Periferização e Metropolização No Brasil e Na Bahia - Serpa
Periferização e Metropolização No Brasil e Na Bahia - Serpa
Periferização e Metropolização No Brasil e Na Bahia - Serpa
Periferizao e metropolizao
no Brasil e na Bahia:
O exemplo de Salvador
Resumo
Neste artigo, discute-se os processos de metropolizao e periferizao na Bahia e
no Brasil a partir do exemplo de Salvador-BA, abordando-se temas correlatos
como a criao de regies metropolitanas na escala nacional, os movimentos
migratrios campo-cidade, a industrializao, a favelizao e os recentes fenmenos de suburbanizao e involuo metropolitana, observados nas metrpoles nacionais. Em um segundo momento, a anlise est focada na organizao
espacial do municpio de Salvador e de sua regio metropolitana bem como na
distribuio das classes sociais no espao urbano e metropolitano. Conclui-se, para
o caso da capital baiana, que polarizao social e espacial so fenmenos manifestos em todo o territrio metropolitano e no s na produo de habitaes como
tambm na oferta de lazer e de emprego, de comrcio e servios, etc. Mas, mesmo
com dficits evidentes de infra-estrutura, com o quadro generalizado de pobreza,
desemprego e problemas ambientais, os bairros populares da metrpole so centrais para a diversidade social e cultural no espao metropolitano. E isso acontece
apesar da concentrao dos equipamentos culturais nos bairros de classe mdia
em Salvador e nos demais municpios da Regio Metropolitana.
Palavras-chave: periferizao; metropolizao; regies metropolitanas; reas
de urbanizao popular; cidade popular.
Abstract
THE PERIPHERY AND METROPOLITAN PROCESS IN BRAZIL AND BAHIA:
THE SALVADOR EXAMPLE
This article argues the periphery and metropolitan process in Bahia and in Brazil
using the Salvador-BA example, approaching topics kike the metropolitan regions
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planejamento regional na escala metropolitana fracassaram, pois os investimentos e projetos pblicos necessitavam de alguma espcie de mediao entre os diferentes municpios que compunham as principais aglomeraes do pas, que, em geral e freqentemente, concorriam entre si
pelas intervenes pblicas e privadas.
As estratgias de planejamento na escala metropolitana agravaram
ainda mais os processos de periferizao nas principais aglomeraes brasileiras, onde os problemas dos municpios-sede foram simplesmente deslocados para os demais municpios metropolitanos, reproduzindo tambm, e em todo o pas, o modelo centro-periferia no interior das metrpoles. A ampliao dos processos de suburbanizao em todas as regies
metropolitanas brasileiras condicionou a rpida (e precria) urbanizao
de todos os municpios das aglomeraes nacionais, contribuindo para a
desestruturao dos espaos rurais e para o rpido crescimento
populacional, decorrente das migraes campo-cidade.
As migraes campo-cidade se constituem na mais importante forma
de movimentos migratrios internos no Brasil (ao lado de outras formas
como as migraes intermunicipais, intra- e transregionais, etc.). Esse
tipo de migrao, junto ao crescimento natural da populao, uma das
razes principais do alto grau de urbanizao no pas. A incontrolvel fuga
dos campos brasileiros est em estreita ligao com o grau diferenciado
de industrializao de seus respectivos estados. O principal problema a
rapidez que caracterizou o crescimento demogrfico das principais cidades brasileiras nas ltimas dcadas (SERPA, 2007a).
A fuga dos campos no apenas agravou a polarizao entre espaos
urbanos e rurais, como tambm aprofundou as disparidades entre os estados e regies, especialmente entre a regio Sudeste e suas megacidades1,
Rio de Janeiro e So Paulo, e a regio Nordeste, onde misria e pobreza
fazem parte do cotidiano da populao. Como megacidades, Rio e So
Paulo esto entre as maiores aglomeraes do Planeta. O Brasil tem ainda outras 24 regies metropolitanas2, algumas com mais de um milho de
habitantes. Essas cidades-regies concentram aproximadamente a metade da populao urbana do pas, destacando-se sua dominncia hierrquica em relao s pequenas e mdias cidades brasileiras.
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2. O Exemplo de Salvador
A capital baiana, com seus cerca de 2,5 milhes de habitantes, enfrenta problemas decorrentes do rpido crescimento populacional das ltimas dcadas, como a pobreza de uma boa parte da populao, desemprego, dficit habitacional e sobrecarga da infra-estrutura instalada. A situao nos bairros populares perifricos frequentemente desoladora. Muitos moradores sequer dispem do mnimo necessrio para sua sobrevivncia, ganhando o salrio mnimo como vendedores ambulantes ou
empregados domsticos. Muitos esto desempregados ou trabalham na
informalidade, sem direitos trabalhistas ou segurana social. Nas reas
de urbanizao popular da cidade, faltam creches, escolas e cursos
profissionalizantes. A situao agravada com o aumento da criminalidade.
Mesmo como uma pequena metrpole regional no contexto brasileiro, Salvador apresenta, h muito tempo, altas taxas de crescimento de sua
populao. Como outras metrpoles regionais nordestinas a exemplo de
Recife e Fortaleza Salvador recebe migrantes do interior ou funciona
como etapa intermediria para aqueles que desejam migrar para outras
aglomeraes metropolitanas do pas.
No entanto, mais recentemente, tambm em Salvador a taxa de crescimento
populacional vem se aproximando da mdia nacional, de modo que como j
acontece h algum tempo em cidades como Rio de Janeiro e Recife, assim como
mais tarde em So Paulo e Porto Alegre tambm na capital baiana esperado
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Figura 1
SALVADOR: RESPONSVEIS POR DOMICLIOS SEM RENDIMENTO OU COM RENDA AT 2 SM POR SETOR CENSITRIO
Figura 2
SALVADOR: RESPONSVEIS POR DOMICLIOS COM RENDA ACIMA DE 20 SM POR SETOR CENSITRIO
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Figura 3
SALVADOR: VALOR MDIO DOS TERRENOS EM
DLARES/ METRO QUADRADO POR REGIES ADMINISTRATIVAS
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Polarizao social e espacial so fenmenos que se manifestam portanto em todo o territrio metropolitano e no s nas habitaes como
tambm na oferta de lazer e de emprego, de comrcio e servios, etc.
Shopping-centers modernos e oferta de bens e servios diferenciados esto
diretamente relacionados e prximos dos condomnios e edifcios de alto
padro construtivo das camadas de maior poder aquisitivo, reforando o
processo de suburbanizao/periferizao. A formao de guetos de luxo,
denominados de condomnios fechados, fenmeno generalizado para toda
a Regio Metropolitana de Salvador, convive lado a lado com o surgimento
de reas de urbanizao popular e favelas, como descrito por Kohlhepp
(1997) nos anos 1990 para So Paulo.
As reas de urbanizao popular resultam em sua maior parte do
esforo e do trabalho dos moradores, j que so deficientes as polticas
habitacionais para populao de baixa renda na cidade e no pas. O bairro
de Cajazeiras, no miolo do municpio-sede, um exemplo de conjunto
habitacional popular, construdo ao longo dos anos 1980 e caracterizado
por edificaes com baixo padro construtivo e precariedade arquitetnica
e urbanstica. Hoje, as reas de urbanizao popular na RMS caracterizam-se por uma mistura de habitaes auto-construdas e conjuntos
habitacionais construdos pelas prefeituras e pelo Estado, freqentemente
afastados das reas centrais, o que implica em altos custos de transporte
para seus habitantes. Por outro lado, os bairros populares mais antigos,
localizados na orla da Baa de Todos os Santos no municpio-sede, atraem
tambm setores mdios da populao, que usufruem de alguma infraestrutura e preos mais vantajosos nas reas mais consolidadas. Muitos
trabalham na indstria, na construo civil ou no setor de comrcio e
servios, alguns at no servio pblico.
3. Concluso
Se a Regio Metropolitana de Salvador fosse um pas ela s perderia
em termos de desigualdades sociais para a Nambia. Esse o resultado de
um estudo da CONDER Companhia de Desenvolvimento Urbano do
Estado da Bahia, publicado no final de 2006 (JORNAL A TARDE, 28/12/
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2006; CONDER, 2006). Para dar conta dessas desigualdades seria urgente
e necessrio desconstruir a viso hierrquica que embasa o modelo Centro-Perifeira, presente nos programas e planos governamentais, de modo
a considerar paulatinamente as diferenas qualitativas existentes entre os
espaos da metrpole, sem transformar diferena em desigualdade. A diferena no algo em si negativo, o problema quando as diferenas so
valoradas e hierarquizadas.
Mesmo com dficits evidentes de infra-estrutura, com o quadro generalizado de pobreza, desemprego e problemas ambientais, os bairros
populares da metrpole so centrais para a diversidade social e cultural
no espao metropolitano. E isso acontece apesar da concentrao dos equipamentos culturais nos bairros de classe mdia em Salvador e nos demais
municpios da Regio Metropolitana. Importante observar nesse contexto
que no se trata de modo algum de uma idia hegemnica de cultura, de
uma idia de cultura erudita, mas, ao contrrio, de idias de cultura
alternativas cultura dominante, que se manifestam no dia-a-dia das reas de urbanizao popular da metrpole (SERPA, 2004 e 2007b).
Se levarmos a srio a idia de cultura popular, ento seria necessrio tambm questionar a inadequao dos equipamentos scio-culturais e a
poltica de gesto e produo cultural na metrpole soteropolitana. De modo
paradoxal, as reas de urbanizao popular das periferias metropolitanas
transformam-se em centros de cultura urbana em Salvador, no corao de
diferentes manifestaes da cultura afro-brasileira, como os blocos afro Il
Aiy e Araketu, por exemplo. Como local de nascimento de muitos artistas,
que encontram grande sucesso na indstria cultural do pas, as reas de
urbanizao popular das periferias soteropolitanas desempenham um papel central na maior festa de rua do planeta: o Carnaval de Salvador.
So as iniciativas dos cidados e no as teorias do conhecimento cientfico (teoria social, teoria poltica, Marxismo, Liberalismo, etc.) que produzem a liberdade (FEYERABEND, 1980, p. 163). No seu livro Conhecimento
para pessoas livres, Paul Feyerabend defende um relativismo democrtico,
cujo ponto de partida deveria ser o princpio de igualdade de todas as tradies presentes nos pases e instituies sociais e polticas. O grau de liberdade de uma sociedade maior quando diminui o preconceito em relao s
diferentes tradies que ela abarca. Uma sociedade que dispe de diversifica-
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dos conhecimentos e tradies tem maiores possibilidades de ao e julgamento que aquela sociedade que se limita a uma nica ideologia dominante.
Muitas manifestaes e grupos culturais, graas ao trabalho de associaes de moradores e organizaes no governamentais, acontecem nas reas de urbanizao popular das cidades e metrpoles brasileiras sem nenhum
apoio institucional ou financeiro. Elas representam, muitas vezes, um capital
cultural desconhecido e invisvel, do qual as cidades e seus habitantes poderiam tirar mais proveito do que ocorre at aqui. A valorizao destas idias de
cultura alternativas poderia funcionar, sem sombra de dvidas, como uma
eficiente estratgia de desconstruo do estigma e do preconceito em relao
a grupos frgeis scio-economicamente, mas ricos e diversos no tocante ao
capital cultural que dispem e reproduzem no seu cotidiano.
Ao invs de basear-se em princpios abstratos e universais, polticos e
planejadores deveriam dialogar livremente com esses grupos, que certamente poderiam contribuir para a diversificao das estratgias de planejamento
urbano e metropolitano. Trata-se de radicalizar o processo de subjetivao da
poltica, como defendido por Feyerabend, incorporando ao mximo a populao das reas de urbanizao popular nos processos e estruturas de deciso
sobre os destinos da cidade e da metrpole. Polticos e planejadores deveriam
desempenhar assim o papel de mediadores, desconstruindo as estratgias
atuais de controle social e garantindo o desenvolvimento social em liberdade.
Finalmente, preciso reconhecer as reas de urbanizao popular
da metrpole como lugares do cotidiano e da vida, como prioridades do
planejamento urbano e metropolitano, garantindo a participao popular
como valor social e poltico supremo.
Notas
1
Belm (PA), So Lus (MA), Fortaleza (CE), Natal (RN), Recife (PE), Macei (AL), Salvador (BA),
Belo Horizonte (MG), Vale do Ao (MG), Vitria (ES), Baixada Santista (SP), Campinas (SP),
Curitiba (PR), Londrina (PR), Maring (PR), Florianpolis (SC), Vale do Itaja (SC), Norte e
Nordeste Catarinense (SC), Regio Metropolitana da Foz do Rio Itaja (SC), Regio Metropolitana da Carbonfera (SC), Regio Metropolitana de Tubaro (SC), Porto Alegre (RS), Goinia
(GO) e RIDE (DF-GO-MG).
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quilmetros respectivamente, conquistaram o status de pertencer RMS, depois da aprovao do projeto de lei pelos 51 deputados presentes na Assemblia Legislativa da Bahia. Com
a incluso de seus territrios na RMS, os gestores das duas cidades passam a ter maiores
chances de ampliar o aporte de recursos repassados pelos governos estadual e federal
(JORNAL A TARDE, 17/12/2007).
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