Metodologia e Teorias No Estudo Das Migrações
Metodologia e Teorias No Estudo Das Migrações
Metodologia e Teorias No Estudo Das Migrações
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Sumrio
I
A ARTE DE PESQUISAR SOBRE MIGRAES
Pressupostos metodolgicos para a pesquisa em cincias sociais...7
1. Introduo..............................................................................................................................7
2. A profisso de pesquisar: a abduo, a retroduo e o pensar
de reverso..................................................................................................................................10
3. A imaginao sociolgica.......................................................................................19
4. A obra mestra e o esboo.....................................................................................23
5. A entrada no tema e a importncia da porta de ingresso...........26
6. O olho clnico................................................................................................................30
7. O trabalho de campo e o trabalho do dirio..........................................35
8. A arte de narrar...............................................................................................................38
II
TEORIAS DA MOBILIDADE HUMANA
Reviso bibliogrfica........................................................................................43
1. Introduo...........................................................................................................................43
2. Teorias para o Estudo da Mobilidade Humana.....................................55
3. Elementos de histria das teorias das migraes.................................62
4. As abordagens econmicas..................................................................................76
4.1 A teoria neoclssica.............................................................................................................78
4.2 A teoria da nova economia das migraes.........................................................82
4.3 A teoria da migrao familiar e da seletividade da migrao................84
4.4 A teoria do duplo mercado de trabalho
(ou mercado segmentado)........................................................................................................86
4.5 A World Systems Theory...................................................................................................89
I
A ARTE DE PESQUISAR SOBRE
MIGRAES1
Pressupostos metodolgicos para a
pesquisa em cincias sociais
Jorge Durand2
Evidente, meu querido Watson.
Arthur Conan Doyle.
1. Introduo
Os principiantes copiam e colam e, com o tempo, entram em
um processo de produo padronizado. Finalmente, se tm capacidade, podem criar sua prpria verso, sair dos moldes, desenvolver seu estilo. um processo. Neste texto pretende-se analisar
as caractersticas essenciais desse processo.
No decorrer do tempo e com os avanos da tecnologia, os mtodos qualitativos se tornam mais completos e as tcnicas mais
1. O autor agradece os comentrios e as sugestes de Jess Martn Barbero,
Jorge Alonso, Mara Eugenia Anguiano, Cynthia Hewitt e Patricia Arias. O
presente texto a traduo de um artigo publicado no volume organizado por
Marina Ariza e Laura Velasco. Mtodos cualitativos y su aplicacin emprica:
Por los caminos de la investigacin sobre migracin internacional. Instituto de
Investigaciones Sociales, UNAM e El Colegio de la Frontera Norte, Mxico,
D.F., 2012. A presente uma verso ampliada, corrigida e revisada pelo autor.
2. Centro de Investigacin y Docencia Econmicas, Universidade de Guadalajara.
O mtodo de pesquisa da Escola de Chicago est perfeitamente definido e delimitado, a partir da obra pioneira de
Palmer5, na qual ele indica os sete passos que o pesquisador
deve realizar para estudar um grupo de migrantes. Porm, talvez seja mais til analisar in vivo, a partir de seu dirio de
campo, como fez o estudante de antropologia Robert Redfield,
ao desenvolver sua pesquisa entre os mexicanos residentes em
Chicago em 1924 6.
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ndios e de trat-los como animais. O autor se refere a uma pesquisa realizada pela Ordem de So Jernimo, em 1517, junto
aos colonos espanhis, para saber se os ndios eram ou no capazes de viverem por si mesmos, como os agricultores de Castillas. Todas as respostas foram negativas: os ndios eram cheios
de vcios, perversos e indomveis. Um testemunho posterior d
por concludo o assunto indicando que os ndios comem carne
humana, no tm justia, vivem completamente nus, comem pulgas, aranhas e vermes crus e no tm barba e se por ventura lhes
cresce, se apressam em cort-la. Obviamente, eram diferentes,
porm a concluso a que chegam que para os ndios valia mais
ser homens escravos, que animais livres12.
De fato, a suspeita, a incerteza, a pressuposio que os descobridores e os descobertos tinham quando se encontraram
pela primeira vez eram as mesmas. E se pode recorrer a uma
pesquisa com os especialistas (os conquistadores) ou ao mtodo
por tentativa e erro. A primeira tentativa conhecida como o
Mtodo de Delfos, no qual se fazem perguntas aos especialistas e estes opinam a partir de sua habitual sabedoria. Nos
estudos migratrios, quando no existia um modo para contabilizar os migrantes indocumentados, se usava perguntar aos
conhecedores do tema (cnsules, patrulheiros, acadmicos, pre12. Idem, p. 61.
13. Idem, p. 62.
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Assim, so necessrias pessoas com experincia, com profissionalismo, como diriam Pierre Bourdieu15, Luis Gonzlez16,
Claude Lvi-Strauss17 e C. Wright Mills18. Toda pesquisa um
lento processo de construo, que pode ser considerado quase
manual, para coletar informao e sistematiz-la, que requer, ao
mesmo tempo, imaginao. um ato criativo. Por isso Wright
Mills falava do artesanato intelectual, que, a primeira vista,
parecia uma contradio ou at mesmo uma desvalorizao da
atividade humana por excelncia.
No suficiente coletar informao e nem mesmo classific-la, apesar desta atividade j ser um avano. Luis Gonzlez contava que quando ele e sua equipe estavam trabalhando na Historia moderna de Mxico, um dos pesquisadores apresentou o
trabalho final a Daniel Coso Villegas. Este, aps ler o escrito,
ficou furioso e disse ao historiador que o texto era uma sequncia
de fatos, realizado como se algum tivesse ido ao mercado para
buscar uma srie de produtos. A questo era preparar uma salada,
no simplesmente fazer o trabalho de arquivo, erro este muito
generalizado no meio acadmico, no qual existem historiadores
que so permanentes colecionadores de anotaes, cientistas polticos que so eternos fs de recortes de jornais, socilogos que
nunca terminam de analisar suas pesquisas e antroplogos aos
quais sempre faltam trs meses de trabalho de campo para terminar sua pesquisa.
De fato, a mesma cincia ou disciplina passa por um processo
de aprendizagem, por tentativa e erro, at que se defina a profisso, o mtodo. Lvi-Strauss19 menciona esse processo referindo-se aos britnicos que, com seu peculiar humor, falam de duas
fases primitivas na antropologia: os antroplogos catalogados
15.
16.
17.
18.
19.
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Para o mundo andino, John Murra, depois de ler as tediosas visitas ou censos para cobrar impostos no Peru, descobriu
a chave da verticalidade ou complementaridade dos diferentes
patamares ecolgicos, que caracteriza a organizao social, poltica e econmica do imprio Inca. A partir de ento, Murra 21
estabeleceu um princpio indispensvel para entender o passado
e o presente do mundo andino e que representa sua chave interpretativa, que no outra coisa que a altitude.
Trata-se de princpios, regras ou, pode-se afirmar, de leis
bsicas que funcionam para uma poro especfica de um dado
universo. Segundo Umberto Eco, so modelos especiais de certos fatos que possibilitam a explicao dos mesmos22. Para pesquisar sobre o tema migratrio, no se pode deixar de lado o
contexto do mercado de trabalho, da oferta e da demanda.
Porm, quando as regras no funcionam e o panorama est
confuso, necessrio tentar encontrar a pea perdida que permite de terminar de montar o quebra-cabea. Quando eu dava
meus primeiros passos como pesquisador, perguntei ao meu
mestre Jorge Alonso, quais dados eram importantes e quais
no. A resposta foi contundente como era usualmente o mestre:
Tudo importante. Na realidade, no existe um modo para
saber o que importante e o que no o , at que no se termina
a pesquisa; e mesmo neste caso a pessoa sempre fica com muitas
ideias entre suas anotaes.
Para Wright Mills, os dados marginais tem valor muito especial, normalmente so a chave para encontrar a explicao, porm,
como tendencialmente so deixados de lado, difcil encontr-los
e revaloriz-los. Por isso, o autor recomenda aos pesquisadores de
15