Aprender A Ler e Compreensão Do Texto

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Aprender

ler

compreenso do

texto:

processos cognitivos e estratgias de ensino


Susana Gonalves *
Sntese: Este artigo tem por objectivo identificar os processos cognitivos
que intervm no acto de leitura e na compreenso do texto e extrapolar da
investigao algumas estratgias para o ensino da leitura e compreenso
de texto, aplicveis ao ensino bsico. Depois de identificar as diferenas
entre bons leitores e leitores principiantes e de apresentar algumas prticas
comuns aos professores eficazes no ensino da leitura, sero apresentadas
estratgias prticas que podem ser ensinadas s crianas para melhorarem
o nvel de compreenso do texto escrito.
Palavras chave: cognio; compreenso da leitura; significado; ensino da
leitura.

1.

Introduo

A leitura pe em jogo duas actividades cognitivas: a identificao dos signos


que compem a linguagem escrita (esta actividade pressupe que o leitor
faa a correspondncia entre grafemas e fonemas) e a compreenso do
significado da linguagem escrita (o que pressupe um acto de interpretao
por parte do leitor). nesta segunda componente do processo de leitura
que nos vamos centrar, mantendo em mente, todavia, a ideia de que a
compreenso de um texto depende sempre da descodificao da escrita, ou
seja, de saber ler no sentido literal.
Se nos centramos na compreenso da leitura porque atendemos a uma
outra evidncia sobre o acto de ler que nem sempre mereceu o devido
reconhecimento: no basta aprender a ler, necessrio aprender com o que
se l: necessrio interpretar os contedos e atribuir-lhes significado, para
que a leitura, enquanto exerccio de inteligncia, cumpra o seu papel. Ora,
esta interpretao no um acto mecnico de juntar letras e formar
palavras, mas um verdadeiro dilogo do leitor com o autor, em que aquele
co-participa na produo de sentido do texto.
A

compreenso

proficincia

na

leitura

evoluem

ao

longo

do

desenvolvimento da criana e relacionam-se com a compreenso de outras

informaes

que

criana

obtm

atravs

de

outros

sistemas

de

comunicao alm da escrita. A compreenso da informao lingustica


depende do desenvolvimento das capacidades cognitivas para seleccionar,
processar e (re)organizar informaes, mas depende igualmente do nvel
dos conhecimentos prvios em relao lngua e aos contedos abordados
no texto.
Investigaes baseadas nas perspectivas cognitivista e desenvolvimental
permitiram demonstrar que dois dos factores mais determinantes para
explicar as diferenas entre

os leitores principiantes e

os leitores

experientes, no que respeita ao grau de compreenso do texto lido, so o


conhecimento prvio (que, naturalmente, vai aumentando com a idade) e as
estratgias de compreenso pelas quais o leitor opta durante o acto de
leitura (tambm estas relacionadas com a idade). Apesar da correlao com
o nvel etrio, tanto o conhecimento prvio quanto as estratgias de
compreenso podem ser melhoradas pela via do ensino. O professor pode
contribuir para tornar a criana um leitor apto e, mais do que isso, um
amante da leitura. Muitos o tm conseguido. A arte e o engenho, embora
dependam dos seus recursos e da sua criatividade pessoais, incluem
tambm uma grande dose de pequenos segredos tcnicos que outros
podem pr em prtica.
2.

A leitura como construo do significado do texto

Algumas perspectivas sobre a formao e a evoluo do conhecimento


adoptam o conceito de esquema cognitivo para explicar como que
organizamos mentalmente as informaes que recolhemos da nossa
experincia. A metfora adoptada por estas teorias pode servir-nos para
percebermos porque que os conhecimentos prvios do leitor so um
elemento determinante para o grau de compreenso daquilo que ele l.
De acordo com estas perspectivas (cujas fontes histricas se centram nas
obras de Barttlet e Piaget), o conhecimento organiza-se em esquemas
cognitivos que nos permitem descrever e explicar o mundo. So os
esquemas aquilo que nos permite reconhecer estmulos, estabelecer
conexes entre eles e tomar decises acerca do que fazer na sua presena.
Estes esquemas podem estar adormecidos ou activados, quer dizer,
podemos requisit-los apenas quando os necessitamos e para tal basta ir ao
grande armazm que a memria. Este armazm tem uma seco de

arquivo (memria de longo prazo) e uma seco activa (memria de


trabalho): identificar objectos, reconhecer problemas, tomar decises,
executar actos, pressupe trazer da memria de longo prazo para a
memria de trabalho todos os conhecimentos relevantes (conectados) para
a questo

com

que

nos confrontamos.

Cumprida

a misso,

estes

conhecimentos regressam ao arquivo, muitas vezes modificados, devido s


novas aquisies derivadas da experincia e da reflexo.
Compreender um texto consiste num processo gradual durante o qual o
leitor

procura

uma

configurao

de

esquemas

que

representem

adequadamente cada uma das passagens que vai lendo. Estas passagens
sugerem ao leitor interpretaes possveis que vo sendo avaliadas e
reavaliadas em funo das frases seguintes, at que uma interpretao
consistente seja, por fim, encontrada (Rumelhart, 1980). medida que o
leitor

l,

so

trazidos

conscincia

memria

de

trabalho)

os

conhecimentos do repertrio de informao do sujeito que so relevantes


para entender o que est escrito e para fazer o trabalho de interpretao:
construir um significado para o texto. O acto de interpretao corresponde
procura de uma formulao coerente do contedo do texto, sendo que
esta coerncia obtida a partir de correspondncias entre dados presentes
na mensagem e dados presentes na memria, nos esquemas (Anderson,
1978).
Compreender a linguagem (oral ou escrita) implica descodificar uma
mensagem de um modo activo. No se trata de integrar mecanicamente a
mensagem do autor nos esquemas preexistentes, acrescentando-lhes
qualquer coisa. Trata-se, pelo contrrio, de um processo em que feita uma
associao entre o texto percepcionado e os esquemas (conhecimento
prvio) que o sujeito traz leitura. Os esquemas que so invocados
dependem do contexto de interpretao, um contexto onde se inclui a
situao fsica e social do sujeito, o nvel de ateno, o ponto de vista e
restries

motivacionais,

emocionais

cognitivas

(Winograd,

1977;

Haberlandt, 1982). Da que o mesmo texto, quando lido em diferentes


ocasies, em diferentes estados de esprito, resulte em aprendizagens e
significados diferentes. Quantas vezes no tivemos j esta experincia, ao
ler pela segunda vez um livro (ao rever um filme, ao conversar de novo com
algum) de sentir que s agora compreendemos verdadeiramente o
significado das palavras... Da mesma forma, o mesmo texto, lido por

pessoas diferentes resulta em diferentes interpretaes, j que as grelhas


de leitura, podendo partilhar elementos comuns, so distintas de sujeito
para sujeito. O significado das novas informaes no est no texto, mas na
interaco com as informaes relevantes j existentes na memria. Ou
seja, aquilo que aprendemos devemo-lo ao que j sabemos.
Quanto

mais soubermos (quanto mais relevantes forem os

nossos

conhecimentos para integrarmos novas informaes) mais aprenderemos e


mais depressa o poderemos fazer. Este mecanismo, que explica a
assimilao do conhecimento, explica, tambm, segundo Ausubel (et
al., 1978), a relao entre a memria e a aprendizagem humana. Segundo
este autor, os significados das coisas surgem sempre que se formam estas
ligaes significativas entre a informao nova (aquilo que se leu) e a prexistente (aquilo que j se sabia). A aprendizagem d-se nesse momento,
quando a informao nova assimilada estrutura existente, ficando
ancorada em ideias de suporte no mesmo domnio de conhecimento!
(1) Esta interaco entre texto e estrutura cognitiva faz tambm com que o
leitor recorde do texto elementos que a no estavam presentes. Embora
isto possa parecer surpreendente, diversos estudos o demonstraram
empiricamente (cf., Le Ny, 1989).(2)
Devido a esta dimenso ideossincrtica, alguns autores defendem que o
texto no possui significado interno (e. g., Collins et al., 1980; Spiro, 1980;
Ausubel et al., 1978; Noizet, 1980): o significado construdo pelo receptor,
quando compreende (interpreta) uma mensagem. Numa mensagem nunca
esto explicitadas todas as ideias do autor. Este tem intenes acerca das
quais o leitor tem que fazer algumas inferncias, baseando-se no seu
conhecimento prvio. Este processo inferencial ajuda o leitor a clarificar
detalhes no mencionados no texto,lendo nas entrelinhas.
3.

Conhecimento prvio e compreenso da leitura

Vrios estudos (cf., Anderson, 1978; Causinille-Marmche e Mathieu, 1988;


Dole et al., 1991) mostram que a diferena entre bons e maus leitores no
resulta de diferentes capacidades de processamento da informao, mas de
diferenas na qualidade e organizao dos conhecimentos prvios e nos
processos cognitivos e metacognitivos postos em jogo durante a leitura. Da
anlise das diferenas entre os dois tipos de leitores, sintetizadas no quadro
1, podemos concluir que os conhecimentos do leitor e a forma como estes

esto organizados tm uma importncia fundamental para a compreenso


da leitura. Podemos ainda rever aquelas velhas crenas que nos dizem que
os leitores so bons ou maus devido s suas capacidades ou aptides
cognitivas. Com efeito, a investigao mostra que esta no a norma.
Indivduos com capacidades idnticas podem ler de modo qualitativamente
diferente, consoante aquilo que j sabem de antemo e o modo como
sabem.
Bons leitores
Classificam

Maus leitores

organizam

com

eficcia os diferentes tipos de Possuem quadros de representao do


problemas

que

lhes

so texto demasiado gerais, o que lhes

colocados pelo texto; percebem dificulta a percepo da especificidade


que

estes

problemas

tm dos diferentes detalhes do texto.

diferentes nveis de abstraco.


Optam por critrios mais estveis
e

coerentes

de

seleco

dos

detalhes pertinentes.

Seleccionam traos de superfcie do


texto, muitas vezes apenas aqueles que
so

explicitamente

um

no

texto.
Muitas

Alcanam

apresentados

nvel

vezes

consideram

como

de relevantes e pertinentes aspectos que

compreenso mais aprofundado efectivamente no o so, confundindo,


e especfico, relativamente ao por exemplo, contedos de um dado
domnio conceptual de que trata domnio
o texto.

com

outros

que

no

so

especficos do domnio conceptual em


questo.

Dominam com maior qualidade e


em

maior

conceitos

quantidade

especficos

de

dada rea de conhecimento.

os
uma

Dominam de uma forma inexacta e em


menor quantidade conceitos especficos
de uma dada rea de conhecimento.

Estabelecem relaes adequadas Mostram

dificuldade

em

(de

adequadas

entre

ordem,

causalidade...)

dependncia, relaes
entre

estabelecer
conceitos,

conceitos confundindo as suas ligaes de ordem,

especficos de um dado domnio. dependncia, causalidade...


Quadro 1
Diferenas no conhecimento prvio entre bons e maus leitores

A maior capacidade de compreenso dos especialistas na leitura deriva do


acesso a um corpo de conhecimentos relevantes e facilmente activados, os
quais

permitem um tratamento

mais aprofundado e

pertinente

do

enunciado. Quanto mais pertinentes e melhor organizados forem os


conhecimentos prvios do leitor, tanto os conhecimentos gerais como
aqueles que se referem ao domnio de contedo concreto abordado pelo
texto, melhor ser o seu desempenho na leitura e interpretao, melhor
ser a assimilao/aprendizagem dos contedos e melhor ser, por
conseguinte, a eficcia dos processos cognitivos em tarefas idnticas
posteriores.
Apesar de tudo, a relao entre os conhecimentos prvios do leitor e a
compreenso no linear. O conhecimento pode existir mas no ser
activado durante a leitura, pode estar fragmentado e por isso ser aplicado
com incorreces, pode ser incompatvel com a informao presente no
texto que est a ser lido e por isso poder levar o leitor a desvalorizar ou a
deturpar o que l (Dole et al., 1991). Alm disso, h que valorizar tambm o
papel de outro factor destacado pela investigao como sendo distintivo
entre leitores: as estratgias cognitivas.
4.

As estratgias de compreenso da leitura

O leitor um agente activo, capaz de construir e reconstruir o significado do


texto medida que o l, atravs da integrao das novas informaes com
os conhecimentos prvios a elas relacionados, do ajustamento das suas
expectativas e da aplicao de estratgias flexveis que regulam a
compreenso do texto atravs dum controlo consciente do acto de leitura.
Estas estratgias so o segundo grande factor em que se diferenciam
os bons emaus leitores. A literatura tem salientado as seguintes: determinar
as ideias principais do texto; sumariar a informao contida no texto;
efectuar inferncias sobre o texto; gerar questes sobre os contedos do
texto;

por

fim,

monitorar

compreenso

(estratgia

habitualmente

designada por metacognio).


4.1

Reconhecer e determinar as ideias principais

A capacidade de separar os aspectos essenciais dos detalhes um dos


factores que diferenciam os leitores na sua eficcia e est muito associado
compreenso do texto e sua recordao posterior. Aquilo que o leitor

considera mais importante assume maior relevo no acto de leitura e por isso
mais facilmente memorizado. Como j referimos, os leitores mais eficazes
tm maior capacidade de destrinar e seleccionar os elementos importantes
do texto e por isso aquilo que guardam na memria resulta de um trabalho
selectivo em que o trigo j est separado do joio. Por isso, os
elementos mais importantes ficam menos sujeitos ao esquecimento. Os
bons leitores procuram avaliar o texto a partir de vrias frentes, incluindo o
seu conhecimento sobre o autor (tendncias, intenes, objectivos...) e
usam o seu conhecimento da estrutura do texto para identificar e organizar
a informao.
Durante a leitura, estes leitores envolvem-se activamente num trabalho de
pesquisa, durante o qual reflectem acerca das ideias encontradas no texto e
da sua importncia relativa. Esta pesquisa faz com que a leitura seja uma
actividade selectiva. Estes leitores no se restringem a seguir o percurso
linear do texto. Lem e relem algumas passagens, do saltos para trs, a
fim de comparar algumas passagens com outras j lidas anteriormente e de
clarificar ideias. Certos trechos considerados importantes, contraditrios ou
pouco claros so mantidos presentes na memria de trabalho, de modo a
clarific-los medida que novas passagens, com eles relacionadas, vo
sendo lidas.
No final da leitura, os bons leitores tm conscincia de at que ponto
conseguiram obter um quadro de representao coeso sobre o texto, ou
seja, at que ponto compreenderam as suas ideias principais e, caso
verifiquem que no compreenderam, ou que existem lacunas, empenhamse de novo na leitura do texto para clarificar o seu significado.
Por fim, os bons leitores so mais capazes de determinar as ideias
importantes do texto, no apenas em funo das intenes do autor, mas
igualmente em funo dos seus prprios objectivos de leitura, tendo o
discernimento para perceber quais as partes do texto que se relacionam
com esses objectivos.
A identificao das ideias principais tambm influenciada por elementos
prprios do texto, como o tipo de vocabulrio usado pelo autor, a
quantidade de pormenores de apoio s ideias principais ou a presena de
tpicos especficos sobre essas ideias (Andre, 1987; Goetz e Armbruster,
1980). H aqui uma pista interessante do ponto de vista educativo, quanto
redaco de textos didcticos, de modo a evitar alguns erros usuais.

frequente, por exemplo, vermos textos de manuais escolares dirigidos a


crianas redigidos com vocabulrio demasiado complexo, pouco frequente
na linguagem de uso corrente ou pouco compatvel com o nvel de
desenvolvimento

capacidade

de

abstraco

lingustica

dos

seus

destinatrios.
4.2

Sumariar a informao

Trata-se de uma actividade mais geral que a anterior. A sumariao implica


que o leitor sintetize grandes unidades de texto, condensando as ideias
principais e recriando um novo texto coeso e coerente com o original. A
funo desta estratgia clarificar as ideias principais do texto e as suas
interaces.
A sumariao implica o recurso a operaes cognitivas como: seleccionar
umas informaes e anular outras; condensar algumas informaes e
substitu-las por conceitos mais gerais e inclusivos; integrar as informaes
seleccionadas numa representao coerente, compreensvel e resumida do
texto original (Dole et al., 1991). Ora, estas operaes esto altamente
relacionadas com o nvel de desenvolvimento do leitor. Os estudos (cf.,
Gagn, 1985; Dole et al., 1991) mostram que embora quase todas as
crianas consigam sintetizar a estrutura principal de narrativas simples, as
mais novas tm desempenhos fracos na sumariao de texto complexos
sobre as mesmas narrativas.
A sumariao relaciona tambm a estrutura do texto com o conhecimento
prvio: os textos bem estruturados e que descrevem acontecimentos
familiares ao leitor tm maiores probabilidades de serem compreendidos,
sintetizados e memorizados.
O treino da sumariao uma actividade eficaz, pois permite ao aluno
reconhecer a estrutura do texto, favorecendo a memorizao de passagens
importantes, uma melhor compreenso das relaes de subordinao entre
ideias e melhor capacidade de detectar as palavras-chave do texto (Oakhill
e Garnham, 1988; Andre, 1987; Gagn, 1985).
4.3

Efectuar inferncias sobre o texto

Muitos autores defendem que esta estratgia o centro vital da


compreenso. Ela est presente na leitura de quaisquer textos, dos mais
simples aos mais complexos, tanto em adultos como em crianas. A

inferncia permite chegar a uma compreenso mais aprofundada do que a


mera compreenso literal do texto. Compreender um texto implica inferir
sobre o que se l (ttulo, tema, objectivos, enquadramento do texto...), a
partir daquilo que se sabe (Anderson e Pearson, 1985; Dole et al., 1991;
Andre, 1991; Gagn, 1981). A inferncia permite dar coerncia ao que se l,
extrair novas informaes a partir do que est escrito, evocar informaes
que devem ser adicionadas ao texto e complet-lo (Van de Velve, 1989).
Ao ler num jornal um artigo de opinio, fazemos inferncias acerca das
razes pelas quais o autor escreveu o artigo, porque o publicou naquele
jornal e no noutro, porque defendeu certos argumentos, porque evocou
uns factos e deixou outros omissos... Fazemos tais inferncias a partir de
conhecimentos e crenas que entendemos serem relevantes (p. ex., aquilo
que sabemos acerca do autor, do jornal e do tema abordado).
Estes conhecimentos so filtrados pelos valores, opinies e emoes: ao ler
podemos

sentir-nos

irritados,

revoltados,

divertidos,

comovidos,

apaziguados,... Sabe-se que os bons leitores avaliam e respondem


afectivamente quilo que lem, de um modo tanto mais intenso quanto
maior o seu interesse sobre o assunto lido (Pressley et al., 1997). Ou seja,
fazem uma leitura emocionalmente activa na qual no se limitam a
memorizar automaticamente a informao, mas antes a interpelam a partir
de uma posio crtica.
4.4

Gerar questes sobre o texto

Trata-se de um procedimento relacionado com a inferncia e que, como


noutras

estratgias,

tambm

distingue

os

leitores

mais

menos

proficientes. Os resultados da investigao mostram que a capacidade de


colocar questes pertinentes sobre os contedos do texto permite ao leitor
aprofundar a compreenso sobre esses contedos. Na sua maioria, estes
estudos (citados por Andre, 1987; Dole et al., 1991; Oakhill e Garnham,
1988) salientaram as seguintes implicaes para o ensino da leitura:

Treinar os alunos a responderem questes sobre o texto permite-lhes

compreender

informaes

sobre

histrias

serem

apresentadas

posteriormente, j sem necessidade de recorrer a questes auxiliares como


as que foram utilizadas num treino inicial.

Se os alunos forem ajudados a produzir as suas prprias questes

isso os ajudar a melhorar a compreenso do texto.

4.5

Monitorar a compreenso (metacognio)

A metacognio a capacidade de estar consciente dos prprios processos


de pensamento: o pensar sobre o pensar, a auto-avaliao que nos
permite dizer estou a compreender. Durante a leitura, a metacognio
inclui duas componentes distintas:

Estar consciente da qualidade e do grau de compreenso esta

componente implica que o leitor seja capaz de detectar incongruncias no


texto e de se implicar activamente na resoluo deste problema. Os leitores
mais novos, tal como os menos proficientes, tm mais dificuldade em
detectar e resolver estas incongruncias. Contudo, na maioria dos casos, as
incongruncias so detectadas quando o conhecimento prvio insuficiente
para se compreender o que se l (No percebo. Isto novo, est
relacionado com qu?) ou quando contradiz aquilo que se l (Isto vai
contra o que eu sei acerca deste assunto!).

Saber o que fazer e como fazer quando se descobrem falhas na

compreenso este um aspecto capital no desenvolvimento da mestria na


leitura e uma das diferenas mais acentuadas entre leitores de baixo e de
alto nvel de mestria.
Seguindo a sntese apresentada por Dole et al. (1991) podemos dizer que os
bons leitores so mais capazes de: gerir a energia e o tempo que gastam
para resolver problemas de leitura; utilizar os recursos disponveis (por
exemplo, repetir a leitura de uma passagem anterior para compreender
melhor outra que se segue); e adaptar as estratgias que utilizam, de um
modo flexvel, s diferentes circunstncias.
Em contrapartida, e de acordo com Garner (1988), verifica-se que os leitores
mais novos ou inexperientes tm pouca conscincia da necessidade de
encontrar sentido para o texto; encaram a leitura mais como um processo
de decomposio do que de atribuio ou procura de significado; tm
dificuldade em identificar os momentos em que no esto a perceber o
texto; e tm dificuldade em encontrar estratgias compensatrias (tal como
reler o texto, estudar com mais detalhe os segmentos difceis ou sumariar)
quando no compreendem o que lem.
Estas diferenas metacognitivas entre leitores do-nos um indicativo sobre
algumas sugestes prticas para o ensino da leitura, que se podem traduzir
numa ideia bsica: se o aluno aprender a conversar consigo prprio acerca

do que leu e compreendeu e se, adicionalmente, lhe forem dadas instrues


sobre como agir quando verifica que no compreende, ele poder tornar-se
mais consciente do seu estilo de leitura, da sua eficcia e das alternativas
para melhorar a compreenso.
5.

Aplicaes ao ensino: uma sntese

A perspectiva que acabmos de apresentar permite-nos identificar alguns


princpios orientadores para o ensino destas competncias:

Os alunos so agentes activos da sua aprendizagem, so capazes de

construir significado e de auto-regular os ensinamentos adquiridos na


escola. Os professores, por seu lado, so agentes mediadores desta
aprendizagem, mais do que os transmissores de saber esttico: eles podem
apoiar

aluno,

desenvolvimento

tanto
de

na

construo

estratgias

que

dos

significados

facilitem

leitura

quanto
e

no
sua

compreenso.

A leitura um processo de especializao gradual. O seu objectivo

a construo de significado, independentemente da idade e da capacidade


do leitor. O que varia entre os diferentes leitores o grau de sofisticao na
capacidade de leitura e a maior ou menor necessidade de apoio por parte
do professor (Dole et al., 1991).

Tal como o bom leitor tem em mente uma ideia acerca da forma

como construir o significado do texto, o professor tambm tem alguma ideia


acerca de como apoiar o aluno nesse trabalho. O professor pode alterar as
suas aces, consoante os objectivos, exigncias dos textos e tarefas de
leitura, respostas dos alunos e contingncias situacionais do ensino (Dole et
al., 1991).

A leitura e o ensino da leitura so actividades interactivas,

envolvendo o professor, o aluno e os colegas. As suas interaces contnuas


em sala de aula interferem com a construo de significado do texto
(Dole et al., 1991).

A estrutura do texto um elemento essencial. Um discurso conexo,

coerente e bem estruturado mais fcil de ser compreendido e de ser


recordado do que um conjunto de frases desconexas ou mal estruturadas.
Por outro lado, o texto tanto mais compreensvel quanto mais congruente
for com os conhecimentos e expectativas do leitor. Por esta razo, os

contedos a transmitir devem ser integrados em textos (e contextos)


interessantes e significativos para o aluno.

Os elementos do texto vistos como mais importantes so melhor

recordados. Para que o aluno identifique as ideias principais com facilidade,


o professor pode orient-lo, ensinando frmulas de apoio leitura, como:
sublinhados, tomar notas, fazer esquemas e sumrios, organizar mapas de
conceitos ou relacionar as ideias do texto com ideias afins.

As estratgias de leitura so adaptveis e intencionais, podendo ser

aperfeioadas em funo do leitor, dos textos e dos contextos (Dole et al.,


1991). A inferncia uma das estratgias que mais determina o grau de
compreenso da leitura. Para desenvolver esta competncia, o professor
pode ensinar que ler no apenas pronunciar bem as palavras, tambm
detectar o seu valor semntico (Anderson, 1980). Ensinar o aluno a fazer
perguntas pertinentes acerca de textos difceis outra estratgia que
poder ser desenvolvida com a ajuda do professor (Collins et al., 1980;
Oakhill e Garnham, 1988) e que aumentar a competncia inferencial.

Quanto melhores forem as capacidades metacognitivas e a auto-

regulao, melhor ser a capacidade do aluno para avaliar as suas


produes, identificar estratgias de leitura teis e saber quando deixam de
o ser. O professor pode informar o aluno sobre como e quando utilizar estas
estratgias, viabilizando a sua transferncia a situaes novas. O treino
metacognitivo poder ajudar o aluno a examinar os seus processos internos
de compreenso durante a leitura.
Pressley (1996, in Pressley et al., 1997) efectuou um levantamento das
actividades desenvolvidas para ensinar a literacia, por educadores de
infncia e professores do 1., do 2. e do 5. ano do ensino bsico e de
educao

especial,

considerados

muito

competentes

pelos

seus

supervisores. As suas opes do-nos pistas interessantes sobre os


melhores mtodos para ajudar o aluno a compreender significativamente a
leitura e mostram que importante ter em conta o contexto de
aprendizagem em sala de aula (organizao do espao e do tempo, gesto
da turma, formao de grupos, tipo de tarefas, clima na sala de aula, etc.).
Como fcil de ver, os professores eficazes cujo trabalho referido nas
sinopses abaixo valorizam estes factores.
6.

Concluses

O ensino da compreenso da leitura tem um valor formativo no mbito do


desenvolvimento pessoal e social dos alunos, desde as primeiras etapas de
iniciao leitura. A lngua escrita um veculo de comunicao
sociocultural que difunde valores, ideologias, conhecimentos sobre o
mundo. Atravs da leitura, o nosso campo de experincias (fonte de
conhecimento e desenvolvimento) amplifica-se muito para l das fronteiras
da experincia directa.
Se os benefcios da leitura so evidentes para a maioria dos leitores
experientes, que vem nessa actividade um modo de comunicar e aprender,
o mesmo no se pode dizer das crianas, no incio da aprendizagem da
leitura. A proximidade funcional entre a lngua escrita e a oral no
evidente para uma criana no incio da vida escolar. Aparentemente, a
leitura tem muito pouco a ver com o ser criana3. Claro que os argumentos
apresentados so facciosos e facilmente contestveis. Mas, se essa
contestao for fcil e imediata no plano de um discurso, ser ela assim to
facilmente interiorizada e aceite pelas crianas? A resposta sim, mas
devagarinho (e estrategicamente!). A leitura pode tornar-se uma das
actividades mais gratificantes para a criana (muitos casos de leitores
compulsivos com 6, 8 ou 10 anos o comprovam) mas tal s acontece
quando a criana percebe (e para tal precisa de ajuda) que a leitura pode
ajud-la a cumprir objectivos cognitivos, ldicos, afectivos e sociais).
Enquanto a criana no aprender a decifrar os cdigos da linguagem escrita,
o conhecimento que esta encerra permanecer um mistrio inacessvel.
Infelizmente, o ensino da leitura foi durante sculos concebido como o
ensino da descodificao dos componentes formais da lngua (sintaxe,
fontica, lxico) para acesso mensagem literal (muitas vezes nem isso).
Esquecia-se que a linguagem tem outras dimenses: a pragmtica
(relacionada com os objectivos e os contextos do sujeito) e a semntica
(relacionada com os significados). Gostar de ler pressupe saber ler
formalmente,

saber

ler

significativamente

saber

ler

de

modo

contextualizado e pessoal.
A escola o grande iniciador leitura para a maioria das crianas. Dever,
por isso, garantir que esta actividade seja aprendida num registo de forte
significao pessoal. Para isso, a leitura no pode ser apresentada como
uma actividade mecnica, mas como uma actividade construtiva e
empenhada do aluno, como algo a ser compreendido por referncia quilo

que a criana j sabe e quilo que quer saber para alcanar os seus
objectivos. S quando a criana conseguir estabelecer estes vnculos e
perceber o valor e utilidade instrumental da leitura que poder empenharse na leitura de modo to completo que assegure que o acto de ler um
verdadeiro acto de aprendizagem.

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