James Hillman.

Animais de Sonho 38pp

Orelha I
Autor aclamado de O cdigo da Alma e um dos nossos mais provocantes autores junguianos,
James Hillman se une artista Margot Mc Lean nesta extraordinria parceria, uma reflexo de
assombrosa beleza sobre presena e ausncia dos animais em nossas vidas, em viglia, e,
consequentemente em nossos sonhos, imaginao, emoes e pensamentos.
Animais de sonho entrelaa arte e psicologia, sonho e smbolo, junguianismo e conhecimento
unidos a pinturas evocativas que ressoam com os ensaios absorventes de Hillman.
Uma meditao penetrante sobre as implicaes da perda da nossa conscincia sobre o
imaginrio animal.
Animais de Sonho a unio perfeita da palavra e do smbolo.
Orelha II
James Hillman tornou-se o primeiro diretor do Instituto Junguiano de Zurich em 1959. Eleito
pelo Utne Readers como uma das 100 mais importantes pessoas que podem mudar sua vida,
escreveu mais de 20 livros incluindo O cdigo da alma, O suicdio e a alma e Revisando a
Psicologia, este ltimo citado como concorrente ao prmio Pulitzer. Vive em Connecticut e editou
com Robert Bly A loja de trapos e ossos do corao (espero que Dr Hillman desculpe a
presuno de traduzir tambm os ttulos de suas obras).
Margot Mc Lean uma artista plstica que vive em Nova Yorque desde o fim da dcada de 70.
Recebeu numerosas bolsas de estudo e o seu trabalho est representado no s nos Estados
Unidos mas tambm no exterior.
Como artista e professora tem dado sua contribuio ecolgica focalizada nos mundos animal
e botnico.
Contracapa (comentrio da romancista sino-americana Any Can):
Este um livro de cabeceira sensual para a imaginao, um antdoto contra a apatia. As
observaes de Hillman e as pinturas de Mc Lean so uma colaborao gratificante que mudar
sua maneira de encarar os sonhos, as almas e os verdadeiros animais entre ns.
Prefcio:
s vezes voc os v, s vezes, no. Um bate-papo entre o autor e a artista.
Hillman Este livro comeou em Hartford quando...
Margot - ... voc veio minha exposio!
Hillman A floresta metafrica. Eu vi a maneira como voc pintava os animais. Lembro-me
especialmente, da cheetach.
Margot Era realmente uma pequena pintura no meio de um ambiente grandemente
competitivo. Interessante voc se lembrar justamente desta.
Hillman Foi a tnue realidade do animal que, ao mesmo, estava e no estava l, parecendose muito com os animais em nossos sonhos que podem ser to aterrorizantes, to espantosos e,
ainda assim, so apenas sonhos. Voc parecia ter captado numa pintura, algo em que trabalho
ensinando por 30 anos, tentando colocar em palavras.
Margot mas eu no pintava animais de sonho. Estas pinturas que fao desde a metade da
dcada de 80 no so representaes do meus sonhos. Tem mais correlao com o mundo
animal real num mundo irreal. Os animais esto em outro lugar. E, sim, em nvel mais profundo,
estas pinturas so uma espcie de reconhecimento, de aceitao.
Hillman - Em benefcio deles?
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Margot No somente. Em nosso benefcio tambm. Ns somos animais e estes animais

esto ligados aos nossos corpos. Por esta razo, dei a muitas destas pinturas, nomes
anatmicos: para enfatizar esta conexo, este parentesco.
Hillman E destino comum. O que acontece a eles, nos acontece. A sua extino tambm a
nossa.
Margot Sim, a extino deles est no meu pensamento, naturalmente, como est, ou deveria,
no pensamento de todos, suponho. Mas estas pinturas nunca pretenderam ser, especificamente,
sobre extino. extraordinria a rapidez com que as pessoas reagem: Oh, espcies
ameaadas! Esta, se transformou ultimamente, numa frase perturbadora para mim porque
espcies em extino se transformou em outra categoria de sndrome e perdeu seu fundamento
emocional. Alm do mais estas pinturas no so, somente, de espcies em extino. Elas tratam
de espcies. No so mensagens para prevenir desastre ou perda mas so, antes, imagens do
esprito do animal com sua prpria vida autnoma, sua presena e sua ausncia. Eles vo e vem
e voc tenta capt-los com os olhos da mente e tenta que se materializem e parem sem perder
este sentido de rapidez e sutileza de movimento que no se pode aferir completamente. O que,
exatamente, voc v cruzando, rapidamente, seu caminho, ou, em frente do seu carro ou, atravs
da sua janela? H criaturas incrveis l fora vivendo conosco neste planeta e, somente, porque
no esto sempre frente a frente conosco, no quer dizer que no tenham uma posio
importante.
Hillman Veja, isto onde seu trabalho expressa o que venho tentando dizer por anos. A
imaginao , em si mesma, um grande animal ou uma arca de imagens vivas que se
movimentam independentemente. Elas vm e vo. Todas as formas e tamanhos. Algumas
imagens nos acompanham como um co leal ou uma vaca. Outras so to sombrias e trmulas,
que impossvel capt-las.
Margot Eu perdi uma quantidade de animais que no se fixaram na pintura. Tentei e tentei e
tive que abandon-los.
Hillman Animais acordam a imaginao. Voc v um veado ao lado da estrada ou gansos
voando em formao e se torna hiper alerta. Descobri que sonhos com animais podem, tambm,
fazer a mesma coisa. Eles realmente sacodem as pessoas. Sonhos animais provocam
sentimentos, deixam-nos interessados e curiosos. Enfim, pem as pessoas para pensar. A medida
que mergulhamos mais na imaginao, nos tornamos mais parecidos com animais. No quero
dizer bestiais, mas com os instintos mais avivados, com mais paladar, olfato mais apurado e
audio mais alerta. Como disse Junge, o velho homem sbio , na realidade, um macaco. Assim,
talvez eu tenha uma inteno teraputica com este livro. Quero fazer algo pelos animais mas,
tambm, quero atingir pessoas ou melhor, eu as quero mais prximas deste macaco, embora isto
possa no ser muito teraputico para o macaco! Voc sabe, as pessoas procuram a terapia, na
verdade, como uma beno. No, realmente, para reparar o que est quebrado, mas para
abeno-lo. Em muitas culturas os animais praticam a beno j que so considerados
divindades. Por esta razo que partes de animais so usadas em remdios e rituais de cura.
Bnos por animais ainda ocorrem, em nossas vidas civilizadas tambm. Digamos que haja um
lado mais esperto e mais rpido na sua personalidade. Algumas vezes voc mente, tem tendncia
a praticar roubos, em lojas, o fogo o excita, voc difcil de se descobrir e difcil de ser apanhado,
voc tem um olfato to apurado que as pessoas no querem fazer negcios com voc por medo
de serem ludibriadas. Ento, voc sonha com uma raposa! Agora, esta raposa no meramente
uma miragem do seu problema de sombra, da sua propenso ao roubo. Esta raposa fornece
tambm um embasamento arqutipico dos seus traos comportamentais, colocando-os, mais
profundamente, na natureza das coisas. A raposa aparece no seu sonho como uma espcie de
professora, um animal mdico que conhece suas caractersticas muito mais do que voc prprio.
E, isso, uma bno. Em lugar de sintomas ou uma desordem de carter, voc tem agora uma
raposa com quem viver e, preciso que vocs se vigiem mutuamente.
Margot mas eu no gostaria de esquecer a raposa real. Eu gostaria de ver o mesmo respeito
oferecido ao animal real, onde quer que ele aparea. Acho que importante ver o animal como
voc faz em sonhos mas, mas os animais dos sonhos no devem ser segregados dos que vivem
no seu quintal ou nos bosques. Devemos ser cuidadosos ao adotarmos um animal interior para
que a conexo com o mundo animal no seja reduzida a um condio de se sentir bem consigo
mesmo. H mais que isto.
Hillman Correto! As terapias que falam sobre animais espirituais e guias, esquecem esta
tristeza. Tente olhar nos olhos de um co. H um alma no animal, uma alma de tristeza antiga. H
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uma tristeza na alma do mundo natural. Tudo o que voc tem que fazer ficar numa floresta ou
num campo e voc sente isto...
Margot - ... e v isto!
Hillman Voltemos aos animais. No so aqueles que podemos ver nos documentrios
naturalistas da TV. A sensao fugidia na sua pintura com a qualidade, indeterminadamente,
transitria dos animais, e os seus significados ambguos nos sonhos, nada tm que se relacione
com o sentimentalismo nostlgico sobre a extino das espcies como tratada na TV.
Margot Um pouco de nostalgia no faz mal. Entretanto importante para mim que estas
pinturas no sejam reduzidas a uma nostalgia mono-dimensional.
Hillman A nostalgia arquetpica. Ela toca o desejo do den, da arca, da terra da Arcdia de
natureza pastoril, onde o leo e a ovelha repousam juntos. A nostalgia , tambm, muito
americana. Assim, suponho que um pouco de nostalgia se relacione com os nossos sentimentos
em face dos animais. Talvez eles sejam, tambm, nostlgicos e nos olhem desejando que
estivssemos, todos, de volta ao paraso ou Arcdia, antes dos pesticidas e matadouros.
Margot Os animais atuais no so nostlgicos. Eles se sintonizam com o nosso tempo.
Veados, quatis, gambs, coiotes, porcos selvagens e ursos esto chegando cada vez mais perto
de ns. As cidades esto cheias de vida selvagem.
Hillman Mas os seus movimentos de necessidade e sobrevivncia no esto restaurando a
Arcdia. De fato, ns colocamos avisos alertadores sobre a raiva animal e a doena de Lyme...
Ns, verdadeiramente, no os queremos muito prximos. despeito das frias nos safaris, das
ligaes e da nostalgia, existe, ainda, um profundo fosso entre ns e os animais. Ns ansiamos
pela presena deles de um modo subliminar. O nosso comportamento, entretanto, os mantm l
fora.
Margot Correto. Esta a razo pela qual os animais nas minhas pinturas no esto
completamente l, completamente visveis.
Hillman O invisvel to importante como o visvel. Eu tambm vejo suas pinturas como
aquilo que chamo de invisveis. Os invisveis que foram esquecidos e ficaram no passado. Talvez
estejamos aprendendo o que ocorre no nosso meio-ambiente quando passamos pelo invisvel. Se
apenas pudermos olhar nossa situao presente de um lugar completamente diferente! Talvez os
invisveis estejam fazendo exatamente o que necessrio ao aqui e agora, neste ano de
emergncia animal. Talvez haja inteno no seu desaparecimento. Talvez esteja ocorrendo, um
holocausto ou um sacrifcio animal. Onde foram parar as rs e por que? E as borboletas reais?
Talvez elas estejam se retirando como os antigos deuses se retiravam de um mundo inspito e
irreverente. Ser que as razes so apenas cientficas, ambientais? Estaro estes animais
partilhando a misria planetria carregando mais que o seu quinho deste sofrimento?
Margot Bem, as circunstncias esto realmente contra eles. Penso que gostariam, acima de
tudo, que os compreendesse-mos o mais alm da nossa humanidade quanto possvel. No
apenas apreci-los na TV por divertimento, mas respeit-los concedendo-lhes seu lugar de direito.
Hillman Esta a razo pela qual os nossos animais interiores no so como aqueles da TV
onde so colocados em estrias humanas. Voc no v um leopardo apenas como um leopardo.
Ele colocado numa estria de predadores, de extino, ou as maravilhas de um topete de
pele( ou um animal embalsamado). Ou ensinam uma lio sobre maternidades, sobre como a
vida animal arriscada e como tudo tem que ser camuflado ou grandes machos competindo por
fmeas. Todas estrias humanas. E, sobretudo, estes shows maravilhosos e a fotografia
realmente fantstica mantm o animal na natureza mais e mais visvel, mesmo noite, quando
nossas cmeras invadem sua privacidade. Ficamos pasmos com os closes que mostram cenas
que nunca poderamos ver na vida.
Margot Eu questiono nossa habilidade de recordar que estes animais realmente existem,
vivendo no mundo e no apenas na TV. estranho que estes documentrios cujo objetivo seria
fazer-nos mais prximos dos animais aumentando nossa conscincia sobre a sua extino
estranhamente esto transformando estes animais em desnecessrios. Ali esto eles em nossas
salas de estar, cones virtuais com realado brilho magnificao e detalhe. Enquanto esto super
expostos e proliferando na TV, esto rpida e silenciosamente desaparecendo do nosso planeta.
Hillman No creio que sejamos capazes de nos livrar do animal interior. O esprito do animal
no ser eclipsado pela TV e ele poder freqentar os nossos sonhos de maneira imprevisveis.
Margot Imprevisveis como invisveis?
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Hillman Quero dizer imprevisveis. Animais so imagens arquetpicas eternas. Todo este
fascnio com dinossauros e legendrias espcies extintas mostra como as imagens animais
continuam a desenvolver-se no imaginrio. Assim, o que eles fazem na imprevisvel.
Margot Voc quer dizer que mantendo-os parcialmente visveis estamos lhes dando a
liberdade de se manterem fora do controle humano, imprevisveis?
Hillman Penso que mais fcil pintar o animal evanescente do que escrever sobre esta
iluso. Nas suas imagens os animais emergem ou retrocedem. Eles parecem estar ou no estar
l. Pertencem ao mesmo tempo natureza e imaginao. Eu no consigo esta mesma
presena ou ausncia quando escrevo sobre um porco ou um urso polar.
Margot No estou to certa. Voc alude ao que o animal significa mas no se permite dizlo. Voc descreve a natureza da girafa ou de um camundongo mas, ao mesmo tempo, de algum
modo, voc os mantm meio escondidos.
Hillman Metforas como nos sonhos. muito difcil evitar o desejo de interpretar, de capturar
o animal num significado.
Margot Fale-me respeito. Conto com isto o tempo todo. Recentemente a pintura de uma
cobra foi objeto de uma conversa. Eu disse que no estava interessada em pintar uma. Tem muita
coisa envolvendo as cobras e no estou interessada nesse simbolismo. Ento aconteceram trs
encontros com cobras reais. Perfeitamente paradas para que eu pudesse v-las bem. Foi a que
compreendi que ainda no havia, verdadeiramente, visto bem uma cobra.
Hillman Ns, seres humanos civilizados no paramos a. No podemos resistir ao impulso
de colocar esta cobra em alguma espcie de estria e lhe dar algum significado. Quando vou a
um zoolgico tenho que lutar para no ler os mapas e etiquetas informativas nas janelas para que
eu possa, apenas, ver o que est l sem colocar este animal numa estria ou num fato cientfico.
Margot mas zoolgicos so uma coisa completamente diversa. A finalidade do zo oferecer
esta espcie de informao. Animais nos zoolgicos tm sido sacrificados para o nosso acesso a
esta espcie de informao. Por mais que seja deprimente penso que temos que comear a
compreender que os zo so o habitat animal do futuro. A zebra mascando bolotas nos zoolgicos
do mundo, traz consigo a perda das plancies e os seus rebanhos. Ela se transforma numa
espcie de representao trgica das mudanas nas ligaes do animal com seu habitat.
Hillman Talvez tenhamos que repensar zoolgicos. Olhe para eles como o fazem as crianas
pequenas mais como um livro de estrias, um habitat da imaginao, em lugar de um rplica da
frica ou da Antrtida. Correto e ainda assim uma farsa, falso. Suponha que o zo mais um
lugar para imaginar, para conectar e louvar mesmo do que para aprender.
Margot Ou uma maneira diferente de aprender, o que espero que este livro possa fazer. Aqui
os animais esto inseridos, tambm, num habitat e isto pode mover as pessoas a v-los de
maneira diversa.
Hillman Estar voc dizendo que estudar animais, saber sobre eles, senti-los, no o
bastante?. Ns temos que imagin-los. Entrar neles como seres imaginrios, como imagens. Isto
o que fez Ado: olhou para estas imagens que passavam e tirou seus nomes das suas
naturezas. Ele estava dentro do animal. Ele conhecia os animais da sua imaginao. Eles e os
animais estavam todos no mesmo sonho.
Margot O que estou dizendo que antropormofizar um pouco necessrio. Para mim estar
dentro significa entrar no corpo do animal e de l tentar ver o mundo. Simplesmente no faz
sentido separar-nos do mundo animal quando h demasiadas semelhanas concretas.
Hillman Ou as palavras surgiram primeiro, desde que algumas teorias dizem que criamos
nossas palavras dos sons dos animais. Assim, gosto de pensar que as palavras certas dizem
alguma coisa tambm aos animais.
Margot Que bonito! Uma mensagem para os animais. Hum...
Hillman Em parte estou tentando dizer alguma coisa a eles: uma mensagem sobre como eles
se registram na imaginao humana, no nosso amor e fantasia, nos nossos sistemas simblicos,
mesmo o que a nossa zoologia diz sobre eles. Como uma reportagem sobre como so
percebidos. Esta a razo pela qual eu uso tantas espcies de fontes. A zoologia secundria
porque s h basicamente uma fonte para todas as espcies de estrias a prpria imagem da
zebra. Povos tribais falariam sobre uma zebra-esprito que d embasamento ao que quer que
digamos sobre zebras. Onde quer que encontremos esta imagem num poema, no zoolgico ou
no Seregenti. Nossa mente civilizada comete um erro terrvel em contrastar animais reais e
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animais imagens como se o que voc v na janela do zo e o que voc encontra nos sonhos
fossem animais diferentes.
Margot Foi o que eu quis dizer quando falei que minhas pinturas so sobre animais reais num
mundo irreal. Mundo irreal significando vrios mundos. Mundos que no so literalmente
representados mas que apesar disso apresentam um lugar.
Hillman Os limites das suas pinturas animais tm que se desfazer da mesma maneira que
esmaecida e, algumas vezes, at eliminada a linha entre o fato e a saga da sua tradio. Suas
pinturas e este livro so como os velhos bestirios medievais que eram, depois da Bblia os livros
mais lidos, por mais ou menos mil anos. Estes livros sobre animais no levavam em conta as
distines atais entre natureza e imaginao. Eram pr-Cartesianos, pr-cientficos. E, o nosso
livro tambm o , regressando a uma mentalidade arcaica e tambm avanando para uma
fenomenologia radical: um leopardo um leopardo onde quer que aparea, intensivamente
fenomenal (no sentido de fenmeno).
Margot Pensamento cientfico, no significa, necessariamente, pensamento cartesiano. Isto
depende de como voc usa a cincia, faz cincia. O problema que nos tornamos obcecados
pelos fatos literais que podem bloquear a imaginao.
Hillman O mtodo cientfico foi designado para este propsito refrear a fantasia e corrigir as
fices da imaginao com fatos observados. Mas creio que no h fatos objetivos sem fico
subjetiva. A observao, por si s, atinge apenas uma metade: aquela do agora voc v. A
imaginao envolve a outra metade: a do agora voc no v. No sculo XIX animais selvagens
eram estudados, caados, colecionados como fenmeno natural, fatos.
Margot Eles eram, na maioria, pintados tambm desta maneira e esculpidos em bronze. Tudo
muito detalhado, muito naturalstico. Sabe raro ver um animal numa pintura durante os grandes
cem anos da arte moderna de 1860 a 1960, digamos de Monet e Cezanne at Rothko. Voc s
v cezinhos, cavalos de carruagem, cenas de caadas e h sempre maiores excees como
Picasso e Franz Marc mas interessante o quanto os animais foram abandonados, ficaram de
fora desta arte.
Hillman E agora, medida em que esto desaparecendo, eles encontraram seu caminho de
volta imaginao. O segredo da imaginao o desaparecimento do real. Assim, o que estou
dizendo, que sua morte real os est trazendo de volta vida. E, pintar esta morte, esta
ausncia talvez seja a melhor maneira de fazer o bastante por eles. Juntando fatos, smbolos,
fbulas, fotografias, fsseis, brinquedos, slogans, esculturas, livros de arte sobre animais e
bestirios tudo isto junto no pode fazer o bastante, no pode preencher este curioso senso de
obrigao que sentimos em relao a eles. Ainda sentimos que alguma coisa ficou de fora, ficou
faltando.
Margot Alguma coisa est faltando: humildade humana.
Hillman Eu invejo voc por pintar. No importa o quanto seja duro. Ao menos voc no
precisa carregar todo este material, todas estas referncias para tentar fazer justia aos animais.
Margot Tento escapar de referncias. Quero, de alguma maneira, limpar todo este lixo, refugo
sobre o animal. Quero que minha mente esteja absolutamente calma e no seja atingida por toda
esta informao. Uma vez que o animal encontre o seu ligar na pintura ele parece tomar conte de
si mesmo e no precisamos de todas estas referncias.
Hillman Seus cenrios tambm so muito importantes. Ao mesmo tempo permitem que o
animal se afaste deles ou desaparea neles. Novamente como um sonho campestre. Somente
fragmentos de um sonho aparecem, contra uma tela evanescente. Seus cenrios evanescentes.
Margot Eduvard S. Casey, o filsofo, escreveu: a pintura de paisagens no coloca apenas as
coisas, tambm as recoloca. Esta arte d as coisas concretas ou abstratas, quaisquer que sejam,
algum outro lugar para estar. Algum outro lugar que no o mundo natural (se forem coisas fsicas)
e algum outro lugar que no o mundo etreo (se forem objetos de cerebrao ou contemplao
abstraes). Algum outro lugar, em outras mos, alm da simples localizao na qual foram
originalmente ou apropriadamente, na maior parte, colocadas. Outro lugar significa outra vida
uma Segunda vida. Assim, os objetos, incluindo experincia de objetos, no so meramente
representados ou recordados nas pinturas; eles sobrevivem l, no sentido de continuar vivendo,
literalmente, alm da sua primeira, prpria vida. Rimbeaud disse que a vida verdadeira alm.
Hillman Um outro lugar para que eles continuem vivendo e vivendo.
Margot Mas ento me pergunto: isto bastante? um outro lugar? Que tal um benefcio
ecolgico real? Ento eu respondo: o benefcio ecolgico s pode acontecer quando as nossas
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percepes habituais so desafiadas e comeamos a ver as coisas de maneira diversa, imaginlas de modo diferente.
Hillman est certo. Se isto muda nossas percepes habituais, elas tambm so, de algum
modo, libertadas de nossas interpretaes, caso isto nos leve a sentir os animais com mais
parentesco. Quando voc sabe que os tigres esto desaparecendo, deixando o planeta para
sempre, como tambm os elefantes e as rs, voc comea a prante-los e a olhar ao seu redor
com um olhar diferente. Vejo duas pinturas como objetos rituais como se voc estivesse se
enlutando pelos animais em desaparecimento medida que elimina a completa presena fsica
dos mesmos.
Margot mais ou menos assim. Por outro lado, para apreciar completamente uma coisa, ser
que ela tem que estar completamente exposta?
Hillman Os sonhos fazem isso o tempo todo. Por esta razo que falo sempre de animais de
sonhos. No estou fazendo um livro de sonhos de animais tanto quanto voc no est fazendo
pinturas naturalistas de animais. Estamos ambos lutando com os fantasmas dos animais. Gaston
Bachelard disse que a imaginao requer ausncia e deformao. Assim estou sempre
batalhando o mais que posso em escrever sobre os sonhos e os animais entretanto, ao mesmo
tempo, mantendo tudo isto meio obscuro, enigmtico, misterioso. Tento aprision-los no papel e,
ento, os encorajo a fugir.
Margot Hah! Hah! Hah! Eu os persuado a entrar na pintura e depois os encorajo a
permanecer nela!

INTRODUO
ADO E OS ANIMAIS
I pg. 13
No princpio, Ado e os animas estavam juntos no den. Esta uma das estrias mais antigas
e divulgadas na nossa cultura. A estria de que os animais passavam na frente de Ado que dava
a cada um seus nomes. Ele olhava e via. Ele os reconhecia e dizia seus nomes pela maneira das
suas formas medida que rastejavam, passeavam e galopavam na sua frente. Ele os reconhecia
e dizia seus nomes medida que perambulavam ou fugiam, medida que suas barbatanas ou
rabos (caudas) estremeciam sob as guas. Ele sabia quem era cada um deles.
Um dos objetivos deste livro resgatar o olhar de Ado, restaurar esta profunda afinidade que
permite que os olhos vejam, olhar novamente o animal e enxergar suas formas vivas para que
possamos corresponder-lhe com o Dom da nossa inteligncia.
Eles ainda aparecem noite aps noite em nossos sonhos. Eles ainda pedem para que lhes
demos nomes. Ainda solicitam de ns uma resposta que pede reconhecimento das suas
especficas naturezas individuais.
Por que nos procuram ao animais? O que desejam habitando nossos sonhos?
So eles os animais guardies como diriam as culturas totmicas? Aparecem para nos
lembrar nossa afinidade com eles? Para manter sua presena nos confrontando? Para defendernos, a ns e a eles, da extino? Talvez nos apaream para que a prpria criao seja
perpetuada. Se assim for, clamam por grande ateno, tal qual lhes deu Ado no incio da estria
do mundo e agora, ateno para o que possa ser o fim desta mesma estria. Eles nos conclamam
a encontrar novamente o olho (olhar) de Ado.
No podemos saber o por que de aparecerem e o que desejam, mas prestar-lhes ateno.
Podemos conjecturar sobre o por que de entrarem em nossos sonhos e interpret-los de acordo
com nossas suposies. Mas estas interpretaes podem distorcer nossa percepo em especial
esta degradante crena de que eles aparecem em nossos propsitos subjetivos, para compensar
nossas omisses, como se o animal do sonho viesse sugerir nossas emoes de calor ou medo,
de terror noturno ou de ternas lembranas infantis de amor. Qual a sua necessidade? Qual a
razo para virem habitar nossos sonhos?
Talvez temam a perda do parentesco humano, de j terem sido excludos da prxima arca (de
No) na qual as realidade virtuais substituem o hbito da pantera ou o brilho perfeito da arca de
um reprodutor?! Talvez temam que os deuses os tenham abandonado e assim se transformaram
numa tribo sem lugar meramente um problema ecolgico para solues administrativas e
caridosa compaixo. Imagine! Compaixo por uma guia! No podemos saber a razo da
presena deles at que comecemos a cogitar.
Conhecemos os registros do extermnio. O reino animal desde os habitantes das cavernas at
Darwin nas Galpagos e Melville nos baleeiros no existe mais. Inseticidas repousam nas folhas.
Nos verdes montes da frica os elefantes so sacrificados pelas suas presas.
No mundo branco do rtico, os ursos polares crescem em meio ao lixo dos turistas. Ansiamos
por uma restaurao ecolgica do reino, o que impossvel. Vos e sentimentais, estes anseios
contradizem nossas religies que no colocam os animais com Deus, mas, sim, com Deus nos
coloca a ns. Estes anseios contradizem nossa filosofia biolgica que afirma que os humanos
esto no topo da ordem hierrquica do desenvolvimento. Contradizem, tambm, nossa economia
que refora nossa predao natural. Ainda assim, a restaurao um nobre anseio porque
agasalha um impulso utpico, impulso que pode, ainda, ser satisfeito no enclave privado do
sonho. Neste mundo utpico de lugar nenhum suas almas e as nossas se encontram como
imagens. E ns no somos mais substanciais, no mais fisicamente colocados nem mais presos
no tempo, em sonhos, que suas aparies.
O sonho uma arca na qual todas as formas vivas de acordo com suas espcies podem
enfrentar o cataclisma e o cataclisma uma realidade mtica que parece convincentemente real
na virada do sculo. Cataclismas e salvao, enchentes e arcas, caminham juntos. O que quer
que a mente imagine, runa ou esperana de salvao, torna-se imagem. Sempre que nos
voltamos para os animais, no interesse deles, os imaginamos vtimas de abusos cruis,
brutalmente massacrados ou beira da extino.
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Assim, este livro trata tambm das fantasias do fim do mundo e da extino das espcies vivas
por acidente nuclear e envenenamento planetrio, na medida em que ele trata dos anseios da
salvao do mundo e da sua beleza.
Beleza, realmente, pode ser a chave. Ser que os animais nos aparecem para que possamos,
ainda, perceber a beleza de suas formas vivas, talvez mesmo para salvar a beleza que os olhos
deles enxergam primeiro? Como que um animal reconhece outro se no pela sua aparncia
esttica? um fenmeno esttico que um animal nos diga quem , como fez com Ado para que
ele pudesse conhecer seus nomes.
Os animais tambm devem ter conhecido Ado. Ns seres humanos, somos, cada um, uma
forma viva. Tambm exibimos uma imagem psquica. Podemos ser lidos como um cavalo l o
seu cavalheiro quando ele caminha em direo cavalaria; como os lees no picadeiro do circo
lem o seu domador seu humor, seu passo, seu cheiro. Somos, cada um de ns, um livro
aberto para os animais, para os olhos animais. Especialmente para nossos animaizinhos de
estimao que podem avaliar nossos estados de nimo antes mesmo que deles tenhamos noo.
Bichinhos de estimao eram, no mundo romano, chamados de familiares (parentes). Os
animais de estimao no so apenas pare da famlia maior mas so ntimos observadores
familiares da nossa apresentao inconsciente na vida domstica diria. Eles foram os primeiros
psicanalistas. Ser que esta a razo psicolgica para a domesticao de ces e gatos, de
pssaros e porcos, vacas, elefantes, cabras? Os animais poderiam fazer-nos conscientes de ns
mesmos.
Eles no necessitam de palavras para revelarem-se, mutuamente, suas naturezas; eles no
usam nomes. Quem so est declarado na sua aparncia. So reconhecveis por causa da sua
beleza despeito das rduas e tolas tentativas em convert-los com testes e adestramentos, s
nossas noes de reconhecimento como definidas por smbolos lingsticos. Para cada um deles
e para o olhar de Ado, so completamente reconhecveis, simplesmente, pela beleza de suas
imagens. Quando esto em nossos sonhos os animais comunicam imagem para imagem.
Para ler um animal, para ouvi-lo, se requer uma percepo esttica para a qual a psicologia
ainda precisa treinar seus sentidos. Ainda preciso que se encontrem mtodos de observao
alm da linguagem laboratorial e dos paralelos humanoides nos relatos de trabalhos de campo. A
Psicologia necessita de palavras que no sejam moralismos alegricos ou metforas como
porcaria, macaquices e abraos de urso, cadelas e viadagem, pombas e falces, alm da
metfora simplista, alm de tentar alcanar o significado do animal.
Em lugar disso , a psicologia precisa descobrir o olho animal do homem da caverna encarando
seus muros, esta percepo esttica que responda ao significado e ao poder da forma exibida.
Esta resposta comea, primeiro, como propiciao, como apreciao. Nos sentimos gratos que
o animal esteja l, que se deixe admirar, que seja um poder contido dentro de um sonho e que
sua visita seja uma restaurao momentnea do den.
Como o canto de um pssaro que se ouve e que cessa, como o rabo de um esquilo contraindose e se esticando at desaparecer, como um peixe quebrando a superfcie e repentinamente
sumindo agora voc os v e agora voc j no os v. Este o modo do aparecimento deles,
presentes como imagens e deixando seus rastros como imagens. E esta a maneira da histria
deles porque todos foram vistos e todos esto desaparecendo.
No desaparecendo dos nossos sonhos. Nesse pequeno / eterno momento do sonho e aps,
na variedade de lembranas, h, nas imagens, uma copresena original de humano e animal.
Quando nos apresentamos ao animal, Ado est l. E l tambm est Eva, e estamos todos no
Jardim do den do qual, ao contrrio de ns, os animais nunca foram expulsos.
O Jardim (do den) uma natureza mtica. Ele no pode ser encontrado por devotos
dogmticos cavando na lama da Terra Santa procura de locais literais. Uma natureza mtica
onde todas as coisas naturais so tambm mticas e onde o mito se apresenta como natureza,
onde o natural e seu nome, porco natural e porco simblico, no podem ser separados em
categorias. Isso onde cada criatura sustentada pelo mito do seu imaginrio que tambm a
sua natureza, cada uma, de acordo com sua espcie.
Assim, este livro recoloca uma espcie de pensamento arcaico chamado pela Antropologia
francesa de a mentalidade primitiva.
Gostaramos de ver no s o animal restaurado eminncia na mente humana, mas, tambm,
a mente humana restaurada sua alma animal, a este partilhado e indiviso nvel de sermos
simbolizados pelo den. den significa mente primordial. Isto anterior s filosofias posteriores
8

divididas em exlio do jardim (do den) e a tentativa de justificar o abandono do animal em favor
da marcha humana para o progresso.
Este livro fala tambm no gnero de solues empestiando nosso tempo e distraindo nossas
paixes com jogos combativos entre componentes contendores.
Ele fala de gnero (sexo) no literal e diretamente, mas de maneira sutil e mtica sobre
companheirismo e acasalamento. As guerras entre espcies servem apenas para continuar nosso
centramento humano, afastando-nos de uma comunho mais ampla. Culpam-se os fracassos
humanos pela perda do parentesco e se diz que o vazio que os humanos sentem deve ser
preenchido por outros humanos. O padro do gnero nos mantm fechados dentro de nossas
prprias espcies. Enquanto nos esquecemos das mais primordiais rupturas nas relaes com os
animais, mais profunda a culpa com a fantasia monoteista de um criador que no tinha e no
necessitava uma companheira e para quem o sexo era apenas um pensamento secundrio.
Quando Ado estava no den, algo surpreendente ocorreu aps ter, ele nomeado os animais.
A prxima frase da histria bblica diz que Ado precisava de uma companheira. Por que o
despertar desta insatisfeita solido aconteceu nesta fase? Por que Ado no necessitou de uma
companheira antes de nomear os animais?
Certamente os animais desfilavam perante ele aos pares como se apresentavam a No porque
existem diferenas na aparncia de machos e fmeas tanto nas aves, nos aracndeos, nos alces,
peixes tropicais e mesmo em lees e elefantes diferenas em tamanho, cor e atributos
decorativos.
Para identificar cada espcie, Ado tinha que ver ambos os sexos.
Assim, o que Ado viu nos animais, no foi apenas que h diferentes espcies mas que a vida
animal composta de vvidas diferenas entre os pares (casais).
Ao nomear os animais Ado se distanciou de uma identidade com Deus para uma
aproximao, uma afinidade com eles. Ado reconheceu sua ntima subjetividade nas imagens
dos animais que caminhavam perante ele e assim pode saber seus nomes. Se Eva era a
personificao desta natureza ntima, tendo sido moldada da costela dele, ento ela talvez fosse a
voz interior de Ado que conhecia os nomes dos animais. De qualquer modo, Eva tinha uma
afinidade muito mais profunda com a natureza animal porque podia conversar com a serpente.
Assim, podemos compreender a razo de Deus trazer os animais para que Ado os nomeasse.
Este Deus que era to poderoso e to sbio no podia, Ele prprio, nome-los. No podia porque
no era animal e no tinha companheira. Deus fez isso com completa segurana de que sua
natureza nunca deveria ser confundida com a natureza animal, inspirando Moiss a abater cerca
de trs mil adoradores do bezerro dourado que haviam substitudo uma imagem animal pela sua
invisibilidade. A ruptura entre o animal e o divino foi estabelecida para a eternidade. Este Deus de
suprema transcendncia no partilhava um reino com os animais e deste modo no poderia saber
seus nomes. Somente Ado (e a pr-formao de Eva) que partilhavam a viso animal, poderiam
ler suas imagens como um entre eles. E, para sempre, aps a designao os humanos se
reconhecem primariamente atravs do animais e no somente no espelho de um deus solitrio e
invisvel.
A idia de que nos reconhecemos atravs dos animais aparece repetidamente em teorias da
origem da conscincia. Alguns povos dizem que antigamente os animais detinham todo o
conhecimento e o transmitiram a ns. Eles nos ensinaram todas as coisas: como construir
abrigos, escalar, nadar, pescar, caar, o que comer. No princpio eles tinham a linguagem e o
conhecimento do fogo, mas nos presentearam estes dons com sua caridade inata do mesmo
modo que do seus corpos para assegurar nosso alimento. Outros dizem que o autoconhecimento humano comea nas cavernas quando nossos antepassados pintaram as paredes
com imagens animais fazendo o primeiro movimento do apenas literal para o tambm imagina.
H tambm teorias assegurando que o que os seres humanos definem como conscincia
comea somente quando nos separamos dos animais. Esta a razo pela qual fomos obrigados
a nos retirar do den e deix-los para traz.
Os mitos arianos e europeus enobrecem um heri-cultural como Hrcules que mata uma besta
aps outra, desta maneira separando a racionalidade humana da sua primordial afinidade com os
animais. O imaginrio cristo refora esta separao. A pintura e a estaturia religiosas mostram
Maria, So Jorge e outras valentes figuras de virtude esmagando um animal. Assim, eles so
colocados como o outro ou o inimigo e mostrados como bestiais, brutas, pecadores,
materialistas e mecnicos. Estas descries filosficas e teolgicas nos do o direito de us-los
9

segundo nossos propsitos alter-los geneticamente para nosso alimento, us-los em nossas
experincias de pesquisa, adestrlos para nosso divertimento e extermin-los para nosso lucro.
E depois, h a idia de que nunca podemos perder nossa herana animal mas que podemos
entrar e sair dela como fazem os xams em estado de transe ou aps longo treinamento ou
simplesmente pegando vara, molinete e rifle, contemplando pssaros e seguindo trilhas. Uma vez
que nos movamos prxima e cuidadosamente em direo a eles, tudo retorna. A conscincia
humana despertada ao nos voltarmos para eles em busca de aprendizado.
Algumas idias ainda mais misteriosas enfatizam nosso parentesco inato. A filosofia
homeoptica considera os animais como caractersticas de traos humanos que foram
abandonados pelo Ado primordial: zoologia interiorizada se transforma em fisiologia fisiologia
exteriorizada se transforma em zoologia. Os animais so nossos rgos humanos andando;
nossos rgos so espcies animais interiorizadas. Ado pde nomear os animais em razo do
seu conhecimento ntimo com sua prpria fisiologia e psicologia. Rs e sapos representam a pele,
eles suam e se ruborizam; crustceos, os membros, at mesmo seus olhos so como caules;
cobras o aparelho digestivo; peixes, a estrutura ssea; insetos, o sistema nervoso vegetativo, da
sua simbologia com a vida vegetal.
Espcies superiores como macacos, gatos e alces so representaes zoomrficas da psiqu
humana; seus humores e hbitos. Os macacos, por exemplo, so todos como mos, mesmos eus
rabos. Balanando, arrumando, agarrando, descascando, coando, brincando, - eles so nossas
habilidades manipulativas exteriorizadas. Gatos so vigias, ovelhas seguidores, cavalos
orgulho e nobreza. O que est nos animais exibe nosso prprio interior, assim, estud-los, propicia
maior auto-conhecimento. Fbulas animais como as contadas por Esopo so um gnero universal
para instruir as crianas respeito de si prprias.
Naturalmente, como sempre, as vises propiciadas por estes contos so para o aprendizado
humano. Voltamo-nos para os animais em nosso benefcio prprio. Pessoas civilizadas, como eu,
parecem incapazes de evitar nossa sombra cultura que maltrata os animais e nos coloca,
arrogantemente, no apenas no cume da cadeia alimentar mas moral e psicologicamente
superiores e deste modo, cegos para a sombra que deforma nossa viso em relao a eles.
No obstante, estas idias provenientes de vrias tradies afirmam a profunda afinidade dos
humanos com os animais. O que fazemos a eles, fazemos a ns mesmos e vice-versa. Todos
participamos, como os velhos padres da igreja foram obrigados a admitir, do que eles chamaram
a maneira animal de gerao (concepo). Isto quer dizer que os seres humanos, como os
animais, so tambm celulares, sexuais, sensitivos com peles externas e glndulas internas,
cheios de lquidos, carregados com ons. Do mesmo modo que partilhamos o planeta e seus
elementos, partilhamos tambm estruturas genticas e um campo psquico.
O terreno comum a todos ns, informa, subliminarmente, a nossas almas o que se passa na
alma deles. Talvez, esta compreenso nos chegue pela observao do seu comportamento, talvez
por meio de imagens, talvez atravs dos sonhos, porque nos sonhos os muros de separao se
tornam transparentes. Embora opacas para nossas mentes em estado de viglia, muitas espcies
de seres abrem passagens em nossos sonhos e tocam nosso conhecimento. A compreenso que
temos dos animais no clara nem distinta e certamente no completa, mas a informao nos
oferecida por eles quando nos antenarmos sonhando.
A compreenso que assimilamos e traduzimos em nossa linguagem humana de acordo com
experincias humanas anlogas condenada pelos rigores da cincia objetiva como
antropomorfismo, termo cunhado durante o auge do materialismo racionalista e usado, para
negar a compreenso das espcies entre si.
A cincia estrita diz: j que os animais no podem expressar sua personalidade atravs da
linguagem, mostrando o que se passa em suas mentes, no podemos assumir que eles tenham
personalidades, vida interior ou mentes. O que quer que lhes atribuamos so nossas prprias
conjecturas subjetivas. No h evidncia objetiva que nos permita garantir aos animais estados de
conscincia humana. O medo cientfico de que no antropomorfismo separa o mundo humano do
reino animal. Este medo tambm nos conduz a desconfiar de nossas vises e intuies,
colocando uma maldio na empatia.
A menos que se antropomorfise, estamos destinados a entender a cabriola de um cavalo no
como sua alegria mas como nossa projeo, o uivo de um co no como seu desespero mas
como nossa identificao sentimental com sua splica, a agitao de um racoon (quati) numa
armadilha no como seu medo mas como nossa prpria claustrofobia e vitimizao.
10

O antropomorfismo pode liberar os animais da condio que h muito chamamos muda ( por
causa da nossa prpria surdez) e nos livrar da priso da nossa subjetividade. O antropomorfismo
reconhece que humanos e animais participam de um mundo de significados. Ns podemos e
compreendemos uns aos outros despeito das filosofias arrogantes que preservam a conscincia
como propriedade humana exclusiva.
Assim, este livro, caminha destemido para o antropormofismo. Talvez seja melhor pecar em
favor de uma doutrina ancestral de uma participao mstica com todas as criaturas (tambm ns
como criaturas) do que manter as iluses de objetividade. Alm do mais, em nossos sonhos, os
animais vm e vo, teorimorfizando nossas vidas humanas. Eles nos compreendem sem
palavras, sem cincia, sem dados experimentais. Provavelmente tambm aparecemos em alguns
sonhos deles como o fazem to freqentemente nos nossos. Por que no?
A presena do animal num sonho, restaura a nudez de Ado, os desenhos crypticos das
paredes das cavernas, estes momentos da lembrana aborgene que apresentam as variedades
da alma animal. Naturalmente os diferentes animais apresentam estilos e formas de vitalidade, de
modo que alguns digam: As imagens animais representam instintos. Eles representam nossa
bestialidade e primitivismo. Mas isto no verdade. Em primeiro lugar no so nossos nem ns.
No inventamos estas imagens, no preparamos sua chegada ou gerenciamos sua autonomia
quando apareceu. Em segundo lugar porque no so meramente imagens de animais, pequenos
desenhos bi-dimensionais, fantasmas e sombras, mas imagens como animais.
No sonho o animal nos mostra que a imaginao tem mandbulas e patas que pode nos
acordar noite, aterrorizados, em pnico e nos levar s lgrimas. Estes animais abrem nossa
compreenso para o fato de que de que as imagens so foras demonacas. O mnimo que
podemos oferecer-lhes aquele respeito primordial do homem das cavernas desenhando-os na
escurido, faces voltadas para as paredes, o respeito de Ado considerando-os to intimamente
que viu a natureza especfica de cada um. Necessitamos cavernas maiores e ateno cuidadosa.
Ento, eles podem se aproximar e nos contar tudo sobre si prprios.

11

UMA COBRA NO UM SMBOLO

II pg. 25

Muitas vezes inicio um workshop sobre imagens animais com a cobra. A cobra funciona como
um encantamento liberando as pessoas de suas noes insidiosas do simbolismo das cobras e,
em conseqncia, do simbolismo dos animais em geral.
A pergunta que fao mais ou menos esta: Como voc entende a imagem de uma cobra?
O que significa uma cobra? Qual a sua interpretao? Compilei e condensei as respostas:
1 A cobra renovao e renascimento porque ela muda a sua pele.
2 Uma cobra representa a me negativa porque ela se enrosca, se enrola e te engole inteiro.
3 a corporificao animal do mal. Ela astuciosa, evasiva, sinistra, tem a lngua em forma
de forquilha e amaldioada por Deus, maldio que a faz se arrastar sobre sua barriga por
causa do que fez a Ado e Eva. O livro das Revelaes diz que a serpente o prprio demnio.
4 um smbolo feminino tendo uma relao de simpatia com Eva e deusa em Creta, ndia,
frica e muitos outros lugares.
5 A cobra um falo porque enrijece, levanta sua cabea e ejeta fluidos da sua extremidade.
Alm disso penetra em cavidades.
6 ela representa o mundo material terreno e como tal inimiga universal do esprito. Os
pssaros a guerream na natureza e os heris na cultura.
7 A cobra um curandeiro, um remdio, e ns ainda a vemos nos logotipos das farmcias.
Era guardada nos tempos de cura de Asklepios na Grcia e um sonho com cobras representava a
prpria vinda de um deus para curar.
8 uma guardi de homens santos e sbios mesmo o Novo Testamento diz que as
serpentes so sbias.
9 A cobra traz fertilidade porque encontrada em poos e fontes e representa o elemento
fresco e mido.
10 Uma cobra a morte por causa do seu veneno e pela ansiedade instantnea que causa.
11 a verdade mais interior do corpo como os sistemas nervosos simptico e parassimptico
e como o poder de serpente da Ioga Kundalini. Esta a razo pela qual a sofisticada medicina
popular entre os nativos americanos, sul-asiticos, chineses e africanos, por exemplo, confiam em
partes do corpo das serpentes como remdios.
12 A cobra o smbolo para a psiqu inconsciente particularmente a libido introvertida, a
energia interna que vai e vem. Sua seduo nos conduz treva e profundeza. sempre
ambas: criativa e destrutiva, macho e fmea, venenosa e curativa, seca e mida, espiritual e
material e muitos outros irreconciliveis como a figura de mercrio.
Esta 12 interpretao da cobra abrange todas as outras onze e as transforma todas em
passos de um programa no qual a cobra est, finalmente, explicada no passo final: a psiqu
inconsciente.
O que foi, realmente, dito por este ltimo termo que no melhor dito pela prpria imagem, sua
fascinante, lngua trmula, seu chocalho, seu silvo, seu bote rpido, sua escamada e brilhante
pele, seu enroscar e mover-se de lado, o p6anico crescendo, subitamente pela viso dela?
Por que deveramos trocar uma imagem viva por um conceito interpretativo? Ser que as
interpretaes so uma defesa psicolgica contra a presena de um Deus? Lembremo-nos:
muitos dos deuses, deusas e heris gregos tinham a forma de uma cobra Zeus, Dionsio,
Demtrio, Atena, Hrcules, Hermes, Hade, mesmo Apolo. Ser que se insere em nosso terror da
serpente a resposta apropriada de um mortal para um imortal?
Por exemplo, uma cobra negra aparece num sonho, uma enorme cobra negra. Voc pode usar
um hora inteira de terapia com esta cobra negra falando sobre a me devoradora, falando sobre
ansiedade, sobre sexualidade reprimida e todas as outras propostas interpretativas que, ns,
terapeutas, fazemos. Mas o que permanece aps toda a compreenso simblica : o que esta
cobra est fazendo, esta rastejante, enorme e negra cobra escorregando para dentro de sua
vida? No momento em que voc captou a cobra numa interpretao, voc perdeu a cobra. Voc
interrompeu o seu movimento vivo. Ento, a pessoa sai da consulta teraputica com um conceito
12

sobre minha sexualidade reprimida ou minhas frias e negras paixes ou minha me- e no
est mais com a cobra. A interpretao aplaca a palpitao emocional e a incerteza mental que
surgiram com a cobra. De fato, a cobra j no mais necessria; ele foi expulsa, com sucesso,
pela interpretao. Voc, o sonhador, no necessita mais da cobra e forma o hbito de tambm
no mais necessitar sonhar uma vez que os sonhos j foram interpretados. O significado toma o
lugar da imagem; o animal desaparece na mente humana.
H vrias maneiras de conservar a cobra por perto. Ela pode ser imaginada como uma
presena sentida, com a qual se conversa, ela pode necessitar ser alimentada e abrigada, pintada
e modelada. Ela pode ser honrada com gentilezas como lembr-la vrias vezes durante o dia
fazendo alguma coisa por ela um gesto fsico, acender uma vela, comprar um amuleto,
descobrir o seu nome. Ela pode ser aproximada de ns por visualizao, sentindo sua pele e sua
fora. Assim a imaginao toma o lugar do significado e a mente humana se doa presena do
animal.
Este o trabalho psicolgico e imaginativo de animao da imagem devolvendo cobra uma
alma-viva que poderia ter sido dela removida pelo seu desejo de compreend-la. A cobra pode
no ter nenhuma objeo em ser compreendida. Ela pode estar contente de que voc consulte
livros sobre rpteis, por uma fugaz visita ao Zoolgico para admirar cobrar que voc leia antigos
mistrios sobre serpentes. Mas o que quer que voc faa, primeiro consulte a cobra para que
voc no a insulte seguindo seu prprio plano sem reconhecer a chegada dela sua vida. Porque
a sua chegada uma convocao para distrair suas intenes de voc mesmo, ao menos,
parcialmente, em favor dela.
Animar a imagem esta a tarefa hoje. A tarefa no mais uma questo de contedos
simblicos dos sonhos. H mais de cem anos atrs Freud nos levou de volta s tradies antigas
do simbolismo e s velhas tradies do significado dos sonhos; ento Junge explora estes
simbolismos e significados mais ampla e profundamente.
Mas ento, ambos, Freud e Jung fizeram um movimento que no queremos mais repetir.
Ambos traduziram as imagens dos animais em significados simblicos cristalizados. Eles no
permitiram que o que aparecia se expressasse o bastante mas prosseguiram satisfazendo a
racionalizao e muitas vezes com medo o pensamento dirio da mente.
Isto quer dizer aquilo. Mesmo o mtodo junguiano de imaginao ativa que anima a imagem
no para o benefcio da aluna do animal, mas para a aluna do sonhador.
Pregando e se contorcendo na parede disse C. S. Eliot sobre o mtodo moderno de
tratamento da mente. A imagem de Eliot sugere a borboleta da psique incapaz de voar ao
encontro de rtulos diagnsticos e significados interpretativos.
Uma vez que voc tenha traduzido a grande cobra na sua fantasia, ou inveja do pnis, ou que
voc a tenha traduzido num smbolo materno, a Grande Me, voc no necessita mais da imagem
e voc permite que a imagem diga apenas uma coisa, uma palavra, por exemplo: Grande Me.
Ento ela desaparece. Voc, realmente, no quer mais aquela cobra negra voc quer trabalhar
o seu complexo materno, mudar sua personalidade, e assim por diante. Mas isto ainda deixa a
alma inanimada, quer dizer, sem vida. As imagens no esto caminhando com suas prprias
pernas. Foram transformados em significados. Como disse algum sobre Junge, o seu principal
mito era o mito do significado. Ento vamos tentar abandonar o significado e a busca do
significado e o significado da vida, para assim nos atermos imagem animal.
Em nossa ansiedade por significados conceituais ignoramos a besta (animal) atual. J no
estamos pasmos pelos seus feitos nem curiosos sobre sua presena por exemplo, que uma
cobra desloca seu maxilar para engolir um animal maior que ela prpria, que o seu aparelho
digestivo funciona sem mastigao, sem dentes, moela ou bolo alimentar, como um peristalsis
rtmico que pressiona sua refeio contra sua espinha dorsal esmagando sua presa em uma
polpa digestiva. Ou, por exemplo, o fato de que a sua pele descartvel depois de escamar parece
continuar escamando (mudando).
Vidas sem sentido anseiam por sentidos e os psiclogos alimentam a fome de sentido com a
presena viva dos animais. Clientes como carnvoros devorando a carne dos seus animais de
sonho para satisfazer sua gulodice por conhecimento. Ou ser que ns, psiclogos, nos
transformamos em taxidermistas desentranhando a cobra, recheando-a com conceitos, e
preservando-a com um cuidadoso significado fixo?

13

CONSIDERANDO O CAMUNDONGO DOMSTICO

III pg. 31
Devemos combater a idia de que um animal representa uma funo nica e eu pedirei ao
camundongo para empreender esta luta. A idia da funo nica diz que os roedores roem,
ovelhas mastigam ervas, burros brincam lascivamente entre si e golfinhos so ajudantes gentis.
Esta maneira de interpretar animais segue um velho mtodo alegrico. Gregrio de Mysso, um
padre da Igreja do sculo IV explicou que um ser humano como uma coleo de animais: - Nos
transformamos em sapos atravs da luxria, abutres atravs da crueldade e tigres atravs da ira.
Cada animal se torna um rtulo para uma emoo especfica ou caracterstica humana.
Esta uma velha idia mas muito atual. Ainda hoje muitos escritos sobre simbolismo animal
reduzem espcies animais em espcies de instintos humanos. Se estivermos demasiado afastado
da Comunidade ou demasiado identificados com ela, teremos sonhos com ovelhas, revelando
nossa relao com o instinto do rebanho. Se o problema poder ele se mostrar em sonhos
como lees ou guias. Se o problema a me, ento sonhos com ursos e assim por diante.
Como escreveu Freud:
- Animais selvagens so, em regra, empregados pelo trabalho do sonho para representar
impulsos apaixonados dos quais o sonhador tm medo... Um pai detestado e temido
representado por um animal predador ou um co ou cavalo selvagem,,,
Muitas das bestas que so usadas para representar smbolos genitais na Mitologia ou no
folclore, assumem o mesmo papel nos sonhos como por exemplo: peixes, caracis, gatos,
camundongos (devido ao plo pbico). Macaco e nomes de animais so usados, em geral, como
insultos.
O camundongo como plo pbico! Na verdade!!! Muitos escritores ainda vo alm em degradar
os animais com suas prprias fantasias sexuais. Por exemplo, Wilhelm Stekel, um antigo e notrio
psicanalista, interpretava o sapo como um tero; animais midos e escorregadios como caracis e
rs como equivalentes do pnis. A pulga tambm um falo porque vivaz, atrevida, agressiva.
Ernest Jones, bigrafo e admirador fantico de Freud, concluiu que as crianas muitas vezes
devem sua primeira experincia de atividade sexual viso de uma cpula animal... Ento os
animais se prestam e emprestam para a representao individual de desejos crus e sem rdeas
(incontrolveis).
Todo este friehantismo em cavar os significados de presenas animais nos sonhos humanos,
nunca permite que os animais se apresentem como so. Eles so rebaixados a uma simples
funo, usualmente sexual, enjaulada dentro das represses humanas e aparecem nos sonhos
para compensar nossa inadequao instintiva (instintual). Estas interpretaes os colocam dentro
de ns e nunca nos conduzem para dentro do animal. E a interpretao simblica negligencia o
humor de cada estilo animal. Fbulas, desenhos animados, brinquedos e contos infantis, no
mundo inteiro, como tambm ensinamentos dos msticos e antepassados, mostram que cada
animal divertido, engraado de se olhar e instrutivo mesmo como brincadeira.
Consideremos o camundongo domstico: ele no tem, meramente, uma funo singular e a
sua imagem num sonho no , meramente, uma representao simblica desta funo. Isto nivela
o camundongo fazendo sua incurso no sonho demasiado compreensvel. Entrar dentro do
camundongo, dentro da imagem de cada espcie de animal, tenta fazer justia ao rico e completo
ser que cada animal com suas intricadas e adaptadas maneiras de comer, desenvolver-se,
alimentar-se, mover-se, sua colorao e olhar, sua geografia. Cada animal no apresenta apenas
um modo de sobrevivncia e auto-preservao; ele tambm mostra modelos de defesa, estilos
repetitivos e obsessivos de patologia e maneiras de observar o mundo atravs de sentidos
especiais e inteligncia. Camundongos no roem apenas, eles escutam. E eles so lindos.
Se voc se coloca dentro do camundongo, voc pode ficar l sentado, quieto como um
camundongo escutar o mundo, suas pequenas tonalidades, seus sussurros. E, para fazer isto,
voc tem que ficar muito prximo e ainda assim escondido, cada msculo vivo e parado e
muscle e mouse so primos etimolgicos. N.T. (No vale para o Portugus muscle e mouse
no so, em nossa lngua, primos etimolgicos). Vivo e parado para no interferir com o que est
acontecendo, os sons, os odores, no chamando ateno para voc mesmo. Atenta,
intensamente, voc segue regularmente porque voc pode sucumbir impedindo uma fuga
histrica (do camundongo) se confrontado por um gato ou uma cobra.
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Em seu pequeno dorso cinzento tendo em mente que carregam doenas... Eles trazem peste,
tifo, enterite severa, leptospirose, tularemia. Freqentemente trazem salmonelosis e infees
virticas, tambm terrveis doenas propagadas atravs de fungos... E a lista acima no est , de
modo algum, completa.
Assim, a esposa do fazendeiro, corta duas caudas com faco, enquanto a senhora da cidade
pula sobre uma cadeira para que ele no invadam suas saias e o Flautista de Hamelin livra toda a
aldeia de seus roedores e tambm de sua juventude. At o elefante conhecido pelo medo que
tem de um camundongo subindo de sua tromba. Medo de penetrao, invaso, roubo, doena.
No de admirar que o camundongo caminhe to rapidamente, to pequeno, tmido, aterrorizado.
Ele traz a ameaa do desconhecido, do oculto submundo e do invisvel outro mundo, para dentro
da cozinha dos lares onde reinam os deuses domsticos da cozinha, desde Bastet do Antigo
Egito, nosso gato comum. Este peludo gato gordo e bigodudo, no seu conforto egocntrico,
necessita de voc como presa, necessita de voc para seu eterno jogo de pega e larga para
manter suas garras afiadas e seus instintos acordados aps a lnguida sonolncia. E assim vocs
Srta. Minnie e Sr. Mickey (N.T. camundongos de Walt Disney) devem se manter vigilantes toda
noite e se satisfazer com sobras, restos e o quer que se apresente para sua modesta cobia.
Cuidado em no aprisionar o camundongo do sonho em teorias de represso sexual que ele
no se refira aos seus ocultos desejos noturnos. Tenha cuidado tambm para no aprision-lo em
teorias de compensao funcional, ou seja, de que ele aparea em seus sonhos para lembr-lo do
que voc no est mas deveria estar fazendo. Estas teorias, ambas colocam o camundongo ao
seu servio. Em lugar disso, preste ateno nele apenas como aparece. Olhe suas atitudes.
Contemple-o . Ao se colocar na imaginao do animal, voc pode salvar o fenmeno das teorias.
Esta foi, afinal, a preocupao de Deus, salvando o fenmeno ou o nmeno? pela qual Ele
ordenou a construo da arca. O mundo poderia submergir, suas cidades, florestas plancies e
todo o seu povo desaparecer, excetuando a famlia nuclear de No. Mas o que deve sobreviver de
tudo isto, so as sementes da Criao, os animais.

15

URSOS POLARES
IV pg. 37
Durante um de meus itinerantes seminrios sobre sonhos animais, uma mulher me relatou este
sonho:
- Eu estava voando num avio pilotado por meu marido. medida que ele pilotava eu
apreciava a paisagem l embaixo. Ento eu lhe disse: - vejo um urso polar sob um pouco de gua
l embaixo. meu marido continuou a pilotar. Ento olhei na tela do radar e l estava registrado o
urso polar com algo mais formando um xis. Neste momento, meu marido: - Penso que vou dar
uma olhada. E retrocedeu com o avio at que vimos novamente o urso polar sentado sob a
guaMuitos sonhos/animais me foram passado por escrito em workshops e enviados pelo correio
por colegas, para serem adicionados minha coleo. Isto no quer dizer que estes sonhos
devam ser interpretados por mim. No podem ser. No conheo os sonhadores e suas situaes,
nem conheo as ocasies precisas em que estes animais os visitaram. No dou consultas
interurbanas esotricas! (N. T. 0900 - ?). Eu meramente coleciono os sonhos para estudar
comportamento animal. Meu trabalho com estes sonhos mais de ecologia psquica que de
psicoterapia. Assim, minha preocupao no com o quebra-cabea apresentado pela sonhadora
e seu marido no avio, mas com o enigma do urso sob a gua. Se tenho alguma inteno
teraputica a de ajudar o urso, compreend-lo e trazer suas intenes obscuras, atravs do
mundo dos sonhos, para o mundo real que todos compartilhamos. Encaro todos os sonhos como
pertencentes, primeiramente, s figuras neles contidas. Neste caso, principalmente, o urso.
Embora se diga que o sonho pertence ao sonhador, pois no caso ela teve este sonho e o
escreveu, devido que este urso seja dela. Em lugar disso gosto de fingir que o urso a ocasio
para o sonho e mesmo para transmiti-lo dela para mim e de mim para vocs. Eu me concebo,
como um comunicador catalista, conectando o animal ao mundo humano, ou digamos, nestes
sonhos de ursos polares, sou o agente deles.
Admito ignorar completamente a mulher a mulher e o seu caso para poder descobrir mais
sobre o que acontece no sonho e como o urso polar se enquadra nele. No posso relacionar o
urso com nenhum dos problemas da mulher. Tudo o que posso fazer colocar indagaes ao
sonho e l-lo como uma imagem inteira. Quero dizer, olh-lo escutar suas palavras e repetir suas
frases para que talvez possa ouvir as implicaes metafricas na imagem. Por exemplo: quando a
sonhadora est voando e sendo pilotada pelo marido (com quem ela associada e por quem est
sendo conduzida) ela olha para o mundo abaixo como um cenrio. O cenrio consiste na gua
onde se encontra o urso polar. O fato do urso evoca o comando: olha. O urso aparece na tela de
radar do avio. No avio eles tm uma conscincia abstrata, mesmo se altamente sensitiva,
capaz de enxergar dentro dgua. De fato, a tela do radar mostra um urso duplicado, talvez um
reflexo dele mesmo, que leva o marido a pensar, a manobrar o avio e olhar. Esta Segunda
inspeno como re-inspencionar o urso. O movimento da mquina voadora revertido. O fato
do urso altera o rumo do casal.
O urso polar se registra como um X, sinal convencionado para uma quantidade desconhecida
que deve ser decifrada por dedues do pensamento. Na verdade o urso se registra como dois
Xs, porque o sonho diz: o urso polar aparecia na tela do radar com algo mais como dois Xs. ele
um urso traioeiro? Tem um duplo significado? Ao menos podemos dizer que est qualificado pelo
nmero dois. Existe algo mais: - um segundo urso, um urso na sombra, um urso fantasma. o
segundo plano do urso, este segundo pensamento que faz o marido atentar e retroceder com o
avio.
Ento, o que que eles vm quando lanam o segundo olhar? O urso ainda sentado sob a
gua. Est sentado, parado, como tambm ainda sentado? Est esperando? Pedindo para ser
testemunhado?
Uma lenda judaica diz que cada espcie animal tem uma correspondente na gua. Ser que
este urso polar sob a gua no aquele que no entrou na arca e est, ainda, aguardando
resgate? Por que o urso se senta parado enquanto o avio se move? Qual a relao entre uma
tela de radar na mquina, voando na altitude, e o animal, l embaixo, debaixo dgua? Quem
este urso e por que o casal o est vendo?
Outro sonho com urso polar de uma mulher na casa dos 30 anos.
16

- Um urso polar me persegue. Estou aterrorizada e tento fechar uma porta para mant-lo do
lado de fora. Um homem vai atrs do animal e ento eu vejo o urso voltar ferido. Ele foi atropelado
por um carro e tem o ombro ferido e sangrando; torcido. Confuso, ele fica olhando para o
ferimento. Sinto pena e estou angustiada com este acontecimento. Eu no o queria machucado.
Apenas queria que ele no me ferisse.
O sonho exibe um tema familiar na imaginao humana: perseguio por uma animal. Quando
a perseguio ocorre, devemos sempre perguntar: somos perseguidos porque corremos ou
corremos porque somos perseguidos? Nenhuma seqncia casual necessria: bastante saber
que fuga e perseguio caminham juntas.
Assim, no sonho, o urso polar persegue porque est atrs dela significando que ela est na
frente, corre dele, fechando a porta contra o animal que vem em busca dela.
Qualquer coisa que venha a voc num sonho, quer (deseja) voc, tem uma inteno que pode
no ser aquela que voc lhe atribui: sabemos o que o urso quer?
Como o urso corre atrs dela, um homem annimo corre atrs do urso. Isto resulta no urso
sendo ferido, ensangentado e confuso (por um carro) tal a fora do homeman6onimo nesta
psiqu e tal a fora do veculo de sua direo. Isto confunde o animal. O urso polar focaliza seus
ferimentos. Sua capacidade para ombrear 9abrir caminho) foi ferida (est ferido no ombro). O
que se inicia com perseguio e terror se transforma, aps o ferimento, em reconciliao.
Reconciliao atravs da dor. Como o animal est ferido, ela est angustiada. Talvez a dor tenha
aberto a porta entre eles. O homem que vai atrs do urso no est mais no sonho e nenhum
figurante est indo mais atrs de outro.
Um terceiro sonho com urso polar vem de uma mulher mais velha. Se no primeiro sonho h um
contraste entre o avio voando e o urso polar sob a gua e no segundo um choque doloroso entre
carro e animal, neste terceiro sonho o animal est completamente s, nem mquinas, nem seres
humanos, um sofrimento solitrio.
- Vejo um grande e forte urso polar, brilhando de branco e parado na mais longnqua fronteira
de sua terra, um ponto de gelo e neve no cume do polo, de frente para a gua congelada e azul.
Ele se equilibra nas patas traseiras, ereto, cabea erguida, o nariz apontado para o cu. Suas
patas dianteiras rasgam o ar com angstia. Olhando-o, reconheo que est no fim da sua
esperana na busca da companheira e da cria e chama em agonia terrvel e poder intil.
Brilhando de branco, na mais longnqua fronteira da terra, no fim da esperana, no topo do
plo, ereto e apontando para o cu, este urso, com todo o seu poder neste lugar, est em agonia.
No porque esteja sendo caado ou ferido mas porque neste lugar mais extremo no pode
encontrar sua, companheira e sua cria, ele est sozinho. Grande, forte, e ainda assim intil. Que
terrvel angstia est rasgando o ar deste sonho? O que deve ser ouvido? O que a sonhadora e
tambm ns estamos testemunhando?
Estas trs sonhadoras so americanas. No creio que tenham relaes empricas com ursos
polares. No so caadoras, exploradoras ou zologas. No so esquims nem turistas que j
estiveram na baa de Hudson. Estou bastante certo de que nunca leram as lendas de ursos ou
estudaram xamanismos. No creio que elas conheam a Natureza Sagrada do Animal branco no
folclore de tantos povos em muitas partes do mundo.
Duvido, seriamente, de que a mulher em cujo sonho o urso branco uivava pela sua
companheira e cria, tenha lido a Histria dos Quadrpedes, livro ilustrado de Thomas Benvich do
sculo XVIII onde se l que entre os ursos polares o amor pelas crias to grande que eles
abraam seus filhos ao mximo e se os lamentam com os mais fungentes gritos.
Ainda assim, ursos polares apareceram nestes sonhos e com grande fora.
Quando, com um pequeno grupo iniciei o estudo de sonhos com animais, esperava fazer
algumas descobertas. Pensava que poderia ser capaz de correlacionar certos problemas tpicos
dos sonhadores, ao menos deduzir alguns, tentar concluses sobre frequenciais, sintomas,
gnero (sexo), idade e a por diante. Digamos que eu esperava descobrir atravs destas coletas
empricas, juntamente com questionrios respondidos por sonhadores, a espcie de dados que
poderiam levar a pronunciamentos como aqueles que encontramos em antigos livros de sonhos.
Exemplo: quando voc v, no seu sonho um urso polar, voc vai se resfriar, ou vai ficar sozinho ou
ter a sua vida ameaada e da por diante. Eu esperava fazer da pesquisa do sonho, uma arma til
para diagnstico e prognstico e ajudar a interpretao a se tornar mais cientfica. Em lugar disso,
descobri uma estranha lacuna entre a pesquisa do sonho e a sua interpretao, entre a
psicologia explanatria cientfica e uma psicologia de compreenso imaginativa. como a lacuna
17

entre o mundo diurno e o mundo noturno. No mundo diurno tentamos induzir constncias de
muitos casos; no mundo noturno, como diz Herclito, cada um se volta para sua alma particular e,
ento, a imagem animal e a mente sonhadora se encontram.
No conseguimos preencher a lacuna entre a pesquisa de dados e a interpretao dos sonhos
e nossa pequena equipe fracassou, nos dois lados da lacuna, no somente em relao cincia
mas em relao s interpretaes porque, embora tivssemos sonhos de monto, no tnhamos
sonhadores e a interpretao sempre, direcionada pessoa. Em lugar disso, tivemos animais.
Deste modo nos encontramos num terceiro terreno. Nos transformamos num bando de
naturalistas rastreando pegadas em imagens, observando comportamentos e habitats animais,
nos tornamos atrados no somente para o sonhador, fechando portas contra o urso, mas tambm
pelo marido que voa com a mulher sobre o urso e pelo homem que vai atrs do urso.
Eu fiquei mais e mais preocupado com os animais do que com os sonhadores. Eu partira de
pesquisa cientfica emprica e terapia prtica em favor do conservacionismo um cuidado
fenomenolgico de imagens animais, resistindo, por um lado, o que fossem traduzidos em
significados pessoais.
Deste modo o resultado final desta pesquisa veio da luta com o mtodo: com a supresso do
sonhador, a terapia e as teorias sobre o que representam e simbolizam os animais, ns
poderamos tentar olhar o sonho sem os preconceitos do mundo centrado dos humanos. Cada
animal apresentava a complexidade de uma imagem. Eles se tornaram representaes orais de
uma poiesis imaginativa, do que Junge chama de psiqu objetiva. Simplesmente l, como uma
vaca no seu pasto, uma traa no seu armrio.
Mesmo alm da fenomenologia ns no sabamos ainda mas estvamos no caminho para
outra espcie de trabalho com sonhos, uma aproximao essencialista acontecendo numa
imagem. Os animais nos conduziram para esta abordagem preenchendo sua antiga funo de
professores, como se fossem eles os essenciais do sonho, cada um essncia em si mesmo e
essncia da sua espcie.
Vamos conhecer outro sonho com urso polar, desta vez o sonho de um homem:
- Estou caando um branco urso polar num lugar muito deserto e frio. Fao esforos para
mat-lo. Depois de vrias tentativas mal-sucedidas, o urso polar e eu nos tornamos amigos. Devo
fazer notar que embora a atmosfera fosse de completo e puro frio eu no estava usando
agasalhos. De repente estou me afogando em meio de um lago e meu irmo e o urso assistem a
tudo da margem. Nem sei como o urso branco comea a nadar e salva a minha vida- .
Quando voc caa para matar o urso branco voc est num lugar deserto e frio e voc caa
para matar o urso. Surpreendentemente no o irmo que nada para salvar sua vida mas o urso.
O urso e o irmo esto ligados, assistindo juntos. O urso, , talvez, mais que um irmo, pelo
menos na capacidade de salvar a vida do sonhador. O urso polar que ele estava fazendo tanto
esforo para matar (porque assim que ele tenta matar o urso, fazendo esforos) salva sua vida.
H dificuldades de matar o urso, mas, ainda assim, a tentativa leva-os a uma afinidade amigvel
de caador e caa. E este sonhador faz notar que no usa a proteo do agasalho. Agora que ele
e o urso esto em termos amigveis podemos assumir que o sonhador tem o seu prprio calor
interno? O urso polar com sua gordura e plo como um xam dos climas frios que gera tapas
(join), tumo (Tibetan) ou calor de neve derretida e assim ele pode parir (dar nascimento) a jovens
embries, pequenos, nus, descobertos na poca mais fria do ano que janeiro. Aqui
desmoronam explicaes causais e teolgicas... O carter essencial dos ursos est expresso pela
completa independncia da sua forte natureza metablica. o que diz o bilogo Wolfgang Schad.
E Schad diz ainda que eles so capazes de desaparecer do espao e suspender o tempo, as
atualidades ou realidades do espao circundante, sobrevivendo somente da fora do seu
metabolismo ( recursos internos) e parindo suas inviveis e no adaptadas crias que confiam na
natureza essencial com a qual so dotadas.
Se fssemos antroplogos entre os povos do Crculo Polar rtico o habitat dos ursos polares
saberamos quem so estes ursos de sonho. Reconheceramos neles esta figura chamada de
animal guardio, o Senhor dos Animais que ele ou ela prprios um animal e que mais que um
protetor da caa, mas que um ancestral totmico (o grande urso branco como Av ou Av) nada
menos que uma suprema figura divina em forma de animal e como diz Ivan Paulsen entre as
mais antigas teofanias na vida religiosa da humanidade.
Vamos ento supor que estes grandes ursos brancos sejam imagens sonhadas da divindade
expondo alguma coisa em algum lugar distante (desrtico na fronteira da terra sob a gua) e
apresentando aos sonhadores os dilemas, agonias, isolamento, tranqila pacincia e
18

potencialidades redentoras do que Jung chamou de instinto religioso. Gerardo von der Leew, o
grande fenomenologista da religio, diz que o princpio que Deus quer significar em primeiro lugar
no mundo todo a experincia de um Poder. Rudolf Otto definiu o sagrado como o Outro
Sagrado um tremendo e envolvente poder. Isto combina com o urso polar porque ele o maior, o
mais perigoso, o mais forte e inteligente de todos os carnvoros.
Naturalmente, um urso mais que um instinto religioso. Um habitante das regies rticas que
compartilha com os ursos o mesmo vasto territrio, dificilmente falaria deles como instintos.
Mesmo assim, este habitante seria capaz de sentir a conexo interior e sangnea com o urso
polar que a palavra instinto implica para ns. Ns e estes povos, interiorizamos os deuses de
modo diferente ns, mais por conceitos psicolgicos. Eles mais por uma participao mstica ou
parentesco simblico.
Alm de toda interiorizao do urso trazendo isso dentro e tomando sua imagem como uma
potencial representao da nossa prpria personalidade est o urso. Alm do instinto, alm da
teofania, est, finalmente, o esprito liberto do grande urso branco, em cada um destes sonhos,
clamando, mesmo suplicante, ser ouvido, ser visto. Como Beemot (N. T. o hipdromo do Livro
de J) este tremendo animal que traz toda a discusso para uma concluso no final do livro de J,
o grande urso branco frustra a compreenso humana. Ainda assim, como Beemot que a Bblia diz
(J, 40-15) que Deus criou no mesmo momento em que criou os homens, o animal tremendum
pode ser um irmo co-igual e co-eterno.

CAVALOS E HERIS
V pg. 47
A delicadeza, a gentileza, isto o que ns, freqentemente, perdemos capturados como
ficamos com os cascos barulhentos, os flancos musculosos, de um rabe galopante, pescoo
distendido, orelhas eriadas ao vento.
Mas lembrem-se da delicadeza dos lbios de um cavalo, suas pestanas, seu pescoo, os
ossos de suas pernas, a doura do seu cheiro no estbulo, as focinhadas.
No seu poema A Beno, que trata destes animais, James Wright escreveu: Sua longa
orelha delicada como a pele que envolve o pulso de uma mulher. E habituados como estamos
com cavalos puxando arados, puxando carroas como animais da carga, esquecemo-nos do
quanto, eles pertencem ao elemento etreo como se todos os cavalos tivessem asas, voando
atravs do vento, rabos ondeados, largas narinas frementes, o ar penetrando seu interior
zunindo, relinchando, palpitando, estrondeando, resfolegando, se distanciando.
Os jovens heris dos mitos gregos cavalgavam seus cavalos no ar. Bellerophon no Pgaso,
Phethon conduzindo a carruagem de seu pai do Sol. Hiplito cavalgando para sua morte. No
podiam controlar seus cavalos e se destruam.
O simbolismo, usualmente, liga o cavalo terra e ao mar. Para Possadon, o rei do mar: as
ondas como a crina do cavalo; sua confiana de garanho como seu poder sem fim; seu casaco
como a mgica da fertilidade. Quando esta fora selvagem percebida numa mulher, o cavalo
demonizado como a semente. (N. T. significando smen) do bruxo (ou bruxa), o pesadelo, o
pnico louco de uma fuga.
Embora os cavalos possam ser de carga, de fazenda, conduzindo seus fardes de civilizao,
os cavalos de sonho conduzem ainda heris como cavaleiros nas imagens de sonho e nos mitos
invisveis que acompanham estas imagens.
Cruzados e conquistadores, mongis e humos, fiis maometanos cavalgando para converter as
vastides do mundo rabe. Apaches no Arizona, ganchos na patagnia, a cavalaria avanando
nas terras nativas seguida pelo Cavalo de Ferro (trem) nas trilhas ferrovirias toda a extraordinria
conquista da distncia percorrida no lombo de seu cavalo.
Heris e salvadores: Paul Revere, o expresso Poney, os Rough Riders (N. T. cavaleiros
dures?) de Teddy Roosesevelt, as vigorosas fugas de reis e rainhas. Washington, Lee, Sheridan
esttuas de homens de bronze, nos parques, montando cavalos de bronze. Os cavalos de
Napoleo arrastando o material de um exrcito atravs da Polnia at Moscou, suas carcaas
rgidas na neve; e os cavalos de Hitler, milhares, carregando a Wermarcht no seu dorso; John
Wayne, Clint Eastwood, Leon Mix, Roy Rogers, Lone Ranger...
19

E ainda assim eles tambm nos carregam como Broncos, Pintos, Mustangs, Pacers e Coets
(N. T. personagens de faroeste), o poder oculto sob a crina. Mesmo passeando nos gramados,
parques, campos de golfe, continuamos cavalgando cavalos.
Este poder do cavalo ainda traz a morte inesperada nos caminhos e estradas da noite, para
tantos rapazes como Hippolyto, Pheton e Diomedes, este filho de marte o mtico rei da Cracia
cujos cavalos lhe comeram a carne humana. Porque a semente que pode to fortemente carregar
a vida, conduz esta mesma vida ao seu funeral na solene procisso do cavalo sem cavaleiro. ( N.
T. Lembrei-me que esta simbologia foi usada em 1963 no funeral de John F. Kennedy).
Mas esta a parte mais fcil respeito de cavalos. Isto o simbolismo e a histria do cavalo.
Mas e o seu mistrio? O mistrio do cavalo que pede para ser dispensado de carregar o heri na
sua garupa? E o que pensar do cavalo da alma em cujo pescoo um garoto se pode reclinar e
chorar sua solido e falar de seus desejos secretos? E o que dizer do cavalo escovado, penteado
e amado por uma moa, com paixo mais devotada que qualquer pessoa recebe em qualquer
lugar?
Voc j se preocupou com um cavalo? J sentiu a saliva dele em suas mos, tratou da sua
clica, sentiu sua pacincia ao ser ferrado, levou-lhe gua numa manh de inverno e ouviu sua
lngua sug-la? Voc j teve que abater algum? Ou sonhou com um cavalo ferido?
Dentro de sua extroverso voluntariosa e coragem nobre este galope atravs dos continentes e
sculos, marcando a migrao de civilizaes, com suas conquistas e retiradas, dentro deste
impulso herico repousa a delicadeza, alguma coisa interna e to invisvel que s os sonhos
parecem capazes de recordar.
Rituais conhecidos como o sacrifcio do cavalo objetivam liberar esta invisibilidade dentro do
herosmo do cavalo, marcando a separao entre cavalo e heri. Estes rituais so a parte difcil e
surpreendem com o seu pathos.
Por exemplo: quando Buda tomou o caminho do ascetismo, dispensou o seu cocheiro e no
teve mais funo para seu cavalo Kanthaka. Esta separao do seu amo, partiu o corao do
cavalo e ele morreu de tristeza. Assim, tambm, Buda se livrou do seu poder cavalar que no
era mais necessrio. Na estaturia budista, Kanthaka lembrado como uma pequena figura de
cavalo fiel, prximo ao grande Buda sentado, o cavalo reduzido a uma potncia menor, na
constelao de imagens do budismo.
O grande sacrifcio do cavalo hindu, remonta ao quarto milnio A . C. Um rei conquistador,
permitia que um cavalo premiado cavalgasse livremente para postar acompanhado de um bando
de jovens guerreiros. O territrio coberto pelo cavalo, transformava-se nas pastagens do rei. O
cavalo representando a energia libidinal sem limites de expanso. Quando este animal tivesse
vagado pela terra pelo ciclo completo de um ano estendendo sua cavalgada de conquista
aventurosa at onde desejasse e escolhesse, era, ento, novamente conduzido casa. Para ser
sacrificado com os ritos mais elaborados e solenes.
Uma vez que o rei estivesse estabelecido, o expansionismo que o levara ao trono, j no era
necessrio. O caminho da conquista no o mesmo da governana (governo). Um Deus ou
veculo animal sustenta a ambio, enquanto outro deus ou veculo animal mantm o que foi
conquistado. Assim, reis tal como reis, so, muitas vezes, apresentados como lees, elefantes,
touros e guias, o que quer dizer, como supremos senhores de consistncia mais do que heris
conquistadores. Pelas suas montarias, voc pode lhes reconhecer o carter.
Isto nos leva a marte, o deus da guerra. Voc ter notado que o cavalo na estria Hindu est
acompanhado por uma guarda de honra de guerreiros. O sacrifcio romano do Cavalo de Outubro
torna esta relao entre cavalo e conquista ainda mais explcita.
A cada ano, no dia 15 de outubro, no Campo de Marte, fora dos muros da cidade, um cavalo
era sacrificado por uma carga de dardos, para honrar Marte. Georges Dumzil, estudioso da
religio itlica primitiva, colecionou textos e explicou os ritos e suas razes. Tratava-se sempre de
um cavalo vencedor, por exemplo, o cavalo principal de uma briga vencedora. Por que um cavalo
vencedor? Porque Marte o prprio deus da vitria e da fora. E, segundo a explicao de
Pentarco (Romau Questions, 97) Sacrificamos aos deuses as coisas que apreciam e que
tenham conexo com eles. Ou seja, marte gosta de cavalos porque tem afinidade com eles.
Naturalmente Buda tinha que se separar de Kanthaka porque desistir do cavalo significava,
tambm, abandonar o caminho material.
Nos sonhos, cavalos tambm so cuidadosamente abatidos, algumas vezes esfolados, levados
morte com um tiro, sangrados no pescoo, enterrados numa cova.
20

O sonhador fica chocado, temendo pela sua prpria vida, como se a morte do cavalo acenasse
para a morte de sua prpria vitalidade, para a morte da energia vital necessria ao despertar e
viver cada dia.
Ser que estas imagens de agonia que o cavalo suporta em sonhos pertencem
verdadeiramente ao cavalo ou est ele sendo sacrificado pelo seu herico amo, o sonhador, que
no pode desistir de suas ambies expansionistas?
A psicologia alqumica ensina o sacrifcio do cavalo muito menos literalmente. Ela faz uso do
ventre do cavalo venter equi como uma imagem de calor interior. A Alquimia emprega metforas
de fogo para intensa concentrao necessria construo da alma. (De fato, os alquimistas
eram chamados trabalhadores do fogo). O valor da barriga do cavalo referindo-se digesto de
acontecimentos, gerando e incubando em lugar de explodir com tmpera marcial. um calor
interior, um fogo contido.
Mais do que sacrificar o cavalo ou deix-lo partir a fim de livrar-se da sua fora, a alquimia
sugere entrar dentro do cavalo, como Jonas dentro da baleia . Ns interiorizamos e contemplamos
a necessidade de avanar, de correr livremente, de temer, de vencer. Em lugar de uma conquista
livre e solta no pasto, voc montado no cavalo com as rdeas nas mos, voc desmonta e se
coloca dentro do seu animal, guardado e agasalhado pelo seu calor.
A psicologia alqumica tambm usa uma imagem de estrume de cavalo para este calor
introvertido. O tubo de ensaio que contm esta matria psicolgica sendo processada pode ser
mantido quente, numa temperatura constante, ao ser enterrado no esterco animal. O calor estvel
se refere a um lento e longo focus na vida da sua alma. (N. T. focus propsito Latim para
lareira, fogo, famlia) . O recipiente, (tubo de ensaio) convida a olhar e ver atravs de aes para
suas imagens. Esconder o material da sua alma numa pilha de esterco significa prestar ateno
aos resduos das necessidades e aes da sua montaria. Voc se torna consciente da
componente do esterco do cavalo, da sua falta de rumo, das conseqncias da vida pela qual
voc se apressa e galopa. Enquanto voc cozinha lentamente nesta fermentao uma outra
espcie de preocupao comea a se formar.
Desta perspectiva do sacrifcio do cavalo e de entrar dentro do cavalo em lugar de cavalg-lo,
heroicamente, podemos olhar a estria do Cavalo de Tria contada na Odissia. Os gregos,
tiveram, muitas vezes, malogradas suas tentativas para tomar Tria at que construram um
grande cavalo de madeira que os troianos, aps muita discusso, levaram para dentro de suas
muralhas impenetrveis como um presente para honrar os deuses. Como todos sabemos, o
cavalo de madeira era oco e dentro se colocaram os mais fortes heris gregos, que, uma vez
dentro dos muros abandonaram o interior do cavalo, saquearam a cidade, triunfaram.
Sim, todos os sabemos que o cavalo era oco. Mas por que os troianos no suspeitaram disso?
Sua imaginao era limitada, eles ainda eram guerreiros, seu cavalo ainda no tinha sido
sacrificado. Os gregos tinham levado a guerra para outro nvel de batalha, para a imaginao do
pico, de heris para o regresso ao lar. Depois de dez anos de luta eles entraram dentro da sua
prpria raiva marcial, sua prpria necessidade de conquistar. Eles tomaram Tria de dentro e
no simplesmente de dentro dos muros, na verdade, mais metafrica e imaginativamente. Eles
puderam imaginar um fim para a guerra o cavalo oco como imagem engenhosa do ato pensado.
Eles penetraram na sua barriga como em alquimia.
Assim, Tria caiu mas caiu para Homero. Ele conquistou Tria com a linguagem grega,
transformando a batalha em estria, inventando em poesia o que aconteceu ou no na verdadeira
Histria.
Mas para que isso acontecesse e para que a cultura se erguesse das runas da conquista, o
cavalo teve que ser, primeiramente, esvaziado, sua energia marcial teve que se transformar em
imagem pica.

O RATO
IV pg. 53
Voc um rato!. Enganador, traioeiro, trapaceiro. De fato. Voc, rato sujo! Furtivo,
asqueroso, mau e vil, habitante dos pores, dos esgotos cheios de dejetos, das pilhas de lixo. O s
ratos foram da sia para a Europa seguindo as tribos invasoras e levando com eles a peste nas
pulgas e piolhos de seu plo. Onde quer que a humanidade v, tambm vo os ratos. Nada
consegue afast-los. So difceis de capturar, difceis de matar. Vivem onde vivemos, em cidades
21

grandes, com favelas populosas, como prias, vivendo do que jogamos fora. noite invadem as
ruas apressadas pelas sarjetas, comendo, reproduzindo-se, escapando. Nenhum palcio imune,
nenhuma muralha est salvo da incurso dos ratos. Este conhecimento ntimo dos subterrneos
da civilizao , precisamente, o trunfo que o rato possui.
O rato persistente e intenso. Como o co terrier seu caador, ele nunca desiste. Assim,
chamamos os aficcionados obsessivos de alguma coisa como rato de gua, rato de ballet, rato de
biblioteca. Nenhuma noz dura demais para que eles a rompam. Nunca para de roer assim como
seus dentes incisivos nunca param de crescer.
Assim, Ganesha, o bem-humorado deus-elefante da ndia, est colocado no dorso de uma
ratazana que abre qualquer caminho, penetra atravs de qualquer coisa. A ratazana conhece as
cidades, tem a dinmica das ruas.
Uma jovial e agradvel dona de casa sonha: Estou indo tomar o metr de Londres e sou
seguida por um homem com cara de rato. Tenho medo e tento encontrar a escada rolante para
retroceder.
O que este homem cara de rato poderia mostrar a ela para que no se retirasse mas
permanecesse em sua companhia no subterrneo do metr? Talvez alguma coisa dos caminhos
labirnticos, dos nveis mais profundos da civilizao humana.
Outro sonho em que a tranqilidade domstica ameaada por uma ratazana vem de um
psiclogo de mais ou menos 40 anos de idade: Estou voltando para casa. A luz da frente est
apagada. Entro mesmo assim. Subitamente apareceu ratazanas que saem de trs de alguma
coisa. No consigo ver de onde esto vindo. Uma pula no meu ombro e acordo com um salto.
Uma reao violenta. Estou completamente desperto e em pnico.
A casa no mais um porto seguro. A luz-guia da entrada est apagada. Alguma coisa
(guardada, empilhada, sem uso, separada para ser jogada fora) solta seus fantasmas. Ratazanas.
Seria ele mesmo um desses ratos guardando alguma coisa dentro e fora? O sonho diz claramente
que os ratos esto vindo de trs de alguma coisa. Mas ele diz claramente que no pode ver que
coisa . A lmpada dele tambm deve estar apagada ou ele deseja negar o lugar de onde
procedeu os ratos.
O rato, no seu ombro, quer, realmente atingi-lo. Ele o acorda com um salto. Ser que isto nos
diz algo de til sobre surtos de pnico? Pode ser ambos: uma paralisia um despertar radical.
O animal no ombro. s vezes um macaco, um papagaio, aqui um rato, se coloca no nvel da
cabea da criatura, paralela, igual. Agora voc pode ter duas opinies sobre algo, ver coisas com
outra perspectiva, com uma dupla compreenso metafrica.. ser que este psiclogo necessita
despertar? Ser por isto que as ratazanas vem a ele, para ele, por ele? Mesmo que no possa
ver, agora pode ouvir porque o animal no seu ombro est junto ao seu ouvido.
Um homem de grande fora de vontade e boa educao, tentou fazer nova carreira no
mercado imobilirio. Como corretor, ele no conseguia argumentar e no lograva fechar negcios.
Num sonho apareceu-lhe uma figura a quem ele chamou Ratazana. A primeira coisa que
Ratazana lhe disse em conversa imaginria foi: Voc no tem nariz. (faro?) ratazana comeou a
acompanh-lo em visitas de negcios. Conversavam, no carro, antes que ele visitasse um imvel.
Nossos homem principiou a encontrar respostas rpidas que brotavam dos seus lbios, para sua
surpresa, em lugar da vaga conversa de vendedor, que ele aprendera.
Comeou ento a evitar armadilhas (ratoeiras) preparadas para ele e mostrava os dentes
quando confrontado.
Sob a tutela de Ratazana, passava as noites estudando sobre zoneamento, regras de
construo, leis imobilirias e emprstimos bancrios. (Lembremo-nos de que os ratos so
usados na cincia de tecnologia de ponta pela sua capacidade de aprender.
Ele tambm comeou a crescer, procurando ser um profissional de primeira, ganhando
confiana e tornou-se menos paranico em relao a ser sempre apanhado e derrotado por todos.
Antes de se relacionar com ratazana, eles apenas conhecia efeitos inconscientes do rato, as
suspeitas sombrias dos outros, as dvidas que o roam respeito de si mesmo.
O rato no pode, realmente, ser colocado entre os animais hericos, nem aparece nas religies
como animal sacrificial. Apesar de tudo, ele tem uma participao importante na astrologia
oriental onde o primeiro dos animais zodiacais equivalente ao nosso primeiro signo ries, o
carneiro (bode). Que o ano ou qualquer ciclo comece com carneiro parece-nos evidente j que
herdamos as tradies ocidentais. O voluntarioso atrevimento do carneiro, seus grandes
testculos, seu fino e longo pnis crescendo, seus olhos fendidos quase encobertos, sua maneira
22

de aceitar um desafio quando investe contra o que quer que encontre tudo isto pertence
inquieta investida da primavera, o novo comeo.
Mas comear com um rato? Os xams coreanos dizem que ele o totem da fora que coloca
o ano no seu curso, seu caminho. Evidentemente se comea com o rato, o ano-novo deve
apresentar-se e surgir astuciosamente
dos subterr6aneos ou dos caminhos obscuros,
inesperadamente. No princpio voc no est certo sobre o que realmente est comeando do
que realmente decadncia (o que est acabando). O rato sugere decadncia e vida juntas,
exatamente como os ratos-cobaias de laboratrio mantm em seus corpos infectados e
grotescamente distorcidos, uma esperana de sade melhor e vida mais longa
E, como diz o ditado, quando os ratos abandonam um navio que afunda? Os ratos fogem
enquanto o capito bravamente afunda com o barco. Ser que o rato o traidor e o capito o
heri? Ou ser que o rato est caminhando ao encontro de um novo comeo enquanto o capito
vai ao fundo porque incapaz de mudar de direo?
A desero do rato tambm o comeo de um novo ciclo. Ele se coloca ao lado da vida em
busca de um recomear. Em matria de sobrevivncia, o rato o mais adequado.

LEES E TIGRES
(OU POR QUE EXISTEM DOIS GRANDES GATOS)
VII pg. 59
Na grande ordem das coisas parece que deveria haver ambos: lees e tigres. Uma s espcie
de grande gato no poderia cobrir todo o territrio. A diferena entre eles como passar do dia
para a noite. Ainda assim, automaticamente so muito parecidos. Exceto por uma pequena
variao nos ossos faciais e despojados de suas peles, suas carcaas pareceriam idnticas ao
investigador comum. Mas no seriam idnticos os casacos, os hbitos e os habitats. Nem so
idnticos na maneira como aparecem em nossos e no imaginrio coletivo to diferentes como o
dia e a noite...
Os lees pertencem s padarias, aos terrenos claros e descobertos, s plancies da frica. Os
tigres pertencem s encostas cobertas de vegetao, s florestas e s bacias fluviais da sia. Os
lees vivem em grupos chamados acuradamente orgulhosos. Eles caam em grupos. Os tigres
so solitrios. Os lees gostam de se manter secos e distantes das rvores. Os tigres nadam e
muitas vezes encontram suas presas em guas profundas. Eles tambm usam as rvores. Lees
so monocoloridos, um amarelo castanho que o simbolismo associa ao sol, ao ouro, e, a todas as
virtudes hericas de indestrutvel obstinao. Os tigres so listrados com contrrios: laranja e
preto; branco e preto. So diferentes como o dia e a noite
Tigres vivem (ou viviam) nas terras dos xams ndia, Indonsia, Sibria, Coria e assim o
plo do tigre no veste heris solares como Hrcules ou Sanso. A pele do tigre (como a dos seus
parentes mticos: pantera, leopardo e jaguar) aparece como o assento clssico (tapete) para os
jegues e homens santos, assim como o tigre ou a pantera conduzem a carruagem de Dionsio,
senhor dos mistrios, e da mesma maneira o tigre aparece em pinturas asiticas, espreitando,
atrs de bambuzais iluminados pela lua.
O jovem guerreiro bblico Davi ou um massai no Kenia, mata um leo como teste (prova). Por
outro lado as estrias Zen falam de outro tipo de teste. O mestre no luta com o tigre. Em lugar da
luta, ele entra no covil do tigre e os dois descansam e dormem.
Ambos, guerreiro e sbio, necessitam entrar em contato com a grande nsia carnvora de viver,
que tambm significa encontrar a morte no caminho. Estes grandes felinos tm a intensidade da
paixo fsica. Eles desejam a carne porque so o desejo da carne. E por isto, imaginamos lees e
tigres como devoradores de homens. Gostamos de apresent-los na T.V. emboscando e
matando e depois focinhando nos sangrentos interiores de suas presas. O guerreiro, eliminando o
leo, domina aquilo que poderia domin-lo e, deste modo, incorpora, em outro nvel a ferocidade
do leo. O uso da pele como agasalho ou para sentar sobre ela em meditao (como shiva na
pele do tigre) ou como tapete na sala de jogos, faz com que homens e animais encontrem uma
nova simbiose. O sbio encontra esta unio com o grande carnvoro deixando que o tigre o
convide para entrar no covil e os dois descansam e dormem lado a lado. Tambm Daniel passou
ileso uma noite na cova dos lees (Daniel 6, 18/23) e Jernimo escreveu a Bblia Latina (N.T.
Vulgata) na sua cela monstica tendo aos ps um leo adormecido.
23

No Livro da Selva de Kipling, o pequeno Nowghi caminha lado a lado com sua pantera
protetora uma herica fantasia infantil como concebida por Kipling. Mas em adio s
mensagens coloniais do Raj (N.T. domnio ingls na ndia) de Kipling, o livro implica ainda uma
iniciao mstica das linguagens secretas da natureza. O estudo Xamanismo de Mircea Eliade,
diz que o tigre carrega em seu dorso o neofito e o conduz para o interior da selva, esta regio
metafrica do desconhecido, a escurido, o outro lado. Segundo ele, o tigre era o mestre da
iniciao na sia Central, da Indonsia e em outras regies.
Uma jovem mulher sonha estar fugindo, ladeira abaixo, tentando escapar de perseguidores
hostis. Outras pessoas, em sua companhia, mostram cavalos enquanto ela monta um tigre. A
descida dela e dos outros difere. (No somente ela escolhe o tigre em lugar do cavalo, mas
tambm favorecida pelo animal que, de outra forma, no permitira que ela o montasse). Com
esta escolha impulsiva do veculo animal, esta mulher anuncia algo do seu destino, algo sobre
que divindade animal vai carreg-la para terrenos mais baixos e que ela usar em suas fugas. Em
sua psiqu ela tambm est se distinguindo dos outros que usam montaria convencional.
Enquanto o leo toma o lugar do rei de Jud, do rei cristo nas Cruzadas, do discpulo Marcos e
outros santos e mesmo do prprio Cristo, o tigre parece contrrio a esta nobre tradio.
William Blake escreveu no seu poema O Tigre:
Em que fornalha (ou provao) estava o teu crebro? Aquele que criou a ovelha te criou
tambm para as florestas da noite.
Este poema implica em que o tigre traga consigo a treva. Assim o tigre carrega nossa sombra
cultural, sinistra, e sua bi-colorao talvez seja o duplo representativo do outro lado.
Curioso tambm que a Astrologia Chinesa coloque o tigre no Zodaco onde a Astrologia
Ocidental coloca o signo mercurial de Gmeos. So diferentes como dia e noite, leo e tigre,
como diz a Filosofia Chinesa, to diferentes e necessrios como Yin e Yang.
Porque Yin acarreta morte de Yang, para aqueles que seguem apenas o monocentrismo do
leo, o tigre imaginado como um assassino particularmente cruel e mau. E, feminino! Assim, em
nossas lnguas de origem europia, temos, em relao s mulheres, expresses como tigresa
de paixo, de cime, de vingana.
Estranhamente, as distines de sexo se relacionam a estes dois grandes felinos como se
lees fossem machos (embora como se sabe as fmeas do leo que cuidam da sobrevivncia
da famlia) e tigres fossem fmeas, Yin, noturnos, lunares e como o jaguar americano, inimigos do
poder-solar da gua. O uso de gnero (sexo) para dividir o mundo em opostos, ofusca o fato de
quem ambos felinos leo e tigre, so tambm de ambos os sexos como insistiu No e estas
casuais etiquetas psicolgicas masculino e feminino se transformam em cobertura para um
pensamento simplificado, falsificando as implicaes complexas que os grandes felinos trazem
consigo.
Todavia, a psiqu separa os lees dos tigres, como separa tambm outros animais em relao
ao sexo. Uma vez, vi uma criana desenhando seus pais como leo e tigre. A me era o leo.
Este desenho era simular a dois outros trazidos para discusso de casos, ao longo dos anos. Em
um, o paciente se desenhou entre dois elefantes: pai e me, mas a me tinha as presas. No outro
caso, uma menina pintou um sonho no qual sua me era um lobo e seu pai uma raposa. No
sonho de um homem, ele est na sala de estar da famlia com seus pais. Ele percebe, ento,
tambm estarem l um leo e uma pantera, mas quando isto ocorre, seus pais desapareceram.
Seriam o leo e a pantera as almas animais de seus pais? Seria o altivo leo o esprito de sua
me e a sorrateira pantera o esprito de seu pai?
A percepo infantil como o sonho, muitas vezes percebe o que a mente consciente no v. Os
sonhos e os desenhos mostram o que est por baixo, e que a Psicanlise chama de
inconsciente. (A Psicologia Junguiana diria que os sonhos e desenhos mostram a anima do pai
e o animus da me). Nestas circunstncias a me percebida como pertencente tribo do leo,
do lobo e do elefante, enquanto o pai visto como pertencente ao mundo mais tortuoso,
dissimulado e menos confrontacional do tigre, da raposa, da pantera, da alia.
Se a raposa considerada dissimulada, se o seu hbito de preferir caminhos sinuosos, sua
agilidade em passar atravs de aberturas estreitas e se esconder em buracos e a sua habilidade
em tapear ces e caadores adequadamente descrita pelos adjetivos: furtiva, sabida, esperta,
astuciosa; isto na verdade um julgamento moral. Para ns estes termos significam engano e
fraude como se todas as criaturas devessem olhar-nos diretamente nos olhos e caminhar pela via
estreita do esperado. Talvez os valores que a raposa coloque em dissimulada como o tigre em
duplicidade incluam virtudes como coragem, orgulho, prudncia e perspiccia. Embora nossas
24

palavras possam ser acuradas em perceber uma natureza animal, sua acuidade corrompida por
nossas suposies moralistas profundamente arraigadas.
Quando o personagem principal, Dr. Abbey, desmorona, na novela de Michael Ventura O Zoo
onde voc serve de alimento para Deus para a companhia do tigre que ele vai, do tigre que o
chama. nos olhos do tigre que ele pe seu olhar e o tigre que contempla sua loucura e sua
sanidade e os estranhos mistrios de paixo e ternura. No poderia ter sido um leo porque o Dr.
Abbey estava vivenciando uma iniciao da alma que na nossa cultura chamada de colapso ou
esgotamento (N.T. emergncia psquica?).
Se o Dr. Abbey tivesse procurado um leo, ele estaria mais preocupado em reintegrar-se na
sociedade, restaurando a conscincia do brilho de seu dia a dia e suas hericas habilidades de
cirurgio que resgata da morte, toma as rdeas da vida e ajuda seus semelhantes.
Repare que no o tigre mas o leo que monta guarda nos edifcios pblicos. O leo que
emblematicamente representa reis e reinos, que exige as maiores fatias e que se coloca sempre
frente dos outros.
Mas no devemos reduzir o leo a uma representao em pedra esculpida como se o rei fosse
sempre um tirano e um poder definido somente como insensvel. A tradio popular sobre o leo
diz que o seu poder vem do corao tal como a coragem, a generosidade, a fidelidade. Se ele
domina o Reino Animal talvez tenha sido reconhecido pelos outros animais como o seu rei. Um
reconhecimento conferido ao leo no meramente por causa do seu rugido ou ferocidade mas
porque ele pela justia hierrquica que deve prevalecer no reino e que ns denegrimos com o
termo cadeia alimentar.
Considerar o leo, no sonho, apenas como o poder condutor da nossa egocntrica autoimportncia ou como o movimento em direo ao despertar da nossa conscientizao solar,
negligencia a qualidade eros do leo j que a sua luz (luminosidade) traz calor. Por exemplo, na
alquimia, o elemento sulfur muitas vezes chamado de o leo era considerado ao mesmo tempo
luz e calor assim como ideal espiritual e intensidade fsica. O leo da tradio popular, no apenas
come vorazmente, ele tambm ama apaixonadamente. O seu locus na fisiologia astrolgica o
corao e o seu lar a casa do prazer e do amor, do ensinamento e da procriao.
Os egpcios diferenciavam o leo. Para eles, este animal tinha diferentes fases e faces. O leo
jovem, do sol ao amanhecer, era a fora solar emergindo da noite desrtica. O leo jovem, do sol
ao amanhecer, era a fora solar emergindo da noite desrtica. O leo negro do meio-dia (a deusa
Sephmet) abrasando tudo com o seu insuportvel calor, trazendo pragas mas tambm a cura das
mesmas. E o leo ao anoitecer, patas dobradas ao repouso.
No pode haver uma interpretao nica para o sonho do leo. Ele deve ser observado e esta
observao aproxima voc das qualidades inerentes deste animal: coragem, ateno, devoo.
No importa se em fuga ou ferido ou aparecendo, inesperadamente, vadiando ou agachado em
posio de ataque, ele est sempre se exibindo num cenrio e trazendo um estado de esprito.
um leo dentro de uma imagem e esta imagem num todo que transmite o animal para nossa
conscincia. A imagem (do leo) o seu mensageiro. Aceit-lo apenas como um leo, v-lo
apenas como um significado, retira-o do seu habitat no sonho no qual os seus significados esto
envolvidos.

25

A GIRAFA
VIII pg. 65
Nem o velho livro da tradio popular chamado Physiologus, nem os contos de fadas
europeus to povoados de animais, nem os mitos tradicionais da cultura mediterrnea, elaboram
a girafa. A girafa no um animal familiar nos templos do Egito como so os crocodilos, os lees,
o chacal e o hipoptamo. Algumas vezes um animal de quatro patas e pescoo longo
representado em vrias culturas como a Ri lin da China e a zamar da Bblia embora estes,
despeito das afirmaes de alguns comentaristas, tambm no sejam girafas. A girafa permanece
fora das nossas fontes usuais de tradio popular. No h uma nica representao delas na arte
grega. Aparecem apenas sculos depois em escritos helensticos.
Mas as girafas comparecem aos nossos sonhos. Uma jovem senhora da elegante alta
sociedade com problemas de anorexia, teve dois sonhos com girafas. Outra jovem senhora
sonhou que descendo uma ladeira ngreme de Zrich na pequeno bondinho, tinha, a seu lado,
uma girafa. No sonho h perigo: o pescoo do animal se coloca to alto que pode colidir com as
pontes e a fixao acima. Ela acordou ansiosa achando que a girafa seria decapitada a menos
que o bonde interrompesse sua descida.
Um terceiro caso de girafa me foi reportado indiretamente por uma me 9supostamente
frgida de acordo com o histrico do seu caso) cuja principal preocupao era a sexualidade de
sua filha de que sua filha poderia ser raptada e maculada.
Para nos aproximarmos da natureza da girafa e para aproximar nossa imaginao imagem
deste animal, temos que explorar dois caminhos: a Histria Natural (Zoologia) e a Histria
Cultural.
As girafas pertencem ao ambiente cultural de palcios e cortes. Eram a alegria de prncipes
que as apresentavam uns aos outros como nobres presentes de ostentao na Turquia, Egito,
Rssia e Roma e na Itlia do Renascimento, Anne de Beaujerr, filha de Luiz XI desejava possuir
uma girafa acima de qualquer outro animal e suplicou por uma a Lorenzo di Medici.
A palavra geraph do rabe zirofah, supostamente, significa a bela e a girafa era caada e
negociada no pela sua carne, domesticao ou esporte, mas pela sua beleza, seu plo, suas
longas pestanas, seu rabo parecendo uma escova, sua lngua escura e fibrosa, o peculiar passo
fluido, sua maneira silenciosa, dcil e elegante. Ela foi cantada pelos poetas da Renascena.
Poliziano viu na girafa a imagem do homem culto e inteligente. A primeira girafa chegou ao norte
da Europa em 1827, tendo sido levada p de Marselha para Paris, causando extraordinria
admirao por todo o caminho.
Representao de girafas em rochas africanas, em manuscritos persas, em desenhos
europeus do sculo XVIII mostram uma comum e incorreta percepo da anatomia do animal. O
dorso do animal desenhado inclinando-se para cima, seu peito e costelas acima do estmago e
da barriga. A girafa atual como qualquer um pode ver, tem um dorso horizontal como um veado,
uma vaca ou um antlope. Ainda assim, a imagem representada, ascende. A imagem representa a
imaginao ascendente da girafa, o animal cuja cabea est mais afastada do corpo e o corpo
mais afastado do cho. Abaixar sua cabea deselegante. Sua cabea paira naturalmente, sobre
as rvores, sobre todas as coisas, num porte ereto, chamado de exageradamente vertical pelo
naturalista Wolfgang Schad.
como se a inteno essencial da natureza da girafa estivesse concentrada no seu pescoo,
criando como que uma conexo alongada entre a cabea e o dorso. Como que seu corao
bombeia sangue to alto? Estudos dizem que por sistema especial de vlvulas. Como que ela
se arranja com todos ossos no pescoo? No assim. Ela tem o mesmo nmero de vrtebras
cervicais que outros mamferos e no so mais numerosas que as vrtebras humanas, apenas
maiores. Seu longo pescoo serve para procurar brigas e cortejar com etiqueta. Namorar seu
passatempo ertico. E estas longas pestanas, os longos tufos nas orelhas, os plos do rabo, os
chifrinhos, a lngua quase preensil? na verdade ela exageradamente vertical.
Esta nfase na verticalidade aparece ainda em outro sonho de girafa apresentado por uma
jovem senhora reclusa e culta estudante de arte. Ela est viajando e diz ao motorista que est:
- fazendo a viagem par ver as girafas. Subitamente vejo seus pescoos graciosos e longos
como juncos, suas faces delicadas. H duas delas e hesitantemente elas ora se aproximam, ora
se afastam uma da outra. Elas parecem muito tesas e poderosamente vivas. Ns prosseguimos e
ao lado de algumas rochas na beira da gua esto dois flamingos cor-de-rosa. Sua maravilhosa
26

colorao atrai meu olhar como se fosse um a pintura oriental. Com toda a sua hesitante
elegncia, sinto que h neles uma vida intensa.Ambos, girafas e flamingos tm pernas longas que se afastam do solo e pescoos empinados
e arqueados. Estes animais nos dizem algo mais: que a delicadeza pode, efetivamente, combinarse com intensa vitalidade e que a hesitao tambm se pode combinar com poder. H ligao no
esprito vertical com a beleza, a elegncia e a fora muscular.
As girafas no so apenas verticais. Elas parecem estar sempre em guarda como vigias ou
faris sobre as plancies. Elas dormem em cochilos que totalizam menos de uma hora em cada
dia de 24 horas.
Verticais e despertas, elas tambm so delgadas como os flamingos. Heini Hediger reporta que
o corpo da girafa tem espantosamente poucas glndulas sebceas. Ser que isto revela alguma
coisa sobre a nossa sonhadora anorxica? Alm disso, de acordo com o zologo Adolf Portmam a
girafa tem o maior desenvolvimento do sistema nervoso (cerebrum) de todos os animais de patas
fendidas (estaremos ns falando de uma criatura altamente inteligente e altamente tensa?) a
girafa no tem dentes canino superiores e nenhum trao usual de agressividade que encontramos
em carnvoros tais como nossos cezinhos de estimao e em ns prprios. Uma girafa pode,
certamente, escoicear e esmagar a cabea de um leo com um golpe certeiro, mas no pode
mord-lo como um predador.
Uma diferena (oposio), entre girafa e leo, mostarda no sonho de um homem de meia
idade que se est preparando para uma nova carreira: Cena de uma girafa fugindo de um leo. A
girafa sabe que vai ser sacrificada e est tentando se afastar do leo. O leo persegue a girafa.
Eu o vejo saltar sobre ela e penso em como deve ser a sensao de ser devorado por um leo.
O leo, animal de iniciao herica em contos bblicos e gregos, como tambm em rituais
africanos, comer viva a sensibilidade esttica, a superioridade distante e o alcance ascendente
da girafa do sonho deste homem. A girafa pode tentar movimentos evasivos, tpicos de uma anima
evasiva, para derrotar o bote do leo. Estes movimentos para afastar o leo esto sendo refletidos
no fato de que o sonhador j est pensando no sacrifcio no qual a beleza da girafa derrotada
pelo leo. Qual o sentimento de mudar o prprio ttem da girafa para o leo e ter um estilo
contemplativo, altivo e silencioso, devorado pelo rei? Ser que o preo da iniciao herica o
ingresso no orgulho do prprio reino de cada um a perda da sensitividade esttica e um
sacrifcio da anima ?
Ao introduzir o termo anima para ou como um cdigo, para qualidades femininas como
hesitao e delicadeza que encontramos at agora vamos precisar distinguir este aspecto de
feminino de maneira especial a maternidade, de muitas outras qualidades femininas.
A psicologia popular muitas vezes se volta para os mamferos como exemplares idealizados de
instintos maternos. Entretanto, o protocolo de Hediger do primeiro parto de uma me girafa no
Zoo de Basila nos conta que a me temia o beb-girafa, o ignorou e pisoteou de tal maneira que
a cria teve que ser assumida por pessoas. No estou destacando ou singularizando a girafa como
exemplo de maternidade desastrada porque mortalidade infantil, infanticdio e alimentao de
bebs em cativeiro ou na vida selvagem so complexos assuntos de pesquisa. Todavia estou
apresentando o testemunho especfico de Hediger de maternidade desastrosa da girafa.
Assim, a girafa, ao contrrio da loba amamentando crianas, da grande ursa, da protetora
elefanta e da porca com suas ninhadas de leitezinhos cavadores no apresenta uma figura
convencional de maternidade. Mas a maternidade no o nico padro da fora feminina. Um
livro rabe de sonhos escritos por Danisi coloca que a girafa pode significar uma valiosa ou bela
mulher e pode algumas vezes indicar uma esposa infiel. Quando ela parece num sonho pode
tambm augurar calamidade em relao prosperidade e falta de garantia de proteo para
convidados recebidos em seu lar.
Estes avisos como todos os que aparecem em livros de sonhos no devem ser entendidos to
literalmente como soam.
Na verdade eles so revelaes da essncia imaginria do animal e de como a sua imagem
atinge a imaginao psicolgica. Mas mesmo assim este aviso faz sentido em vista da distncia
entre a girafa e o solo, indefesa e volvel no seu silncio e na sua beleza. A girafa no um
guardio, um familiar, um animal de estimao. Ela foge rapidamente e galopa a distncia
distanciamento como forma de proteo.
Em psicologia podemos ver a girafa como uma imagem da alma altamente esttica com
qualidades doces, nobres, gentis e virginais, com uma graa desajeitada e alta sensibilidade como
27

uma mocinha em crescimento um pouco desconfortvel em seu prprio corpo, pernas

desajeitadas, pescoo comprido, magra e ainda assim muito atraente entre suas iguais e com
uma devastadora resposta quando assediada de maneira incorreta ou tratada com intimidade
indevida.
Talvez agora, aps juntar as peas da histria cultural e natural do folclore da girafa, o sonho
da me que ela prpria frgida e teme que sua filha seja maculada, se torne menos intrigante.
Poderiam esta me e filha estar partilhando um ttem comum de girafa? Poderia o temor da me
ser parte da sua maternidade hesitante, sua percepo da beleza e do apelo ao desejo de sua
filha? raptada e maculada? Ser que elas no partilhariam o esprito da girafa?
O primeiro sonho da girafa no pequeno bondinho da montanha em Zurich fala do predicado
bsico da girafa como descer sem precisar cortar fora a cabea. Uma cabea que no pode
negociar as linhas horizontais da comunicaes e o trfico dirio de cruzamentos que correm em
propsitos cruzados para a sua exagerada verticalidade.

28

UM PORCO DOENTE CURADO POR UMA DIETA DE CARANGUEJOS

IX pg. 71
A cura de um animal por outro ursos por uma dieta de formigas, lees por uma dieta de
macacos uma das maneiras pelas quais o folclore dos animais nos ensina discernimentos
psicolgicos.
Um trecho do folclore islmico (de Muzhatu-l-qulub ou Delcias do corao uma enciclopdia
cientfica escrita mais ou menos em 1300) diz que um porco doente curado por uma dieta de
caranguejos.
Por que uma refeio de caranguejos curaria um porco?
A cura, como muitos remdios na antiga medicina, deve ser homeoptica: os semelhantes
curam os semelhantes. Caranguejo e porco devem ter algo em comum. O caranguejo ,
simbolicamente, lunar, mido e anti-herico: Baldur morre quando o sol entra em Cncer
(caranguejo). Hrcules estorvado em Cerna por uma caranguejo agarrado no seu p,
compelindo assim o heri a redobrar sua fora leonina.
O caranguejo astrolgico chega no Solstcio de vero (o caranguejo astrolgico o signo de
Cncer); quando o sol est parado aps sua ascenso, um momento de profundidade e reflexo
antes do quente domnio de Leo. (N. T.: esta comparao s serve para o hemisfrio norte
porque aqui cncer um signo do inverno).
Cncer, o lugar astro anatmico do caranguejo o peito e o estmago semelhana do porco.
Ambos so alimentos suculentos e delicados.
O mais longo exemplo de interpretao de sonho de Junge, no qual ele demonstra seu mtodo,
se baseia no caranguejo como figura central. Junge toma o caranguejo como a libido regressiva,
empurrando o paciente para a inconscincia de uma velha e arraigada ligao, o que no caso
exposto sinnimo de cncer. O caranguejo, diz Jung, anda para trs.
Ainda assim, o caranguejo cura o porco doente. Alm da idia geral de renovao associada,
com o caranguejo, desde Aristteles e Artemidorus (150 d. c. que escreveu o primeiro livro
conhecido sobre interpretao de sonhos: Oneirocrtica) que colocava que criaturas
maravilhosas que abandonam seus velhos invlucros (conchas) so um bom sinal para os que
esto doentes- isto uma relao mais sugestivamente particular entre porco e caranguejo. Se o
porco devora, o caranguejo digere. Enquanto o porco devora, o caranguejo conquista pedao a
pedao com cuidado. O que obstinao no porco, no caranguejo tenacidade. (A pata do
caranguejo pode agarrar trinta vezes o peso do seu corpo, enquanto a mo humana s pode
agarrar dois teros do seu peso. O caranguejo gigante do Japo, tem a envergadura de patas
mveis que se pode estender at dez ps!).
O caranguejo, como um abutre, consome carnia: digesto dos mortos, do passado, das
lembranas.
O porco segue adiante, o insacivel apetite por mais e mais.
O porco ataca. O caranguejo se move para os lados, para trs, desaparece e parece sair fora
do prprio esqueleto (carapaa) que habita. Andar para trs tambm expressa a submisso
reflexo do passado e atividade psquica por excelncia, de acordo com Junge. Por esta razo,
nos brases da Renascena, o caranguejo, muitas vezes, aparecia fazendo par com a borboleta,
o que justape extremas diferenas que ainda assim, tm uma secreta similitude.
A libido regressiva que Junge v no caranguejo, pode tambm ser imaginada como a libido do
estmago que ultrapassa a gula, a glutoneria, a oralidade, at atingir a digesto oculta.
Acima de tudo o caranguejo conhece a arte de se ocultar, enquanto o porco est sempre e
inevitavelmente vista. (A constelao de Cncer quase indiscernivelmente apagadas,
composta somente de estrelas da Quarta magnitude). Os caranguejos se escondem dentro de
suas prprias carapaas, sem pescoo para esticar, se enterrando na areia, se ocultando em
conchas emprestadas, no mar profundo, agarrados em esponjas, em folhagens ou algas.
Um caranguejo transferido de um aqurio para outro, de uma aqurio de algas verdes para
outro com algas vermelhas, gasta horas removendo a folhagem verde de sua carapaa e
substituindo-a pela vermelha, se transformando, trocando de roupa para a sua nova moradia.
Estes comportamentos silenciosos, discretos introvertidos e, talvez, paranides, podem curar o
porco enfermo pelos excessos da sua prpria natureza gulosa. Semelhantes curam os
29

semelhantes e o que cura a doena da carne esta criatura que partilha de uma natureza
semelhante mas com uma nuance essencial de diferena.
Estas passagens respeito de girafas, porcos e caranguejos nos conduzem a trs fontes
interligadas de contos e casos sobre animais: simbolismo clssico (incluindo folclore e fbulas),
etnologia ou antropologia e histria cultural.
Voltemo-nos para o aparecimento do animal em contextos imaginativos. Vocs tero percebido,
entretanto, que enveredei por uma quarta fonte zoologia ou histria natural. Juntas, estas fontes,
nos ajudam a ler o animal da apresentao da sua imagem.
Como uma forma viva, cada animal se apresenta de vrias maneiras. Podemos estudar o que
ele faz, como vive, onde vai. Tambm estudamos sua aparncia e as maneiras vvidas que produz
nas fantasias humanas, porque estas fantasias da imaginao humana tambm nos falam sobre o
animal. Como um animal se comporta na imaginao humana, pertence tanto ao animal como seu
comportamento em liberdade.
A imaginao cultural humana, o folclore das fazendas e os contos de caada, suas fbulas,
bestirio e discurso coloquial tambm so habitats do animal, uma regio do comportamento
deles onde podemos seguir suas trilhas.
Porque nosso conhecimento dos animais est limitado s maneiras humanas de conhecimento,
no podemos afirmar que descries animais possam ser feitas pela lgica humana. No
podemos saber se inventamos os contos ou significados do porco, ou se foram os prprios porcos
que inventaram estes contos como expresses da sua natureza arquetpica (em nossa cultura e
nossa epistemologia, naturalmente, o que dizemos sobre porcos s pode vir de ns mesmos. Mas
em outras culturas, o que quer que saibamos de porcos s pode vir deles prprios).
Alm do mais, no sabemos o que se coloca primeiro o porco real no chiqueiro ou, a imagem
do porco no imaginrio arquetpico. Quando vemos um porco estamos vendo uma manifestao
da imagem do porco. Outros aparecem como no Natal modelados em marzipan cor-de-rosa,
esculpidos em pias batismais de Igrejas, obscenos em desenhos animados e caricaturas, como
cofrinhos cheios de moedas, voando com asas, tocando violino e cantados em poemas. Um porco
fsico, solicita diretamente, por ateno: Eis-me aqui. Vejam-me, sintam-me, toquem-me,
escutem-me e me olhem!
Como um porco fsico, a imagem se apresenta como um fenmeno comportamental esttico.
Ns podemos l-lo como lemos o fenmeno do porco em brinquedos e contos, em rituais de
sacrifcio, em criao e matana de porcos, em religio e em arte. Todos estes so modos da
auto-apresentao do porco. E ns no sabemos se o porco prefere estar num sonho ou numa
fazenda, num conto popular ou numa floresta, no Zodaco ou no Zoolgico.
Pelo menos sabemos que todos os animais falam por metforas por esta razo que podem
aparecer em toda parte. So, sobretudo, mestres de multiplicidade de significados. Como
metforas, os animais se transferem em linguagem. Seu comportamento acaba por se transformar
em palavras: porquinho, porcalho, porcaria. Suas partes se digerem na linguagem: olho de
porco, trazeiro de porco, mo de vaca, etc.
Assim, quando olhamos para a apresentao do porco e do caranguejo e os comparamos, e
ainda, novamente, os comparamos com a girafa, como estudar diferentes pintores ou lnguas
diferentes e, por meio dos contrastes, somos capazes de discernir mas especificamente o que
cada espcie transmite.
Por exemplo: seus revestimentos como inicialmente se apresentam como completas formas
vivas. O plo da girafa nos oferece um belo e alegre show de listras brancas e alaranjadas. Como
j foi observado pelos zologos, este revestimento no esconde ou camufla, termos que so, de
alguma maneira, militarsticos ou paranoides e que ingressaram na nossa linguagem durante a 1
Guerra Mundial e que desde ento s mal aplicados conformidade ecolgica. O plo da girafa
propicia fcil visibilidade para a comunicao em grandes distncias. Girafas devem ser vistas.
Elas no chamam umas pelas outras.
O revestimento do corpo do porco o seu prprio torso como se ele estivesse despido.
Estufado como lingia, compacto como presunto, ele se auto-apresenta como carne. Ruidoso e
corpulento, vai atrs de razes, enquanto a girafa se volta para as extremidades das alturas como
as rvores no ar. (Ainda assim, a classificao zoolgica coloca a girafa e o porco no mesmo
grande grupo de artiodactyla ou de patas ungulares).
Diversamente, o caranguejo esconde seus tenros tendes inteiramente para dentro. Quem
adivinharia o delicado seccionamento da seu interior ao ver sua aparncia externa to spera,
30

cascuda, ameaadora? Para conhecer o caranguejo preciso entrar nele atravs dos seus
esconderijos e disfarces em duras carapaas, uma verdadeira armadura que s se abre em
momentos de fecundao.
Comparemos seus movimentos: o distanciamento da girafa por meio de uma singular marcha
galopante, o posicionamento do porco com seu curto trotar; o arranque apressado do caranguejo
expressivo do seu andar de lado.
Comparemos seus pescoos: o da girafa, parece separar a cabea do tronco; o do porco
parece manter cabea e tronco confluentes; o do caranguejo inexiste porque sua cabea est no
corpo.
Estou sugerindo que em lugar de ler sobre o animal, devemos ser o animal. Estou sugerindo
que o animal do sonho pode ser ampliado por uma visita ao Zoolgico e por um dicionrio de
smbolos. E sugiro ainda que ns, que interpretamos sonhos, no reduzamos os sonhos ao
smbolo, mas em lugar disso que nos reduzamos, isto , reduzamos nossa viso quela do
animal, uma reduo que pode ser extenso, uma amplificao da nossa viso, de maneira a ver
o animal com o olho do animal.
O que o animal v, ouve e cheira quando se encontra com outro animal? O que que ele
reconhece? Sem o benefcio de um bestirio, o teste deste encontro a forma viva. A leitura da
forma viva, as metforas auto-expressivas que os animais apresentam, est no significado das
lendas em que os santos e xams entendem a linguagem dos animais, no no discurso literal das
palavras, mas ouvindo-os como presenas vivas, grvidas de metforas.

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VIRANDO INSETOS
X pg. 77
De todas as criaturas de Deus, grandes e pequenas, nenhuma parece provocar tanta fria
como o inseto. Tubares e crocodilos, ofdeos, ratos de lixo, morcegos, vampiros e abutres
carniceiros, so encarados com menor perversidade humana. Nada iguala nossa paixo
assassina para irradicar insetos irritantes. Por que este dio? O que significa este medo?
Por insetos, quero nomear toda espcie de criaturas rastejantes incluindo: besouros, piolhos,
traas, formigas, maribondos, cupins, carrapatos, abelhas, vespas, moscas, baratas, aranhas e
outras criaturas no classificadas como insetos. Nossa histria inteiramente obscura e
inteiramente preconceituosa contra estes vermes.
Um bom locus classicus da viso da nossa cultura, regredindo at a Bblia o clssico de
Goethe Fausto, onde um coro de insetos homenageia Mefistofiles que diz: - Esta jovem criao,
de fato, aquece meu corao. O Senhor das moscas, Belzebu, o Demnio, ama os insetos e os
insetos, como demnios do ar, da noite e de lugares ocultos da terra, so os seus filhos.
Considerar os insetos, captar, hospedar suas vozes, o mesmo que escutar o mal. Esta
tradio atormenta, em sonhos, nossa viso deles.
Artemidorus disse: Sempre que as formigas andam em volta do corpo do sonhador, h um
pressgio de morte porque elas so frias, escuras e filhas da terra.
Insetos so smbolos de apreenses e ansiedades... Ferroadas... significam que o sonhador
entrar em contato com pessoas malvadas... Se h muitos piolhos... pouco propcio e significa
que uma doena est rondando, ou priso, ou grande pobreza... Se uma pessoa acordar
enquanto estiver sonhando que tem piolhos, isto significa que nunca ser salva...
As prprias palavras carregam ansiedade. Insto significa talhado, cortado, enfatizando o
odiado, pontiagudo, introduzido, tanto quanto o aspecto automtico e mecnico da criatura. Bug
(inseto) pode significar espectro, apario, um objeto de terror. A raiz de bee (abelha) ,
provavelmente, derivada do Ariano bhi que significa temer, no sentido de zumbido, tremor,
palpitao.
Beetle (besouro) vem do Ingls Arcaico bitau que significa morder. Moth (traa) desde
1577 significa alguma coisa que devora, mastiga, desperdia e destrutivamente por uma chama,
atrada (N.T. Antes de ser traa, uma espcie de mariposa).
Na linguagem popular da cultura ocidental, mosquito, caro, piolho, mosca, pulga, traa, grilo e
besouro partilham um denominador comum: estes termos significam pequenez e inferioridade,
que podem significar apreo mas que em geral so insultuosos.
Bug se insinuou na linguagem do computador porque em 1945 um bug (uma mariposa)
entrou furtivamente no Mark II, o primeiro computador digital de larga escala da Amrica,
causando pane. Desde ento os programadores vivem obcecados em manter os bugs fora do
sistema (desbugados) com inmeras tentativas para construir sistemas informacionais prova de
bugs.
Insetos so desde h muito, parte da Psiquiatria: nas alucinaes como rastejadores furtivos
na pele do paciente, viciados, preocupaes obssessivas com loucura ou com o lugar onde vo
ser abrigadas as pessoas que julgam estarem ficando birutas. (N.T. Em Ingls, to go bugs
uma gria para pirar ou embirutar).
H outras tradies onde o Senhor dos insetos no o demnio mas um embusteiro. Por
exemplo, o navajo Begotcidi (o filho do sol que mantinha relaes sexuais com tudo no mundo).
Begotcidi quer dizer algo que agarra tetas e detalhes sobre ele, no dizer dos antroplogos, so
demasiado sujos. Ele tomou este nome porque se fazia invisvel e depois saltava sobre moas
jovens para tocar seus mamilos enquanto gritava... Tambm perturbava homens. Justo na hora
em que um caador estava pronto para atirar, Begotcidi saltava sobre ele, agarrava seus
testculos e gritava. Fazia o mesmo enquanto um homem e uma mulher estavam copulando. Ele
se ocupava dos insetos, comandava-os e, algumas vezes, aparecia em forma de mulher ou de
inseto. Uma vez, quando foi capturado, maribondos enxameavam de dentro da sua boca,
mariposas de dentro de seus ouvidos e besouros de dentro do seu nariz. Ele engoliu de volta
todos os insetos, podendo, assim, transformar-se em qualquer tipo de inseto.
Os contos respeito deste senhor dos insetos, apresentam uma clara viso da impresso de
espontaneidade dos insetos, sua irreverncia zombeiteira em relao s intenes humanas, seu
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poder senhoril sobre ns. Acreditamos gritar em decorrncia do seu ferro mas talvez sejam eles,
os causadores do grito, que gritem atravs de ns.
Em relao ao poder de um inseto, pense apenas no estado de loucura em que voc ficou
quando tentava matar um pernilongo que atrapalhava sua noite de sono ou quando
demoniacamente, perseguiu uma barata ao redor da pia.
Na Flrida, um homem agarrou sua pistola e deu um tiro na prpria perna para matar um inseto
no identificado.
Temos ainda que compreender a razo dos insetos causarem tanta ansiedade que a
erradicao deles se transforma na resposta automtica. Este passo automtico do medo em
direo erradicao, nos leva a um passo mais avanado no mundo: pesticidas.
Se pudssemos controlar melhor a reao exterminadora da psique e deixe-nos lembrar que
o sonho mostra as reaes da psique revelada, posta nu e aliviar o medo da psique de going
bugs (pirar), ento deveramos trabalhar mais sensatamente a representao do pnico no
excesso de fantasia dos inseticidas. Este excesso pode ter sua origem em quatro aterradoras
fantasias atribudas a insetos:
1 Multiplicidade: Uma colnia de pernilongos tem trs mil membros, uma abelha rainha pode
pr quatro mil ovos por dia e uma colmia de abelhas pode conter 50 mil abelhas. Grandes
colnias podem consistir de meio milho de formigas. Mariposas (que se transformam em traas),
podem ser to numerosas que conseguem encobrir um farol costeiro com sua compacta e escura
formao esvoaante. Num nico tomateiro j foram contados 24.688 parasitas e um acre de solo,
dependendo de onde e quando, pode conter 65 milhes de insetos. De todas as espcies do
Reino Animal a mais numerosa a dos insetos. S de besouros existem, mais ou menos, 250.000
espcies. Nossa linguagem fala de nuvens de mosquitos, enxames de moscas, pragas de
gafanhoto, montes de formigas. O padro, aqui, se refere mais a como encaramos a
multiplicidade e no a como encaramos os insetos.
Para ns, os insetos se transformam na ativa personificao do muitos contra um, porque
imaginamos a multiplicidade atravs da lente singular de um ser humano nico, e concebemos o
todo como um.
De qualquer modo, estes enxames, nuvens, montes, mostram, ao mesmo tempo, unidade e
multiplicidade. O formigueiro tambm uma comunidade, a personificao ativa do sentimento
social harmnico. A multido de insetos, demonstra o todo, no como um ideal abstrato mas como
um corpo ocupado e barulhento de vida, indo para l e para c, ao mesmo tempo. O enxame
redefine o todo como uma complexidade cooperativa.
2 Monstruosidade: Verme, carunchoso, piolhento, barata tonta, barata descascada, chupasangue, mo de aranha, mosca morta termos que caracterizam, supostamente, nas pessoas,
traos no humanos. Transformar-se num inseto transformar-se numa criatura sem o sangue
quente do sentimento, como pintamos na fico cientfica e nos filmes de terror. A natureza
corresponde a estas fantasias tendo gerado aranhas, de sete polegadas que comem pssaros,
besouros de oito polegadas, uma mariposa brasileira de quase um p, centopias enormes em
comprimento.
Insetos, em sonhos, sugerem a capacidade psquica de gerar formas extraordinrias, quase
alm da imaginao. E estas monstruosidades desumanas, mostram capacidades da psique alm
das suas definies humansticas. O inseto nos retira da psicologia do ego, nos retira dos
humanismos. No esse o tema horripilante do conto clssico de Kafka entitulado
Metamorfose?
O fato de que o monstruoso aparea nestas formas diminutas, - porque mesmo a vida de uma
centopia de doze polegadas pode ser exterminada por um p humano e de que possamos ter
tanto medo delas, mostra em que extenso o nosso mundo humano se separou dos cosmos no
humano.
O que um homem ou uma mulher? Um pouco menos que um anjo, senhor do Universo,
coroa da criao, que ainda assim, acorda aterrorizada de um sonho com uma formiga.
3 Autonomia: Eles devem ser esmagados, queimados e envenenados porque no se
submetem. Eles tm outras intenes e disputam conosco mas, milho e rosas. Sem convite,
invadem nossas cozinhas e fazem ninhos sob nossos beirais. Representem os sintomas
persistentes do sistema nervoso autnomo. Eles nos bugam, nos chateiam. Eles so
autnomos.
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A autonomia destas criaturas nos fere, nos mata de raiva, revela nossos poderes. Elas nos
deixam loucos.
Na Alemanha, spinnen, significa fantasias desilusionais (spinnam = atividade da aranha)
como tambm girlleu habeu. (N.T. o mesmo que em Portugus: ter grilos, estar grilado).
O eu, acreditando-se de posse do autnomo livre arbtrio incansavelmente perseguido pela
imaginao na qual descansa, na qual se aninha, e assim eu sou levado a exterminar o que
quer que me desiluda em relao a minha autonomia. A liberdade radical do controle humano,
faz do inseto o Grande Inimigo.
4 Parasitas Aquele que come na mesa do outro. Vem de para (junto) e sitos (alimento).
Os insetos no s invadem o seu reino. Eles tambm vivem do que seu e at compartilham do
seu corpo, prosperam nas razes das suas plantas, na carne do seu animal como se v nos
sonhos com insetos, nas razes de plantas decorativas ou na barriga de animais domsticos.
O parasita um assombro biolgico. Organismos microscpicos podem entrar num
hospedeiro, e, radicalmente, alterar seu comportamento. Por exemplo rabies (micrbios da raiva).
Uma pessoa grande, sob a influncia de um pequeno micrbio tem a sua personalidade
transformada.
O medo da alterao da personalidade por um poder aliengena, explica o pnico muitas vezes
associado com sonhos de vermes e testemunhado pelas formas insetivoras estilizadas dadas
aos aliengenas na fico cientfica.
Podemos ler o medo dos parasitas de trs maneiras.
Primeiro atravs das lentes da compensao. O ego controlador est sendo esgotado pela
inteno dos parasitas que tentam alterar a personalidade habitual de maneira a restaurar mais
equilbrio entre este ego e o cosmos.
Segundo, atravs das lentes da auto-psicologia: os parasitas representam nossa fome da
vida no vivida e necessitam da comida da nossa mesa. trabalho do ego, no dia a dia, examinar
estas necessidades, decidindo quais vai alimentar e quais vai erradicar.
Em terceiro lugar, do ponto de vista da psicologia homeoptica, os insetos parasitas refletem
uma personalidade parasita. Eles nos mostram nossa prpria cara. Como disse Jung, se o mundo
do sonho mostra a voc a face que voc mostra a ele, ento uma invaso parastica (do sonho e
do verme) mostra ao hospedeiro (do sonho e do verme) como dependente (em pequenos e
escusos caminhos) de outros organismos psquicos, como somos influenciados por complexos,
como usamos nosso sangue para sustentar nossas ambies. Os complexos dos quais extramos
nossas compulses energticas podem se mostrar, no sonho, como parasitas, destacando-nos
como um entre eles, alimentando o banquete da vida, assumindo o primeiro lugar, quer no
trabalho, na famlia, nas relaes de amizade, ou alimentando os prprios sonhos, interpretao
como um ato de sangue-suga, tirando tudo sem nada oferecer em troca.
As qualidades tais como multiplicidade e monstruosidade que nos instigam para a erradicao,
nos cegam para o propsito personificado nos insetos. Nos sonhos eles chegam com intenes.
Perseguem e verdadeiramente bug (chateiam) o sonhador.
Um msico que procurou um analista porque no conseguia fazer as coisas funcionarem,
sonhou:
Estou repousando numa espreguiadeira na floresta, quando vejo, de repente, que estou bem
em cima de um formigueiro. Pulo, rapidamente, da cadeira e acordo com o corao disparado.
A necessidade de fugir dos insetos, ocorre com bastante freqncia. Mas ser que os insetos
tm necessidade de fugir? Ser que uma reao meramente humana ao formigueiro a sbita e
urgente necessidade de abandonar o repouso na espreguiadeira? Ou ser que um reflexo, no
homem, da compulsiva e autonmica atividade das formigas? Talvez a urgncia de fazer as
coisas funcionarem comece ao formigueiro, expresso de instintiva vida primal, desde que o
inseto seja, como dizem os franceses, uma matiere vivante a prpria vitalidade da matria.
A sua incessante movimentao para dentro e para fora dos buracos da madeira e nas telas
das janelas, esvoaando em direo da luz ou tomando sangue emprestado de nossas veias
um estilo de desejo desejando viver.
Que potncia csmica estamos atribuindo aos insetos quando fantasiamos que apenas eles
sobrevivero do fogo nuclear e ao inverno que se seguir? No de admirar que temamos sua
fora diminuta, talvez a mais forte fora vital do mundo?
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E esta fora antiga. J foi questionado e talvez estabelecido que a vida do inseto mais
velha na cronologia do planeta do que a vida vegetal e de que h, insetos capazes de viver em
solo frgido, rido e pedregoso e em cavidades de guas salinas sem penetrao da luz do sol e
sem matria vegetal.
Insetos e plantas podem, s vezes, parecer semelhantes. A isto a cincia chama camuflagem
ou mimetismo, construindo uma fantasia paranide do comportamento do inseto. A teoria da
camuflagem diz que mariposas, besouros e similares, so to tenazmente ameaados e to
perseverantes que se disfaram como gravetos, folhas, botes de flor, etc.
Talvez tenho aprendido, ou soletivamente, criaram uma raa para se adaptar. Talvez gostem de
se vestir assim ou talvez as plantas que usam os disfarces dos insetos ou, talvez, inseto e planta
partilhem um habitat e um clima em comum, e, assim, ambos se exibam de maneira a combinar
com isto.
Suponhamos que o inseto no saiba que no uma planta, no siga nossa classificao de
animal e vegetal, nunca leu Lineu, nem estudou Biologia. Suponhamos que sua roupagem, sua
mscara e seus hbitos corporais, sejam to vegetativos que a imitao ou mimetismo no seja
apenas de um reino pelo outro, ou, de cada um, mas um terceiro fator que requer que se
acomodem, mas com os outros, numa unio de todas as coisas, uma ecologia csmica.
Talvez seja o amor que atraia as diferentes formas vivas, umas para as outras, e as faz parecer
semelhantes.
Qualquer que seja a especulao respeito do mistrio da fora deles, da fora deles sobre o
nosso medo, um tema se repete, freqentemente, em sonhos: o inseto e o solo. Eles aparecem
na sujeira, debaixo da terra, no vaso sanitrio. A mosca voeja sobre a pilha de estrume. O
escaravelho dana seu bailado no esterco, caranguejos no pbis, piolhos na cabea, parasitas
nas entranhas, varejeiras na carne podre. Especialmente o cabelo e o baixo ventre so afetados.
Os freudianos clssicos interpretam aranhas e centopias em simbolismo anal, uma posio
que repete a idia do inseto como o mal, o proscrito, fedorento, sulfrico do demnio.
A baixa auto-estima corresponde em relao aos insetos com o esconderijo sub-repticio no
sub-solo. Escondidos, enterrados, interiores, aparecendo, noite, atravs de pequenas aberturas
nas estruturas do mundo cotidiano estes atributos sugerem o sub-mundo. Talvez no seja
demasiado dizer que insetos, nos sonhos, signifiquem o retorno das represses. Talvez no se
refiram somente s represses morais (o mal), s represses estticas (o feio) ou s represses
primordiais (a morte), mas aos deuses catnicos, especialmente, Hades que emergem atravs
(dos sonhos) e cujas intenes vivem nestes vazios (dos sonhos) que sentimos e sofremos como
ferimentos.
Se a picada do inseto uma ferida do sub-mundo, ento o pesticida um instrumento
teolgico, um Cristo qumico. Cristo mortifica o inferno nas aplavras de Osias e Paulo: Onde
est morte, o teu aguilho? Onde est, morte, a tua vitria? Este Cristo qumico vem para
livrar o mundo de Chanatos e Hades (morte). Geralmente representados como negras figuras
aladas.
Kentron literalmente denota um ferro como o das abelhas, escorpies e formigas aladas,
enquanto esta mesma palavra prov a raiz da nossa palavra centro, originalmente significando
espinho, ferro ou aguilho. O aguilho no centro das profundezas , ao mesmo tempo, a
presena da morte e o desejo csmico de viver a vida. A revoluo crist que recentralizou o
mundo (o cosmos) em um mundo superior e um corpo superior de ressurreio, transcende o
aguilho do desejo e da morte. Ns reencenamos a conquista de Cristo sobre Hades com nosso
aerossol de spray anti-insetos, usando-o como um incenso em secular ritual, livrando nosso jardim
privado de demnios do mundo inferior.
Se o mundo dos sonhos o retorno das represses (Freud), voltando para ns a face que
inconscientemente voltamos para ele (Jung), ento parecemos aguilhoados, ferroados,
perseguidos, quando tratamos nossos sintomas como vermes e nossos complexos como
parasitas. Sim, desejamos livrar-nos do mundo inferior, usando o belo p branco da abstrao
destrutiva encontrado em qualquer farmcia ou numa sesso de ego-psicologia.
A origem da indstria da farmacologia da fantasia, reside no medo de pirar. Nossa
necessidade de um movimento ecolgico, de advogar direitos dos animais e da captao de
fundos para a preservao da vida selvagem, comea em nossos sonhos.
Os medos ocasionados pelos insetos atribuem a eles os prprios atributos dos nossos mtodos
de erradicao: - autonomia, monstruosidade, toxidade, proliferao. Ns espalhamos o veneno
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nos rios e no solo, multiplicamos as toxinas, acres e acres de prodigiosa matana e uma
monstruosa infestao, oculta nas fontes subterrneas, enterrada na cadeia alimentar.
O problema se tornou to autnomo que a cincia, os governos, a agricultura e a indstria
no conseguem control-lo.
Como profetizado, os insetos esto vencendo, embora no tanto no mundo real como em
nossas mentes erradicadoras que imitam o inimigo. Na luta contra a pirao, nos
transformarmos em abelhas assassinas, formigas de fogo e vivas-negras.
Contar como chegamos at aqui muito longo e triste. Mas resumindo: em Roma, os animais
eram simplesmente propriedades, sem alma para os escolsticos, mquinas sem inteligncia para
os cartesianos e kantianos, portadores da carne, da bestialidade e do pecado para os cristos e
nveis inferiores da cadeia evolutiva para Darwin.
Esta histria est baseada em nossas reaes nos sonhos. O ego do sonho , tambm, o ego
histrico, atravessando suas respostas condicionadas.
Se fssemos amerndios, a figura que chamamos de ego poderia ser chamada de matador
de baratas, queimador de vespas, esmagador de formigas. O que chamamos de progresso
da civilizao ocidental, do ponto de vista da formiga o passo avanado do Grande
Exterminador. Quem o parasita que vive de carcaas mortas? Quem a varejeira ocupada em
insacivel consumo? Quem est mastigando as folhas da planta por todo o Universo? Quem est
sempre criando novas variedades hbridas que os insetos evitaro e das quais s os criadores
podem gostar?
A profecia ou fantasia de que s os insetos sobrevivero a um cataclisma nuclear, de que s os
insetos so indestrutveis e de que a via do planeta recomear da vitalidade dos insetos tudo
isto, algumas vezes, aparece em sonhos. Nos sonhos eles sobrevivem ao fogo, produtos
qumicos, esmagamento, afogamento e mesmo disseces. Nos sonhos eles parecem portadores
de uma vida indestrutvel, para o aborrecimento dos erradicadores que fazem, sempre, novas
tentativas de deles se livrar, inventando novas frmulas de venenos, como vemos na indstria de
pesticidas. Mas os insetos seguem em frente.
Os sonhos mostram alm: que os insetos tm algo a ensinar. Independentemente de
sentimentos pessoais e mesmo sem pensar, eles demonstram as intenes da mente da
natureza. Eles ensinam a indivergente f do desejo e a necessidade implacvel de sobreviver.
Alm do mais, demonstram conscincia comunitria de enxame, de colmia, uma simpatia
csmica mais profunda que um contrato social.
Eles convivem e se harmonizam com os elementos contrrios do ar e da gua. Mostram
espantosa capacidade de colaborao e so resolutos na sua persistncia em arrancar um
sonhador das conchas da sua habitao humana, dos abrigados limites dos hbitos humanos.
Finalmente sentimos que estas criaturas aladas, com seus olhos espantosos, nos querem, nos
desejam, nos aparecem em sonhos, que o que os anjos deveriam fazer.
Assustadores, apavorantes, sbitos: nica maneira que os anjos tm agora, de entrar em
nosso mundo que j no tem abertura para saudaes de boas-vindas?
Ao menos podemos considerar esta interpretao anglica, o inseto como um anjo estranho,
quase to pequeno para caber na sua definio de beleza, danando na cabea de um alfinete
(que o instrumento usado para fixar insetos na classificao morturia).
Para sobreviver como sobrevivem, devemos, como eles, que arriscam tudo em suas
transformaes, transformar tambm as formas do nosso pensamento. s vezes, no podemos
enxergar um palmo na frente do nariz. Esta viso anglica nos chama a olh-los, novamente,
respeitando quem so e o que so eles, a causa de estarem em nosso sonho, como encontr-los
e, mesmo, como nos preocuparmos com eles estes formatos e comportamentos miraculosos,
cada aparncia intrincada, uma soberba e arcaica habilidade, sem faltas, piedosa, cmica, grave,
intensa, observando-nos enquanto dormimos.
No mundo inteiro, em relao psicologia arcaica, o divino parcialmente animal e o animal
parcialmente divino. A teologia diz que o divino o tremendum mas o tremendum pode
aparecer de pequenas maneiras trmulas, um mero tremor, uma sacudidela, um susto como a
reao sbita a um inseto. Porque somos uma das maiores espcies de animais, esperamos que,
apenas os maiores que ns, sejam tremendos e que Deus deva ser maior que Behemoth (N.T.
o hipoptamo do livro de J.) mais um antropomorfismo bblico. Realmente, behemoth
significa, meramente animal. Assim, o que J viu, pode ter sido, sob nova tica, apenas seus
prprios animais.
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Apenas olhe, observe o animal, e, veja o divino em exposio. Estude a capa brilhante e as
asas rajadas, as patas sensveis, a enorme determinao. Estude a cabea, o revestimento, os
movimentos. Estude os olhos, cada um diferente, como uma gota, uma conta, um ponto,
pregueados como os de uma mosca.
Culturas arcaicas sacrificam animais nos altares dos deuses, sempre. Levando os animais ao
altar no nos estamos livrando deles nem transformando-os em mais puros e sagrados. Eles vo
para o altar com a finalidade de alimentar o animal em Deus, o divino que , parcialmente, animal,
desta forma mantendo vivo o Deus e vivo neste tememos o altar. O altar um mantenedor do
animal que evita que Deus exera o seu terrvel poder num lugar concentrado: - Retorne fique
quieto, veja as velas queimando, olhe o altar, no atravesse subitamente.
O altar uma jaula. Cada Catedral um grande Zoolgico. E Deus, como Jav, que desdenhou
o sacrifcio de gros de Caim, deseja a carne animal de Abel, como fazem as vespas, varejeiras e
moscas. Mantemos os deuses vivos com carne, nossa carne animal, o animal da nossa
imaginao carnal, infestada e pululante com nossas coisas, com ferres e voadoras. Assim,
naturalmente, os insetos, nos nossos sonhos, penetram-nos, mordem-nos, tirando nosso sangue,
lembrando-nos que tambm somos carne. Eles abrem seu caminho para o nosso reconhecimento
relutante e nos foram a lembrar-nos deles.
O que a encarnao, seno o Deus penetrando na e sob a nossa pele? Deus: - um
percevejo, caranguejo, carrapato. A encarnao: - o mistrio de um piolho.
Os deuses se transformam em doenas, somos infestados pelos deuses, forados religio
por sensaes corporais, instintos religiosos, insetos religiosos.
Nem tido est perdido. Muito recupervel mesmo que por momentos e fugazmente. Nossos
sonhos recuperam o que o mundo esquece. O esquecido politesmo pago se desenvolve em
formas animais. Nestes animais esto os deuses antigos: cervos e salmes dos celtas; ursos dos
vikings; porcos, cavalos marinhos e crocodilos e gatos dos egpcios; corujas, touros e cabras dos
gregos; lobos e guias dos romanos; o Begotcidi dos navajos.
Mesmo os evangelhos escritos por Marcos, Lucas e Joo, so, ainda, significados por animais
leo, boi, guia. Cristo, nos primrdios do Cristianismo, era significado por peixe e ovelha, o
peixe a marca dos primeiros cristos perseguidos.
Os deuses ainda esto l nos nossos sonhos estas catedrais zoolgicas onde h um altar
para os insetos de Belzebu e Mefistofiles.
Os animais podem seguir como deuses vivos e inesquecveis nos cones dos nossos sonhos e
nas obssesses vitais dos nossos complexos e sintomas, pequenos insetos indestrutveis.
Louvemos! Gaudeamus!

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BIBLIOGRAFIA:
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