O (Não) Lugar Da Mulher No Livro Didático de História: Um Estudo Longitudinal Sobre Relações de Gênero e Livros Escolares (1910-2010)
O (Não) Lugar Da Mulher No Livro Didático de História: Um Estudo Longitudinal Sobre Relações de Gênero e Livros Escolares (1910-2010)
O (Não) Lugar Da Mulher No Livro Didático de História: Um Estudo Longitudinal Sobre Relações de Gênero e Livros Escolares (1910-2010)
Letcia Mistura1
Flvia Eloisa Caimi2
Resumo: A histria das mulheres vem ganhando visibilidade como campo historiogrfico nas ltimas dcadas,
mas se trata de abordagem relativamente recente. Na histria escolar, ainda hoje, as mulheres aparecem
nominalmente em determinadas efemrides, em situaes inusitadas, por vezes heroicas, sendo pouco
visibilizadas como sujeitos de direitos e restritamente reconhecidas como parte substancial da compreenso
histrica, do conhecimento do passado e da formao para a cidadania. Este estudo coloca em dilogo o livro
didtico de Histria como objeto e fonte de pesquisa documental e as questes de gnero, como recurso
metodolgico de anlise histrica, com o propsito de visualizar a presena/ausncia feminina na produo
didtica brasileira ao longo do sculo XX e incio do sculo XXI. Para tal, analisou-se um corpus documental
constitudo de 11 obras didticas de histria destinadas educao bsica, publicadas entre as dcadas de 1910 e
2010, sendo uma obra por dcada. Os resultados preliminares apontam, principalmente, para uma preocupante e
significativa distncia entre a renovao historiogrfica que inclui as relaes de gnero como possibilidade
metodolgica e o contedo perscrutado nos livros didticos de Histria.
Palavras-chaves: Ensino de Histria, Livro Didtico, Relaes de Gnero.
Abstract: The history of women is gaining visibility as historiographical field since a couple decades, but it is a
relatively recent approach. In school history, even today, women appear nominally under certain ephemeris, in
unusual situations, sometimes heroic, being somewhat visualized as an individual of rights and narrowly
recognized as a substantial part of the historical understanding of past knowledge and training for citizenship .
This study puts into dialogue the History textbook as a source and object of documentary research and the
gender issues, as a methodological resource for historical analysis, in order to visualize the presence/absence of
women in Brazilian didactic production throughout the twentieth century and early twenty-first century. To this
end, we analyzed a documentary corpus of eleven textbooks of History aimed to basic education, published
between the 1910s and 2010, with an edition per decade. Preliminary results point primarily to a significant and
troubling gap between the historiographical renewal that includes gender relations as methodological possibility
and the historical content scrutinized in History textbooks.
Keywords: History teaching, Textbook, Gender Relations.
Introduo
230
231
Ao
investigar-se
produo
didtica
em
determinado
recorte
histrico,
O contexto historiogrfico que faz despontar o livro didtico como objeto e fonte
documental no labor das pesquisas histricas est inserido no movimento de transio
paradigmtica do sculo XX que, entre suas diversas discusses, refletiu sobre o sentido, o
carter e o uso dos documentos no trabalho do historiador. No movimento conhecido como
Annales, h uma inquietude em torno da expanso das concepes de documento que, em
si, est conectada a um movimento expansionista de maior dimenso terica. Tem a
preocupao de incluir o homem, na chamada nova histria, em sua totalidade e
particularidade, como sujeito histrico, vindo a caracterizar como fonte histrica todo o
material que diz respeito a qualquer homem, em suas dimenses temporais e espaciais.
Portanto, torna-se parte do trabalho do historiador realizar a escolha e a crtica dos
documentos-fonte que seleciona conforme seus interesses cientficos. O historiador, desta
forma, torna-se efetivo na escrita da histria, e, segundo Jacques Le Goff (2003, p. 538),
responsvel pela desconstruo da montagem da histria, da qual os documentos so
responsveis, por configurarem, em si, toda a historicidade da sociedade que os fabricou.
Em outro mbito paradigmtico, conhecido como positivista ou escola metdica,
o documento sempre em formato de texto falava e detinha em si toda a histria que
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poderia ser conhecida, portanto, sem a existncia de um documento que a comprovasse como
oficial, a histria no existiria. O movimento dos Annales no somente desconstri a
pretenso da unilateralidade textual do documento e da fonte histrica, mas contribui para a
ampliao do prprio conceito carregado pelo documento, que se mostrou insuficiente ao ser
entendido apenas como aporte textual. Justifica-se, pois, o livro didtico como fonte
documental, uma vez que provm de um tempo e de um espao determinados; produto e
veculo destes, contendo em si uma forma particular de documentao; por fim, inscrito
nele est a noo de um conhecimento, necessrio, em sua completude, educao de seus
usurios, naquele contexto.
Este tema envolve, ainda, a problemtica referente conceituao de livro didtico,
provavelmente a mais veiculada questo terica relacionada ao objeto, da qual se enervam
variados estudos em plurais conjunturas. Alain Choppin (2004) atribui a dificuldade de
definio conceitual do livro didtico diversidade de vocbulos e instabilidade dos usos
lexicais destes principalmente em se tratando de pesquisas em mbito internacional. J
Circe Bittencourt (2011) discute a problemtica conceitual de definio do livro como
material didtico pela sua caracterizao como um tipo especfico de livro, identificvel por
suas particularidades e pelos usos culturais a que est sujeito. A autora atenta, ainda, para o
fenmeno do esquecimento, observado tanto em professores quanto em estudantes, de que o
livro didtico tambm um livro e, portanto, produto da idealizao de seu autor, da
construo de seu processo editorial e de dinmicas do mercado de consumo em que est
inserido.
Podem-se incluir, nesse sentido, as preocupaes da chamada histria dos livros em
investigar os processos de circulao da palavra impressa, o que situa os livros e tambm as
produes didticas, como define Robert Darnton (1995), como fora na histria. Este autor
toma como campo da atuao da histria dos livros o processo de comunicao de ideias,
objetivando o entendimento das mudanas do comportamento humano aps o contato (sempre
mais) ntimo com a palavra impressa. Partindo do pressuposto de que o livro didtico
provavelmente o nico livro-texto no ficcional a que muitos de seus usurios tm acesso,
ainda pode-se validar esta vinculao como uma considerao sobre os meandros da produo
didtica. Pode-se inquirir: em que medida os livros didticos modificaram, modificam ou
almejam modificar, por seu contedo, seus usurios, em sua maioria professores e estudantes?
Keith Hoskin (1990) traz algumas reflexes fundamentadas na historicidade dos livros
didticos em seu papel pedaggico. Segundo o autor, embora no tenha sido um produto
direto da Revoluo da Imprensa (que traz como marco ocidental a criao da imprensa por
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Johannes Gutenberg, no sculo XV), esta influiu diretamente na forma dos textos escolares,
que viriam a compor os livros didticos em sua concepo moderna, uma vez que possibilitou
o uso de recursos escritos e pictricos num mesmo suporte pedaggico, sendo possvel a
transmisso de uma linguagem didtica antes inalcanvel. Tal fenmeno, a partir dos sculos
XVIII e XIX quando, segundo Darnton (1995), ocorre uma massificao de leitores e leituras,
deu margem a uma posterior revoluo, em termos didticos, que incluiu a avaliao (por
meio de testes e equivalncias de notas em sistema numrico) como forma finalizadora do
processo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, o livro didtico um ponto central de uma
nova forma de aprendizagem na Europa ocidental, o que viria a influenciar, posteriormente e
de forma decisiva, os moldes da educao e do uso de suportes como o livro didtico, pelo
sistema de ensino brasileiro.
Esta nova forma de aprendizagem, por meio de um livro didtico, que se torna um
compndio de contedos disciplinares e cadernos de exerccios, est diretamente ligada s
necessidades conjunturais de um suporte didtico que, em sua continuidade, demonstra fazer
parte de uma j consistente estrutura educacional.
consonncias dos trabalhos de Caimi (1999) e Fonseca (2006) ajudam a traar uma linha
histrica do livro didtico no sistema de ensino brasileiro, apontando momentos decisivos,
tanto para o ensino de histria quanto para o livro didtico como instrumento pedaggico.
Esses momentos decisivos seriam o perodo Imperial, o primeiro governo de Getlio Vargas,
o regime civil-militar e a subsequente redemocratizao.
Se tomarmos como premissas vlidas as funes escolares do livro didtico e
combin-las historicidade do ensino de histria e sua relao com o objeto, encontraremos
correspondncias acuradas. Buscamos contemplar, neste momento, uma sntese das funes
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escolares do livro didtico como organizadas por Choppin (2004), cotejando-a com uma
sequncia de dados histricos organizados segundo os trabalhos de Caimi (1999) e Fonseca
(2006), para enfim organizarmos uma segunda sntese de correspondncias, que facilitar a
visualizao final das funes decisivas que o livro didtico assumiu, no ensino de histria,
em cada um dos quatro momentos polticos da histria do Brasil.
Choppin (2004) define a primeira funo, a referencial, como aquela em que o livro
didtico configura um papel curricular: nem sempre equivale ao programa curricular em si,
mas o orienta ou se articula a este de alguma forma, como suporte privilegiado dos
contedos educativos, o depositrio dos conhecimentos [...] que um grupo social acredita que
seja necessrio transmitir s novas geraes (CHOPPIN, 2004, p. 553). A funo
instrumental diz respeito ao uso metodolgico do livro didtico como efetivo instrumento
didtico, servindo de mediador para o aprendizado ou a apropriao dos conhecimentos
histricos. Na funo ideolgica e cultural, que oriunda do sculo XIX, no contexto de
constituio dos Estados nacionais e criao de seus sistemas de ensino, o livro didtico seria
o principal veculo de difuso dos valores culturais nacionais, como a lngua, o civismo, os
smbolos ptrios, o passado comum. Nesta funo, atuaria como legitimao das instncias
ideolgicas e reforo para a construo dos arqutipos identitrios, servindo a interesses
polticos e doutrinaes ideolgicas, em variantes nveis de intensidade. J em sua funo
documental, o livro didtico seria um suporte fundamental, narrativo (textual) e iconogrfico,
que auxilia na formao crtica do estudante, por vias procedimentais de sua prpria ao (de
leitura, reflexo ou contemplao).
Ensino de histria
Livros didticos so
predominantemente
importados da Frana.
235
Primeiro governo
de Getlio Vargas
(1930-1945)
Centralizao da poltica
nacional para o ensino e
unificao,
sob
responsabilidade do Estado,
dos programas curriculares e
dos contedos e metodologias
de ensino.
Redefinio,
pelo
novo
regime, dos objetivos da
educao,
alm
de
interferncias na formao de
professores
e
de
suas
metodologias, para controle
ideolgico e eliminao de
possibilidades de resistncia
ao regime. Inclui-se entre as
disciplinas
especficas
a
educao moral e cvica para
controle
ideolgico
da
populao.
Redemocratizao:
dcadas de 1980 e
1990
Necessidade de mudanas no
ensino de histria, diversos
meios de discusso se
envolvem, impulsionando a
criao de novas propostas
curriculares, sem necessidade
de obedecer s determinaes
estatais.
Autoridade
do
livro
didtico (atitude passiva e
receptiva do aluno).
Produo e controle das
obras
didticas
diretamente ligadas ao
Estado.
O mercado editorial e a
publicao de livros
didticos se expandem;
professores e autores tm
liberdade de ao. o
momento
de
redimensionamento
do
Programa Nacional do
Livro Didtico e dos
contratos de compra de
livros didticos pelo
Estado, que se torna o
maior comprador do
produto.
*Tabela organizada pelas autoras, com base nas obras de Caimi (1999) e Fonseca (2006).
PERODO
236
a) Funo referencial
Imprio (1822-1889)
Primeiro governo de Getlio Vargas (1930-1945)
Regime Civil-Militar (1964-1985)
b) Funo instrumental
c) Funo ideolgica e cultural
Embora as correspondncias sejam feitas com base nos conceitos de cada funo de
modo lquido, existem adequaes necessrias a cada perodo histrico da educao brasileira.
Fundamentalmente, porm, as funes do livro didtico corroboram as do ensino de histria
no Brasil e os usos do livro didtico no s como instrumento pedaggico, mas tambm como
veculo ideolgico e cultural. Esta utilizao permite que se observe uma continuidade na
histria da educao brasileira o livro didtico como o principal referencial de
conhecimento escolar e amlgama de interesses polticos, ideolgicos e culturais e se entenda
a questo do livro didtico como uma consistente estrutura da problemtica do ensino de
histria no Brasil.
E neste sentido, na problemtica utilizao do livro didtico e do livro didtico de
histria, especificamente como um veculo de transmisso de saberes selecionados e
sistematizados a partir de objetivos determinados fora do mbito escolar, pelas esferas
controladoras do poder poltico e, cada vez mais, do poder econmico, que se insere uma das
abordagens preocupantes destes modelos pr-definidos: as identidades e as relaes de
gnero.
237
238
instigou a questo das diferenas dentro da diferena. Esta questo trouxe tona um debate
sobre o modo e a convenincia de se articular o gnero como uma categoria de anlise
(SCOTT, 1992, p. 88) e, finalmente, assim se expandiu o foco da histria das mulheres, que
passou a compor, lentamente, um leque mais amplo, denominado histria de gnero.
A partir de ento, o campo de possibilidades do gnero na composio de uma
categoria completa e autnoma no somente complementar na escrita da histria, foi
explorado por diversos pesquisadores e inspirou a produo de inmeras coletneas que
buscaram historiar seu surgimento, discutir seus propsitos e apresentar suas ambies.
239
doutrinador identitrio. Cabe, agora, inquerir: de que forma tem sido, ao longo do tempo,
tratados os papis, as identidades e as relaes de gnero nos livros didticos de histria
brasileiros? O que podemos inferir a partir destas representaes e de que forma puderam ou
podem influenciar no processo de educao de crianas e jovens? Avanamos, portanto, para
a terceira e ltima parte deste estudo, procurando, se no responder, ao menos abrir espaos
de discusso e reflexo para tais questes.
240
obras das dcadas de 2000 e 2010 compunham o arquivo pessoal das autoras. O quadro a
seguir apresenta a constituio final da amostra.
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Editores J. R. de Oliveira e Cia., 1936.
1941
1955
1966
1972
1987
1996
1997
2000
2010
241
242
Bandeiras para argumentar contra a viso generalizada da historiografia chamada
tradicional, que tratara o sexo feminino como frgil. Porm, a discusso pretendida por meio
do texto complementar permanece no nvel terico, pois inquire aos leitores apenas questes
do mbito historiogrfico, no aprofundando de nenhuma forma a problematizao do tema
nas questes de gnero.
No perodo imperial, a primeira categoria, referente s mulheres indgenas, no
aparece em nenhuma das obras. No mesmo recorte temporal, a categoria das escravas
africanas e afrodescendentes aparece em seis das 11 obras analisadas. Na metade das obras
(trs, portanto) figuram como personagens quando se citam os trmites da Lei do Ventre
Livre, que determinava a liberdade para as crianas filhas de escravas, de acordo com suas
determinaes especficas. Na outra metade das obras, referentes s dcadas de 1980, 1990 e
2010, as escravas africanas aparecem em situaes de desordem social trazidas pela
escravido: seus filhos mestios, quando bastardos, teriam sido na maioria das vezes
renegados pelos pais; sofriam abusos sexuais e desprezo generalizadamente aqui, pode-se
atentar para a existncia de certo anacronismo quando se fala do preconceito sofrido pelas
escravas negras quando alforriadas. A categoria das mulheres membros de linhagens reais,
como ocorre no perodo anterior, recebe apenas o tratamento estritamente necessrio, sendo
citadas quando de sucesses dinsticas, nascimentos ou mortes, de forma generalizada, por
todas as obras. Corroborando com o contexto poltico, tambm aparecem algumas figuras
femininas no poder imperial, atuando em breves regncias, sem que, contudo, se explorem
suas funes. Como destaque, h na obra da dcada de 1960 uma pgina que contm
reprodues de assinaturas de personagens do imprio, subtitulada Assinaturas de homens
ilustres do Brasil e da Amrica. Entre todas as assinaturas de personagens masculinos, assina
Isabel, Condessa dEu, reforando o pertencimento masculino, pelo casamento, no nome da
princesa brasileira. Na categoria Outras, observam-se aparies heterogneas em cinco das
obras. H alguns comentrios em trs destas sobre a inexistncia ou descaso com a educao
feminina, que separada da masculina em virtude de funes sociais distintas aos dois
sexos. Novamente, a questo das funes nunca explorada em profundidade pelas obras,
sequer discutida. Outras mulheres civis, populares, so comentadas como vendedoras
(quando esposas de desclassificados) e nas questes da inexistncia de seu direito de voto,
em apenas duas dcadas, sendo a primeira ocorrncia presente nas obras de 1990 e 2010 da
amostra e a segunda, apenas na dcada de 1990.
Finalmente, no perodo republicano, no h destaque para as mulheres das trs
primeiras categorias (mulheres indgenas, mulheres escravas africanas e afrodescendentes,
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mulheres de linhagens reais), cabendo categoria Outras dois tipos de abordagem, em seis
das 11 obras. O primeiro tipo de abordagem, que consta em quatro obras, explora a temtica
das mulheres em aspectos mais pblicos, citando nomes de figuras dos contextos artsticoculturais brasileiros, como por exemplo, da maestrina e compositora Cacilda Borges Barbosa,
das escritoras Rachel de Queiroz e Ana Miranda e da pintora Anita Malfatti. Na segunda
abordagem, quatro obras tratam o tema das mulheres como classe de gnero, quando inclusas
no sufrgio, direito de voto concedido pela Constituio Federal de 1934. O livro da dcada
de 2010 traz, em boxe, a ateno para a questo da especificidade das revistas dedicadas ao
pblico feminino no sculo XX, tanto as direcionadas s questes domsticas quanto as de
cunho feminista.
Pode-se constatar, pela anlise empreendida sobre a amostra, que a representao do
gnero feminino parca na maioria dos livros; que as mulheres so apresentadas de forma
homognea em vrias obras e so ignoradas por completo em muitas outras. Tambm se
observa um desaparecimento de algumas das categorias , como as mulheres indgenas e as
que compunham o grupo das escravas africanas ou mulheres afrodescendentes, que so
absolutamente eliminadas da histria aps a proclamao da Repblica. Ainda, se observa
um crescimento das abordagens em torno da mulher como ser histrico, principalmente nos
livros didticos referentes s trs ltimas dcadas analisadas, as de 1990, 2000 e 2010. Mesmo
incorporando mais figuras femininas aos contedos, especialmente em espaos pblicos, estas
ficam restritas a um grupo generalizado nas questes de incluso de seu direito de voto ou
em um grupo muito especfico e representativo nas mulheres cones de movimentos
artsticos, como Anita Malfatti e Zina Ata, por exemplo. Quando so includas nas discusses
de fato, as mulheres ainda figuram nas bordas e margens das produes didticas, em quadros
especficos e em situaes pontuais, sem evidentes impactos sobre os processos histricos.
O livro didtico parece ter, de fato, uma extrema dificuldade em integrar as renovaes
historiogrficas propostas pela histria de gnero. Com isso, define papis normativos no s
aos gneros, mas tambm aos sujeitos histricos, que ainda aparecem predominantemente
circunscritos aos grandes personagens. As questes de gnero permeiam e fazem parte do
ambiente escolar, porm um dos grandes instrumentos do ensino de histria ainda no d
conta de suprir os questionamentos que a prpria disciplina histrica j apropriou e discutiu.
O livro didtico, por seu papel poltico, ideolgico e cultural, ao mesmo tempo em que
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