Evolução Histórica Da Universidade Brasileira
Evolução Histórica Da Universidade Brasileira
Evolução Histórica Da Universidade Brasileira
ABORDAGENS PRELIMINARES
,
lJ
1 INTRODUO
1.1 AS ORIGENS MEDIEVAIS DA UNIVERSIDADE
As Universidades so instituies medievais que
surgiram nos sculos XI e XII. Nos primrdios da Idade
Mdia havia escolas elementares e superiores, geralmente ligadas a uma instituio religiosa, dirigidas por
um "Magister Scholarium" submetido autoridade do
bispo ou abade. Seu objetivo principal era a formao do
clero para as tarefas litrgicas. Apenas na Itlia havia
escolas leigas particulares de discutvel qualidade e de
baixa reputao.
As escolas superiores formavam-se em cidades
importantes com Paris e Bolonha; ensinavam as sete
Artes Liberais e Teologia, usando a metodologia da
"Iectio - sensus - sententia" ou leitura - comentrios -
interpretao.
No sculo XI reaparece a Dialtica como instrumento de discusso das Escrituras e dos textos usados
(*) Professor do INATEL (Santa Rita do Sapucai MG) e Mestre em Educao pela Puccamp, Doutorando em Educao pela Unicamp.
(1) Jacques Verger. As Universidades na Idade Mdia, p. 27.
REVISTA
DA FACULDADE
DE EDUCAAO,
PUCCAMP,
Campinas,
V. 1, n.1, p. 42.58,
Agosto/1996
J
~
EVOLUAO
HISTRICA DA UNIVERSIDADE
BRASILEIRA
ABORDAGENS
de Bolonha
nasceu de uma
1
J.
43
PRELIMINARES
da pedagogia
caractersticas
escolstica"
na Idade Mdia.
sociais marcantes
das univer-
no
recrutamento
44
J. G. de SOUZA
Durante o sculo XIII, a Igreja favoreceu o desenvolvimento de vrias universidades. Os motivos eram
vrios. Ela considerava o ensino superior uma funo
primordialmentesua e a prpria universidadeuma instituio eclesistica. Cabia universidadeformar os homens para a carreira eclesistica e para combater os
Por recomendao papal, esses religiosos comearam a atuar nas universidades, aps instalaram-se nas
regies. Estabeleceu-se ento uma disputa entre os
mestres mendicantes e os mestres seculares pelo domnio das universidades. Eram duas mentalidades em
confronto: de um lado o zelo apostlico dos mendicantes,
do outro a rejeio dos seculares por cime e interesses
pessoais e corporativistas. Na universidade de Paris, por
exemplo, os medicantes eram acusados de aproveitar os
privilgios da universidade e de fugir das obrigaes
corporativistas, como no participar de greves, no acatar as decises da universidade e no cobrar honorrios.
Os mestres seculares combatiam os frades, negandoIhes o direito de confessar sem autorizao do proco;
criticavam o voto de pobreza e no os aceitavam nas
universidades. Mais do que uma disputa pelo domnio da
universidade, essa crise retratou uma disputa interna
entre padres seculares e padres membros de ordens
religiosas.
O acirramento da crise se deu com o Papa Alexandre IV, tomando a defesa dos mendicantes e confrontando os seculares. Tendo ocorrido de 1252 a 1261, ela
terminou com a derrota dos seculares, seguida de um
perodo dos mais brilhantes da Universidade de Paris.
At os primeiros anos do sculo XIII, os telogos
mantinham-se prudentemente, ocupados com a teologia
de inspirao Agostiniana (o conhecimento advinha por
iluminao divina, no atravs dos sentidos), evitando
assim aquela que seria a grande questo do sculo XIII:
O aristotelismo. A partir dos anos 1230, os telogos
retomaram o estudo de Aristteles, at ento proibido
para eles. Surgem em seguida as "sumas" de So
Boaventura (mestre na Universidade de Paris de 1253 a
1275) e de Santo Toms de Aquino (mestre na Universidade de Paris de 1252 a 1259 e na Universidade de
Bolonha de 1259 a 1268). Alinhado com Aristteles,
Santo Toms produziu uma sntese na qual, sem ferir
conceitos agostinianos, afirmava ser possvel o conhecimento atravs dos sentidos e que Deus podia ser alcanado por meio das causas do conhecimento.
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DEEDUCAO,
PUCCAMP,
Campinas,
V.1, n.1,p. 42-56,Agostol1996
PRELIMINARES
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BRASilEIRA:
ABORDAGENS
rentes teolgicas: a dos averrostas, que no conciliavam Aristteles e a f crist, e os defensores dos
conceitos agostinianos, que no aceitavam a filosofia
aristotlica. Esses ltimos conseguiram do Bispo de
Paris, em 1270, a condenao de treze teses sobre a
doutrina averrosta; em 1277, duzentas e dezenove
proposies errneas foram condenadas e o averrista
Sigrio de Brabante foi condenado por um tribunal da
Inquisio e morreu na priso, mais tarde.
Tanto o averrosmo quanto o tomismo sobreviveram s condenaes de 1277 e reapareceram, mais
tarde, em outros centros. Estas fases de crises mostraram, claramente, as contradies internas da Universidade Medieval. A disputa entre mendicantes e seculares
delimitou a autonomia universitria; as condenaes de
1277 cercearam a sua liberdade intelectual.
O final do sculo XIII assistiu ao declnio das
doutrinas filosficas e teolgicas e viu crescer a importncia da formao de juristas e canonistas. No somente nas universidades italianas, ocorreu uma nova orientao do ensino universitrio marcada pela crescente
importncia das Faculdades de Direito.
O sculo XIII termina e o XIV inicia com as
universidades em evidente processo de transformao.
Durante os sculo XIV e XV ocorreu a multiplicao
das universidades na Europa e a alterao de suas
caractersticas tais como: perda de autonomia, agregao ao Estado centralizado, perda do carter internacional, decadncia do esprito universitrio com a substituio do intelectual pelo catedrtico e humanista.
Ruy Nunes, em sua "Histria da Educao Medieval" assim descreve a situao das universidades nos
sculos XIV e XV.
"... Depois, as universidades mais ilustres, como as
de Paris e Bolonha, comearam a perder seu
carter internacional devido instaurao de novas
universidades em vrios pases europeus. Ao lado
desses dois fatos salientes, preciso inscrever a
decadncia do prprio esprito universitrio medida que o intelectual da Idade Mdia era substitudo
pelo humanista e pelo senhor da ctedra universitria, encastoado na funo docente por nepotismo
ou proteo poltica, e no por mrito, to diferente
do mestre universitrio que era um verdadeiro
trabalhador
intelectual nas escolas de artes,
1.4 A UNIVERSIDADEMODERNA
o Renascimento no renunciou Antigidade
Greco-Iatina. Antes procurou descobrir nela e resgatar
valores como a busca de conhecimentos e de cincia.
Desencadeia um movimento de busca do saber enciclopdico, dos manuscritos antigos, de estudo do grego e do
latim e do alargamento do ideal de formao das pessoas. As cruzadas e as viagens martimas alargaram os
limites do planeta, transferindo o pensamento das pessoas de uma plataforma absolutista para um referencial
relativista e abrindo ao homem perspectivas de liberdade, auto-confiana, senso crtico e reviso do passado. A
este respeito, Antnio Paim escreve que a herana da
tradio clssica, "se abrigava observaes cientficas,
abrangia toda uma srie de suposies arbitrrias... As
observaes diretas levavam fixao de novos contor-
nacionais
-lnguas,
e sbios
literaturas
no Brasil, p. 159.
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DEEDUCAO,
PUCCAMP,
Campinas,
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J. G. de SOUZA
Enquanto faziam brotar, dentro das instncias religiosas, importantes questes sociais dos povos revelados contra a Igreja Catlica, os movimentos reformadores
propuseram novos modelos de instruo popular visando:
a) primordialmente a preparao das pessoas para
uma vida crist por meio de estudo dos textos sagrados;
b) em segundo plano a preparao, desde crianas,
dos homens para governar as cidades e das mulheres
para dirigir a casa, os filhos e os criados.
Para defender a f catlica e reforar a autoridade
papal, ameaadas pelo crescimento dos movimentos
renascentistas e reformistas, Santo Incio de Loyola
criou, em 1534, nos pases catlicos os Colgios Jesutas. Integrando as tendncias da poca com o que era
conveniente manter da formao medieval, a Ordem dos
Jesutas formou-se com uma ordem religiosa essencialmente docente voltada para a formao da juventude. O
seu ensino secundrio e superior estava baseado numa
cultura geral e apoiado me recursos bibliogrficos e em
equipamentos didticos.
O sculo XVII foi o sculo da literatura francesa e da
cincia, Kepler. Newton, Descartes e Galileu transformaram o pensamento e os mtodos de pensar; o mtodo
experimental elaborado para compreender o mundo e
agir sobre ele. Mas a educao permanecia com a
inspirao, os mtodos e os objetivos antigos. O esprito
cientfico continuava ausente do ensino.
Os protestos surgiram em vrios pases. Na Inglaterra, Fracis Bacon proclamou o valor do concreto no
ensino e incentivou o estudo da natureza. Na Frana,
Descartes define os limites do raciocnio dedutivo e inicia
a era da Cincia e da Filosofia Moderna. Outras vezes
recomendavam o mtodo intuitivo, a formao integral e
o desenvolvimento natural das faculdades humanas.
A educao humanstica de todos tornou-se o grande objetivo da educao moderna, objetivo este buscado
atravs de iniciativas
diversas e defendido por
reformadores, revolucionrios e pensadores dos sculos
XVII e XVIII.
As universidades constituram-se o espao ideal
para o cumprimento das promessas dos movimentos de
ruptura dos pactos sociais desses sculos. No sculo
XVII, na Inglaterra, a proposta liberal idealizava uma
universidade para a qualificao tecnolgica, com
Tempor,
p.15.
REVISTA
DAFA::ULOADE
DEEDUCAO.
PUCCAMP.
Compm",V.1. n.1.p. 42.58.Agosto/199B
PRELIMINARES
47
poca da sua expulso, os jesutas tinham fundado na Colnia dezessete colgios com alguma modalidade de ensino superior, alm de outros colgios menores.
O primeiro foi o Colgio Central da Bahia fundado em
1550 e que serviu de modelo e inspirao para todos os
demais colgios jesutas fundados no pas. Referindo-se
ao tipo de curso oferecido por esses colgios, Antnio
Paim relata que ele "chegava to-somente ao que hoje
se denomina de ensino mdio de tipo clssico. Apenas
nos colgios de Bahia e do Rio de Janeiro ministrava-se
o curso de artes, intermedirio entre o de humanidades
e os superiores. Para as carreiras eclesisticas, entretanto, existiam cursos superiores de teologia e cincias
sagradas, tanto no Colgio Central da Bahia como nos
seminrios maiores. Para os que no de se destinavam
ao sacerdcio, s restava o caminho das universidades
europias"10, destacando-se a de Coimbra, na Metrpole. Os cursos de artes nos colgios jesutas assemelhavam-se a uma Faculdade de Filosofia, no modelo das
universidades europias. O primeiro foi criado no colgio
Central da Bahia, em 1572, e inspirou a sua criao nos
outros colgios brasileiros.
EVOlUAO
HISTRICA OA UNIVERSIOAOE
BRASilEIRA:
ABOROAGENS
A tabela 2.1, mostra os diversos cursos criados nos colgios jesutas no Brasil
Colnia":
CURSO
LOCALIZAO
ANO DA CRIAO
DO COLGIO
Artes
1572
Bahia
Filosofia
1638
Rio de Janeiro
Cursos Superiores
1687
Olinda
Teologia e Artes
1688
Maranho
Artes
1695
Par
Filosofia e Teologia
1708
So Paulo
Filosofia e Teologia
1753
Mariana
Em 1759 foi feito ministro do rei de Portugal Sebastio Jos de Carvalho e Mello, Marqus de Pombal, que
combateu duramente o monoplio da educao, na
Metrpole e na Colnia, pelos jesutas. Nessa luta o
Marqus de Pombal foi muito influenciado pelos trabalhos e pelas idias do educador Luiz Antnio Verney.
"Tendo vivido na Itlia desde os 23 anos de idade, influiu
sobremaneira na evoluo do pensamento de sua ptria
(Portugal) ao criticar, em suas famosas cartas (que
foram reunidas sob a denominao de "O verdadeiro
mtodo de estudar"), todo o sistema pedaggico dos
jesutas, arrastando a intelectualidade portuguesa a um
debate prolongado e que prepararia a reforma pombalina
da Universidade"'2. Verney combatia os mtodos de
ensino e o humanismo dos jesutas, propondo um novo
mtodo baseado na cincia operativa com o saber
assumindo uma caracterstica civil e social.
Antes de promover a reforma da Universidade de
Coimbra, em 1772, que se tornou um centro de novas
idias embora se mantivesse conservadora, o Marqus
de Pombal expulsou os jesutas do imprio portugus,
(10) AntnioPaim.Histria das Idias Filosficas no Brasil. p.214.
(11) LuizAntnioCunha, op. cit., p. 34 e seguintes.
(12) AntnioPaim,op. cit., p. 224.
em
O Ensino Superior no Brasil nasceu com a transferncia da sede do poder e da elite portuguesa para o Rio
de Janeiro, em 1808. Os cursos de Ensino Superiorforam
criados para atender, predominantemente, as necessidades do Estado nascente: formao dos seus burocratas, formao de especialistas para a produo de bens
REVISTA
DAFACULDADE
DEEDUCAO,
PUCCAMP,
Campinas,
V. 1, n 1, p. 42-58,Agoslo'1996
J. G. de SOUZA
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Os primeiros institutos civis brasileiros foram criados no Rio de Janeiro, em 1810. Foram criadas a
CURSO
INSTITUiO
1808
LOCALIZAO
Anatomia
Rio
Cirurgia
Rio e Bahia
Economia Poltica
Rio
1810
Rio
1813
Medicina e Cirurgia
Rio
1817
Qumica
Bahia
1818
Histria
Ouro Preto
Msica
Bahia
Belas Artes
Rio
Jurdico
So Paulo e Olinda
Bahia
1824
1827
1832
e Obstetricia
1841
Conservatrio de Msica
Msica
Rio
1854
Dac. Direito"
Direito
So Paulo e Recife
1858
Esc. Central'"
Rio
1874
Esc. Politcnica""
Rio
e Industrial
Beldo em Cincias Fsicas e
Rio
Matemticas
= Transformao
.. = Transformao
... = Transformao
= Transformao
Ouro Preto
Matemtica
Pernambuco
Superior
REVISTA
DA FACULDADE
DE EDUCAO,
PUCCAMP,
Campinas,
V. 1, n.1, p.
42-58, Agoslol1996
EVOlUAO
HISTRICA
DA UNIVERSIDADE
BRASilEIRA:
ABORDAGENS
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PRELIMINARES
Outro exemplo de oposio criao da universidade brasileira ocorreu em 1882. No conselho de Educao, o Conselheiro Almeida reage idia com os seguintes argumentos:
"A universidade uma coisa obsoleta e o Brasil,
como pas novo, no pode querer voltar atrs para
CO'1struira universidade; deve manter suas escolas
especiais, porque o ensino tem de entrarem fase de
especializao profunda; a velha universidade no
pode ser restabelecida"16 .
Entretanto, foi sobre esse ncleo de ensino superior, estruturado durante o Imprio, que se constituiu o
atual sistema universitrio brasileiro. Como vai ser mostrado adiante, as universidades brasileiras foram constitudas, fundamentalmente, pela aglutinao de faculdades isoladas.
2.3 O ENSINOSUPERIOR NA PRIMEIRAREPBLICA:
O PANORAMA GERAL
Foi durante o perodo denominado de Primeira
Repblica ou Repblica Oligrquica, que vai da Proclamao da Repblica em 1889 at a revoluo de 1930,
que surgiram as escolas superiores no dependentes do
Estado. Tambm nesse perodo nasceram as primeiras
universidades brasileiras.
No final do Imprio, comearam a surgir os primeiros movimentos pela organizao do sistema escolar
nacional. Vrios projetos com o objetivo de organizar a
Luiz
Antnio
Cunha,
op.
cit.,
p. 137,
transcrito
de Anisio
Teixeira
- "Uma
perspectiva
da educao
superior
REVISTA
DA FACULDADE
DE EDUCAO,
PUCCAMP,
Campinas,
V. 1, n. 1, p. 42.58,
Agosto/1996
no Brasil".
Revista
Brasileira
de Estudos
J. G. de SOUZA
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"Instruo Pblica" demonstravam a grande preocupao dos polticos com a Educao. Todos eles propunham mudanas centralizadoras do sistema educacional
no governo centrap9.
at
e poder,
p.97.
(21) Luiz Antnio Cunha: "A Educaao nas Constituies Brasileiras Anlise e propostas",
(22) Antnio Paim, op. cit., p. 450.
(23) Carlos Jamil Curvo Ideologia e Educao Brasileira. p. 14.
(24) Luiz Antnio Cunha, op. cit., p. 162.
(25) Luiz Antnio Cunha, op. cit., p. 175.
In: Educao
e Sociedade,
nO23, p. 5.
REVISTADAFACULDADE
DEEDUCAAO,
PUCCAMP,
Campmas,
V 1,n.1,p 42-58,Agosto/19ge
EVOlUAO
HISTRICA DA UNIVERSIDADE
BRASilEIRA:
ABORDAGENS
51
PRELIMINARES
Houve tambm universidades que nasceram durante a primeira Repblica e que sobreviveram.
A primeira foi a Universidade do Rio de Janeiro,
criada em 1920 pela aglutinao da Escola Politcnica,
da Escola de Medicina e de uma Faculdade de Direito
Livre. Segundo alguns estudiosos, a razo principal da
criao da Universidade
do Rio de Janeiro teria
disso a necessidade diplomtica
de conceder o
ttulo de doutor "honoris causa" ao rei da Blgica
em visita ao pas.
Em 1927, a Universidade de Minas Gerais foi criada
com a reunio das faculdades de Engenharia, Medicina,
Odontologia e Farmcia de Belo Horizonte.
A Universidade do Rio Grande do Sul foi organizada de maneira diferente; ela surgiu com base na Escola
de Engenharia de Porto Alegre que, em 1928, possua
1200 alunos em 11 institutos que se dedicavam desde a
pesquisa aplicada, a formao de engenheiros e qumicos at a formao de operrios agrcolas. Graas a essa
diversidade de unidades e de cursos, a Escola de Engenharia foi chamada de Universidade Tcnica do Rio
Grande do SUF7.
Convm ressaltar ainda que os institutos dedicados
pesquisa aplicada surgiram antes das universidades. O
Instituto Agronmico de Campinas, antes Estao Experimental de Campinas, foi criado em 1887. EM 1892, em
So Paulo, foi criado o Instituto Bacteriolgico, em 1889,
o Instituto Butant e, em 1928, o Instituto Biolgico. No
Rio de Janeiro, em 1901 foi criado o Instituto Manguinhos.
Todas essas instituies existiram fora das Escolas
Superiores para atender as necessidades concretas e
imediatas da economia do pas. Entretanto alguns deles
chegaram a organizar cursos para a formao de pesquisadores de nvel superior, como, por exemplo, o Instituto
Manguinhos.
A PREPARAO DA DCADA DE 30
Durante a Primeira Repblica, diversos setores da
vida nacional experimentaram um processo de renovao e modernizao, como o objetivo de construir uma
sociedade mais justa, com uma organizao social e
poltica mais moderna e adequada realidade do pas. A
educao no ficou imune a esses movimentos de
modernizao. A Primeira Guerra Mundial no s acumulou ainda mais as tenses polticas e sociais j exis-
Cunha,
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DEEDUCAAO,
PUCCAMP,
Campinas,V. 1, n. I, p. 42-58,Agosto/19gB
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J. G. de SOUZA
3 - A UNIVERSIDADEBRASILEIRA EM BUSCA
DE SUA IDENTIDADE
3.1 o ENSINOSUPERIORNA ERA GETULlSTA
A revoluo de 1930 levou Presidncia da Repblica, como chefe do governo provisrio, Getlio Vargas
que permaneceu no poder durante quinze anos. Nesse
perodo da Histria do Brasil, que compreende o Estado
Novo (1937-1945), d-se a passagem do Estado Liberal
para o Estado Social, centralizador e autoritrio, sem
nenhuma participao popular. Fbio Comparato analisa
a criao do Estado Novo da seguinte maneira:
"A Revoluo de 30 iniciou-se com o repdio claro
das instituies liberais. J desde os primeiros
meses do governo provisrio, por iniciativa de
Lindolfo Colfor, Getlio Vargas lanou-se criao
de uma legislao trabalhista e previdenciria. Alm
disso, foram criados, desde os primeiros momentos
da Revoluo de 30, rgos pblicos de interveno na economia" 32 .
Por exemplo, o Departamento Nacional do Caf,
mais tarde o IBC, o Instituto do Acar e do lcool, o
Instituto do Mate e Outros.
No campo social, a aristocracia rural perdera terreno e influncia para a burguesia rural e comercial.
Comeavam a aparecer os contornos de uma classe
operria e de uma classe mdia. No campo poltico, os
estados estavam perdendo poder e a liderana liberal. No
campo econmico, estava clara a inteno centralizadora
e intervencionista do governo central. No setor cultural,
a nao mergulhava em "um perodo de fechamento do
regime autoritrio do Estado Novo"33.
No setor educacional, arrefeceu o anseio de modernizao da Educao para uma sociedade em mudana.
Comeava tambm uma poltica educacional autoritria
com Francisco Campos, o primeiro Ministro da Educao
e Sade do Estado Novo e seu principal terico que, j
em 1931, elaborou o Estatuto das Universidades Brasileiras e introduziu o ensino religioso nas escolas federais,
estaduais e municipais do pas. Antes dessas realizaes, como Secretrio do Interior de Minas Gerais,
conduziu as reformas do ensino primrio e normal no
Estado. "De um entusiasta e defensor de idias liberais,
adepto da Escola Nova, Campos durante o estado Novo
EVOlUAO
HISTRICA DA UNIVERSIDADE
BRASilEIRA:
ABORDAGENS
PRELIMINARES
53
passou a defender conceitos que se enquadravam perfeitamente na nova ordem social estabelecida"34.
O estatuto das Universidades Brasileiras, que perdurou por trinta anos, surgiu mais de uma dcada aps
a criao da Universidade de Minas Gerais, ditava, com
algumas variaes regionais, a organizao didtico-admi-
perodo, alguns lderes paulistas reuniram-se e fundaram, em 1933, a Escola Livre de Sociologia e Poltica de
So Paulo, como uma resposta de superioridade intelectual do Estado derrotado aos seus vencedores pelas
armas. Um ano aps, o interventor Armando Salles de
Oliveira criou a comisso para estudar a fundao da
Universidade de So Paulo, a Universidade de Comunho Paulista como foi chamada "porque nascia marcada
pela recuperao, pela Comunho Paulista, do projeto
de reconstruo educacional da nacionalidade"32.
p. 15.
REVISTADAFACULDADE
DEEDUCAO,
PUCCAMP,
Campinas,
V. 1,n. 1. p. 42-58,A90sto/1996
54
J. G. de SOUZA
Crtica, p. 156.
REVISTADAFACULDADE
DE EDUCAO.
PUCCAMP.
Campinas,
V.1. n.1.p. 42.58.Agosto/199B
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PRELIMINARES
55
A comisso de elaborao do plano geral da Universidade de Braslia foi liderada por Darcy Ribeiro, seu
primeiro reitor, substitudo em 1963 por Ansio Teixeira.
"A Universidade foi idealizada partindo da preliminar de
que seria imprescindvel a criao de centro cultural
capaz de prestar assessoramento alta administrao
do pas e de que s uma universidade consegue reunir
especialistas em nmero suficiente para assegurar a
uma capital condies de trabalho produtivo"43.
EVOlUAO
HISTRICA DA UNIVERSIDADE
BRASilEIRA:
ABORDAGENS
A modernizao do ensino superior brasileiro comeou com a criao do Instituto Tecnolgico de Aeronutica e culminou com a criao da Universidade de
Braslia, nascida de uma planejamento de institutos,
escolas e centros e no da justaposio de Faculdade
isoladas. Criada pelo governo federal, ela foi organizada
como fundao.
Entretanto, enquanto a Universidade de Braslia
era criada, estava sendo promulgada a Lei de Diretrizes
e Bases da Educao Nacional, a Lei da Reforma
Universitria de 1968, um freio e um retrocesso no
processo de modernizao do ensino superior brasileiro.
Aps o golpe de 1964, o governo militar cuidou de
coibir a criticidade da universidade brasileira, expulsando professores, policiando ideologicamente os novos
docentes, reprimindo o movimento estudantil. Tais medidas aprofundaram a crise da universidade agora pelo
regime. "Foi para inverter essa tendncia que o Estado
4 - CONCLUSES
4.1 - AS CONTRADiES DA UNIVERSIDADE BRASILEIRA
(43) Justificativa do anteprojeto de lei encaminhandopelo Presidente da Repblica da Repblica em "Universidade de Brasilia", Revista Brasileira de
Estudos Pedaggicos, nO78, abril-junho de 1960, p. 133, citado em Luiz Antnio Cunha, op. cit., p. 169.
(44) Ar!. 2, item I do Decreto nO1872 de 12/12/62, citado em Luiz Antnio Cunha, op. cit., p. 171.
(45) Luiz Antnioi Cunha, op. cit., p. 260.
REVISTADAFACULDADE
DEEDUCAO.
PUCCAMP,
Campinas.
V. 1.n. 1. p 42-58,Agosto/1998
~~
J. G. de SOUZA
56
apenas reprodu-
integradora
a criar
da nao"47.
Parece-nos que a "verdadeira universidade brasileira" ainda no foi construda na sua totalidade e
abrangncia. Em que pese a nossa curta experincia
histrica de ensino superior, na qual encontramos esforos individuais e institucionais importantes, que do
alento constante busca de caminhos que os educadores brasileiros tm empreendido, a Universidade Brasileira ainda est para ser construda. O seu modelo ainda
no foi definido porque tambm o pas ainda no encontrou sua identidade como nao, no se construiu como
nao. Nao na qual o Projeto Educacional assume as
coordenadas de espao e de tempo referenciados no seu
projeto poltico, econmico, social e cultural.
REVISTA
DA FACULDADE
DE EDUCAO,
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Campinas,
V.1,
n.1, p. 42-58,
Agasto/19gB
EVOLUAO
HISTRICA
DA UNIVERSIDADE
BRASILEIRA
ABORDAGENS
57
PRELIMINARES
colonialistas"50.
A nosso ver esse o grande desafio que a Universidade Brasileira tem que enfrentar para se construir:
transformar a prpria sociedade da qual ele emergir.
Para talo seu projeto dever ser orgnico e articulado,
prtica e operativamente, com a sociedade em que ela
existe. Uma universidade "que opera articuladamente
com o esforo nacional de superao do atraso"51,como
foi a experincia universitria japonesa e como se pretendeu definir a Universidade de Braslia, no projeto de
sua criao.
A poltica educacional de um pas no pode, simplesmente, ser definida de acordo com indicadores do
mercado econmico e de trabalho ou do setor produtivo.
Ela precisa ser eficiente para orientar a educao de
homens capazes para atuar nesses ambientes em permanente postura de crtica e em continuada disposio
para a transformao.
A Universidade Brasileira a ser pensada dever
estar organizamente ligada a projetos sociais concretos,
sem abrir mo de sua autonomia e de sua independncia, sem afastar-se de suas finalidades bsicas de ensino, pesquisa (pura, aplicada e tecnolgica) e assumindo
seu espao poltico de construo e discusso dos
fundamentos de uma sociedade livre, independente e
democrtica.
Finalmente, temos certeza de que o primeiro passo
na construo do projeto educacional do pas deve ser
dado pela prpria Universidade Brasileira atual no sentido de superar a si mesma, buscar dentro de si mesma as
causas e solues prprias de sua crise e do seu estado
de barbrie. Um exerccio de humildade, de sabedoria e
de cidadania que desvelar o verdadeiro papel da Universidade na construo do Estado Brasileiro.
REFERENCIAL BIBLIOGRFICO
ADUFRGS. Anlise do Documento "Proposta de Uma
Nova Politica para o Ensino Superior". UFRGS:
Documenta nO2, abril de 1991.
CARDOSO, J. A Universidade da Comunho Paulista.
cap.3.
COMPARATO, F.K.. Educao, Estado e Poder. So
Paulo: Ed. Brasiliense, 1987.
das
So Paulo: Cortez,
Rio de
CURY, C.R.J. Ideologia e Educao Brasileira (Catlicos Liberais). 4. ed., So Paulo: Cortez, Autores
Associados, 1988.
FVERO, M.L.A. (Org.). A Universidade em Questo.
So Paulo: Cortez, Autores Associados, 1989.
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