Traducoes de O Retrato de Dorian Gray PDF

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UNIVERSIDADE TECNOLGICA FEDERAL DO PARAN

CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS PORTUGUS INGLS

TALITA MELINA COVATTI

UM ESTUDO INTERARTES A PARTIR DA OBRA: THE PICTURE OF


DORIAN GRAY

TRABALHO DE CONCLUSO DE CURSO

PATO BRANCO
2014

UNIVERSIDADE TECNOLGICA FEDERAL DO PARAN


CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS PORTUGUS INGLS

TALITA MELINA COVATTI

UM ESTUDO INTERARTES A PARTIR DA OBRA: THE PICTURE OF


DORIAN GRAY

Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Curso de Licenciatura em Letras Portugus Ingls da Universidade Tecnolgica Federal do Paran Campus Pato Branco como requisito parcial para obteno de titulao de Professora de Lngua
Portuguesa e Inglesa para a Educao Bsica.
Orientadora: Prof. Dra. Gisele Giandoni Wolkoff

PATO BRANCO
2014

DEDICATRIA

Aos meus pais que no me ensinaram o preo de nada, mas o valor de tudo.

AGRADECIMENTOS

A Deus, por tudo, em tudo e acima de tudo.


Profa Dra. Gisele Giandoni Wolkoff, por seus ensinamentos, por despertar em mim o
amor e o desejo de saber mais sobre a literatura estrangeira, pelo interesse com que se disps a
me orientar, alm da grande amizade e cautela, as quais criamos no decorrer desse trabalho, me
ajudando a crescer como pessoa e profissional.
minha me Margarete e ao meu pai Gilberto, pelo exemplo de fora, perseverana,
trabalho, dedicao e f. Por cada momento que passamos juntos, pelos passeios, conversas. Pelo
total e constante apoio. Pelos dias especiais. Obrigada pelo amor incondicional. Por nunca terem
desistido dos meus sonhos. Pela compreenso. Pelo que sou, hoje, como pessoa. Jamais conseguirei lhes agradecer por exatamente tudo o que fizeram e fazem por mim. Por hoje um simples
obrigada.
A toda minha famlia, em especial, ao Felipe, por acreditar em mim e em meu potencial,
por ser um irmo de corao. Por estar comigo sempre, por me dar um lugar de destaque na sua
vida, pelos bons conselhos, pelas risadas e brincadeiras que alegram mais os meus dias. Obrigada
por me proteger e por retribuir cada sincero eu te amo.
minha tia Joceley, pelo apoio maternal, conversas e exemplo de persistncia e garra.
Ao Higor, por incentivar meu aumento de pacincia e calma. minha av Joana, que me ensinou
a nunca perder a f, a ser quem sou em todos os momentos, a ser forte mesmo quando o desnimo
e a solido apertarem, a no desistir jamais, a me fazer acreditar, todos os dias, o quo importante
eu sou. Por me fazer perceber que h uma fora maior, e que essa fora possibilita-nos sentir as
pessoas, por mais distantes que estejam, por perto, muito perto.
minha colega e amiga Sabrina Felipetto, por todo o amadurecimento pessoal e profissional que tivemos juntas, pelo apoio e conselhos, por estar presente em todos os momentos, felizes e tristes. Por secar minhas lgrimas quando escorriam dos olhos, por jamais ter dito no a um

pedido e por no dar o brao a torcer quando eu estava errada, por bater o p e me ensinar o que
amizade verdadeira.
Ao Felipe Louzada, pelo respeito e carinho, por me ensinar o verdadeiro significado da
palavra companheirismo. Por estar ao meu lado sempre, me apoiando. Por me dar um lugar de
destaque em sua vida. Pela compreenso com as minhas ausncias, por ser meu porto seguro.
Obrigada por fazer tudo isso dar certo. Obrigada!
Ao Emmanuel, por me fazer ver as coisas simples que a vida nos oferece e que nos fazem to bem. Que um abrao cura qualquer sentimento de solido, ensinou-me, acima de tudo, a
no desistir, a persistir... E a sorrir, sorrir sempre, pois a felicidade passageira, mas quem nos
faz feliz permanece, sempre e para sempre.
Aos meus professores, amigos e alunos, que tiveram grande participao na minha formao pessoal e profissional, com quem continuo sempre a aprender. Muito obrigada!

Alguma vez voc teve a tentao de VIVER? No


digo viver como quem afirma a vida assim, refiro-me a VIVER em letras maisculas, mais do
que a rotina de o que se pode fazer?. No quero
passar pelo mundo na ponta dos ps manh, tarde, noite, manh; de segunda a sexta-feira, com festa no sbado; comer, beber, trabalhar e dormir.
[...] Se voc quiser me acompanhar, repetirei a pergunta: Alguma vez voc teve a tentao de VIVER?
(MIRALLES, Francesc. Um haiku para Alicia. In:
Oscar Wilde para inquietos, de Allan Percy, 2012,
p. 07).

RESUMO

COVATTI, Talita Melina. Um estudo interartes a partir da obra: The Picture of Dorian
Gray. 2014. Trabalho de concluso de curso Graduao em Licenciatura em Letras Portugus
Ingls, Universidade Tecnolgica Federal do Paran. Pato Branco, 2014.

Este trabalho de concluso de curso tem por objetivo apresentar as relaes de


intertextualidade na obra literria The Picture of Dorian Gray, de Oscar Wilde, com demais
obras, como: Venice de Pierre Jules Thephile Gautier e as personagens trgicas de William
Shakespeare nas obras: Otelo, Romeu e Julieta e Hamlet, e com demais formas de arte, como a
arte pictrica, musical e teatral. Assim, ele trar a descrio de um trabalho visual, um objeto
imagtico (quadro, fotografia ou figura, no caso, um porta-retrato). Wilde foi um escritor
irlands, que viveu por muito tempo na Inglaterra e, em particular, Londres, habituando-se em
demasia aos costumes e s culturas locais. A obra foi publicada em 1891, no contexto de uma
Inglaterra puritana, um perodo de ascenso e domnio da burguesia. The Picture of Dorian Gray
no traz apenas a arte pictrica descrita em arte literria, mas o autor tambm faz meno a outras
obras literrias, como as de William Shakespeare, lanando mo, assim, de uma srie de
intertextualidades, alm, do uso de detalhamento dos ambientes e personagens remetendo o leitor
imagem. Portanto, ser atravs da anlise de sequencias descritivas da obra em estudo que se
analisar a relao com a pintura e demais artes.

PALAVRAS-CHAVE: Interartes. Imagem. Arte. Intertextualidade.

ABSTRACT

COVATTI, Talita Melina. Um estudo interartes a partir da obra: The Picture of Dorian
Gray. 2014. Trabalho de concluso de curso Graduao em Licenciatura em Letras Portugus
Ingls, Universidade Tecnolgica Federal do Paran. Pato Branco, 2014.

This final paper aims to show the intertextual relations in the literary work The Picture
of Dorian Gray, by Oscar Wilde Wilde, with Works, as: Venice, by Pierre Jules Thophile
Gautier, and the tragic characters by William Shakespeare, in Othello, Romeo and Juliet and
Hamlet Works. Besides the arts presented, as: pictorial, musical and theatrical art ways.
Therefore, it brings the description of a visual work, as an imaged object (picture, photo or
figures, in this case, a picture frame). Wilde was an Irish writer who has lived for a long time in
England and, particularly, in London, growing accostumed to its habits and its local cultures .
The work was published in 1891, in the context of a puritan England, a period of rise and
domination of the Bourgeoise. The Picture of Dorian Gray not only brings the pictorial art
depicted in literary art, but the author also mentions other literary works such as William
Shakespeares, thus, making use of Intertextuality as well as, of detailed environments by means
of characters, to look at the reader to images. Therefore by means of the analysis of sequences
from the aforementioned work, we will examine the relationship between painting and other arts.

KEYWORDS: Interarts. Image. Art. Intertextuality.

SUMRIO

1 CONSIDERAES INICIAIS ................................................................................................. 4


3 CONTEXTO HISTRICO ....................................................................................................... 6
4 OSCAR FINGAL OFLAHERTIE WILLS WILDE ............................................................ 13
5 ELEMENTOS DO ROMANCE EM THE PICTURE OF DORIAN GRAY ........................ 20
6 A PRESENA DAS INTERARTES EM THE PICTURE OF DORIAN GRAY ................. 24
7 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................... 40
REFERNCIAS .......................................................................................................................... 41
ANEXOS ...................................................................................................................................... 43

1 CONSIDERAES INICIAIS

No presente trabalho de concluso de curso ser utilizada a obra The Picture of Dorian
Gray, nico romance do escritor irlands Oscar Wilde. Publicada em 1981, a obra pertence
virada do sculo conhecida como Fin d Siecle. A obra reflete toda a sociedade em que viveu,
inclusive seus desejos, anseios e desgostos, atravs dos personagens, incluindo o retrato, para
alm de uma vvida preocupao esttica.
O objetivo deste trabalho estudar a construo da obra, The Picture of Dorian Gray,
atravs da sua relao com outras formas de arte. Para tanto ser analisada comparativamente a
obra de Oscar Wilde com o seu contexto de produo histrico, poltico, cultural e seus valores
ticos e estticos, pelo autor veiculado, na sua relao Interartes. Para isso, necessria uma
compreenso sobre o momento histrico e um esclarecimento do pensamento sobre a esttica
decadentista, que a priori revela uma viso pessimista do mundo, embasada na ideia de beleza
exterior, representada pela expresso do retrato, assim sendo, a pintura simbolista representa e
marca a origem do Decadentismo.
Tambm sero realizadas leituras intertextuais entre a obra vigente e demais obras,
como: Venice, de Thophile Gautier e outras obras de William Shakespeare, como: Otelo,
Romeu e Julieta e Hamlet. Analisando sequencias descritivas da obra, relacionando-as com a
pintura e demais artes presentes no seu enredo.
Por fim, pretende-se buscar a relevncia da relao interartes na leitura contempornea
da obra.
No entanto, antes de analisarmos a obra e retomarmos o contexto histrico de produo
e da obra, convm apresentar a obra em questo.
A obra narra a histria de Dorian Gray, um jovem rico, que vende sua alma em troca da
juventude eterna. A passagem do tempo no muda sua boa aparncia e juventude, enquanto o
retrato degrada-se e revela sua decadncia interior. uma literatura irlandesa do sculo XIX,
inserida na sociedade aristocrtica da Inglaterra da poca. Atravs de seu contexto, e tambm dos
personagens, a obra revela uma sociedade suprflua, inerte e sua principal caracterstica a
degradao dos valores humanos.
Esse trabalho tem o respaldo de estudiosos e escritores como Yves Reuter, ao tratar dos
elementos composicionais do romance em Introduo Anlise do Romance e Seamus Deane,

abordando o contexto histrico, cultural e literrio do sculo XIX e XX na Irlanda em A Short


Story of Irish Literature, alm de outros artigos relacionados e da escritora Munira Mutran com a
obra lbum de Retratos: George Moore, Oscar Wilde e William Buttler Yeats, a fim de que se
estabelea uma ponte entre a arte pictrica e a arte literria na construo da obra de Oscar
Wilde, The Picture of Dorian Gray.
Ao realizar a leitura e anlise da obra vigente, preciso ter um olhar focado para alm
de uma arte, tal obra ter um olhar direcionado s artes que dialogam entre si, como afirma
Munira Mutran (2002) em relao representao da identidade na pintura:
No s os textos literrios se ocuparam do tema do autoconhecimento.
Na pintura, a popularidade do retrato, s vezes realista outras, idealizado
ou irnico, atesta o desejo de definir o ser humano (p. 92).
De acordo com Munira Mutran (2002), Oscar Wilde acreditava, assim como Virginia
Woolf, mais adiante, que a sua vida, ou expectativas, sentimentos e a sua forma de ver e de
pensar, poderia ser transmitida ao leitor atravs, no um documentrio, mas atravs, de uma
histria, como apresenta em The Picture of Dorian Gray. Suas afirmaes so refletidas em
vrios momentos da obra, como na fala de Basil Hallward, responsvel pelo retrato em uma
conversa com Lord Henry Wotton: Pus nele (no retrato) muito do meu eu (WILDE, 1999, p.
16) e acrescenta: todo retrato, quando pintado com sentimento, retrata o artista e no o modelo
(...). O motivo pelo qual no tenciono expor esse retrato o receio de ter deixado nele o segredo
da minha alma. (WILDE, 1999, p.18).
Assim, fcil percebermos que quem acaba deixando o segredo de sua alma no retrato
descrito na obra o prprio autor, deixando impresso, seus desejos, de ser como dandy, Uma
das figuras mais caractersticas do sculo XIX em Paris e Londres (MUTRAN, 2009, p.136). Os
aspectos de um dandy so representados visivelmente por Dorian Gray no orgulho do
individualismo e na exagerada concentrao em si mesmo, como acrescenta Munira Mutran.
Os aspectos citados anteriormente sero, nesse trabalho, apresentados a partir do
contexto histrico da poca, mais especificamente relacionados ao contexto literrio e a pintura
representativa da poca. Para isso ser abordado o artigo de Maria Lucia Claro Cristovo que
explica: O final do sculo XIX na Frana marcado por um domnio da pintura que chega a
superar em qualidades as realizaes literrias e musicais do mesmo perodo, deixando claro que
se durante toda a histria a obra literria serviu como exemplo e inspirao para a pintura, notase, pela primeira vez um fenmeno inverso (CRISTOVO, 2009, p.49).

Apresentado por estudiosos como ekphrase, ou seja, o estudo da traduo da arte


pictrica para a arte literria e vice-versa, tambm presente no trabalho em questo.

3 CONTEXTO HISTRICO

O incio do sculo XIX, mais especificamente as primeiras duas dcadas, foi marcado,
na fico, pela presena de duas mulheres, Maria Edgeworth e Lady Morgan, com obras de
cunho crtico sociedade, ou seja, com o intuito de analisar e representar a sociedade irlandesa.
Aps o Act of Union, em 1800 as esperanas de uma independncia parlamentar frgil, de 1872,
foram extintas. Um preo foi pago pela unio com a Inglaterra: era necessria a Catholic
Emancipation (DEANE, 1994, p. 91), a fim de tornar a Irlanda uma nao catlica poderosa. Os
irlandeses catlicos eram tidos como pessoas de extrema simpatia.
necessrio ressaltar que, dessa forma, a Irlanda pertencia ao Reino Unido, e o modo de
vida ingls era extremamente diferente da Irlanda da poca, em suas culturas. Oscar Wilde viveu
por muito tempo na Inglaterra, habituando-se ao estilo de vida britnico: luxo, roupas chamativas,
uma vida agitada e um desejo aguado pelas diferentes formas de arte. Wilde fora, de certa
forma, um catlico de famlia protestante da Irlanda.
Edgeworth consegue estabelecer uma relao entre o romance nacional e o conto
didtico. Durante as dcadas de 1820, a Irlanda produziu, de acordo com Seamus Deane:
um sub-gnero de memrias, desenhos, contos, lendas, todos os quais foram
dedicados epgrafe da vida at ento ocludo do campesinato irlands e muitos
dos que o fizeram em um esprito antiqurio, estabelecendo o que eles temiam
que seriam em breve perdidos para sempre (1994, p. 95).1

Pode-se perceber que, com a presena das autoras citadas, foi-se constituindo uma
emancipao cultural, ou seja, deixar, de certa forma, a situao do anglo, para ter obras
nacionais, relatar a cultura do povo irlands, estar mais focado com a questo nacional.
Joseph Sheridan Le Fanu foi um autor gtico da literatura irlandesa, um homem que se
sentia cada vez mais excludo da Irlanda pelos triunfos de Daniel O Connel, pela Emancipao e

No original sub-genre of memoirs, sketches, tales, legends, all of which were devoted to the recording of the hitherto occluded life of the Irish peasantry and many of which did so in an antiquarian spirit, setting down
what they feared would be soon be lost forever.

pela Guerra do Dzimo no incio da dcada de trinta. Le Fanu possui uma obra muito importante
sobre a reconciliao de Protestantes e Catlicos, The Cock and Anchor (1945).
A classe mdia catlica irlandesa liberada, pela Inglaterra, das restries das Leis
Penais, leis que eram, por ela, criadas e mantidas. Dessa forma, a Irlanda foi fazendo seu caminho
na literatura. Sua contribuio foi inicialmente determinada pelos pressupostos de fico de Lady
Morgan e Edgeworth. Essas incluram a necessidade de fornecer uma Irlanda de direo afetiva, a
concesso de plenos direitos civis catlicos, para curar velhas feridas da dominao da Inglaterra
sobre a Irlanda at 1922 (Irlanda do Sul), reconciliar as faces separadas e vender a ideia de que
os irlandeses possuam um carter nacional especfico. Contudo, o pblico ingls permaneceu, de
acordo com Deane, invincibly ignorant sobre as circunstncias e a histria do pas.
No final do sculo foi decidido que, para redescobrir sua identidade, a Irlanda deveria
ser des-anglicizada. Portanto, importante ressaltar o carter nacional irlands, sua integridade
reforada por um sculo de escrita de desculpas e exploraes 2 (DEANE, 1996, p. 101).
O escritor mais conhecido e adorado pelos escritores catlicos foi Gerald Griffin (1803 1840), que possua em sua obra mais importante, The Collegians (1829), uma completa descrio
das caractersticas nacionais da Irlanda. Dessa forma, entre os anos de 1825 e 1830, a classe
mdia catlica, da Irlanda, encontrou uma maneira de ser ouvida pela populao atravs da
fico, to bem quanto na poltica. Entretanto, o escritor mais famoso ou notrio foi William
Carleton. Esse escreveu sobre a realidade da vida no campo, afinal a Irlanda um pas agrcola.
Carleton, juntamente com Griffin, Banim e Edgeworth, constitui uma nova literatura "nacional",
em circunstncias que eram hostis para o sucesso na poca.
Assim como a maior parte da fico irlandesa, o senso social ingls e irlands centra-se
em questes relacionadas liderana e autoridade, exercidas em um contexto de anarquia, farsa e
violncia. Um ponto de contradio na literatura foi a incompatibilidade entre a ideia racional
autoritria inglesa e a ideia nativa irlandesa de obedincia irracional. Sobre essa afirmativa Deane
explica que, "... seu carter nacional que fez com que se comportem assim carinhosamente, no a
estrutura poltica e econmica perfeitamente sensata em que viviam"3 (1996, p. 114).

No original Irish national character, its integrity enhanced by a century of apologetic and exploitative writing (DEANE, 1996, p.101).
3
...their national character which made them behave so endearingly, not the perfectly sensible
political and economic structure in which they lived (1996, p.114).
2

O sculo XIX, tambm conhecido como Era Vitoriana, reinado pela Rainha Vitoria,
da Inglaterra, de 1837 a 1901, traz em sua totalidade uma ideia de moralismo rgido, em que o
convencionalismo estava na moda, foi um momento em que os termos piedade e famlia foram
exaltados. A sociedade vivia sob um cdigo moral opressivo, estabelecido pela rainha. Sexo e
tudo o que a ele fosse remetido era considerado tabu. Sendo assim, no pas, reinava um clima de
otimismo e ufanismo.
A ascenso da rainha Vitria ao trono trouxe ao pas mais um perodo de prosperidade,
em que uma Segunda Revoluo Industrial traria muitos benefcios e tornaria a Inglaterra o
centro econmico do mundo.
Contudo, todo esse ideal servia para a classe privilegiada da sociedade, os burgueses,
enquanto que os demais ingleses viviam sob as regras que manteriam a sociedade em constante
harmonia em seu convvio, at mesmo os trabalhadores em minas de carvo e em fbricas, onde
as condies eram as piores possveis. Com isso, boa parte da classe trabalhadora vivia em
favelas, e em alguns momentos organizava movimentos reivindicatrios a fim de melhorias.
Todavia, esses movimentos ameaavam a paz social to almejada pela classe burguesa.
Levando em considerao a burguesia, a priori, a literatura parte do gosto
predominantemente da alta classe. Dessa forma, os romances, gnero que vem marcando a
literatura desde o sculo, deviam retratar a vida no cotidiano, ou seja, refletir a realidade dos
leitores, colocando-os de frente com situaes do dia a dia, mas de uma forma que no os
ferissem a decncia, ocultando, assim, a imoralidade e outros devaneios.
Dentro desse quadro de restries morais da poca surgiram inmeros romancistas
capazes de recriar uma arte popular. Dentre os principais representantes dessa poca esto
Charles Dickens (1812 1870), que apresenta em suas obras humor, sentimentalismo e denncia
social. Esse ltimo aspecto poderia ser justificvel por ele ser oriundo da classe mdia baixa, e,
portanto, ter conhecido de perto o lado obscuro e negro da Inglaterra vitoriana ideal. Alm de tais
aspectos Dickens utiliza-se, tambm, da descrio dos personagens de forma pictrica. Segundo
Munira Mutran (2002), Dickens mostra, em seus romances, pessoas comuns, com realismo,
tornando-as inesquecveis justamente pela mincia de detalhes, geralmente grotescos
(MUTRAN, 2002, p. 179). Em um segundo momento faz-se necessria a meno das irms
Bront, Charlotte (1816 1855) e Emily (1818 1848), como principais contribuintes femininas

do romance ingls. Apresentam em seus romances: amor exacerbado, aluso posio da mulher
na sociedade e, tambm, a injustia da limitao moral.
Alguns autores principais da poca: William Makepeace Thackeray (1811 1863),
Anthony Trllope (1815 1882) e George Eliot, pseudnimo de Mary Ann Evans (1819 1880).
Mary Ann Evans trouxe para o romance uma anlise mais profunda dos personagens. Alm do
crtico literrio norte-americano, poeta modernista e dramaturgo Thomas Stearns Eliot (1888
1965).
Jane Austen (1775 1817) focaliza a importncia da mulher na sociedade, em casa, no
casamento, nas relaes sociais. Tornou-se uma espcie de porta voz do universo feminino da
poca.
J ao fim do sculo XIX, muitas das caractersticas marcantes da era vitoriana
desapareciam em diversos aspectos, como o caso poltico-econmico, em que os trabalhadores
organizavam-se e passaram a pressionar o imprio por melhores condies. Os produtos
industriais alemes disputavam com os britnicos, e claro, os Estados Unidos da Amrica
despontavam como a potncia econmica, que so at hoje.
A literatura tambm sofreu mudanas, influenciada por novas tendncias. Essa poca
considerada Fin-de-sicle, o fim do sculo. Nesse momento possvel diferenciar trs grandes
grupos em relao era vitoriana, sendo eles, os continuadores, ou seja, a continuao do esprito
vitoriano; os opositores, crticos desse momento literrio; e por fim os profetas, esses
consideravam o individualismo e a sensibilidade valores mais altos que o esprito social e a
moralidade. A literatura escrita pelos profetas ser mais conscientemente artstica, mais integrada
aos movimentos intelectuais europeus.
Ao Fin-de-sicle so atribudos, como principais autores do Renascimento Irlands:
Rudyard Kipling (1865 -1936), Thomas Hardy (1840 1928), William Butler Yeats e, por fim, o
objeto de estudo deste trabalho de concluso de curso, Oscar Fingal OFlahertie Wills Wilde.
Dentre esse escritores Yeats o autor que mais se aproxima de Wilde ao interessar-se
pela presena das artes em suas obras literrias.
Influenciado por leituras de Mary Shelley, William Shakespeare, William Wordsworth e
Walt Whitman, Yeats aproveitou esse momento de apego cultura da Irlanda, ao nacionalismo, e
escreveu sobre lendas, folclores, contudo, tais obras eram escritas em ingls, o que chamou a
ateno dos britnicos que governavam o pas. Assim como veremos com Wilde, Yeats foi muito

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influenciado pela pintura em suas obras, seu pai era pintor quando ainda era criana. Mais tarde
ao viver em Londres, dedica-se aulas de pintura, assim como seu irmo Jack Butler Yeats. Jack
Yeats iniciou sua carreira com desenhos para jornais, livros, revistas e cartazes teatrais. Trazia em
suas pinturas uma tcnica particular e diferenciada de seus contemporneos. Usava como temas o
ser humano em personagens de profundidade, individualismo e orgulho, esses apresentam o
envolvimento do artista. Seu trabalho resultou em uma ala inteira, dedicada ao artista, na National
Gallery em Dublin, Irlanda.
Oscar Wilde considerado oponente ao vitorianismo, ao defender a Arte pela Arte
torna-se um profeta, seguidor do movimento esteticista, o qual apresentado em uma de suas
principais obras, neste trabalho analisada, The Picture of Dorian Gray. As caractersticas desse
movimento so o culto da beleza, da liberdade do indivduo e do desenvolvimento de sua
personalidade. Oscar Wilde defendia a ideia de que as pessoas deveriam buscar e desfrutar de
cada momento e da sua beleza, afinal, os estetas afirmam que o papel da arte no o de ser moral
ou til, mas para fazer da arte um objeto de beleza que transcenderia o ser humano. Assim,
Wilde, em seu prefcio, na primeira edio, esclarece inmeras pontes que, para ele, a arte, e
assim, o fez, tambm, no decorrer da obra.
Algumas vezes o Esteticismo visto como um ramo do movimento decadente francs,
que possui como um dos mais importantes princpios a ideia de arte pela arte, ou seja, a arte
no precisava de propsito ou moral. Dessa forma, os decadentistas mostraram os aspectos
terrveis, imorais e perversos da vida em sua arte.
Como principais figuras do movimento decadente esto presentes: Charles Baudelaire,
com sua obra Les Fleurs du Mal (1857), considerado o pai do movimento decadente, Joris Karl
Huysmans com a obra Rebours (1884), denominado como The Yellow Book, teve grande
influncia sobre Oscar Wilde, que o interpela em The Picture of Dorian Gray.
Em sua obra, Oscar Wilde retrata o gtico, que considerado uma extenso do
Romantismo, contrariando o mundo sensato controlado pela era vitoriana, adentrando em uma
obra cheia de mistrios, terror, sobrenaturalismo e monstruosidades. A transformao
sobrenatural do retrato de Dorian Gray, sua passagem para um pesadelo, uma vida de
assassinatos e vcios, so questes tratadas na obra e a tornam uma obra gtica. O mesmo pode
ser percebido nas obras: Frankenstein, de Mary Shelley, Dracula, de Bram Stoker e, claro, The
Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde, de Robert Louis Stevenson.

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O que antes era considerado tabu a fim de manter uma sociedade limitada e
conservadora, ao Fin-de-sicle posto em questo. Oscar Wilde, na obra considerada sua
autobiografia mal disfarada, objeto de estudo deste trabalho, foi influenciado por outros autores
e novas caractersticas literrias que sero aqui mencionados, passando a discorrer sobre
homossexualidade, o desejo carnal e tpicos pouco tratados anteriormente pela censura vitoriana.
Ainda na era vitoriana, homens e mulheres pertenciam esferas sociais distintas. Os homens, na
ausncia de mulheres, viviam amizades intensas, ento, com certo policiamento sexual e uma
inevitvel paranoia. Ento, com as frequentes relaes entre os rapazes, tal ato foi nomeado, em
1885, na Inglaterra, como crime de Atentado violento ao pudor, punvel com at dois anos de
cadeia, imposta a Wilde entre os anos de 1895 at 1897.
O momento cultural em que vivia Paris, nas duas ltimas dcadas do sculo XIX,
repercutiu no Brasil, em especial no Rio de Janeiro. Um momento em que as capitais europeias,
oriundas de uma efervescncia cultural, foram consideradas as pocas mais ricas da histria
cultural do sculo XIX. Vrios artistas e intelectuais, entre eles vrios irlandeses como o caso
de Oscar Wilde, W.B. Yeats, entre outros, tiveram grande contribuio para a formao dessa
cultura.
Munira Mutran destaca um tringulo mgico Londres Paris Dublin, em que vrios
desses artistas de nomes indissociveis da prpria noo de Fin-de-Sicle permaneceram por
algum tempo, e os denomina da seguinte forma:
Nutridos pela visceral ligao com a Irlanda, sua primeira ptria, atrados pela
efervescncia da Londres vitoriana, esses artistas foram na verdade cidados do
mundo, integrados no cosmopolitismo acolhedor da capital francesa. Fechando o
circuito entre as trs ptrias de seu esprito, captaram nelas, tanto quanto nas
razes de seu prprio gnio, as confluncias e rupturas que antecedem a
modernidade (2002, p. 09).

Vrios personagens da literatura dessa poca, como nas obras trgicas de Oscar Wilde,
George Bernard Shaw e William Morris, foram contemplados com a vida entre as capitais da
arte, Londres Paris Dublin.
Em Londres vrios movimentos artsticos foram apresentados por nomes at hoje
renomados como cita Seamus Deane ao falar sobre a fico irlandesa: Zola, Flaubert, the
Gouncourt

Brothers,

Tolstoy,

Wagner,

franceses

simbolistas,

como

Mallarm,

de

impressionistas franceses, dentre eles Dgas e Manet, Walter Pater e finalmente Edward Martin e
W. B. Yeats. Esse ltimo opondo-se as formas de escrita de James Joyce, que no se ateve s

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caractersticas pastoris da Irlanda, fugindo da ideia de nacionalismo, famlia e religio. Joyce foi
influenciado por um estilo modernista.
Yeats foi dramaturgo, poeta e fundador do Teatro Nacional Irlands, mais tarde
conhecido como Abbey Theatre, o teatro que deu base ao movimento dramtico irlands.
Alm da busca do autoconhecimento, os ensaios de Yeats, como explica Mutran,
examinam e julgam sua prpria obra, e obras de precursores e contemporneos, preocupando-se
com o problema da transposio da vida para a arte. Em seu papel de escritores-crticos precedeu
Pound, Eliot, Joyce... (2002, p. 81).
Assemelhando-se Wilde, mais uma vez, Moore v e retrata seu passado com certa
ironia e melancolia.
George Edward Moore nasceu em Londres no ano de 1873, mas viveu e estudou por
muito tempo em Dublin. Moore foi um representante do valor do patriotismo local da Irlanda.
Depois de Moore, a literatura irlandesa tendeu a seguir a linha nacional, perseguindo o ideal de
uma Irlanda essencial, que teve de ser recuperado da interfuso catica das culturas e da histria
desolada que fez da Irlanda o que foi, ou seja, no possua mais cultura prpria e sim a mistura da
cultura inglesa com a cultura irlandesa.
Moore escreveu uma obra chamada The Untilled Field, com contos que, segundo
Seamus Deane ... retratam uma Irlanda espiritualmente sufocante, mas de tal maneira que o ideal
de libertao ganha fora apenas em virtude das foras que negam isso4 (1994, p. 168).
Nos contos, identifica-se o catolicismo como o elemento opressor da sociedade irlandesa
no momento em que tomava para si o papel de libertador da servido do domnio britnico e
Ascendncia Protestante 5. (DEANE, 1994, p. 168) O livro de Moore, The Untilled Field,
repetido, em sua esttica, por James Joyce e Samuel Beckett ao que condiz arte de compor
vrias histrias unificadas, tornando-as mais efetivas que uma histria individual.
Joyce, por outro lado, mostrou-se hostil com o reaparecimento da Irlanda como uma
propriedade literria. Centrou, mais do que ningum, nesse perodo, em seus trabalhos, e
compartilhou com Yeats, Synge, Moore e OCasey sua preocupao com a ideia de uma cultura
totalmente autntica. James Joyce transformou a ideia de romance do sculo. De acordo com
Seamus Deane:
4

They depict an Ireland which is spiritually stifling but in such a manner that the ideal of liberation gains
strength only in virtue of the forces which would deny it (DEANE, 1994, p.168).
5
Liberator from the thrall of British rule and Protestant Ascendance (DEANE, 1994, p.168).

13

... Joyce transformou a concepo de romance do sculo. Reconstruiu a forma


bsica da fico como o mito, a narrativa, teoria intelectual e detalhe naturalista
poderiam coexistir dentro de uma estrutura narrativa que fosse flexvel o
suficiente para suportar as variantes vertiginosas de estilo (1994, p.183). 6

Um dos paradoxos de Joyce dar primazia ideia de solidariedade humana e da vida


secular normal da cidade moderna. Na obra de Joyce, Dubliners, possvel notar a Irlanda como
um lugar em que os desejos humanos so frustrados por um poderoso catolicismo, em
contrapartida de uma humilhante e triste conformidade. A Irlanda era totalmente dominada pela
igreja que regia as regras da sociedade.
Sobre o Protestantismo e o Catolicismo Seamus Deane afirma que:
Ambos so afirmaes de que a experincia irlandesa contm elementos
opostos, mas a sobreposio de um sobre o outro carece de caridade, um fato
ditado pelas circunstncias do perodo, em vez de por um fracasso pessoal em
generosidade. Houve e continuaria a ser uma espcie de apartheid na sociedade
irlandesa (1994, p. 207). 7

Oscar Wilde, assim como W. B. Yeats, adotou o catolicismo com convico, contudo
Moore tem sua preferncia religiosa inabalvel: odeia o Catolicismo e admira e idolatra
profundamente o Protestantismo.

4 OSCAR FINGAL OFLAHERTIE WILLS WILDE

Oscar Fingal OFlahertie Wills Wilde nasceu no dia 16 de outubro de 1854, em Dublin.
Filho de um mdico, William Wilde que, alguns anos aps seu nascimento, envolveu-se em
maldizeres sobre sua prpria ndole. Fora julgado por um ato que mais tarde Wilde tambm o
seria: atentado ao pudor, ainda que de formas diferentes. Filho de uma escritora e poetisa, de
grande reputao que relatava em suas obras as grandes belezas da Irlanda. Jane F. Wilde ganhara

Joyce transformed the centurys conception of the novel. He reconstructed the basic forms of fiction
so that myth, history, intellectual theory and naturalistic detail could coexist within a narrative frame which was flexible enough to endure vertiginous variations of style (DEANE, 1994, p. 183).
7
No original: They are both assertions that Irish experience contains opposed elements, but their sponsorship of one over the other lacks charity, a fact dictated by the circumstances of the period rather than by a personal
failure in generosity. There was and would be continued to be a species of apartheid in Irish society (1994, p.207).

14

alcunha de Speranza pelo povo irlands, que a considerava uma herona. Oscar Wilde desde
criana vivera entre inmeros intelectuais da poca.
Ele teve dois irmos, William Charles Kingsbury Wilde e Isola Wilde. Ambos os
meninos foram para as melhores escolas da Irlanda. Em 1864, Wilde entrou para Portora School,
uma das escolas rgias, onde estudou por sete anos e decidiu candidatar-se ao Trinity College, na
capital, tendo l permanecido at 1874 quando foi para Oxford, com vinte anos, estudar no
Magdalen College aps ganhar a medalha de ouro em grego e ser o vencedor em um concurso
clssico. Foi em Oxford que Oscar Wilde ganhou destaque com sua escrita, influenciado por
Tirrell e Mahaffy, da Trinity, e iniciou sua carreira como escritor de poemas ingleses.
Oxford significava tanto para mim... Desejaria poder dizer tudo o que Oxford
fez por mim. Fui o homem mais feliz do mundo desde que ingressei na
Magdalen. Oxford... Esta simples palavra cheia, para mim, de um
inexprimvel, de um incomunicvel encanto. (...) Oxford era o paraso para mim.
Toda a minha alma parecia expandir-se de paz e alegria. Oxford... o vale
encantado, que encerra em sua taa florida todo o idealismo da Idade Mdia.
(WILDE, 1939, p.69).

Saiu de Oxford em 1878 como professor de esttica e crtico da arte e foi para Londres.
L teve uma vida agitada e de atitudes extravagantes. De personalidade forte e ar de
superioridade, aprendera a viver no luxo em Oxford. Wilde gostava de comer, beber e de vestirse bem.
Em 1882 vai aos Estados Unidos da Amrica com seu recm-criado Movimento
Esteticista ministrar palestras tal movimento. Com o intuito de transformar o convencionalismo
da era vitoriana, grandes intelectuais jovens tambm abraaram esse movimento. Sua viso
esttica claramente encontrada em seu nico romance, The Picture of Dorian Gray, de 1891.
Na Inglaterra, em 1884, casa-se com Constance Mary Lloyd, que lhe propicia uma vida
tranquila, sem carncia financeira. No tinham muitas posses, ainda assim, moravam em uma
casa modesta, tiveram dois filhos, Cyril (1885) e Vyvyan (1886). Sua situao econmica e social
comeou a melhorar a partir de 1892 com obras teatrais cmicas. No mesmo ano em que nascera
Vyvyan, Oscar Wilde assumira uma relao homossexual com Robert Ross, que alegou ter sido
por ele seduzido. Alguns anos depois, em 1891, foi apresentado quele que lhe trouxe a runa,
Lord Alfred Douglas (Bosie), na poca com 21 anos de idade, com quem manteve relaes
ntimas, mais tarde Wilde mant-las-ia com rapazes de classe mais baixa. Os boatos no
demoraram a aparecer e o pai de Alfred Douglas, o Marqus de Queensbury, abriu um processo

15

contra Oscar Wilde por prticas estranhas natureza. Ento o escritor foi sentenciado a prestar
dois anos de trabalhos forados na priso durante os anos de 1895 1897. Constance precisou
sair da Inglaterra com os filhos, dos quais Wilde, publicamente, nunca mais teve notcias.
Constance e os filhos precisaram trocar at mesmo o sobrenome de Wilde para Holland. Ainda na
priso, Wilde escreveu De Profundis, coleo de inmeras cartas direcionadas Alfred Douglas.
Ao sair da priso em 1897, Oscar Wilde segue para Frana com Robert Ross, um antigo amigo,
amante canadense. Porm, agora, desprovido de amigos e regalias, Wilde passa a viver com a
simplicidade e a angstia de estar s e sem estmulo para escrever.
Em 30 de novembro de 1900, Oscar Wilde morre pelo que foi descrito por Frank Harris:
Foram a desumanidade do mdico da priso e o sistema presidirio ingls que
mataram Oscar Wilde. O ferimento no ouvido causado pela queda, quando ele
desmaiou, em um domingo de manh, na capela da priso de Wandsworth, se
transformou num abcesso que afinal ocasionou sua morte (HARRIS, 1939, p.
412).

Seu corpo est enterrado no Pre Lachaise.


Wilde teve uma vida literria ativa, escreveu poesias, peas de teatro, contos e um
romance. Sua primeira obra foi publicada em 1878, chamada Ravenna, so poesias, relatando em
sete partes a sua passagem pela provncia da Itlia. Escreveu Vera, or the Nihilists em 1880. Essa
obra foi um drama em cinco atos sobre o niilismo da Rssia.
Em 1881 publicou Poems, uma coletnea dos seus poemas. Em forma de poemas
escreveu ainda, The Sphinx, (1894), Poems in Prose, do mesmo ano e The Ballad of the Reading
Goal, de 1897, aps ganhar a liberdade na priso de Reading Goal, onde cumpriu pena pelo crime
de atentado ao pudor. Wilde relata a brutalidade e as punies da priso.
Escreveu tambm um livro de histrias para crianas com o nome de The Happy Prince
and Other Tales, publicado em 1888, possui cinco histrias, The Happy Prince", "The
Nightingale and the Rose", "The Selfish Giant", "The Devoted Friend", and "The Remarkable
Rocket". Mais tarde esse teve uma segunda coleo, em 1891, Wilde publicou A House of
Pomegranates, essa coleo inclui as seguintes histrias: The Young King, The Birthday of
the Infanta, The Fisherman and his Soul e, The Star-Child.
Nesse mesmo ano Wilde publica Lord Arthur Saviles Crime and other Stories, em que
so encontradas vrias histrias de mistrio com humor cmico, so contos curtos, entre eles
esto, Lord Arthur Savile's Crime, The Canterville Ghost, The Sphinx Without a Secret,

16

The Model Millionaire. Mais tarde, em outras edies foi inserida The portrait of Mr. WH
(1889).
Ainda em 1889, Oscar Wilde escreveu The Dacay of Lying, um ensaio que foi publicado
em 1891 em sua coleo de ensaios Intentions, onde predomina o dilogo sobre temas estticos.
Intentions contm quatro longos ensaios que, segundo Munira Mutran, so reveladores das
ideias de Wilde sobre a Arte, a Vida, a Natureza, o Artista, o uso de mscaras, as relaes entre
pintura e a literatura... (2002, p.118). The Soul of Man under the Socialism (1891), republicada
em 1895 apenas como The Soul of Man, em que fala de poltica, liberdade e a condio social
humana. Nesse ensaio Wilde aborda o socialismo com seus prs e contras, e a sua importncia
para o individualismo social.
Com obras teatrais Oscar Wilde foi muito bem sucedido, escreveu aps Vera, or The
Nihilists (1880), The Duchess of Padua (1883), uma tragdia em cinco atos, Lady Windermeres
Fan (1892) uma comdia de costumes, em que se baseia em situaes que envolvem intrigas e
mentiras, retrata a elegncia e a superficialidade da sociedade vitoriana. Bem como as
caractersticas irnicas de Wilde.
Em 1893 publica A Woman of No Importance, An Ideal Husband em 1895, a trama gira
em torno de chantagem e corrupo poltica, tomando a honra pblica e privada. The Importance
of Being Earnest (1895), e Salom, uma de suas peas mais conhecidas, em apenas um ato. Tratase de um drama com perverses psicossexuais, alm de mstico e simblico, com tom, tambm,
pago, demonismo, lirismo e necrofilia. Para desenvolver essa obra Oscar Wilde parte de dois
trechos bblicos, em Mateus 14 e Marcos 6, e os transforma em elementos caractersticos do Finde-Sicle.
Uma de suas principais obras, De Profundi,s uma obra pstuma, ou seja, uma
epstola pica Lord Alfred Douglas, escrita por Wilde enquanto esteve na priso at 1897.
constituda de inmeras cartas escritas que no puderam ser enviadas ao seu destinatrio. Ento,
Wilde as confiou a seu amigo Robert Ross, que as duplicou e enviou-as a Bosie. Ross, mais tarde,
veio a do-las ao Museu, com a condio de apenas exp-las cinquenta anos mais tarde.
Oscar Wilde escreveu um nico romance, The Picture of Dorian Gray, publicado em
1891. considerado um dos melhores exemplos de literatura finissecular decadente. O romance
uma crtica sociedade vitoriana, embasada na aparncia e na [falsa] moralidade.

17

O autor utiliza-se de quatro personagens principais para descrever a sua viso de


sociedade da poca: Dorian Gray e seu retrato, Basil Hallward e Lord Henry Wotton. possvel
examinar essa obra como uma autobiografia, como afirma Munira Mutran:
... mal disfarada autobiografia, revelando as diversas mscaras de Wilde e
aspectos caractersticos da poca, como decadncia, tdio, cinismo, pornografia,
homossexualidade, a teoria da arte pela arte, cenrio em que Wilde e [Aubrey]
Beardsley, na vida real, foram os principais protagonistas (2002, p. 33).

The Picture of Dorian Gray um romance tematizado no duplo, esttico, tico e


existencial a partir do personagem principal, o retrato de Dorian. Este por sua vez sofre toda a
mudana do tempo e revela sua decadncia interior. Essa relao do quadro com a obra ser
analisada adiante.
Com grande habilidade com as palavras, Oscar Wilde manuseava a lngua escrita, fazia
jogos de palavras, trocadilhos, criando frases e dilogos precisos. Esses aspectos so
caractersticas centrais de suas obras, encontradas nas falas de Lord Henry Wotton, de The
Picture of Dorian Gray, em que se remete s situaes sociais com trocadilhos, tal personagem
compreendido como a conscincia de Oscar Wilde a respeito da sociedade da poca, como
quando diz: Mas a beleza, a verdadeira beleza, acaba onde principia a expresso inteligente. A
inteligncia em si uma espcie de exagero; desmancha a harmonia de qualquer rosto8
(WILDE, 2008, p.16). Tal fragmento retrata a vaidade humana da poca.
As obras de Oscar Wilde foram, h pouco mais de um sculo de sua morte, traduzidas
para dezenas de idiomas. Um de seus maiores tradutores no Brasil foi Joo do Rio (Joo Paulo
Emlio Cristovo dos Santos Coelho Barreto). Esse traduziu The Picture of Dorian Gray em 1923
e Salom publicada na Revista Kosmos em maio, junho e julho de 1905. Jornalista e escritor em
comeo de carreira na virada do sculo, Joo do Rio visava, assim como Wilde, a renovao da
sua produo literria e, consequentemente, a produo literria brasileira.
Aps a traduo de Joo do Rio pela livraria Garnier em 1923, reeditada pela livraria
Imago em 1993 e em 2006 pela Hedra. A Editora Universal lana uma traduo annima em
1933.

No original: But beauty, real beauty, ends where an intelectual expression begins. Intellect is in itself a
mode of exaggeration, and destroys the harmony of any face (WILDE, 1957, p. 19).

18

Janurio Leite, portugus radicado por algum tempo no Brasil, realiza uma traduo em
1935, pela Editora Flores e Mano. Essa traduo foi utilizada pela Editora Pongetti mais tarde nos
anos de 1943, 1955, 1957, 1959 e 1962.
A traduo, segundo Seamus Deane
Seja em poesia ou em prosa, sempre foi e continuar a ser parte
integrante de uma literatura para o qual ele foi ao mesmo tempo um ato
necessrio de reintegrao de posse e um reconhecimento de uma perda
inevitvel" (DEANE, 1986, pg. 110). 9
Jos Maria Machado inicia a carreira com as tradues em 1946 pelo Clube do Livro,
reeditada em 1949, 1987 e 1988 e pela Edigraf em 1965.
A livraria Martins lanou a traduo de Janette Marillier em 1952 e reeditou-a em 1954.
Em 1953 a editora Saraiva publicou a traduo de Ligia Junqueira e reeditou-a em 1964.
Em 1961, a editora Jos Aguilar publica todas as obras de Oscar Wilde e, claro, The
Picture of Dorian Gray, traduzida por Oscar Mendes. Essa traduo teve grande circulao ainda
pela editora Abril Cultural em 1971, 1972, 1973 e 1980 e pelo Crculo do Livro em 1973, 1975,
1995 e 1996.
Clarice Lispector traduziu a obra para a Tecnoprint/ Ediouro em 1974 com uma
adaptao juvenil. Assim tambm foi a traduo de Marina Guaspari em 1974 com reedies at
hoje. Em 1998, reeditada pela Publifolha, e em 1979 a editora Otto Pier publicou uma traduo
annima.
Jos Eduardo Ribeiro Moretzsohn publicou pela Francisco Alves em 1985 que a reedita
nos anos de 1986, 1989, 1991 e 1995. Essa verso tambm reeditada pela L&Pm em 2001 e
pela Editora Abril em 2010.
Em 2002 publicada uma traduo de Eduardo Almeida, pela Nova Alexandria. Nesse
mesmo ano e no ano seguinte, tradues de Oscar Mendes foram publicadas pela Nova Cultural e
pela Editora Martin Claret em nome de Enrico Corvisieri e Pietro Nassetti.
Em 2009, Marcela Furtado publica sua traduo pela Editora Landmark. Em 2012, Paulo
Schiller publica pela Penguin Companhia, e em 2013, a traduo de Jorio Dauster na Biblioteca
Azul da Globo Livros foi publicada. Essa Biblioteca Azul mencionada um dos seis selos
9

whether in poetry or in prose, was always to remain an integral part of a literature for which it was
both a necessary act of repossession and an acknowledgement of an inescapable loss (DEANE, 1986, pg. 110).

19

lanados pela Globo Livros para marcar sua linha editorial. Esse selo inspirado na prtica de
distribuio de obras no sculo XVIII, que disseminava a leitura na Europa por meio de livros na
cor azul.
de grande necessidade ressaltar a importncia da traduo literria no Brasil nas
primeiras dcadas do sculo XX, em que a poltica do pas era a Era Vargas, em que aconteciam
muitas negociaes entre o Brasil e os Estado Unidos da Amrica, oriundas da Segunda Guerra
Mundial. Na poca, projetos diplomticos incluam programas de tradues. A traduo, como
um todo, encontra-se interligada a questes histricas e polticas da sociedade (Tooge, 2010).
Dessa forma, Marly Tooge traz interligao entre traduo, questes polticas e formao da
sociedade brasileira.
Foi com a Segunda Guerra Mundial que a Amrica Latina se tornou uma fonte de
literatura estrangeira interessante para Knopf, filho de famlia judia de Nova York. Knopf fundou
em 1915 sua prpria empresa, Alfred A. Knopf Publishers, uma tradutora interessada na literatura
estrangeira nos EUA.., (quando os bloqueios blicos dificultaram o intercmbio mundial, afinal a
guerra criara a necessidade de alianas polticas entre os EUA e seus vizinhos). A Segunda
Guerra Mundial foi um perodo de grande influncia americana na cultura e na sociedade
brasileira. Mas, a atividade de traduo literria, era utilizada como instrumento poltico para
forjar alianas com o Brasil, diante da situao dos EUA. Eis que surge a poltica da boa
vizinhana, mas essa no dura muito, afinal, com o fim da guerra e a necessidade da reconstruo
da Europa, e mais tarde a invaso da Coreia e da Alemanha, a populao americana, e seu
governo, novamente se desinteressariam pelo Brasil e pela Amrica Latina.
Entretanto, durante a Guerra Fria, alguns empresrios americanos mantiveram interesse
pelo Brasil, foi o caso de Nelson Rockefeller, Henry Kaiser e Knops, que mantiveram as
tradues com subsdios e fundaes filantrpicas familiares. Em 1960 Knopf j se tornara um
embaixador extraoficial para assuntos referentes ao Brasil (TOOGE, 2010).
A traduo de extrema importncia. Durante o sculo XIX foi importante, para a
expanso cultural da Amrica Latina, em especial, ao Brasil, tendo traduzido obras de Jorge
Amado, Gilberto Freyre, Andr Gide, Kafka, Sartre, Pound, entre outros.

20

5 ELEMENTOS DO ROMANCE EM THE PICTURE OF DORIAN GRAY

Nesse captulo sero abordados os aspectos do romance na obra de Oscar Wilde, The
Picture of Dorian Gray, seus principais elementos como, o personagem, narrador, o tempo e o
espao, partindo de algumas citaes da obra, a fim de que haja sua compreenso, aqui refletida.
Na era vitoriana o romance tomou o lugar de forma literria dominante, a qual pertencia
poesia e, muito antes, ao drama. Nesse momento, o romance realiza denncias sociais e
transforma-se de acordo com as suas mutaes. De acordo com Yves Reuter (1996), o romance
aparece como gnero da liberdade, escapando submisso s antigas regras e permitindo
inovao formal ou temtica (p. 11).
Entretanto, para que esse avano acontecesse, muito teve de ser feito at mesmo pela
literatura como um todo. Autores precisaram lutar pela propriedade de seu texto. Com essa
autonomia do espao literrio, algumas consequncias surgiram at mesmo nos temas
romanescos. As tomadas de decises sobre a forma da escrita e o tema foram tomadas
internamente pelos movimentos, escolas e grupos que se opem. Com o aumento do pblico o
romance fora privilegiado, principalmente nos sculos XVIII e XIX, com a aproximao da
escrita aos leitores, desmistificando o clssico.
De acordo com as teorias de Yves Reuter (1996), partindo dessa aproximao algumas
relaes foram criadas, entre elas a transformao da sociedade e do romance, ou seja, as
mutaes ocorridas dentro de uma determinada organizao social, econmica, poltica, enfim,
resultaram na transformao, tambm, de aspectos romanescos que, por sua vez, refletem essa
realidade.
A noo de indivduo torna-se complexa psicologicamente, emerge progressivamente,
singulariza-se. O tempo est em movimento e se transforma, evolui e d espao ao progresso
social, o espao do romance se amplia e variado.
Os sculos XVIII e XIX possibilitaram a mistura de sentimentos nas encenaes
romanescas. Nesse aspecto, pode-se pensar em Jean Jacques Rousseau e Franois-Ren
Chateaubriand.
A realidade social e os conflitos pertencentes a esse momento, inseridos no romance, so
responsveis pela transformao da literatura, permitindo a valorizao da escrita e dos

21

escritores. Vale ressaltar que ambas as guerras mundiais aconteceram no sculo XX, que
trouxeram muitos temas especficos para a fico como, histrias de guerras, valorizao,
crticas, transformaes de costumes, denncia, relaes de economias, personagens perdidos em
si, desesperados e cheios de dvidas, enfim, esse elemento retoma a importncia do escritor, dos
poderes da escrita ao ressaltar a realidade.
Com tantas modificaes acontecendo nos sculos XIX e XX, a urbanizao acelerada
e imposto o tema da cidade e da urbanizao. Sendo assim, as transformaes sociais so mais
um aspecto determinante para o romance, os espaos clebres no so repetidos, mas permitida
uma nova viso, lugares que concentram trajetos espaciais e sociais que antes eram extremamente
separados, como os bairros ricos e os bairros pobres. De fato, as vises de tempo e espao
modificam-se.
Contudo, no apenas das transformaes sociais, da sociedade em si e dos conflitos
promovidos pela cincia que o romance se bastar, mas tambm, dos saberes. Esses esto
intimamente ligados aos valores da sociedade. De fato nos saberes, o desenvolvimento
modificar e relativizar os valores impostos, outrora, pela igreja e pelos poderes polticos. Nos
sculos XIX e XX h um grande crescimento da Psicologia e da Psicanlise. Desse modo, o
romance retomar os conflitos e aventuras interiores.
Tais parmetros possibilitam a interao do romance com a realidade imposta, o meio
em que o autor vive ou viveu, refletindo, nesse contexto, principalmente seu eu.
Na obra de Oscar Wilde, o autor se se coloca, indiretamente, no texto, ou seja, autoretata-se nos personagens principais. Em Basil, Oscar expe muito do seu eu, o homem que
como artista, descrevendo sentimentos, anseios, desejos; em Dorian o homem que deseja ser e em
Lord Henry o homem que perante a sociedade descartvel e decadente.
O personagem antes mesmo de refletir um ser real, inserido em um espao, tempo e
enredo, j est predestinado, ou seja, os personagens esto em constantes repeties, seguindo
trajetos, conflitos similares, com fsicos muito semelhantes. Esses traos caracterizam o
personagem em um primeiro momento. Como possvel perceber Dorian, em The Picture of
Dorian Gray, com Narciso.
Contudo, entre o final da Idade Mdia e o incio do sculo XX, os personagens iro
tornar-se independentes, ou seja, iro diversificar a sua imagem social, fsica e psicolgica. Em

22

algumas obras, essa transformao pode acontecer no decorrer dos fatos. Esse fator tambm
marca a liberdade do autor na escrita de suas obras.
Assim como os personagens, a descrio tambm passou por um processo de
desenvolvimento da Idade Mdia at os dias atuais, pois no trazia muitas descries de espao,
limitando-se a um papel secundrio e simblico.
A obra The Picture of Dorian Gray, escrita por Oscar Wilde e publicada em sua
primeira verso em 1891, um romance que narra a histria de Dorian Gray, um jovem muito
bonito e rico, cobiado pelas mulheres da poca e, tambm, pelos homens. Afinal, esse tinha
exatamente o que a sociedade da poca vitoriana desejava: beleza. Entretanto, para manter essa
beleza intacta, Dorian Gray vende sua alma em troca da juventude eterna. A passagem do tempo
no muda sua boa aparncia e juventude, enquanto o retrato degrada-se e revela sua decadncia
interior. O retrato obra de Basil Hallward, um grande amigo de Dorian, o qual morto por
Dorian Gray a fim de manter seu segredo.
Os anos passam, as pessoas envelhecem, casam, tm filhos, mas Dorian continua com a
mesma imagem. Com o tempo olhares desconfiados e julgamentos passam a voltar-se contra o
personagem que, ansiava pela beleza do quadro, jamais envelheceria diferentemente de si, que
permanece belo, com sua imagem narcsica intacta. Alguns assuntos do passado, assuntos
sombrios e pessoas que o odiavam retomam, e passam a fazer parte de sua vida novamente, tendo
alucinaes com fantasmas de seus erros do passado, isso o desespera, o aborrece. A sua vida
passara de uma busca incessante pelos prazeres um fardo odioso de se carregar. Com a mesma
faca que tirou a vida de Basil tenta livrar-se da imagem do quadro, mas acaba com sua prpria
vida.
The Picture of Dorian Gray apresenta, atravs de seu contexto e tambm dos
personagens, uma sociedade suprflua e inerte, cuja a principal caracterstica a degradao dos
valores humanos.
A obra The Picture of Dorian Gray possui um narrador com funo generalizante ou
ideolgica que, de acordo com Yves Reuter, prope julgamentos gerais sobre o mundo, a
sociedade e os homens... (1996, p.72). A obra de Oscar Wilde possui uma narrativa
heterodiegtica centrada no narrador. Sendo o narrador heterodiegtico, afinal, no participa da
histria narrada, e sua narrativa centrada em si mesmo, sendo assim, pode controlar tudo e
todos na obra, sabe de todas as aes, principalmente as de Dorian, seus pensamentos e anseios,

23

desejos... remetido ao narrador onisciente, ... na medida em que sua viso pode ser ilimitada
e no focada em apenas um personagem.
Como possvel ver no seguinte trecho:
Ele estava consciente e o pensamento trouxe um brilho de prazer em seus
olhos de gata marrom - que foi atravs de algumas palavras suas, palavras
musicais disse com elocuo musical, que a alma de Dorian Gray se transformou
em uma garota branca e curvou-se em adorao diante dela.10 11

Nesse fragmento o narrador discorre sobre os pensamentos de Dorian Gray, aps a visita
de Lord Henry Wotton, em que discutiam sobre o amor de Dorian por Sibyl Vane e acrescenta
essa forma de descrio logo depois.
De acordo com Yves Reuter, toda narrativa composta por uma multiplicidade de
aes (1996, p.47), Dorian Gray pintado por Basil, conhece Lord Henry, tem um breve
romance com Sibyl Vane, indiretamente est ligado morte da garota, os anos passam,
responsvel pela morte de seu amigo Basil Hallward. Mas Dorian s faz gozar a vida, at sua
morte.
Como personagem principal da obra, Dorian Gray sofre uma considervel transmutao
no decorrer da obra, passa da imagem de um jovem ingnuo e muito distante das coisas banais e
suprfluas da sociedade para um ser desprezvel, egosta e petulante. Dorian uma recriao de
Narciso, da mitologia grega. Ambos os personagens so individualistas, vaidosos, belos e sabem
de sua condio fsica perante os demais e por tal feito que os dois personagens igualam-se a
um deus, desprezando e no se importando com os demais.
Sobre personagem Yves Reuter explica que a repetio a sua lei: as mesmas
personagens voltam de texto em texto (1996, p.23). Os personagens so tipos a representar o ser
humano, a comunidade e a realidade qual fazem parte.
Atravs de um personagem em especial perceptvel a presena da metalinguagem,
afinal The Picture of Dorian Gray traz a arte pictrica como um grande aliado seu. Assim, faz-se
necessrio ressaltar que em suas visitas Frana, conheceu Mallarm, Gide e muitos intelectuais

10

He was conscious and the thought brought a gleam of pleasure into his brown agate eyes that was
through certain words of his, musical words said with musical utterance, that Dorian Grays soul had turned to this
white girl and bowed in worship before her. (WILDE, 1957, p.55)
11
Todas as tradues, presentes neste trabalho de concluso de curso, referentes obra The Picture of Dorian Gray foram extradas da traduo feita por Pietro Nasseti.

24

e artistas (MUTRAN, 2002, p. 22). Wilde foi um escritor envolvido com inmeras obras e
envolto de diversas artes.

6 A PRESENA DAS INTERARTES EM THE PICTURE OF DORIAN GRAY

Tanto na arte pictrica quanto em obras literrias, a inteno do autor, ou do pintor,


representar a realidade de uma poca. Apesar de ambas serem artes diferentes uma da outra, no
h muita distino entre as duas, ou seja, elas esto em constante relao, como ser visto
adiante.
Na obra de Oscar Wilde, aqui analisada, a arte literria que descreve a arte pictrica e
nos remete a ela. Contudo, a arte pictrica tambm pode representar a arte literria, como por
exemplo, nos vitrais das igrejas, onde as pinturas, as formas e imagens representam os textos
bblicos.
O estudo das tradues pictricas e literrias por muitos pesquisadores determinado
como ekphrase. De acordo com os estudos da professora doutora Gisele Giandoni Wolkoff
possvel compreender a ekphrase como recurso literrio na compreenso e interpretao das
obras, ampliando e capacitando o leitor para uma percepo ampla na tarefa da leitura
interpretativa, esse estudo permite ao leitor transitar por diferentes esferas de representao,
tornando a obra mais completa e eficaz. Afinal, o recurso literrio ekphrstico a representao
daquilo que j existe visualmente.
Em lbum de Retratos, de Munira Mutran, possvel encontrar a seguinte descrio do
que pensa Mathew Arnold sobre a literatura:
Um acontecimento isolado, uma literatura isolada, no podem ser
adequadamente compreendidos a no ser em relao a outros acontecimentos, a
outras literaturas (MUTRAN, 2002, p.17).

Dessa forma ser possvel analisar a importncia do estudo das relaes interartes e,
sendo assim, intertextuais.
Wolkoff (2008) chama-nos a ateno, em sua obra Composies Pictricas na obra de
Evan Boland: Paisagens Interiores, para uma retomada de Jonh Hollander:

25

enquanto para os historiadores da arte a ekphrase designa a representao verbal


de uma obra de arte, para a teoria literria, relacionam-se as maneiras pelas quais
tempo e espao configuram-se com a realidade, o texto e o quadro (WOLKOFF
2008, p. 46).

A arte pictrica traz em si um desejo de replicar a realidade. Segundo Cristvo Tezza:


Talvez o desejo instintivo de paralisar o tempo; ou, antes, de sair dele para
contempl-lo distncia. o medo da morte, ou, dizendo de modo mais
delicado, da ausncia, que nos levaria a fixar pessoas e coisas em duplos
incompletos, que j envelhecem no exato instante em que surgem (TEZZA in:
Gazeta do Povo, 1014).

Desse modo, as pessoas e as coisas tornam-se incopiveis, afinal, no momento em que


esto sendo reproduzidas esto envelhecendo, esto mudando, em constante transformao. Ao
trmino da obra, da imagem, tais pessoas j no so as mesmas.
Em The Picture of Dorian Gray, o autor consegue superar os limites da linguagem
verbal escrita, ao integralizar a linguagem no verbal (arte pictrica e potica), conseguindo
transform-la em um recurso metonmico maior, refletindo sobre a prpria arte atravs da arte, ou
seja, utiliza-se de recursos metalingusticos ao faz-lo.
Dorian prefere ser um retrato de sua imagem, ter sempre a mesma imagem, pois, de
acordo com Tezza: todo senso de beleza um desejo de imitao e o seu concomitante fracasso
(2014, [?]).
considervel que, a arrogncia e a certeza de sua beleza tornam Dorian Gray obcecado
por aquilo que mais julgado de interesse no sculo XIX, a beleza, o exterior, a forma e a
aparncia. O jovem, que Dorian Gray retrata na obra, representa o ideal da poca vitoriana. Nesse
sentido Dorian Gray assemelha-se, com exatido, aos aspectos de Narciso.
sabido que Narciso foi um rapaz de aproximadamente 17 anos, a mesma idade de
Dorian Gray ao conhecer Lord Henry Wotton. Esse representante das vises da sociedade da
poca, responsvel por apresentar a Dorian uma vida de diverses pecaminosas, em que para
ele, o jovem com tanta beleza, o cu o limite.
Narciso era dotado de extrema beleza, desejado por rapazes e moas, mas intocvel.
Eco, uma ninfa, apaixonou-se perdidamente pelo rapaz, entretanto, Narciso, enaltecido com sua
grande beleza a rejeita e torna a admirar sua prpria imagem em uma fonte de guas lmpidas.
Talvez a ideia da mesma fonte que Munira Mutran apresenta na ideia de Moore ao dizer sobre
sua obra: Queria mostrar minha obra nessas pginas, como o rosto numa fonte de gua,

26

remetendo aqui, tambm, a imagem de Narciso. Esse se apaixona pela imagem na gua e aos
poucos percebe que a imagem refletida na gua e que o ser que est admirando a si mesmo.
Incapaz de se distanciar da imagem refletida permanece beira da gua at morrer de fome, sede
e cansao. Contudo, deuses transformam-no em uma flor. De acordo com Munira Mutran (2002),
tanto Eco como Narciso trazem em si uma significao de acordo com seu papel no mito, sendo
eles, respectivamente a Alteridade e a Egolatria.
Na obra The Picture of Dorian Gray, o personagem principal ao deparar-se com a
prpria imagem refletida no retrato surpreende-se, percebe o tamanho de sua beleza, antes
exaltada por seus colegas, mas agora, com o quadro finalizado podia ver de outra forma.
No trecho a seguir possvel perceber o sentimento de prazer de Dorian ao olhar-se pela
primeira vez no quadro e perceber a grandeza de sua beleza. Basil Hallward apresenta o retrato
pronto Lord Henry e Dorian Gray. Assim narrado:
Dorian no respondeu. Passou negligentemente defronte da sua efgie e voltouse para admir-la. Mal pousou olhar no quadro, recuou, corou de prazer. Um
olhar de alegria surgiu em seus olhos, como se ele prprio tivesse se reconhecido
pela primeira vez (WILDE, 2008, p. 35). 12

Logo depois disso, Dorian percebe que essa mesma beleza passageira, e que um dia
seu rosto mudaria, sua face envelheceria e isso o frustrou. A sociedade da poca no suportava a
ideia de envelhecer, principalmente em uma poca como o sculo XIX, em que as pessoas eram
extremamente vaidosas com o exterior uns dos outros, com a beleza.
E por isso, tambm, que a obra de Oscar Wilde uma obra escrita em tom
decadentista. Tal corrente foi firmada em meados de 1880 na Europa. Ao fixar-se na ideia de
beleza, satanismo, principalmente quando Dorian faz um pacto em troca da beleza eterna. O
pessimismo, as perverses, que tambm esto ligadas com a ideia do Narcisismo, Dorian passa a
seduzir diversas mulheres, e at homens, a fim de encontrar em si mesmo um objeto amoroso.
Abandona a ideia de se envolver com outra pessoa, em prol de sua imagem. Pode-se considerar
que Dorian Gray escolhe sua imagem Basil Hallward e, tambm, quando deixa Sybil Vane, pois
se sente ofendido com sua m atuao em palco e prefere manter a sua postura de beleza.
O incio do sculo XIX foi marcado pela presena do pintor Eugne Delacroix, que
possua, segundo Maria Lcia Cristvo, uma formao clssica, desenvolveu um estilo intenso,
12

Dorian made no answer, but passed listlessly in front of his picture, and turned towards it. When he
saw it he Drew back, and his cheeks flushed for a moment with pleasure. A look of joy came into his eyes as if he
had recognised himself for the first time. (WILDE, 1957, p.33)

27

expressivo, cheio de dramaticidade (2009, p.28). Nesse momento a pintura passa a ser
ressaltada, no mais pelas formas e temas, mas, pela intensidade das cores, dos contrastes e da
luz. Alm de Delacroix, Gustave Courbet tambm deixou sua marca nas transies e mudanas
da arte pictrica do sculo XIX. Courbet passou a retratar o homem de classe mdia, comum,
como tema central, assim como na arte literria.
Ambos, Delacroix e Courbet achavam a pintura anterior deles, artificial, por utilizarem
um estdio para compor suas obras, onde a luz penetrava atravs de uma janela provocando uma
lenta transio entre as reas de sombra e de luz de um objeto ou de um modelo (CRISTVO,
2009, p.35). Essa forma de pintura encontrada na descrio do ambiente em que Basil Hallward
retrata Dorian Gray em seu estdio de pintura.
De repente, o pintor assomou porta do ateli, acenando veemente aos dois que
entrassem. Eles se entreolharam sorrindo.
- Estou esperando! bradou Basil. Venham! Temos uma luz perfeita. Podem
trazer os refrescos.13

Mais tarde, Claude Monet e Edgar Degas continuaram a fazer obras dentro de estdios,
porm com novas tcnicas. Monet e Degas so pintores impressionistas.
A pintura de retratos, em alguns momentos realistas, outros momentos idealizado ou
irnico, atesta, de acordo com Mutran, o desejo de definir o ser humano (MUTRAN, 2002,
p.92). O retrato do personagem Dorian Gray definia seu interior, sua alma e sua ndole.
Alm da literatura, o movimento modernista influenciou os artistas a repensar uma nova
linguagem e uma nova maneira de expressar a realidade.
Foram escolhidos alguns fragmentos a fim de justificar a presena da interartes na obra
de Oscar Wilde, The Picture of Dorian Gray. Sendo assim, possvel perceb-la no fragmento da
obra em que Dorian est conversando com Lord Henry Wotton, aps a morte de Sybil Vane, em
que esse cita vrias personagens das obras de Shakespeare,
Voc me disse que Sybil Vane representava para voc todas as heronas dos
romances que era Desdemona uma noite e Oflia na outra; que se ela morresse
como Julieta, voltaria a vida como Imognia.14

13

Suddenly the painter appeared at the door of the studio, and made staccato signs for them to come in.
they turned to each other, and smiled.
I am waiting, he cried. Do come in. the light is quite perfect, and you can bring your drinks. (WILDE, 1957,
p.33)13
14
You said to me that Sybil Vane represented to you all the heroines of romance that she was Desdemona one night and Ophelia the other; that if she died as Juliet, she came to life as Imogen (WILDE, 1957, p. 86)

28

Ao fazer referncia a outras obras literrias, como o caso, Oscar Wilde utiliza-se do
intertexto, ou seja, retoma em sua obra outro texto.
Wilde faz um dilogo com ideais Renascentistas, ideais de beleza e o perfeccionismo.
Cita Desdemona de Othelo, uma moa jovem, de grande beleza, ingnua e apaixonada. Assim
como em sua fala com Doge, o pai e Othelo:
Meu nobre pai, percebo um dividido dever: A vida e a educao vos devo,
educao e vida que me ensinam a saber respeitar-vos. Sois o dono do meu
dever, sendo eu, poi, vossa filha. Mas tambm aqui vejo meu marido; e quanto
minha me vos foi submissa, agora pretendo revelar-me em relao ao Mouro, a
quem perteno (SHAKESPEARE, [?], p. 31). 15

E, ainda, ao trocar votos de paixo e declaraes com Othelo: Permita o cu que nosso
amor e nossa felicidade cresam como os dias que temos de vida (SHAKESPEARE, p. 52). 16
Entrega-se de imediato ao seu amado, assim como Sibyl. Ao discutir com sua me sobre
seus sentimentos Sybil tambm cita o pai, como Desdemona cita a me, para instigar a conseguir
o que querem: ficar com Dorian e Othelo: Eu sou to feliz hoje como tu fostes h vinte anos.
Deixe-me ser feliz para sempre (WILDE, 2008, p. 67). 17
Ambas levam uma vida muito calma, conformada, at envolverem-se com,
respectivamente, Othelo e Dorian.
As trs personagens citadas, de Shakespeare, Oflia, Desdemona e Julieta, incluindo
Sibyl, de Oscar Wilde so personagens trgicas, que relacionam o amor com estabilidade, mesmo
que Oflia seja de classe alta e pertena burguesia.
As personagens femininas so, segundo Syntia Alves (2013), nas obras de Shakespeare,
mulheres que agem e carregam em si as consequncias de suas escolhas, que vo de encontro
com seus destinos (2013, p.60). Essas personagens so consideradas agentes da ativa e da
passiva, pois so atingidas por suas atitudes.

15

Father, this isnt easy for me. Im torn. I owe you respect because you gave me life and education.
Youre the one I have to obey. Im your daughter. But this man here is my husband now, and I owe him as much as
my mother owed you, just as she preferred you to her own father. So I have to give my obedience to the Moor, my
husband. (SHAKESPEARE, [?], p.08)
16
God willing, our love and our happiness will only increase as we get older. (SHAKESPEARE, [?], p.
09)
17
I am as happy as happy to-day as you were twenty years ago. Ah! Let me be happy for ever (WILDE,
1957, p. 58)17

29

Tanto Oflia como Julieta, de Shakespeare, e Sibyl, de Oscar Wilde preferem o suicdio
a ficar sem quem amam. Aps a morte do pai e sendo rejeitada por Hamlet, Oflia se mata, e
desta forma descrita pela rainha para Laertes, seu irmo:
Um salgueiro reflete na ribeira cristalina sua copa acinzentada. Para a foi Oflia
sobraando grinaldas esquisitas de rainnculas, margaridas, urtigas e de flores de
prpura, alongadas, a que os nossos campnios chamam nome bem grosseiro, e
as nossas jovens dedos de defunto. Ao tentar pendurar suas coroas nos galhos
inclinados, um dos ramos invejosos quebrou, lanando na gua chorosa seus
trofus de erva e a ela prpria. Seus vestidos se abriram, sustentando-a por
algum tempo, qual a uma sereia, enquanto ela cantava antigos trechos, sem
revelar conscincia da desgraa, como criatura ali nascida e feita para aquele
momento. Muito tempo, porm, no demorou, sem que os vestidos se tornassem
pesados de tanta gua e que de seus cantares arrancassem a infeliz para a morte
lamacenta. (SHAKESPEARE, [?], p.155). 18

A rainha descreve o acontecimento como um acidente. Entretanto, Hamlet causa,


indiretamente, a morte da jovem, assim como Dorian, primeiro Hamlet a nega e depois a
distancia de seu pai com a sua morte. Em Romeu e Julieta ambos cometem suicdio por no
aceitarem viver um sem o outro. Primeiro aps matar Pris, Romeu se aproxima do tmulo onde
Julieta ainda adormece:
... Julieta se acha deitada a e sua formosura faz desta abbada uma sala rgia...
meu amor! Querida esposa! A morte que sugou todo o mel de teu doce hlito
poder no teve em tua formosura. No; conquistada ainda no foste; a insgnia
da beleza em teus lbios e nas faces ainda est carmesim, no tendo feito
progresso o plido pendo da morte... ficarei aqui contigo, sem nunca mais
deixar os aposentos da tenebrosa noite; aqui desejo permanecer, com os vermes,
teus serventes... Eis para meu amor. (bebe o veneno)... Deste modo, com um
beijo, deixo a vida. (Morre). (SHAKESPEARE, [?], p. 162-163). 19

18

Theres a willow that leans over the brook, dangling its white leaves over the glassy water. Ophelia made wild wreaths out of those leaves, braiding in crowflowers, thistles, daisies, and the orchises that vulgar shepherds
have an obscene name for, but which pure-minded girls call dead mens fingers. Climbing into the tree to hang the
wreath of weeds on the hanging branches, she and her flowers fell into the gurgling brook. Her clothes spread out
wide in the water, and buoyed her up for a while as she sang bits of old hymns, acting like someone who doesnt realize the danger shes in, or like someone completely accustomed to danger. But it was only a matter of time before
her clothes, heavy with the water they absorbed, pulled the poor thing out of her song, down into the mud at the bottom of the brook. (SHKESPEARE, [?], p. 07)
19
Juliet lies here, and her beauty fills this tomb with light... hey call it the lightness before death. Oh,
how can I call this lightness? Oh, my love! My wife! Death has sucked the honey from your breath, but it has not yet
ruined your beauty. You havent been conquered. There is still red in your lips and in your cheeks. Death has not yet
turned them pale... Ill stay with you. And I will never leave this tomb. Here, here Ill remain with worms that are
your chamber-maids. Oh, Ill rest here forever... I have made with death forever... Heres to my love!... (Romeu drinks the poison)... (ROMEO dies). (SHAKESPEARE, , [?], p. 05)

30

Alguns instantes aps a morte de Romeu, Julieta desperta, e ao encontrar Romeu morto
ao lado:
Que vejo aqui? Um copo bem fechado na mo de meu amor? Certo: veneno foi
seu fim prematuro... Bebeste tudo, sem que me deixasses uma s gota... Preciso
andar depressa. Oh! S bem-vindo, punhal! (Apodera-se do punhal de Romeu).
Tua bainha aqui. Repousa ai bem quieto e deixa-me morrer. (Cai sobre o corpo
de Romeu e morre) (SHAKESPEARE, [?], p. 165). 20

Aps decepcionar-se com Sybil Vane, Dorian Gray decide deix-la. Esta, por sua vez,
prefere a morte a viver sem sua paixo. E Dorian Gray descobre por Lord Henry da seguinte
maneira:
Dorian disse, prendendo-lhe as mos nas suas -... Sybil Vane morreu...
No tenho a menor dvida de que no foi acidente, Dorian, embora seja esta a
verso para o pblico. Pelo que parece, ao deixar o teatro com a me, pouco
depois das duas horas, a menina alegou que esquecera alguma coisa no camarim.
Esperaram algum tempo por ela; ela no descia. Afinal foram encontra-la j sem
vida, no assoalho do camarim. Tomou, por engano talvez, algum veneno; desses
que se usam no teatro. No sei ao certo se cido prssico ou alvaiade. Mas
provavelmente cido prssico, pois a morte foi instantnea (WILDE, 2008,
p.98). 21

Wilde cita as personagens de Shakespeare na ordem da transformao de Sibyl no


decorrer da obra. Primeiro uma garota inocente, ingnua, mas independente de Dorian, assim
como Desdemona. Depois a coloca como Oflia, que se deixa levar pelos rumos apresentados
pelos outros personagens da trama, deixa-se destruir por desejos e aes exteriores a si, fazendo
tudo o que Dorian lhe pede. Por fim, Julieta, tirando sua vida ao perceber que ficaria sem seu
grande amor. As personagens da Renascena de Shakespeare representam a mulher da sociedade.
Sibyl era uma jovem de classe baixa que representava em um pobre teatro, mas sonhadora, assim
como Julieta.

20

Whats this here? s a cup, closed in my true loves hand? Poison, I see, has been the cause of his death. He drank it all, and didnt leave any to help me afterward... Oh, noise? Then Ill be quick. Oh, good, a knife! My
body will be your sheath. Rust inside my body and let me die. (she stabs herself with ROMEOs dagger and dies)
(SHAKESPEARE, [?], p. 08)
21

Lord Henry... took both his hands in his own, and held them tightly. Dorian, he said... I have no
doubt it was not an accident, Dorian, though it must be put in that way to the public. It seems that as she was leaving
the theatre with her mother, about half-past twelve or so, she said she had forgotten something upstairs. They waited
some time for her, but she did not come down again. They ultimately found her lying dead on the floor of her dressing-room. She had swallowed something by mistake, some dreadful thing they use at theatres. I dont know what it
was, but it had either prussic acido or White lead in it. I should fancy it was prussic acid, as she seems to have died
instantaneously. (WILDE, 1957, p. 83)

31

Ao falar sobre Sybil Vane para Lord Henry Wotton, Dorian lhe fala de um judeu
hediondo que lhe fizera algumas perguntas e levara-o at os bastidores a fim de apresentar-lhe
Sybil.
Nesse fragmento Dorian atribui ao judeu caracterstica de hediondo:
Um judeu hediondo, no colete mais surpreendente que j vi na vida, estava de p
na entrada, fumando um charuto vil. Ele tinha anis falsificados, e um enorme
diamante reluzia no centro da camisa suja. 22

Essa narrao descritiva de Oscar Wilde se deve pela imagem do judeu no sculo XIX.
Assim como no contexto de produo de The Merchant of Venice, de William Shakespeare escrito no sculo XVI, em que o judeu ainda sofria preconceito.
Tanto na obra de Shakespeare quanto na obra de Oscar Wilde, escrita praticamente trs
sculos depois, h a necessidade de fazer uma ressalva a fim de explicitar o conflito religioso. Em
The Merchant of Venice h, no decorrer da obra a descrio de como eram separados e humilhados perante a sociedade, a imagem do judeu, que possua riquezas, mas no pertencia ao comrcio local, precisando viver de usura, ato considerado pecaminoso perante a igreja catlica. J no
contexto histrico da obra The Picture of Dorian Gray, o conflito d-se entre catlicos e protestantes. Wilde era um catlico criado em meio a protestantes, descreve o judeu como sendo um ser
horrvel.
Ao retomar o breve romance de Dorian e Sibyl percebe-se que o amor que um apresenta
ao outro muito diferente, a garota o ama por inteiro, apaixona-se pela imagem, enquanto que
Dorian est intrinsicamente mais envolvido com as representaes heroicas da moa, o rapaz
apaixonou-se pela atriz a partir do momento que a vira atuar no palco, tendo em vista, tambm,
sua beleza jovial. Para Sibyl Vane, a maior fonte e exemplo de amor eram as personagens trgicas de William Shakespeare ao representar as obras, mas quando a garota passa a encontrar-se
com Dorian e ambos envolvem-se em um romance, essa passa a atuar de maneira medocre, logo
quando Dorian leva Basil e Lord Henry para conhec-la. Este fica to decepcionado com a garota
e to envergonhado perante os amigos que o suficiente para seu corao deixar de am-la:

22

A hideous Jew, in the most amazing waistcoat I ever beheld in my life, was standing at the entrance,
smoking a vile cigar. He had greasy ringlets, and an enormous diamond blazed in the centre of a soiled shirt
(WILDE, 1957, p. 49).

32

... desconfio que insensvel e fria. Mudou completamente. Ontem noite era
uma grande artista; hoje no passa de uma atrizinha medocre, banal. (...) No
percebem que tenho um corao em pedaos? (WILDE, 2008, p. 86 87). 23

Isso o leva a quebrar o juramento de casar-se com ela e insulta-a. Dorian no consegue
entender os argumentos de Sibyl:
Dorian, Dorian, quando no o conhecia, representar era a nica realidade da minha vida. S no teatro eu vivia. (...) Eu acreditava em tudo. A gente vulgar, que
representava comigo, tinha aos meus olhos um qu de divino. Os cenrios pintados eram o meu mundo. Eu s conhecia sombras e as considerava-a reais. Voc
apareceu, meu formoso amor, e libertou-me a alma dessa priso, ensinou-me a
ver a realidade. (...) Voc me trouxe alguma coisa mais alta, alguma coisa de que
a arte apenas o reflexo (WILDE, 2008, p. 88). 24

Sibyl Vane a representao que mais aproxima o leitor do teatro apresentado na obra.
Entretanto vivia uma farsa e atuava o que desejava que fosse sua realidade. Ao perceber que
Dorian estava disposto a deixa-la, Wilde permite que Sibyl viva intensamente este sentimento, a
dor, a loucura, o desespero, descrevendo como uma pea teatral suas atitudes:
Sacudida pelos soluos, Sibyl deixou-se ir ao cho, como uma criatura ferida.
Dorian Gray baixou para ela os belos olhos, com os lbios contrados num ricto
desdenhoso. Sempre h um qu de ridculo nas emoes das criaturas que deixamos de amar. Dorian achava Sibyl Vane intoleravelmente melodramtica; as
lgrimas e os soluos da moa prostrada enervavam-no (WILDE, 2008, p. 90). 25

O mesmo acontece no quinto captulo da obra, quando Sibyl encontra-se com a me


para contar-lhe sobre sua paixo por Dorian Gray. Essa a abraa e, como se estivesse se
despedindo, parece fingir os sentimentos. Segundo Munira ao se referir a esse fragmento afirma:
...a vida real um melodrama que soa falso, como se as pessoas fossem maus atores de uma
pea medocre (MUTRAN, 2002, p.128). Wilde descreve a cena da seguinte forma:

23

But she seems to me to be simply callows and cold. She has entirely altered. Last night she was a great
artist. This evening she is merely a commonplace, medocre actress. (...) cant you see that my heart is breaking?
(WILDE, 1957, p.73 e 74)
24
Dorian, Dorian, she cried, before I knew you, acting was the one realityof my life. It was only in the
theatre that I lived. (...) I believe in everything. The common people who acted with me seemed to me to be godlike.
The painted scenes were my world. I knew nothing but shadows, and I thought them real. You came Oh, my beautiful love! and freed my soul from prison. You taught me what reality really is. (...) You had brought me something higher, something of which all art is but a reflection. (WILDE, 1957, p. 74 75)
25
She crouched on the floor like a wonded thing, and Dorian Gray, with his beautiful eyes, looked down
at her, and his chiselled lips curled in exquisite disdain. There is Always something ridiculous about the emotions of
people whom one has ceased to love. Sibyl Vane to him seemed to be absurdely melodramatic. Her tears and sobs
annoyed him.

33

Sra Vane encarou a filha e, com um gesto teatral falso, que se tornam uma
segunda natureza para as pessoas que vivem do teatro, estreitou-a nos braos
(WILDE, 2008, p.67). 26

Os fragmentos a seguir nos remetem imagem do espao fsico de onde os personagens


esto. O primeiro trecho trata o incio da obra em que o narrador descreve o ambiente, ou seja, o
espao em que acontecero as aes de determinados personagens, a princpio Basil e Lord
Henry:
O perfume embriagador das rosas impregnava o estdio; e quando a leve aragem
do estio comeou a sussurrar por entre as rvores do jardim, o aroma forte dos
lilases entrou pela porta aberta ()
Do canto do div de couro persa, onde se recostara para fumar, como de costume
(WILDE, 2008, p.15). 27

Ao remeter-nos a uma nova forma de arte, a arte pictrica, o autor leva o leitor a
compreender a trama de maneira dialgica e intertextual.
Nessa mesma descrio o narrador cita a arte pictrica ao descrever:
No centro da sala, em alto cavalete, destacava-se o retrato de um rapaz de
extraordinria beleza, em tamanho natural, mais a sua frente estava... (WILDE,
2008, p.15). 28

Ou seja, nesse fragmento o narrador descreve a prpria arte pictrica, a arte descrevendo
outra forma de arte numa espcie de metalinguagem. Durante a Era Vitoriana, possuir um retrato
prprio dentro de casa sinnimo de grandeza, de ascenso social. Localizado no hall de entrada
da casa para que todos que entrassem, vissem-no.
O retrato pode trazer diferentes significados, como em seus sentidos bsicos de imagem
pode corresponder fotografia, imagem de uma pessoa reproduzida em um desenho ou pintura,
remete a ideia da semelhana entre pessoas, coisas e lugares e, ainda, fazer a descrio de um
carter, de uma poca e de diferentes realidades.

26

Mrs. Vane glanced at her, and, with one of those false theatrical gestures that so often become a mode
of second nature to a stage-player, clasped her in her arms. (WILDE, 1957, p.58)
27
The studio was filled with the rich odour of roses, and when the light summer Wind stirred amidst the
trees of the Garden, there came through the open door the heavy scent of lilac ()
From the corner of the divan of Persian saddle-bags on which he was lying, smoking, as was his custom (WILDE,
1957, p.18).
28
In the centre of the room, clamped to an upright easel, stood the full-length portrait of a young man of
extraordinary personal beauty, and in front of it, some little distance away... (WILDE, 1957, p.18).

34

De acordo com Munira Mutran, ... a popularidade do retrato (...) atesta o desejo de
definir o ser humano (2002, p. 92). Ainda na obra de Mutran possvel encontrar uma das
diversas metforas de Oscar Wilde em que denota: A mscara revela mais que o rosto (2002,
p.117). Wilde retrata-se nas sucessivas mscaras assumidas, na obra em questo. Dessa forma
possvel encontrar fielmente a figura de Wilde em The Picture of Dorian Gray suas biografias.
Afinal, durante sua vida Wilde deixa o rosto esconder o seu interior, expresso na obra em estudo.
Sean OFaolain, autor da obra A Portrait of the Artist as an Old Man, inicia a obra
citando a diferena entre a arte pictrica e a arte literria nas palavras:
Voc me pede um auto-retrato? Muito bem. Neste caso devo pedir-lhe que me
imagine agora em frente de um cavalete, minha mo direita pronta para delinear
o primeiro esboo na tela vazia. E voc deve tambm imaginar que estou num
espelho a minha esquerda, porque o que vou pintar O retrato do Artista Quando Velho. Desnecessrio dizer que quando me apresento como um pintor de retratos, estou usando uma metfora. Sou, na verdade um escritor de retratos... Um
pintor de auto-retratos tem sempre a mesma idade que o modelo, enquanto o escritor de retratos sempre mais velho, est sempre lembrando, sempre olhando
para o caminho percorrido. E como tenho agora setenta e seis anos, posso voltar
o olhar para um caminho muito longo (MUTRAN, 2002, p.93).

A figura do retrato usada por vrios escritores de diferentes lugares e pocas, tanto na
literatura como na pintura (as formas de arte mencionadas e analisadas nesse trabalho). Sendo
assim, alm da obra de Sean OFaolain, A Portrait of the Artist as an Old Man; James Joyce
escreveu A Portrait of the Artist as an Young Man, que foi publicada tardiamente perante as
demais obras, em 1916, The Portrait of a Lady, de Henry James e Confessions of a Young Man
(1888), de George Moore, trazem textos-retratos.
Em A Portrait of the Artist as an Young Man, James Joyce trabalha com o retrato
principalmente ao tratar a protagonista da histria, Stephen Dedalus, com a emancipao da
Irlanda, ao transformar-se em uma nao independente. Joyce no uso de diversas msicas durante
a sua obra, citando canes, e em Oscar Wilde, com o uso da obra pictrica, acreditavam que a
Irlanda ascenderia na literatura atravs dessas misturas e estar em contato com a lngua, a cultura
e as artes de outros pases.
Henry James em The Portrait of a Lady, de 1881, apresenta uma personagem
conformista, afinal, essa renega seus sonhos para viver uma vida que antes rejeitava, uma vida
domstica. Ou seja, antes queria viajar, conhecer lugares. Todavia, no sai em busca de seus
sonhos e permanece na conformidade de sua escolha.

35

Henry James estudou por muito tempo a pintura, participou de aulas, mas ao ver a
facilidade do irmo, William James que desde sempre demonstrou grande talento com a pintura,
decidiu guardar para sempre seu lpis e estojo (JAMES, 2012, p. 11). Um escritor naturalizado
britnico e que, assim como Wilde, viveu em Londres por muitos anos, mais especificamente 53
anos, aproveitou para observar a sociedade e escrever sobre os complexos cdigos sociais da
Europa (Ibidem, 2012, p.09), considerado um de seus temas principais. De acordo com Cludio
Figueiredo (In: JAMES, 2012), possvel compreender que com a relao Amrica Europa,
estudadas pelo escritor, o mesmo pudesse trabalhar em seus personagens o paralelo entre a arte e
a vida, justificando seus personagens, escritores e pintores.
Moore, Yeats e Wilde so trs escritores que, alm de utilizarem-se do texto-retrato,
viveram a influncia cultural do final do sculo XIX, e foram espectadores do vaivm de ideias
entre Londres e Dublin com passagens por Paris. Criando novas formas de representar a realidade
com um olhar crtico e inovador.
Na obra de Moore citada em comparao com a obra de Oscar Wilde, o autor retrata a
vida em Paris no final do sculo XIX. Segundo Munira Mutran, Sua fase de formao, nos
atelis de pintura e nos cafs parisienses, retratada em Confessions of a Young Man (2008,
p.19).
Na prxima descrio, Dorian Gray refere-se Sibyl Vane, uma atriz jovem, a primeira
paixo de Dorian. uma personagem secundria. No entanto, ela significa mais do que apenas a
representao de um caso de Dorian, mas a transformao do ser humano em objeto de arte, pois
ao retrat-la Dorian a descreve para Lord Henry Wotton:
Harry, imagine uma garota de uns dezessete anos, com a face como uma flor,
uma cabecinha grega de cabelos em tranas, castanho escuro, olhos violeta que
eram poos de paixo, lbios que eram como ptalas de rosa (WILDE, 2008,
p. 58). 29

Nesse fragmento o narrador ressalta, atravs da fala de Dorian, as caractersticas de


Sibyl, descrevendo-a com tanta intensidade que, ao l-lo, o leitor ser remetido a imaginar a
figura da garota. Ao usar a metfora para descrever a beleza da jovem, Oscar Wilde intensifica a
importncia da mesma nesse ambiente de decadncia interior e exaltao da beleza exterior.

29

No original: Harry, imagine a girl, hardly seventeen years of age, with a little flower-like face, a small
Greek head with plaited coils of dark-brown hair, eyes that were violet wells of passion, lips that were like the petals
of a rose (). (WILDE, 1957, p.51)

36

Aps terminar o romance com Sibyl Vane, com crueldade e trat-la mal, chega a sua
casa e, segundo o narrador:
Dorian Gray voltou-se, foi janela, ergueu a persiana (). Mas a expresso
singular do retrato continuou a impressionar o original, mais acentuada talvez. A
luz do dia mostrava-lhe as linhas cruis em torno da boca, to nitidamente como
se ele estivesse se vendo em um espelho, depois de praticar uma ao terrvel...
(WILDE, 2008, p.91). 30

O principal objetivo da arte pictrica a representao da realidade, seja de um


sentimento, do pintor, de um ambiente, de seres humanos, animais, enfim, uma forma de
transformar a realidade em arte, atravs dos traos e descries, assim como o espelho que reflete
o real.
Outra forma de intertextualidade presente na obra a citao de um poema por Dorian
Gray ao aguardar seu criado chamar Allan Campanile, aps matar Basil Hallward com uma
facada dentro de sua prpria casa, e chamar Allan para dar fim ao corpo do pintor.
Folheando-o deu com o poema sobre a mo de Lacenaire (...). Dorian Gray
enviesou os olhos para seus dedos brancos e fusiformes e estremeceu
involuntariamente. Continuou a virar as folhas at as adorveis estrofes sobre
Veneza:
Sur une gamme chromatique,
Le sein de perlesruisselant (WILDE, 2008, p.148). 31

Esse poema pertence a Pierre Jules Thophile Gautier, um poeta muito valorizado por
Oscar Wilde. Em 1852 escreveu e publicou um livro chamado maux et cames (Esmaltes e
Camafeus), que contm o poema Venice, utilizado por Wilde na obra analisada. Tanto no
romance, foco deste trabalho, quanto no poema de Gautir, aludem Veneza, a capital das Artes e,
tambm, o bero do Renascimento, onde, mais uma vez, nos remete a William Shakespeare e
seus romances trgicos.
Em vrios outros fragmentos da obra, o autor remete a diferentes instrumentos musicais
e at mesmo, fala sobre a prpria msica:
30

No original: He turned round, and, walking to the window, Drew up the blind (). But the strange expression that he had noticed in the face of the portrait seemed to linger there, to be more intensified even. The quivering, ardent sunlight showed him the lines of cruelty round the mouth as clearly as if he had been looking into a mirror after he had done some dreadful thing. (WILDE, 1957, p.77)
31
As he turned over the pages his eye fell on the poem about the hand of Lacenaire (...). He glassed at his
own white taper finger, shuddering slightly in spite of himself, and passed on, till the came to those lovely stanzas
upon Venice:
Sur une gamme chromatique,
Le sein de perlesruisselant (WILDE, 1957, p.126)

37

Entrando, avistaram Dorian Gray. O rapaz estava sentado ao piano de costas


para eles, folheando as pginas de Cenas da Floresta, de Schumann (WILDE,
2008, p.27).
A msica o excitava assim. A msica o alvoroava muitas vezes. Mas a msica
no era articulada. () Dir-se-ia que elas podem dar forma plstica s coisas
informes e ter msica prpria, to suave como a da viola ou do alade (WILDE,
2008, p.30). 32

A arte musical , assim como muitas artes pictricas e literrias, a representao de algo
ou algum, nesse caso, o instrumento e o ritmo musical so as representaes da poca e dos
sentimentos do msico. Tambm Basil Hallward deixa seus sentimentos no retrato de Dorian
Gray, pois afirma:
todo retrato pintado com sentimento retrata o artista e no o modelo (...) o
motivo pelo qual no tenciono expor este retrato o receio de ter deixado nele o
segredo da minha alma (WILDE, 2008, p.18). 33

Nesse caso, ainda pode-se salientar a obra como, segundo Munira Mutran, mal
disfarada autobiografia, afinal Oscar Wilde descreve momentos da poca, e coloca-se, de certa
forma, nos trs personagens, atravs de suas atitudes e pensamentos.
Ao trazer para a obra a composio de Robert Alexander Schumann, Oscar Wilde
descreveria um momento de agonia do personagem Dorian. Assim como na prpria obra de
Schumann (1810 1856). Schumann foi escritor, poeta, crtico musical e compositor, casou-se
com Clara Wiek, filha de seu professor, tambm pianista. Clara cresceu muito profissionalmente,
mais ainda que Schumann. Esse sentia os efeitos de uma doena degenerativa que iria lhe
dificultar o movimento dos dedos, o que o impossibilitaria de tocar piano. Mais tarde sofreu com
crises depressivas e comeou a sentir alucinaes e surtos psicticos. As ideias de suicdio vieram
no mesmo ano de sua morte. A obra Waldszenen Forest Scenes uma obra tardia de
Schumann, que se esforava com as doenas mentais graves, na mesma poca de sua
composio, seu contexto de produo foram os anos de 1848 e 1849 e tem durabilidade de 20 a
23 minutos. A obra de Schumann, citada em The Picture of Dorian Gray, Waldszenen descreve a

32

As they entered they saw Dorian Gray. He was seated at the piano, with his back to them, turning over
the pages of a volume of Schumanns Forest Scenes. (WILDE, 1957, p.27)
() Music had stirred him like that. Music had strubled him many times. But music was not articulate. () They
seemed to be able to give a plastic form to formless things, and to have a music of their own as sweet as that of viol
or of lute. (WILDE, 1957, p.30)
33
every portrait that is painted with feeling is a portrait of the artist, not of sitter (...) the reason I will
not exhibit this picture is that I am afraid that I have shown in it the secret of my own soul. (WILDE, 1957, p.21)

38

sensao de um passeio pela floresta e, como se retratasse, a ao do homem sobre a natureza.


Assim como faz Lord Wotton sobre Dorian Gray.
Lord Henry um personagem dominador, responsvel por apresentar ao leitor e a
Dorian vrios discursos perversos e cnicos sobre a sociedade e valores. Em vrios desses
discursos declara: ... o nico encanto do casamento tornar absolutamente necessria aos dois
cnjuges uma vida de iluso (WILDE, 2008, p. 17).

34

Sobre as mulheres Henry afirma para

Dorian que:
Meu filho, uma mulher nunca um gnio. As mulheres so um sexo decorativo.
Nunca tem nada a dizer, mas falam que um encanto. As mulheres representam
o triunfo da matria sobre o esprito; exatamente como os homens representam o
triunfo do esprito sobre a moral (WILDE, 2008, p. 55).

Tais discursos instigam Dorian a tomar decises a fim de viver intensamente. Lord
Henry procura transformar Dorian em um homem sem princpios, mas que continue sendo belo,
como se fosse uma experincia, partindo de suas declaraes. Dorian aproveita-se de sua beleza
para seduzir as mulheres e sentir-se como objeto de desejo.
Em The Critic as Artist Oscar Wilde se refere msica com uma explicao sobre o
artista estar ou no absolutamente realizado:
Costuma-se dizer que a tragdia da vida de um artista que ele no pode realizar
o seu ideal. Mas a verdadeira tragdia que persegue os passos da maioria dos
artistas que eles percebem o seu ideal tambm absolutamente. Pois, quando a
ideia percebida ela roubada de sua maravilha e de seu mistrio, e torna-se
simplesmente um novo ponto de partida para um ideal que diferente de si
mesmo. Esta a razo porque a msica o tipo de arte perfeita. A msica nunca
pode revelar seu segredo final. 35

Dessa forma possvel compreender o papel da msica para o artista. Assim como o
retrato representa para Basil Hallward os sentimentos do pintor.

34

... the one charm of marriage is that it makes a life of deception absolutely necessary for both parties.
(WILDE, 1957, p. 20)
35
It is sometimes said that the tragedy of an artists life is that he cannot realize his ideal. But the true
tragedy that dogs the steps of most artists is that they realize their ideal too absolutely. For, when the idea is realized
it is robbed of its wonder and its mystery, and becomes simply a new starting-point for an ideal that is other than itself. This is the reason why music is the perfect type of art. Music can never reveal its ultimate secret. (WILDE,
1957, p. 970)

39

Oscar Wilde, um homem adepto a todas as formas de arte, viveu entre as trs capitais da
arte: Dublin, Londres e Paris. Assim possui propriedade ao relat-las durante seus ensaios, cartas
e em seu nico romance The Picture of Dorian Gray.

40

7 CONSIDERAES FINAIS

O estudo da obra The Picture of Dorian Gray teve o respaldo de pensadores como
Munira Mutran, Seamus Deane e Yves Reuter, entre outros pesquisadores da rea da literatura
estrangeira com o objetivo de traar paralelos entre as diferentes artes presentes na obra. A isso a
critica denomina intertextualidade. Para alm da tanta intertextualidade em Wilde, encontramos
tambm o dilogo entre as diferentes artes, que nos leva a uma reflexo j estabelecida em
trabalhos sobre ekphrase (traduo de imagens em palavras e vice-versa). Artistas vm
utilizando-se de obras que antecederam a eles para encontrar uma identidade, a fim de se
estabelecerem como pertencentes tradio.
De acordo com Wolkoff (2008), as obras interartes trazem uma comunicao que deixa
menos a desejar por parte dos artistas e dos apreciadores das artes. No caso de Wilde,
possvel que estas relaes interartes tenham a ver tanto com a sua busca de insero na tradio
anglfona, quanto com a sua capacidade dialgica com a mesma histria anglfona, bem como a
sua maestria em convocar universos a ver com isso das Artes, tornando, assim, a sua obra um
campo frtil a interpretaes variadas e releituras.
A partir do olhar sobre os estudos irlandeses e da obra em questo, a traduo e a
intermedialidade das artes relacionadas no romance de Oscar Wilde mostram a interrelao
cultural. Esse estudo diz respeito ao exerccio interpretativo da traduo, produzindo no romance
uma comunicao mais eficaz, tratando de diferentes gneros artsticos irterrelacionados
simultaneamente e propondo ao leitor uma capacidade de ampla interpretao.
Um ponto conclusivo importante neste trabalho , de fato, a relevncia de estudos
contemporneos sobre todas as relaes tanto dialgicas, quanto interartes presentes na obra de
Wilde em questo. Possivelmente, esse tipo de estudo poder nos conduzir a compreenses das
dinmicas finisseculares europeias (Irlanda-Inglaterra-Frana, os ambientes percorridos por
Wilde) alm de aprofundamentos acerca das representaes psicossociais de ns mesmos,
humanos, a partir do contexto anglfono. Assim, este trabalho conta ter acenado a possibilidade
de estudos futuros acerca das realidades aqui em debate.

41

REFERNCIAS

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file:///C:/Users/user/Downloads/15126-38306-1-PB.pdf > Acessado em 14 jun. 2014.
Composio
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WOLKOFF, Gisele Giandoni. Composio Pictrica na obra de Eavan Boland: Paisagens
Interiores. So Paulo: FFLCH/ USP, 2008.

43

ANEXOS
ANEXO 01

44

ANEXO 02

45

ANEXO 03

46

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