele, acabou por suspeitar do seu paradeiro nas
enxovias de Pombal. Neste pressuposto, dirigiu-se Rainha de Frana, a virtuosa
Maria Leczinska, pedindo-lhe que reclamasse o missionrio s autoridades lusitanas.
Correspondendo ela ao pedido, mandou escrever ao seu embaixador, Marqus de
Saint Priest, ordenando-lhe indagasse do paradeiro do P. Louis du Gad. O embaixa-

t54

Memrlas a"

\,

Jesuta prisioneiro de Pombal

Com menos trs que foram postos em liberdade, e quatro


que passaram eternidade, nem por isso ficmos mais livres,
3,?f;fi lT,Slll;,ff;'i,LT""31,':
que um dos meus companheiros enlouqueceu. Era Ingls, homem ricamente dotado. Os acessos de fria
eram to violentos que foi preciso lig-lo com oordas durante
semanas. Pedimos insistentemente ao carcereiro que transferisse
aquele doente paa onde outros lhe pudessem mais facilmente
assistir, mas os nossos pedidos foram em vo. Esta aflio que
mal se pode tolerar por poucos dias, tivemos ns de a suportar
dia e noite por longo tempo. Foram inteis as mais de trinta
sangrias q.ue lhe fizeram.
A sangria das veias coisa muito frequente em Portugal.
Se algum cai ao cho, abrem-lhe logo uma veia. Nem as crianas
de dois ou trs anos se livram de tal remdio. Os Portugueses,
ao ouvirem que na Alemanha e noutras partes se enchem pequenas
escudelas com o sangue extrado por flebotomia, exclamam:

dor comou imediatamente as averiguaes, o no tardou a descobrir que estava


encaroerado nas masnorras de S. Julio. Dirigiu-se logo Corte, rn nome do seu,
governo, e exigiu a liberdade do prisioneiro. Sau pois o P. du Gad da sua enxovia,
a 8 de Agosto de 1766, aps 3 anos de cativeiro em Lisboa, e 5 anos depois de ter sido

prcso em Macau.
Uma vez em liberdade, informou logo o embaixador de que na fortaleza de
S. Julio estavam tambm encerrados dois outros Franceses: o P. Jean - Baptiste
du Ranceau, natural de San-Remo e de pais franceses, levado cativo das misses
da fri@ paajunto dos outros prisioneiros em Goa. Mas s foi posto em liberdade
4 meses depois do P. du Gad, em Dezembro de 1766.
O terceiro Franos, ea o fr. Jacques Delsart, feito prisioneiro no colgio de
Rachol, Do pennsula de Salcete, a 7 lgsas de Goa. Navegando da sia para Lisboa,
encerrado em S. Julio, donde sau 2 meses antes do P. Ranceau, depois de 5
anos e 4 meses de cativeiro. Regressou Flandres, edificando l os seus Irmos em
religio, sobretudo pela pacincia em suportar as doenas contradas na priso.
Permaneceu algrrns anos no nosso colgio de Huy, e depois no de Dinant. Antes
de entrar na Companhia, estudara por algum tempo teologia em Douay. Foi esta
uma das razes que levaram o Bispo de Lige a orden-lo sacerdote, depois da supresso da Companhia. Isto veio aumentar ainda mais o seu fervor, que parecia crescer
com os sofrimentos da doena. Era impossvel ouvir o relato dos seus padecimentos,

foi

Ano de

1766

155

Foi sangria de cavalo. Mas estas sangrias repetidas superam


a flebotomia de cavalo. Qualquer indcio duma febre combate-se
logo recorrendo ao uso do escalpelo, duas vezes ao dia e durante
vrios dias. Sangria e mais sangria. Yur se o Rei tem de sujeitar-se a uma sangria, nem que seja por doena grave, logo se reveste
a Corte de pompa solene, e comparecem todos os cortesos,
ostentando trajes de gala, porque se derramou sangue real!

sem se ficar extremamente comovido. Rosto de desenterrado, ps corrodos por parasitas e pela humidade das masmorras, dores contnuas que mais impressionavam
com as suas palawas sempre repletas de modstia e resignao. Esta atitude, longe
de a desmentir, confirmou-a diante do Juiz Supremo, no momento de receber o santo
Vitico, declarando que de todo o corao perdoava aos seus inimigos, sobretudo
queles que lhe tinham abreviado a vida. Sobreviveu apenas 3 anos aps a supresso
da Companhia, ndo a morrer em 1176. (Anedd, t. II, p. 199)

ANO DE

1767

Morte dos PP. Fay e Wolff

A 12 de Janeiro deste ano perdi o P. David Fuy, que por


cinco anos tinha sido meu companheiro de cela. J no ano anterior escapara, como por milagre, do perigo de morte. Estava em
pele e oso, e mais parecia morto do que vivo. As 11 horas da
oite deitou-se, e vei a morrer pela I da madrugada, consumido
por febre lenta.
Eis o epitfio que um dos Nossos lhe teceu:
Ecce Yiator !
Hic jacet tui semper stetit
Coram Domino,
Et stabit in aeternum.
Ne mortuum putes viventem in saecula !
Mortem non vidit, quia dormiens exspiravit.
Obdormivit igitur tantum in Domino,
Cui semper vigilavit.
Yigilantem mors non est ausa amplius aggredi,
Utpote, jam semel delusa, t ictum frustrata:
Quare ipse cum viveret, sponte moriens
morti, mundo et carni.
Cum vivus esset sepultus,
utroque exivit cnrcere, sibi non debito,

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

158

d libertatem natus et

vitam,

Victurus

Sibi Deo et sociis

In

aetermtm.

Yale

(tu).

Nasceu no solar paterno de Fuy, donde recebera o nome,


na Alta Hungria, de pais heterodoxos. Seu pai, senhor daquele
castelo e do territrio que o circundava, converteu-se com a leitura do Compndio das Controvrsias da F, de Roberto Belarmino.
E instrudo na verdade pelo Bispo de Eger, Conde de Erdd,
abjurou nas mos do Arcebispo de Estrig nia, e professou a F
da Igreja Romana, na presena de muitos nobres. Antes de se
convrtr enviou seu filho David, ainda adolescente, paru fnglaterra, a flm de adquirir mais vasta instrUo intelectual, e voltar
sua ptna com a autoridade de defensor e mestre das novas
doutrinas.
A 24 de Janeiro, deixou este mundo

(tt)

Viandante

o P. Francisco Wolff,

Aqui jaz aqaele que andou sempre tu presena do Senhor,


E com Ele viverd eternatnente.
No tenlas por morto o que i goza a vida etertu!
No viu a morte quem a dormir expirou.
Adormeceu apeno.s no Senlor
Aquele que viveu sempre vigilante,
A morte no se affeveu a agredir de novo
quele que i antes a iludira,

E lhe frustrara o golpe;


Aquele que tenfu sido sepultado vivo,
Motera

espontaneamente

morte, oo munfu

carne,

Deixou o crcere que no rmerecia

encontrou

liberdade

ea

vida.

Qae ele viva etennnente

Para si, para Deus,


E para os seus companlteiros e

amigos

Ano de 1767

159

natural de Landeck (N.A. *), da provncia da Bomia. Acrescento aqui o relato do P. Jos Unger, tambm natural da Bomia:
Foi o P. Francisco zelosssimo missionrio no Brasil durante
vinte anos.
No ano de 1738, foi por duas vezes Visitador. Depois foi
por tr-q vezes Scio do Prvincial. Como a meu antigo -Mestre,
escreviJhe uma vez do Paraguai, quando e e j , tinha sldo levado
prisioneiro paru Lisboa: onde vais tu, Mestre, sem o teu discpulo ? E recebi esta resposta: <Depois de trs dias hs-de seguir-me. Mas o que no aconteceu depois de trs dias, aconteceu
depois de trs anos, pois tambm eu, encerrado no forte de S.
Julio fiquei durante 15 anos jullo - dele. O P. Kaulen, companheiro do P. Wolff na prosperidade e na. adversidade conlui
deste modo o elogio fnebre que dele escreveu:
Siste Viator,
,S, agnus es vel ovis.

Procul enim hinc sint lupi.


Ecce hic jacet agnus sub nomine Lupi (aluso ao nome
WolffLobo)
,Src mundus fallitur, et fallit.
Iniqui eum lupum esse dixerunt, et subterranea in
Spelunca concluserunt,
Innocentem rei, agnum lupi.
Multa passus, post septennium extinctus in- carcere,
Inventus est agnus.
f
praeteritam,
s
vis,
sed
nullo modo praesentem illius sortem;
:ug,
Cum . agnis enim hominum sequitur agnum Dei quocumque ierit
(Apoc 14,4),
In pascuis, et gaudiis coeli sempiternis,
Eo quod Domino consimilis fuit suo:
Hic formam servi, et peccatoris speciem, ille Lupi
nomen et rei figuram (Filip 2,7)
Patienter tullit.
Sicut herus, ita servu^i.
Pastor uit, Dux, et Lux ovium,
Quas illuminavit in fide, duxit in viam, pavit ad vitam.
(N.4.
Inferior.

*)

Landeck uma cidade do Condado de Glaz (Kladsko) na Silsia

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

160

Tu ad haec o Yiator ! quid facies ?


Imitare defunctum, ut videas vivum.
Detestore injustitiae rigorem,
Et fuge omne peccatum,
Quod ex agnis lupos facit,
Antris inferni includendos,
Cave, et vale ! (t').

(t')

Vlajante que passas, pa,

Se s cordeiro ou ovellu.
Longe daqui todos os lobos !
qui jaz um cordeiro que se clannou lobo.
Assim se engaru o mundo enganador.
Os mpios clwmaram-lhe lobo,
E sepultaram-to numa cela subterrnea.
Os criminosos culparam a inocente, e os lobos o cordeiro.
Morrendo encarcerado aps sete anos de tortura,
reconheceram que era cordeiro.
Chora, se quiseres, a sua sorte passada,
mos exulta com a sua sorte presente.
Pois aquele que entre os homens se chamnva lobo
segue agora o Cordeiro para onde quer que v,

nas alegrias eternas do cu.


Em tudo semellunte ao seu Senhor,
com Ele assumia a forma de servo e pecador
aquele que era lobo por apelido,
suportando ambos a humillwo e o sofrimento

por amor um do outro,


pois o servo 'no mais que o herdeiro,
Foi Pastor, Guia e Luz fus ovelhas,
pois as apascentou com a Palavra da vida,

as conduziu pelos camnhos do cu,


e as iluminou com a luz da t.
E tu, viandante, que que fazes?
Imita aquele que morreu para com ele
Detesta (N cruelfudes fu injusta,
oge de todo o pecado
que transforma os cordeiros em
e lhes abre a boca do inferno.
Cautela

Adeus.

lobos,

viveres.

Igreja do Colgio de S. Paulo, em Braga. Por aqui passou o P. Eckart, preso,


a caminho dos crceres do Forte de Almeida. (Historia da Arte em Portugal, VII
por Vtor Serro, p. 114).

Planta das celas do Forte de Almeida, desenhada pelo P. Loureno Kaulen.


Aqui chegou o P. Eckart em 1159. (Do livro original autografo do P. Kaulen Relaao de algumas cousas que succed'ero aos religiosos da Companhia de Jesus. . . ,
p. 51 B, B. N. L. Mss. 7991 . Planta reproduzida por von Murr na sua Geschichte
der Jesuiten in

Portugal...,8..N. L., R 34875-6 P).

Hoje, o Forte de Almeida. As Portas exteriores de S. Franeisco


da Cruz . (Os mais belos castelos de Portugal, Verbo, 1986, p. 99).

ou

Avanadas

Ano de

t6t

1767

Os Jesutas expulsos de Espanha


Neste t[o nefasto ano, a Espanha, seguindo o pssimo exem-

plo dos Jansenistas em Frana, expulsou a Companhia de Jesus,


varrendo das suas casas aquela Ordem que deve a sua origem e
e santos escolhidos por Deus na nao espaesplen
por todo o orbe da terra a glria do Seu
nhola

Nome

deplorvel expulso escreveu Clemente

XIII

ao Rei Catlico uma catta em termos tais, que acabariam por


comover at um esprito njo oomo o ao:
Carssimo Filho Nosso em Cristo. Sade e Bno Apostlica.
Entre tantas adversidades que temos experimentado nestes
ltimos e tristssimos onos do Nosso Pontificado, nenhuma iffigiu
ao Nosso corao paternal to acerba dor como a ltima carta de
V. Majestade... Tambm tur-yneu filh9! 9 Rei Catlico Carlos--!ry,
o mais querido dos nossos filhos, encherd o cdlice da nossa aflio
com o fel da mais profunda amargura) to intensa que levard ao
sepulcro a, nossa infeliz velhice, inundada de ldgrimas e de dores !
Srd que o piedosssimo Rei de Espanha Carlos III usard para destruio completa de uma Ordem Religiosa, to til e querida sua
u para promover e

ta lgreja?...
Abril de 1767, Ano
nono do Nosso Pontfficado.
Roga depois ardentemente ao Rei, por tudo o que h _de mais
santo ns cs, e de sagrado na terca, suspenda o decreto de exflio,
e mande examinar a causa da Companhia, paru que no destrua
um corpo numeroso de sacerdotes consagrados ao servio de
Deus e ila Repblica, que por mais de dois sculos to abundantes
frutos de salvao produ4iu,
provncias e reinos das Indi
destrua sem os ouvir e sem
opetrios que estrenuamente co
Deus e pela Ptria....

Mais humilhaes a que os presos so expostos


No ms de Maio do mesmo ano estalou sobre os Nossos do
Alentejo, presos ta casa de campo que tinha sido do Duque de
Aveiro, a mais espantosa e horrvel tempestade. Inesperadamente.
1

162

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Po,mbal

incrvel rigor: as roupas, o calado, os sacos, sem permitir que


nenhum dos reclusos fizesse um movimento qualquer. Sondam
todos os recantos das celas e de toda a casa. Pem num rodopio
as camas, as mesas, os bancos, volvem e revolvem todos os escassos haveres dos Padres. Chegaram a ponto de descer por uma
ara tentar descobrir
. Nada encontrando,
alto a baixo, sujei-

mais vergonhosamente. Trs deles sacerdotes, protestaram veementemente contra tal ignomnia. Finalmente apareceu a carta.
De contrrio, fariam passar completamente nus a todos os reclusos diante dos ministros rgios e soldados.

de Carualho, irmo do Ministro. Mas isto ainda no bastou.

oficiai
terem
cmpl
dos fo

priso
os pres
clandes
conden

Os

no

sido
ega-

smo

vi nesta fortalez,a um deles j depois de nove anos de priso, ainda


algemado. No mesmo ms, foram retirados dois dos nossos do
sul do Tejo, e levados no sabemos para onde; e outros seguiram

depois deles.

Ano de

1767

',

163

So libertados dois Jesutas italianos

Dois Italianos, ambos de Turim, tiveram melhor sorte, e


foram no dia 10 de Maio postos em liberdade. Aproveitando esta
ocasio, entreguei ao P. Fantini que era filho do mdico do Rei
da Sardenha, um opsculo para ser enviado paa Moguncia;
mas no tive a alegria de o ver chegar salvo ao seu destino. Era
um livro do P. Joo Pedro Pinamonti intitulado La Croce SollevAtA,
para alcanarmos a virtude da pacincia, to necess ria sobretudo no nosso prolongado cativeiro. Tinha-o eu fiadtlr;ido para
latim da edio-alem.
Dois dias depois, chegou o cirurgio paa ver um doente
ingls. Conflrmou a notcia que corria de os Jesutas terem sido
expulsos de Espanha, e falou-nos dum tumulto popular que surgira em Madrid, e obrigara o Rei a fugir. Em Portugal fez-se
correr que os Jesutas de Madrid foram cmplices desta rvolta pelo apoio moral que deram s multides. O facto, porm,
que foram eles os primeiros a tentar acalmar a populao.
No dia 12 de Maio ressoaram por toda a cidade de Lisboa
os clarins da cavalaria a anunciar a todas as igrejas o prximo
parto da Augusta princesa do Brasil. Expe-se o Santssimo Sacramento, e ordenam-se preces pblicas. No dia seguinte nasce o
terceiro filho do prncipe D. Pedro, gue se chamou Joo, o mesmo
nome de seu irmo falecido quatro anos antes. Seguiram-se as
costumadas salvas dos canhes de todos os fortes.
37 prisioneiros postos em liberdade

No dia 5 de Julho, foi concedida a liberdade a 37 prisioneiros,


Lodgt_da provncia portuglrgsa, entre. os qais o pjprio Provincial
P. Joo Henriques, que vinha mencionado na tristemente famosa
sentena de morte dos nobres acusados do regicdio. Esta liberalidade despertou enorme admirao em muita gente. Ou bem que
era ru, ou que era inocente. Se era ru, porque que o soltaram?
Se inocent
por tantos
Como
e Lisboetas, guo, vivendo mais
praticou, mais facilmente poderiam

ter contrado tal infmia,

Memrias de um Jesuta prlsloneiro de Pombal

64

atribuda por Cawalho a todos os Jesutas, e, que por outro lado,


os que viveram nas terras mais remotas do mnd continuassem
a apodrecer encerrados nas suas celas subterrneas ? Quem puder
entender, que entenda.
Entre s bertos provenientes da sia, estavam dois Coadjutores: um era Paulo Machado, natural de Tonquim, e outro,
Sinforiano Duarte, de Am-Cheuen, provncia de Chekiam. O
pr1neiro, destinado proncia do Japo,.foi.preso com os Goeses,
pois se encontrava em Goa quando rebentou a tragdia sobre
toda a Companhia em Portugal (N. A. *).
Coube tambm a sorte da libertao do crcere a dois Alemes
6 p. Graff que veio a morrer no colgio de Trveris, e o P. Muller,
- Colnia.
de
ugal,
Os 37 prisioneir
nem
Goa, Japo, China e
preum s. O que foi ce
Governador daquele
dileco
Para consolao dos
Estado,
continuando eles nas
infelizes
foi-lhes dizendo que
trevas d
depois de trs semanas todos seriam postos em
trs semanas passaram, e mais trs anos, e ns
Babilnia, no at ao ano 70 deste sculo (iste j

enquanto ns, ta hmida escurido do crcere, entovamos o


versculo final do mesmo hino : Miserere nostri, Domine, miserere
nostri.

(N.A.) Os nativos de Tonquim tm a mesma religlo dos Chineses, e prestam culto ao clebre filsofo Confcio, do reino de Lu, hoje Canto. Chekiam uma
das quinze provncias da China, entre Nanquim e Fokien, clebres pelas florestas
de amoreiras, e pelas sedas que lhe mere,ceram o ttulo de Paraso da China, e palcio
voluptuoso dos

deuses.

Ano de

1767

Proibe-se

165

publicao das Bulas Pontifcias

No dia 28 de Agosto sau um decreto real proibindo severamente a qgem quer que fosse, introduzir no reino qualquer Bula
emanada a Ciia Rmarra. E guo, com grande fria ds nossos
inimigos, Clemente XIII sara em defesa da Companhia com a
Dr-la Apostolicum pascendi muntn, renovando todo os privilgios
dela nas misses, e com o Breve Animarum saluti de 10 de Setembro

de

1766.

Sete meses depois, morreu na nossa masmorra um outro


Portugus, que muito sofreu, e nos fez sofrer com os seus frequentes acessos de melancolia. O mesmo ano roubou-me, portanto, trs companheiros: dois levados pela morte; e o terciro,
posto em liberdade, foi deixar or ossos na Iltlia, depois de viver
por oito anos em Roma. Era o P. Joo de Pina,naturl da Guarda,
que foi o ltimo Reitor do colgio de Braga.
Expulso dos Jesutas do Reino de Npoles

No dia 2l de Novembro, foram subitamente assaltadas pela


casas da Companhia no Reino
Jesutas, que conduzham a Pozrrneo, distante trs lguas da
s

navios prestes alevantar ncora


operrios de Cristo, euo nunca

se tinham poupado a sacrifcios e tiabalhos para servirem o prximo de noite e de dia, tro servio da glria d Deus e da salvo
das almas. Mais tarde, um cocheiro que em 1777 me transportou
de Milo para Muniquo, contou-me que ainda se lembrva do
quele dia com carruagens de
e praas no meio de grande
ovo' que acudia de todos os

cantos.

Novo Comandante no Forte e exerccios militares

No dia 11 de Novembro de 1767 falecera o Comandante do


nosso forte, j octogenrio. O responsvel pela guarda da fortaleza tem o ttulo de Comandante da Praa. Mas superior a ele

166

Memrias de um Jesuita prisioneiro de Pombal

h, ainda o Governador da Torre de S. Julio, que sempre de


famlia nobre, Conde ou Marqus. No nosso tempo ea o Marqus
de Louri?I, e actualmente o Conde da Ericeira. Em Portug?l
os generais recebem os seus proventos anuais, no da brigada
militar a que pertencem, mas das fortal ez.as armadas que comandam, meso na ausncia, por meio dos seus substitutos.
A 24 de Novembro, o novo chefe da fortaleza dignou-se
descer aos nossos calaboios subterrneos, paru que todos o
pudssemos ver. Fora transferido do comando de outro forte,
num arquiplago chamado das Berlengas.
Neste mesmo ano o conde de Lippe, percorrendo toda a
Espanhu, a inspeccionando todas as fortalezas de Portugal, chegou
de S. Julio. Dali levou consigo um regimento de artilharia,
e passou para alm {o Tgg, onde, percorrendo todas as daquela
provncia recrutou batalhes. Preparam-se os acampamentos,
armam-se as tendas, refervem os exrccios militars. Um soldado
ferido no brao, e o conde de Lippe, homem de bom corao,
oferece-lhe logo uma moeda de oiro de 6 florins, equivalente em
moeda portuguesa a 6.400 ris, para se tratar no hospital mais
prximo.
A este combate fictcio esteve presente o Rei com toda a
Corte. Nem pde faltar Carvalho, que todo o tempo permaneceu
com o binculo assestado contra o palcio de vero que fora do
duque de Aveiro, e estava agoa atulhado de Jesutas presos. O
Rei hospedara-se no solar da viva de Calhariz, da casa de Holstein, cujo marido deixara morrer no forte de S. Julio duma
maneira to infame. Certa ocasio, chegaram da Alemanha uns
parentes dela, e Carvalho recebeu-os com extrema fidalguia, corrversando com eles como se nada se tivesse passado entre ele e a
sua vtima. Era um carcter extremamente audacioso, manhoso,
vari vel, e fingido. Mesmo a arder em dio, sabia mostrar-se
amvel e insinuante.

ANO DE

176-

no seu Estado. Era Tanucci que ardia em frias de exterminar da


face da terq a rua da Companhia de Jesus, e insti gava os prncipes sua destruio. Razs que se dizem de Eitado lelaram
tambm o Duque de Parma a exilar os Jesutas, na noite anterior
ao dia 8 de Fevereiro de 1768. Que grande dolo o respeito

humano neste mundo em que vivemos! Quantos joelhos se


dobram diante dele! Quanto incenso, mesmo os ciistos lhe
queimam!

Ainda a vingana nos Jesutas presos em Azeito


Mas voltemos aos nossos prisioneiros do alm Tejo. No ms
de Maio do ano anterior, L767, dois deles foram tiansferidos;
a 7 de Julho, outros quatro ; a 9 de Outubro, mais dois. Em Maio

t68

Memrias e um Jesuta prisiorre.lro de Pombal

do Atlntico, como Cabo Verde, ou outra de clima doentio. Tanta


desgraa e sofrimento nenhuma compaixo despertaya no nimo

de Cawalho; antes pelo contrrio, acirrava-lhe ainda mais a


voluptuosidade do dio cruel.
Nem h que admirar que tenha perseguido to ferozmente
os Jesutas, eue, por
panhia, rejeitaram a
se o fizesser, guando
a promessas fagueiras
encerrar na priso. Quem pode fiar-se n
mesmo dos prncipes? Como hedionda a falsidade e inconstncia do mundo !
Refoma dos estudos da Universidade de Coimbra
Mas foi ainda mais longe o furor frentico de Cawalho. No
lhe bastou perseguir os Jesutas vivos. Quis ainda cevar-se nos
Jesutas mortos. Conseguiu dominar de tal modo o nimo do
Rei, que este aprovava s cegas
do seu Ministro.

Para deixar um nome glorioso


pata difamar no
meio do povo o bom nome dos
tar o dio contra
eles, fez um plano de renovao dos estudos da Universidade que
os Jesutas, segundo ele, condunram a uma enorme decadncia.
Hasteando o estandarte da vitria, entrou triunfalmente na
frente dum esqua
o decreto real por
ia: <<Melhor ser p
prpria cidade sem
-costas (Philip. 2). A defesa dos cidado
qma, mas na caridade e benevolncia dos seus irmos. Que vida
a dum homem que dia e noite inspira te ror a todos os seus ?
Carvalho quis com yata de ferro ser temido de toda a gente.
Por vrias semanas permaneceu em Coimbra o Reformador
da Universidade, ditador das novas leis, rodeado de aparatosa
escolta de tro
ado o Real-Colgio
das Artes da
rva bem viva a memria do seu magur
o III. Manda logo
picar o monograma do SSm.o Nome de Jesus insculpido na fachda do edifcio, para apaga paa sempre a memria da Companhia

Ano de

1768

169

de Jesus. Ao ver a biblioteca, uma das mais ricas da Companhia,


tanto na quantidade como na seleco das suas obras, manda
fazer publicamente uma fogueira com vrios milhares_ de volumes
de autores Jesutas, ou de utros seus admiradores. volta dela

in-folio do Doutor Exmio Francisco Suarez, gue ele por vinte


anos coligira nas eruditssimas lies dadas com tant carinho
e suma autoridade nesta Universidade, e por meio das quais ilustrara a Igreja Universal com a solidez da sua doutrina,
J no ano de 1614, em Londres, havia sido atirado s chamas

Ao chegar a Coimbra a notcia deste auto de f do livro de


Francisco Surez, o seu autor, levantando os olhos ao cu, exclamou: <Oxal,, pela misericrdia de Deus me venha a cabet a mim
a mesma sorte que teve este meu volume.
Carvalho, porm, no se contentou com reduzir a cinzas
um s volume (como acontecera em Inglateta) e mais recentemente na Frana), mas s conseguiu satisfaze a fria implacvel
do seu dio aos Jesutas com a fogueira de milhares de livros
valiosssimos, na nsia de nas mesmas chamas reduzir a cinzas
a prpria memria da Companhia de Jesus.
Julgamento e condenao do Bispo de Coimbra

Proibira o Bispo de Coimbra, Conde de Arganil, e tio paterno


seus diocesanos a leitura de
certos livros, entre os quais os de Justino Febronio, muito conhecido na Alemanha, especialmente na cidade de Trveris, onde era
Bispo auxiliar, cujas portas ostentam esta antiqussima inscrio:
<<Trveris, 1300 anos mais antiga que Roma>>.
Outro autor proibido foi o clebre catedr tico da Sorbona

do Conde de Povolide, a todos os

t70

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

Luis Elles du Pin. Carvalho sujeitou as Cartas Pastorais deste


zeloso Prelado a rigorosssima censura da Real Mesa Censria,
que funciona em Lisboa duas vezes por semana, s segundas e
s quintas feiras.
Ora ambos estes autores eram das grandes predileces de
Carvalho, porque falam a seu ggso, exaltando os prngipos, e
minimizando a autoridade pontifcia. Que o Bispo se atrevesse
numa pastoral dirigida aos diocesanos a exaltar a reverncia e
submisso devidas S Apostlica, foi crime imperdovel que
exasperou o seu dio enraivecido Santa S. Estoira em protestos
e acusaes contra um Bispo que ousou insolentemente contestat
os direitos dos prncipos, e lesar a Majestade Real, e perturbar
a tranquilidade do Reino, dando ocasio a novas sublevaes
do povo excitado.
O Bispo julgado em tribunal, deposto, e levado preso a
Lisboa, onde foi encerrado no forte de Pedrouos, situado entre
os de S. Julio e de Belm. O ru foi por sentena do tribunal
declarado civilmente morto, e considerado inteiramente inbil
para vir jamais a sentar-se no seu trono episcopal.
As opinies de Febrnio e du Pin so tidas por muitos especialistas de direito cannico por insustentveis. Du Pin foi obrigado pelo Arcebispo de Paris M. de Harlay a retractar o primeiro
volume da sua vastssima obra Bibliothque Universelle des Auteurs
Ecclsiastiques. Por motivo da famosa questo de Le Cas de Conscience, foi removido da ctedra da Sorbotd, e exilado paru uma
cidade do ducado de Poitiers, chamada Chatellerault. Mais tarde,
pde voltar Ptria, mas no ctedra, e veio a morrer em Paris,
em l7\9. Dele escreveu Lavocat, tambm doutor da Sorbona:
La vitesse ovec laquelle il travaillait lui a fait commettre un grand
nombre de fautes.
A proibio destes livros feita pelo Bispo de Coimbra atribuu-a Pombal em parte aos Jesutas da I.tlia que a isso o impeliram, e em parte ao fanatismo que os Jesutas portugueses deixaram como triste herana na sua terra. Com mais rur.o se deve
chamar fantico quele que s sabe atribuir aos Jesutas, como
fautores ou conselheiros dos seus autores, qualquer desgraa
ocorrida em qualquer parte do mundo. Se alguma vez se ssltava mesa mal humorado e taciturno, apenas um dos convivas
soltava uma palavra despiciente sobre os Jesutas, logo o sol-

Ano de

1768

171

blante se lhe ilumin ava de contentamento, e a conversa anirnava-se com pilhrias e mentiras, que era um nunca acabar.
No ms de Agosto de 1768, uffi Ingls, meu companheiro
de crcere, foi transferido paa outro lugar, e substitudo pelo
P. Schwartz, alemo, o o P. Kayling, hngato, natural de Schmnitz

que uma cidade da Hungria cercada de montanhas, clebre

pelas

suTtr*it'.ot#l3rro,

nasceu aprincesa Maria vitria,


a quem foi dado o mesmo nome de sua av. Entre outros nomes
que lhe foram dados, estava o de S. Francisco Xavier, porque
D. Pedro, seu pai, hoje gloriosssimo Rei, imps este nome a todos
os seus fllhos q fllhas, pela singular devoo que tinha ao grande
Apstolo das Indias Orientais. Tambm no faltaram em todos
as fortal ez.as do Reino as costumadas salvas de morteiros.

ANO DE

1769

Morte de Clemente XItr

muro anteparo da Igreja, e a oferecer o peito s balas atiradas


contra ela. Foi acrrimo defensor da liberdade eclesistica; e no
podendo ao mesmo tempo agtadar aos prncipes da terra e ao
Rei do cu, preferiu agradar ao Rei dos Reis, imitao de Bento
XII. Este, quando o Rei de Frana lhe pediu uma coisa que em
conscincia entendeu no poder conceder-lhe, retorquiu-lhe: Se
eu tivesse duas almas, ainda poderia sacrificar uma delas paa
dar gosto ao Rei; mas porque s tenho uma, no posso nem quero.
Passou este grande Pontflce da terra do seu exlio Pfiia
celeste, ro dia em que ouvira as harmonias do cntico de Simeo:
Nunc dimittis servum tuum, Domine.. in pace (Lc 2,29), e em que
benzera os crios na presena dos embaixadores estrangeiros,
e os distribura por eles, enviando um ao prprio Fernando, duque
de Parma, com grande admira,o da famlia dos Bourbons, que
lhe era manifestamente adversa.
r da Companhia,
A morte
-lhe a ela tanta
seu acrmo
s seus inimigos.
amargura co
Sobressau entre todos o primeiro e mais figadal advers fuio dos
Jesutas
Carvalho e Melo. Comeou ele ento a alimentar a

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

74

o Pontif,cado dum novo Papa, conseguir finala realizao dum sonho que havia tantos anos alimentava

esperana de, sob

mnte

no corao: a completa destruio da Companhia.

Desde que os Cardeais entraram em conclave, Pombal andava


em brasas. Cada dia que passava parecia-lhe uma semana; cada
semana, um ms; cada ms, um arro. Para seguir de perto a actuao do Colgio Cardinalcio, o Imperador chegou a Roma ) e
juntamente com seu irmo o Duque da Grande Etrria, entrando
um. dia no Conclave, ouviu as queixas de alguns Cardeais a lamentar-se de o seu cativeiro se prolon ga ji por algumas semanas.
Ao que ele retorquiu: Se para elegerem um segundo Bento XIV,
Vossas Eminncias se detiverem fechados por um ano, o Conclave
nada tem de que se queixar.

Os Jesutas reclusos de Azeito transferidos para S. Julio

Ano de

75

1769

tras e astrnomos. Antes de partir, obtivera um decreto do Rei,


que lhe prometia cobrir todas as despesas, custa do tesoiro real,
incluindo a ida e a volta. Por quase dez anos cumprira e levara
a cabo a misso que lhe fora corada como astrnomo do Rei.
Mas em 1760, volta da Amrica Europ, paa receber nas masmorras de S. Julio a retribuio pelos seus devotados servios.
Em vo apresentou ao Comandante da fortaleza o decreto real.
Ele simplesmente o recebeu e o leu, mas nunca mais lho restituu.
Carvalho, homem desumano como era, foi fiel observador daquele ditado latino:
Regia, crede mihi, res est promittere multa,
At servore fidem, rusticitatis opus (").

No princpio de Maio de 1761, o Ministro mandou tfuar da


Cova dos Lees o P. Szentmartonyi; e toda a gente se convenceu
que ea para lhe restituir a liberdade. Mas, longe disso quem
- paa
tal imaginaria? transportou-o outra margem do Tejo,
o aferrolhar no -crcere de Azeito, provido apenas do brevirio
e duma camisa. Tal foi a remunerao que recebeu este astrnomo
hngaro por tantos servios prestados ao Rei, em Portugal e nas
terras do Brasil: um duro e cruel cativeiro de dezassete anos!
Carvalho entendeu que paru merecer tudo isto bastava-lhe ser
estrangeiro e pior que isso ainda, ser Jesuta, o que por si s j
o constitua ru de lesa majestade.
Eleio de Clemente XIV
Finalmente, a 19 de Maio foi eleito Papa o Cardeal Loureno
Ganganelli, da Ordem dos Serficos Conventuais, guo tomou o
nome de Clemente XIV. Eraj esperado e ardentemente d_esejado
pela camarilha de Aranda, Choisul, Tanucci e Pombal. E cstuffi, aps a eleio de um novo Papa, apresentarem-se os Gerais
das Ordens Religiosas paru lhe renderem homenagem. Ao ajoelhar
diante dele o Geral da Companhia, Loureno Ricci, s viu um

(tt)

prprio dos Reis prometer muito.

guardar a palavra.

prprio da gente humilde

Memrias de um Jesuita prisioneiro de Pombal

176

rosto hirto e severo,


dele receber seguer a

oomo observava o j
logo de incio os seus sentimentos para com a Companhia.
No dia 20 de Novembro diminuu o nmero dos nossos
irmos de cativeiro, com a morte
vncia da Siclia. Nascera em Petral
estudou filosofia, tendo como me
Palermo, autor de vrios opsculos. Tendo primeiro sido destinado s misses do Malabar, como era de sade frgil, desaram-no depois os Superiores
Ali the ouvi
eu no dia de Santo Incio de
o panegrico
do Santo Fundador. Depois,
e nos crceres do Tejo, foi companheiro do P. Silva que faleceu h,3 anos.
Morre Mendona Furtado

No mesmo ms de Novembro morreu miseravelmente de


morte repentina, em Vila Viosa, Mendona Furtado, irmo do
Marqus, na ocasio em que o Rei com a famlia real se entretinham em caadas por aquela regio. Os grandes da vila tinham
vindo todos render homenagem ao recm-chegado, que voltara
do Par, onde estivera frente daquela capitania, e vinha agora
como secret fuio do Conselho Ultramarino. Chegaram tambm
alguns religiosos Franciscanos, guo por usarem um longo capwz

Mal passara uma hora, quando este dito jocoso perdeu toda
a Eaa. Rebentou-lhe um abcesso que tinha no peito, e em poucas
horas flcou cadver. Que frgll arcaboio o do homem, imagem
da inconstncia, espelho de corrupo, escravo da morte! O adver entrou logo em putrefaco, e exalava um tal fedor que at
os criados f,ugiram. O cheiro nauseabundo infectou no s a casa,
mas at a praa, a ponto de afastar os tran
lan-lo terra quanto antes. O Capito do n
cera outrora o cargo de Administrador na

'{

Planta dos crceres de S. Julio da Barra, desenhada pelo P. Loureno Kaulen.

l7ll. (Do original autografo


do P. Kaulen Relao de algumas cousas que succedero aos religiosos da Companhia
de Jesus..., p. 15 B; B. N. L., Mss 1991. Planta reproduzida por von Murr na sua
Geschichte der Jesuiten in Portugal..., B. N. L., R 34875-6 P).

Aqui chegou o P. Eckart em 1762 e ficou ate Maro de

de
P.

de

Kaulen, em 1777, depois de ser tambem


Journal zur Kunstgeschichte und Litteratur,

Ano de

1769

177

governo de Mendolg, e a quem este apadrinhara na subida da


escala militar, sentiu vivamente a sua morte.
No dia 3 de Dezembro, na mesma vila de Yila Viosa, o Rei
correu um grave perigo de vida. Quando andava coa, sau-lhe
ao encontro um homem desconhecido, em trajes rsticos, que
lhe atirou cabea com o enorme cacete que tinha na mo. O Rei
desviou-se rapidamente, e o golpe acertou no cavalo. Dois cortesos, o Conde de Pardo com o seu criado, teriam abatido logo
o agressor, se o prprio Rei lho no tivesse impedido. Depois de
lolgo e severo interrogatrio, nenhuma declarao_ se pde extorquir ao criminoso, gue parecia brio ou demente. Ignora-se o que
lhe ter, acontecido. Pelo menos publicamente no foi supliciado. Consta que depois de alguns anos ainda continuava preso.

ANO DE

I77O

Morre Paulo de Carvalho

No dia 17 de Janeiro deste ano, o undcimo do nosso cativeiro, Paulo de Cawalho e Mendona seguira na esteira de seu
irmo, Francisco de Mendona. J desde h muito se previa esta
morte. Preso ao leito havia j muitos meses ) ea vtima duma doena ftida e incurvel. O pus manava de todo o co{po ; paecia
um cadxer ambulante. Os seus ttulos eram estes: Paulo de Carvalho e Mendofio, do Conselho de Sua Majestade e da Rainha
nossa Senhora, vedor da Fazenda e Estado da mesma Senhora, do

Geral do Santo Ofcio, Dom Prior de Guimares (N. A. *) e


Comissdrio Geral Apostlico da Bula da Santa Cruzada destes Reinos e Senhorios de Portugal, etc...
A este suculento ttulo de Prior de Guimares veio juntar-se
j, depois de morto o de Eminentssimo Cardeal. Pois a 18 de
Dezembro de 1769, tinha sido criado Cardeal in petto, como
comummente se diz, e proclamado como tal a 29 de Janeiro seguinte.

Mesmo j, falecido, Carvalho mandou inscrever no Dirio


Eclesistico, guo um pequeno calend rio que se publica anualmente, o nome de seu irmo na Lista dos Cardeais de que se compe
o Sacro Colgio. Pretendia ele que esta notcia to honrosa para
a famlia Carvalho pudesse chegar a todos os cantos do mundo;
(N.4.

*)

Guimares uma cidade da provncia de Entre Douro

e Minho,

cerca do rio Ave, clebre pela indstria de tecidos de linho. Fica prxima de Braga,
aonde os Vimaranenses acodem quase todos os dias, nos seus trajes regionais muito
peculiares, que os distinguem de todos os Portugueses. a terca natal de S. Dmaso,
Papa. O benefcio eclesistico do Priorado desta cidade de longe o mais rendoso.

Memrias de um Jesuta prsoneiro de Pombal

80

que constasse bem claro_que Paulo de Cawalho fora o primeiro


Sumo Pontfice impusera o chapu
-dos cardinalcio. O
Comandante do forte que possua o retrato
trs hrvalhos,
quis logo que um dos nossos, que era Italiano e pintor, lhe adornasse o de Paulo com o chapu e as vestes cardialcias.
Quando os dois irmos eram vivos, alguns Portugueses chamavam ao triunvirato dos Carvalhos a t:ipea ou fundamento
em qu9 todo o peso da Monarquia Portuguesa se apoiava. Numa
das salas do palcio de Oeiras h uma pintura que repr
trs irmos de p, co m as mos junts, e esta inscrio :
fratrum. Pombal est no meio do grupo - princeps ra
mamentum gentis, rector fratrum, stabilimentum populi (Eccles
49,17). Mal haver sala onde no se encontre um retrato do Ministro, numa posio ou noutra. O seu esprito ardia sempre em
nsias de glria mundana e passageira.
Lembro-me de ter lido algumas pginas escritas em seu louvor por um autor francs, que devia ser notvel na arte da lisonja
hiperblica. Chama-lhe: le premier
onde. E
:
<<Ce ut le travail de tant de sicles
utt tel p
,
expos tous les regards, emporte l'admira de tout
.
qu'il est beau de pouvoir l'indiquer du doigt, et de le dire:'Le voici,
c'est lui'. O heureuse notre France, s'il lui tait donn de contempler
un hros, um demi-dieu, semblable au comte d'Oeiras !
Julgavam alguns que a morte destes dois irmos, t,o subitamente arrancados vida, abriria os olhos de Pombal. Mas a boa
Fortuna cega, e cegos so tambm aqueles que ela contempla.
Carvalho continuou com a vida, e o seu regime violentamente
opressor em nada abrandou a tirania (t').

a queq o

(t') A earta que segue ser exagerada,

mas d-nos uma ideia da forga domina-

dora com que este tirano exercia o poder:


O tribunal da Inconfidncia (que era uma instituio do Ministro) espalhava
tal terror nos espritos, que j ningum ousava abrir a boca. Os habitantes de Lisboa
viam solitrios em suas casas, sempre com receio de alarrres e suspeitas, evitando
comunicar com outros. De tal modo, que esta infeliz cidade parecia menos a capital
dum grande imprio, do que refgio de selvagens fechados de medo nas suas palhotas.
Humanidade, benevolncia e todas as afeies sociais estavam quase apagadas nos

coraes (Mmoires,

t. III, p.

74)

Ano de

t8t

1770

A Corte

de Lisboa reconcilia-se com o Vaticano

Por ocasio da elevao do novo Pontfice Cadeira de S.


Pedro, foi promulgado em Roma um Jubileu, a 12 de Dezembro
de 1769. A notcia foi transmitida ao mundo catlico por duas
cartas apostlicas. Uma
summi Apostolatus
dirigida
- Cum
a todos os Patriarcas, Primazes
e Arcebispos da Igreja- Catlica;
e a outra
divinae Sapientiae
todos os fiis cris- fnscrutabili
tos. Ambas
foram publicadas em Lisboa,-a
n Rgia Oficina Tipogrdfica, L770. Com privilgio Real.
O Rei, ou antes, Pombal, concedeu, portanto, generosamente
aos seus sbditos que pudessem fruir o tesoiro de indulgncias
que o Santo Padre lhes concedia. Soaram com particular harmonia
aos ouvidos de Carvalho estas palavras citadas por aqueles documentos pontifcios: <<Os ministros so instrumentos de Deus para
o bem... se fazes o mal, teme, porque no emvo que eles empunham a espada, eles so agentes de Deus justiceiro para castigo
daquele que faz o mAl. E necessdrio submeter-se religiosamente
aos reis, obedecer autoridade, cumprir as leis no s por causa
do castigo, mas tambm por motivo de conscincia>> (Rom 314-5).
A f,lha de Lus XV, Lusa Maria, a 11 de Abril de 1770,
entrou nas Carmelitas Descalas de S. Denis, apenas com conhecimento do Rei, do Arcebispo de Paris e do seu confessor; e no
dia 13 do mesmo ms, Sexta Feira Santa, tomou o hbito religioso.
Em Roma um certo pregado.r despertou a ?d-mirao e os.aplausos
da assistncia, com a exposio dum paralelo entre a princesa de
Frana Lusa Maria e Clemente XIV, mostrando como, enquanto
aquela trocou o esplendor da corte real, e as grandezas do mundo
pelo humilde apagamento do claustro; a sumptuosidade do palcio
real por uma cela estreita; o diadema de oiro e prolas pelo humilde vu de religiosa; este Papa, escondido primeiro num pobre
convento do humilde S. Francisco, dele surgiu como duma sombra
paa cingir, no uma, mas a trplice coroa da tiaru pontifcia.
A 24 de Abril, um dos nossos companheiros de crcere que
tinham vindo do Alentejo, portugus, ntigo Provincial da pro'
vncia de Goa, preso em S. Julio ainda no havia um ano, foi
o primeiro a trocar os fiabalhos do seu doloroso cativeiro pela
liberdade do descanso eterno.
Com o sucessor de Clemente XIII terminou o desacordo que
durara j, por dez anos entre o Vaticano e a Corte de Lisba.

182

Memorias de um Jesuta prisoneiro de Pombal

Inocncio Comti, pertencente a uma das mais ilustres famlias


de Roma, donde su o Papa Inocncio XIII, morto em 1724, foi
escolhido para Nncio Apostlico junto do Rei Fidelssimo, com
o ttulo de Arcebispo de Tiro. Antes de partir de Rofr, celebrou
Missa na igreja dos Doze Apstolos, dos Franciscanos, no altar
do Beato Andr Segni, seu antepassado da familia Comti (Condes
de Segni).
A29 de Junho de 1170, passava ao lado do forte de S. Julio.
Cawalho, ao saber da sua chegada, manda a receb-lo uma luxupor trs parelhas de cavalos paa o conduprestar-lhe esta honrosa homenagem, no
Santa S da ignbil expulso do seu ante-

bene-

planos,
volncia, e por ele
Era esta
principalmente o da
a suprema ambio
No ms de Agosto soubemos que o Rei Frederico II, grande
benfeitor da nossa Companhia na Alemanha, tivera um filho, e
logo um dos prisioneiros comps um pequeno poema em verso
lafino ) a augurar-lhe um futuro glorioso. Entre os meus companheiros, mesmo portugueses, no faltava quem chamasse a Frederico o Grande simplesmente <<o nosso Rei>. E era-o de verdade,
pois foi o nosso maior defensor. Embora no tivesse o ttulo de
Rei Catlico, ou Fidelssimo, foi, contudo, o nico a proteger a
e a fazerlhe justia quando tudo se conjurava contra
Companhia
-defendendo-a
contra todos os seus adversrios.
ela,
A 6 de Agosto de 1770, Joo Cosme da Cunha, eue eta parente
dos Tvoras,- herdou o barrete cardinalcio deixado por Paulo
de Carvalho. Havia muitos anos que suspirava por ele, procurando mesmo servir-se da influncia dos Nossos, quando eles
ainda frequentavam a Corte. Mas ao comear a perseguio dos
Jesutas em Portu Eal, juntou-se logo ao Marqus, apoiando-o
:eceu a Sede arquiepisno seu pla4o de destruio, o que
te do Arcebilpo_. Foi
copal d vora, apenas vagou co
dignidades da Corte,
alm disso elevado a algumas das
que lhe mereceram estes ttulos: D. Joo da Cunha, Presbtero
de Ronta, do Conse_lho de Estado de El-Rei
Ca
Metropolitano de vora, Regedor da Casa
me

da

r Geral

destes Reinos e seus domnios, etc..

ANO DE

1771

A morte j esperuda arrebatou a terceira Princesa de Portugal


D. Maria Francisca, filha de El-Rei, no dia 14 de Janeiro, consumida pela tuberculose, que ja de h muito a vinha minando. Tinha
32 anos. Os canhes dos diversos fortes cerca de Lisbo a ttoaram
seguidamente, um aps outro, de cinco em cinco minutos, em
sinal de luto, at ao cair da noite. Tambm o forte de S. Julio,
onde ns jazamos sepultados vivos, embora distante trs horas
de Lisboa, se juntou a todos os outros nesta estrondosa manifestao de pesar.
Alguns pormenores sobre a Torre de So Julio

O povo costuma abreviar o nome S. Julio, dando-lhe a


forma vulgar de ,S. Gio. Ocorre a 9 de Janeiro a festa deste Santo
que sofreu o martrio em Antioquia, sob os imperadores Diocleciano e Maximiano. Na direco das cartas para esta fortaleza
escreve-se Torre, ou Barra de ,S. Gio. O nome vem-lhe da alta
torre em que todas as noites se acende um farol munido de 25
luzes, que indicam a boca do Tejo s naus que se aproximam. Esta
torre enfrenta uma outra que sobressai no meio do mar, chamada
vulgarmente Torre do Bugio, ou do mocaco) por ser uma imitao
da fortaleza de S. Julio. Macaco de imitao tambm, porque
quando g forte de S. Julio dispara uqa pega de artilharja' logo
a Torre do Bugio responde com outro tiro. E esta Torre dedicada
a S. Louretro, e celebra-lhe o dia da comemorao como sua
sua festa principal. Est munida de doze grandes canhes a que
vulgarmente chamam os doze Apstolos. A guarnio feita por
soldados de S. Julio, que se rendem todos os meses.
Nenhum navio pode entrar em Lisboa seno passando por
entre estas duas torres, guo muitas vezes probem a entrada no

184

Memrias de um Jesuta prisonelro de Pombal

a sada com um tiro de canho. Tambm com o mesmo sinal se


convocam todas as canoas dos lugares vizinhos paa acudirem
a algum navio em perigo de abalroar nos escolhos escondidos
quase tona da gua. Todos os barcos, ao entrar no porto, so
interrogados por meio de altifalantes, desde a torre de S. Julio,
sobre a origem donde vm, de que pas so, quantos dias trazem
de viagffi, que mercadorias transportam. Esta fortalezafoi mandada construir pelo Car_deal Rei D. Henrieue, sucessor de D. Sebastio, que tonibou na frica com a flna flr a nobrezade Portugal.
O Cardeal era irmo de D. Joo III, sendo, portanto, tio-av do
seu antecessor. Qual seria o seu desgosto, se pudesse adivinhar
que estava a construir a sepulturas em que seriam enterrados
yivos os Jesutas que tanto estimava! Sendo ainda Arcebispo de
vora, erigiu a trnfversidade e o olgio da Companhia nquela
cidade, e depois, i Rei, o de Sarto Anto em Lisboa.
Alm dos militares, havia tambm residentes, formando uma
parquia dentro e fora da fortaleza, encarregados de fornecer a
alimentao aos cativos. E realizou-se aquela palavra do Apstolo: Como pobres, mAS enriquecendo a muitos (2 Cor 6,10). Aqueles
gug.antes da nossa chegada mal conseguiam cobrir-se com roupas
de linho e de l, vestem-se agora com ricas sedas. E at parece que
elevam fervorosas preces ao cu para que o nosso cativeiro se
prolongue indefinidamente, pois lhes t,o til e rendoso.
Com o novo Nncio chegado no ano precedente, obteve-se
de novo a conflrmao da Bula da Cnuada, que at agora tinha
sido interrompida, por estar totalmente impedida a comunicao
com Roma.
Pombal manda demolir a Fortaleza de Mazago

A luta dos Portugueses contra os Moiros travou-se principalmente em Marrocos, onde, para impedirem o avano do Alcoro,
construrarn a inexpugpvel fortal za de Mazago. Foi esta demolida em 1769 por ordem de El-Rei, isto , de bwalho. Antes,
enviara alguns navios de gueffa com soldados do forte de S. Julio,

que por muito pouco tempo travaram batalha com os Moiros.


Pois bem depressa vieram ordens do Rei para suspenderem a
luta, arrasarem a fortalez.,a) e voltarem a Lisboa as tropas com
todos os cidados portugueses, apesar de o Comandante da for-

Ano de l77l

t85

taleza ter
ainda por
taleza, eu
Marrocos
ado a levantar o cerco pela invencvel coragem dos seus defensores. Nem nos anos seguintes, em sucessivos ataques, conseguiu
apoderar-se dela.
Foi nesta ocasio que o clebre ex-Secretrio de Estado Diogo
de Mendona, que em 1758 tinha sido deportado paa Mazago,
voltou a terras de Europa, j octogenrio, vindo a morrer na

dos Moiros. Desde ento, cresceu a audlcia deles, a ponto de


mesmo vista da fortalez.a de S. Julio, so apoderaram dos
as
Tambm os
barcos dos
ag
dq fora dos
Espanhis e
se
Africa.
Mrroquino
Bula da Santa Cruzada
Para manter as naus que cada trs meses navegam de Lisboa
em defesa das costas portuguesas contra os piratas, principalmente

No dia 10 de Abril de 1771, a corte lusitana de novo

se revestiu

186

Memrias de um Jesuta prisoneiro de Pombal

de luto, com a morte prematura do sobrinho da Rainha, Francisco

Xavier, filho do Rei Catlico.

Morrem mais dois Jestas da Provncia de Goa

Fruto mais amadurecido paa a morte foi um dos nossos


companheiros da provncia de Goa, a quem a morte fechou os
olhos que j em vida tinha quase fechados. Morreu a 20 de Setembro de 1771, com 9l anos. O prprio comandante da fortaleza chorou ao ver como um ancio venerando, carregado de
anos e de mritos, morria na extrema misria duma cela imunda.
A 28 de Novembro, um outro sacerdote da mesma provncia
de Goa trocou a escurido
tua
da etemidade. J quando mi
alidez do seu rosto lhe dava a

O Natal de I77l
Como remate deste ano, na poca em que celebramos o mistrio do Natal, recordo um episdio que a todos nos comoveu.
Um dos meus companheiros de crcere, natural de Roma, muito
devoto do Menino Jesus, conseguiu enviar a percorrer todas as
celas uma imagem do Divino Menino, que segurava numa das
mos uma cruz doirada, e na outra o Corao a arder em chamas
de amor. Um dos Portugueses comps estes versos enternecedores
que gravou na imagem:

l.
Meu rico, meu belo Infante !
Duas coisas ofertais
Na grandeza ambas igwis:
Uma cruz de oiro brilhante,
um corao todo amante.
Bendito, meu Deus, sejais;
Pois se grande cruz nos dais,
Tambm todos visitando,
A todos nos vindes dando

Corao at no mais.

Ano de l77l

187

2.
,Sozs

da minha

Componhia,

Jesutas vos chamais;


Porque vos tenho por tais
Meu Corao vos trazia

Para que com valentia


Esta cruz qo fim leveis;
Pois s assim mostrareis
Que meus passos imitar,

E meu nome em vs gravar


Muito

deveras quereis.

AI\O DE
Clemente

1772

Xw e a Compaia

Havia j treze anos que estvamos encarcerados em Portu Eal,


esfacelados pelos dentes das mais acerbas calnias e oprbrios,
na mais profunda misria, expostos aos golpes das perseguies,
das doenas, e da prpria morte que j nos arrebatara 2l companheiros. Para suavizar tantos males s tnhamos a pacincia.
Em Roma, junto de Clemente XIV nenhuma clemncia encontrvamos, mas antes se acastelavam, cada yez mais caregadas, as
nuvens da tempestade iminente.
O seu antecessor, o clementssimo Clemente XIII, concedera
aos nossos Portugueses exilados nos seus Estados alguns privilgios eclesisticos atinentes cura de almas. Mas o seu sucessor

tirou-lhos, e obrigou-os a despir a roupeta da Companhia, e

vestir como os clrigos romanos, embora os outros religiosos continuassem a usar o hbito prprio. Clemente XIII concedera uma
penso anual, a expensas da Cmara Apostlica, a muitos dos
exilados portugueses. Ganganelli suspendeu-a, e ordenou alm
disso uma visita severa a todas as casas dos Jesutas, fechando
os sete colgios que dirigiam em Roma. At o clebre Colgio
Romano dos Nobres mandou encerrar. Foi desta instituio que
ao longo de 2N anos saram homens notveis que ilustraram com
o seu saber, doutrina e piedade, tanto a Igreja como a Repblica.
Dele saram, alm de muitos generais e governadores, Prncipes
Eclesisticos e Bispos: 96 Cardeais, 11 dos quais ainda vivos, e
4 Romanos Pontfices. Tudo isto fazia prever que estava iminente

uma terrvel

tempestade.

90

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

Morrem mais dois Jesutas

Dois dos nossos companheiros tiveram a

so_rte

de morrer

antes de ela estalar. Ambo eles tinham vindo da ndia, e ambos


faleceram no mesmo dia, 11 de Fevereiro de 1772. O primeiro foi

o Padre Joo Alexandre, que tinha um irmo na Companhia, e


isoopado naqueles territrios no desfoi Bi
pea
, e poucos sq os qtle o ambicionam,

pois o
e sofrimentos do que honrarias. Porque
alm dos ofcios que exercem em comum com os outros missionrios, tm de se expor aos perigos das viagens, por mar e por
terra, nas visitas ao rebanho disperso pelos mais variados lugares.
So como os Bispos dos primeiros sculos, guo, se trabalharam
muito, tambm muito tiveram que sofrer.
O outro a quem coube a sorte de trocar o negrume da enxovia
pelo esplendor da Glria era da provncia de Goa, e nascera no
Brasil, offi Rio Real terra banhada pelo rio S. Francisco, na arquidiocese da Baia. Morreran de manh, e foram sepultados no
mesmo dia, ao cair da noite.
Funerais em S. Julio
Em -Portugal no se esperam 24 horas paa enterrar os defuntos. s vezes nem dez ou- sete. Isto aos es[rangeiros parece um
tanto brbaro. Tirando um ou outro mais nobre ou mais rico,
o cadver levado ao cemitrio num caixo conum, e baixado
terra depois de lhe cobrirem o rosto e de lhe lanarem cal. A
terra com que se cobre a sepultura calcada e recalcada com
maos de calceteiro, com tanta violncia que mal se fica a perceber
o lugar dela. Os Portugueses podem ter a certez.a que ningum
enterrado semivivo, pois no haveria vida que resistisse aos
golpes com que se calca e recalca a terca que cobre os cadveres.
No h cemitrios nem ossrios que sugiram o pensamento
s4lutar da nossa mortalidade. Toda a gente sepultada nas igrejas.
de advertir que nas igrejas de Portua] no h bancos nem genuflexrios onde os flis possam ajoelhar. As portas do templo encontram-se frequentemente banquinhos paru os homens usarem;
as mulheres sentam-se em tbuas estendidas pela nave da igreja.
Ao cimo da nave h um gradeamento que a separa do recinto

Ano de

1772

191

prximo do altar-mor, destinado s crianas e aos homens. Como


a madeira muito caa, nalgumas igrejas mai
o pavimento com colmo em vez de tbuas, e as
necidas com assentos de pedra, H., ainda, mas
eu prprio vi na Amrica) lugares em que os defuntos se enterram
no adro das igrejas.
Depois desta digresso, volto agora a falar do enterro solene
que se fazia aos defuntos mortos na nossa cadeia: Nas primeiras
duas ou trs vezes ainda desceu aos subterrneos do crcere um
sacerdote vestido de alva, mas com um viatrio por cima, para
encobrir a estola e a veste sace rdotal. Vinham mais trs homens
com capa para levarem a cruz, a caldeirinha da gua benta e uma
lanterna, mas tudo s escondidas. Com eles, quatro ou seis carregadores (gatos pingados) paa transportarem o cadver envolto
num lenol velho e esfarrapado, que cobria o catre. Este enterro
fazia-se sempre de noite. Se houvesse algum na circunvizinhana
que pudesse ser testemunha deste msero e fnebre espectculo,
os soldados afugentavam-no com berros e pancada. Mal as portas
do templ.o se abriam, tornavam logo a fechar-se paru afastar qualquer curioso. O nome do defunto nem sempre ficava inscrito no
registo paroquial para que a sua memria se sumisse in aeternum
da face da tetta. Mas os justos vivero para sempre, a sua recompensa estd no Senhor; o Altssimo cuidard deles (Sab 5,15).
Embora toda a gente em Portu9al soubesse que havia Jesutas
se que tal existncia se
vivos nos subterrneos de S. Julio
podia chamar vida
as autoridades -daquela fortaleza e a guarda
com afinco por ocultar a morte dos
dos crceres esforavam-se
que iam sucumbindo em absoluto isolamento aos trabalhos, e
suprema mis&ia daquelas masmorras.

insacivel ambio de Pombal

E entretanto, quanto mais aflitas e esmagadas estavam as


vtimas de Pombal, tanto mais nele crescia a desmedida ambio
de honras e riquezas. A todos s
dade, bens temporais, honras, p
multiplicavam as suas quintas,
crescia nele a desenfreada cobi
bajulaes. J muitos anos antes,

92

Memrias de um Jesuta prsioneiro de Pombal

vir a ser o homem mais rico de todo o Reino. Se s claras no


espoliav? das suas propriedades os donos das terras que cobiava
por confinarem com as suas, vexava-os de tal modo, e diflcultava-lhes tanto a administra,o delas, que acabavam por lhe vir a
cair nas m,os. Os fracos e oprimidos no podiam resistir a homem
to poderoso.
S em 1777 se atreveram uns credores a exigir de seu filho
o preq do valor duma quinta, de que o Ministio omnipotente

se apodeaa.
Que triste e cruel sorte a de Portu gal ter de sofrer to tirnica
opresso, com uma incrvel pacincia, j calejada pelos anos!
Ao menor tumulto popular de descontentameto que surgisse,
acudiam logo as tropas convocadas pela violncia dste homern.
Nihil violentum duturnum- o que
dizia o ditado antigo. S a violncia
ter
fim. Pertence ao mnus do primeiro
rrpanhar g ggrtejo firnebre do Rei defunto, e firmar com juramento
a autenticidade do seu cadver, antes de baixar ao tmulo. Por
morte de D. Joo V era Pedro da Mota
o.
M, ancio, alquebrado de foras, foi
o.
Comeou ento este a subir a interm
e
dignidades.
No contente com o ttulo de Conde de Oeiras, foi elevado
tambm s honras de Marqus, com o ttulo de Marqus de Pombal, vila da diocese de Coimbra, na provncia da Bira, na qual
i possua vrias propriedades. O Comandante do forte- de
S. Julio, como criatura dele, apressou-se a ir ao beija-mo do
novo Marqus, com todo o pessoal da Guarda Militar. Junto s
celas tenebrosas dos Jesutas, ressoaram os aplausos, e toda a
fortal eza resplandeceu com o brilho das luniinrias- em festa.
No
icionar tambm o ttulo de Duque, que
s a nobres de sangue real, u plo
em P
meno
Casa de Braganga.
Este ttulo de Duque, por
ridculas ambies do Marqus.
est convencida que o Rei D. Seb
dos Sebastianistas. A este respe
grosso volume, edio de 1758,
fbulas, sobre este Rei z j tinha
mundo; num ano em Espanha, n

Ano de

1772

193

perco
Lisboa,_
de Portugal

e peregrino;

salm.

em

s Adjaente
Num cat-

I#H"t'"lH?"trlt:

astio ansiosamente espeno desagradou nada ao

Marqus. Contou isto ao Rei, que muito se riu, e aplaudiu o


narrador.
Mais ainda. O comandante da nau que em 1758 me trouxe
com os meus companheiros da Amrica paru a Europa, ao ouvir
que no Maranho se murmurava abertamente nas conversas
contra Carvalho, exclamou atnito: Quem que em Lisboa se
atreveria a falar assim desta divindade ?
Por todo o Reino alastrava uma multido de espies. Se

no forte de

S. Julio.

No fim deste ano de

1772 terminaram

a vida mais dois dos

nossos, ambos Portugueses. IJm da provncia do Maranho, a


12 de Dezembro; e o outro, que tinh vindo tambm do Brasil,

a 2l do mesmo ms.

ANO DE
Realiza-se enfim

1773

o soo do Marqus:

supresso da Compaia

Chegou enfim o ano em que Pombal, com os estadistas da


cor
Aranda e Grinaldo em Espanha, Choiseul em
e Almada na ltlia iam queimar o ltimo
Frana, Tanucci

sua

poupou a gastos. Prata e oiro eram as armas de combate.


Um dos nossos Padres alemes morreu nessa altura. Teve
melhor sorte do que os que ficqramr.ppreue n?tiu mais morrer,
do que viver paa presenciar a destruio e a disperso dos seus
irmos. Num livro das Horas Cannicas que eu conseryo, podem
ainda ler-se estas palavras: <Padre Rogrio Hundt, o Cansio
alemo, da diocese de Colnia, usou este brevirio no orcere
de S. Julio, junto foz do Tejo, at morte, ocorrida a 6 de
Abril, tendo de idade 6L anos. Requiescat in pace! Amen.
Este Padre deixou a sua provncia do Reno Inferior, e navegou para. o Bps!, onde trabalhou incansavelmente .qor vinte
anos na vinha do Senhor. Expulso de l, foi levado a Lisb oa paa
a L4 de Novembro de 1759 o aferrolharem nas cavernas de
S. Julio, at de l voar para o cu L4 anos depois, caregado
com os mritos de to longo martrio.

(|) O documento de supresso da Companhia


Breve e no de Bula. (N. T.)

foi

redigido em forma de

Memrias de um Jesuta prlsioneiro de Pombal

t96

hegou enfi.m o dia 2l de Julho - e antes nunca chegasse que viu o ocaso duma Ordem que durante
mais de duzent-os anos
serviu ardorosamente a Santa Igreja Catlica, e se distinguiu sem-

pre pela sua si


atraindo por iss
adversrios.

golpe fatal!

o aos Romanos

Pontfices,

ade e a perseguio dos seus

mo Pontfice que lhe vibrou o

Chegou, repito, o dia tristemente memorvel, que a todos


inundou de amatgura, em que Clemente XIV, depois cle tremenda
luta interior, assinou a bula de supresso da Companhia. Mas
s passados 26 dias, se atreveu a execut -la. Na tartle do dia 16
de Agosto, envia a todas as nossas casas de Roma soldados e
oficiais de diligncia, com grande aparato militar, a intimar a
execuo da Bula. Naquela fatdica noite, o Papa ,sempre agitado,
nem se atreveu a deitar-se. E , voz do Ganganelli rssoou bem
depressa por toda a Europa, no s entre os Catlicos, como
tambm no mundo Protestante.
Pombal conseguiu, enfi.m, exultante de alegria, a realizao
do seu sonho dourado. Foi completo o seu triunfo. Foi o feito
mais glorioso que retumbou por toda a redondeza da terra.
No dia 9 de Setembro, estalou sobre as infelizes vtimas de
S. Julio o trovo que rebentara no Vaticano. Aquele que por
tantos anos nos ocultou tudo o que se passava no mundo, como
se paru ele fssemos meros cadveres, ou se alguma coisa nos
dizia ea paa nos encher os ouvidos das mais impudentes mentiras, apressou-se a comunicar-nos este decreto mortal, paa mais
amargurar a nossa triste sorte. Pombal, que no Vero e no Outono
tinha a residncia em Oeiras, convoca o ouvidor com o escrivo.
Os Jesutas reclusos so tirados das celas paru se reunirem num
corredor, onde o magistrado comea a falar-lhes solenemente:
Sua Majestade, a quem Deus gtnrde, manda avisar Yossas Paternidades que o Papa acaba de extinguir a Ordem da Companhia de
Jesus. E deixou a Bula sobre a mesa, nas duas lnguas latina e
portuguesa. Com ela estava um prefcio no estilo enftico de
Pombal, com vrias anotaes manuscritas margem do texto.
Por fim impe-se a todos que dispam a roupeta da Companhia.
Presentes a esta amatgurante proclamao, estavam tambm
todos os comandos da fortalen. As portas que davam paru o
corredor eram guardadas por soldados armados.
Difcil ser calcular a amargura e a dor que smagaram os
mseros cativos. Prefeririam antes aqueles genunos filhos de Santo

Ano

de

1773

97

Incio permanecer at morte sepultados nos sepulcros tenebrosos de S. Julio, contanto que continuasse com vida a sua
me a Companhia, marcada com o Santssimo Nome de Jesus.
Houve um dos nossos companheiros que no pde compilecer
por estar doente. Depois de saber a triste notcia, o Comandante
foi encontr-lo desfeito em lgrimas e soluos, a choa a morte
da me que o gerata no Esprito Santo. Ao v-lo assim, repreendeu-o severamente por essas lgrimas que ele dina serem injuriosas paru o Rei e paa o Papa. O grande Agostinho chorou
amagamente diante do cadver de sua m e, que duplamente o
dera luz para o mundo e paa o cu. E se algum julgar que
pequei choiando por minha me, no se a; se tem caridade,
hore antes pelos meus pecados. (Confisses, 1. IX, c. I2).
Nem o prprio Clemente XIV probe a ningum de chorar
pela m.orte da Cg-panhia; s probe, e severamente, guo algum
se queixe por palavra ou por escrito, de cc m a sua supresso se
lhe ter feito injustia. Mas no faltou, mesmo entre os no-catlicos quem sasse em defesa de homens to esmagados e oprimidos de angstia.
Ainda as chagas no tinham cicatrizado, quando @walho,
o figadal inimigo dos Jesutas, para mais lhes exacerbar a dor,
manda que em Lisboa e em todo o Reino, sob pena de grave
multas, todas as casas se iluminem em festa. Mas nenhuma embaix-

da, nem mesmo as de Espanha ou Frana, frzetam caso algum

disto.
Por todas as igrejas se cantam hinos de aco de graas pela
extino duma Ordem que era completamente intil e perniciosa.
E contudo, perseguida em toda a parte, e j prestes a expirar,
ainda recentmente, na Transilvnia, conquistara 10.000 Arianos
para a F Catlica. Estas fes-tas solenes renovaram-se em todos
bs domnios portugueses da frica, da Amrica e da sia. Nem
faltarum ditiiambos, estilo pombalino, de que apresento aqui
uma amostra:

Memrias de um Jesuta prisloneiro de Pombal

198

Extincti Jesu socii, suadente Sebasto,


Sunt; facta est tanto gratia tanta viro,
Fraudibus immunes nunc Rex et Papa manebunt;
Nunc, grex christiadum, pox tibi semper erit (n').

A Sebastio de Carvalho no lhe bastou banir a Companhia


de todos os domnios de Portugal; porque isso s, ainda no era
o esmagamento total dela paru todo o sempre. Era preciso, no

s afastar tlo perniciosa peste da Repblica, mas destruirJhe


A to grande homem como Pombal nada lhe pode
negar a Santa S, pois ele, com a destruio da Companhia, s
pede um enorme benefcio para todo o gnero humano. E oxalt
todas as raues.

o poeta tivesse razo, isto , que banida a Ordem de Santo Incio,


aeabassem nas cortes todos os vcios e calnias.
r que
Diz-se que Lus XI,
no seu palcio tudo poss
. Oh!
como tudo ali se finge e
boca,
mas fel no corao e astcia no trato com os homens. Ningum
ignora que os Jesutas foram sempre acusados de defenderem
desassombradamente os direitos e a autoridade do Papa, nem
nunca se lhes puderam aplicar as palavrus do profeta: Canes muti
non valentes latrare (Is 56, l0). (Ces mudos que no podem
ladrar).
Ntmc, grex christiadum, pax tibi semper erit. Esta maravilhosa
paz descreve-a ao vivo, com cores negfas, o Arcebispo de Arles,
Joo Jos de Saint Jean, natural de Jumilac, numa carta aos Bispos
sufragneos da sua arquidiocese, euo comea assim : <<C'est avec
la plus sensible douleur que je vois la consternation et l'embarras
o vous jette le bref du Pape aujourd' hui regnant, dat du 2L Juillet
de l'anne courante 1173, lequel supprime la Compagnie de Jsus,
etc. Este prelado, grnde defensor da honra da Santa S, demonstra em tefmos muito severos, que a paz que os Libertinos e os
Maquiavlicos prometem ao rebanho de Cristo, no aquela que
os Anjos anunciaram na terra para os homens de boa vontade;
antes a paz que Deus nosso Salvador chama enganadora e mali(nt)

Pela aco de Sebastio extinguiu-se finalmente a Companhia.


to grande graa a to grande homem.
O Rei e o Papa libertaram-se enfim de tanta astcia.
E agora reina paa sempre a Paz no povo cristo.
Concedou-so

Ano de

199

1773

; paz s de nome, mas no real: Clamam : paz! paz! mas no


h, pazl> (Jer 6,14).
A bula de extino da Companhia do Papa Clemente, que
esteve longe de ser clemente, encheu de profunda tristeza todos
os verdadeiros Crist[os, e apressou a morte de vrios dos nossos
morreram logo
, ambos

gna

O primeiro
outro, que nas

ses.

faleceu

*), a 7

de Dezembro.

*)

Recife uma cidade da Capitania de Pernambuco, Do Brasil, famosa


pela sua abundante exportao de acar e madeiras tropicais para a Europa.

(N.4.

ANO DE

1774

A Espanha, no contente oom obter do Papa a nossa destruio, com proclam-la solenemente por meio do prego oficial,
com expor o breve de supresso nos lugares pblicos traduzido
paa a lngua ve
public -lo na folha
e 1773, p.50 e segs),
oficial (Mercurio
pretendia ainda
breve Dominus ac
Redemptor fosse
e a assinatura de
todos os Cardeais. Pois no tinha agradado nada aos promotores
da destruio da Cg*panhia qug fossem to.poucos os Padres
pu{purados que assinaram aquele importantssimo documento.
De facto, foram s cinco, e quatro deles criados recentemente,
e j com este fim em vista. Conta-se que em Roma apareceu exposta em uma
i com o Cardeal Mareps do Papa, a quem
fusco e seus c
este entrega a
anhia. Duma abertura
rasgada sobre o trono saa uma pomba, e volta dela lia-se esta
inscrio: Surrexit, non est hic !
A 19 de Setembro de 1771, grande alvoroo de alegria na
corte de Madrid, com o nascimento dum filho do prncipe das
Astrias, Iogo subitamente afogado na tristeza da sua morte prematura, 7 de Maro de 1774. O prprio Rei com o prncipe nos
braos o apresentou aos grandes do Reino, reunidos na sala contgua. Clemente XIV quis ser seu padrinho, e por isso o recm-nascido se chamou Carlos Clemente. Na cidade de Rofr?, cunha-so uma moeda de oiro: numa das faces est o Sumo Pontflce;
na outra a Espanha sob a figura de rainha que apertando nos
braos o afilhado do Papa, o oferecia ao cu, paa onde voou
quando contava apenas os dois anos e meio de idade.
,a-

Memrias de um Jesuta prisloneiro de Pombal

O Clero de Frana no aceita a Bula Dominus ac Redempor


Por este tempo, enquanto exultavam triunfantes de alegria
os que quiseram apagff da face da terua o nome da Companhia,
extorquindo ao Papa a pacfica bula Dominus ac Redemptor, rasgavam-lhe outros no corao a mais dolorosa ferida. O clero de
Frana, um dos mais ilustres e bem formados da Igreja, mostrou-se relutante em aceit-la. O Papa escreveu uma carta ao Arcebispo
de Paris, exortando-o a aatat a bula de extino. Este respondeu-lhe a 24 de Abril de 1774, afirmandoJhe que <tal bula no representa seno o }ruo particular dum homem, por no estar corforme s normas cannicas. No pode reconhecer-se nela uma
deciso emanada da autoridade suprema; a sentena de extino
para a glria
pouco honrosa paa a t
o da f ortoda lgreja, e funesta para
e as de todo
doxa. Finalmente, oferece
o clero para que Deus se digne esclarecer o Santssimo Padre com
a abundante ltz celestial, a fim de conhecer a verdade. E termina
splicas
com estas palavras: Dirigim
temente
ao Pai das luzes para que se
o obssobre V.S., e descobrir-lhe a
curecido. Paris 24 de Abril de 1774>>.
Diz-se que desde aquele dia as foras do Papa comearam
a decair senivelmente e, angustiado por uma dor acerba, foi-se
consumindo de amargura e tristeza, revolvendo no ntimo a ro-

o prncipe D. Jos, futuro herdeiro da Coroa; nascem outros


prncipe e princesas; mas os mseros cativos continuam inalteravelmente na sua tenebrosa condio. Promulga-se com estron-

Ano de

1774

dosas manifestaes festivas o tratado de paz entre Espanha e


Portu gal. Passados alguns anos, o Prncipe da Beira, fllho de
D. Pedro, acompanhado de Pombal e de outros cortesos, visita
em pessoa o forte de S. Juliao i_e at o- prprio Rei entrou um dia
na nossa lgubre masmorra... Para ns, porm, no h redeno
deste inferno.
No dia 10 de Maio deste ano 1774, morre o Rei de Frana
Luis XV. Na orao fnebre da igreja de S. Denis em Pars,
o Bispo de Senez (Provena) da provncia eclesistica de Embrum,
Carlos Maria Joo Baptista de Bouvais, fez referncias Companhia que exasperaram de ruiva os seus inimigos. Eis algumas
da,s suas afirmaes.
<<letons le voile sur la rivalit lui avait soulev la puissance
civile contre la puissance sacre. Vous savez, IVIessieurs, avec quelle
justesse le Roi avait discern les limites de l'une et de l'autre puissance... Si Louis a paru quelqueois ralentir sa protection, si la ermentation des esprits a redoubl, si une Socit fameuse par le crdit
et lq confiance dont elle avait joui si longtemps auprs des Pontifes
et des Rois, et par les services qu'elle avait rendus lo Religion et
aux Lettres car quelle considration pourrait empcher ies mes
sensibles de -rendre ce tmoignage des hommes malheureux ?
si cette Socit a t parmi nous la victime de cette fatale contestation, -et s elle a t prcipite dans les flots, comne autrefois le
Prophte de Ninive pour appaiser la tempte; si la Paix du Sanctuaire a t trouble; s des Pasteurs vertueux ont prouv des disgraces et des tribulations; Prtres, Pontifes du Seigneur, vous le
savez ; otti, nous savons que- le coeur de Louis n'a jamais cess d'tre
pour la Religion, pour l'Eglise et pour ses Ministres>.
, . n plica4o dgsla orao fnebre foi proibida.pelo tlibunal
rgio da Mesa Censria, porque o panegrico que o cltbre Prelado
teceu Companhia incomodou entranhadamente Pombal.

Morre Clemente XIV


com as reacIgreja contra
lia cada vez
a guarda de
defesa. Chama um Irmo leigo dos Frades Conventuais que lhe
prepare as refeies para evitar qualquer tentativa de env'enena-

Memrlas de um Jesuita prlsionelro de Pombal

mento. Comea a usar antdotos violentos contra venenos, que


lhe vo desfazendo as foras, at sucumbir finalmente no dia-22
de Setembro, aps 5 anos e 4 meses de Pontificado.
Contra o costume, na Corte Portuguesa guardou-se luto
pesado, por ordem de Pombal. No seu palcio de Oeiras ostentava
um grande retrato de Clemente XIV, com um presente que dele
recebera. Era um navio de guerra em miniatura, de dois palmos
de comprido, com alguns instrumentos nuticos e navegdores,
tudo artisticamente cinzelado em marfim por mos chinesas.
Neste ano de 1774, faleceram mais quatro dos nossos companheiros: trs sacerdotes da provncia de Goa, e um Irmo leigo
natural de Londres.

O Libelo DiIogo no hnperio dos Mortos


Sau tambm

a lume nesta ocasio um opsculo de autor

desconhecido, dividido em quatro partgs, com o ttulo de <<Didlogo


no imprio dos mortos entre o adre ngelo, Jesuta, e o cavaleiro

de Moncada, antigo Templdrio>.


Contra a injustia da compara

Companhia
dos primeiros foi

dos Templrios com a da

condenao

da Ordem
se escreveu.

ll4

Bispos

no Conclio Ecumnico de Vienne, ou por 300, segundo afirma


Joo Villain, depois de ouvidas as acusaes das testemunhas e

defesa dos rus. Contra as acusaes Companhia, porm,


no se apresentaram testemunhas srias, nem se lhe concedeu
possibilidade alguma de se defender. Oito anos depois de Clemente XIII ter confirmado em 1765 um Instituto aprovado por
muitos dos seus predecessores, o Papa Clemente XIV aboliu-o
simplesmente por motivos incertos e vagos, guo alguns prncipes
declararam escondidos no ntir o dos seus coraes. Seria um
nunca acabar, se eu fosse a refutar todas as calunias lanadas
contra ns, reforjadas agoa por este cavaleiro de Moncada.
Limito-me apenas a tocar numa das acusaes mais recentes,

com que o autor deste libelo nos ataca:


2 Na pgtrna 9 da 3.' parte, acusa-nos de termos excitado os
Indios revolta no Paraguai. Contra esta calunia basta ttat uma
carta do Governador de Buenos Aires, D. Zeballos, escrita a seu
irmo D. Diego de Guzrn?n, Juiz da Audincia de Sevilha, datada de 26 de Novembro de 1759:

Ano de 774
<<Sobre este assunto

(da transferncia dos ndios das sete Redu-

es) (n'), impossvel, dentro dos reduzidos limites duma simples


carta, pr-te ao facto dos acontecimentos. Digo-te apenas em poucas
palavras
o suficiente para formares um! ideia. Quando cheguei a
'estas
misses, havia nuitos milhares de ndios disfirsos pelos ones
e os campos desta vastssima regio. fsto tmpediu o Comissdrio
portugus de ececutar a transferncia da Colnia (do Sacramento).
Mas os Padres da Companhia envidarom todos os esforos, e esgotarmm-se at conseguirem dentro de um ano, com a graa de Detn,
que todos voltassem aos aldeamentos. E embora eu tenha informado
disto a Corte, nenhuma resposta recebi, devido talvez s vicissitudes
ocorridas. PArece-me que nestes acontecimentos ficou to bem demonstrada a md vontade dos Portugueses, como o amor e fidelidade
ao Rei que mostraram os Jesutas desta provncia na obedincia
s suas ordens. Bem sei que, a este respeito, tu terds ouvido muitas
falsidades que os inimigos da Companhia tm espalhado, principalmente os Portugueses e o nosso Comissdrio, o Marqus de Yal de
Lrios, 8w cencorda com eles para encobrir a sua md administrao.
Os pob'res ndios estavam iesesperados com tanta desgraa que
sobre eles cou. Procurei compensd-los com regalias pelas calAmidades que os Portugueses lhes iffigiram; e posso gloriar-me de
os ter convencido a fazer tudo o que o Rei mandar, at mesmo a
combat-er, se for preciso, e o dar a vida pelo servio de Sru Majestade. E isto o que em poucos palavras te posso dizer.
Teu irmo
Zeballos.

Misso de

de 1759>.

,S.

Francisco de Borja, Paraguai, 26 de Novembro

Como possvel conciliar este amor e fidelidade dos Padres


da Companhia para com o Rei, como testemunha eloquentemente
o prprio Govemador de Buenos Aires, com a excitao revolta
de que so acusados ?
Volto agora outra revolla j atrs mencionada, ilo ano

de

1758.

O autor do libelo acusa tambm os Padres Anselmo Eckart

(nt) Trata-se da emigrao de sete das 30 Redues do Paraguai, cedidas a


Portugal pelos Espantris, em troca da Colnia do Sacramento. (N. T.)

206

Me,mrias de um Jesuta prisiott,eiro de Pombal

gue, segundo ele, era o Comandante do forte de S. Miguel, e seu


companheiro Padre Antnio Meisterburg, de terem eles rUesmos
disprado peas de artilharia numa bataTha travada pelos ndios,
em 1757, contra as tropas portuguesas e espanholas nas margens
do Urugai. H., de facto um rio que atravessava o territrio das
Redues, e desaguava no rio Paraguai, ou rio de la Plata. Junto
quele rio, afirma o sonhador autor deste libelo, travou-se uma
batalha em 1757, em que o Jesuta Eckart, Comandante da fortalez.a de S. Miguel, com seu companheiro Meisterburg, comandavam a artilharia. Ora este Jesuta Eckart declara aqui abertamente
que s pela leitura deste infame libelo que veio a saber que havia
ali uma fortaleza de S. Miguel.
Devo ainda acrescentar que nenhum destes dois Jesutas
ps nunca os ps em qualquer territrio da Am&iaa sob o domnio
dos Reis Catlicos, como era o Paraguai. Ambos eles fiabalharam
como missionrios s na Capitania do Pat,, que pertencia
Coroa de Portugal. No ano de 1757, Meisterburg encontrava-se
a missionar em Abacaxis, junto ao rio Madeira, e Eckart nas misses da zona do rio Caet, entre o Maranho e Pat,. A distncia
que separava os dois missionrios um do outro levaria pelo menos
trs semanas a percorrer.
Apesar disso, por inexplicvel prodgio, ambos eles disparavam as peas de afiilharia nas margens do rio Uruguai, a 600
lguas portuguesas do Pat,. Mas deixemos os ilustres autores
deste libelo que tais colquios inventaram no Reino dos ll,fortos.

ANO DE
Exacerba-se

o fiuor

1775

anti-Jesutico de Pombal

Julgar-se-ia que com o sangue dos Jesutas exilados ou sepultados em negras masmorras, ou mortos com tantas privaes e
sofrimentos, acalmaria enfim o dio de Pombal. Engano. Ainda
se ateou mais. Manda que todos os livros escritos por Jesutas,
em qualquer casa particular que se encontrem, sejam inexoravelmente queimados. O Capelo da fortaleza confessou-nos, no
ano de 1777, que por medo de Pombal, com grande pena teve de
queimar livros de autores de grande valor, que muita falta lhe
fi-gram.
Mas a atdcia do seu dio foi ainda mais longe, levando-o
a declaa guerra aos prprios Santos da Companhia. Por ocasio
do terramoto de Lisboa em que os Nossos to heroicamente
se sacrificaram pelo povo,- a ponto de o prprio Rei em nome do
Franmesmo povo lhes agtadecer publicamente
- foi escolhido S.
cisco de Borja, q
tra os terramoto
publicou uma b
todo o Reino, e
solenidade nas igrejas da Companhia, com Missa cantada, sermo
e assistncia das autoridades civis; e onde no houvesse igreja
da Companhia, no principal templo da cidade. E num outro decreto de 15 de Maro de 1758, ordena que s comemoraes das
Horas Cannicas se ajtrnte a de S. Francisco de Borja. Pombal,
porm, aboliu este rito, e mandou apagar do Ordo Ecclesiasticus
qre se publica cada ano, a memfia deste Santo que ea indicada
com este ttulo: ,S. Francisco de Borja, Padroeiro do Reino e seus
domnios, advogado contra os terramotos. Foi ainda mais longe
a fria antijesutica deste homem. Para que nunca mais se fizesse

Memrias de um Jesuta prlsioneiro

de Potnbal

Incio, proibiu a todo o


evirio das lies prprias
iria at ao cu, p,ara pertodos os seus fllhos.

eleito Pio YI
Faamos agota uma digresso do crcere de S. Julio para
Sacro Colgio est reunido em Conclave,
para ouvirmos duma das janelas do palcio este anncio solene
s multides, apinhadas na paa de S. Pedro: Anuntio vobis
gaudium mognum; Papam habemos Eminentissimum et Reverendissimttm Joarunem Angelum, Sanctae Romanae Ecclesiae Cardinalem
Braschi, qtii sibi nomen imposuit PIU,S VI.
Por quatro meses e 23 dias esteve vacante a S Apostlica,
at ao dia 15 de Fevereiro de 1775, em que foi eleito Papa o Cardeal mais recente do Sacro Colgio. E a 22 do mesmo ms, dia em
que se comemora a Ctedra de S. Pedro em Antiquia, tomou posse
da Ctedra Romana do Prncrpe dos Apstolos este seu dignssimo
sucessor. Sob o governo do novo Pontfi.ce, a comisso dos cinco
Cardeais instituida por Clemente XIV para gerir os assuntos da
extinta Companhia de Jesus comeou a actuar com mais modera,o. Quis Pio VI, como supremo rbitro e jz desta gtave controvrsia, ge ela se resolvesse segundo as leis da justia e da virtude.
E isto tomou-o este virtuoso Papa ainda mais a peito, quando
abrindo um pequeno cofre deixado por Clemente XIV, encontrou
nele, entre otrs papis, uma folha escrita em que recomendava
ao sucessor, como seu ltimo desejo, retomasse em suas mos esta
causa. Este pormenor foi publicado no <<Mercurio de Madrid.

o Vaticaro, onde o

Inaugurao da Esttua Equestre de D. Jos

A 6 de Jtrnho de 1775, celebrou-se em Lisboa, com a maior


solenidade possvel, a Festa
tanto o governo como o povo
de muitos milhares de florins
equestre do Rei,

tinha sido

solene

o lugar destinado

Ano de

1775

real, chamada Terreiro do Pao. Rodeavam-na edifcios apressadamente pintados no interior e no exterior, e ornados de tapearias. O Rei, a Rainha e os Prncipes pr )senciaram duma casa
frente esttua este magnfico espectculo. A esttua de bronze
estava velada, sem a princpio ningum a poder ver. As duas cortinas que a encobriam deveriam ser corridas pelo Marqus e seu
filho, o. Conde de Oeira-s, sentados dum lado e do outro em coches
com seis cavalos atrelados. Por pouca sorte, as cordas emaranharam-se, de forma que as cortinas mal corridas encobriam os dois
protagonistas desta cena, privando-os assim dos primeiros aplausos da multido. Uma yez removidas, a bos dobraram o jelho
pata prestar honras esttua do monatca. O mesmo fizeram todos
os marqueses e condes presentes. Os altos comandantes do exrcito,
generais, brigadeiros e coronis, inclinaram a espada em sinal
de homenagem. Por todo o anfi.teatro resplandeciam as mesas
com baixelas de ptata, e serviam-se lautas iguarias. Os edifcios
estavam profusamente iluminados dentro e fora; e na paa ressoavam as danas em coro. Atrau especialmente a curiosidade e a
admirado de toda a gente o fogo de artifcio, quando no a apareceu cintilante o diadema real, irradiando ofuscantemente as
mais variegadas cores.
Esta solene inaugurao deu ensejo publicao dum opsculo em prosa e verso, que chegou s mos dos cativos de S. Julio.
O autor, paru bajular Pombal e os seus sectrios, no perdeu a
oportunidde de irazer baila os malefcios do Jesuitas. Nos
ltimos dois sculos, escreveu ele, o esprito de todos os Portugueses flcou envolto no mais cerrado nevoeiro, e todas as artes
liberais se atroflaram e oprimiram. Aos dois sculos da nossa
Companhia chama-lhes sculos de ignorncia e obscurantismo.
As cincias, que tinham sido desterradas pela iniquidade dos
Jesutas, voltaram enfim Pfiiq sob o gloriosssimo reinado
de D. Jos I.
Entre os Portugueses os poemas eram geralmente compostos em portugus notabilizou-se
um ver- chamado Feij,especialmente
sejador, pigmeu amerieano
que estudara no nosso
colgio de Pernambuco, exortando todas as quatro partes do
mundo a congratularem-se alegremente com a exalta-o triunfal
desta esttua equestre.
i

2t0

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

Visita de EI-Rei ao Palcio de Pombal

No dia 2 de Julho, a Corte Portuguesa deslocou-se vila de


Oeiras, vizinha do forte onde nos encontrvamos. O Rei e a Rainha
com os Prncipes visitaram o palcio de Pombal, adrede preparado
paa receber to insignes hspedes. Por longos anos se trab alhara
por rasgar a estrada, defendendo-a da fria das ondas com densos
paredes. bwalho esforou-se por vencer, com o rduo trabalho
de inumerveis operrios, a agressividade das ondas, preenchendo
vales e abatendo as colinas. Queria com enormes aquedutos levar
o Tejo a regar os jardins do seu prprio palcio, realizando a
palavra da Escritura: O homem, com a sua arrogncia, julgava
poder dominar as prprias ondas do mar) e pesar as montanhos
nos pratos da sua balana (2 M:ac 9,8). Aconteceu que um dos
operrios, paa desfazer um enorme penedo, desceu a introdtzir
no fundo uma caga de plvora. Como no a.cabava de sair, baixou

um outro, que tambm l se demorou indefinidamente; depois


um terceiro, e finalmente um quarto que foi encontrar os dois
primeiros j mortos, e o outro sem sentidos. Eram trs irmos,
todos soldados. Pombal, julgando-se a si prprio com poderosa

autoridade paa abarcar toda a redondeza da terra, desejava que


todas as naus, de qualquer parte do mundo que viessem, antes
de entrar em Lisboa, rendessem homenagem sua soberana
grandeza. Mas as mars cheias arrastatam tais montes de arcia
que destruram a passagem das naus. E assim, em poucos dias
ficou desfeito o trabalho hercleo de tantos anos; e a enorne
quantia de muitos milhares de florins que passavam de um milho,
ficou enterrada no desabar dos rochedos do tnel que tinha sido
das guas.
escavado paa a passagem
-de
Oeiras para tomar as guas das termas
O Re viera vila
que havia na vizinhana. J, desde h muito, sofria de um tumor
nos ps. Passava quase todos os dias ao lado da nossa fortaleza.
Horrorosa execuo de Joo Baptista PeIe
Em Outubro, D. Jos voltou a Belm. Nesse mesmo ms se deu
a horrvel execuo de um Italiano, chamado Joo Baptista Pele,
Genovs, cuja morte exemplo vivo da mais espantosa crueldade.
Foi este infelizacusado de maquinar a morte de Pombal.Eraum pirotcnico habilidoso, que vivia em Lisboa com um cirurgio cas-

Ano de

1775

2t1

trense. Este mesmo que o acusou de lhe encontrar na mala uma


catta em que se afirmava chegar enfi.m o tempo de o povo se ver

livre de Carvalho, o seu odioso tirano.


O cirurgi,o, com traioeira amizade, convida o Genovs
para o acompanhar at Belm, onde o esperava um fregus para
um negcio de pintura, arte em que Baptista Pele era tambm
perito. Mas ao perceber que o seu companheiro o levava ao Juiz
Civil, salta da carruageffi, e deita a fugir. Depressa, porm, foi
apanhado, e encerrado na cadeia. Nos seus aposentos encontrou-se uma pequena atca com plvora e outro material de arte pirotcnica. O flso amigo acusou-o de pretender colocar aquele aterial inflamvel no banco da carruagem maior do Marqus, onde
no dia dainaugurao da estfiua equestre se devia sentar. O acusado, sujeito tortura, declarou-se sempre inocente, e por vrios
meses fez-se silncio sobre o seu processo.
Subitamente, effi Outubro de 1775, o JViz declara-o ru confesso ) e pronuncia a sentena de morte. levado ao lugar do
suplcio, e atado a quatro cavalos, que correndo em direco
oposta, lhe esfacelaram horrorosamente os membros. O povo
que presenciou este macabro espectculo ignorava quem fosse
o desgraado, e que nefando crime tivesse cometido. O sacerdote
que o acompanhou nesta cruel execuo cau desmaiado, sem
poder suportar a vista de tal tragdia. Diz-se gue, j quase morto
ainda lhe ouviram balbuciar as palavras do Pai Nosso.
,
Esta brbaru execuo teve lugar ta Junqueira, perto de
Belm, junto margem do Tejo, frente ao palcio do Embaixador do Imprio (Austraco), Baro Adam Lebzelter, cuja ilustre
esposa me mostrou, em 1777, a pedra a que aquele infeliz foi
amarrado no lugar em que tentara fugir. Toda a gente est convencida da inocncia daquele que os sequazes de Pombal declararam ru dum crime de lesa majestade. O mais verosmil que a
catta em que a acus ao se apoiou foi escrita por outro, e metida
pelo cirurgio na mala de Pele. 'ombal no hesitou em reivindicar
para si diante de todo o mundo o ttulo de tirano. Como prmio
desta inqua faanha acrescentou mais dois honrosos ttulos ao
de Marqus: Lugar-Tenente de Sua Majestade na reedif,cao
da cidade de Lisboa, Lugar Tenente na reforma da universidade
de Coimbra.
Havia um s acusador que gozaya de m reputao, mesmo
entre os Portugueses. Nem sequer pensou na dificuldade, ou quase
impossibilidade de introduzir as matrias inflamveis dentro da

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

212

caffuagem fechada chave, eue ea aramente usada pelo Marqus, e se enconttava permanentemente guardada por tantos
criados, e vigiada por guardas militares, sempre de sentinela
porta do palcio.

Morte e Funeral do P. Lorenzo Ricci


24 de Novembro

foi o dia que libertou dos grilhes do crcere

o ltimo Geral da Companhia de Jesus. Por 18 meses teve de

sofrer os rigores da priso, f,o Castelo de Sant'Angelo. Pio VI,


magnnimo defensor da verdade e da justia, tinha j, f,xado
o dia. para restituir liberdade .t,o insigne cativo. Mas Deus, em
seus imperscrutveis juzos, quis que aquele que vivera pregado
na ctvz, tambm rta ctuz morresse, numa Sexta-feira, dia da semana dedicado Paixo de Cristo, e na festa de S. Joo da Cruz.
Sobre o seu tmulo gravou-se o seguinte epitfio:

PARENTALIA LAURENTII RICCI, ROMAE DEFUNCTI,


IN TEMPLO A JESU DICTO SEPULTI, ANNO 1775
Quam merito sacra lesu tumulatur in aede
Is, qui pro lesu nomine multa tulit,
Seque, sLtosque esse innocuos, testatur in ipsa
Morte, ipso coram ludice, teste Deo.
Omnibus ex toto veniam dat corde inimicis:
Sic voluit Christo cum moriente mori.
Ex castro Angelico, iam duplice carcere liber
Transit ad Angelicis castra ref erta choris.
Illustrant triginta f aces exsangue cadaver,
Quae decet illustrem splendida pompa virum (n').

(n') EprrFro DE LoURENo Rrccr, MoRTo EM RoMA,


E SEPULTADO NA IGREJA DO GBS, NO ANO DE

1775

Aquele qae mereceu ter sepultura neste templo sagrado


Muito sofreu pelo Nome de Jesus.
Na mesma Morte, prestes a comparecer diante do Divino fu2,
tomou a Deus como testemunha da sua prpria inocncia
e da inocncia dos seus sbditos.

Ano de

2t3

1775

Gregrio XIV, na bula Ecclesiae Catholicae, determinou


que se mantivesse pata sempre o nome da Companhia de Jesus
com que esta benemrita Ordem foi desde o bero apelidada pela
Santa S, e com que se tornou insigne at aos nossos tempos.
Para confi.rmao deste benefcio, a principal baslica da Companhia, que a da Casa Professa de Roma, foi enobrecida com
o ttulo deste santo Nome. Nela flcou sepultado Lorenzo Ricci,
entre os ltimos Gerais, Luigi Centurione e lgnazio Yisconti.
Antes de receber o sagrado Vitico, diante das pessoas presentes e do Supremo Juiz, em cuja presena ia em breve comparecer, protestou que ele e a Companhiq estavam inocentes de todos
os crimes de que os acusarffi, e declarou que perdo aya de corao aos autores de tantos males e runas que cafuam sobre a sua
Ordem.

Este protesto foi redigido por escrito. Eis o que diz uma carta
vinda de Roma: Um Jesuta, sbdito do Rei da Sardenha a quem
ele tinha em grande estima, possui o original do protesto do M.R.P.
Geral, e pediu ao Rei o guardasse nos arquivos do seu Reino.
No, respondeu ele, no preciso, pois estou perfeitamente
seguro da inocncia do vosso Geral e da vossa Companhia. No
leveis a mal que eu no aceda ao vosso pedido ) a fim de evitar
desentendimentos com as outras Cortes.
A 26 de Novembro, foi exposto o cadver na igreja de S.
Joo dos Florentinos, porque Ricci era duma ilustre famlia daquela cidade. Todas as paredes do templo estavam revestidas
de negro. Armou-se um enorme catafalco, ricamente ornamentado, com 30 crios a arder em torno do cadver, vestido de paramentos de seda bordados a oiro. Este foi transportado de noite,
acompanhado de trs carruagens, para a igreja da Casa Professa,
conhecida por igreja do Ges. A rs funerais assistiu enorme multi-

todos os inimigos perdoou de corao;


Assim quis morrer como Cristo morreu.

Liberto dum duplo cdrcere,


Do castelo de Sant'Angelo passou entre coros de anjos ao
Castelo celestial.

Trinta crios alumiam o cadver exnirne


Com o glorioso esplendor que to grande homem

mereceu.

24

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombat

do com muitas pessoas constitudas em autoridade. No faltou


quem julgasse excessivo o esplendor destas solenidades. No
assim Pio VI, que se fez representar pelo Cardeal Corsini, que
era tido por adverso Companhia.

ANO DE

1776

Priso de dois Jesutas Nobres e dos Meninos de Palhav

12 de Janeiro deste ano recebemos um novo companheiro

tre estirpe dos Condes


Brasil, morrera poucos
casou com o segundo
ou assim representante
er tragicamente s marradas de
um toiro bravssimo, numa solene tourada em Salvaterra, onde
a Corte Real costuma frequentemente deslocar-se para o desO Padre Noronha era um dos quatro nobres que
ixou partir com seus irmos Jesutas pata o desem 1759. Ficou por 16 anos recluso num convento
diocese de Coimbra, que lhe serviu de crcere.
Como, porm, foi diminuindo muito o nmero de habitantes
daquela casa religiosa, o Supelior-resqonsvel pela guarda dele
receou pela sua segurafll, e Pombal juntou-o por isso com os
presos de S. Julio.
No longe deste convento, esteve preso o Padre Diogo da
Cmara, tambem de nobre estirpe, irmo do Conde da Ribeira,
entre os Carmelitas que seguem a regra austera de Santa Teresa.
Os Padres mais novos deste Instituto passam l, o ano vivendo
vida ermtica. Habitam num extenso bosque, to grande que leva
uma hora a atravessar, e onde cada um tem o seu prprio ermitrio com uma capelinha adjunta; meia noite, e a horas certas
do dia, juntam-se todos ao som do sino para a recitao do Ofcio
Divino.
O mesmo domiclio dos religiosos serviu de palcio para
dois irmos do Rei, D. Antnio e D. Jos. Estes no tinham
licena de falar com o P. Cmara. S o podiam fazq por meio
de outros, do seguinte modo: quando os dois prncipes passeavam

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

26

pelo bosque com o


de propsito ao en
por um Carmelita.
si, e os reclusos pe

de olhares.

Chamava-se este convento Buaco.

Uma Biografia de Clemente XIV


Entre os livros editados por este tempo em Madrid, sau uma
biografla de Clemente XIV, escrita em francs pelo Marqus de
Caracciolo, e traduzida paru espanhol por Mariano Francisco
Nipho. Tentaram vender-nos a verso portuguesa, mesmo porta
das nossas celas, forando-nos insistentemente a adquifi-la, mas
em vo. Quanto me lembro, nem um s exemplar lograram imos gloriosos feitos dum
da Companhia de Jesus.

em vezde esclarecer, obscureciam ainaitrll"lori,i.ll:rl":'erT:


pirao que a provocou. Ao mesmo Caracciolo se atribuem umas
cartas publicadas com o nome do Sumo Pontfice.
A respeito desta teia urdida volta do nome de Ganganelli,
cito o excerto duma carta escrita de Roma, por um homem absolutamente fidedigno:
<<Os milagres atribudos a Ganganelli, fazendo dele um Santo
taumaturgo, no passam de fiibulas tecidas por aqueles 7ue, para
se compensarem da causa falhada de Palafox (nn) forjaram outra
vingana contra os lesutas, opresentando a figurg de anganelli
como um Santo taumaturgo. Isto mesmo testemunha o Governador
(nn) Palafox y Mendozafoinomeado Bispo de Puebla de los Angeles, no Mexrco,
em l6M. Trs anos depois,entrousubitamente em conflito com os fesutas missiondrios
da sua diocese, proibindo-os de pregar e ouvir confisses, e obrigando-os a apresentar-lhe dentro de 24 horas as suas faculdades, directamente recebidas da Santa S. Assim
con?eou um prolongado litgo, eil eventualmente envolveu tambm o poder civ'il colonial, o Conselho das ndias, o Rei de Espanha e o Papa. Para vexar a Companhia, os
seus inmigos tentaram apresentar Santa S um processo de canonizao do Bispo
de Puebla de los ngeles, que foi arquvado in limine. (Cf. W. Bangert, Histria
da Companhia de Jesus, Livraria A. f. E Porto, p. 325 - 326).

Ano de

2t7

1776

de Roffio, ao proibir a publicao das suAS imagens. O Papa, porm,


nenhum caso fe, de tais tentativas, dizendo simplesmente: Deixai
os tolos dizer tolices que nenhum peso podem ter no juzo de pessoas

inteligentes e cordatas>.
Entretanto, grande azfama militar em Lisboa, guo fazia
prever uma guerra que se preparava. De dia paa dia, aumenta
o nmero de soldados, guo, como cativos se amontoam junto do
forte de S. Julio e de outras fortalez.as vizinhas. Inspeccionam-se
todos os postos de defesa, e neles se acumula o material de guera.
Preside a todos estes preparativos o prprio General Francisco
Maclen, ingls, Governador da provncia da Estremadura, lugar-tenente do Comandante supremo, Conde de Lippe.
Tudo parecia prestes para a guera1, s faltava vir o inimigo.
Nos pases estrangeiros tudo estava intrigado, sem saber a que
se destinava tanto apaato blico. Correu o boato de que D. Jos,
filho do prncipe D. Pedro, desposara Isabel Filipa, irm do Rei
de Frana.
Desejava Pombal introduzir em Portugal a lei slica que
justificasse a sucesso ao trono do prncipe D. Jos, neto do Rei,
para afastar dele a princesa do Brasil, D. Maria. Diz-se que o
Marqus instigara o Rei a urgir com sua fllha paa que renunciasse
ao ceptro real, e que ela respondera que isso no faria sem o consentimento do Prncipe consorte D. Pedro, nem estava disposta
a ceder a ningum o seu direito hereditrio sucesso do Reino.

Morre o Cardeal Saldanha

No dia 1 de Novembro, esteve exposto em cmara ardente,


em Belm, o cadver do Pontfice de Lisboa, (como dizem os lis-

s ainda

apod

o-se um dia
S. Julio, re

Pombal.

Patriatca,

dade
sso,
Eu

sboa

2t8

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

Poucas semanas antes de morrer, Saldanha assistiu a um


banquete oferecido pelo Mptqus. Desde esse Ai.?- comeou a
piorar, e correu a passos velozes pata o tmulo. (nu) No ano de
1777 encontrou-se comigo um empregado do Pao Patriarcal,
que me disse: <<O Marqus matou o meu amo.
Em meados do ms de Novembro, o Rei, que j por vrias
vezes padecera fortes crises, sofreu um grave ataque de apoplexia,
que por muitos dias lhe paralisou a lngua. A Rainha assumiu
o governo, como j muito antes deveria ter feito. O caso parecia
realmente desesperado. Havia claros indcios duma tempestade
eminente que pairava sobre o pas, e enchia de ansiedade a populao.. Felizmente tudo se desaneceu, e voltou a calma cm um
regime pacfico de apenas trs meses.
Viu-se finalmente a cidade de Lisboa livre dos desvairamentos
tirnicos de Pombal, e da guerra que a ameaava. Carvalho pressentiu dolorosamente que o leme do Reino que por tantos anos
segurara s6zinho, estava prestes a escapar-lhe das mos. O afastamento do Cardeal Cunha, em que enconttara sempre o mais servil
apoio, e cuja amirade se rompeu subitamente por um desentendimento ofensivo, e foi tambm paa ele um duro golpe. Diz-se
que este corte da amizade do Cardeal provocou tal raiva no Ministro, que mandou escaqueirar a cadeira em que aquele costumava
sentar-se quando o visitava.

(no) De,z anos antes, o Cardeal Saldanha, que tinha sido sempre to servil e
adulador, atreveu-se pela primeira vez a respondet no a um pedido do Ministro.
Imediatamente recebeu um mandato de exlio, em nome do Rei, que nem sequer
fora informado de nada. Era este o costume habitual do Ministro: agir por si prprio,
confirmando as suas ordens com o selo real. O Cardeal retirou-se para a casa de
campo que lhe fora designada para lugar do seu exIio. Entretanto, o Rei, admirado
por o no ver na Corte, a ele que tinha o hbito de aparecer todos os dias a render
homenagem a Sua Majestade, perguntou que lhe acontecera. Ningum se atrevia
a responder-lhe. Finalmente, depois de D. Jos ter feito por duas ou trs vezes a
mesma pergunta, atreveu-se algum a dizerlhe: <Senhor, ele foi para fora de Lisboa.
<<Perdoai, mas ele recebeu ordem

replicou o Rei, sem minha licena?


-de <<Corlo,
Vossa Majestade. O Rei compreendeu, e deu logo ordem paa que o Patriarca
regressasse imediatamente

a Lisboa. Mas no se atreveu a dizer uma palavra ros-

peito disto a Pombal. (Mmoires, t. III,

p.

105)

ANO DE

1777

No andou longe da verdade o poeta que escreveu:


Gaudia post luctus veniunt, post gaudia luctus:
Semper in ambiguo, speve metuve sum#s (nt).

A Corte

1 de Julho

de 1776, mor

D. Pedro

afllhada de C
ano, nasce
uma outra infanta, que viria a morrer a 14 de Janeiro de 1777.
A ale gria, porm, vem substituir o luto no s da Corte, mas de
todo

riva
com

i'?"X:,-H::t
anos.

E assim

Portu gal se viu livre duma guerra que poderia ser fatal, se este
prncipe tivesse casado com a irm do Rei de Frana.
Mas logo depois, outras nuvens negras se acastelam sobre
a Corte. A sade do Rei vai-se deteriorando mais e mais, evidenciando o aproximar da morte. S Pombal, sempre agarrado
esperana de manter o seu domnio absoluto, promete longa vida
ao enfermo, e continua a matelar-lhe os ouvidos com os assuntos
do Estad o, at que a Rainha lhe impediu a entrada nos aposentos

reais

aHciscaflo, seu concampeo da nossa

j passaYa
idad
suas virtudes,
com
(nt) Depois do luto a alegria,

depois da alegria o luto;


Estamos sempre indecisos entre a esperana e o medo.

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

uma barba nunca cortada durante os longos anos de cativeiro,

no aceitou logo a catuagem que seu sobrinho, o Conde de Povolide lhe oferecera. Quis, ao sair do crcere, ir primeiro a p
prxima igreja dos Franciscanos, que lhe saram todos ao encont1o para o acompanhar e rece ber solenemente ao _repique dos
sinos, cantando-se no templo um Te Deum de ac,o de graas.

Morre o Rei D.

Jos

A 24 de Fevereiro, uma da madrugada, a morte, que tanto


bate porta do tugrio dos pobres como do palcio dos grandes,
arrebatou finalmente D. Jos I, o segundo que ostentou o ttulo
de Rei Fidelssimo de Portugal. Completaria os 63 anos a 6 de
Junho, e governou por 26 anos, 6 meses e 24 dias. Mas pouco
governou quem entregou todo o poder a um Ministro que em
yez de depender do Rei, fez depender de si mesmo o prprio Rei.
Carvalho, no seu empolado estilo adulatrio, referia-se sempre ao soberano como Rei felicssimo e gloriosssimo). Este,
porm, depois do terramoto, em carta escrita a sua irm, Rainha
de Espanha, chama-se a si prprio Rei infaustssimo). A Rainha
mandou recolher o jornal em que esta carta foi publicada, para
impedir a sua divulgao.
No faltaram grandes calamidades no reinado de D. Jos,
ou melhor, de Pornbal: a destruio de grande parte de Lisboa,
e tambm de outras cidades e aldeias, com todos os infortnios
que a acompanharam; o flagelo da guerra, inundaes de rios,
tempestades, naufrgios, incndios,. sedies populares. Apesar
de tudo isto, nos decretos e documentos oficiais de Pombal s
ressoam palavras sonoras da Majestade do Rei, da glria do Prncipe, da tranquilidade do povo, do esplendor do imprio, e da
prosperidade da monarquia. Quantas vezes esteve o Rei prestes
a ser morto! J muitos anos antes, numa caada) a espingarda
da Rainha errando o alvo, foi atingir o Rei, ferindo-lhe um olho,
e abrindo-lhe uma grave ferida. fsto levou a Rainha a recusar-se
a tomar parte neste perigoso desporto durante trs meses, depois
dos quais cedeu aos pedidos insistentes de D. Jos para voltar
a acompanh-lo nas caadas. No mesmo lugar onde se deu este
desastre mandou construir uma capela. J, falmos atrs do perigo
de morte que o Rei correu em Lisboa, a 3 de Setembro de 1758,
e outro em Vila Viosa, a 3 de De zembro de 1769. A grande inun-

Ano de

1777

221

da,o do Tejo que arrastou consigo homens e animais, obrigou


o Rei a fugir do seu palcio para Salvaterra. Nesta viagem fluvial
levantou-se de sbito tal tempestade, que s a extraordinria
percia dos marinheiros evitou que o Rei com toda a famlia real
fossem engolidos pela fria das ondas. Este sinistro vem relatado
no Calendrio Parisiense do ano seguinte, entre outros trgicos

acontecimentos.

Por muitos anos s quis estrangeiros para a sua prpria


guarda e como sentinelas do palcio real, tal eru o medo dos seus
prprios sbditos que dele se apoderou. Nos ltimos trs anos,
este temor cresceu ainda de tal forma, eu no admitia ningum
em audincia, concedendo audincias gerais nas manhs de tera
e quinta-feira, e audincia especial para a Corte e Ministros, aos
s6ados.

A morte do Rei costuma ser anunciada pelos arautos, que


percorrem a cavalo as principais praas de Lisbo
tom dolente: <<Real, real, chorai, chorai povo !
Rei D. Jos>>. Mas ningum esteve para grardes tr
ficaram enxutos, e no se acabrunharam os semblantes. Cumpriu-se letra o dito do poeta:
Principis exsequias non multum patria flebit.
Principe enim vivo, fleverat illa satis (n').

A nova Rainha sofria ao ver que ningum se entristecia com


a morte de seu pai. Mas os ulicos consolaram-t, assegurando-lhe que a aleg.Iia do povo no era .pela morte do B.i, pas sim
pela morte civil que esperavam cair em breve sobre Pombal,
e pela conquista da liberdade que a sua violenta opresso lhes
roubara.

O cad ver do Rei foi transportado de noite com soberbo


aparato para a igreja do convento de S. Vicente de Fora, dos
Cnegos Regulares de Santo Agostinho, onde jazem trs reis da
dinastia de Bragana. Os prncipes reais acompanham o cortejo
at porta do palcio, e ao deporem o cadver na carruagem
toda a gente se inclina profundamente, e quebram-se os vidros
(n') A Ptria pouco chorard com a morte do Prncipe.
fi chorou que baste em vida dele.

Memrias de um Jesuta prsoneiro de Pombal

da carruagem em sinal de luto e dor profunda. Todos os magnates do Reino, a Corte e os conselheiros acompanham o cortejo
a cavalo, de capa negra a arastar por terra; e chegados ao templo,
todos quebram as varas, insgnias da sua dignidade.

Os prisioneiros Jestas, postos finalmente em

liberdade

Em princpios do ms de Maro, o Juiz da Inconfidncia,


Jos Antnio de Oliveira Machado, escreve ao Comandante do
forte de S. Julio, pedindo-lhe os nomes de todos os prisioneiros,
e inquirindo ao mesmo tempo qual a sua culpa. Este enviou-lhe
a lista de todos os Jesutas ali reclusos, e a dos que morreram e

anos de rigorosssima priso, semelhante pergunta dirigida por


Pilatos a Cristo: Que que fizeste ? O que flzemos devia constar
do corpo de delito.
o prprio
No dia 10 de Maro, comparece
rvel enxoMinistro gue, depois de 18 anos a ap
via, pela primeira vez nos interroga; q
Que crime
praticmos ns ?
junto s nossas ce
faz duas perguntas
2. que roupa ser
fim da visita do juiz.
Recebemos fato de luto pela morte do Rei que ali nos sepultara vivos; e como de luto entrmos, de luto nos obrigaram
a salr.
E este o costume dos Portugueses: quando morre o Rei,
todos vestem de negro; no s os cortesos e o pessoal dos tribunais, mas todos os operrios, alfaiates, sapateiros, etc. E at
mesmo os que so pobres tm de usar um sinal de tristeza no

brao, ou no chapu.
At ento fomos por longos anos expostos caoada daqueles que nos viam cobertos duns trapos rotos, com remendos
das mais ridculas cores. A suprema crueldade do tirano troar

Ano de

777

225

da vtima da sua opresso. Esse riso escarninho com que a despreza como as garras do tigre cravadas nas feridas em carne
viva da sua presa.
Exploses de alegria com a libertao dos Jesutas

Mas se Pombal, na maneira brbara como nos tratou, pretendia convencer o povo de que ramos rus dos mais degradantes
crimes, e s dignos de dio e desptezo, enganou-se redondamente.
Apenas constou que as portas do nosso crcere se abriram, foi
incrvel a alegria de toda a gente. No h, palavras que descrevam
as manifestaes esfuziantes das turbas que acorreram de Lisboa
e arredores, qaru nos verem. Exultavam expansivamente com o fim
de tantos males que por longos anos nos oprimiram. Davam-nos
os parabns por termos resistido vivos a tanto sofrimento, termos
ressuscitado enfim do negrume dos nossos tmulos. Abraavam-rros com ternura, mostrando eloquentemente que a profunda
amizade que tinham Companhia ainda se no extinguira nos
seus coraes. Todos desejavam avidamente saber os trabalhos
porque passmos em tantos anos. Quiseram ver com os prprios
olhos a imundcie dos nossos crceres, e palpar com as prprias
mos tudo aquilo que por to longos anos nos atormentou. Nem
se contentaram s com palavras e lamentaes. Homens em altas
funes, eclesisticos e seculares, acudiram em auxlio da nossa
misria. O primeiro foi um Alemo de Hamburgo, que nem catlico era, e nos estendeu uma mo generosa. Tambm entre os
primeiros nos socorreram os Rgligiosos da antiqussima Ordem
do Carmo, e o Embaixador da Austria, Senhor de Lebzeltner, que
quis ficar incgnito. Este chamou todos os Padres alemes, e falou
a cada um com extrema amabilidade, pedindo lhe expusessem
tudo o que precisavam.
Confessou-nos ele depois que ficou estarrecido ao ver o horrvel aspecto desta tenebrosa priso. Tinha ouvido falar da aspereza e imundcie deste lugar. Mas que fosse coisa to horrorosa,
no podia sequer imaginar. Segundo os jurisconsultos, o crcere
foi feito para guarda dos rus. Deveria pois ser minimamente
tolervel, para no se converter em cadafalso de morte lenta. Que
assim foi, provam-rro os 37 companheiros nossos que sucumbiram
a o peso dos sofrimentos, no forte de S. Julio. O ltimo deles foi

224

Memorias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

um Portugus, antigo Reitor do colgio do Par, falecido a I de


Fevereiro de 1777.
Todos estes, com 31 que pereceram no cativeiro de Azeito,
e muitos outros, cujo nmero s Deus sabe, no foram violentamente executados pQr Pombal, mas f-los morrer de morte lenta,
quanto mais lenta tanto mais cruel. Os que escaparam com vida,
tero que the ficar gratos pelo nico benefcio gue, segundo Ccero,
se deve agradecer aos ladres, de lhes ter dado a vida simplesmente porque lha no roubaram.

(nt) O clculo que o Padre Eckart aqui nos apresenta est longe de ser exacto.
Eis os nmeros oficiais apresentados por trs magistrados encarregados de fazer um
inqurito a este respeito: O nmero dos prisioneiros, ou exilados nas colnias, ou
executados por ordem do Ministro eleva-se a 9.640, entre os quais se contam 3.970,
a quem se no pode imputar crime algum. Pombal tinha por cmplice da sua tirania
o Tribunal da Inconfidncia, que ele criara parajulgar os crimes de lesa majestade,
e constitudo por homens totalmente subservientes e executores cegos da sua vontade.
(C. Mmoires de Pontbal, t. IV).
Entre as vtimas que escaparam com vida aps a morte de D. Jos, uma das principais foi o Bispo de Coimbra. Depois da queda do Ministro, procurou-se por todai
as cadeias do pas o Bispo D. Miguel da Assuno, sem resultado algum. S depois
de consultado o prprio Pombal foram dar com ele num calaboio subterrneo do
forte de Pedrouos, apenas com trs ps de largura e sete de comprimento. A cobri-lo
pouco mais tinha que a barba extraordinariamente longa, com uns mseros farrapos.
Ao aparecer luz do dia, confessou que sem a caridade do seu guarda, que lhe ia
dando algum alimento, teria morrido de fome (Cf. Carayon, p. 309).

l''lossa Senhora da Fronte Inclinada. Esta imagem encastoada

num grande caixi-

lho metalico e em parte revestida a brocado, encontra-se actualmente na igreja de


S. Incio de Essen, na Alemanha, desde 1936. Foi levada para o Brasil (Misses
da Arnazonia), em meados do sec. XVIII, pelo P. Martinho Schwarz, da Baviera,
a que frequentemente se refere o P. Eckart. Ao voltar preso para Portugal em 1760,
por ordem do Marqus de Pombal, trouxe de novo consigo a imagem e consigo a
levou para as prises de S. Julio. Diante dela faziam os Jesutas as suas devoes
e celebravffi, quando lhes era permitido, a Santa Missa. Como o P. Schwarz foi
dos poucos que saram vivos em 1717, aquando da queda de Pombal, foi provavelmente ele mesmo que a levou consigo novamente para a Alemanha. (Vem reproduzida no Cat. Prov. Lusitanae, rnennte anno 1905).

Planta do Forte de S. Julio da Barra e quadros com os nomes dos padres

jesutas prisioneiros naquela fortaleza, libertados em 1777 ou l falecidos. Como se


v pelo quadro, o P. Eckart ocupava a cela 28. (B:N.L., Cartografia, l.o' l; Cat. prov.
Lusitanae, ineunte anno 1892; e em Marqus de Pombal, Bibliografia, Iconografia,
B. N. L., 1982, p.320 C. D.).

Ano de

1777

22s

Exploso do dio popular recalcado contra Pombal

O Conde de Sampaio,

casado com

a fllha mais velha de

Sebastio de Carvalho, indo por esta ocasio a sair de casa, foi


obrigado a regressar a toda a pressa, porque a plebe alvorotada
lhe estilhaou pedruda os vidros do coche. S conseguiu voltar
ileso, disfarando-se com a libr do seu lacaio.
prp,rig Marqus, com coscincia dos seus crimes, no
ignorava o dio que o povo lhe tinha. Passeando um dia szinho
pelas ruas de Oeiras, escorregou, e a custo se equilibrou de p,
exclamando : <<Que contente ficaria este povo se eu me tivesse estatelado>> ! Com o peso dos anos, costumaya andar apoiando a mo

sobre o ombro do criado de quarto. Mas o grande apoio a que


costumava sempre encostar-se eta o Rei. Perdido este, a queda
era fatal.
O dio fremente contra Pombal dum povo que por tantos
anos tinha sido amordaado pelo medo, a ponto de nem se atrever
a abrir a boca, irrompe agorq retirada a mordaa, apregoando
aos quatro ventos todos os seus crimes. IJma dcima parte de
tais crimes bastaria para ele merecer a condenao mais severa,
e at a prpria morte. Isto era o que a atrocidade dos seus crimes
e a justia deste Reino exigiam.
Nem os habitantes de Oeiras perdoaram ao Marqus, a quem
antes adoravam de joelho em terua, como seu supremo senhor.
Ouvi uma vez um fastidioso panegrista de Marqs, que antes
se desfazia em bajulaes paru com ele, falar dele agoa em termos deprimentes. Num s ms aparcceram publicados contra
ele tantos panfletos mordazes como os que ele espalhaa contra
os Jesutas. Houve algum que fez uma recolha de muitos deles,
e fingindo-se de portador do correio oflcial enviado de Lisboa,
os levou em pacote fechado vila de Pombal, onde o Marqus
se encontrava desterrado. Avistando-o ao longe numa curva da
estrada, Sebastio Jos persuadiu-se que ia de novo ser chamado
para o govertro, e pensou consigo mesmo: <<Bem dizia eu que o
Reino no pode ser governado sem mim. Sau logo ao encontro
do correio, e remunerou o portador com uma moeda de 16 florins,
despedindo-se este imediatamente para tomar o caminho do
regresso.

15

llemorias de um Jesuta prisione;ro de Pombal

226

Pombal no desterro
Quem poderia acredit-lo? J removido do seu cargo, que
to tiranicamente exercera, o Marqus e dgia ainda para si as
honras da antiga dignidade. Na vila de Pombal mandou paa a
cadeia o carniceiro por este se recusar a vender-lhe carne fresca.
O mesmo fez ao se prprio mdico, por no ter vindo v-lo
no dia determinado. Ambos eles foram postos em liberdade

por mandato

rgio.

As cartas que nos chegaram contavam que ele logo nos primeiros dias do seu desterro em Pombal,
tar-se de ter sido atirado para um canto
em Lisboa que rejubilava a5oa por se ver
se lhe apodeaa das propriedades, que vi
sagrados e profanos, que destruira cruelmente tantas vidas. E
este homem j decrpito, octogenrio, sonha e devaneia como
se tivesse longos anos de vida diante de si
Os Jesutas retomam os seus Ministrios
Depois de tanto tempo de forada inaco, alcan ada a liberdade que o Rei D. Jos em vida nos roubou e com sua morte nos
restituu, comemos de novo a exercer os ministrios da Companhia, no s na parquia de S. Julio, mas n
es circunvizinhas, e at na prpria cidade de
rimento que frz ao Patriarca eleito escrevia eu
elle suplicante, que pertende agora por servio de Deus e bem do

prximo, exercer

os

Sua Eminncia de
uzar das suas ordens,
de tres onnos. Lisboa,
Quando pelos jornais constou na Alemanha a notcia de eue,
sob o felicssimo reinado da nova Rainha, todos os prisioneiios,
tanto religiosos como seculares, tinham sido restitu-dos liberdade, comearam a chegar cartas de irmos, parentes e amigos,
a indagar se os seus ainda estariam entre os vivos. Tambm eu
recebi uma carta dum dos criados do Embaixador de Portugal
junto da corte do imprio austraco.

Ano de

1777

227

Aclamao de D. Maria

e do Prncipe Consorte

13 de Maio foi a data da aclama,o solene da Rainha e do


Rei que Deus escolheu para salvar o povo, acabar com os escndalos, e apagar todos os vestgios d mais nefanda tfuania. No
Calendariolo Tridentino podem ler-se estas palavras: Portogallo:
Pietro III di Byaganza Re, n. 5 Lugl 1717, coronato 13 Mag. -1777,
Gran Mastro dell'ord. de Cavalleri di Cristo. Mas os reis de Portugal
no costumam ser coroados; so apenas aclamados.
O povo, ainda a arder de justa indignao pela desum ana
opresso que por tantos anos sofrera, exigia a cabea de Pombal.
Os Reis, porm, recusaram-se a obscurecer com derramamento
de sangue o brilho das alegrias pblicas daquele dia.
No fora a admirvel brandura daqueles dois prncipes e a
moderag -e equilbrio do seu governo, Pombal estria perdido.
Estas qualidades foram eloquentemente exaltadas, como eiajusto,
no panegrico do dia da aclamao.
A verdade que Pombal tem ainda na Corte defensores em
homens que nela ocupam os primeiros lugares: os dois Secretrios
de Estado, Aires de S , e Martinho de Mello e Castro, o confessor
Frei In
aetano, Carmelita, Bispo de
em cont
cruel rigor de Pombal, propiedade
no nimo da Rainha. Cobedas trs
ceses erectas por Pombal, e desmembradas das antigas. Pio VI ordenou que todos os Bispos
fossem residir nas suas dioceses. Mas a Rainha insistiu em que
o Bispo de Penafiel mantivesse na corte o seu lugar.
Celebra-se pela primeira yez em Portugal
a Festa do Corao de Jesus

No mesmo ano, celebrou-se pela primeira vez em Portu Eal,


tanto pelo clero secular como pelo regular, a festa do Santssimo
Corao de Jesus, na sexta-feira depois da oitava do Corpo de
Cristo. O ofcio recentemente impresso ela precedido pelo decreto
do Nncio Pontifcio, que comeava assim:
Cum nuper Sanctissimo Domino nostro Pio P.P. VI a serenissima Domina Maria, Portugalliae, et Algarbiorum Regina Fide-

Memorias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

228

lissima, preces porrectoe fuerint pro recitatione etiam in suis dominiis obtinenda Officii proprii cum Missa Sanctissimi Cordis Jesu...
DAt. Lisbonae, in aedibus nostrae Residentiae, die 16 Maii L777.

B. Arch. Petren, et

Nuntius Apostolicus,

Franciscus Palomba, Secretarius.

Olisipone, ex tipographia regia, anno 1777.

O Nncio chamava-se Bernardino Muti; nascera em Roma


a 24 de Abril de 1732, e fora nomeado Arcebispo de Petra, a 13
de Setembro de 1773.
Este ofcio foi promulgado pelo Patriarca, por um edicto
que comea assim:
Fernando, Presbtero Principal da Santa lgreja Lisbonense,
Silva, Patriarcha electus Lisbonensis, a todos os subditos deste
Patriarcado, saude e paz.
Fao saber que a Rainha Fidelissima, nossa augustissima Soberona) movida da singular e cordialissima devoo que juntamente
com ElRey Fidelissimo nosso Senhor tem e mostro, ha muitos
onos) ao Santissimo Corao de Jesu Christo nosso Salvador...
Dado em Lisboa sob o meu signal e sello das minhas Armas,
aos 22 de Mayo de 1777.
F. Patriarca eleito:

Na fficina
-Wesa de Antonio Rodrigues Galhardo, Impressor

Real

da

censoriA.

Proclamou depois que o mesmo dia do Corao de Jesus


seria guardado como Dia Santo de Guarda: Condescendendo
com as piissimas e religiosas intenoens) e ordens de suos Majestades, ordeno que daqui por diante o dia em que se rezar da ditafesta...
seja de guarda.
Restitui-se a oao prpria no brevirio ao nclito Fundador
da Companhia de Jesus, bem como a S. Francisco de Borja, que
de novo foi proclamado Patrono do Reino, com rito de l.u classe
e oitava, como havia sido j em 1757. As honras que Pombal
roubara a estes e outros Santos, foram-lhes agoa restitudas.
Em resumo: apenas D. Maria e D. Pedro subiram ao trono,
a autoridade eclesistica que sob o regime de Pombal tinha sido
obscurecida e vilipendiada, revestiu o antigo esplendor. O Nncio
Apostlico assumiu a sua influncia sobre o clero. Os Superiores,

Ano de

229

1777

que no tinham sido canonicamente eleitos, foram depostos. Entre


eles, o Geral dos Bernardos (n'), parente de Pombal, que foi condenado a priso no mosteiro durante 6 anos. Foi tambm obrigada a abdiCa a irm de Pombal, Dominicana, gue depois do tera-

moto de Lisboa foi nomeada Prioresa dum convento, cujas


religiosas, vindas de vrios mosteiros, a temiam, mas no
amavam.

Prisioneiros regressam vida

Uma yez em liberdade, fomo-nos expondo pouco a pouco


ao ar livre. Primeiro, passeando somente dentro do forte; depois
circulando pelos arredores. J no princpio do ms de Junho, eu
escrevera ao Ministro do Imperador, prometendo-lhe que em
breve o faria mais longamente. Efectivamente, no dia 12 do mesmo
ms fui eu prprio ter com ele. Recebeu-me com toda a gentileza
a mim e ao meu companheiro, e sentou-nos amigavelmente sua

lauta mesa.
No dia seguinte, navegmos paru Lisboa nas guas mansas
do Tejo, que eu no via j desde Fevereiro de 1762. Nesta viagem
descobri junto margem do rio uma grande gruta cavada pelo
terramoto de 1 de Novembro de 1755, na qual agoa se refugiam
os barcos pequenos para se abrigarem das tempestades. Na cidade
visitmos antigos conhecidos e amigos, entre os quais uns Alemes
da Ordem dos Carmelitas Descalos. Era o dia de Santo Antnio
seu Reformador, no porque o estimasse e admirasse, mas porque
o temia, tambm a mandou demolir. At o prprio Comandante

(n') O Geral dos Bernardos projectara fugir com o P. Mansilha,

Provincial dos Dominicanos. Estava prestes a levantar ncora o navio que


os devia transporta, quando receberam ordem de priso. No quarto do
P. Mansilha encontraram-se mais de 100.000 cruzados em moedas, provenientes sem dvida do cargo que desempenhou de Director Geral da
Companhia dos Vinhos do Porto. Tambm ele foi afastado para um pequeno convento da sua Ordem. (Anedd. t. II, p. 224)

Memrias de um Jesuita prisione;ro de Pombal

Pdua que os Portugueses chamam Santo Antnio de


Lisboa, assim como chamam Antoninhos aos Franciscanos. Na
igreja do convento celebrava-se a festa com Missa solene e serde

mo,

direita do altar-mor est o caixo de Maria Ana de ustria,


D. Jos, coberto com uma rica colcha de sed , a sobre
ela um enorme diadema real. Esta piedosssima Rainha a fundadora deste convento de S. Joo Nepomuceno, e aguarda h j
23 anos a construo dum mausolu, embora tenha deixado em
testamento todas as suas preciosssimas jias Casa de Bragana: testamento cuja cpia eu possua e me foi roubada em
Almeida.
Passados 22 anos, nenhuma das igrejas destrudas pelo terramoto est totalmente reconstruda. Na igreja do nosso colgio
de Santo Anto vi dois canteiros, guo, a continuarem no mesmo
andamento, nem ao flm de um sculo acabar,o a obra. S uma
nova igreja foi levada ao f,m
a de S. Francisco de Paula, dos
- de
Frades Mnimos de S. Francisco
Paula, construda pela Rainha
viva.
As trs maiores praas recentemente edificadas, todas com
prdios de quatro andares, so belssimas. Uma delas, com a
esttua equestre de D. Jos f, de costas voltadas para a cidade,
a fitar o Tejo. Perguntado-se a um portugus porqqe que o rei
estava a olhar pata o rio, respondeu que era para ver se das Quatro
Partes do Mundo poderiam vir mais riquezas para o reino. O
medalho de Pombal colocado no pedestal j, no mete medo a
ningum. Acerba ferida foi para o Marqus ver removida a efgie
daquele que sustentava em seus ombros a monarquia de Portu Eal,
e tinha nas mos os destinos do Reino. A sua figura no fora
simplesmente gravada no bronze, mas fundida, o que muito dificultou a sua remoo. Em seu lugar foram gravadas as armas da
cidade, com esta inscrio a letras de oiro : Senatus Populusque
Ulyssiponensis Josepho f , Regi Fidelissimo, Augusto, Pio, Patri
Patriae, novae Urbis aedificotori, in perpetuae gratitudinis monu,mentum, adiuvante Marchione Pombalio, Equestrem hanc statuam,
ex aere fusam, erigi curavit. O povo gue na sua fria anti-Pombalina lhe apedrejara o medalho, e lhe atirara lama, tefia apeado
o cavalo e o cavaleiro, se a Rainha no tivesse mandado retirar
a efgie do Ministro. S fi.cou por apagar o nome dele.
A universidade de Coimbra que levantaa uma esttua ao
seu Reformador, no porque o estimasse e admirasse, mas porque
me do Rei

Ano de

1777

23t

o temia, tambm a manclou demolir. At o prprio Comandante


do forte de S. Julio removeu o busto do seu benfeitor, que tinha
exposto no seu luxuoso gabinete.
A morte civil do Marqus foi dar vida a muitos civilmente
mortos e sepultados nas enxovias do Reino. Entre eles, Antnio
Freire de Andrade Encerrabodes, que por muitos anos fora embaixador em Cortes estrangeiras, e depois encerrado por Pombal
numa horrvel cela do forte da Junqueira. A Rainha, justa vingadora da liberdade oprimida, e remuneradora das virtudes desprezadas, galardoou-o com o ttulo de Chanceler-Mor do Reino.
A 2l de Junho de 1777 , o ex-Assistente de Portu gal Padre Joo
de Gusmo escreveu-lhe uma efusiva carta congratulatria.
Eckart troca as masmorras pelo palcio do Embaixador da ustria
No dia 27 de Junho, depois da refeio, eu e todos os meus
companheiros alemes recolhemos as nossas coisas, demos o
ltimo adeus tristemente famosa Torre de S. Julio, e dirigimo-nos ao palcio do Embaixador Imperial, situado na Junqueira,
com um panorama maravilhoso sobre o Tejo, sem nada que possa
impedir a vista das naus que entram ou largam a barra. Ficando
ele a meio caminho de Belm, constante, dia e noite, o trfico
de cavalos e carruagens de toda a espcie.
No dia seguinte fomos visit lr o Nncio Apostlico, que nos
recebeu com toda a cortesia. A capela pblica vizinha do palcio
da Nunci atuta, onde sempre se venera o Santssimo Sacramento,
estava magnificamente enfeitada paa a prxima festa de S. Pedro
e S. Paulo, guo costumava celebrar-se ali com a presena dos
embaixadores estrangeiros.

Convidou-nos ele ainda a um novo encontro juntamente


o Embaixador da ustria. Ali, conversei com um oficial
superior que me perguntou por um Jesuta portugus, nobre de
nascimento e seu parente, que havia sido preso
e cujo paradeiro j de h muito procurava inuti
A prpria Rainha mandara pesquisar todas as n
de Pombal, mas em vo. Passados j quatro meses, ainda se no
conseguiu encontrar-lhe o rasto. Costumava Carvalho e Melo
transferir com frequncia as suas vtimas de crcere paa crcere,
de modo a apagar as pistas do seu paradeiro.
A Cgndessa de Ega, visitando um dia a esposa do Embaixador da ustria que nascera em Madrid, filha de pais franceses,

com

232

Memrias de um Jesuita prisione:ro de Pombal

java a Condessa de Ega


que ea grande
da Companhia
- filho um Jesutaamiga
ter po.r preceptor de seu
que fosse perito em
-matem tica.
E realmente surpreendente o empenho de tantos homens da
primeira nobreza em conflar aos Nossos a formao religiosa e
cientfica dos seus filhos. At aos libertos da Torre de S. Juliao
recoriam, e voltavam em lgrimas quando o 'seu pedido no
podia ser atendido. Eu mesmo fui por duas ou trs vzes instado
por vrias pessoas neste sentido.
Poucos dias antes da no
horas da
tarde, ateou-se fogo a bordo
ou sueco,
ancorado no porto de Lisboa.
iros sado
a passeio, ficara apenas um apaz impotente para extinguir o
mpeto das chamas. S muito tarde chegaram os tripulantes da
nau, que em vo ttavaram combate com as labaredas. S restava
livrar do fogo as outras naus, afastando delas a que ardia. Desviada para a Junqueira e Belm, ofereceu, pela- tarde e noite
fora, um espectculo infernal aos nossos olhs.

Eckart embarca para Gnova


Depois de 17 dias passados no palacete do Embaixador, gue
nos tratbu lautamente, inais como filhos do qug como hospdts,
tendo recebido de sua esposa roupa e tudo o mais que ea preciso
para a viagem, embarcmos na tarde de 13 de Julho, nua nau
que ia fazer-se vela para Gnova. Dois dias depoig, recebemos
o nosso passaporte, assinado p olo Embaixador da Austria, com
data de 15 de Julho de 1777 .
Aguardmos ainda no porto, espera de vento favorvel,
e s a 19 de Julho levantmos t,ncota, fazendo-nos ao mar alto,
tendo de pagar o costumado tributo a Neptuno. O navio holands
em que navegmos, chamado See-post, singrava lentamente a
passo de tafiaruga. O Capit,o chamava-se Carlos Cristiano
Bnsow. Copiara j, por trs vezes toda a Bblia, declarou ele,

Ano de

1777

gastando trs anos neste hercleo trabalho. E bem o mostraya


nas conversas pelas frequentssimas citaes das Escrituras que
delas fazia.
Como o navio no transp ottava mercadorias , caegaram-lhe os pores com areia, que tinha si{o recolhida em canoas,
pagando trs florins por Cada uma. nossa partida, s d
Yeneza havia 20 naus ancoradas no porto h mais de um ms,
espera de mercadoria, porque Pombal, por causa da guerra
espanhola na Amrica, por ele mesmq provocada, chamara paa
as cidades os escravos negros que cultivavam os canaviais donde se extrai o aitcat.
Um dos nossos Procuradores das misses ultramarinas testemunha que s do Brasil se carregavam cada ano 30.000 caixas de
acitcar, com destino a Lisboa. Por cada uma pagava-se I florim
aos carregadores galegos que as transportavam para os armazns.
H uma associa
vindos em grande parte
da Galiza, cujo
eles, de certo em certo
tempo, o dinheir
os. A casa onde se armazeruam todas as mercadorias que chegam ao porto de Lisboa,
chamam-lhe os Portugueses Alfndega, que uma palavra de
origem rabe, como todos os termos portugueses comeados por
al: almofada, almude, almotolia, almanaque, etc.
Voltando minha viagem martiffi, tive nela por companheiros seis Alemes e Hngaros, e cinco Italianos. Cruztmo-nos
com no poucos navios. Entre eles um ingls vindo de Londres
para Cdis i a, j perto desta cidade, dois navios espanhis, que
nos obrigaram hst eat a bandeira. Barcos de pesca eram numerosos.
Passmos to perto do Reino de Marrocos, que vamos distintamente a olho nu os seus altssimos rochedos. L se podia
admirar no alto a fortaleza de Ceuta (N. A. *).
Desta yez, to perto da costa de frica, j, pudemos livremente estender os olhos pela cidade de Gilbraltar com as suas
fortalezas. Os antiggs chamavam-lhe Calpe, uma das colunas de
Hrcules, frente a Abila que a outra coluna na costa africaf,,
(N.4. ,) Ceuta, ou Cepta, uma cidade fortificada do reino de Fez,
aos Portugueses, e passou aos domnlos de Espanha

que pertenceu
em 1578.

Memrias de .tm Jesuta prisioneiro de Pombal

com um monte e uma cidade da Mauritnia. Tambm pudemos


distinguir as montanhas sobranceiras a Granada, cobertas de
neve em pleno vero.
os uns golfiAo longo da costa esp
nhos, que com movimentos
cauda ofereeles so freciam aos nossos olhos um
quentemente prenncio de tempestade. E ela cau efectivamente
sobre ns. De noite passvamos perto de lbiza, uma das ilhas
Pitissas (Baleares), ao largo da costa de Espanha, que derivam
o nome da palavra grega pitus pinheiro, por abundarem
ali estas rvores, quando desabou sobre ns uma tal tormenta,
gu, se a divina Providncia no tivesse manejado o leme, teramos acordado todos na Eternidade. O arrais errara o clculo ao
supor que s na manh do dia seguinte atingiramos a zona dos
perigosssimos baixios de areia.
No dia 26 de Julho, corremos perigo de novo cativeiro. Surgiu-nos em frente um navio de piratas, vindo no sei donde. O comandante da nossa nau hasteou a bandeira holandesa, e procurou
pr-se em comunicao com eles, mas debalde; nenhuma resposta obteve. Pas
turco, sem nos in
a bonana, numa
Mas a 31 de
O vento soprava to forte,
apagou o lampio da proa, e a nau com
grande risco de
naufrgio. Eram duas horas
urido da noite,
com a escassez dos marinheiros, mais aumentava a gravidade do
perigo. O capito estava indeciso sobre a direco a tomar.
Chegada

a Gnova

Felizmente, escapmos ilesos, e a 6 de Agosto, ao pr do sol,


chegmos vista de Gnova. Mas amainando totalmente o vento,
para. evitar.o perigo da agitao violenta das ondas, tivemos de

servir-nos de lanchas puxadas por cordas at ao cais. No dia


seguinte, acorrendo muito povo nossa chegada, terminmos a
viagem depois de 19 dias, dando louvores e graas a Deus. Os
Genoveses, ao ver chegar uma nau de Lisboa, convenceram-se
que teria sido enviada paru transportar sua pfiia os Padres
portugueses exilados na I.tiia. A nossa residncia ea num quarto

Ano de

235

1777

andar, t,o alto, que mal podamos assomar janela sem sentir
vertigens. O sol era to quente que quase nos sufocava.
O Arcebispo de Gnova recebeu-nos no dia 8 de Agosto com
primores de delicadeza. Ao saber que cerca de 250 Jesutas estiveram por tantos anos encarcerados nas masmorras de S. Julio,
da Junqueira, e de outras prises, sem que durante todo esse tempo
se lhes provasse qualquer culpa em processo judicirio, exclamou
num mpeto de admirao: Que horrvel injustia! Tantos sacerdotes sem nunca serem ouvidos, nem se lhes dar possibilidade
alguma de defesa, cortados do convvio dos homens e artancados luz do dia para serem sepultados nas trevas imundas dum
crcete, vivendo uma vida de toupeiras, ou antes, sorvendo aos
poucos o travor duma morte lenta!
A Ccero, o prncipe dos oradores, bastou-lhe o lume da
raz,o para aflrmar que o crcere foi a vingana que _o_s nossos
maiores encontraram paa os mais nefandos crimes. Mas quais
so os nefandos crimes que a Companhia praticou ? Deus tudo
sabe; mas inquiriu os rus paa ensinar ags .magistrados e juzes
como devem portar-se nos processos criminais. Ado pecata.
Mas o divino Juiz no o expulsou do Paraso antes de o ouvir,
e de ele se declarar culpado. Se dez anos passados numa cadeia
parecem uma vida, 18 anos desta nossa curta vida passados em
to negro e cruel cativeiro parecero mais duros e acerbos que
a mesma morte.
nossa despedida, o Arcebispo, juntamente com a sua bno,
concedeu-nos faculdades paa ouvirmos confisses entre ns e
celebrarmos.
Vivem nesta cidade uns 150 dos Nossos, espanhis, alm
de um ou outro portugus. Todos eles nos honraram com as suas
frequentes visitas. Os quatro senadores que ali administram os
bens da Companhia so-lhes muito pouco simpticos. Na casa
qyq outrora foi Casa de Exerccios, conhecida por Carignano,
viviam juntos trinta Jesutas.
Prossegue

a viagem por Milo

A 12 de Agosto empreendemos a viagem por terra, dois a


dois, em trs carruagens. O P. Keyling juntou-se a cinco Italianos
que se dirigiam a Roma, onde permaneceriam por um tempo.
A atmosfera carregada pressagiava tormenta e tiveram de esperar

Memorias de um Jesuta prsione:ro de Pombal

por um tempo mais favorvel. No dia 14, chegmos a Milo.

Passados trs dias, os nossos companheiros austracos tomaram


o caminho paa Viena. Entre eles ia o Padre Unger, de Egra, da

provncia da Bomia, que tinha sido por longos anos missionrio


no Paraguai. Este, quando acompanhava os seus nefitos na transPortu Eal, foi
estrita priso
foi transporde por muitos
anos permaneceu entre ladres e salteadores, na companhia da
mais nflma ral, em privaes tais que muitas vezes o levaram
s portas da morte. No lhe tendo sido concedida penso alguma
para o seu sustento, viveu de esmolas na mais extrema misria.
Durante trs anos, s teve por leito dois sacos de coiro, que ele
mostrou aos Milaneses. Tudo isto, e muitas outras coisas trgicas por ele narradas, podem parecer inverosmeis, impossveis
de acontecer numa nao culta. Mas contra factos no h argumentos.
Fomos tratados com mais humanidade pelos indgenas brasileiros acostumados vida selvagem do mato, do que pelos Europeus que se diziam civilizados. Se tivssemos sido prisioneiros
dos Turcos, ser-nos-ia permitido celebrar e pedir esmola. Mas
isto negava-se aos reclusos de S. Julio.
Uma vez postos em liberdade, contaram-nos ainda este caso
horripilante, que foi publicado na gazeta, de um religioso da
Ordem de Santo Agostinho, euo, estando cativo com um confrade
da mesma Ordem, adoeceu gravemente, e veio a expirar. No
consta se se chegou a chamar o mdico ou o capelo. O certo
que veio a morr
ro, e, abandonado
o cadver na cela
removesse paru lhe
dar sepultura. Foi
paa evitar o cheiro
nauseabundo da corrupo, se viu obrigado a remover como
pde a terca da sua lbrega masmorra a fim de lhe dar uma menos
indigna inuma,o. S neste ano de 1777, o mesmo Religioso desencompanheiro de priso, e os levou
tura. Quem pode deixar de sentir
dade!

Mas no generalizemos. Apesar de tudo isto, com taz,o fazia


notar um oficial portugus ao P. ThomaL
dos quatro Aus- um
tracos
que ao voltar paa
no pal cio do Marqus de Angeja,
a sua Ptria
no atribusse tanta maldade a todos os Portugueses,

Ano de

1777

mas a atribusse a um s, que foi Pombal. Foi s ele que com


inaudita .pervgrsidade atorentou cruelmente por tants anos
homens de toda a classe e condi,o.
Este Marqus de Angeja era o segundo Secret rio de Estado.
O primeiro era o Visconde de Vila N-ova da Cerveira e Ponte de

Pacho. .Todos estes ofcios pelos dois Secretrios de Estado, alm

de muitos outros, tinham sido conjuntamente

Pombal.
Prossegue de

MiIo para Munique

exercido-s por

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

A 27 de Agosto, chegmos a Munique e, depois de poucas


horas passadas na hospedarra, os Nossos levaram-nos ao Orfanato da cidade, sendo recebidos com suma delicadeza e caridade.
Todos porfia nos queriam acolher. Pelo espao de doze dias
que ali prmaneci, entontrei lauta mesa em casa de amigos da
nossa Companhia, entre os quais o Conde de Salerno, o Chanceler
da Provncia, e outros.
A 31, tivemos a honra de ser apresentados ao Eleitor da
Baviera em Nymphenburg, que fica a mia hora da cidade, pelo
P. Engelberto Belasy, antigo Reitor do colgio de Muniquo, e
actualmente confessor daquele serenssimo Prncipe. Fomos tambm recebidos pela sua esposa, acompanhados pelo P. Carlos
Viel, confessor dela. Visitando com piedosa curiosidade o oratrio desta Princesa da Saxnia, admirei as preciosas relquias
de Santo Incio e de S. Francisco Xavier, com as formosas imagens dos dois anglicos jovens S. Lus e do Vener vel Joo Berchmans. Comemos com os Padres da Corte, euo so todos da
Companhia. Acabada a refeio, vimos do alto duma tribuna os
trs Prncipes da Baviera que jantavam aos suaves acordes da
orquestra. Ao notarem a nossa presena, saudaram-nos amigavelmente com um gesto de mo.
O parque adjacente, que leva mais de uma_ hora a percorrer
de lado lao, tiem digno de se ver e admirar. uma maiavilhosa
diverso passear por aquelas longas alamedas, ou navegar por
aqueles cnais. Com taz,o se diz que as Ninfas, que do o nome
de Nymphenburg a este lugar, atradas pelo murmrio suave das
guas, estabeleceram aqui o seu castelo.
No dia seguinte, por ordem do Eleitor, o tesoureiro mostrou-nos o palcio de Munique, com o seu riqussimo tesoiro. Entre
muitas outras preciosidades, pudemos. ver u.m- plgueno_ altat,
diante do qual costumava orar na sua priso a piedosssima Ranha
Maria Stuart. A capela do palcio guarda relquias insignes rarssimas. Podem venerar-se nela, entre outras ) a mo de S. Joo
Baptista
e a de Sant'Ana. Conserva-se l, tambm num relicrio
de oiro uma carta de Sto. Incio de Loyola paa Guilherme,
Duque da Baviera, com uma disciplina. uma navalha e um garfo
que foram usados pelo Santo Fundador.
E que dizer de tantas estt
de tantas obras de afie esparsas
beleza e amplitude parecem te
salo de pera ? A igreja da n

Ano de

1777

por si, paa imortalizar o Duque Guilherme, seu fundador que


nela jaz sepultado no meio da capela-mor, apenas com esta
inscrio escolhida por ele mesmo: Domine, dum veneris iudicare,
noli me condemnare. Todo o servio religioso daquele templo
est a catgo dos Nossos. Ouvem as confisses como antes, e pregam ao povo nos domingos e dias santos. Eu mesmo assisti
a dois sermes. As seis principais festas dos nossos Santos so
soleni zadas com Missa cantada e o seu panegrico. Organizam
Exerccios Espirituais, e so confessores ordinrios e capeles
nos conventos de religiosas, e continuam como antes a pregar
misses rurais com enorme fruto. O P. Bonin que est frente
da Residncia da Congregao Mariana da cidade. A capela

desta Congregao clebre pelas pinturas e decoraes artsticas.


Um dos conselheiros da Corte, Janson de la Stockh, Ingls
de origem, guo frequentara por cinco anos as aulas de um
dos nossos colgios, levou-nos de carruagem a visitar o enorne
palcio dos Duques da Baviera, em Schleisheim, trs horas distante de Munique, apoiado sobre colunas de mrmore, com
imensa variedade de artsticas pinturas cuidadosamente coleccionadas pelos Duques da Baviera; quadros famosos de Rubens,
entre os quais o seu prprio auto-retrato com o filho e sua mulher;
muitos de Alberto Drer de Nurembet3, e tantos outros.
No dia 9 de Setembro, tive de largar aquela cidade que me
cumulou de tantas delicadezas, e dizer adeus ao P. Schwartz, meu
inseparvel companheiro de misses e de cativeiro, paa me pr
a caminho de Augsburg. Hospedei-me no colgio, cuja comunidade constava de 30 Padres e l0 Coadjutores. O Reitor tinha
sido nomeado em 1770, e confirmado pelo Eleitor de Trveris. Era
o Padre Joseph Mangolt, cuja obra fllosfica foi impressa em
Ingolstadt, em 1755. As aulas so ainda muito frequentadas. Os
nossos Padres trabalham ali como nos tempos passados, e so
apreciados e estimados por toda a gente.
No dia 15 de Setembro, dirigi-me a Bambega, no certamente em viagem de recreio, pois j estava cansado de tanto viajar,
mas simplesmente pelo desejo de me encontrar com amigos que

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

No posso deixar de recordar aqui um dos Nossos da Provncia da Baviera, o P. Joo BaptistaL. B. Hornstein, hoje Cnego
Capitular da igreja Elvacense. Tinha sido secretfuio em Roa
da Assistncia Germ nica. Contou-me a maneira como a Companhia fora expulsa de Espanha; e a suanarao concorda exactamente com o que eu tinha j ouvido ao chegar Baviera.
Ainda a expulso dos Jestas de Espanha

Havia j muitos anos que os inimig s da Companhia na


Corte de Madrid lanavam mo de todos os meios paa lhe denegrir a fama, acusando-a de perturbadora da paz-pblica. No
dando o Rei ouvidos a tais calnias, recorreram ent{o a um estratagema infernal. Escreveram um libelo em que tentaram provar
que o actual Rei de Espanha no ea filho legtimo de Filipe V.
Por conseguinte, a Coroa no lhe pertencia a ele, mas sim a seu
irmo D. Lus. Inventaram que foi um Jesuta o autor deste opsculo. Para fundamentarem a calnia deste venenoso opsculo,
dobram-no maneira duma catta, com o endereo pata Reitor
do Colgio de Madrid. Com diablica astcia, escolhem a hora
em que sabem o Reitor se encontrar, na capela paru a recitao
comunitfuia das Ladanhas. Precisamente ento, enviam um portador com a dita catta, que entrega ao porteiro, retirando-se
imediatamente. Este, para no interromper o Reitor na sua orao,
vai depor-lha simplesmente no quarto. Acabadas as preces, o
Reitor segue com a comunidade para o refeitrio, pois ea a hora
da ceia. Passado um quarto de hora, chegam dois oflciais de Estado,
que em nome da autoridade exigem as chaves do quarto do Reitor
e do Ecnoffio, escudando-se mentirosamente com uma ordem
urgente do Rei. Para despertar a confuso, pem-se a vasculhar
tudo minuciosamente, papel por papel, apoderam-se da carta
ainda fechada que tinha sido entregue pouco antes, e ea a nica
coisa que lhes interessava, levando-a depois ao Rei.
Este fica perturbado, e a princpio duvida, declarando que
preciso examinar tudo cautelosamente, antes de actuar. Mas
os delatores insistem na absoluta urgncia duma actuao imediata,
sob perigo de, com a demora duma devassa jurdica, a notcia se
tornar pblica, e surgir inevitavelmente uma nova sedio que
ponha em perigo iminente a cabea do Rei. O melhor remdio
sufocar tudo logo de incio no mais absoluto silncio, e banir

Forte de S. Julio da Barra, visto do mar. (Archivo Pittoresco, V. 6,

p. 28 1).

1863,

Hoje, o Forte de S. Julio. (Os mais belos castelos de Portugal, Verbo, 1986,
p. t13).

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Frontespcio do Breve de Supresso da Companhia de Jesus Dominus ac Redemptor de Clernente XIV. (B. N. L., F. G. Ms 669; Marqus de Pombal, Bibliografia, Iconogra"ia, B. N. L. , 1982, p. 128).

Ano de 777

241

duma yez todos os Jesutas do Reino de Espanha. O Rei coocordou finalmente. Explica-se assim claramente a razo das palavras com que termina o decreto real de ex lulso da Companhia:
Sua Majestade Catlica guardard sempre ocultas no ntimo do seu
peito as gravssimas razes que o levaram expulso da Companhia de Jesus pora fora do seu Reino.
Poucos anos depois, viajando por trtlia um dos Grandes
de Espanha, ao passar por Ferrara, onde ainda hoje em dia se
encontram muitos Espanhis, tentou investigar se entre eles se
encontraria ainda o ltimo Reitor do colgio de Madrid. Conseguiu dar com ele e, depois de longa e familiar conversa, perguntou-lhe se sabia qual teria sido a causa do seu exlio e dos Jesutas. Respondeu-lhe que a ignorava absolutamente. Insistindo
ele se se recordava duma carta num envelope comprido, que fora
tado,

: :,';
ue recebia, apedir-lhe o seu parecer ffl:
qualquer assunto. Referiu-lhe ento o nobre viajante o contedo
daquele libelo.
Viajando mais tarde por Itlia o Serenssimo Duque de Wurtemberg, chegando-lhe aos ouvidos a narrao -desta hedionda
conjua, para tirar dvidas sobre a sua autenticidade, foi a Ferrara)
e ouviu da boca do prprio Reitor, esta mesma histria exactamente como acabo de a descrever. O mesmo serenssimo Duque
a repetiu ao P. Geiger, que hoje Cnego em Basileia, e quis
mes
fosse divulgada com o seu prprio nome.
conflrmao deste facto, e paa tornar
imp
or dvida, permitiu Deus que eu me encontrasse
com o Senhor de Hornstein, o qual me assegurou que ele mesmo
ouvira em Ferrara do prprio Reitor de Madrid a narrao pormenorizada deste triste acontecimento.
De uma carta escrita de Roma paru o Revmo. Vigrio Geral da diocese de Basileia, Mons. Klinglin, com data de 12 de
Fevereiro:
<O Duque de
escrito ao Rei que el
fora o impulsionad
Companhi, e o prin
o Rei; fora ainda ele
r6

Memrias de um Jesuita prisiondro de Pombal

Paraguai, e que ocultamente cunhara a moeda que andou dispersa por Espanha. Ele com os seus sequazes inventata todas
estas monstruosas calnias contra os Padres da Companhia, paru

o induzir a extermin-la

(uo).

Tentativas inteis para obter a libertao


dos Jesutas Alemes

Antes de eu partir paru Bambega, o Rm.o Bispo desta


cidade recebeu-me na sua residncia de vero, em Seehoff, distante uma hora da cidade, e conversmos longamente. Disse-me
ele, entre outras coisas, eue nos anos da minha priso em S. Julio
da Barra frzera vrias tentativas, usando a influncia de um certo
libertao. At por duas vezes o predeu junto do Rei de Portu gal. Mas
perante a resposta negativa dada em
nome do Ministro, afirmando que a causa dos Jesutas implicava
culpas de tamanha gravidade, que ningum se atrevia a interceder
por eles junto do Rei. Mas interveio Deus, que libertou os inocentes dos grilhes do crcere. A Ele nem a maldade humana
pode resistir. Deste mesmo assunto fiata tambm o P. Incio
Szentmartonyi, meu companheiro de cela no forte de S. Julio,
numa carta que me escreveu de Viena: <No dia 5 de Setembro,
entrmos em Viena, e logo no dia 12, fomos chamados pela Imperatriz: deteve-nos por cerca de uma hora, com suma bondade e
afabilidade, dizendo-nos lhe pedssemos tudo o que quisssemos.
Seria muito longo enumea aqui todas as dilincis que esta
Corte empreendeu para a nossa libertao, e as respostas mentirosas que recebeu.
Contou-nos o Embaixador Imperial em Portugal que ele,
depois da promulgao do Breve de Ganganelli, fez vrias tentativas desde a Corte de Viena para obter a liberdade dos Alemes
presos na Junqueira,junto foz do Tejo; e que Pombal lhe res(u')

Uma outra carta escrita com data de 29 de Fevereiro de 1777, por um dos
Itlia, afirma que a retractao do Duque de Alba feita perante o
Inquisidor Mor, Mons. Filipe Bertran, Bispo de Salamanca, no pode dar margem
meus amigos de

a qualquer dvida. (N.A.)

Ano de 778

pondera que j no tinha Jesutas nos crceres, mas s ladres


e salteadores, e talvez at parricidas.
Nesta minha viagem pela Franc nia, um ou outro que se
dava por perito em coisas de poltica, objectou-me que a fria
de Pombal para com os Jesutas se exarcebou com uma carta de
um deles, estrangeiro, escrita contra o governo do Marqus.
Em primeiro lugar devo dizer que nunca me constou de esrito
algum dos Nossos contra Cawa-lho. Ouvi, sim, que depois da
mrte da Rainha Maria Ana de ustria, se encontiou uma carta
dirigida a ela, em que se criticava o governo do irmo do Marqus,
Governador do Par. No discuto aqui se essa carta existiu ou
quem teria sido o seu autor. Uma coisa que posso certamente
asseguar? qug qo foi o P. Anselmo Eckart, como no faltou
quem quisesse insinuar. A este respeito, recordo apenas que em
1753, o P. Malagrida lhe recomendara escrevesse uma carta
Rainha viva, informando-a do andamento e diflculdades das
misses. O que ele fez extensamente. Mas nessa catta no havia
meno alguma de assuntos polticos. Era apenas um relatrio
dos grandes frutos dos Exerccios Espirituais que se faziam na
Amrica, suplicando ao Rei e Rainha viva a construo duma
Casa de Exerccios a expensas reais, como D. Joo V j tinha
prometido ao mesmo P. Malagrida. Neste ministrio desejava
consumir os ltimos dias da sua vida.
Todos os 45 Jesutas que em 1777 vivamos juntos no forte
de S. Julio, dispersos agora por to diversas regies, s por cartas
podemos comunicar-nos.

4 Jesutas

Portugueses enviados como Missionrios

IIha de

Cayenne

Eis o que uma dessas cartas datada de 31 de Agosto de 1778,


de Augsburg, me rclatava:
A notcia principal que tenho a dar-lhe a dos nossos missionrios enviados recentemente Ilha de Cayenre, perto do
Maranho. O Rei de Frana pedira ao Sumo Pontfice missionrios que entendessem a lngua daquela regio. Mas como a Congregao da Propaganda no tinha ningum nestas condies,
o Papa, com consentimento do Rei, ofereceu-lhe quatro Portugueses dos Nossos, antigos missionrios da Amrica. Chegaram
h pouco a Roma, ro ms de Abril passado, as primeiras cartas

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

com as desejadas notcias. Aportaram Ilha no ms de Novembro,


tendo sido recebidos com toda a benevolncia pelo Governador
Francs, que os tratou generosamente, e lhes deu as necessrias
instrues sobre o novo campo de aco.
Mas o que ainda mais significativo, que os indgenas, ao
v-los chegar vestidos com a roupeta da Companhia, e ao ouvi-los
falar na sua prpria lngua, so sentiram inundados de tamanha
alegria, gue lhes beijav am sofregamente os ps e as mos, e proclamavam em alta yoz que agora, gue voltavam a ter consigo os
que os geraram para a vida de Cristo, que eles iam ser Cristos
a valer. Muito me alegrou no Senhor esta notcia. Adoro os insondveis desgnios da divina Providncia, gue, depois da ignominiosa expulso dos nossos Padres da Amrica Espanhola, Portuguesa e Francesa, permitiu que alguns deles fossem enviados
roupeta da Companhia.
de novo a estas terras,
Depois que os nos
foram expulsos da proa aquela provncia, com
vncia iio Pai, o Mar
o ttulo de Visitador, Manuel da Silva Azevedo, que veio mais
tarde a ser o comandante do forte de S. Julio. Em 1777 contava-nos ele guo, excepo de uma ou outra aldeia mais vizin_ha da
cidade d Par,, todas as mais foram abandonadas, e os ndios
voltaram vida selvagem da floresta. A isto se reduziram as famosas cidades que o irmo de Pombal, Francisco de Mendona
ainda Silva Azevedo que
Furtado, tentou erigir.
reconduzir de novo os fu
em sociedade, s poderim
u).
consegui-lo os Padres da

(u') Entretanto, os Padres Jesutas so substitudos por sacerdotes seculares.


J desde 1755 o Bispo de Par, D. Miguel de Bulhes, que mais tarde, como rcorrpensa do seu zelo anti-jesutico, foi Bispo de l-eiria, planeava retirar aos Jesutas
todas as misses, e confi-las a Padres seculares. Mas foram to veementes as reclamaes de todas as outras Ordens Religiosas, que no se atreveu a pr em ex@uo este

projecto. Aconselhou o Governador da provncia a retirar aos Jesutas o auxlio


pecunirio que recebiam para sustentar as suas misses. Este aproveitou imediatamente a ocasia to favorvel que se lhe oferecia de vexar os Jesutas, e logo
mandou suprimir o subsdio ordinrio que recebiam.
Pediram eles ento que se lhes permitisse contratar quatro homens em cada
aldeia, que por meio da caa e da pesca lhes fornecessem os mantimentos que rcssitavam. Tambm isto Ihes foi recusado. Os Superiores da Misso, totalmente impos-

Ano de

1778

245

Sobre a amizade do Sumo Pontfice Pio VI para com a Companhia, e da sua boa vontade para com ela, nem se pode duvidar.
Mas os adversrios eram ainda muito poderosos. Diz-se guo,
sendo ainda Cardeal, tinha no seu palcio dois Jesutas espanhis;
e Ganganelli no via com bons olhos esta sua benevolncia paa
com eles. Mais tarde, depois de eleito Papa, tendo morrido um
deles, chamou o outro sua Cria, confiando-lhe o encargo de
introduzir os Cardeais s audincias com o Sumo Pontfice. Tal
escolha deu origem a este comentrio jocoso: <<No tempo de
Clemente XIV nem 60 Cardeais tinham poder paru introduzir um
s Jesuta junto do Papa; mas a5ora, uffi Jesuta basta paa intro-

sibilitados de prover ao sustento dos missionrios, declararam ento que se viam


constrangidos a abandonar as prprias misses. Era o que o Bispo pretendia.
Vieram depois para os substituir Padres seculares, na sua maior parte ignorantes
e sem conhecimento da lngpa indgena. Como estes no eram suficientes, vieram
outros de Lisboa, sem se atender s suas habilitaes, nem tendo sequer em conta
a recusa de muitos deles.
O que se deu no Par, deuse do mesmo modo nas outras provncias do Brasil.
Possuam os Jesutas 27 misses na diocese da Baa, 5 na do Rio de Janeiro, 6 na de
S. Paulo, 7 na de Pernambuco. Para substituir os missionrios, a todas elas se envia-

ram Sacerdotes seculares, muitos deles sem piedade nem capacidade alguma, ne(n
conhecimento das lnguas indgenas. Pombal, porm, tudo resolveu com uma simples deciso de que todos os habitantes da selva falassem portugus.
Passaram os novos missionrios a receber 125 escudos do tesoiro real, alm
da casa e mobilirio dos Jesutas, que estes partida lhes deviam deixar absolutamente intactos. Trs Padres que infringiram esta ordem foram condenados ao exlio,
tendo de lhes pagar a viagem para Lisboa o colgio do Par.
Todas as aldeias antigas foram elevadas categoria de vila, e os seus habitantes
receberam ttulos de nobeza e tribunal prprio.
Mas nem por isso os indgenas ficaram mais felizes. Do-nos ttulos bonitos,
diziam eles, mas tiram-nos o po da boca. Os missionrios exerciam gratuitamente
todos os ministrios; e agora a estes, temos de lhes pagar para nos baptizarem, casarem, ou acompanharem os nossos defuntos sepultura. certo que tnhamos de
trabalhar paa os Jesutas. Mas eram s trs horas de trabalho durante cinco dias
seguidos, ficando depois livres por trs semanas inteiras. Contentavam-se eles com
o pouco que lhes dvamos, encontravam ainda com que acudir s necessidades
dos nossos doentes, das vivas e dos pobres. E se ainda alguma coisa lhes sobrava,
tnhamos a consolao de com isso vermos as nossas igrejas e altares mais bonitos.

Memorias de um Jesuta prisione.'ro de Pombal

246

duzir 60 Cardeais. O P. Francisco Storioo, natural de Roma,


um dos meus companheiros nas catacumbas de S. Julio e na
minha viagem para Gnoy, foi por duas vezes recebido em audincia pelo Santo Padre, e contou-lhe em pormenor tudo o que
tivemos de sofrer durante tantos anos naquelas masmorras. Pio VI
comoveu-se profundamente ao ouvir tais horrores. Este Padre
veio a falecer santamente, como santamente vivera, a 14 de Abril
de 1778, na Casa Professa de Roma, onde, graas proteco
do Duque Mattei, seu antigo aluno, tinha recebido alojamento.

Hoje, o nome de cidade que nos dais, e os ttulos de nobreza reduzem-nos a uma vordadeira escravido, sem podermos trabalhar os nossos campos, nem fazer a colheita
das nossas sementeiras. Pois todos os dias somos obrigados a deixar o nosso ttabalho agrcola para construir o que chamais edifcios pblicos, Cmara Municipal,
casa do proco, e tudo aquilo que vos apetece mandar-nos. De que nos servem ttulos
de nobtez", se os nossos campos permanecem incultos e acabamos por morrer de
fome

Queixavam-se os indgenas, e com tazo, E no eram os novos Pastores que os


poderiam consolar. Muitos deles foram atrados I pela cobia, por acreditarem nas
fabulosas riquezas dos Jesutas. E ao ver gorada a sua expectativa, pilharam o que
havia de precioso nas capelas e igrejas. E o que escapou sua voracidade foi levado
paa o tesoiro pblico. Um destes sacerdotes, Antnio Rodrigues, a quem coube
a misso do Esprito Santo, considerada a mais rica, em menos de um ano requereu

licena para a abandonar porque no tinha meios de subsistir. Um outro, no conseguindo adaptar-se aos hbitos e costumes da populao indgena, abandonou-a
inesperadamente sem nenhum pr-aviso. LJm terceiro chegara misso da Conceio
quando os ndios andavam na @a. Ao voltarem, to exasperados ficaram de no
encontrarem o seu missionrio que decidiram matar o Padre recm-chegado. Este
ao aperceber-se do perigo conseguiu fugir.
Pouco a pouco, todos os indgenas foram abandonando a misso, regressaran
floresta. (Anedd. t. I, pp. 156 e sgs. ; II, pp. 137 e sgs) .

CATL

OGO

DOS RELIGIOSOS DA COMPANHIA DE.IESUS


PRESOS NAS MASMORRAS POMBALINAS
OU MORTOS A CAMINHO DELAS
NA VIAGEM DO IJLTRAMAR PARA LISBOA
Nota: Este catdlogo oi extrado de Carayofr,
pp, 233 - 258. que por sua vez o extrau
do Journal de Christoph von Murr, 1780.
No inclui a lista de mais de 1500 Jesutas exilados para ltdlia pelo Marqus.
P. AGUIAR, _Manuel de, Portugus, vice-prov. da China; preso
em l\4u._qu, e_-d_epgis em S. Julio 19.x. 1764; expulso
paru ltlia 9.VII. 1767.

fr. ALBERTO,

Francisco, Portugus, prov.


no crcere de Azeit,o.

de Goa, morto a

23.YI.1761

P. ALBERTO, Lus, Portugus, prov. do Brasil, morto a 28.II.1760


no crcere de Azeit,o.

P. ALBUQUERQUE, Antnio de, Portugus, prov. de Malabar,


transferido do 'crcere de Azeito paru o de S. Julio
11.V. 1769; posto em liberdade em

Maro de

1777.

P. ALBUQUERQIJE, Francisco de, Portugus, prov. de Goa,


transferido de Azeit,o paa S. Julio 11.V. 1769, onde
morreu 28.V. 1774 com 62 anos de idade.

Memrias de um Jesuita prisioneiro de Pombal

P. ALEXANDRE, Joo, Portugus, procurador da prov.

de

Malabar,transferido de Belm para S. Julio, 17.XII .1760


onde morreu 11.II. 1772 com 69 anos de idade.

P. ANTNIO, Aleixo, Portugus, vice-prov. do Maranho; transferido do crcere de Almeida paa S. Julio 12.1I.1772;
posto em liberdade em Maro de 1777.

P. ALMEIDA, Simo de, Portugus, vice-prov. da China, cativo


em Macau e depois em S. Julio, onde morreu 6.VI .1765,
com 48 anos de idade.

P. AFONSO, Manuel, Portugus, vice-prov. do Maranho, transferido do crcere de Almeida para S. Julio 10.II. 1762,
onde morreu 5.X. 1775, com 66 anos de idade.

Ir. f,VanBS,

Joo, Portugus, prov. do Japo, cativo em Macau,


donde foi transferido paa S. Julio 19.X. 1764; deportado para I:tlia 9.VII. 1767.

P. lVAnnS, Lus, Portugus, prov. do Brasil, preso em S.


Julio 7.Xf. 1759, onde morreu 7.XII.1773 com 56 anos
de idade.
P. lVAnnS, Lus, Portugus, vice-prov. do Maranho, transferido do crcere de Almeida pata S. Julio 12.II.1762,
onde faleceu 16.XI. 1765 com 66 anos de idade.

P. ANCHIETA, Joside,

Portugusr plov. de Goa, morto 9.Ir. fi61,


na viagem de Goa para Lisboa.

P. ANTNIO, Domingo!,_Portugus, Reitor do colgio- do Par{,


vice-prov. do Maranho, transferido do crcere de
Almeida para S. Julio 11.II. 1762, libertado em Maro
1777.

P. ANTNIIO, Jos, Portugus, prov. de Goa, ffazido de Goa


paru S. Juli,o 24.Y.1761, posto em liberdade em Maro
1777.

Gatlogo

P. ARNAUT, Custode, eleito pela prov. de Goa como Procurador


a Roma, foi preso na viagem por Pombal, e encerrado
em S. Julio 21.II.1759; exilado paa ltlia 9.VII. 1767.

fr. ALKINS, Francisco, Esc., Ingls, prov. do Brasil, transferido


de Azeito paru S. Julio 11.V. 1769, foi libertado em
Maro

1777.

P. AYLWARD, James, Ingls, prov. de Goa, transferido do


crcere de Azeito paa S. Julio 11.V. 1769, libertado
em Maro 1777.
P. BARCA, Giacorler Italiano, prov. do Brasil, morto no
de Azeito 27 .YII.!7 62.

crcere

P. BARRETO, Joaquim, Portugus, prov. de Portu gal, morto


no crcere de Azeito 15.VIII.1767.
P. BARRETO, Lus, Portugus, vice-prov. do Maranho, transferido do crcere de Azeito paa S. Julio ll.V. 1769,
libertado em Maro de 1777.
P. BARROS, Joaquim de, Portugus, prov. de Portu Eal, transferido do crcere de Almeida paru S. Julio l0.II. 1762,
libertado em Maro 1777.
P. BARRUNCHO, Joaquim Xavier, Portugus, prov. de Portu5al,
preso no se sabe onde, libertado em 1777.
P. BAPTISTA, Antnio, norneado Procurador da nova prov.
do Brasil; preso em S. Julio 21.II.1759, onde morreu
2l.XII.l772, com 57 anos de idade.
P. BERNARDES, Francisco, Portugus, prov. do Brasil, transferido do crcere de Meito para S. Julio 11.V. 1769;
libertado em Maro de 1777.

Ir. BONGIOANNIIIV, Lorezo, Esc., Italiano, prov. de Goa;


trazido de Goa para S. Julio 24.Y.1761; libertado
10.v. 1767.

Memorias de um Jesuta prisione;ro de Pombal

P. BORGES, Manuel, Portugus, prov. de Goa; transferido de


Azeit,o para S. Julio 11.V. 1769; libertado em Maro
1777.

P. BORNI, Richard, Irlands, prov.


em Azeito.

de Portugal; morreu 16.l.176|

Ir. BOTELHO,

Alexandre, Portugus, prov. de Portu Eal, hbil


enfermeiro do noss_o colgio de Santo Anto em Lisboa;
deportado para a frica m 1168; ignora-se o seu paradeiro.

P. BOUSSEL, Gabriel, Francs, vice-prov. da China; morreu


7.Y.1764 na viagem de Macau a Lisboa.

h. BRAILE, Thomas, Italiano,

prov. do Brasil; fiansferido de


Azeito paru S. Julio 11.V. 1769; libertado em Maro
de 1777.

P. BREWER, Joo, Alemo, prov. do Reno Inferior e do Brasil;


transferido de Azeito para S. Julio 11.V. 1769; libertado em Maro de

h.

1777.

BURRONI, Domingos, Esc. Italiano da prov. de Goa; morreu


2.lll.176l na viagem de Goa paa Lisboa.

P. CAETANO, Jos, Portugus, prov. de Portu gal, preso em


S. Julio em

Abril de 1759 e exilado paraltlia 9.VII.1767

P. CN,IARA, Diogo da, Portugus, prov. de Portu Eal, da famlia


dos Condes da Ribeira; desconhece-se o lugar da sua
priso; libertado em

L777.

P. CAMERINI, Francisco Xavier, Italiano, prov. de Goa; tra-

zido de Goa para S. Julio 24.Y.L761; deportado paa

Itlia 9.VII. 1767.

Ir. CAn/ilCCI, Antnio, Italiano, prov. de Goa; vindo de Goa


e encerrado em S. Julio 24.Y.1,761 ; deportado paa
Itlia 9.VII. 17 67 .

Catlogo

251

P. CARVALHO, Cristvo de, Portugus, vice-prov. do Maranho, morreu no ctere de Azeito 29.Y.1'766.

Ir. CARVALHO,

Joo de, Portugus, prov. do Brasil; morreu

no crcere de

Azeit"o 3.I.1762.

P. CARVALHO, Joaquim, Portugus, vice-prov. do Maranho;


preso no crcere de Almei da, e depois em S. Julio
11.II. 1762, onde morreu 3.IX. 1767 com 52 anos de idade.

P. CARVALHO, Manuel de, Portugus, yicg-qTgv. 9p _9!riqq;


preso em Macau, e depois em S. Julio 19.X. 1764;
exilado paru Itlia 9.VII. 1767.
P. CASTRO, Estvo de, Portugus, prov. do Brasil , transferido
do crcere de Azeit,o para S. Julio 11.V. 1769; libertado em Maro de

1777.

P. CASTROTJoo de., Pqrtugus,.prov.


na viagem de Goa a Lisboa.

de Goa; morreu 16.V. 176l

P. CETTI, Giacore, Italiano, prov. Romana; fiazido de

Goa
para S. Julio 24.Y.1761; exilado para I.tlia 9.VII. 1767.

Ir. COELHO,

Manuel, Portugus, prov. do Brasil; transferido


Azeit,o paa o de S. Julio 11.V.L769;
libertado em Maro de 1777.

do crcere de

P. CORDES, Francisco de, Portugus, Procurador da prov. do


Jap,o, preso em S. Julio 21.II.1759; exilado paru ltlia
g.VII.

17 67 .

P. CORREIA, Antnio, Portugus, da prov. do Brasil; morreu


no crcerc de Azeit,o 1.V. 1769.

Ir. CORREIA,

Carlos, Portugus , da prov. do Brasil; morreu


no crcere de Azeit,o 26.IY.1761.

P. COSTA, Francisco da, Portugus, Provincial da prov.

do
Japo, veio da priso de Macau paa S. Julio 19.X. 1764;
onde morreu 1l.VIII.L766 com 76 anos de idade.

Memorias de um Jesuta prisionelro de Pombal

252

P. COSTA, Gregrio da, Portugus,

prov. de Goa; morreu

5.V. 176I na viagem de Goa para Lisboa.

P. COSTA, Jacinto da, Portugus, prov. de Portu Eal, outrora


confessor do Rei Pedro III; morreu encarcerado, ignora-se em q.ue ctcere.
P. COSTA, Manuel da, Portugus, da vice-prov. do Maranho;
deportado paa Africa em 1768; ignora-se o seu paradeiro.

P. CRUZ, Teodoro da, Portugus, vice-prov. do Maranho;

esteve primeiro preso em Almeida, donde passou paru


S. Julio 12.11.1762
anos.

e ai morreu 26.YII.1776 com

66

Ir. CUNIIA,

Francisco da, Escolstico, Chins, vice-prov. da


China; preso em Macau, donde foi levado paa S. Julio
19.X. l7@; a morreu 27.1I.1765 com 49 anos.

P. CUNIIA,

Nunes da, Portugus, prov. de Portu9al, da famlia

dos Condes de Povolide, irmo do actual Bispo de


Coimba; morreu em Viana, pelo ano de 1774,

no con-

vento dos Dominicanos.

P. DAhIIEL, Jolo, Portugus, vice-prov. do Maranho; preso


no forte de Almeida e de l, transferido paa S. Julio
1l.II. 1762. onde morreu 19.1.1776, com 54 anos de idade,

Ir. DELSART,

Jacques, Francs, prov. de Goa, donde foi trazido


para S. Julio 24.Y.1761; foi libertado 21.X.I766.

P. DIAS, Manuel, Portugus, Superior da Casa Professa de Goa,


donde foi trazido para S. Julio 24.Y.1761; ali morreu
a 20.VIL.1765, com 6l anos de idade.
P. DIAS, Salvador, Portugus, prov. de Goa; morreu 9.V.1761
na viagem de Goa para Lisboa.

P. DUARTE, Francisco, Portugus, prov. de Portugal; desconhece-se o lugar da sua priso; recuperou a liberdade

em

1777.

Catlogo

P. DUARTE, Sinforiano, Portugus, vice-prov. da China; cativo


em Macau, foi depois encerrado em S. Julio 19.X. 1764;
exilado paa ltlia 9.VII. 1767.
P. ECKART, Anselmo, Alemo, prov. do Reno Superior; preso
no forte de Almei da, e de l, transferido para S. Julio
10.II. 1762; foi libertado em Maro de 1777.
P. EDUARDO, Antnio, Portugus, prov. de Goa; morreu
10.V. 176L, na viagem de Goa para Lisboa.
P. ESTANISLAU, Incio, Portugus, vice-prov. do Maranho,
transferido de Azeito para S. Julio 11.III. 1769, onde
morreu 1.If.1777, com 64 anos.
P. FALCO, Antnio, Portugus, vice-prov. da China; cativo
em Macau, foi depois encerrado em S. Julio 19.X. 1764,
e mais tarde exilado para ltlia 19.VII .1767.
P. FANTIM, Joo Baptista, Italiano, prov. de Goa; trazido de
l paa S. Julio 24.Y.1761, foi libertado 10.V. 1767.
P. FARIA, Lus de, Portugus, prov. de Portu9al, Scio do Procurador das misses do Ultramar; morreu no castelo
de Lisboa.

P. FAY, David, Hngaro, prov. da ustria; preso no forte de


Almeida, e de l, transferido para S. Julio 10.If.fi62;
morreu no crcere 12.I.1767, com 45 anos de idade.

Ir. FERNAI\DES, Antnio, Portugus, prov. de Goa. morreu


no crcere de

Azeit,o I6.VII .l'167.

fr. FERREIRA, Alexandre, Portugus, prov. de Goa;


9.f.

nil

morreu

na viagem de Goa paa Lisboa.

P. FERREIRA, Antnio, Portugus, prov. de Goa, morreu no


crcere de Azeit,o 24.YI.1761.
P. FERREIRA, Dinis, Portugus, vice-prov. da China; preso
em Macau, foi depois encerrado em S. Julio 19.X. 1764,
e exilado paa ltlia 9.VII.1767.

Memorias de um Jesuta prisione;ro de Pombal

254

P.

FERREIRA, Joo, Pgrtugus, vice-prov. do Maranho; deportado para Africa em 1768, destino desconhecido.

P. FERREIRA ou FIDGETT, Joo, Ingls, prov. do Brasil; preso

em S. Julio 14.XI.I759 e libertado em Maro de

1777.

FERREIRA, Paulo de, Portugus, prov. de Portu gal; preso


no forte de Almei da, e de l, transferido para S. Julio
12.II.1762; exilado para ltlia 9.VII. 1767.
FIGUEIREDO, Joo de, Portugus, prov. de Goa, donde
foi trazido para S. Julio 24.Y.1761; morreu nas masmorras 24.X.I774 com 68 anos de idade.
FIGUEIREDO, Jos de, Portugus, da prov. do Brasil; morreu
em 1760 ao ser levado por terua, de Piau paru a Baa,
numa viagem de mais de 200 lguas.

FOLLERf, Francisco, Italiano, vice-prov. da China; cativo


em Macau, foi depois encerrado em S. Julio 19.X. 1764
e mais tarde exilado para ltlia em 9.VII. 1767.
P. FONSECA, Bento da, Portugus, Procurador da vice-prov.
do Maranho; preso no forte de Almeida e de l transferido para S. Julio I 1.II. 17 62; libertado em Maro
de 1777.

h.

FONSECA, Caetano da, Portugus, prov. de Portugal; morreu

no

crcere

de

Azeit,o 4.IV. 1766.

P. FRANCA, Jtio da, Portugus, prov. do Brasil; morreu no


crcere de Azeito 15.XI.1765.
P. FRANCA, Manuel da, Scio do procurador geral do Brasil;
convidado pelos Cnegos Regulares de Sto. $ggstinho,

que teve por companheiros na priso de Pedrouos,


Mafra, e em

recolheu-se com eles ao seu mosteiro de


1777 retomou a liberdade.

FRANCO, Joo, Portugus, prov. de Goa; passou do crcere


de Azeito patu S. Julio 11.V. 1769, e l morreu 10.IV
1774, com 75 anos de idade.

Catlogo

P. FRANCISCO, Antnio, Portugus, prov.


no crcere de Azeito 19.XI. 1759;

do Brasil; morreu

P. FRANCISCO, Manuel, Portugus, Procurador da prov. de


Goa; preso em S. Julio 21.1L.1759, onde morreu a
9.X. 1773.

P. FUSCO, Sebastio, da Cal tbria, vice-prov. do Maranho;


morreu em 1760 na viagem do Maranho para Lisboa.

P. GAD, Louis du, Francs, prov. de Lyon; era Superior das


misses francesas da Companhia de Jesus na China;
encarcerado em Macau, foi levado a S. Julio 19.X. 1764;

foi o primeiro de todos os prisioneiros de S. Julio e


obteve a liberdade em 8.VIII .1766.

P. GERAIDES, Jos, Portugus, prov. do Brasil; morreu no


crcerc de Azeit,o 17.IX. 1760.

Ir. GIRO, Manual,-Portugus, vice-prov. do Maranho; deportado para Africa, nada se soube

Ir.

dele.

GOMES, Manuel, Portugus, vice-prov. da China; transferido do crcere de Azeit,o paru o de S. Julio 11.V. 1769;
libertado em Maro 1777.

P. GOMES, Vicente, Portugus, prov. do Brasil; morreu


1760 na viagem de Pernambuco paa Lisboa.

em

P. GONZAGA, Manuel,

Portugus, ptrov. do Brasil; encarcerado


em S. Julio 14.XI.L759, onde morreu 15.III.1765 com

56 anos de idade.

P. GONZAGA, Manuel, Portugus, prov. do Maranho; deportado paru Africa em 1768, nada mais se soube dele.

Ir. GONAL\DS,

Antnio, Portugus, prov. de Portugal; morto

no castelo de Lisboa. Era Scio dum Procurador


Misses' do ultramar.

das

256

Memras de um Jesuta prisioneiro de Pombal

Ir.

GONAL\IES, Antnio, Portugus, vice-prov. do Maranho;


transferido de Azeito paa, S. Julio I l.V. 1769; ali
morreu a l2.XII.ll72, aos 74 anos.

Ir. GONAL\IES, Manuel, Portugus, vice-prov. da China,


morreu a 11.V. 1764 na viagem de Macau paa Lisboa.
P. GONAL\IES,

Roque, Portugus, prov. de Portu9al, morreu

no Porto em L760.

P. GONALVES, Silvestre, Portugus, prov. do Japo;

preso

em Macau, foi depois encarcerado em S. Julio 19.X. 1764;

exilado para Ttlia em 9.VII.1767.

P.

GR

o, prov. do Reno Inferior e do Japo;


foi depois encarcerado em S. Julio
para ltlia 9.VII. 1767 .

P. GUEVARA, Manuel, Espanhol, prov.

de Toledo; veio de Goa


para o crcere de S: Julio 24.Y.1761 e foi exilado para
tlia 9.VII. 1767.

P. GUMB, Siro, Aleqro, prov:.d: Goa; morreu 17.III.176L


na viagem de Goa paru Lisboa.

P. HEI\RIQL,IES, Joo, Portugus, Provincial da prov. portuguesa; transferido do crcere de Belm para o de S.
Julio 17.XIL1760; deportado paa ltlia 9.VII. 1767,
P. HOMEM, Pedro, Portugal, prov. de Portugal; desconhece-se
o lugar da sua priso; recuperou a liberdade em 1777 .

P. HONORATO, Joo, Portugus, Provincial da prov. do Brasil; preso em S. Julio 7.X1.1759; exilado para ltlia
g.VIr.1767.

P. HLrhlDT,

Rogrio, chamado tambm Rogrio Cansio, Alemo,


Prov. do Reno Inferior; preso em S. Julio 14.XI.1759,
onde morreu 6.fV.1773, com 6l anos de idade.

Catlogo

P. HUNGER, Jos, Algmo, prov. do Paraguai; preso no crcere

de Belm, e libertado em

1777.

JOO, Incio, Portugus, prov. de Goa; transferido do crcere


de Azeit,o para S. Julio 11.V. 1769, onde morreu 28.XI
1771, aos 69 anos de idade.

do Maranho; transferido do crcere de Azeito paa S. Julio 11.Y. 1769'


libertado em Maro de 1777.

P. JOSE, Antnio, Portugus, vice-prov.

P. JOSE, Manuel, Portugus, prov. de Goa; morreu a 30.V. l76L


no crcere de Azeito.
P. KAIILEN, Louetrgo, Alemo, prov. do Reno Inferior; do
forte de Almeida foi levado ao de S. Julio 10.I[. neZ;
libertado em Maro 1777.

Ir.

KELLER, Joo Paulo, Alemo, prov. de Goa; morreu


4.IV.1761, na viagem de Goa paru Lisboa.

P. KEYI,I},[G, Jos, Hngao, prov. da ustria; preso em


Julio 3.XII. 1760; libertado em Maro de- 1777.

S.

Ir. KING,

Ernesto, Ingls? prov. de Portu ga[ preso por algum


tempo no Brasil, donde transitou para S. Julio3.V[.l16l;
morreu 24.III. 1762, com 48 anos de idade.

P. KOFFLEB,_Joo, Alem9r prov. da Bomia e do Japo; preso


em Macau, e de l, trazido para S. Julio 19.X.-l 764;
deportado para Itlia 9.VII. 1767.
P. LOURENO, Agostinho, Portugus, prov. do Brasil; transferido do crcere de Azeito para S. Julio 11.V. 1769;
libertado em Maro de L777.
P. LEMOS, Jernimo de, Portugus, prov. de Goa; fiazido de
Goa e encerrado em S. Julio 24.Y.1761; exilado para
ItLia 9.YII. 1767.

17

Memorias de um Jesuta prisoneiro de Pomba'l

Ir. LINCENS, Guilherme, Ingls, prov. do Brasil; fiansferido


do crcere de Azeit,o paa o de S. Julio 11.V. 1769;
nele morreu 25.IV.1774, com 62 anos de idade.

P. LOPES, Alexandre, lortugus,p.r9v. de Goa; morreu 6.V.1761


na viagem de Goa paru Lisboa.

P. LOPES, Estvo, Portugus, prov. do Japo, antigo Provincial; transferido do crcere de Belm paru S. Julio
17.XII .1760, onde morreu 15.XII .1766, com 74 anos
de idade.
P. LOPES, Joo, Portugus, prov.

de Azeito

P. LOPES,

de Portugal; morreu no crcere

28.I.1761.

L, Portugtrs, Provincial

da prov. de Goa; morreu

no crcere de lweito lg.VI. 1761.

P. LOPES, Manuel, Portugus, vice-prov. do Maranho ; ayartado em idade, com o brao e o p direito parulisados
em consequncia dum ataque apopltico, ficou abandonado no crcere de Azeit,o quando os seus companheiros foram transferidos para S. Julio em Maio de
1769.

Ir. LOQ\JIZ, Joo Baptista, Italiano, prov. do Brasil;.preso em


S. Julio 14.XI. 1759; deportado paru

l.tlia 9.VII. 1767.

Ir. LORA, Anjo, Escolstico Italiano, prov. de Goa; vindo de


Goa, foi encerrado em S. Julio 24.Y.1761; deportado
paa ltlia 9.VII.

1767.

Ir. LUIS, Jos,

Portugus, prov. de Goa; morreu 8.V. 176l na


viagem de Goa para Lisboa.

LIRA, Francisco de, Portugus, nonagenrio, prov. do Brasil,


morreu em 1760 na viagem de Pernambuco para Lisboa.

Filipe de, Portugus, prov. de Goa; morreu


176l na viagem de Goa paa Lisboa.

P. MACEDO,
15.V.

Ca'tlogo

259

Ir. MACIIADO, Paulo, Portugus, prov. de Goa; trando de


Goa, foi preso em S. Julio 24.Y.1761; deportado paa
Itlia g.VIf.

1767.

P. MRIO, Pedro, Italiano, prov. de Goa; fiaado de Goa, foi


preso em S. Juli,o 24.V.1761, libertado em Maro de 1777

Ir. MARTINS, Honor, Francs, nonagenrio, prov. do Brasil;


morreu no crcere de Azeit,o 22.XI.l'165.
P. MARTORELLI, Gabriel Andr, Espanhol, prov. de Goa,
trazido de Goa paru S. Julio 24.Y.1761; deportado
paa lt llia 9.VII. 17 67 .

P. MATA, Antnio da, Portugus, prov. do Brasil; morreu


crcerc de Azeit,o 9.IX. 1761.

no

P. MATOS, Eusbio de, Portugus, prov. de Goa; fiansferido


do crcere de Azeit,o para S. Julio 11.V.1769; onde
morreu I 1.II. 1772 aos 72 anos de idade.

P. IVIATOS, Joo de, Portugus, prov. de Portu gal; preso


se sabe onde; ignora-se o dia da sua morte.

no

P. MAUTNER, Jos, Alemo, prov. de Goa; morreu 7.Y.1761


rta viagem de Goa para Lisboa.

fr. Vl/^ZZl, Joo, Romatro, prov. do Brasil, morreu no crcere


de

Azeit,o 2l.X.ll.l1 63.

Ir. lvlAZZl, Pedro, ltaliano, prov. do Brasil, transferido


crcere de Azeito para
libertado em Maro 1777.

do

o de S. Julio I l.V. 1769;

Ir. MEDEIROS,

Francisco de, Portugus, prov. de Goa; morreu


na viagem de Goa paru Lisboa 29.Il[.176l.

P. MEISTERBURG, fuitnio, Alemo, prov. do Reno Inferior;


transferido do crcere de Almeida paru o de S. Julio
10.If.fi62; libertado em Maro 1777.

Memrias de um Jesuta prisbneiro de Pombal

Ir. MENDES, Manuel, Portugus, prov. de Portugal;


no crcere de Azeito 16.fI.1766.

morreu

P. MEI\DES, Mateus, Portugus, prov. de Goa; norreu na viagem de Goa paa Lisboa 29.\Y.1761.
P. MEI\DON.A, Jos de, Portugg9s: pro;.._99_9ou; morreu
na viagem de Goa para Lisboa 10.V. 1761.
P. MONTEIRO, Bento, Portugus, prov. de Goa; transferido
do crcere de Azeito para o de S. Julio 11.V.1769;
libertado em Maro 1777.

Ir. MONTEIRO,

Gonalo, Portugus, prov.


9.fX. 1760.

no crcere de Azeito

do Brasil; morreu

P. MORABITO, Antnio Xavier, Italiano, prov. da Siclia

China; preso em Macau, depois em S. Julio 19.X. 1764;


deportado para ltlia 9.VII.1767 .

P. MORAIS, Joaquim de, Portugus, prov. do Brasil; morreu

no crcere de Azeito 'l .1.1764.

P. MORAIS, Jos

de, Portugus, vice-prov. do Maranho; encerrado num mosteiro perto de Belm; libertado em Maro
1777.

P. MOREIRA, Antnio, Portugus, vice-prov. do Maranho;


morreu no forte de Almeida 1.V. 1761.
P. MOREIRA, Jos, Portugus, prov. de Portugal, outrora confessor de D. Jos

I; morreu

no crcere de Belm.

Ir. MOURA,

Domingos de, Portugus, nonagenfuio, prov. do


Brasil; morreu no cfucere de Azeito 31.XII .1759.

P. MUCCI, Francisco, Italiano, prov. de Npoles; trazido de


Goa paru o forte de S. Julio 24.V.1761, onde morreu
26JY.1766, com 64 anos de idade.

Catlogo

261

Ir. MLTILER, Tiago, Alemo, prov. do Reno Inferior; ftaado


de Goa para o forte de S. Julio 24.Y.1761 ; deportado
paa ltlia 9.VII. 17'67.

NEUVIALLE, Joo Silvano de, Francs; morreu na viagem


de Macau para Lisboa 30.IV. 1764.
NOROI\HA, Joo de, Portugus, prov. de Portu gal; encerrado durante 17 anos no mosteiro de S. Pedro dos PP.
Dominicanos, foi transferido paru o forte de S. Julio
12.I.1776; seu irmo, Marcos de Noronha, conde de
Arcos, era Vice-Rei na Baia quando principiou a persego de Pombal contra a Companhia.
P.

OLMIRA, Jos de, Portugus, prov. de Portugal; transferido do crcere de Belm paa o de S. Julio 17.XII1760; deportado para I.tlia g.VII. 1767 .

P. OLMIRA, Timteo de, Portugus, prov. de Portugal; outrora confessor da Princesa do Brasil, guo foi D. Maria
II; ignora-se o crcere em que esteve preso; foi libertado em 1777.
prov. do Brasil; era cego
e morreu na viagem de Pernambuco paru Lisboa, offi

P. PACHECO, Cornlio, Portugus,


1760.

P. PACHECO, Francisco, Portugus, prov. do Brasil; morreu


na viagem do Rio de Janeiro paa Lisboa em 1760.

P. PAIS, Antnio, Portugus, prov. do Brasil; morreu no

de Azeito 18.II. 1761.

crcere

fr. PAULO, Joo, Portugus, prov. do Brasil; morreu na viagem


de Pernambuco para Lisboa em 1760.

P. PEDEMONTI, Jos, Escolstico, Italiano; prov. de Goa;


trazido de Goa paa o crcere de S. Julio 24.Y.1761;
ali morreu 4.IX. 1765 com 31 anos de idade.

Memorias de um Jesuta prisbneiro de Pombal

262
!

P. PEGADOT.Ls, Pgrttlgus, prov. de Goa; morreu l7.Y.l76l


na viagem de Goa paa Lisboa.
P. PER?IGO, Jos, Portugus, prov. de Portu gal; desconhecese em que crcere esteve preso; foi libertado em 1777.
P. PEREIRA, Antnio, Portugus, prov. de Goa; morreu na
viagem de Goa paru Lisboa, 15.V.1761.
P. PEREIRA, Jrf,lio, Portugus, vice-prov. do Maranho; depois
de 6 anos passados no crcere de Azeito, foi transferido
para o de-Pedrouos, ainda mais cruel, e l morreu em
177 5.

h. PEREIRA,

Sebastio, Portugus, prov. de Portu gal; transferido do crcere de Azeito paao de S. Julio 11.V. 1769;
libertado em Maro 1777.

P. PHILIPPI, Francisco, Italiano, prov. de Goa; trazido para


S. Julio 2l .Y.l76l; libertado em Maro 1777.

Ir. PILLER, Matias, Alemo; prov. da ustria e Brasil; trans-

ferido do crcere de Azeito paru o de S. Julio 11.V. 1769

libertado em Maro

1777.

P. PINA, Joo de, Portugus, prov. de Portu Eal, Reitor do colgio


de Braga; fiansferido do crcere de Almeida paru o de
S. Julio 11.II. 1762; deportado para ltlia 9.VII.1767.
P. PINTO, Gonalor.Poltugus, ploy: de Goa; morreu a 8.V.1761
na viagem de Goa para Lisboa.

P. PINTO, Jos, Portugus, prov. de Goa; trazido para


24.Y.1761; deportado paa ltlia 9.VII.1767.

S. Julio

P. PORTUGAL, Francisco de, Portugus, prov. de Portu gal,


da famlia dos Marqueses de Valena; desconhece-se
em que crcere esteve preso; foi libertado em L777.
P. PRZIKRI,, Carlos, Alemo, prov. da Bomia, trazido de
Goa paa S. Julio 24.Y.ll6l; deportado paa I.tlia
g.VII.1767

Catlogo

P. RANCEAU, Joo Baptista du, Francs, prov. de Goa, trazido


de Goa para S. Julio 24.Y.1761 ; libertado em 23.XII.
1766.

P. REIS, Manuel dos, Portugus, prov. do Brasil;

cego , paralconfiado guarda dos


Padres Dominicanos, depois de ter passado 8 anos no
crcerc de Azeito; morreu naquela vila em 1771.

tico, com quase 90 anos,

foi

P. RIBEIRO, Geraldo, Portugus, vice-prov. do Maranho;


morreu em 1760 na viagem do Maranho paa lisboa.
P. RIBEIRO, Manuel, Portugus, vice-prov. do Maranho;
transferido do forte de Almeida para o de S. Julio
I l.II. 1762; libertado em Maro 1777 .

h. ROBIATI,
de

Joo, Italiano, prov. do Brasil; morreu no crcere


Azeit,o 20.III. 1766.

P. ROCHA,

Jos da,, Portugus, Reitor do colgio do Maranho;


transferido do crcere de Almeida paa o de S. Julio
12.I.1762, onde morreu 20.VIII.1775, n idade de 60
anos.

Ir. RODRIGUES,

Alexandre, Portugus, prov. do Jap,o; preso


em Macau, donde transitou para a torre de S. Julio
19.X. L764; deportado para I.tlia 9.VII. 1767 .

fr.

RODRIGLJES, Aleixo, Portugus, vice-prov. da China; transferido do crcere de Azeito para o de S. Julio 11.V. 1769

libertado em Maro

1777.

P. RODRIGUES, Antnio, Portugus, Provincial da prov. de


Goa; do crcere de Azeit,o transitou paa o de S. Julio
11.V. 1769; ali morreu 24.IV. 1770. na idade de 70 anos.
P. RONCONE, Jos, Italiano, prov. do Brasil; preso em S. Julio
3.XII. 1760; libertado em Maro 1777.
P. ROSADO, Jos, Procurador da vice-prov. da China; preso
em S. Julio 21.If.fi59; deportado paraltlia 9.YII. 1767.

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

P. SAMPAIO, Francisco de, Portugus, prov. do Brasil; transferido do crcere de Azeito paa S. Julio 11.V. 1769;
libertado em Maro de 1777.
P. SAMPAIO, Joo de, Portugus, prov. do Brasil; transferido
de Azeito paru S. Julio 11.V. 1769; libertado em Maro
1777.

P. SANTOS, Jos dos, Portugus, prov. de Goa; fiazido de Goa


paa o forte de S. Julio 24.Y.1761, onde morreu 11.f.
1765, com 40 anos de idade.

P. SANTOS, Manuel dos, Portugus, vice-prov. do Maranho;


transitou do crcere de Almeida paa o de S. Julio
I 1.II. 1762; libertado

em Maro

1777

P. SCHWARTZ, Ma{inho, 4ltp?.9, prov. da Germnia Superior; encerrado em S. Julio 3.XII. 1760; Iibertado em
Maro 1777.
P. SEIXAS, Vicente de, encerrado em S. Julio em Abril

1759,

onde morreu 30.XI .1763, com 74 anos de idade.

P. SEQIJEIRA, Lus de, Portugus, vice-prov. da China;


a 12.11.1763 na viagem de Macau para Lisboa.

morreu

do Maranho;
morreu em 1760, na viagem do Maranho paa Lisboa.

P. SIMES, Antnio, Portugus, vice-prov.

P. SIMES, Antnio, Portugus, vice-prov. da China; morreu


a 16.V. 1764, na viagem de Macau paa Lisboa.
SIMES, Francisco, Portugus, prov. de Goa; fiazido de
Goa paa S. Julio 24.Y.1761; deportado paa ltlia
g.VIr.

1767

SOARES, Incio, Portugus, prov. de Portu gal; transferido


do crcere de Belm para o de S. Julio 17.XII .1760:
deportado para ltlia 9.VII. 1767.
SOUSA, Domingos de, Procurador da prov. do Brasil; encerrado em S. Julio 21.1I.1759; libertado em Maro 1777.

Catlogo

P. SOUSA, Joo de, Portugus, vice-prov. do Maranho; encerrado em S. Julio 3.XII. 1760; libertado em Maro

1777.

P. STORIOI\E, Francisco, Italiano, prov. romana; ttaado


Goa paa S. Julio 24.Y.1761 ; libertado em Maro

de

1777.

P. SILVA, Francisco da, Portugus, vice-prov. da China; preso


em Macau; e de l transferido paa S. Julio 19.X. 1764;
deportado paa I.tlia g.VfI. 1767.
P. SILVA, Jos da, Portugus, vice-prov. da China; preso em
Macau, e de l, transferido paru S. Julio 19.X. 1764;
libertado em Maro 1777.

P. SILVA, Manuel da, Portugus, vice-pro. do Maranho; depois


de, por algum tempo permanecer preso no Brasil, foi
fiazido para S. Julio 5.Vf.fi61; l, morreu 17.IV. 1766,
com 70 anos de idade.

P. SIwA, Manuel da, Portugus, prov. de Goa; transferido do


crcere de Azeit,o para o de S. Julio 11.V. 1769; ali
morreu 20.IX.1771, com

9l

anos de idade.

P. SILVA, Toms da, Portugus, prov. do Japo; preso primeiro


em Macau,'paa
encerrado depois em S. Julio 19.X.1764;
deportado

htlia 9.VII. 1767.

P. SZENTIVIARTONYI, Incio, -Hngaro, astrnomo de El-Rei


Fidelssimo, prov. da Austria; encerrado em S. Julio
3.XIf. fi60; libertado em Maro 1777.
P. TABORDA, Manuel, Portugus, vice-prov. do Maranho;
morreu no crcere de Azeit,o 24.II.1761.
P. TEDALDI, Pedro, Italiano, prov. da Siclia; prisioneiro por
algum tempo no Brasil, e depois encerrado em S. Julio
5.Vf. 1761, onde morreu 20.XI .1769, com 53 anos de
idade.

Ir. TEIXEIRA, Antnio, Portugus, prov. de Goa; morreu


176l na viagem de Goa paa Lisboa.

11.V.

Memras de um Jesuta prisioneiro de Pombal

P. TEODORO, Pedro, Portugus, prov. de Portugal; morreu


em 1760 na viagem dos Aores para os crcere de Lisboa.

P. THOII&\S, Marucio, Alemo, prov. de Goa; trazido de

l"

paru a Torre de S. Julido 24.V.1761; libertado em Maro


1777.

P. TOLEDO, Francisco de, Portugus, prov. do Brasil; Visitador


da vice-prov. do Maranho; do crcere de Almeida
transitou para o de S. Julio 12.1I.1762; libertado em
Maro 1777.

P. TORRES, Antnio de, Portugus, prov. de Portu9al, ex-Provincial; preso no forte de Almei da, foi transferido de

Julio 10.II.1762, onde morreu 21.X.1762,


com 72 anos de idade.
l, para o de S.

P. VAI,E, Jos do, Portugus, Reitor do colgio de Angola, prov.


de Portugal; transferido do crcerc de Azeito paru o
de S. Julio 11.V.1769; libertado em Maro de 1777.

Ir. VAI\ELLI, Raimundo,

Escolstico Italiano, prov. de Goa;


morreu 28.IV.I761, na viagem de Goa para Lisboa.

P. \DIGA, FIix da, Portugus, prov. de Portugal; morreu na


Casa dos Religiosos de S. Pedro de Alcntara, perto
de Lisboa.
P. VEIGA, Francisco da, Portugus, vice-prov. do Maranho;
morreu em 1760, na viagem do Maranho paru Lisboa.

Ir. VfEIRA,

Domingos, Escolstico, Portugus, prov. do Brasil;

morreu no crcerc de Azeito 19.IX.

1770.

P. VIEIRA, N$guet, Portugus, prov. p9 Goa; morreu 17.Y.1761,


na viagem de Goa para Lisboa.
VMIROS, Jos, Portugus, prov. do Brasil; morreu no
crcere de Azeito 23.1.1761.
XAVIER, Incio, Portugus, vice-prov. do Maranho, morreu
no crcere de Azeito 11.XI1.1760.

Catalogo

VICENTE, Xavier, Portugus, prov. de Goa; morreu na viagem de Goa para Lisboa 20.Y.1761.

WOLF, Francisco, Alemo, prov. da Bomia; preso em

S.

Julio a 3.XII.1760, onde morreu 24.I.1767, com 60 anos

de idade.

APENDICE
Aqui temos a lista de 220 Jesutas vtimas de Pombal,
pelo nico crime de pertencerem a uma Ordem Religiosa, cujos
membros esto ligados Igreja e ao Papa por um voto de especial
fldel
Por serem fiis a esse voto foram apontados
crimirlosos, e sujeitos,+s mais graves .peram 123 aos tratos cruis, sem um mnimo
nas.
de assistncia, no mar ou nas masmorras em que os encarceraram.

Mas alm destes, houve (segundo Carayotr, p. 233) cerca


1.500 Jesutas grande parte deles jovens novios ou
estudantes
exilados perpetuamente para os Estados Pontifcios, e proibidos
sob pena de morte de voltar jamais
sua Ptria, s pelo mesmo crime de pertencerem Companhia
de Jesus, e de a no quererem largar por nada, numa fidelidade
herica aos seus votos.

de

Julgo no dever encerrar estas pginas, sem render homenagem a estes Jesutas annimos, que preferiram o desconforto e
as incertezas de um desterro perptuo a quebrar a palattta de
fidelidade que deram a Deus e Companhia.
Junto igreja da casa dos Jesutds em Castelo Gandolfo,
antiga casa de ca
ltimo
pusera
Superior Geral
disposio dos
m sarcfago com as ossadas de 82 Jesutas portugueses, que ali terminaram os dias do seu exlio. Sobre a porta l-se esta inscrio:

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pomba'l

270

EXUVIAE PATNUM AC FNATRUM


EX ANTIQUA PROVINCIA LUSITANA

S.J.

QUt SUB POMBALTO


POST DUNA QUAEQUN PENPESS
IN EXILIUM DEPORTARI MALUENUNT
QUAII4 SOCIETATEM JESU DENELINQUNRE.

(52)

De facto, so autnticos mrtires da sua fidelidade vocao


de Deus essa multido de Padres e Irmos Jesutas, de diferentes
idades, com as centenas de jovens estudantes dos noviciados e
colgios de Coimbra, Lisboa e Evora, gue deixaram os ossos
espalhados por terras de I:tlia.

Primeira leva de deportados para o exIio


Resumamos os factos, segundo os prprios testemunhos das
vtimas, recolhidos pelo autor de Aneddoti del Ministero Di Sebastiano Giuseppe Carvalho- MDCCLXXXVil (cf. t.II. pp.2'l-123).
Pombal, paa insultar uma vez mais a Santa S, resolveu
atirar com cerca de 1.500 Jesutas paa os Estados Pontifcios,
sem nenhum prvio entendimento. O Papa que se houvesse com
eles e os sustentasse. Antes, porm, mandou separar os professos
dos no-professos, e induzir estes, s boas ou s ms, com promessas e ameaas, a abandonar a Companhia.
Os das casas do sul do pas foram lvados presos par a ,vora,
em regime de fome, no meio de muitos trabalhos e de muita incerteza, pois ignoravam o que iriam faz,.'r deles. O prprio Marqus
fomentava boatos de que iriam ser atirados paru as costas de
frica, o para algum ittra deserta.
69 sacerdotes foram separados dos no-professos, e levados
entre escoltas de soldados para Lisboa, sendo forados a deixar
ss aqueles jovens. Entre os que partirfr, um
esgotado de cansao e de fome, enlouqueceu,
tribes contra os seus guardas. Os prprios solda
revoltados contra os que sujeitavam os prisioneiros a tantos ta-

(o')

Restos mortais dos Padres

e Irmlos da antiga

Provncia Portuguesa

S.J., que sob o governo de Pombal, depois de duros sofrimentos, preferiram ser depara o exlio, a abandonar a Companhia de Jesus.
nortados

Apndice

271

balhos e indignidades. Chegaam mortos de cansao s margens


do Tejo, onde os deixaram entalados em quatro barcos pequenos
a bambolear sobre as ondas, por 24 horas, espera das ordens
do Ministro.
Em 16 de Setembro, embarcaram em uma nau que os esperava.
Os de Santarm, em nmero de 24, no foram mais bem ffatados durante a viagem. Quatro dias de navegao Tejo abaixo,
em duro regime de fome, at chegarem nau que os esperava.
Os professos das casas de Lisboa foram levados ao cais de
embargue, no domingo, sem os Irmos Coadjutores, euo em vo
reclamram querer partir com eles para o exlio. Foram 133 ao
e sem
todo os que se apinharam no
tristes
suficientes provises de vveres
iversas
circunstncias em que estes pobr
comunidades, so encontraram no convs duma nau que os levaria
escurido e incertezas dum desterro perptuo, no puderam
conter as manifestaes de conforto e consola,o, ao abtaarem-se mutuamente. Os prprios soldados e marinheiros se espantavam de ver a alegria estampada naqueles rostos macerados pelo
sofrimento.
O navio ia to desprovido, que nem copos tinham pa.a beber;
e a escassez dos mantimentos para os prisioneiros era bl, que os
indignados.
teve de thes
lhes deram.
acompanhava at Gibra$ar, onde recolheu
. , . gue guardavam os prisioneiros, condodo de tanta misria, ofereceu aos
Padres uma pipa de vinho, uma caixa de auca) ch, e fruta, arriscando-se a ofrer as consequncias da vingana de Pombal. S
ento, livres dos guardas, puderam os Padres subir ao convs e
resprrar o at puro.
MinisO Comanante do navio, ap
algum,
tro de ir direito a Civitt-Vecchia,
mantiviu-se forado a anorar em Ali
o paru
mentos. O Padre Joo Soares s
informar da sua passagem os Je
tempo que ali se demoraam, r
afeio e caridade, no s dos
pessoas daquela cidade que se
nas suas prprias casas. Dizen

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

neiros estavam estritamente proibidos de largar o navio, enviaram-lhes todos os mantimentos que puderam haver. At os padeiros
passaram a noite a cozer po para os desterrados portugueses.
Se no fossem os ventos contrrios que lhes retardaram a nave-

zo sair de Alicante teriam provises paa toda a viagem.


Nem faltaram a bordo as visitas consoladoras de muitos
eclesisticos e civis, com testemunhos eloquentes de simpatia e
cordialidade, D contraste com a cueza pombalina da despedida
de Lisboa. O prprio capito declarou indignado a quem o quis
ouvir que os prisioneiros tinham sido mais barbaramente trataga,o,

dos do que os do Rei de Marrocos; e para prova disso, mostrava

os biscoitos bolorentos e outros gneros corrompidos.


A 4 de Outubro, foram assaltados por violenta tempestade
no golfg de T=io, durante dois dias e duas noites. Mais de uma
vez se viram s portas da morte. Ao terceiro dia, acalmou a tempestade, que os deixou vista da ilha da Crsega. Depois de vrias

outras peripcias assustadoras, chegaram no dia 10 de Outubro


a Gnova, onde, paa fugir a outra tempestade, tiveram de abrigar-se por 6 dias. O Capito permitiu-lhes sair a terua e entrar na
cidade. Os genoveses, especialmente famlias nobres que tinham
perto as suas casas de campo, vieram visit-los, cheios de simpatia e caridade para com os Jesutas portugueses perseguidos,
oferecendo-lhes mantimentos pata o resto da viagem.
A 18 de Outubro, fizeram-se vela para Civitt-Vecchia,
onde chegaram enfim a 24 do mesmo ms, depois de 39 dias de
vlagem.

Deu-lhes o Senhor ali uma compensao aos oprbrios e


sofrimentos e aos fiabalhos da viagem, com a recepo que tiveram na ltlia em requintes de delicadeza. Os Franciscanos e os
Irmos de S. Joo de Deus, cederam-lhes logo as celas vazias
dos seus conventos, e foram muitas as famlias principais da cidade
que os quiseram receber em suas casas. Distinguiu-se entre elas
a de Jernimo Capalti, que lhes mandou logo tudo o que precisavam. O P. Geral enviou o Vice-Superior da Casa Professa de
suas necesRoma para os abraa da sua parte, e p
ordens ao
sidades. Mas j Clemente XIII se an
lhor acolhiGovernador paa paga todas as despes
mento queles <criminosos desterrados por Pombal.
Logo que saltaram em terca, dirigiram-se todos a uma igreja
prxima, a lanar-se aos ps da SSma. Virgem, effi cumprimento
duma promessa feita no golfo dt Lio.

Apndice

Naquela acolhedora cidade pennaneceram at 6 de Novembro, dia em que partfuam para voli, onde o Padre Lorenzo Ricci
mandaa aprontar uma casa de campo paa os acolher. Ali os
foi saudar o P. Geral, vrios Cardeais e Prelados da Corte Romar, os Prncipes Coloni, Borghese, e muitas outras personagens
da primeira nobteza.
Entretanto, em Lisboa, Pombal assesta as baterias contra
Jesutas jovens, no-professos que separara dos Padres mais antiBos, na nsia de os fazer abjurar da vocao. O seu flel coopedor, Cardeal Saldanha ps em aco todos os meios paa seduzir
estes jovens religiosos: splicas, promessas, arneaas, mentiras.
Arrogou-se o poder de os dispensar dos seus votos. Asseguravam-lhes que os professos tiram entrado no segredo da conjurao,
e qug s depois d9 provado 9 crime de alta traio qqe foram
expulsos do pas. Se eles se obstinassem em os seguir, seriam rus
do mesmo crime.
Alguns houve que fraquej aram perante estes incessantes
ataques. O primeiro deles foi um Escolstico de Coimbra, chamado Lus da Costa. A notcia constou logo, como o primeiro triunfo de Saldanha, o que lhe merecou, sada, uma trovoada de
apupos do povo simples que se juntou frente portaria do colgio.
Isto deu motivo a que os outros que fraquejaram fossem despedidos de noite. Mesmo assim, no lhes faltaram as graolas sarcsticas dos prprios soldados a verberar-lhes a covardia. Houve
entre eles quem, rodo de remorsos, debandasse paru terras de
Itlia a fim de reentrar na Comparia, e se juntar as seus antigos
a nulidade da dispensa dos seus
lemente XIII fez sber ao Minisos votos conoedida pelo Cardeal
era um deplorvel abuso do poder, e como tal, ilegtima e invlida.
Jovens Jesutas presosl em Azeitio

18

Memrias de um Jesuta prisloneiro de Pombal

e 12 frmos. Fecharam-nos num lugar to infecto e imundo, que


se o Juiz Nobre no tivesse obtido a transferncia deles para um
lugar menos destrmano, teriam sucumbido inevitavelmente.
A partir de 17 de Outubro, comearam a transportar cada
noite paa o mesmo crcere, em grupos de quatro, os que estavam
juntos na Casa Professa. Teriam perecido de fome, se o mesmo
Juiz no tivesse pago sua custa o que faltava sua subsistncia.
E os c_rceres iam-se apinhando com os que chegavam de Lisboa
e de vora. Renovaram-se as t ntativas rdiloss paru os fazer
apostatar da vocao. Mas dos de Lisboa, s um Irmo teve a
fuaquez.a de ceder. Todos os outros declararam separadamente,
poj,.escrito, que estavam . prontos a sofrer tudo, antes que ser
iris aos seus compromissos religiosos.
Colgio de Coimbra

A 30 de Setembro foi a yez do colgio de Coimbra. Desde a


vspera, este grande colgio viu-se rodeado de enorne aparato
soldados. Patrulhas de cavalaria

a distncia, nos anabaldes da


a a populao.
Como nas outras casas, os novos foram separados dos professos. E vendo aqueles que estes iam partir, pediram ao Desem-

bargador lhes permitisse sair dos quarts ond estavam fechados,


para lhes preparar uma refei,oanha. Tendo-lhes sido concedido,
desafogaram a sua filial afeio no saudoso carinho cory que lhes
serviram a magra oeia, entre I [grimas de amargura. Os antigos
consolavam os novos e animavam-nos perseveana.
Finalmente, os no-professos forarn obrigados a recolher
s suas celas, e das janelas viram sumir-se na escurido da noite
os Padres que os formaram na vida religiosa, a caminho do destino
tenebroso que Pombal lhes preparara. O Padre Jos de Azevedo,
professo, digno herdeiro das virtudes do Beato de Azevedo, seu
antepassado, ergueu a vista para as janelas onde assomavam
aqueles jovens com os olhos marejados de lgrimas, e vendo-os
luz escassa das candeias que iluminavam os quartos, fez-lhes
um gesto de adeus, e exclamou em alta voz: Fidelidade! No
aceiteis a dispensa dos votos para escapar s agruras do exlio!
Toda a populao os acompanhou com saudade, espreitando
discretamente pelas janelas paru os ver pela ltima veL. Trans-

Apndice

postos os limites da cidade, uma escolta de cavalaa substituu


os soldados que os acompanhavam. Estes despediram-se, pedindo-lhes perdo da dureza com que por ordem superior e viram
obrigados a ttat-los, mau grado seu.
rcha da viagem que durou
O mau temp
at 6 de Outubro
a Yalada, onde s esperar ao navio que os agu.ardavam pequenos ba
ya em Lisboa. Seis dos Padres foram reservados paa vegetar
perpetuamente nas celas tenebrosas de Azeit,o.
Segunda leva de Professos para

ltIia

Os outros, 58 ao todo, subiram ao navio que os esperava


para os transportar ao exlio. No mesmo dia, outra nau recebeu
mais 59 exilados de diferentes casas, fiandos de diversos crceres.
Entre eles, encontrava-se o P. Joo Nepomuceno Szluka, Hngaro, mis_sionrio do Brasil que escapo it masmoras perptuas do Marqus por um feliz equvoco. E euo, sendo conhecido
por P. Joo, tomaram-no por Portugus.
Pouco depois da meia-noite de 7 de Outubro, zatparam as
duas naus do esturio do Tejo, um pouco mais prodas de vveres
que a primeia.
Seis dias depois de passado o estreito de Gibraltar, ao aproximarem-se das ilhas de Hieres foram assaltados por uma tempestade
que os obrigou a refugiar-se no porto de Marselha, onde ancoraram. Pela manh de 26 de Outubro, os comandantes dos dois
navios permitiram que quatro cativos fossem cidade procurar
vveres e remdios para os doentes. Os Jesutas foram de entranhas
fraternais paa com os seus irmos portugueses. Distinguiu-se
entre todos o P. Boscovich, que ali se enconttaya de passagem
na nossa residncia. Nessa mesma tarde, prosseguiram viagem
rumo a Gnova, onde chegaram a 6 de Novembro. Os Jesutas
desta cidade tinham informado os de Marselha euo, no caso de
fazerem escala em Gnova, o senado concedera que os de Portugal
se recolhessem no seu colgio. Esta autorizao, porm, foi rovogada, provavelmente por instigao do Ministro de Portugal.
Recusado o desembarque, os Capites viram-se obrigados a
continuar viagem, e amontoaram os prisioneiros em uma s das
duas naus. S o P. Joo Nepomuceno pde desembarcar paa
regressar ao seu pas. Em Liorne, onde chegaram a 16 de Novem-

Memrias de um Jesuta prisoneiro de Pombal

bro, o Governador tambm os no deixou desembarcar, mas os


Jesutas daquela cidade forneceram-lhes tudo o que precisavam
durante o ms que ali permaneceram, recorrendo caridade dos
amigos. O Comandante recusava-se a seguir viagem para Civitt-Yecchia, e os infelizes passageiros continuavam ensardinhados
no pequeno barco. Chegaram a escrever para Florena, pedindo
asilo ao Governador Geral do Gro-Ducado da Toscatr, mas
no obtiveram resposta. Por fim, o Governador ordenou ao
Comandante que sasse; o que ele teve defazer a 16 de Dezembro,
com poucas provises e bastantes doentes. Apenas se fizeram ao
mar alto, levantou-se forte tempestade, que por dois dias os ps
s portas da morte. Conseguiram refugiar-se em Porto-Longotre,
onde o Govemador lhes concedeu o pequeno alvio de poderem
passear na costa vizinha da cidade. A 23 de Dezembro, largavam
de Porto-Longone, pata logo no dia seguinte, o mau tempo os
obrigar a refugiar-se em Porto Hercole.
Finalmente a 4 de Janeiro de 1760, ancoraram em Civitt-Vecchia, depois de 90 dias de viagem. Foram recebidos com as
mesmas efuses de cariro que os da primeira leva. Conduzitam-nos a Roma, e de l, a Castelo Gandolfo, com particulares delicadezas paa com os doentes.
Pubca-se

o Decreto de Condenao e Expulso

Entretanto, sau a pblico em Lisboa o decreto que expatriava todos os Jesutas como criminosos indignos de respirar
os ares da sua Ptria. Embora registado s em 4 de Outubro,
Pombal antecipou de um ms a data
para ligar o castigo com a
Setembro
- retintamente po tbalino.
O seu estilo

e pomposas loas real clemncia de D.


minvl chorrilho de crimes, os mais fantsticos, chegando a
afirmar-se gue, se no se tivesse reprimido com mo forte as usurpaes dos Jsutas no Brasil, dentro de dez anos seriam capazes

de resistir a todas as foras juntas dos Estados da Europa. Os


ttulo de bandidos,
celerados, conspiradores contra a preciosa vida do Rei, perturbadores da paz pblica, inimigos de todo g bem, qu9 levavam o
orgulho e a temeridade at recusarem submeter-se autoridade
do Cardeal-Patriarca, gue a Santa S nomeara para os reformar
Jesutas eram mimoseados neste decreto com o

Apndice

e os fazer entrar no dever. Depois desta empol ada introduo,


afirmava-se que a experincia de dois sculos demonstrara com
toda a evidncia que a conservao e a paz do Estado no podiam subsistir enquanto houvesse Jesutas.

esta dispensa que se lhes oferecia, seriam expulsos e banidos como

os outros, e proibia-se a todo


morte, t9r comunicao com o
escrito, fosse qual fosse o pas
Recebeu ainda uma carta rgia

dando-lhe afixar
como aprovado
dito sobre todo
a todos os fiis

Mais ataques

sob pena de
yoz ou por
m.
o Cardeal Saldanha, manas as igrejas, apresentado
, offi que se lanava interse proibia rigorosamente
com eles.

perceyerana dos jovens Jesutas

de

Coimbra

Mas voltemos aos jovens religiosos que deixmos em Coimbra.


o amparo e drreco de seus mestres e formadores, escolheram espontaneamente por Superior a um dos mais velhos,
procurando conformar-se quanto possvel com as regras da Companhia. O prprio Reitor, antes da pafiida, indigitaa o fr. Francisco Taveira paa na sua ausncia o substituir como Vice-Reitor.
E prosseguiu a regularidade da vida religiosa, com a nornalidade
possvel, o que muito espantou os soldados da guarda, que no
Sem

falavam de outra coisa.


No dia 2 de Outubro, apresentou-se no colgio o desembargador Castro, afecando ares de muita benignidade e delicadez..
Comeou por felicitar aquela mocidade por se ver enfim livre dos
mais velhos, gu por seus escandalosos delitos afiaam o desagrado do rei e a indignao do povo. Mas quanto aos Jesutas

Memrias de um Jesuta prisionero de Pambal

novos, nada tinham a temer, porque era sabido que estavam inocentes, e que podiam por isso contar sem temor com a bondade
de S. Majestade. Bastava aceitassem a dispensa dos seus votos,

que o Crdeal Saldanha benignamente lties oferecia. Eles responderam euo, sendo o assunto de tanta gravidade, tinha de ser
ponderado antes duma resposta decisiva. Pensariam, e d-la-iam
to, bem depressa, em pequenos
onde nada se pudesse acrescentar
abertos nas mos dos soldados,
que os puderam ler antes de os entregar ao Desembargador Castro,
paru ele os fazq chegar s mos do Ministro. Os termos destes
bilhetes eram todos semelhantes: <No quero deixar a Companhia
de Jesus); ou continuarei na Companhia de Jesus at ao ltimo
suspirq; e outros parecidos. Os soldados levaram-nos, e por
meio deles a cidade pde conhecer e admirar a herica firmeza
destes jovens.
Mas Pombal no desistiu, e ordenou nova tentativa. Todos
se prepararam paa o assalto com a sagrada Comunho.
A 5 de Outubro, Castro reuniu primeiro os novios, de quem
lhe parecia poder obter mais facilmnte a vitria. Alguns tinham
apenas 16 anos. Comeou por ler-lhes trs cartas: a primeira, do
Cardeal Saldanha, convidando-c s a abandonar a Cmp arrhia, e
assegurando-lhes que o Rei lhes concedia um tosto dirio para
a sua subsistncia. A segunda era do prprio Rei, ordenando o
pagamento desta penso a todos os gue obedecessem ao Cardeal.
A terceira era de Pombal para o Cardeal, mandando-lhe usasse
todos os meios paru forar aqueles jovens a separar-se duma
Companhia que estava totalmente desacreditada.
Foi tudo intil. Persistiram todos numa teimosa recusa.
Depois dos novios, fez vir sua presena os estudantes de
filosofia. Ao ler-lhes a carta com a generosa promessa de um
tosto dirio, puseram-se a rir. Perguntando-lhes Castro porque
motivo se riam, responderam que lhes parecia preo demasiao
magro paa os compensar da infidelidade a Deus que se lhes
exigia. Mandando depois vir os Padres e telogos, Ieu-lhes as
des-

bem

licar

Pombal mudou ento de tctica. Permitiu-lhes escrever e

receber cartas e qualquer visita de pessoas de fora. Fez chegar a

Apndice

Coimbra os seus amigos e familiares, e at as prprias mes e


pais, paa lhes fazercm vibrar com toda a veemncia as cordas
mais ntimas do peito. Tudo em vo. Enquanto uns se viam
forados a sofrer os embates violentos das afeies dos seus mais
prximos parentes e amigos, permaneciam outros em orao,
implorando do Alto a fofialeza do Esprito Santo.
E essa fofialeza fez-se sentir de maneira admirvel. Sendo
tantos os jovens daquela comunidade, no houve um s que
cedesse perante os ataques cerrados a que os sujeitaram.
Passados trs dias, volveram ao isolamento dos seus quartos,
espalhando-se que iup obrig-los a despir a batina. Foi ento
que um jovem sacerdote ainda no professo, chamado Jos de
Carvalho, teve a coragem de escrever ao Cardeal Saldanha, em
termos respeitosos mas enrgicos. Incluu na carta uma folha
com a frmula dos seus votos assinada com o prprio sangue,
paru lhe mostrar a resoluo em que estava de perseverat a todo
o custo na Companhia. Saldanha enviou a carta a Pombal que
ferveu de raiva ao saber que um Jesuta que usava o seu prprio
nome se obstinava contra os seus desgnios; e ordenou logo que
o pusessem a ferros. O P. Jos de Carvalho, num gesto de exuberante fervor, tirou do pescoo um relicrio de prata que trazia,
e ofereceu-o ao soldado que lhe transmitira aboa nova. E enquanto
o comissrio se retirou a preparar-se para a execuo da ordem
recebi da, o P. Cawalho, no refeitrio, subiu ao plpito, anunciou
a sorte que lhe coubera, e exortou todos a permanecerem constantes na vocao. Ali mesmo renovou o voto que fizera publicamente, de antes derramar todo o seu sangue do que abandonar
a Companhia. Depois, abraou a todos os frmos, e deixou-se
conduzir algemado ao crcere, onde flcou retido.
No dia seguinte, voltou Castro ao ataque. Juntou-se em alas
toda a comunidade, e mandou a um dos jovens ler as cartas do
Ministro e do Cardeal, que condenavam ao desterro pe{ptuo todos
os que recusassem aceitar a demi iso e dispensa dos votos. Quando
a carta do Patriarca comeou a divagar numa longa cadeia de
citaes das Escrituras e dos Padres, com que pretendia fundamentar as suas exortaes, o leitor estacou de repente. E mandando-lhe o desembargador que continuasse, ele letorquiu com
irnico humorismo: <<Meu Senhor, tenho um grave escrpulo
que me impede de prosseguir: que isto no um decreto, mas
um sermo; e Sua Eminncia proibiu a todos os Jesutas de
pregar.

2W

Me'mrias de um Jesuta prisloneiro de Pombal

Os jovens de Coimbra so levados para o Porto

ver
ap

inutilidade
voca
eles cinco

ego

demoparasse
Estes,

receosos de que os no deixassem acompanhar os Irmos,


instaram com os mdicos at obter deles uma declara,o de que
podiam fazer a viagem.
repleto de

tr'"l,t"i:

o martrio,
todos aqueles jovens beijaram as relquias saudosas dos seus antepassados, abraaram com ternura o Ir. Almeida, ancio vene-

Largaram do colgio pela meia-noite. Eram ao todo 145,


dos quais 32 sacerdotes no-professos, 35 estudantes de teologia,
4l de filosofia, 8 de letras, 15 Irmos e 14 novios. Os doentes
foram transportados em 16 carros.
S sada da cidade souberam que seguiam na direco do
Porto. A viagem, guo normalmente se faz em dois dias, levou
quatro, sendo constantemente aoitados por frias btegas de
gua. Os desembargadores que os acompanhavam entravam nas
pousadas paa restaua as fors, enquanto os prisioneiros enregelavam nas cavalgaduras ou nos caminhos. As noites passavam-nas em palheiros ou cavalarias, conforne podiam, a tiritar de
frio. Os sldados tinham proibio expressa de falar com os presos,
e ordem de impedir toda a comunicao deles com quem quer
que fosse.
O quarto dia de viagem era domingo, e muito a custo lhes
foi concedido ouvir Missa numa igreja por onde passarffi, donde
antes se expuls aam todos os fiis, ficando os presos guardados
pelos soldados e oficiais. Chegados em frente ao Porto, ficaram
parados a 3 milhas do Douro, espera do pr-do-sol. A chuva
fustigou-os ainda com mais violncia passagem do rio, que por
isso levou cerca de quatro horas. Entraram enflm no Porto pela

Apndice

281

meia-noite, caminhando por ruas desertas, pois os habitantes


tinham proibio sob pena de morte de sair rua naquela noite.
Chegaram finalmente molhados at aos ossos, ao nosso colgio,
onde ainda estava presa a comunidade do PorJo.
Comunidade do Colgio de Bragana

Pouco depois, juntaram-se a ns os Jesutas de Bragana. Os


desembargadores Joaquim Moniz e Raimundo Coelho tinham
feito com eles as mesmas tentativas paa os levar a abandonar
a vocao. E fizeram-no com mais sucesso, infelianente, pois um
jovem professor e um Coadjutor cederam, e separaram-se dos
seus irmos. Depois das mesmas infindveis leituras e admoestae, iguais s de Coimbra, foram todos encerrados na biblioteca,
onde recitaram juntos um Te Deum. Os professos foram em seguida conduzidos capela, e a os deixaram fechados toda a noite.
No dia seguinte, 27 de Outubro, escoltados por cavalaria, partiram montados em jumentos lazarcntos to pequenos que alguns
Padres arrastavam os ps pelo cho. Caminhavam penosamente,
em silncio, e com imensa dificuldade por aquelas terras montanhosas, e por caminhos alagados. No dia 28 no lhes deram refeio alguma, e passaram a noite inteira num pequeno aposento,
sem um momento de repoiso. Aquela boa gente transmontana
chorava de comoo ao ver desfilar os Padres que os tinham evangelizado, e a quem veneravam carinhosamente. O P. Mesquita,
muito doente, teve de trocar a cavalgadura por uma liteira. E os
companheiros, vendo-o quase moribundo, nem conseguiram
licena de ficar com ele paa lhe assistir. Ainda chegou vivo ao

Porto, morrendo pouco depois, gundo lhe administravam

Santa tIno.
Os Jesutas de Braga (ut)
Foram tratados como os outros. Trs aceitaram a demisso;
mas um Irmo nonagenrio recusou-a constantemente, e foi por

(ut) Sobre o que sucedeu aos Jesutas de Braga, cf. Brotria Julho 1973,
pp. 7l-8'1. D. Maurcio <<Bloqueio e Desteno dos Jesutas de Braga, 175.

282

Memrias de um Jesuta prsloneiro de Pombal

isso encerrado num convento de Carmelitas Descalos. Todos


os mais muito tiveram tambm que sofrer, e s chegaram ao Porto
meia-noite do terceiro dia, onde se amontoaram juntamente
com os vindos de outras casas. Temos pois mais de 2N Jesutas
num colgio, com acomodaes para uma comunidade de 20
membros. Sete missionrios do Maranho foram separados para
seguir algemados at s masmorras do forte de Almeida, onde
ficaram encerrados.
Embarcam para Lisboa

A 5 de Novembro, os prisioneiros foram avisados que se preparassem paa partir. Todos afluram capela pata recitar um
Te-Deum de aco de gras, por serem achados dignos de sofrer
o exlio pelo nome de Jesus. Fez-lhes ainda o desembargador uma
ltima admoestao para aceitarem a dispensa dos votos. Mas
aingum cedeu.
A partida fez-se de noite, como de costume, e todos os habitantes receberam ordem sob pena de morte, de no sair rua. E
os Jesutas desfilaram em direco Ribeira, cantando as Ladanhas da SS-u. Virgem, cuja imagem levavam consigo. Toda a
viagem foi uma srie ininterrupta de trabalhos e extrema misria.
Ao nascer do sol chegaram Foz, ensardinhados em trs
barcaas, e ali permaneceram a baloiar nas ondas do Atlntico,
espera do navio que os transportaa a Lisboa. E os dias arrastavam-se lentamente, mas o navio no tinha pressa de chegar. Mtos
caram doentes; e mesmo os militares que fanam a guarda nas

no pde, mau grado seu, acompanhar os irmos.


Apareceu enfim a galeota enviada de Lisboa, e nela

d
d

se acomo-

foz

ma

ora'
8uju imagem o P. Marques erguer a aoalto, junto do leme.
Na tarde de 25 de Novembro entraram a barua do Tejo, mas
s a 27 subiram o rio de noite, para no serem vistos de ningum,

Apndice

com proibio absoluta de os prisioneiros poderem respirar a


puro no tombadilho, sob pena de serem atirados gua. O desembargador que presidia ao embarque obrigou o novio Jos dos
Reis, por mais que ele protestasse e esbracejasse, a ficar em terca,
provavelmente a pedido dos seus parentes.
Terceira leva de Jesutas jovens para ltIia

Na manh, de 28 de Novembro de 1759, o navio fez-se vela


para Gnova. A 12 de Dezembro, furiosa tempestade no golfo
de Lio, que veio apressar a morte do Ir. Joo Moniz, a 17 do
mesmo ms, nos braos de seus irmos em religio. O Capito
luterano permitiu aos Padres celebrar Missa no dia de Natal. No
dia 3l de Dezembro, ancoraram frente a Gnova, sendo obrigados a peflnanecer 15 dias na enseada. A morreu de febre maligu,
a 2 de Janeiro de 1760, o escolstico Joo Ribeiro, por falta dos
medicamentos necessrios. O senado permitiu que lhe dessem
sepultura, e que os doentes fossem recolhidos numa casa, cerca
do porto. Bem queriam os Jesutas daquela cidade receber os
seus atribulados irmos portugueses; mas no lho permitiu o
senado, modo pela presso diplom tica de Lisboa. O Ministro
de Portu gal naquela Repblica ameaou o comandante do navio
que lhe no seria pago o custo do transporte dos prisioneiros,
se os no conduzisse directamente a Civitt-Vecchia. Por isso
partiu a 19 de Janeiro, indignado com o que ele chamava a velhacaria e tirania de Pombal. Os Jesutas de Gnova forneceram
vveres para o resto da viagem, e obtiveram a permisso de receber
trs doentes com dois Irmos para lhes assistirem na sua casa
de noviciado.
Aps mais 19 dias de tormentosa viagem, ffi que estiveram
em srio risco de naufragar, conseguindo s a muito custo abrigar-se em Liorne, chegaram finalmente a Civitt-Vecchia, 94 dias
depois da sada do Porto, a 7 de Fevereiro, precisamente no mesm dia em que desembarcou a quarta leva-dos Jesutas de vora.

Quarta leva de Jesutas de Yora para Itlia


Aps a partida dos Professos do colgio de vora, a 27 de
Outubro, comearam os assaltos contra a vocao dos jovens

Memras de um Jesuta prisioneiro de Pombal

que ficaram, tanto ou mais ferozes que os que vimos se fizeram


aos de Coimbra. As mesmas promessas e as mesmas ameaas de
priso perptua. Os mesmos processos, mas aqui muito mais prolongados, porque este ataque se estendeu at ao fim do ano. Infelizmente, nem todos foram heris, pois s um heri poderia resistir
violncia persistente de tais investidas. Foram 23 os que sucumbiram: l1 filsofos,4 humanistas, I telogo, 6Irmos, e 1 novio.
Um deles, chamado Gomes, arrependido, conseguiu depois fugir
de Portu gal para ir a Roma lanar-se aos ps do Padre Geral,
que o recebeu de novo na Companhia. Um outro, Silvestre de
Andrade, depois de 2 meses de pertinaz resistncia s lgrimas e
splicas de seus pais, a ponto de dizerem dele que tinha um corao
de pedra, veio a ceder s ternas solicitaes de duas irms.
Finalmente, a 22 de Dezembro, todos os que se obstinaram
na fidelidade vocao foram avisados que se preparassem para
partir no dia seguinte. Havia entre eles dois Padres que sofriam

de gota, dois tuberculosos, e um outro com uma grande chaga


numa perna. Foram dados por incapazes de suportar a viagem.
Eles, porm, ateimaram to eloquentemente com os mdicos, que
estes os autorizatam a seguir com os outros. O P. Vasconcelos,
que por doena no pudera seguir com os Professos, j, alquebrado
pelos anos e pela doena, foi informado que o Rei lhe permitia
ficar em qualquer mosteiro sua escolha, com a roupeta da Companhia. Ele, porm, persistiu em seguir com os seus irmos, e
partiu para o exlio com 87 companheiros. Mas ao P. Carvalho,
de quem atrs falmos, no foi permitido partir, continuando
a suportar os grilhes do seu crcere.
No dia 23, depois de os sacerdotes terem celebrado Missa,
e os Irmos comungado, recitaram em comum a Ladanha de
Nossa Senhora, e pafiiram. Justia seja feita aos dois desembargadores que os trataram com humanidade e delicadez.a, bem diferente da maneira brutal que se teve com os de Coimbta e do Porto.
No primeiro dia transportaram-nos em 49 seges paa Montemor-o-Novo, onde chegaram pelas 3 horas, o onde um amigo da Companhia, chamado Martinho Jos Librio, desafiando as iras do
Ministro, os recebeu com um abrao e acolheu em sua casa, oferecendo-lhes mesa e abrigo.
Pela manh, vspera do Natal, depois da santa Missa, continuaram a jornada, e chegaam pelas 15 horas margem do Tejo.
Tiveram, !o1m, de esperar.g. noitecer para os 9earem descer
o rio em 3 barcas, a escurido da noite, aoitados por valentes

'

Apndice

btegas de chuva, que lhes no permitiram chegar a Lisboa antes

da meia-noite. Ancoraam, e ali ficaram ao relento, debaixo de


chuva at pela manh, espera das ordens do Ministro. S no
dia 26 de Dezembro os conduzham ao navio que os havia de levar
ao exlio. Renovaram-se ainda naquele dia os ataques constncia
destes jovens, e conseguiram que um deles baqueasse, cedendo
s instncias dos parentes e ao pavor dum exlio para toda a vida.
No dia seguinte, entraram a bordo mais 19 Jesutas, retirados
dos crceres de Azeit,o. Antes destes, houve 5 Irmos e 2 Escolsticos gue, depois de horrorosa priso, perderam a coragem e
escolheram a liberdade.
Mais triste foi a fragilidade de dois Professos de Coimbra
que em yez de
Diogo de Vasconcelos e Antnio Pimentel
- Pombal aferro-receberem logo a liberdade, foram por ordem de
lhados em Azeito, paru os obrigar mais tarde a despir a batina
na presena da juventude de Evora, a bordo do navio. Era uma
ltima tentativa para vencer a constncia daquela herica juventude. E os dias passavffi, e o navio no partia, embora o vento
fosse favorvel, e os prisioneiros continuavam amontoados no
poro, s noite lhes sendo permitido subir ao convs a respirar
um pouco de at puro.
So a 5 de Janeiro de L760 se fizeram vela, chegando no dia
26 a Gnova. Eram ao todo 88. Ali encontraram enflm alvio pa?
tantos sofrimentos fla caridade dos nossos Padres e na generosidade da nobtez.a genovesa. Desembarcaram I doente, e receberam 3 convalescentes que os da ltima leva ali tinham deixado
doentes. A 2 de Fevereiro, prosseguiu a viagem calmamente at
um dia antes dos de Coimbra
apofiarem a Civit
antecedncia de dois meses.
qe tinham parti
os pelas diferentes casas de
Os mai ido
Roma e de Tvoli. Os estudantes de filosofia foram recebidos na
sasa de campo do no
muitas as pessoas de
Entre eles os Cardeai
quiseram mesmo servi-los mesa.
Quinta leva de Jesutas das Ilhas para ltIia
Resta ainda descrever a odisseia dos Jesutas das Ilhas AdjaMadeira e Aores. A Companhia tinha nelas 4 colgios:

centes

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

Funchal, Angra, Faial e S. Miguel. O povo era sinceramente


amigo dos nossos Padres e Innos. Mas nada pde fazer por eles,
porque foi severamente proibido sob pena de morte de lhes dar
qualquer alvio, ou mesmo de se aproximar paru lhes dirigir uma
palavta ou lhes mostrar um gesto de simpatia. O Conde de S.
Vicente, governador da Madeira e responsvel pelo cumprimento
das ordens recebidas de Lisboa ) ea implacvel.
_ Nos Aores deu-se ainda uma vergonhosa particularidade:
que houv Religiosos de diversas Ordens que, ao ver os Jesutas
levados cativos a desfilar pelas ruas a caminho do crcere, aplaudiram radiantes com graolas sarcstioas e dsticos satricos. Houve
mesmo quem do pulpito desse graas, e explodisse em manifestaes de regozijo pela desgraa dos Jesutas. Mas no faltaram
tambm outros que ondenaram veementemente t,o escandalosos
excessos.

Por um ano inteiro retiveram presos os Padres e Irmos, at


13 de Julho de 1760 chegou Madeira um navio de guea
paa os recolher. No Funchal eram 10 Padres, 2 Escolsticos e
6 Irmos. Recolheu ainda mais 8 Padres e 3Irmos presos noutro
crcere, onde os sujeitaram ao mais cruel ffatamento. Dali navegaram para a Ilha Terceira, onde receberam a comunidade do
14 sacerdotes, 2 Escolsticos e 3 frmos.
colgio de Angra
A 13 de Agosto embarcaram
os de S. Miguel. E l foram todos
prisioneiros paa Lisboa, onde chegaram a 9 de Setembro, tendo
deixado o P. Teodoro, que falecera, sepultado nas guas do mar.
Ancoraam frente ao forte da Junqueira, e ali permaneceram todo
o dia enterrados no por,o, com as vigias cerradas para que nada
pudessem ver, nem ningum os pudesse ver.
A noite comeou o ataque cerrado fldelidade religiosa
daqueles Jesutas, nos mesmos moldes do que se tinha feito a tdos
os outros. Infelianente, deixaram-se vencer 9, cedendo s ameaas
ferozes e s promessas aliciantes. O P. Antnio da Cunha, muito
novo, estava gravemente doente, espera dos ltimos sacramentos
que lhe deviam administrar no dia seguinte. Mesmo assim, o assaltaram com as mais lisongeiras promessas, se deixasse a vida religiosa. Mas resistiu tenazmente. E Deus recompensou-o, curando-o
inesperuda e subitamente.
Apenas desembarcados, retiveram trs Jesutas estrangeiros,
1 Espanhol e 2lngleses paa os atirar para as masmorras de Azeito.
ao todo subiram ao barco holands que os
Os outros,
- a49Civitt-Vecchia.
Foi a mais feliz das travessias.
transportaria
que

Apndice

287

Saram de Lisboa a 13 de Setembro, e chegaram ao destino no


l.o de Outubro. A, aps 11 dias de quarentena, se distriburam
por diferentes casas da Companhia, em Roma, Tvoli e Castelo
Gandolfo.
Sexta leva de Jesutas libertos do crcere de Azeito

enquanto estes exilados, graas bondade paternal de


XIII, Eozavam a liberdade da vida religiosa no seu desterro, os que penavam em Azeit,o eram ainda submetidos aos
mais rduos combates. A 27 de Janeiro de 1761, o desembargador Novais penetrou de novo nas masmorras de Azeito para
oferecer qules infelizes a liberdade que podiam comprar com
o preo da infldelidade vocao. Mas por tal preo todos recusaram a ansiada liberdade, e preferiram continuar enterrados
vivos naquelas espeluncas. Logo no dia seguinte, morre o P. Joo
Lopes, Reitor do colgio de Setbal, o pouco depois, o P. Antnio
Pais, venerando ancio que estava cego havia 30 anos. Mesmo
assim, foi inseparvel companheiro do P. Malagrida nas longas
correrias apostlicas da selva do Maranho. E tantos trabalhos
foram coroados com o martrio da priso tenebrosa de Azeito,
donde Deus o chamou ao prmio eterno. Ali sucumbiram tambm
dentro de pouco tempo o P. Manuel Taborda, que trocara as
prises do Maranho pelas de Azeito, e o fr. Carlos Correia,
Brasileiro, homem de maravilhosa caridade paru com os pobres.

Clemente

Os Jesutas do Oriente
Em fins de Maio de 1761, chegaram a Lisboa os sobreviventes

da trgica viagem dos que tinham embarcado em Goa rumo

holands que os devia transp ortar ltlia.


No 1.o de Junho de 176L, embarcaram estes 59 Jesutas desterrados para os Estados Pontifcios. Eram tantos os doentes gue
quiseram munir-se dos santos leos para a viagem. Mas at isto

288

llemorias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

foram insultados e vaiados pela multido moura. fnterveio o


cnsul dinamarqus Joo Joaquim Ployart que protestou
- navio, e reclacontra o insulto feito- sua bandeira hasteada no
mou que aqueles passageiros condenados a desterro pe{ptuo
no qodiam considerar-se portugueses, - nem o Rei de Portu gal
pagaa nada pelo seu resgate. Na misria e sofrimento em que

da Assuno. Dirigiram-se logo igreja gue the dedicada paa


Lhe renderem os seus flliais agradecimentos.
Muito haveria ainda a dizer da dolorosa odisseia dos
Jesutas do Brasil e vice-provncia do Maranho, mas dela j
Eckart nos relatou muitos e repugnantes episdios.

CONCTUSO

Ao longo destas pginas, o que mais ter supreendido o leitor


a veemncia do rancor incrvel de que um corao humano
capaz. Toda a profunda detestao da Santa Igreja Romana gue
a ideologia jansenista e iluminista inspirava aos filsofos enciclopedistas .virou-se contra a Compaqhia de Jesus, reputada como
o seu principal muro de defesa. E isto fez cair sobre ela as mais
esq?+tosas acusaes. O Mar.qus de Pombal foi urya 4ut lguras
polticas que-gncarnaram mais ao vivo e;ta ideolo gi?. A primeira
coisa que se lhe impunha era denegrir o bom nome daquela Instituio, corno primeiro passo paru a sua completa destruio da
face da terra.
Diante disto, surge naturalmente uma pergunta: Estaria
realmente relaxada a Companhia de Jesus no sculo XVIII ? E
em particular, os Jesutas da Assistncia Portuguesa ?
O Geral Lorenzo Ncci, morto no crcere do Castelo de
Sant'Angelo a 24 de Novembro de 1775, poucos dias antes de
falecer, ao receber o sagrado Vitico, leu diante da Hstia consagrada, esta solene declarao que previamente redigira:

Na certeza de que em breve Deus me vai chamar a ^Si, dada


a minha avanada idade e os longos trabalhos por que passei,
muito
superiores minha fraqueza, entendo que devo preventivamente

cumprir um dever que me pesa, pois pode facilmente acontecer que


a doena me venha a impedir de o fazer in articulo mortis.
<<Considerando-me, portanto, prestes a comparecer perante
o tribunal da Justia e Verdade infalvel, que o tribunal de Deus,
depois de longa e madura considerao, e depois de ter suplicado
humildemente ao meu misericordiosssimo Redentor e terrvel Juiz
no permita que eu, num dos ltimos actos da minha vida, me deixe
levar da paixo ou ressentimentos da alma para um fim menos ordenado, mas s pelo sentimento do dever, para fazer justia verdade

e
19

inocnciaz

Memras de um Jesuta prisioneiro de Pombal


<<f. Declaro e protesto que a extinta Companhia de Jesus no
deu motvo algum para a sua supresso. Declaro-o e protesto com
aquela certeza moral que pode ter um Superior bem informado

cerca das coisas da sua Ordem.


II. Declaro e protesto que eu no dei motivo algum) nem sequer
leve, para a minha priso. Declaro-o com aquela plena certeza que
cada um tem das prprias aces. Fao este protesto somente porque ele necessdrio reputao da extinta Companhia de Jesus,
da qual ui Prepsito Geral.
<<No pretendo com isto declarar culpdveis diante de Deus os
que tanto dano causaram Companhia de Jesus e a mim. Abstenho-nt de tal juzo, pois que os pensamentos e afectos humanos so
conhecidos s de Deus, e s Ele pode julgar as intenes de que depende a moralidade das aces externos...
<<E como Cristo, declaro que sempre, com o auxlio divino,
perdoei e perdoarei sinceramente a todos aqueles que me cumularam de tantos trabalhos e angstias: primeiro com os agravos feitos
Companhia de Jesus; depois corn a extino da mesma e as dolorosas circunstncias que a acompanharam; finalmente com a minha
priso, os maus tratos que me infligiram, e com os danos minha
reputao, pblicos e notrios em todo o mundo.
<<Peo ao Senhor que por Sua pura misericrdia, e pelos mritos
de Jesus Cristo, ffi perdoe os meus muitos pecados, e perdoe aos
autores e cooperadors de tantos males e tanios danos. com estes
sentimentos e com esta orao no corao que quero morFer.
<<Rogo finalmente, e suplico a todo aquele que vir esta declarao e protesto, que na medida do possvel, a faa pblica em todo
o mundo. Peo por todos os ttulos de humanidade, justia e caridade
crist, que se d cumprimento a este meu desejo e pedido>>.

A trgica derrocada da Companhia de Jesus comeou com


as provncias da Assistncia Portuguesa. E foi admir vel o testemunho que deram de esprito inaciano, e de fldelidade vocao
religiosa.

Mas uma das pginas mais belas desta gloriosa tragdia


escreveram-na certamente as centenas de jovens Jesutas que
enfrentaram de fronte erguida os mais cerrados ataques. Maus
tratos, ameaas de crcere perptuo ou de abandono em ilhas
desertas at morrer de inanio, promessas fagueiras de um futuro
risonho numa sociedade onde lhes prometiam ser recebidos com
aplauso; lgrimas e meiguices de mes e irms; conselhos e spli-

Concluso

cas instantes de parentes e amigos; trgicas perspectivas dum


desamparo... a tudo ofereceram
deixando-se, com escassas excerptuo, antes que violar os comsa Companhia de Jesus.
corecimento a notcia de gue,

relo Arcebispo desta arquidiocese.


Nascido em Pa, concelho de Moimenta da Beira (Lamego),
em 1740, Manuel Marques entrou na Companhia de Jesus, a 24
de Maro de 1756. Nesse mesmo ano partiu para o Brasil, onde
terminou o noviciado e estudou retrica, vindo a concluir a sua
filosfica e teolgica
em Ttlia, para onde fora
formafls
- sacerdote
em 1768, e um ano
exilado no- ano de 1760. Ordenou-se
depois, foi enviado como professor de filosofia e teologia para
Sellano, onde permaneceu at morrer, em odor de santidaoe,
a 15 de Maro de 1806.
Estaria moralmente decadente e relaxada uma famlia religiosa que to rrja tmpera espiritual forjava nos seus filhos mais
novos ?
A Companhia morreu escrevendo com o sangue dos seus
filhos uma das pgnas mais belas dos seus prprios anais, e mesmo dos anais da Santa Igreja no sculo XVIII.
Apesar das falhas prprias de toda a instituio human,
mostrou que no estava moralmente decadente.
Que tantos mrtires da vocao que apodreceram nas masmorras pombalinas, ou que foram deixar os ossos espalhados
por terras de exlio, sejam paru os religiosos deste final do sculo
XX um estmulo vivo, e uma intercesso poderosa junto de Deus.

A. M. D. G.

NDICE
... ... ..r ... ... ... .o. ... ... ... ... ... ... o.. ...
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... .e.
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Os trs primeiros persgguidos ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

PREFCIO ... ...


ANO DE 1754 ...
ANO DE 1755 ...

7
L7
19

19
2L

2t
23

Afastados da corte os confessorgs reais . ..


Mais cinco Jesutas exilados do Maranho

... ... ... ... ... ...


... ... ... ... ,..
O Padre David Fay e a tribo dos Amanajs ... ... ... ... ...
Eckart expulso do Par com mais nove Jesutas viaja

29

1758

Chegada

24
26
27

at

Lisboa

ANO DE

23

31

a Lisboa

32

Desembarque e comeo da viagem pa o exflio em Sanfins ...


Libelo de acusao contra os Jesutas ... ... ... ... ... ... ... . ..

Acusaes contra o Padrg Eckart ... ...


... ... ...
Jesutas acusados de possurem dois canhes ...
... ...
Continu ao da viagem pata Sanfins ... ... ... ... ... ...
Passagem pelo Porto .. o ... .. o ...
... ... ... ... ...

... ...
... ...
... ...
... ...
Chegada a Sanfins . ... ...
. ... ... ... ... ... ... ...
Novas calnias ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... .,.
Bula de reforma de Bgnto XIV ... ...
.. . ... ... ... ...
Jesutas proibidos de exerce,r ministros . .. ... .. !
.. ... ...
Defesa apresentada pelo Padre Malagrida ao ,Papa o. ... ... ...
.,

33
34
36
37

40

4t
43

44
4s
48
50

Memrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

294

Reaces Bula Pontifcia ... ... ... o.. ... ... ... ... ...
Visita apostlica de Saldanha C.,ompanhia ... ... ... ... ...

...
...
Atgntado contra D. Jos ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
AhtO DE 1759 ... ..o ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ..r ...
Encarcgrados os primeiros Jesutas ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Jesutas incriminados como instigadores do atentado ... ... ...
Invadida a residncia de Sanfins
. ... ... ... ... ... ... ...
NOVaS priSeS ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Comga o cativgiro do Padre Eckart ... ... ... ... ... ... ... o..
Eckart lgvado com outros Jesutas ... ... ... ... ... ... ... ...
Clregam a Braga ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Morte do Padre Jos Morgira ... ... ...... ... ... ...... ......
Exigncias de Carvalho e Melo junto da S ... ... ... ... ... ...
Carta de Clemgntg XIII a D. Jos ... ... ... ... ... ... ... ...
Decreto de expulso dos Jesutas .. . ... ... ... ... ... ... ...
Rgforma dos Jesut'as no Brasil ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
D. Gaspar de Bragana (Palhav) - Arcebispo de Braga ... ... ...
Jesutas levados de Braga para o Porto .. . ... ... ... ... ... ...
Eckart chega ao Porto ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
De novo a caminho do gxflio ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Eckart chega ao forte de Almgida ... ... ... ... ... ... ... ...
ANO IIE 1760 ... .o. ..o ... .o. ... ... ... ... ... ... ... t.o ... ... ...
Clemente XIII com a Igreja defende a Companhia ... ... ... ...
A narrao volta aos crceres de Almgida .. .. .. . .. . .. . ...
Casamento dg D. Pedro com D. Maria ... ... ... ... ... ... ...
Nncio Apostlico expulso dg Portugal ... ... ... ... ... ... ... ...
Jesutas do Maranho aportam a Lisboa ... ... ... ... ... ...
..

AltO DE 176l ... ... ... ... .to ... o.. ... ..o ... ..o ... ..o ... ... .o.

52
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6l
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93

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96

96
97
101

Os Jesutas da sia capturados e enviados para Lisboa ... ... lgl


A Provncia do Malabar conlegue escapa fria de Pombal ... 10S
Condenao e execuo do Padre Malagrida ...... ... ... r.. 106
De novo gm Almeida ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... .. ! ... lI4
AI\[O

DE

1162

..o ..o ...

... o.o ..t

o.! ...

..o ...

... .o. .o. ... ... o..

ll7

... .,. ,.. ... ... ... ..o ll7


Do forte de Almeida para o de S. Julio da Barra ... ... ... ... l1B
Comea o cativeiro em S. Julio da Barra ... .. o ... .. ... . . l2O
Cartas de Clemente XIII em defesa da Companhia ... ... ... ... 123
Espanhis atacam o fortg dg Almgida ... ... ... ... ... .. o ... 123

Bispos dg Frana dgfgndgm os Jesutas

lndice

295

Elegia de um dos cativos Virgem Maria ... ... ... ... ... ...
Comunicao dos prisioneiros gntre si ... ... ... ... ... ...

ANO DE

...
...

1763

Tratado dg paz (guerra dos sete anos) . .. ... ... ... ...
Nascimento e morte do prncipe D. Joo ... ... ... ... ...
At aos moribundos se negam os sacramentos ... ... ...

... ...
... ...
... ...
ANO DE 1764 ... ... ... ... ... ... ... ... ... .,. ... ... ... ... ... ...
A Co'mpanhia perseguida gm Frana .. o ... ... ... ... ...
Pombal e D. Joo V face Companhia ... ... ... ... ... ... ...
Trs Jesutas de Azeito para ltlia
Mais Jesutas de Macau gm S. Julio ...

l2S
lZ7
131
131

134
136
139
139

IN
t4t

... ... ...

... ... ...

ANO DE 1765 ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Morrem mais sete Jesutas em So Julio . .. ... ... ... ...
Como se tratavam os doentgs ...
... ... ... ... ... ... ...
Expulso dos Jesutas de Macau ... ... ... ... ... ... ...

r42

... 145
... 145
... 147
... 147
ANO DE 1766 ... ...
... ... ... ... oo. ... ... ..o ... ... ..o ... ... 151
Morem mais dois Jesutas em S. Julio .. . ... ... ... ... o.. ... 151
Morre o Prncipe D. Manuel, tio do Rei ... ... ... ... o.. ... lS2
Trs Jesutas franceses o postos em liberdade ... ... ... ... ... 153
ANO DE 1767 ... ... ... ... ...
... .. o ... ... ... ... .. o ... ... ... tS7
Mortg dos Padres e Wolff ... ... ... ...
... ... ... ... ... ... I57
Os Jesutas expulsos de Espanha ... ... ... ... ... ... ... ... ... 161
Mais humilhaes a que os presos so expostos ... .. ... ... .. . 161
37 prisioneiros postos em libgrdade ... ... ... ... ... ... ... ... 163
Probe-se a publicao das bulas pontifcias o. ... ... ... o. ... 165
Expulso dos Jesutas do Reino de Npoles ... ... ... ... ... ... 165
Novo comandante no forte e exerccios militares .. . ... ... ... 165
ANO DE 1768 ..o ... ... ... ... o.. ... o.. ... ... ... ... ... ... ..o ..o ... 167
Ainda a vingana nos Jesutas presos em Azpito ... ... ... ... lG|
Reforma dos estudos da universidade de Coimbra ... ... ... ... 168
Julgamento e condenao do Bispo de Coimbra .,. ... ... ... ... 169
ANO DE 1769 ... ...
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... t73
Mortg de Clgmgnte XIII ... .. o ... ... ... ... ... ... ... ... ... 173
Jesutas reclusos de Azeito transferidos para S. Julio ... ... o.. t74
Eleio de Clemgntg XIV
... ... ... ... ... .. . ... ... ... ... ll5
Morre Mendona Furtado ... ... ... ... ... ... ., o ... ... ... ... 176
.

Me'mrias de um Jesuta prisioneiro de Pombal

296

... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
... ... ...
... ...
Carvalho
... ... ...
A corte de Lisboa reconcilia-se com o Vaticano
... ...
...... ... ......
...
ANO DE l77l
...
Alguns pormenores sobre a Torre de S. Julio ...
... ...
Pombal manda demolir a Fortaleza de Mazagfio
... ...
...
Bula da Santa Cruzada
...
Morrem mais dois Jesutas da Provncia de Goa ...
... ... ...
.. ...
...
... ...
O Natal de l77l
... ... ... ... ... ...... ... ......
ANO DE 1772 ... ...
... ... ... ... ... ...
Clemente XIV e a Companhia ... i r
... ... .. o ...
Morrem mais dois Jesutas ...
... .. .
... ... ... ...
..
Funerais gm S. Julio ...
... ... ... ... ... ...
A insacivel ambio de Pombal
o.. ... ... ...
...
... ... ...
ANO DE 1773 ... ... ...
Realiza-se o sonho do Marqus: a supresso da Companhia
... ... ... ... ... ... ... ...
ANO DE 1774 ... ... ... ...
ANO DE

1770

Morre Paulo de

O Clero de Frana no aceitou a Bula

Dominus

179
181
183
183

184
185
186
186
189
189

190
190
191
195
195

201

ac Redemptor 202

...
... ... ... ...
XIV ...
... ... ...
O Libelo Dilogo no Imprio dos mortos ...
...
... ... ... ... ...
... ... .,. ...
ANO DE 1755
Exacerba-se o furor anti-jesutico de Pombal ... ... ... ...
gleito Pio vI
... ... ... ... ...
... .,.
... ... ...
... ...
Inaugurao da esttua equestre .. .
... ... ...
Visita de El-Rei ao Palcio de Pombal
... ...
Horrorosa execuo de Joo B. Pele
... ... ... ...
Morte e funeral do P. Lotenzo Ricci
... ... ... ...
... ...
... ... ... ... ...
ANO DE 1776 ...
Priso de dois Jesutas nobres e dos Meninos de Palhav ... ...
Uma biografia de Clemente XIV
... ... ... ... ...
Morre o Cardeal Saldanha ... ...
... ... ... ... ... ... ...
ANO DE 1777 ...
... ... ... ... ... ... ...
...
Morre o Rgi D. Jos
... ... ... ... ... ... ... ...
Prisioneiros Jesutas postos finalmente em liberdade ... ... ...
Exploses de alegria com a libertao dos Jesutas ... ...
Exploso do dio popular recalcado contra Pombal ... ... ... ...
Morre Clemente

179

203
204
207
207
208
208

210
210

212
215

2ts
216
217

2lg
220
222
223
Z2S

lndice

297

Pombal no desterro
Jesutas retomam os seus ministrios

...

226
226

Aclamao de D. Maria I e do Prncipe consorte


Celebra-se pela primeira vez e,rr Portugal a festa
Prisioneiros regressam

vida

... ...

22t

...

... ...

...
embaixador da

Eckart troca as masmorras pelo Palcio do


. .. ... ... ... ... ... ... ...

ustria

...
...
...
..,

Eckart embarca para Gnova

227

229
231
232

Chegada a Gnova ... ...


Prossegue a viagem por Milo
Prossegue de Milo para Munique
Ainda a expulso dos Jesutas de Espanha ...
Tentativas inteis para obter a libert ao dos Jesutas alemes
Jesutas portugueses enviados como missio,nrios Ilha de Cayenne

240
242
243

CTLOGO DOS RELIGIOSOS DA COMPANHIA PRESOS NAS


MASMORRAS POMBALINAS OU MORTOS A CAMINHO DELAS...

247

...

APENDICE

...

...

Jovens Jesutas

Colgio de Coimbra
Segunda leva de professos para ltlia
Publica-se

o decreto de conden ao

aaa

aaa

aaa

o exlio
presos em Azeit,o ...

Primeira leva de deportados para

aaa

aaa

aaa

237

269

270

aaa

273

274
275

... ... ... .


e expulso

276
277
280

oaa

Mais ataques perseverana dos jovens Jesutas de Coimbra


Os jovens de Coimbra so levados para o Porto
aaa

aaa

Comunidade do Colgio de Bragana


...
Os Jesutas de Braga
Embarcam paa Lisboa

234
235

aaa

28t
...

...
de Jesutas jovens para l't.Iia ... ...

281

...
...

Terceira leva
Quarta leva de Jesutas de vora para ltlia
Quinta leva de Jesutas das Ilhas para Ttlia ...
Sexta leva de Jesutas libertos do rcere de Azeito
.,. .. . ... ... ... ... ...
Os Jesutas do Orientg

282

aaa

aaa

aaa

aaa

aaa

283
283
285
287

aaa

aaa

287

289

MEMRIAS DE UM JESUITA PRISIONEIRO DE POMBAL


FOI COMPOSTO E IMPRESSO NAS OFICINAS GRFICAS
DA EDITORIAL FRANCISCANA. BRAGA, PARA A LIVRA.
RrA A. r. - BRAGA E ED|ES LOYOLA - SO PAULO,
NO MS DE OUTUBRO DO ANO DE 1987

Depsito Legal N.e 16204187

Expe-nos agui a sua ffag dia um Jesuta


alemo 9ue, como tantos outfos tta efa
pombalina, passou longos anos numa cela
subterrnea do forte de S. Julio da Barra,
sem nunca tet sido iulgado nem sentenciado.
So pginas gue nos fazern sentir duma
manefua palpitante o ambiente poltico e
social do povo portugus, numa das pocas
mais desconcertantes e discutidas da nossa

histria.
Restitudo liberdade com a subida ao
trono de D. Mada I, o autor volta Rennia,
sua terra natal, e escreve as memrias desses
18 anos de priso celular. Conta, como
observador saga4 o gue vu e ouviu no
longo peregrinar de crcere em ctcere, at
ser finalmente encefrado no forte de S.
Julio da Barra.
Uma Yez em liberdade, os seus olhos,
por longos anos cerrados taa escurido,
abrem-se deslumbtados paru o que se passa
em redor, e descreve em cores vivas e realistas o que observou em Portu gal e nas
terras percorridas de volta sua ptria.

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